Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher

Transcrição

Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher
Núcleo Especializado de Promoção
e Defesa dos Direitos da Mulher
EXCELENTÍSSIMA
SENHA
DOUTORA
DEFENSORA
PÚBLICA
COORDENADORA DO NÚCLEO DE PROTEÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA
MULHER.
Procedimentos Administrativos n.º 42/09 e 204/14
Assunto: Proposta Vinte do 2º Ciclo de Conferência da DPE: “Atuar pela
Descriminalização do Aborto” e Proposta 86 da IV Conferência Estadual da DPE:
“Atuação do NUDEM com autonomia em prol da legalização do aborto, principalmente
com a realização de campanhas, asseguradas a ampla divulgação e a participação
popular.”
Interessado: NUDEM
Defensores Públicos Membros e Colaboradores do Núcleo de Promoção e Defesa dos
Direitos da Mulher:
Trata-se de procedimento administrativo instaurado por
conta da aprovação na II Ciclo de Conferência Estadual de proposta “Atuar pela
descriminalização do aborto”.
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Apesar da proposta 20 do II Ciclo de Conferências da
Defensoria Pública ser a que gerou os estudos desse Nudem sobre o tema, vale observar
que desde 2007, quando ocorreu o I Ciclo de Conferências a sociedade civil já pautou o
aborto como tema sensível a ser trabalhado pela Defensoria Pública.
Para ilustrar, a proposta aprovada no ciclo de 2007 possuía
a seguinte redação:
“Lutar pela descriminalização
do aborto, exigir e requerer a implantação de políticas de
planejamento familiar e programa de atendimento integral à
saúde da mulher, em todos os Municípios.”
E, reafirmando a necessidade da atuação efetiva nessa
temática, nova proposta foi aprovada no IV Ciclo de Conferências, ocorrido em 2013,
qual seja, “Atuação do NUDEM com autonomia em prol da legalização do aborto,
principalmente com realização de campanhas, asseguradas a ampla divulgação e
participação popular.”
Vale observar que a ultima proposta aprovada gerou o
Procedimento Administrativo 204/2014, distribuído por dependência a essa relatora,
sendo, assim, esse parecer sobre essa proposta.
Inseridas essas primeiras informações, passo apresentar
meu parecer, a ser submetido à plenária do NUDEM, da seguinte forma. Primeiramente
tratarei das diligências ocorridas no PA 42/09, posteriormente farei uma análise da atual
realidade jurídica do aborto no direito comparado e no Brasil, do atendimento pela rede
de saúde, e por fim apresentaremos nossa posição.
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I – Histórico
Conforme já demonstrado, o PA 42/09 foi instaurado por
conta da eleição, pela sociedade civil, através dos ciclos de conferências da Defensoria
Pública, do aborto, mais precisamente sua descriminalização, como tema sensível a essa
Instituição.
Desde sua abertura, diversos documentos foram juntados,
os quais continham importantes informações sobre a temática, a fim de subsidiar os
relatores responsáveis pelo procedimento.
Não só. Diversos especialistas foram convidados para
discussões sobre o tema no âmbito do NUDEM, e, em 2013, para todos os interessados.
Ainda, durante sua tramitação, algumas importantes
discussões foram travadas na sociedade brasileira, como o julgamento da ADPF
54/2004 e a discussão sobre a reforma do Código Penal.
I.a– Da Falta de Consenso Sobre a Descriminalização do Aborto
A primeira relatoria no âmbito do procedimento já trazia à
tona a grande controvérsia social, política e jurídica existente sobre a descriminalização
do aborto. De fato, esse tema talvez seja o que gere debates mais acalorados.
Naquela ocasião, foi aprovado o parecer no sentido de que
à Defensoria Pública não caberia posição de vanguarda em relação à legalização
irrestrita do aborto, ficando, assim, o objetivo do procedimento adstrito ao estudo do
chamado aborto terapêutico, naquela ocasião sob júdice do STF.
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Ainda, foi aprovada a realização de debates com
especialistas. Foram ouvidos os seguintes convidados, quais sejam, Dulce Xavier, Dr.
José Torres e Dr. Jefferson Drezzet, todos favoráveis à descriminalização do aborto.
Passou-se, assim, a procurar um palestrante com posição
contrária à descriminalização, desde que não defendesse posições religiosas,
respeitando-se, assim, o Estado laico.
Não foi possível a efetivação de referido encontro pois a
palestrante convidada não aceitou o convite sem contrapartida financeira.
Nesse ínterim o Supremo Tribunal Federal julgou a ADPF
54 que tratava da possibilidade de antecipação do parto nos casos de anencefalia do feto
– aborto terapêutico, em abril de 2012.
Ainda, desde outubro de 2011 havia sido instalada uma
comissão de juristas a fim de elaborar um anteprojeto de Código Penal, o que será
discutido a seguir.
De fato, independente dos avanços já apontados, não pode
esse órgão se esquivar de seu mister em prol da mulher, cabendo, assim, ao NUDEM
oferecer seu parecer através dessa relatoria.
I.b – Do Anteprojeto de Reforma do Código Penal
Conforme já descrito, em outubro de 2011 diversos
juristas foram convidados a fim de apresentar um anteprojeto de reforma do Código
Penal.
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A proposta de referidos juristas, após meses de trabalho,
audiências públicas e discussão com experts foi de inserir duas novas hipóteses de
atipicidade ou excludente de ilicitude – aqui não cabe a discussão sobre a natureza
jurídica do art. 128, do Código Penal Brasileiro – ao art. 128, que já tratava de duas
hipóteses (aborto feito em caso de gravidez decorrente de estupro e risco à vida da
gestante).
Nesse sentido, o art. 128 do Código Penal, de acordo com
a proposta, teria a seguinte redação.
“Art. 128. Não há crime se:
I – Houver risco à vida da gestante;
II – a gravidez resulta de violação da dignidade
sexual, ou do emprego não assistido de técnicas de
reprodução assistida;
III – comprovada a anencefalia ou quando o feto
padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a
vida independente, em ambos os casos atestado por dois
médicos;
IV – se por vontade da gestante, até a 12ª semana da
gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a
mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a
maternidade.
