ALEGORIA DA CAVERNA Imagine um grupo de pessoas que

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ALEGORIA DA CAVERNA Imagine um grupo de pessoas que
Aula 03 – Teoria Geral de Sistemas – 02/08/2007
Universidade do Contestado – UnC/Mafra
Curso Sistemas de Informação - 4ª – Fase
\Prof. Carlos Guerber
Por Heraldo Aparecido Silva
23/5/2003
ALEGORIA DA CAVERNA
THE MATRIX E A CAVERNA DE PLATÃO
Imagine um grupo de pessoas que habita o interior de uma caverna subterrânea, estando todas
de costas para a entrada da caverna e acorrentadas pelo pescoço e pés, de sorte que tudo o que
vêem é a parede da caverna. Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras
de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro.
Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras na parede da
caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna podem ver é este “teatro de sombras”. E
como essas pessoas estão ali desde que nasceram elas acham que as sombras que vêem são as
únicas coisas que existem.
Imagine agora que um desses habitantes da caverna consiga se libertar daquela prisão.
Primeiramente ele se pergunta de onde vêm aquelas sombras projetadas na parede da caverna.
Depois consegue se libertar dos grilhões que o prendem. E o que acontece quando ele se vira para as
figuras que se elevam para além da borda do muro? Primeiro, a luz é tão intensa que ele não
consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos das figuras, de que ele até então só vira
as sombras, ofusca a sua visão.
Se ele conseguir escalar o muro e passar pelo fogo para poder sair da caverna, terá mais
dificuldade ainda para enxergar devido à abundância de luz. Mas depois de esfregar os olhos, ele verá
como tudo é bonito. Pela primeira vez verá cores e contornos precisos; verá animais e flores de
verdade, de que as figuras na parede da caverna não passam de imitações baratas.
Suponhamos, então, que ele comece a se perguntar de onde vêm os animais e as flores. Ele vê
o Sol brilhando no céu e entende que o Sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como
também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede.
Agora, o feliz habitante das cavernas pode andar livremente pela natureza, desfrutando da
liberdade que acabara de conquistar. Mas as outras pessoas que ainda continuam lá dentro da
caverna não lhe saem da cabeça. E por isso ele decide voltar. Assim que chega lá, ele tenta explicar
aos outros que as sombras na parede não passam de trêmulas imitações da realidade. Mas ninguém
acredita nele. As pessoas apontam para a parede da caverna e dizem que aquilo que vêem é tudo o
que existe; é a única verdade que existe; é a realidade. Por fim, acabam matando aquele que retornou
para dizer-lhes um monte de "mentiras".
"O que é Matrix? Controle. A Matrix é um mundo de sonhos gerado por computador... feito para
nos controlar..." [Trecho da revelação feita por Morpheus a Neo] (Andy &
Para começar, responda rápido: se o contrário de real é irreal, então qual é o contrário de
virtual?
Se está se perguntando qual é a relação desta questão com o filme e a filosofia? Tudo.
O filme praticamente começa com a pergunta "o que é Matrix?". Alguém aí se lembra do
diálogo entre Trinity e Neo? Então... ela lhe diz: "- É a pergunta que nos impulsiona, Neo. Foi a
pergunta que te trouxe aqui. Você conhece a pergunta assim como eu". E ele: "- O que é a Matrix?".
Em seguida, a jovem conclui: "- Sim, a resposta está aí. Ela está à sua procura. E te encontrará se
você desejar".
Mas e a relação desta passagem com a filosofia? Bem, a filosofia ocidental (o pensamento
crítico) surgiu na Grécia Antiga, por volta do século VI a. C., como uma alternativa ao mito (o
pensamento ingênuo); ela começa através da pergunta "o que é a realidade"?.
Lembra da parte em que Morpheus (o deus dos sonhos e filho de Hipno, na mitologia grega)
leva Neo até Oráculo e ela lhe mostra a frase "conhece-te a ti mesmo". Isso é grego também. É de um
sujeito que mudou o panorama da história da filosofia e da humanidade: Sócrates (c. 470-399 a. C.), o
fundador da ética ou filosofia moral. Por causa dele, as pessoas passaram a se interessar e estudar
não apenas a realidade exterior (questões sobre a natureza, os astros etc.), mas também a interior
(questões relativas ao ser humano, como política, educação, organização social, comportamento).
Três máximas socráticas ilustram o modo como ele conduziu a sua existência: 1) "Conhece-te a
ti mesmo"; 2) "Só sei que nada sei" e 3) "A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida".
PLATÃO.
E daí? (geralmente os filósofos perguntam isso). Bem, daí que, na história de Sócrates,
também tem um Oráculo, o Oráculo de Delfos, que disse para ele que o homem mais sábio de todos
era... ele mesmo. Todo mundo achava isso, menos o próprio Sócrates. Mais ou menos como acontece
com Neo no filme. Quase todo mundo o considera o Escolhido, exceto ele próprio.
