perder o controle

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perder o controle
METALAB: "Do ciberativismo ao ativismo"
Quando: 10 de Maio de 2012, 19h30 as 21h30
Onde: Centro Cultural Da Espanha, Av. Angélica, 1091
Talita Montiel
Sucesso de mobilização é perder o controle?
Introdução: construção do sentido
O intuito de promover este debate é conhecer boas práticas, ferramentas e
estratégicas que favorecem a mobilização, assim como os desafios que a envolvem. As
perguntas que motivaram o encontro foram as seguintes: quais as formas e estratégias para
promover o ciberativismo? A participação presencial nos movimentos continua relevante?
Como mobilizar pessoas para movimentos que influenciam em políticas públicas usando a
internet? Quais os desafios? O Slacktivism ajuda a ação política ou atrapalha?
Contamos com a presença de Pedro Markun, representante do Transparência
Hacker, que falou sobre a trajetória do movimento de dados abertos, promovido pelo
Transparência Hacker: aprendizados e desafios; Amanda Fazano, representante do
Greenpeace, que abordou experiências de mobilização para influências em políticas públicas
na área ambiental; Gabi Juns, representante do Movimento Marina Silva, que contou sobre a
motivação do movimento, resultados do processo e visão para um nova política.
Num primeiro momento, abordaremos aspectos das falas de cada um e logo após,
as reflexões promovidas no coletivo, a partir do dialogo estabelecido.
Greenpeace
O Greenpeace fez 40 anos, ano passado e acumulou experiências, fatores de
sucesso e insucesso para promover a mobilização de pessoas em prol de determinadas
causas. Muita coisa mudou e está mudando, quando apontamos para o ciberativismo.
Antigamente não havia as ferramentas de comunicação na web e por conta disso o
Greenpeace consegue chegar em comunidades, que antes, eram muito distantes. Hoje conta
muito com ferramentas na web para promover campanhas e divulgações on-line.
No intuito de contribuir com a Lei do Desmatamento Zero, o Greenpeace promoveu
a campanha Liga das Florestas para conseguir 1 milhão de assinaturas e pressionar o
governo. Isso só será possível se houver a articulação com mais pessoas: para chegarem na
mobilização prevista e, paralelamente, articulações no congresso que apóiem a iniciativa. O
Greenpeace aprendeu que pode fazer muito mais, se fizer junto com outros.
Uma das estratégias para ganhar adeptos na mobilização on-line é elaborar
campanhas simples: as pessoas podem colocar somente seus nomes e e-mails e já ganhar
um perfil para aderir a petição. Foi criado também um sistema de pontuação que a pessoa
ganha ao envolver outros amigos. Essas estratégias são importantes para fomentar a
participação num primeiro momento e depois o processo flui de maneira mais orgânica. Há
ainda um desafio de criar uma cultura, um hábito de participação.
O Greenpeace não usa mídias pagas, usam softwares gratuitos e livres, já
disponíveis; apostam na força das pessoas para promover as campanhas. As pessoas se
sentem instigadas em participar, fazer parte de uma causa – e o que ajuda é o fato de ser
grátis, rápido e fácil.
Transparência Hacker
A Transparência Hacker surgiu de um conjunto de pessoas que conheciam sobre
tecnologia e gostariam de melhorar o acesso e a transparência das informações públicas. A
comunidade, que conta com mais de mil integrantes, é um espaço para que desenvolvedores
web, jornalistas, designers, gestores públicos e outros indivíduos dos mais diferentes perfis
proponham e articulem ideias e projetos que utilizem a tecnologia para fins de interesse da
sociedade. Trabalham, primariamente, com dados governamentais abertos, promovendo
ações que evidenciam a importância desses dados e fazendo pressão para que os
organismos do governo brasileiro adotem a mesma medida de liberação de dados públicos
em formatos abertos. Acima de tudo, provocam e buscam evidenciar questões sociais e
políticas através da ressignificação de informações existentes, mas que ainda são de difícil
acesso para a sociedade em geral.
O Transparência HackDay, por exemplo, é uma das iniciativas do movimento, que
participaram 120 pessoas, em outubro de 2009. Foi um encontro para criação de aplicativos
de uso político – todos publicados sob licenças livres, com documentação e códigos abertos.
Além de disponibilizar as tecnologias desenvolvidas para a comunidade, a idéia também é
gerar discussão sobre: como gostariamos que os nossos governos se manifestassem na
internet? Como devemos realizar o compartilhamento dos dados públicos? Como podemos
fomentar na rede a compreensão, a fiscalização e o uso efetivo da informação pública?