§1º Nos casos dos incisos II e III, e da segunda parte
do inciso I deste artigo, o aborto deve ser precedido de
consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou
impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do
cônjuge ou de seu companheiro.”
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Não se pode negar que a inserção de referidos incisos foi
mais tímida que o esperado, no entanto, importante passo para pautar a temática.
Não é novidade que os Conselhos Federais de Medicina,
Psicologia e Serviço Social já se manifestaram favoráveis a descriminalização irrestrita
do aborto, e, juntamente com outras entidades, movimentos sociais e ONGs, acolheram
a proposta do anteprojeto.
No âmbito desse NUDEM, após consulta, houve robusta
manifestação do Grupo de Trabalho Interdisciplinar Gênero e Violência do Centro de
Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no sentido
de sugerir algumas mudanças no texto proposto, sem, contudo, criticar o pequeno
avanço.
Nesse contexto, ainda, foi ouvida a Defensora Pública
Juliana Belloque, que fez parte da construção do anteprojeto e houve subscrição de carta
feita pela Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência apoiando o Anteprojeto de
Reforma do Código Penal e de documento feito pelo GEA (Grupo de Estudos sobre
Aborto).
A partir dessa oportunidade, a fim de buscar se aprofundar
sobre a temática, a equipe do NUDEM passou a fazer parte de referido grupo, que reúne
estudiosos de todo o país.
Sobre o anteprojeto, após a entrega do mesmo ao relator
da reforma do Código Penal, Senador Pedro Taques, houve, por parte dele, retirada,
inicialmente, da hipótese inserida no inciso IV do art. 128, mantendo apenas a
possibilidade do chamado aborto em caso de anencefalia, o que já havia sido permitido
no âmbito do STF.
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Nessa ocasião, o Nudem se manifestou contrariamente a
esse retrocesso, principalmente por conta da falta de discussão democrática sobre a
proposta apresentada e sua retirada. As manifestações se deram através de publicações
na mídia impressa e envio de ofício ao próprio Senador.
I.c – Do Seminário “Estratégias para Descriminalização do Aborto no Brasil: Projeto de
Alteração do Código Penal e as Experiências de Legalização em outros países.”
No curso da instrução do procedimento administrativo
42/09, ficou decidido que o Nudem faria um evento para discutir a proposta do
anteprojeto. A data escolhida foi dia 26 de setembro, uma vez que dia 28 de setembro é
o dia da luta pela descriminalização do aborto na América Latina.
Para participar desse evento, que foi aberto a todo público
interessado, foram convidados Juliana Garcia Belloque, para falar sobre “As discussões
no âmbito da Comissão da Reforma e Texto Final”, Daniel Sarmento, “As experiências
da legalização do aborto em outros países sobre a perspectiva do Direito
Constitucional”, Daniela Pedroso, “A exigência da constatação de ausência de
condições psicológicas de arcar com a maternidade no anteprojeto” e Jefferson Drezzet,
“A saúde da mulher e a descriminalização do aborto no Brasil”.
Na ocasião do seminário o parecer do Senador Pedro
Taques, retirando a proposta do inciso IV para o art. 128, do Código Penal, já havia sido
apresentado.
O evento foi realizado sendo, naquela ocasião, elogiado
pela sociedade civil, ficando como marco de posicionamento desse órgão de expertise
sobre o assunto.
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II – Realidade Jurídica
II.a – No Brasil
A interrupção da gravidez é crime no Brasil. Tal conduta
está tipificada nos arts. 124 a 127, do Código Penal, sendo certo que o art. 128 traz as
hipóteses de excludente de tipicidade. Ainda, há a hipótese de autorização decorrente de
decisão do STF, na ADPF n.º 54.
Vamos analisar os dispositivos penais e posteriormente as
normas que possuam outra natureza. Como já falado, a interrupção da gravidez é prática
proibida no país, sendo imputada pena a quem realiza o procedimento – tanto a gestante
quanto outra pessoa que a auxilie. Vejamos os dispositivos.
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou
consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da
gestante:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da
gestante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo
anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos,
ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é
obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos
anteriores
são
aumentadas
de
um
terço,
se,
em
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conseqüência do aborto ou dos meios empregados para
provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza
grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe
sobrevém a morte.
Vale observar que o aborto é um crime previsto dentro do
Capitulo de crimes contra a vida, sendo que seu processamento é público
incondicionado e a competência do julgamento é do Tribunal do Júri.
As hipóteses autorizadoras do aborto são quando gravidez
decorre de estupro, há risco à vida da gestante e nos casos de anencefalia (esse último
caso decorrente de decisão do STF na ADPF n.54). Vejamos.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por
médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da
gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
(Aborto humanitário)
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é
precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal.
Diante disso, verifica-se que o abortamento na legislação
brasileira é crime, sendo permitido apenas nas hipóteses citadas.
Para o procedimento nos casos acima mencionados,
desnecessário pedido de autorização judicial. No entanto, existem algumas exigências
médicas para o procedimento, quais sejam, o abortamento deve ocorrer entre, no
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máximo, até a 20ª ou 22ª semana de gestação, e com produto da concepção pesando
menos que 500g. Nos casos de risco de vida da mãe ou fetos anencéfalos não há
limitação temporal para que o procedimento seja realizado.
As Normas Técnicas de Prevenção e Tratamento dos
Agravos resultantes de Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, de Atenção
Humanizada ao Aborto e Atenção às Mulheres com gestão de Anencéfalos do
Ministério da Saúde dão as diretrizes de atendimento aos gestores e profissionais da
saúde nos casos do procedimento de abortamento ou antecipação do parto.
II.b – No Mundo
De acordo com recente pesquisa, divulgada em junho de
2013 e realizada pela organização Center for the Reproductive Rights, os países de todo
o mundo, no tocante ao tratamento legal da interrupção voluntária da gravidez, podem
ser divididos em quatro grupos1.
As quatro categorias adotadas na pesquisa para realizar tal
classificação são as seguintes: i) países nos quais o aborto é completamente proibido e
países em que é permitido somente para salvar a vida da mulher (grupo vermelho); ii)
países que permitem o aborto para evitar riscos à saúde da mulher (grupo laranja); iii)
países que permitem o aborto considerando, como motivos idôneos, aspectos e
condições socioeconômicas da mulher (grupo amarelo); iv) países que permitem o
aborto sem restrições quanto ao motivo (grupo verde); v) países não avaliados (grupo
cinza).
