ARTIGO MECANISMOS FÍSICOS DE PERDA DE CALOR E
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ARTIGO MECANISMOS FÍSICOS DE PERDA DE CALOR E
ARTIGO MECANISMOS FÍSICOS DE PERDA DE CALOR E FATORES ASSOCIADOS RELACIONADOS AO EXERCICIO João Carlos Bouzas ~ a r i n s * msmo Este artigo aborda, através de uma breve revisão, os fatores relacionados com os mecanismos fisicos de perda de calor que contribuem para manutenção da homeostase térmica corporal. São apresentadas a forma com que o organismo promove a regulação da temperatura corporal e a maneira pela qual os mecanismos fisicos (convecção, condução, radiação e evaporação) atuam no equilíbrio térmico corporal, assim como os fatores que interagem na velocidade de produção e evaporação do suor, trazendo ações práticas que podem contribuir para a orientação dos praticantes de exercícios sobre uma melhor forma de se combater o stress ambiental provocado por calor. Palavras-chave:exercício, calor, mecanismos fisicos. A prática de exercícios fisicos de forma regular é considerada um dos principais fatores de combate ao sedentarismo, além de melhorar a qualidade de vida do homem contemporâneo. Entretanto, é necessária atenção sobre determinados procedimentos durante a atividade fisica, que podem alterar o aspecto saudável desta atividade. Um dos fatores responsáveis por um desconforto da prática de exercícios físicos está relacionado com o surgimento de uma condição de hipertermia ou hipotermia. Nas duas condições apresentadas, ocorre considerável redução da capacidade fisica, podendo, em situações mais extremas, induzir o praticante à morte. Levando em consideração que vivemos num país de clinia tropical ou subtropical, é frequente durante boa parte do ano o registro de temperaturas e umidades elevadas, perfazendo dessa forma uma condição climática que recomenda cuidados especiais quando da prática de exercícios fisicos. Esta condição climática característica do Brasil impõe a necessidade de um conhecimento científico por parte dos profissionais e atletas que lidam com a prática de exercícios fisicos na relação atividade fisica e calor ambiental, visto que este poderá impor uma redução da capacidade física, além de desenvolver situações de debilidade fisica que poderão desenvolver um quadro de hipertermia. E importante para o professor de Educação Física compreender e identificar os mecanismos de controle da temperatura corporal, a fim de prevenir um stress fisico extremo de seu orientado. Professor do Departamento de Educaçâo Física - Universidade Federal Viçosa. R. min. Educ. Fls., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 5 Neste artigo pretende-se, através de uma revisão de literatura, apresentar os fatores relacionados com os mecanismos físicos de perda de calor que contribuem para manutenção da homeostase térmica corporal e as suas implicações quando associados a uma condição de exercício físico. Para o desenvolvimento desta temática serão apresentados os tópicos relacionados ao equilíbrio térmico, o processo de termorregulação, os mecanismos existentes para perda de calor, bem como alguns aspectos relacionando o exercício com a termorregulação. 1. Temperatura corporal O homem é um ser homotérmico, que apresenta a temperatura interna relativamente constante, até certo ponto independente da temperatura ambiente. Porém, é possível observar certa flutuação da temperatura corporal, quando monitorizada durante um dia, sobre esta variação. Kiedel, citado por WEINECK (1991), encontrou alterações de 0,5 - 1,2OC para mulheres jovens e 0,5 - 1,5"C para homens jovens, enquanto em crianças a faixa de variação foi maior. Este comportamento não-uniforme da temperatura sofre ainda influência de fatores ambientais, como a exposição ao frio ou ao calor, sendo o exercício outro elemento que modifica a temperatura corporal. Possuímos dois tipos de referenciais de temperatura corporal: o primeiro está relacionado com a temperatura interna (temperatura central), que poderá ser registrada através do reto, no ouvido médio próximo ao tímpano, ou no esôfago; e o segundo, com a temperatura externa (temperatura cutânea). As duas temperaturas corporais (central e cutânea) apresentam diferenças significativas, podendo chegar a 2°C. Usualmente esta diferença gira em tomo de 4OC (ASTRAND e RODAHL, 1987). Mesmo na temperatura central não existe uniformidade de valores; ela sofre interferência da região corporal de dentro para fora e do referencial proximal-dista1 (WEINECK, 1991). O estado de neutralidade térmica é caracterizado por uma temperatura central de 36,6"C - 37,1°C e temperatura cutânea variando entre 32 e 35,5OC (ASTRAND e RODAHL, 1987). 