O movimento, em 2012, também contribuiu com o texto que firmou a Lei de Acesso
à Informação. Segundo Pedro Markun, isso é ação direta na política. Mas afinal o que
interessa: processo ou resultado, quando se trata deste tipo de movimento? Pedro acredita
que o importante é o processo colaborativo, onde todos podem se engajar. E o processo já é
resultado.
Em 2012 também conseguiram viabilizar o ônibus hacker, um laboratório para que
pessoas possam desenvolver ações políticas em diversas cidades, por onde o ônibus passa.
Por ação política entendem a prática, o faça você mesmo: um projeto de lei, uma escola,
uma antena de radio, etc. Este projeto foi viabilizado por meio da plataforma de crowdfunding
Catarse. No entanto, o ônibus só passa a assumir seu propósito, depois de habitado por
pessoas. O processo é fundamental para mostrar erros e acertos, do que é viável ou não e
ainda estão aprendendo muito com este projeto.
Um outro questionamento que trazem é que não há nenhuma lei de iniciativa popular
no Brasil que funcione. Por exemplo, a Lei da Ficha Limpa, o que aconteceu? O problema
não é mobilizar as pessoas e recolher as assinaturas, a questão é o que se faz depois, como
se sustenta?... O desafio é disponibilizar as informações e leis para todos – democratizar
de fato as informações. Desmatamento zero pra virar desmatamento total no processo de
tramitação da lei é muito possível.
Mobilizar centenas e milhares de pessoas para não aceitarem certos processos e se
indignarem é o que move este grupo. Como pode o código florestal passar na câmara se o
povo todo está indignado, não querendo que isso aconteça?
Movimento Marina Silva
Gabi é designer gráfica de formação e se envolveu em causas ambientais desde o
inicio dos seus trabalhos.
O Movimento Marina Silva é orgânico, não há representantes, é composto por
muitas pessoas e não tem uma verdade. O Movimento começou a partir de um grupo de
pessoas que participaram da organização da Conferencia Infanto Juvenil para o Meio
Ambiente. Houve uma desobediência pacífica, pois este grupo comunicou Marina sobre a
intenção de anunciá-la e defendê-la como candidata à presidente, com o intuito de promover
nova maneira de fazer política
A mobilização começa a onde? De dentro das pessoas. Como são nossos hábitos
no dia a dia? Essa reflexão faz toda diferença! E Marina traz essa aspiração.
Em 2009, houve a campanha de Obama, nos EUA. No mesmo ano, saiu na Revista
Época um artigo: Presidente Marina, por que não? Esta frase mexeu com Gabi, que morava
em Manaus e estava conectada com muitos amigos que lutavam por causas ambientais. A
partir da foto da cara de Marina, que estava estampada na capa da Revista, Gabi fez um
desenho, parecido com o da campanha de Obama e passou para um amigo por skype. Meia
hora depois, outra pessoa colocou no skype, duas horas depois, postaram no facebook.
Quando percebeu que a foto estava se espalhando rápido, sem controle, pensou que poderia
ter problemas, pois desenhou em cima de uma foto de um fotografo... Dessa maneira, ligou
para ele e ele permitiu que continuassem, desde que garantissem que não iriam ganhar
dinheiro com aquilo.
A perda do controle desde o inicio foi um diferencial. Logo depois, em Manaus,
surgiram as primeiras camisetas, inclusive com a logo do PV (Partido Verde); o slogan:
Marina a cara do Brasil, outros pediram para grafitar em muros, etc... O processo foi surgindo
de forma espontânea e orgânica, todo off line.
Descontrole desde o começo. Era uma idéia boa, pra mudar as eleições de 2010.
Não necessariamente pra ela ganhar, mas pra mudar a lógica das eleições mesmo.
Começaram a espalhar a foto na rede NING que não tinha limite de conteúdo, as pessoas
começaram a postar varias coisas, outras possibilidades de usar a imagem... E moderaram
uma rede social onde as pessoas iam postando coisas... A partir das interações nas redes
sociais, outras idéias foram surgindo, como colocar a imagem numa prancha de surf, skates,
nas portas das casas, adesivos de carros, tatuagens... Todas as iniciativas foram sendo
registradas e postadas nas redes sociais para das visibilidade e inspirarem outras iniciativas.
Dessa maneira, esta foi uma campanha que começou no off line e foi para o online, sem conexão direta com a campanha política partidária de Marina Silva. No meio da
mobilização, percebeu-se que as pessoas divulgavam a cara e o nome de Marina, mas
não havia o número de votação, o que poderia dificultar a votação nas eleições. Assim,
discutiram em como fazer isso nas redes sociais: uma pessoa teve a idéia e a outra escreveu
um passo a passo de como fazer um banner humano com o número 43. Assim, muitos
grupos de pessoas puderam se envolver e postaram fotos das imagens que reproduziram: as
imagens vieram de escolas, praças, etc.