1
Center for the Reproductive é uma organização de legal advocacy, sem fins lucrativos, sediada em
Nova Iorque, dedicada a promover e defender direitos reprodutivos das mulheres em todo o
mundo. Ficha técnica da pesquisa citada: CENTER FOR THE REPRODUCTIVE RIGHTS. Fact Sheet:
The
World’s
Abortion
Laws
Map
2013.
Disponível
em:
http://reproductiverights.org/sites/crr.civicactions.net/files/documents/AbortionMap_Factsheet_
2013.pdf.
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Os critérios adotados (circunstâncias e condições em que o
aborto pode ser praticado) resultam no agrupamento de países que adotam diferentes
modelos normativos que, no entanto, se assemelham quanto ao “grau de proibição” do
aborto (criminalização de mais ou menos condutas). A formação dessas categorias,
portanto, dissolve particularidades e iguala situações diferentes, a fim de promover uma
leitura mais ampla da realidade mundial – o que é inerente, de certa forma, a esse tipo
de análise.
Quanto ao potencial avaliativo da pesquisa, necessário
frisar que, não obstante a descriminalização (ou seja, a mudança no âmbito penal) gere
impactos sensíveis na realidade, é certo que há grande hiato entre a descriminalização e
a legalização, que implica a efetiva implantação de políticas públicas (promoção e
garantia dos direitos sexuais e reprodutivos) e o real e igualitário acesso aos serviços
que as integram.
Além
disso,
outros
fatores,
como
o
cenário
socioeconômico e cultural, influem e determinam a realidade das mulheres que optam
pela interrupção voluntária da gravidez. Sendo assim, o mapa deve ser interpretado de
forma estrita, já que indica tão somente o estatuto legal adotado pelos países, não
traduzindo de forma real e ampla a realidade das mulheres, já que não agrega a análise
de outros vetores determinantes.
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A partir de tal análise, focada no estatuto jurídico, a
organização citada elaborou o Mapa do Aborto no Mundo - 2013, reproduzido abaixo.
O mapa integra um aplicativo interativo, que permite a comparação do status legal do
aborto nos diferentes locais do mundo2.
2
CENTER FOR THE REPRODUCTIVE RIGHTS. The World’s Abortion Laws Map 2013. Disponível em:
http://worldabortionlaws.com/map/. No aplicativo, é possível visualizar o mapa mundial dividido
por cores, de acordo com o tipo de legislação adotada sobre o aborto. Disponibiliza-se, ainda, a
íntegra dos textos legais de diversos países.
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Analisando o processo histórico e recentes
modificações, a pesquisa indica que cerca de 40 por cento da população mundial reside
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em países que se enquadram na categoria verde (permitem o aborto sem restrições
quanto à motivação), totalizando 61 países. Desde 1998, aproximadamente 24 países
tomaram medidas no sentido da descriminalização, enquanto apenas alguns poucos
países recrudesceram suas leis. Ainda sim, cabe apontar que os processos políticos não
são linearmente progressivos, encerrando, muitas vezes, reformas e contra-reformas no
tocante à descriminalização do aborto, como aponta o cenário espanhol (local no qual o
tema está em constante discussão na esfera pública e no qual emerge na agenda
legislativa projeto que visa a restringir o direito à interrupção voluntária da gravidez, a
fim de afastar a reforma legislativa operada em 2010).
A pesquisa aponta ainda que, embora a questão
seja predominantemente disciplinada por códigos penais, cada vez mais o aborto passa a
ser regulamentado em diplomas normativos de saúde pública, por decisões judiciais e,
ainda, por regulamentos específicos sobre saúde reprodutiva, em substituição à
regulamentação tradicional (códigos penais). Ou seja, opera-se uma mudança qualitativa
na forma de abordagem e tematização da questão. Aponta-se também que as mudanças
que delimitam, ampliam ou especificam a questão são oriundas de fontes diversas e
formam um cenário normativo complexo, formados por leis, decisões judiciais (com
destaque para aquelas prolatadas por cortes constitucionais) e/ou normativas do poder
executivo.
Foi constatado também que os 68 países que proíbem
totalmente o aborto ou permitem apenas nos casos para salvar a vida da mulher estão
localizados, em regra, no sul global, com exceção de alguns países do norte asiático. O
Brasil foi incluído nesse grupo. Embora preveja hipóteses autorizadoras que não se
relacionam estritamente ao risco de vida da mulher (como no caso de estupro e de
anencefalia do feto), a inserção nesse grupo se justifica, na medida em que, ainda sim, é
uma legislação muito restritiva se comparado aos países da categoria II (cabe ressaltar
que o Brasil tem uma das leis mais restritivas da América Latina).
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Em outros países incluídos na categoria I, como Egito e
Haiti, embora não haja norma permissiva expressa, é utilizada a idéia de estado de
necessidade para garantir que a mulher não será punida (que fica condicionando a
reconhecimento judicial que, muitas vezes, não ocorre). Países como Chile, Malta, El
Salvador e Nicarágua são exemplos de processos de recrudescimento da legislação,
pois, embora previssem, anteriormente, situações em que era permitido o aborto,
eliminaram todas essas exceções de seus códigos penais.
Os países da categoria II permitem que o aborto seja
realizado para proteger a vida da mulher ou evitar riscos à sua saúde. 58 países foram
alocados nessa categoria, que agrega tanto legislações nacionais que permitem que a
intervenção seja realizada em caso de risco de vida e também quando há risco à saúde
(enquanto algumas visam apenas a resguardar a saúde física, outras também visam,
expressamente, ao resguardo mais amplo da saúde, incluindo a saúde mental). O Peru,
por exemplo, apenas permite que seja realizado aborto em caso de possível dano físico
grave e permanente, enquanto a Colômbia permite o aborto para preservação da saúde
física ou mental (adotando, assim, a definição de saúde da OMS). Em geral, a questão
da preservação da saúde mental também é o argumento utilizado para informar a não
criminalização de abortos em casos de gravidez resultante de estupro, incesto ou
questão relacionada à idade da mulher.