1.1. Termorregulação A temperatura corporal é regulada por mecanismos nervosos, operando à custa dos centros termorreguladores localizados no hipotálamo. Em repouso e durante o exercício, o sistema termorregulador se constitui de receptores térmicos, sendo um central (hipotálamo) e um periférico (pele), e efetores térmicos, além de um centro regulador, que é o próprio hipotálamo, sendo este regulado a uma temperatura de referência de 37°C (FOX et al., 1991). O hipotálamo atua como um receptor central a partir de oscilações mínimas da temperatura do sangue arterial que o perfunde com uma magnitude de 0,l a 0,2"C (FOX et al., 1991). Existem ainda estruturas na medula espinhal, nas visceras abdominais e no interior e ao redor das grandes veias receptoras que determinam as variações da temperatura do 6 R.min. Educ. Fís., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 1 sangue (GUYTON, 1991). As informações oriundas dos receptores térmicos são processadas no hipotálamo, que coordena as adaptações orgânicas necessárias para aumentar ou diminuir a perda de calor corporal; dentre estas ações, destacam-se: (a) vasodilatação, (b) vasoconstrição, (c) estimulação das glândulas sudoríparas e (d) diminuição da produção de calor (FOX et al., 1991). A temperatura da pele do rosto é importante elemento para determinar a sensação subjetiva de um stress térmico, pois nesta região corporal existe grande número de receptores térmicos, sendo ainda mais sensíveis do que outras áreas corporais (LAMB, 1987). Esta condição, de certa forma, explica o hábito frequente de corredores de fundo, durante competições, de jogarem água fresca no rosto. A dinâmica de ganho ou perda de calor corporal sofre influência de mecanismos fisicos que alteram os estímulos nervosos recebidos pelo hipotálamo. A seguir será apresentada a interferência destes mecanismos na termorregulação. 1 2. Mecanismos íísicos envolvidos na perda de calor corporal I F: , / I No desequilíbrio da dinâmica metabólica de perda ou ganho de calor, é possível ganhar calor através de três formas: convecção, condução e radiação. Para perda de calor incluem-se as três formas citadas de ganho de calor, além da evaporação. Estes quatro mecanismos representam a capacidade orgânica em responder a elevação da temperatura corporal. Na Figura 1 são apresentadas as formas de ganho e perda de calor através dos mecanismos fisicos (POLLOCK et al., 1993). iIi.YY>UUDOi. iLDI0IDC.a - Figura 1 - Processos pelo qual o calor é liberado ou captado do ambiente pelo organismo através dos mecanismos fisicos, durante o exercício (POLLOCK et al., 1993). A seguir serão apresentadas as particularidades dos mecanismos fisicos para perda de calor e sua relação com a atividade fisica. 2.1. Convecção Para FOX et al. (1991), convecção representaria:"...transferência de calor de um lugar para outro graças ao movimento de uma substância aquecida". A quantidade de calor perdida por convecção depende da R. min. Educ. Fis., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 7 velocidade e da temperatura do ar ou, eventualmente, da água em contato com a superfície do corpo. A convecção constitui uma forma presente de perda de calor quando o atleta está correndo, o que não ocorre quando este se exercita em uma corrida estacionária. A participação do elemento convecção propicia melhor troca de calor corporal na corrida ou no ciclismo, diminuindo a taxa de sudorese, quando comparado ao mesmo trabalho realizado em esteira ou cicloergômetro(Shepard, citado por DIRIX et al., 1988). A perda de calor por convecção está relacionada com a proporção de superficie-volume do corpo. Neste sentido, as extremidades dos dedos, pela sua configurapão anatômica (cilíndrica e comprida), apresentam posição privilegiada para perda de calor; esta característica toma os dedos um importante elemento para transporte convectivo de calor (WEINECK, 1991). Em relação à convecção, é importante ainda observar a relação com o meio líquido. Na água, a perda de calor por