O interessante é que nenhum controle existiu, desde o começo. As pessoas não
pensaram sobre o que era mais relevante, foram se envolvendo e fazendo, pois viam um
sentido naquilo. E isso nos faz pensar: o tema mais relevante pra mídia é o que? Como
definimos o que era mais relevante para o movimento? O que elas planejam on-line? A idéia
é perder o controle, ousar de n formas, a favor de sem licenças, sem precisar até de creative
commons para regular qualquer coisa.
Como o Movimento Marina Silva virou essa onda de nova política? O Movimento
Marina Silva ofereceu uma nova possibilidade das pessoas enxergarem que era possível
fazer diferente. E resultou em vários embriões – muitos projetos nasceram a partir dessas
mobilizações
Diálogo estabelecido com todos os participantes
Para alcançar transparência de informações públicas, é preciso documentar o
processo de participação coletiva para que outros possam se envolver? Sem dúvida e
é preciso valorizar o processo dessas campanhas, pois só o fato de muitas pessoas se
envolveram numa petição ou campanha, mesmo que ela não alcance o numero necessário
para aprovarem, já é válido, pois as pessoas que se envolveram, ficaram conhecendo melhor
sobre o assunto, de alguma maneira.
As mobilizações acontecem de forma planejável? Ou isso só acontece com alguns
temas que as pessoas desejam, no inconsciente, que aconteça? Com qualquer idéia eu
posso fazer uma mobilização na internet e envolver pessoas em prol de determinadas
causas? Ou só algumas questões que já se mostram aspirações coletivas a partir do off line
acontecem? A internet é uma ferramenta catalisadora de tudo isso?
Como acontecem os processos de planejamento de mobilizações de pessoas para
determinadas causas? Os processos de planejamento são determinantes para o sucesso
dessas mobilizações?
A mobilização só acontece de fato, quando há uma pauta, um gancho que mexa com
o senso comum e com o público em geral. Por exemplo, a campanha da Liga da Florestas
nasceu de diversos fatores, do código florestal, de pautas políticas, de pesquisas, etc... e
uma coisa vai levando a outra: a idéia é que as pessoas percam o controle. É possível criar
um primeiro canal, mas depois dar espaço para que as pessoas compartilhem de diversas
formas. No entanto, o que leva à essa articulação espontânea?
Sucesso de mobilização é perder o controle? Se o sucesso da mobilização não
depende de planejamento, o que leva as pessoas a compartilharem espontaneamente as
campanhas? Uma das respostas pode estar relacionado à crença ou o fato da pessoa estar
mais sensível a determinados assuntos e por isso se engaja. Sucesso de mobilização,
não necessariamente está ligado ao planejamento, no entanto, pensar em estratégias de
campanha e de mobilização de pessoas para apoiar a causa no inicio, pode ajudar muito.
Perder o controle, pode significar também planejar diversas vezes, todos os dias.
Combinar estratégias off line e on line também são importantes pra engajar as
pessoas, assim como aconteceu na Primavera Árabe, com os países do oriente médio para
derrubarem os governos ditadores locais. A internet foi cortada e as pessoas continuaram
se comunicando, mas como isso aconteceu? A internet foi um inicio, mas as pessoas já
estavam super engajadas pra fazerem parte desta mudança e a praça estava lotada de
pessoas, querendo derrubar o governo. É meio difícil de explicar... o que leva um monte de
pessoas a se mobilizarem para uma causa? Muitas vezes paixão, tesão, identificação por
um problema comum. Algumas comunidades de Belo Monte se mobilizaram, por exemplo,
porque o problema bateu na porta. No caso das grandes mobilizações, são problemas
do senso comum, que as pessoas se sentem motivadas a fazerem parte da mudança.
Progresso por progresso a qualquer custo não faz muito sentido e cada um é tocado por
um projeto, por uma campanha diferente que quer compartilhar. Mobilizar e ver resultados
também é algo que alimenta a continuidade das ações, neste sentido, por exemplo, juntar
pessoas, fazer o numero 43 e depois postar as fotos nas redes sociais pode ser interessante
para alguns. E as pessoas se retroalimentam na energia uns dos outros.
O Greenpeace, aprendeu muito com suas ações off line e agora percebeu que
precisa vincular as duas estratégias. E isso é um aprendizado – ainda é um desafio para a
maioria das organizações que têm um olhar mais antigo e vêem o ativismo como algo que
você precisa ir na floresta para mobilizar. Mas agora, temos uma nova realidade que nos
favorece: as ações on line.