Por meio desta parábola, relatada por Platão, podemos refletir acerca do que entendemos por
verdade. Será que nossas verdades são as “sombras” que se encontram a nossa frente? Será que
nossas verdades se resumem apenas ao que percebemos com nossos cinco sentidos? Quando
acreditamos apenas no que conseguimos ver, ficamos dentro das muralhas de nossa existência, de
nossos sentidos, percepções, conceitos e preconceitos.
Precisamos tomar cuidado para não aniquilarmos prematuramente o que ainda não vemos.
Pode ser que se perca uma ótima oportunidade de ampliar nossos conhecimentos. Acreditar nas
"sombras" é um péssimo hábito que, infelizmente, está muito presente também no mundo da ciência.
Depois, de sua visita ao Oráculo, o ateniense Sócrates passou a abordar as pessoas e a
discutir com elas os mais variados assuntos, no intuito de achar alguém que fosse realmente sábio, já
que ele achava que nada sabia. Nestes diálogos, sempre colocava em prática as suas máximas: "Só
sei que nada sei" e "Conhece-te a ti mesmo". Isto significa que o método socrático, elenchus, pode
ser dividido em duas partes: a primeira (destrutiva), com a ironia; e a segunda (construtiva), com a
maiêutica. Para Sócrates, a sabedoria consiste primeiro no reconhecimento da própria ignorância este conhecimento é o passo inicial em busca da sabedoria e envolve o abandono das idéias
preconcebidas. Afinal, "as aparências enganam" e não queremos ser enganados por elas, certo?...
certo (menos, é claro, para os partidários do Cypher - o traidor no primeiro filme -, que podem retrucar
em uníssono: "- Me engana que eu gosto!").
REFLEXÃO:
Qual a influência do mito da caverna na compreensão de sistemas complexos? Quais as
variáveis que devem influenciar na concepção de um sistema, orientação, implementação,
desenvolvimento e interação?
Os diálogos socráticos eram inconclusivos, mas, após os mesmos, acreditava-se estar numa
situação melhor do que a de outrora, uma vez que, embora não se soubesse o que era um objeto em
questão, sabia-se o que ele não era.
O método maiêutico consiste em extrair idéias por meio de perguntas; a imagem é a de que as
idéias já existem na mente "grávida" da pessoa, mas precisam de um "parto" para se tornarem
manifestas. Este "poder da mente" é, de certo modo, sugerido no filmes em diversas ocasiões: tanto
para propiciar feitos extraordinários quanto para causar a morte do "corpo real" através do virtual.
No fim, Sócrates foi injustamente condenado à morte por ter corrompido - através de idéias
inéditas e contestadoras - a juventude, desrespeitar os deuses e confrontar o Estado.
O principal discípulo de Sócrates foi Platão (c. 429-347 a.C.). A passagem mais conhecida de
suas obras, a alegoria da caverna (ou mito da caverna), está no livro A república. Agora um pouco
de paciência e uma dica para entender o filme a partir desta perspectiva filosófica: ao ler o trecho a
seguir, substitua a "caverna" pela realidade virtual de Matrix e o "fugitivo" por Neo e seus
companheiros.
Platão exemplifica suas idéias sobre filosofia, política e realidade a partir da dramática alegoria
da caverna sobre um grupo de prisioneiros confinados, desde o seu nascimento, no interior de uma
caverna. Estão acorrentados de uma tal maneira que só conseguem olhar para frente e tudo que vêem
são sombras na parede. Tais sombras são projetadas pela escassa iluminação fornecida por uma
fogueira que arde atrás deles. Entre a fogueira e os prisioneiros, há uma passagem ascendente para
fora da caverna e através da qual, diversas pessoas entram e saem, fazendo com que os prisioneiros
vejam variadas formas de sombras e ouçam o eco das vozes dos transeuntes.
Em seguida, Platão afirma que um dos prisioneiros, após árdua luta, consegue se libertar das
correntes e fugir. Assim, pela primeira vez, o ex-prisioneiro, pode contemplar algo além daquilo ao qual
estava habituado. Mais do que meras sombras, ele vê a fogueira, os outros prisioneiros, a passagem
ascendente e tudo o mais no interior da caverna.
Depois, quando sai e atinge o mundo exterior, além de descobrir a existência de muitas outras
coisas, é ofuscado por uma luminosidade ainda maior do que a da fogueira: a do Sol. Atordoado, ele
retorna à caverna em busca de refúgio e, também, para relatar o ocorrido aos seus antigos
companheiros - estes, por sua vez, não crêem na voz dissonante do fugitivo e se recusam a serem
libertados para compartilhar da mesma ‘experiência’.
Em contrapartida, os prisioneiros também não conseguem convencer o fugitivo de seu suposto
devaneio. Assim, terminam por silenciar, hostilizar e matar o pária fugitivo.
No filme, Morpheus alerta Neo, no "programa de treinamento" (após ele se distrair com "a
Mulher de Vermelho" que, num piscar de olhos, dá lugar a um "agente" letal), que qualquer um em
Matrix é um agente em potencial.