convecção é maior quando o indivíduo esta nadando do que se estivesse imóvel. Este fator é provocado pelo fato de a capacidade de condutância da água ser 25 vezes maior (McARDLE et al., 1992). Com base na ação da convecção para a perda de calor corporal, foi elaborado o índice de resfriamento do vento, que retrata as condições de conforto térmico relacionando a velocidade do vento com a temperatura ambiente, como ilustrado no Quadro 1 (A.C.S.M., 1994). Quadro 1- Índice de resfriamento do vento Velocidade Km/h 8 16 24 32 40 48 56 64 I I Leitura do tennometro em o C i0 I 4 1 -1 1 Temperatura equivalente ('C) 9 3 -3 4 -2 - 11 -6 13 2 O -8 - 16 -1 -9 - 18 -2 - 11 - 19 -3 - 12 20 -4 13 - 21 - - - -7 -9 - 21 - 23 - 26 - 28 - 29 - 14 - 30 Adaptado de A.C.S.M. (1994). 2.2.Condução O processo de condução é caracterizado quando: "... a energia calorffíca é transferida desde de um corpo mais quente a outro mais frio através de um contato físico direto" (LAMB, 1987). Dentro do mecanismo físico, o fluxo térmico processa-se sempre do objeto mais quente para o mais frio. A intensidade de perda de calor depende diretamente do gradiente de temperaturas entre a pele e as superfícies adjacentes, além de suas qualidades térmicas; um exemplo desta situação está na relação corpo-ar e corpo-água (MCARDLE et al., 1992). 8 R. min. Educ. Ffs., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 , , 23. Ruáiizção A radiação é definida por FOX et al. (1991) como sendo: "...transferência de calor entre dois objetos através de ondas eletromagnéticas". Esta forma de transferência de calor não requer nenhum contato molecular direto, sendo a principal forma de perda de calor na condição de repouso em condições termoneutras (WILMORE e COSTILL, 1994). Quando a temperatura de nosso corpo está mais elevada que o meio ambiente, ocorre radiação de nosso corpo em direção a objetos sólidos mais frios existentes nesse meio ambiente. Porém, quando ocorre uma situação contrária, a energia radiante é absorvida pelo corpo. i , : 1 T i 1 2.4. Evaporação Quando os mecanismos de perda de calor por radiação, condução e convecção não são mais suficientes para eliminar o calor metabólico gerado, a evaporação consiste na última via de perda de calor. A evaporação corresponde a difusão da molécula de água (líquida) desde a pele ao ar (água gasosa). O primeiro passo para que ocorra a evaporação corresponde a produção do suor na pele; a evaporação do suor irá propiciar um esfriamento da pele e, por conseguinte, acelerar a queda da temperatura central. Para cada litro de suor evaporado da superficie do corpo, em torno de 580 quilocalorias de energia calorífica são eliminadas, o que se reveste de especial importância durante a realização de exercícios físicos; a evaporação constitui-se na principal via de eliminação de calor metabólico produzido pela dinâmica muscular. As crianças e os idosos representam um grupo especial, em que se deve tomar o maior cuidado em relação aos mecanismos de perda de calor. Apesar de as crianças possuírem o mesmo número de glândulas sudoríparas que os adultos, a capacidade de funcionamei!to é inferior, somando-se ao fato de as crianças ainda apresentarem taxa de suor 2,5 vezes menor e menor parcela de eletrólitos, como pode ser evidenciado na Figura 2 (WEINECK, 1991). Figura 2 - Relação do aumento da concentração de (NaCl) no suor com a idade crescente. Adaptado de WEINECK (199 1). R.min. Educ. Fis., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 w 9 O fato de as crianças apresentarem menor capacidade de perda de calor através da evaporação toma-as menos tolerantes ao stress provocado pelo calor. Este processo de deficiência orgânica das crianças faz com que elas apresentem aumento mais rápido na temperatura interna do corpo e da pele, o que Ihes dificulta a capacidade termorreguladora, como pode ser visto na Figura 3 (BAR-OR, 1983). +20 anos 0,l 0,2 0,3 0,4 0,s 0,6 0,7 0,8 0,9 1 Diferença da temperatura reta1 (C) Diferença da temperatura reta1 (C) Figura 3 - Taxa de suor e aumento médio de temperatura da pele em relação a temperatura reta1 em crianças do sexo masculino e em adultos jovens, sob carga semelhante. Modificado de BAR-OR (1983). A integração dos mecanismos de perda de calor em condição de repouso comparada em exercício, durante ym trabalho a 70% do VOZmax, com um consumo calórico de 15 Kcal .min- é apresentada por WILMORE e COSTILL (1994), em que se percebe profunda modificação da forma de perda de calor, cÓmo pode ser ekidenciado no Quadro 2. 