O Crowdfunding é importante para ajudar a manter esses movimentos, que muitas
vezes acontecem de forma independente? Sim, contar com apoio de pessoas físicas
pode ajudar e muito essas campanhas. Os recursos que podem ser arrecadados de forma
independente em plataformas de crowdfunding ajudam a dar liberdade em ações ativistas,
sem necessariamente se atrelar à uma marca empresarial específica. No entanto, não
geram sustentabilidade, pois são dedicadas à projetos pontuais. Então como sustentar
esses movimentos ativistas de forma independente? Não há mais espaços para grandes
organizações que promovem mobilização como o Greenpeace.
O que é slackativism? Ou conhecido também como ativismo de sofá, o “termo diz
respeito a uma forma de atuação ativista que exige baixo nível de engajamento, tais como:
assinar petições, compartilhar, retwitar, participar de grupos de discussão etc. Algumas
pessoas criticam essa forma de participação por acreditar que essa atividade tem pouca
ou nenhuma representatividade na resolução de problemas”1. O barulho, a divulgação é
importante, mas além disso, o que você faz? Se você não tiver um plano depois disso,
melhor nem começar a mobilizar. Um exemplo de slackativism é o Kony2012, um vídeo
criado para denunciar a situação de guerrilha em Uganda e o recrutamento de crianças
que um comandante fazia para lutar a seu favor. No entanto, muitas informações estavam
incongruentes, sem muito embasamento. O vídeo foi replicado por várias pessoas, sem
muito conhecimento sobre o que realmente estava acontecendo.
A partir das experiências expostas, que lógica, interesses esses grupos estão
querendo contrariar? Se é que há... Com relação ao Movimento Marina Silva, contrariar a
lógica eleitoral de um grande partido, que tem muito recurso e constrói uma imagem para
o candidato. E o Movimento Marina Silva não foi um planejamento de campanha, foi um
planejamento de processo que a as pessoas queriam se divertir. Querem incentivar uma
mudança de como as coisas acontecem numa campanha – talvez na próxima campanha
muita gente vai querer fazer diferente. O Transparência Hacker, por exemplo, é contra a
centralização de poder e de movimentos que defendem que o cidadão comum não deve
participar da política. Política é só estar em Brasília, no parlamento? É possível participar
desses processos sim e desenvolver outras formas de fazer política.
A pessoa consegue fazer transformação a partir do seu território sem estar numa
organização? A mobilização também é possível com o envolvimento de pessoas da
periferia?
O movimento ambiental foi por muito tempo elitista: rodinhas de universidades, etc,
mas isso vem mudando sim, pois o problema bate na porta de todo mundo, seja pobre ou
rico. Há muitos exemplos de pessoas, escolas, cidades, que foram tocadas pela campanha
da Liga das Florestas, promovida pelo Greenpeace, de certa forma. A inclusão digital ta
longe de ser total, mas há indicadores melhores a cada dia: quando não há computadores
em casa, há lan houses nas comunidades que pode oferecer acesso e ajudar nas
mobilizações.
E as pessoas na periferia podem começar sua própria campanha? Os grandes
lideres comunitários começaram com uma idéia na cabeça, sem dinheiro no bolso. É
possível fazer com atitude. E se um cidadão mora na comunidade e quer fazer diferente,
pode sim mobilizar e fazer acontecer. Se a pessoa se propõe a fazer um debate na escola X,
é possível mobilizar outras pessoas e ser vitorioso na campanha.
Podemos incentivar as mudanças aos poucos, nas pequenas coisas, no nosso
bairro. É viável juntar-se com outro amigo e promover uma limpeza na rua, encontrar
empresas que recolham o lixo reciclável, por exemplo. Para envolver a periferia, precisamos
ser mais concretos, apontar problemas que estão vivendo na pele. Será?
Um aprendizado que todas as experiências relatadas mostraram foi o poder das
multidões – fazer juntos e alcançarmos melhores resultados. Há muitos mutirões que
acontecem nas periferias para construção de casas. Então se há essa atitude, é possível
fazer muito mais... Poderia haver também mais trocas entre grupos da periferia e outros
grupos para promover mais conhecimento e participação. Precisa haver uma aproximação
para crescermos juntos. E nem todas as organizações e pessoas precisam trabalhar para
isso. As pessoas podem se envolver com o que as motivam. Neste sentido, sucesso de
mobilização pode ser considerada perder o controle, uma vez que quando falamos de
atuação em rede, damos espaços para processos emergentes, que surgem a partir da
interação das pessoas. Mas os caminhos são vários e não existe uma verdade e sim, uma
infinitude de possibilidades, que fica a critério de cada um. E aí que está a riqueza do mundo.
1 http://www.vogg.com.br/vitrine/kony-2012-e-o-slackativism.html