Viagem a Medellin

Transcrição

Viagem a Medellin
Viagem a Medellín
O presente texto pretende esclarecer os objetivos e as conclusões da viagem
realizada à Colômbia entre os dias 19 e 23 de Janeiro de 2011, por profissionais da
SMH e do IAB-RJ. O texto se desenvolve com uma primeira parte onde são lançadas
algumas hipóteses sobre as origens da violência na Colômbia. Depois discorre sobre a
distribuição populacional da Colômbia, que apresenta características muito peculiares
e que condiciona e impulsiona o desenvolvimento da mesma violência no interior do
país. Logo depois descreve os locais, situações e instituições visitadas, mostrando
algumas imagens destas áreas. E, por último, apresenta um debate sobre a utilização
do protagonismo do projeto na cidade de Medellín, para reverter uma situação dos
anos 90 na Colômbia, de extrema violência e de ausência do poder público numa série
de locais da cidade.
No contexto do Morar Carioca a viagem à Colômbia, particularmente à cidade de
Medellín, foi programada para que se vivenciasse a experiência colombiana de
urbanização de favelas, para compartilhar com as equipes selecionadas do concurso.
Esta experiência vem atraindo uma série de especialistas como exemplo de
proposição bem sucedida. Por outro lado, surgiram algumas reportagens na imprensa
brasileira, que noticiavam o recrudescimento da violência na cidade de Medellín. Estas
matérias destacavam o fato de que o modelo de Medellín, que foi utilizado para
implantação das UPPs cariocas, falhava, já que as comunidades voltavam a
apresentar índices de crescimento da violência1.
A visita foi estruturada e coordenada pela Agencia de Cooperación y Inversión de
Medellín (ACI), uma entidade criada em 2002 pela municipalidade, pelas empresas
públicas de serviços e pela região metropolitana para incrementar o intercâmbio sobre
a cidade. Esta agência de divulgação e documentação da experiência urbana de
Medellín tem como principal atividade a recepção de estrangeiros interessados em
conhecer a experiência da cidade.
Na verdade, a experiência de Medellín começa a se implantar em meados dos anos
90, a partir da péssima imagem que a cidade desfrutava nos meios de comunicação
internacional, como uma das cidades mais violentas do mundo nos anos 80 do século
XX. Por outro lado, a Colômbia possui características de ocupação de seu território
1
A matéria foi publicada na Folha de São Paulo no dia 03/01/2011, segundo a matéria a violência em
Medellin declinou de 184 mortes violentas em cada 100 mil habitantes para 33,8 entre os anos de 2002 e
2007, voltando a subir para 94,5 no ano de 2010.
muito diversas do Brasil, havendo no interior do país a presença de uma guerrilha,
bem como, grupos paramilitares fortemente armados.
A violência e o sistema das cidades na Colômbia:
Em primeiro lugar, é necessário enfatizar o desenvolvimento de uma imagem
internacional onde predomina a violência e a impunidade. Os dados são efetivamente
impressionantes, a partir da biografia de Pablo Escobar, chefe do cartel de Medellín
nos anos 80, pode se perceber, que a sensação de ausência do poder público,
impunidade e violência parecia não ter limites. A atitude do chefe do então Cartel de
Medellín é a mesma de uma série de líderes do narcotráfico na América do Sul, por
um lado, a violência e um controle cada vez maior da economia informal por
intermédio de uma sistemática truculência, por outro lado, um paternalismo dedicado
aos mais pobres, numa constante preocupação em construir campos, habitações e
crescentes gastos com os bairros pobres de Medellín. Esta segunda vertente, de
filantropo foi construída com realizações impressionantes; o bairro Pablo Escobar, 50
campos de futebol, outro bairro que tinha como apelo propagandístico a mensagem de
Medellín sem favelas. A sucessão cronológica de fatos ligados a biografia de Pablo
Escobar são representativos de seu poder e impunidade:
•
Em 1982 Pablo Escobar foi eleito deputado federal.
•
Em 1982 participa da posse do primeiro ministro Felipe Gonzalez da Espanha,
como convidado do empresário espanhol Enrique Sarasola.
•
Em 1989 a revista Forbes indicou-o como o 7º homem mais rico do mundo.
•
Em 1989 executa o atentado ao voo 209 da Avianca, no qual estaria Cesar
Gaviria, candidato a presidência, morrem 107 passageiros
•