Agora o restante da interpretação.
Se considerarmos a linguagem metafísica e dualista de Platão (luz/sombra, ciência/opinião,
essência/aparência), é possível afirmar que os prisioneiros são a humanidade ignorante - no sentido
de não saber, não conhecer. Em Matrix, eles são representados pela humanidade prisioneira das
máquinas tiranas.
As correntes que os retém são os hábitos retrógrados e nocivos (os vícios, opostos da virtude)
que, se não impede, ao menos dificulta o acesso ao conhecimento. Em Matrix, as correntes também
são nossos pseudoprazeres, a rotina e ilusão de realidade, resultado da "simulação neurointerativa".
Uma vez que as sombras são as únicas coisas que os prisioneiros vêem - não possuem outros
referenciais - é natural que acreditem nelas como sendo a própria realidade - quando na verdade não
são. Em Matrix, se você está sonhando e não percebe, como pode saber que tudo aquilo não é
realidade? "- Acorde, Neo. (...) Siga o coelho branco".
O fugitivo representa o filósofo, aquele que tem acesso à luz - ao conhecimento. Em Matrix: é
o que desconfia que está vivendo uma ilusão, como Neo.
O percurso até o conhecimento é ascendente e íngreme, assim como a passagem que une o
interior ao exterior da caverna. Da mesma forma que a visão necessita de tempo para, de forma
gradativa, assimilar as mudanças de tons claros e escuros a que são submetidos os objetos quando
passamos das luzes às trevas e vice-versa; a compreensão e a aprendizagem demandam tempo,
requerem um período para adaptação. Em Matrix recorde o difícil processo de readaptação pela qual
Neo e todos os outros antes dele tiveram de se submeter.
A missão do filósofo (e de Neo ou de qualquer um que se livre do controle de Matrix, conforme
esta interpretação) é conhecer a verdadeira realidade (sair da Matrix), regressar à caverna - lugar
obscuro, pleno de crenças, aparências e superstições - (voltar à Matrix) e instruir os demais (em
Matrix: libertar todos). Tarefa nada fácil, já que as idéias retrógradas são predominantes e costumam
condenar, de modo prévio, todo ineditismo (em Matrix: não resista, esqueça, se submeta para não
precisar ser eliminado).
Parafraseando Platão, podermos dizer que "a realidade não é o que alguns apregoam que ela
é". A realidade é virtual, é Matrix.
Em virtude da extensão do legado platônico, muitas de suas idéias não foram aqui abordadas;
todavia, faz-se necessária uma pequena e lacunar menção sobre duas noções importantes: a teoria
das formas ou idéias e da doutrina da reminiscência.
Para Platão, no diálogo Mênon, o início do processo de conhecimento é justificado pela
doutrina da reminiscência ou anamnese, uma precursora solução inatista que sustenta a idéia
segundo a qual existe um conhecimento prévio, resultante da contemplação das formas perfeitas e
imutáveis pela alma imortal antes da reencarnação. Portanto, a partir deste exemplo, podemos notar
que é através da teoria das formas ou idéias e da doutrina da reminiscência, que Platão defende que o
conhecimento é a rememoração. Já no filme, na barganha que Cypher faz com o agente Smith, ele
exige entre outras coisas, esquecer tudo, não se lembrar de nada.
Para finalizar, um pouco de heresia filosófica: o "momento aristotélico" do filme fica por conta
das máquinas. Calma, eu explico.
Antes de seguir suas próprias idéias Aristóteles foi o mais importante discípulo de Platão.
Sistematizador da lógica, ele valorizava extremamente o conhecimento empírico e as ciências naturais.
Classificava tudo metodicamente, principalmente quando se tratava de suas investigações no campo
da biologia. Se alguém aí falou "Agente Smith" e "Inteligência Artificial", acertou.
Vamos recordar. No universo do filme Matrix, por volta de 2199, a Terra fica devastada como
resultado de uma guerra ocorrida entre humanos e máquinas. A humanidade não consegue vencer a
Inteligência Artificial, "uma consciência singular que gerou uma raça inteira de máquinas" (segundo
relato de Morpheus), bloqueando a energia solar da qual dependiam as máquinas. Ironicamente, os
seres humanos derrotados tornam-se baterias de "bioeletricidade" e acabam substituindo a função do
Sol, pois, através de uma "espécie de fusão", são usados para fornecer a energia de que elas
precisam.
Na cena em que Morpheus encontra-se prisioneiro do Agente Smith, este revela que, ao tentar
classificar a raça humana, fez uma descoberta surpreendente: ele sustenta que nós, seres humanos,
não somos mamíferos, porque não entramos em equilíbrio com o meio ambiente.
Ao contrário dos mamíferos, nós nos mudamos para uma área e nos multiplicamos até
consumirmos todos os recursos naturais para depois, mudar novamente para outra. Segundo o Agente
Smith, o "outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão" é um "vírus".

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