A categoria III reúne 15 países nos quais o aborto é
permitido por razões socioeconômicas, sendo um dos exemplos a Inglaterra. Assim, são
considerados fatores como idade, situação financeira e estado civil da mulher, além da
saúde, como motivos aptos a justificar a prática do aborto.
A categoria IV, por sua vez, inclui os 58 países com as
legislações mais liberais sobre a questão e que se situam, em regra, no norte global.
Esses países permitem o aborto sem impor restrições quanto ao motivo, regulando tão
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somente as condições (como o limite quanto ao período gestacional) em que poderá ser
realizado. São exemplos os Estados Unidos, o Canadá, África do Sul e Portugal.
Realizada, a partir da pesquisa citada, a exposição acerca
do cenário mundial e das linhas gerais dos estatutos legais adotados, passamos a
analisar alguns processos nacionais específicos de descriminalização do aborto e a
legislação adotada nesses países3.
a)
Espanha
A Espanha é um dos casos no qual se observa recente
mudança legislativa no sentido da descriminalização do aborto. A lei anterior, que
remonta a 1985, apenas permitia o aborto até a 12ª semana, no caso de estupro, e até a
22ª semana no caso de grave anormalidade fetal ou, ainda, no caso de grave perigo para
a vida ou saúde física ou psíquica da mulher (sem limite temporal, o que confirmado
por decisão do tribunal constitucional espanhol), tratando as demais condutas que se
encontravam fora desses limites estreitos como crime4.
Embora a redação de 1985 do código penal encerrasse a
descriminalização de algumas condutas, ainda era objeto de fortes críticas do
movimento feminista espanhol, porque continuava a ser demais restritiva. Além disso,
sua redação imprecisa e aberta causava insegurança às mulheres, na medida em que
conferia centralidade decisória aos profissionais de saúde, cujos pareceres
condicionavam a legalidade do aborto. Além disso, a mera descriminalização das
condutas não garantia o real direito à escolha, na medida em que nada dispunha acerca
3
A organização citada realizou outras pesquisas interessantes. Destaca-se estudo que, a partir da
análise dos estatutos legais de diversos países, traça e explora pontos centrais enfrentados no
processo de elaboração de legislação de legalização do aborto. CENTER FOR THE REPRODUCTIVE
RIGHTS. Crafting an Abortion Law that Respects Women’s Rights: Issues to Consider. Disponível em:
http://reproductiverights.org/sites/crr.civicactions.net/files/documents/pub_bp_craftingabortionl
aw.pdf.
4
É possível conferir a redação original dada ao tipo penal em 1985 em:
https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1985-14138
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de políticas públicas, prestações positivas do Estado e os direitos da mulher para
garantir o acesso, apenas limitando-se a indicar como aptos a realizar a intervenção o
sistema público e as instituições privadas credenciadas.
Em 2010, o ordenamento espanhol sofreu sensível
mudança no tocante ao tratamento legal da interrupção voluntária da gravidez, com a
promulgação da “Ley Orgánica 2/2010, de 3 de marzo, de salud sexual y reproductiva y
de la interrupción voluntaria del embarazo”5. Nos marcos da nova lei, a interrupção
voluntária da gravidez passou a ser permitida se respeitados os prazos e condições
instituídas, sem impor restrições quanto à motivação que informa a decisão da mulher e,
assim, consagrando expressamente o direito de escolha da mulher, como desdobramento
do “derecho a la maternidad libremente decidida”.
A Lei espanhola enuncia como seu objeto: i) a garantia
dos direitos fundamentais no âmbito da saúde sexual (que define como o estado de bemestar físico, psicológico e sociocultural relacionado com a sexualidade, que pressupõe
um ambiente livre de coerção, discriminação e violência) e reprodutiva (a condição de
bem-estar físico, psicológico e sociocultural em todos os aspectos relativos à capacidade
reprodutiva da pessoa, que implica uma vida sexual segura, a liberdade de ter filhos e de
decidir quando tê-los); ii) a regulação das condições da interrupção voluntária da
gravidez; e iii) as obrigações dos poderes públicos.
O diploma espanhol, dessa forma, agrega a regulação de
um leque de políticas públicas (dispondo que deverão ser de acesso universal e livre de
discriminação) voltadas à promoção e garantia da saúde sexual e reprodutiva, dividindoas em três eixos: de saúde, educativas (que deverão partir de uma perspectiva integral e
de gênero) e sociais.
5 ESPAÑA.
Ley Orgánica 2/2010, de 3 de marzo, de salud sexual y reproductiva y de la interrupción
voluntaria del embarazo. Disponível em: http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-20103514.
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A lei estabelece que tais políticas deverão contemplar
ações que visem a garantir: a) informação e educação sexual e reprodutiva sexual e
reprodutiva nos conteúdos do sistema formal de educação; b) o acesso universal aos
serviços e programas de saúde sexual e reprodutiva; c) o acesso a métodos seguros e
eficazes que permitam regular a fertilidade; d) a eliminação de toda forma de
discriminação, com especial atenção às pessoas com algum tipo de incapacidade, às
quais se garantirá o direito a saúde sexual e reprodutiva, estabelecendo o apoio
necessário em razão da incapacidade; e) a educação integral e com perspectiva de
gênero sobre saúde sexual e saúde reprodutiva; f) a informação sobre anticoncepção e
sexo seguro que previna tanto doenças sexualmente transmissíveis como gravidezes
indesejadas.
Além disso, a lei prevê-se como instrumento para a efetiva
implantação de tais políticas o desenvolvimento de um plano de cinco anos,
denominado de Estratégia de saúde sexual e reprodutiva, a ser elaborado pelo governo
com colaboração de entidades científicas e profissionais e de organizações sociais.
Nesse contexto normativo, a lei disciplina que será
garantido o acesso à interrupção voluntária da gravidez nas condições por ela
determinadas e estabelece que tais condições serão sempre interpretadas do modo mais
favorável para proteção e eficácia dos direitos fundamentais da mulher que solicita a
intervenção, em particular seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade, à vida,
à integridade física e moral, à intimidade, à liberdade ideológica e à não discriminação.