Em 1989 executa o atentado a Policia Federal Colombiana, onde morrem 70
pessoas e são feridas mais de uma centena
•
Em 1992 se configura um grupo paramilitar denominado El Pepe, os
perseguidos de Pablo Escobar.
Apenas em 1983, a partir de uma corajosa reportagem do jornal El espectador um
periódico colombiano com sede em Bogotá, mas que havia sido fundado em Medellín
em 1887, começa a ruir o império montado por Pablo Escobar, a partir de uma série
de reportagens. Neste processo, também foi fundamental a atuação do Ministro da
Justiça Rodrigo Lara Bonilla, que tomou atitudes corajosas arriscando sua própria
vida. Por fim, em 2 de dezembro de 1993 morreu Pablo Escobar, cercado pela policia
federal e pela poderosa agência anti-drogas dos EUA, o relato dos policiais afirma,
que “El capo” se suicidou com um tiro no ouvido, após ter sido ferido por dois tiros nas
costas.
Por outro lado, é preciso especial atenção para a distribuição da população no
território colombiano, que é apontada como principal argumento para explicar o
incremento da violência nas cidades do país. Durante a visita, invariavelmente os
gestores da municipalidade utilizaram a justificativa para o recrudescimento da
violência na cidade, na atuação das guerrilhas e grupos paramilitares no interior do
país. Portanto, numa área de jurisdição além do território municipal, onde as guerrilhas
ou os paramilitares praticam ações que acabam incrementando de maneira
incontrolada o fluxo migratório para a cidade. Os dados mencionam, que entre 1995 e
os dias de hoje, 2,5 milhões de pessoas foram desalojadas de suas terras na
Colômbia. Estima-se que apenas no primeiro trimestre do ano de 2001, 92mil pessoas
tiveram que abandonar suas moradias e se dirigiram a alguma grande cidade do país.
Impera no território colombiano, uma ausência total do poder público, pela presença
da guerrilha de esquerda ou dos grupos paramilitares. Por um lado, a mais famosa
guerrilha de esquerda, as temidas FARCs, uniformizou e armou 16.529 homens
apenas no campo, com dinheiro obtido do narcotráfico, de sequestros e de pedágios
variados. A conhecida Lei 002, promulgada pelas FARCs determina que todo cidadão
que possua um patrimônio superior a US$ 1 milhão de dólares deve pagar uma taxa
de 10% para financiar a rebelião da guerrilha2. Por outro lado, os paramilitares ou as
chamadas autodefensas, que da ação defensiva passaram rapidamente a ofensiva
possuem hoje na Colômbia um exército de mais de 10 mil homens armados. Estes
grupos de direita usam dos mesmos artifícios da esquerda para se auto financiar,
exploração do comércio ilícito de drogas, doações voluntárias ou induzidas de
fazendeiros de gado, de donos de terras, e de pequenos e grandes comerciantes.
“El gobierno de Colombia, al aceptar como única la visión de Estados Unidos a
cambio de los recursos que éste le proporciona, ha perdido margen de maniobra
para desarrollar otras estrategias que pueden ser más convenientes”3
Neste sentido, é interessante observar a rede de cidades da Colômbia nos dias atuais,
que explica em parte a atuação das guerrilhas e dos paramilitares4. A partir da
2
PINZÓN, Hermes Tovar - Emigración y éxodo en la historia de Colombia - Amérique Latine Histoire et Mémoire.
Les Cahiers ALHIM, 3 | 2001, [En línea], Puesto en línea el 07 mars 2006. URL : http://alhim.revues.org/index522.html.
consultado el 06 février 2011.
3 “Prestigioso consultor de E.U. hace diagnóstico de Colombia” en El Tiempo, Bogotá, Viernes 8 de Jun, citado em
PINZÓN, Hermes Tovar op.cit.
distribuição das cidades no território, percebe-se que a região da floresta amazônica é
totalmente desocupada, um verdadeiro deserto de cidades. A região da cordilheira
andina é a área do país que concentra as maiores cidades, como Bogotá, Medellín ou
Cali. Esta região é seguida pela área da costa do Atlântico ou Caribe, a qual se segue
a região da costa do Pacífico. A região amazônica da Colômbia encontra-se
desocupada sendo propícia para atuação das guerrilhas e grupos paramilitares, que
atuam de forma violenta forçando o êxodo rural. No quadro e no mapa abaixo pode-se
ver as principais cidades em população e sua região do país.
Cidade
População
Região do País
1. Bogotá
7.347.795
Região Andina
2. Medellín
2.309.446
Região Andina
3. Calli
2.207.994
Região Andina
4. Barranqulla