10 R. min.Educ. Fís., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 Quadro 2 - Estimativa da perda de calor em repouso (com 1,5 ~cal.min-'de produção de calor) e durant,e o exercício prolongado a 70% do V02max (com 15 Kcal.min- de produção de calor) 1 I Mecanismos de perda de I Radiação . Repouso O,Y Exercício 5 U,8 I I 2.4.1. - Fatores que interferem na velocidade de produção e evaporação do suor Existe uma série de fatores que poderão, de forma isolada ou combinada, dificultar ou facilitar o processo de produção e evaporação do suor, entre eles: (a) condições climáticas (temperatura ambiente, umidade e veiocidade do vento), (b) tipo de vestimenta, (c) aclimatação e (d) intensidade do exercício. Condiç6es ambientais 1 I , Temperatura ambiente A temperatura ambiente exerce papel preponderante na produção e evaporação do suor. Segundo McARDLE et al. (1992), o ritmo de transpiração aumenta diretamente com a temperatura ambiente. A partir de 30°C de temperatura ambiente, diminui-se a perda de calor por radiação e por convecção, incrementando-se a evaporação. Esta se converterá na única via de perda de calor quando a temperatura ambiente for superior a 37°C (LAPTEV e MMJ, 1987). GISOLFI e WERGER (1 984), monitorizando o grau de participação dos mecanismos físicos de perda de calor, identificaram que, em um ambiente a 10°C, a maior parte do calor metabólico é dissipada sob a forma de radiação e condução,ltendo a evaporação uma discreta participação; entretanto, quando o mesmo exercício foi executado a 35"C, houve total inversão, com a perda de calor ocorrendo quase que exclusivamente por evaporação, como pode ser visto na Figura 4. - R. min. Educ. Fis., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 11 Temperatura Ambiente em C Figura 4 - Mecanismos de perda de calor relacionados com a temperatura ambiente. Adaptado de GISOLFI e WERGER (1984). Uma série de acidentes fatais, relacionando condições climáticas (temperaturatumidade) e exercício físico, foi relatada por vários autores. Com o objetivo de melhor identificar essas condições adversas climáticas para realização de exercícios físicos, LAMB (1987) apresentou as relações entre calor e umidade, tendo como resultante a formação de três áreas diferenciadas de stress térmico (Figura 5). 1 1I ZONA DE YOUR.UCCA 2 z,,, 70 - Figura 5 - Guia de temperatura e umidade para exercitar-se (LAMB, 1987). Umidade A umidade representa um segundo elemento de condição ambienta], interferindo decisivamente na velocidade de formação e evaporação do suor. A umidade relativa do ar pode ser definida como:"... a relação de água no ar ambiente para a quantidade total de umidade que pode ser carreada no ar numa determinada temperatura, expressa como percentual" (McARDLE et al., 1992). Ainda segundo os mesmos autores, quanto maior for a umidade relativa do ar, maior será a dificuldade de evaporação do suor produzido. Em condições climáticas onde a umidade relativa do ar está baixa, o suor produzido evapora-se facilmente, fazendo com que o corpo perca calor. E importante ressaltar que o corpo não perderá calor pelo total de suor 12 R. min. Educ. Fís., Viçosa, 6(2):5-20, 1998 fr i produzido, mas pela quantidade de suor evaporado. Em locais com umidade relativa do ar inferior a 15% será possível cneontrar sinais como secura nos lábios, boca e nariz, resultante do ressecamento das membranas das mucosas. A umidade relativa do ar ideal pera prática esportiva deverá ficar entre 30 e 40% (LAPTEV e MINJ, 1987). ilkwimento do a A velocidade de deslocamento do ar constitui-se no terceiro dmento das condições ambientais que poderá interferir na velocidade de produção e evaporação do suor. ASTRAND e RODAHL (1987) sustentam que o movimento do ar ittl aumentar a evaporação do suor, porém isto ocorrerá se a temperatura ambiente for menor que a temperatura cutânea. Caso contrário, o movimento do ar poderá impor uma carga térmica maior, pois fará com que a pele absorva mais calor através da convecção. Para LAPTEV e MINJ (1987), a importância do vento na perda do calor estaria mais ligada a umidade relativa do ar; se ela for mais baixa, o vento atuará como importante