Após estabelecer tais direitos e a cláusula interpretativa, a
lei estabelece o que denomina como requisitos necessários comuns para a interrupção
voluntária da gravidez. O primeiro é a intervenção que seja conduzida por um médico
especialista ou sob sua direção e o segundo que seja realizada em um serviço público de
saúde ou então em instituição privada credenciada. O terceiro requisito é o
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consentimento expresso e por escrito da mulher que manifeste a vontade de se submeter
à intervenção ou, se for o caso, o consentimento de seu representante legal (em linhas
gerais, trata-se de casos em que a paciente não esteja em condições de tomar a
decisão6). O quarto requisito se refere aos casos em que a mulher tem 16 ou 17 anos.
Nesses casos, a interrupção também dependerá unicamente do seu próprio
consentimento, aplicando-se o mesmo regime utilizado para as mulheres maiores de
idade. O requisito específico referente às mulheres de 16 e 17 anos é a necessidade de
informar pelo menos um dos representantes legais acerca da decisão. Tal informação, no
entanto, não será exigida quando a mulher alegue fundamentadamente que o ato causará
conflito grave intrafamiliar ou situação de abandono/desamparo familiar.
A lei dispõe que, em todos os casos em que a mulher opte
por realizar a intervenção, o Estado tem o dever de informar a mulher sobre: seus
direitos; os benefícios sociais de apoio à maternidade; os distintos métodos de
interrupção da gravidez; a relação dos serviços públicos e os privados credenciados
aptos a realizar a intervenção; as condições dispostas pela lei; os tramites necessários
para realizar a intervenção; as consequências psicológicas, médicas e sociais da
continuação e da interrupção da gravidez.
Em seguida, a lei disciplina duas hipóteses distintas de
interrupção voluntária da gravidez. A primeira é aquela realizada a pedido da mulher,
por qualquer motivo, nas quatorze primeiras semanas de gravidez. Nesse caso, o Estado,
além de informar a mulher acerca dos pontos acima citados, também deverá informar
sobre: auxílios sociais e políticas públicas disponíveis para mulheres grávidas e a
cobertura do serviço de saúde durante a gravidez e o parto; os direitos trabalhistas
vinculados à gravidez e à maternidade; os auxílios sociais e políticas públicas voltados
para o cuidado dos filhos e filhas; os benefícios fiscais e demais informações relevantes
sobre incentivos e auxílios ao nascimento; relação de serviços que prestam informações
6
O denominado “consentimento por representação” é disciplinado pelo artigo 9º da “Ley 41/2002”
da Espanha, disponível em:
http://www.boe.es/diario_boe/txt.php?id=BOE-A-2002-22188
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adequadas sobre anticoncepção e sexo seguro; relação de serviços em que a mulher
possa buscar voluntariamente acolhimento e acompanhamento antes e após a
interrupção voluntária da gravidez. Além disso, é imperativo que seja respeitado o
período mínimo de três dias entre a prestação de tais informações e a intervenção
médica.
A segunda hipótese é a da interrupção voluntária realizada
a pedido da mulher por razões médicas. Essa hipótese desdobra-se em outras três. A
primeira se refere a casos em que há risco para a vida ou saúde da gestante. Nesses
casos, a gestação não pode ser superior a 22 semanas e a interrupção deve ser precedida
de parecer médico especialista que comprove o risco (exceto quando há urgência pelo
risco vital). O segundo caso se refere ao risco de anomalias fetais graves, atestado em
prévio parecer elaborado por dois médicos especialistas. Também nesse caso não se
poderão exceder as 22 semanas de gestação. Por fim, o último caso se refere à
ocorrência de anomalias fetais incompatíveis com a vida, que deve ser atestada em
parecer elaborado por um médico especialista, ou, então, no caso de detectada doença
grave e incurável do feto no momento do diagnóstico, atestado por uma comissão
clínica (equipe multidisciplinar formada por dois médicos especialistas em ginecologia
e obstetrícia ou em diagnóstico pré-natal e um pediatra). Nesse caso, a lei não fixa
limite temporal. Em todos os casos, é necessário que o parecer médico seja elaborado
por médico distinto daquele que realizará a intervenção.
A referida lei conferiu nova redação ao código penal
espanhol no tocante ao aborto, a fim de abolir tipos penais e prever como crime apenas
três condutas. Passa a ser crime a conduta da mulher que pratica o aborto, ou consente
que outra pessoa o cause, fora dos casos e limites temporais previstos pela lei. Além
disso, será também punido aquele que conduz a intervenção fora dos casos previstos ou,
ainda, que realiza a intervenção sem respeitar os trâmites específicos estabelecidos
(como prestar previamente informações à mulher). A lei ressalta que, nesse último caso,
a mulher não será punida.
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b)
Uruguai
Outro exemplo recente é o caso uruguaio. O país
empreendeu mudança legislativa no sentido de descriminalização do aborto em 2012 –
promulgando a “Ley Nº 18.987 - Interrupción Voluntaria del Embarazo”7. No mesmo
ano, a Lei foi regulamentada por decreto do Poder Executivo8. Rompendo com a
tradição legal que perdura na maioria dos países latino-americanos, a nova lei uruguaia
limita a incidência do tipo penal do aborto, previsto no Código Penal (embora não o
tenha revogado, retira o caráter de ilícito penal daquelas condutas que observam os
requisitos por ela previstos).
A referida Lei é formada por 15 artigos e enuncia, como
princípios gerais, que “O Estado garante o direito à reprodução consciente e
responsável, reconhece o valor social da maternidade, a proteção da vida humana e
promove o exercício pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas, de
acordo com as disposições do Capítulo I da Lei n º 18.426, de 1 de Dezembro de 2008.
A interrupção voluntária da gravidez, que é regulada por esta lei, não constitui um
instrumento de controle de natalidade”.
A Lei promove a descriminalização das condutas que
atendam a seus requisitos, afastando a incidência do tipo penal de aborto quando a
interrupção ocorre durante as 12 primeiras semanas de gravidez (seja qual for a razão
que a motiva). Também não há crime quando o aborto é realizado em razão de riscos à
saúde da mulher, quando há malformações fetais incompatíveis com a vida extrauterina
ou quando a gravidez resulta de estupro (nesse último caso, somente até a 14ª semana de
gestação). A Lei expressamente prevê que suas disposições somente se aplicam às
cidadãs uruguaias e às estrangeiras que fornecerem evidências consistentes de sua
URUGUAY.