1.182.493
Região Caribe
5. Cartagena
899.200
Região Caribe
12. Villavicencio
407.977
Região do Orinoco
18. Buenaventura
327.955
Região do Pacífico
4
Há uma explicação recorrente baseada no desenvolvimento histórico do país, que aponta a famosa rebelião da
década de 50, conhecida como o Bogotazo, quando o candidato do partido Liberal foi assassinado, determinando a
fundação da guerrilha de esquerda no interior do país.
O mapa da
Colômbia,
mostrando a rede
de cidades do país.
Percebe-se que a
região que
concentra as
maiores cidades é a
região andina, com
Bogotá, Medellin e
Cali. A região do
Caribe, com as
cidades de
Barranquilla e
Cartagena. A
primeira cidade da
região amazônica é
a 12ª em população
é Villavicencio.
Projetos Visitados
Diante deste quadro, a política traçada pelos órgãos de gestão municipal e da área
metropolitana da cidade para reverter uma situação de ausência do poder público,
está claramente baseada na estratégia de afirmar esta presença em todas as partes
do território, através de ações de planejamento e projeto. Existe hoje na
municipalidade e na área metropolitana de Medellín uma afirmação contínua e diária
de repulsa pelas atividades improvisadas por parte do poder público. Uma reafirmação
do protagonismo do plano e do projeto na orientação das ações sobre o território, de
forma a informar a sociedade, que a reversão do processo de deterioração é obtida
por propostas pensadas e estruturadas de forma continuada e sistêmicas.
Por outro lado percebe-se que a principal premissa dos projetos de urbanização das
favelas em Medellín, ou Projetos de Urbanização Integrada (PUI), invariavelmente
pretendem inserir um equipamento, que possua expressão metropolitana, isto é um
equipamento capaz de atrair moradores de outras localidades além da comunidade
impactada pela intervenção. Tal premissa pretende claramente buscar a integração
daquela parte do território, tornando-o interessante para o conjunto da área
metropolitana. Percebe-se também que outra premissa importante das intervenções é
o tema da mobilidade urbana. Invariavelmente a articulação entre sistema de metrocables e metrô de superfície está desenvolvida de forma a garantir a população das
comunidades um acesso a toda área metropolitana. Este tema da mobilidade possui
outra importante referência baseada na tarifa que se mantém abaixo de US$1,00,
garantindo que além da rapidez a população não seja onerada pela mobilidade. Como
exemplo destas estratégias pode-se citar: o parque de Avri, localizado no altiplano a
montante do Projeto Urbano Integrado (PUI) São Domingos, que claramente pretende
ser um parque de âmbito metropolitano e a Biblioteca d´Espanha localizada na mesma
comunidade, que também pretende atrair moradores além dos limites da comunidade.
Ambos os projetos estão conectados pelo sistema de trens e metro-cables de forma
barata e eficiente, demonstrando que a integração é obtida por intervenções pontuais
na micro escala, mas também com articulações sistêmicas de transporte na macro
escala.
A visita da missão da SMH e do IAB-RJ envolveu uma agenda intensa durante dois
dias. No primeiro dia começou-se pelo Instituto Social de Vivenda y Habitat de
Medellin (ISVIMED), órgão responsável pela construção das unidades habitacionais,
que mostrou os objetivos da política habitacional da cidade. Depois desta visita fomos
levados ao PUI Novo Ocidente no extremo ocidental da malha urbana de Medellín,
local onde se implantou a vila olímpica dos atletas dos Jogos Sul-americanos de 2010.
Vista geral do PUI
Novo Ocidente,
mostrando as
novas edificações
habitacionais.
Percebe-se que se
trata de uma área
no limite da
mancha urbana
Vista geral do
Metrocable do PUI
Santo Domingo.
Depois desta visita fomos ao órgão de Planejamento da região metropolitana, onde
fomos apresentados aos dados das outras nove cidades que compõe a região
metropolitana de Medellín. Depois fomos à Secretaria Municipal de Cultura d para
compreender a forma como são geridos os diversos equipamentos culturais dispostos
nas favelas. Em seguida encontramos o Secretário Municipal de Planejamento, que
apresentou as estratégias de combate à informalidade. No segundo dia visitamos o
PUI Santo Domingo, a Biblioteca da Espanha e a Agência de Fomento ao Micro
Crédito da cidade de Medellín, Centro de Desarollo Empresarial Zonal (Cedezo) de