Ley
Nº
18.987/2013.
Disponível
http://www.parlamento.gub.uy/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=18987&Anchor=
8
A
íntegra
do
Decreto
pode
ser
visualizada
http://www.mysu.org.uy/IMG/pdf/decreto_reglamentario.pdf
7
em:
em:
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residência habitual no território da República do Uruguai por um período não inferior a
um ano.
Anteriormente, o aborto era somente disciplinado pelo
Código Penal uruguaio, que previa causas que atenuavam a pena e circunstâncias que
impediam a punição (gravidez resultante de estupro, risco grave à saúde). A nova
regulamentação extrapola o âmbito penal, incluindo a descriminalização em um
conjunto de disposições que visam a resguardar os direitos sexuais e reprodutivos e
também a garantir o real acesso ao serviço público, aderindo à tendência de outros
países que descriminalizaram o aborto.
No caso do aborto realizado durante as 12 primeiras
semanas de gravidez, quando não houver qualquer das motivações que justificam sua
realização até a 14ª semana de gestação, é requisito, para a interrupção da gravidez, que
a mulher compareça a uma consulta médica, realizada em instituição do sistema
nacional de saúde, e informe o profissional sobre as circunstâncias em que sobreveio a
concepção e sobre as razões econômicas, sociais, familiares ou etárias que, a seu
critério, impedem de dar continuidade à gravidez.
Após tal consulta, deverá ser agendada, para o mesmo dia
ou para o dia seguinte, uma consulta com a equipe interdisciplinar, composta por ao
menos três profissionais (um médico ginecologista, um profissional com especialização
na área de saúde psíquica e um profissional da área social). A equipe, atuando
conjuntamente, deverá informar a mulher sobre as disposições da lei e as características
da interrupção da gravidez e seus riscos inerentes, bem como sobre as alternativas ao
aborto, informando-a acerca dos programas de apoios social e econômico disponíveis e
sobre a possibilidade de adoção. Sobre a natureza e objetivos do atendimento realizado
pela equipe, a lei dispõe que “En particular, el equipo interdisciplinario deberá
constituirse en un ámbito de apoyo psicológico y social a la mujer, para contribuir a
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superar las causas que puedan inducirla a la interrupción del embarazo y garantizar que
disponga de la información para la toma de una decisión consciente y responsable”9.
A partir da reunião com a equipe interdisciplinar, a mulher
disporá de período de reflexão de, no mínimo, cinco dias, ao fim do qual ratificará ou
não sua vontade de interromper a gravidez. Se prosseguir com a decisão de interrupção,
que deverá ser manifestada por consentimento informado, o médico ginecologista
passará, de imediato, a planejar e realizar o procedimento, atentando-se à evidência
científica disponível a fim de diminuir riscos e danos. Qualquer que seja a decisão da
mulher, a equipe deverá fazer constar sua atuação no histórico clínico da paciente.
A lei detalha, em artigo específico, os deveres dos
profissionais integrantes da equipe interdisciplinar, que são: orientar e assessorar a
mulher sobre os meios adequados para prevenir futura gravidez e sobre a forma de
acesso a esses, bem como a respeito dos programas de planejamento familiar existentes;
entrevistar-se com o progenitor, no caso de haver obtido previamente o consentimento
expresso da mulher; assegurar, no âmbito da sua competência, que o processo de
decisão da mulher permaneça livre da pressão de terceiros, seja para continuar ou
interromper a gravidez; observar o protocolo de atuação dos grupos interdisciplinares
elaborado pelo Ministério da Saúde Pública; abster-se de assumir o papel de denegar ou
autorizar a interrupção.
A lei prevê, ainda, diretrizes e regras a serem observadas
pelas instituições Sistema Nacional Integrado de Saúde, quais sejam: promover a
formação permanente da equipe profissional interdisciplinar especializada em saúde
sexual e reprodutiva para dar apoio à decisão da mulher a respeito da interrupção da
gravidez; interagir com instituições públicas ou organizações sociais idôneas que
prestem apoio solidário e qualificado, nos casos de maternidade marcadas por
Em tradução livre: Em particular, a equipe interdisciplinar deve constituir um espaço de apoio
social e psicológico às mulheres, para ajudá-las a superar as causas que podem induzir o aborto e
para garantir que disponham de informação para a tomada de uma decisão consciente e
responsável.
9
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problemas sociais, familiares ou de saúde; colocar à disposição de todos os usuários,
mediante divulgação em espaços públicos, boletins informativos ou outras formas, a
lista de profissionais da instituição que integram as equipes interdisciplinares; garantir a
confidencialidade da identidade da mulher e de todo o manifestado nas consultas, assim
como de todos os dados anotados em seu histórico clínico; garantir a participação de
todos os profissionais que estejam dispostos a integrar as equipes interdisciplinares, sem
discriminações de nenhuma natureza. As instituições também têm como obrigação
remeter ao Poder Executivo registros estatísticos do serviço prestado, a fim de
possibilitar diagnósticos acerca da política pública implantada.
Há também previsão de que todas as instituições que
compõe o Sistema Nacional Integrado de Saúde têm a obrigação de cumprir o
estabelecido pela lei, estabelecendo, para tanto, as normas técnicas e administrativas
necessárias para implantação do serviço, que deverá ser prestado nos prazos previstos.
A lei dispõe que as instituições que tenham objeções ideológicas (“objeciones de
ideario”), existentes antes da data de vigência da lei, podem realizar acordos com o
Ministério da Saúde Pública, nos termos do marco regulatório do sistema de saúde, a
fim de estabelecer a forma pela qual as usuárias terão acesso ao procedimento relativo à
interrupção voluntária da gravidez10.
Além disso, a lei regula a objeção de consciência dos
profissionais de saúde, que deriva da liberdade de consciência. A objeção de
consciência permite os profissionais de saúde, por motivos pessoais (de cunho moral,
filosófico ou religioso) se neguem a realizar uma conduta que integre seu dever
funcional e que seria juridicamente exigível. A objeção de consciência é reconhecida
pela lei e se aplica a todas as hipóteses de interrupção voluntária da gravidez,
excetuando-se os casos em que a gravidez implica grave risco para a saúde da mulher.
O sistema de saúde do Uruguai (“Sistema Nacional Integrado de Salud”) é um sistema misto, que
agrega instituições públicas e privadas. A objeção apontada somente é possível no âmbito das
últimas.
10
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Os profissionais de saúde podem manifestar ou revogar a
objeção de consciência a qualquer tempo, devendo comunicá-la de forma expressa às
autoridades das instituições a que pertencem. A revogação tácita ocorre quando o
profissional participa de algum procedimento de interrupção voluntária da gravidez
(com exceção da hipótese em que a gravidez implica grave risco para a saúde da
mulher, já que essa não é atingida pela objeção de consciência, conforme apontado
acima). Aquele que não expressar objeção de consciência não poderá negar-se a realizar
os procedimentos relativos à interrupção voluntária da gravidez.
A lei impõe que a declaração da objeção de consciência,
bem como sua revogação, realizada ante uma instituição, se estenderá a todas as demais
instituições em que o profissional preste serviços, ou seja, a objeção de consciência tem
natureza una, indivisível.
O decreto do Poder Executivo que regulamentou a lei,
especificando algumas disposições, estabelece, quanto à objeção de consciência, que
essa só poderá ser evocada pelos profissionais de saúde que devam intervir diretamente
na interrupção da gravidez e se restringe ao planejamento e prática dos atos da
interrupção propriamente dita, não se aplicando aos demais atos do procedimento que a
antecede (consulta médica, atendimento pela equipe multidisciplinar, etc). Além disso, a
objeção também não atinge os atos posteriores à realização da interrupção da gravidez.
Além disso, o decreto estabelece que o exercício da objeção de consciência obriga o
médico a declinar pessoalmente o atendimento a outro médico, de maneira a assegurar a
atenção imediata à paciente.
No tocante ao consentimento daquela que se submete à
intervenção, cabe apontar que a Lei regula, de forma particular, o consentimento das
adolescentes e das mulheres declaradas incapazes. No caso de mulher declarada incapaz
judicialmente, é necessário o consentimento informado do curador e autorização do Juiz
competente que, após manifestação do Ministério Público, avaliará a possibilidade de
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concedê-la, sempre respeitando o direito da mulher de procriar, se sua incapacidade não
a impede de ter filhos.
Quanto às adolescentes, a lei remete ao tratamento
previsto pela “Ley Nº 18.426 – Defensa del derecho a la Salud Sexual y
Reproductiva”11, que introduziu novo artigo ao “Código de la Niñez y la Adolescencia”.
O artigo afirma o direito de crianças e adolescentes à informação e ao acesso aos
serviços de saúde, inclusive àqueles relativos à saúde sexual e reprodutiva, bem como o
correlato dever dos profissionais atuantes nessa esfera de respeitar a confidencialidade
do atendimento e de oferecer as melhores formas de atenção e cuidado médico.
A Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez e o decreto
presidencial que a regulamenta estabelecem que o médico ginecologista deve receber o
consentimento para realizar a interrupção voluntária da gravidez respeitando a
confidencialidade da consulta. De acordo com a idade da adolescente, o médico
estabelecerá que a decisão será tomada em conjunto com a de seus pais ou responsáveis,
respeitando-se a idéia de autonomia progressiva dos adolescentes. No caso os
responsáveis negarem assentimento ou mesmo se for impossível obtê-lo, o profissional,
a fim de evitar violação de direitos, poderá solicitar uma autorização judicial, a qual
deverá levar em consideração, sempre que possível, a opinião da criança ou adolescente.
Se, no entanto, o ginecologista ou a equipe interdisciplinar
considerarem que a adolescente pode prestar um consentimento válido, esses somente
poderão notificar os pais ou representantes legais se a adolescente os liberar
formalmente do dever de guardar o sigilo médico.
A partir de tais disposições, a lei sobre interrupção
voluntária da gravidez especifica que, nos casos em que os responsáveis não assintam
URUGUAY. Ley Nº 18.426 – Defensa del derecho a la Salud Sexual y Reproductiva . Disponível em:
http://www.parlamento.gub.uy/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=18426&Anchor=
11
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ou quando seja impossível fazê-lo, a adolescente poderá requerer em Juízo,
apresentando as informações produzidas pela equipe médica, autorização para
submeter-se à intervenção. O procedimento é verbal e gratuito. O Juiz deverá ouvir a
adolescente e o Ministério Público e prolatar sua decisão em um prazo de três dias, a
contar da apresentação do pedido em Juízo.
O primeiro balanço oficial do governo uruguaio indica
que, no período de um ano de vigência da Lei de Interrupção da Gravidez, foram
realizados 6.676 abortos seguros. Nesse conjunto, houve complicações leves em apenas
50 casos (o que representa (0,007%) e nenhuma das intervenções levou ao óbito12.
Em que pese ao reconhecimento de que a Lei de
Interrupção Voluntária da Gravidez representou um avanço na consolidação dos direitos
das mulheres no Uruguai, muitos pontos ainda são questionados e debatidos na esfera
pública por atores que tem esse diagnóstico positivo acerca da lei. Como exemplo,
podemos citar críticas ao regramento jurídico da objeção de consciência 13 e também a
discussão acerca do procedimento necessário para realizar a interrupção voluntária da
gravidez14.
URUGUAY. Balance 1er ano de implementacion de Ley 18.987 – Interrupcion Voluntaria del
Embarazo, Decreto 375/012 Reglamentacion de la ley de IVE. Diciembre 2012 – noviembre 2013.
Disponível
em:
http://www.msp.gub.uy/sites/default/files/archivos_adjuntos/conferencia%20prensa%20IVE%2
0FEBRERO%202014.pdf.
13 CÓPOLLA, Francisco. Interrupción voluntaria del embarazo y objeción de conciencia en Uruguay.
Disponível em: http://www.rmu.org.uy/revista/2013v1/art8.pdf. O referido artigo aponta alguns
vácuos normativos que devem ser enfrentados para aperfeiçoar a lei.