Santo Domingo.
Vista geral da
Estação de
Metrocable do PUI
Novo Ocidente,
Nova Aurora
Vista geral da
Biblioteca da
Espanha no PUI
Santo Domingo.
A visita seguinte foi ao PUI Morávia, um assentamento no vale do rio Aburrá, que tinha
2.500 famílias assentadas sobre um antigo lixão, que estão sendo relocadas. O
território deste antigo lixão vem sendo descontaminado a partir de uma parceria com a
Universidade Politécnica da Catalunha.
Fotos do Centro de
Convivência no PUI
Morávia do
arquiteto Rogelio
Samona.
Após estas visitas de campo a missão ainda foi recebida pela Secretaria de
Transportes para procurar entender como a tarifa do transporte público mantinha
alíquota tão baixa.
Conclusão:
A partir destas visitas pode se constatar que a reversão da situação de extrema
decadência da confiabilidade nas instituições públicas, nos anos 90 na Colômbia, e
particularmente na cidade de Medellín está sendo obtida pela implantação de quatro
premissas muito claras que norteiam os projetos de urbanização das suas áreas
carentes. A primeira é a qualificação do padrão das obras nestas comunidades, o
objetivo do poder público é alcançar uma obra com qualidade igual ou superior às
construídas na parte formal da cidade, revertendo as descontinuidades em Medellín. A
segunda premissa é garantir que o funcionamento dos diversos sistemas demonstre
uma eficiência que conquiste a população para que esta se engaje na reversão da
deterioração. A tarifa de transporte público e a regularidade do sistema de transportes
em Medellín corroboram esta afirmativa. A terceira é uma articulação entre a micro
escala de projeto e as intervenções em escala metropolitana, as intervenções em
ambas as escalas são vistas como interdependentes, já que a cidade e região
metropolitana são consideradas um organismo único. E a última e quarta premissa é
instalar equipamentos de impacto metropolitano no interior das comunidades carentes
de forma a atrair um público exterior a elas.
As experiências também demonstram que as intervenções não se restringem a um
programa de obras, mas pretendem estabelecer uma excelência de serviços públicos
no período pós-obra. As comunidades visitadas ainda apresentam uma série de
problemas, mas a presença destes equipamentos e a sua manutenção confirmam as
intenções do poder público de reverter situações de vulnerabilidade. Por outro lado, as
ações implementadas no território muitas vezes não conquistam os impactos
esperados, havendo sempre necessidade de ajustes e de reavaliações cotidianas.
Este exemplo pode ser particularmente observado na atração do sistema bancário do
país para instalar agências no território das comunidades. Segundo relatos da
prefeitura e da autoridade responsável pela região metropolitana, o sistema bancário
colombiano não atendeu ao pedido de instalação de agências no interior das
comunidades de forma imediata, foi necessário lançar mão do Centro de Desarollo
Empresarial Zonal (Cedezo), um organismo de microcrédito da Prefeitura de Medellin,
que se instalou nas comunidades, oferecendo crédito à população. Apenas após o
sucesso detectado na experiência do Cedezo é que o sistema bancário colombiano
passou a abrir agências bancárias nas comunidades, oferecendo microcrédito nestas
regiões.
Portanto, a experiência em Medellín assume um papel exemplar para a realidade
brasileira de execução de obras em áreas vulneráveis e precarizadas como as favelas,
ela demonstra que a reconquista destes territórios se faz por meio de uma ação
coordenada e estruturada baseada em planos e projetos, onde o poder público
procura não improvisar.
Pedro da Luz Moreira
Arquiteto e Urbanismo
Vice-presidente IAB-RJ
Professor Adjunto da EAU-UFF

Documentos relacionados

do artigo

do artigo local (municípios), a lei colombiana parece mais orientada à intervenção, enfatizando a importância do poder político do estado no nível local para racionalizar a intervenção sobre o território e o...

Leia mais

a questão da mobilidade nos projetos de urbanização

a questão da mobilidade nos projetos de urbanização diferentes facções criminosas, que operam nas Comunas tornavam ainda mais dificultoso o cotidiano desses moradores. Uma pesquisa feita em 2010, baseada em entrevistas a usuários do metrocable, apo...

Leia mais