14 AWID – ASOCIACIÓN PARA LOS DERECHOS DE LA MUJER Y DESARROLLO. Reglamentación de la
Ley
18.987
de
Interrupción
Voluntaria
del
Embarazo.
Disponível
em:
http://www.awid.org/esl/Library/Uruguay-Analisis-del-Proyecto-de-Ley-de-InterrupcionVoluntaria-del-Embarazo. O texto da organização aponta, dentre outras, críticas sobre o
procedimento obrigatório que condiciona a legalidade da interrupção voluntária da gravidez,
apontando a desnecessidade de alguns atos que, em última análise, podem representar obstáculos
no acesso ao serviço – ainda que a mulher esteja inteiramente esclarecida e convencida de sua
decisão.
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III – Rede de Atendimento
Os procedimentos de interrupção de gravidez podem ser
realizados na rede pública de saúde, sendo certo que ficam a cargo da rede secundária.
A rede primária, no entanto, deve estar apta a acolher e encaminhar a mulher de forma
adequada e humanizada nos termos do descrito nas normas técnicas já citadas.
Apesar da objeção de consciência ser um direito do
médico, ele não pode deixar de prestar atendimento de emergência e encaminhar a
mulher para outro médico ou serviços onde ela possa receber o atendimento.
Infelizmente, como é de conhecimento comum são poucas
as unidades de saúde que fazem esse procedimento, principalmente de forma
humanizada. Ainda, esses poucos locais não são conhecidos pelo público, que por
desconhecimento de seus direitos e dos locais de atendimento acabam por recorrer,
muitas vezes, ao abortamento inseguro – realizado em condições inadequadas.
Essa realidade é responsável por um número elevado de
mortes de mulheres todos os dias, principalmente daquelas que necessitam de um
atendimento médico após um aborto inseguro – e nesse caso, as maiores atingidas são as
mulheres pobres, que não têm acesso a uma clínica de aborto clandestina. Esses casos
são responsáveis pelo maior gasto do SUS com internação de mulheres no país.
Diante disso, a falta de equipamentos adequados, o não
atendimento adequado pautado por decisões de ordem moral e, principalmente, a
criminalização do aborto no país são causas de um diagnóstico de que essa questão deve
também ser tratada como problema de saúde pública.
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IV – Conclusão
Por todo o exposto, vê-se que a legislação brasileira é
muito restritiva com relação ao abortamento, sempre justificando a criminalização dessa
conduta no direito a vida do feto. No entanto, analisando de fato a questão, verifica-se
que na verdade tal decisão, legislativa e muitas vezes jurídica, é pautada exclusivamente
na moral.
E a moral não deve ser usada como regra de conduta numa
sociedade democrática. Ora, mesmo que a maioria das pessoas acredite que tal conduta
é amoral e deve ser criminalizada, a base da sociedade democrática é respeitar as
diferenças, pautando suas regras de conduta em argumentos que não firam as mesmas,
mesmo que discorde a maioria. Por tal razão o estado democrático deve ser um Estado
laico, não justificando sua decisão em crenças morais ou religiosas.
Fácil seria sempre justificar as decisões políticas,
legislativas ou jurídicas no senso moral comum, ocorre que isso não é democracia.
O referido direito a vida do feto não pode ser justificativa
da proibição do aborto por diversos motivos. O primeiro deles é que não há, e nunca
haverá, consenso sobre quando se inicia a vida do ser humano.
Nas diversas crenças de cada um de nós há uma opinião
sobre isso, não podendo, no entanto, as mesmas pautar as decisões, conforme
explicamos acima. Assim, levando em consideração o conhecimento médico, havendo
dúvidas sobre a existência de vida no feto até a 12 semana de gravidez, não há que se
falar que há conflito de dois direitos a vida – o da mulher e do feto.
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Ora, de fato o direito a vida é garantido na Constituição
Federal – art. 5º - mas não o é de forma absoluta, cabendo exceções em casos
excepcionais e que em nenhum momento são questionados moralmente.
Ainda, na ponderação de dois direitos fundamentais, há
claro conflito do direito a vida e o direito, também fundamental, de dignidade da pessoa
humana da mulher, nas suas concepções de intimidade, autonomia do próprio corpo e
autodeterminação.
Vale aqui frisar que a autonomia do corpo da mulher só
pode ser exercida antes da concepção. Ora, direito sexual e direito reprodutivo também
engloba a decisão, além de ter relações sexuais sem a finalidade de procriação, não
manter uma gravidez indesejada.
Nessa análise das ponderações, sendo que o direito a vida
não pode ser, nesse caso, absoluto, pois, conforme explicamos acima, não há qualquer
garantia de que o feto nascerá e terá vida humana autônoma, como já possui a mulher.
Diante disso, cai por terra o argumento de que o aborto é
proibido para garantir o direito a vida do feto, sendo que sua legalização feriria o art. 5º
da Constituição Federal, ficando clara a justificativa moral para manter a criminalização
dessa conduta.
De fato, não há qualquer dúvida de que o abortamento não
pode ser feito de forma indiscriminada. E em nenhum local o é. Regulamentado o
procedimento – com prazos, fluxos e protocolos de atendimento -, ou seja, além de
descriminalizar a conduta, legalizar a mesma, é garantia de direito a mulher em sua
autonomia, empoderando as mesmas de seus corpos e processos reprodutivos.
Esse é o ponto de vista desse Núcleo Especializado de
Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher.
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V – Sugestões
Diante do exposto, essa relatoria sugere:
- seja esse parecer disponibilizado no portal do NUDEM e
no link de acesso ao monitoramento das propostas aprovadas nas Conferências Públicas;
- seja mantida a frequência do NUDEM no GEA, sendo
ativo nas discussões e lutas pela legalização do aborto;
- seja realizada, em parceria com a EDEPE, uma
publicação sobre a temática, com chamada de experts para escrever sobre o tema, além
de Defensores interessados.
- Por fim, seja esse PA arquivado, o que não é
demonstração de que a proposta foi atingida, mas porque o Núcleo neste momento está
se posicionando formalmente a respeito do tema e após isso participará de forma efetiva
e no que couber buscando a legalização do aborto.
São Paulo, 23 de julho de 2014.
Ana Rita Souza Prata
Defensora Pública
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