fator no esfnamento corporal, modificando a sensação térmica da pele. Para uma melhor classificação da interferência da velocidade do vento, Bohort, citado por LAPTEV e MINJ (1987), apresenta uma tabela em que hierarquiza este referencial, apresentando ainda a característica de força do vento, além da observância visual, como pode ser visto no Quadro 3. i Quadro 3 - Classificação da interferência do vento r Velocidade do vento m/s 00,O - 00,s I Velocidade do vento em pontos O 00,6-01,7 1 1 I Caracterlstica da I Aç%ovisual força do vento Calmo A fumaça se eleva verticalmente e as folhas não se movem. O movimento do catavento 6 quase imperceptlvel; o sentido se determina pela Suave se sente no rosto, e as i i t t o andar contra o vento se percebe uma I 1 ) Tormenta LAPEV e MINJ (1987 p. 14) 18,3-21,5 9 R.min.Educ. Ffs., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 1 movimento toma-se dificil. ) 0 vento provoca pequenas destmições. 13 Vestimenta Em situações de stress térmico provocado pelo calor, a superfície corporal exposta ao meio ambiente representa uma condição favorável para perda de calor, por facilitar o processo de evaporação. Nas modalidades esportivas em que o uso de grande quantidade de equipamento é obrigatório, caso do futebol americano ou de pilotos de automobilismo, é frequente encontrar situações de superaquecimento, podendo levar a morte ou a choques hipertérmicos. Um exemplo desta afirmativa pôde ser visto por milhares de pessoas em todo o mundo ao final do GP Brasil de Fórmula 1 em 1986, disputado no Rio de Janeiro, quando o piloto Nelson Piquet desmaiou durante a entrega do troféu, no pódio. A importância da vestimenta no processo de termorregulação pode ser evidenciada quando se analisam os resultados de uma pesquisa desenvolvida por MATHEWS et al. (1969), em que se comparou o comportamento da temperatura cutânea e retal de jogadores de futebol americano submetidos a um período de corrida com diferentes tipos de vestimenta, verificando-se que, quanto maior a vestimenta, maior era a elevação tanto da temperatura retal quanto da cutânea, havendo também a necessidade de maior tempo de recuperação quando o uniforme era utilizado em sua totalidade (Figura 6). mUnlfonno .Calções O 10 20 e lastro .Apenas calç6es 30 -10 -20 -30 MINUTOS Figura 6 - Efeitos de um uniforme completo para futebol americano e seu peso equivalente sobre a temperatura retal. As pessoas corriam a 9,6 kmlh por 30 min a 26,5OC e 35% de umidade relativa (Adaptado de MATHEWS et al., 1969). Como na maioria das atividades fisicas há necessidade de uma vestimenta básica, é importante que esta seja feita de forma a facilitar a perda de calor no menor tempo possível (stress térmico calor). Alguns elementos básicos devem ser analisados para a seleção da melhor vestimenta, entre eles: (a) condutibilidade de calor, (b) permeabilidade ao ar e (c) retenção da umidade (LAPTEV e MNJ, 1987). Em situações de temperatura elevada, a vestimenta deverá ser folgada, para permitir a circulação livre do ar entre a pele e o meio ambiente, com o objetivo de deslocar a água para longe da pele (KATCH e McARDLE, 1996). Ainda com relação à vestimenta, recomenda-se o uso de material com cores claras, pois estas refletem os raios solares quentes. Como último ponto, cabe 14 R. min.Educ. Fis., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 destacar o comentário de Leski, citado por MELLION (1997), sobre a higienização da roupa interferindo na condição do calor: "As roupas devem ser lavadas regularmente, depois do exercício, porque a sujeira, o óleo e o sal podem fechar os @os dos tecidos, reduzindo a circulação do ar e tetendo o suor" Aclimatação A relação do stress térmico induzido pelo calor sofre algumas interferências quando se comparam indivíduos aclimatados (adaptados) aos não-ada~tadosao calor (LAMB, 1987). E possível um indivíduo se adaptar ao calor; para isso, é necessário um período em torno de 7 a 10 dias, o que propiciará algumas adaptações fisiológicas que facilitam a aclimatação do indivíduo (Shephard, citado por DIRIX et a]., 1988). Entre as alterações que ocorrem num período de adaptação, Leski, citado por MELLION (1997), aponta: "(a) aumento do volme sanguíneo; (b) redução da freqüência cardíaca para determinada carga de trabalho e de estresse ao calor; (c) vasodilatação precoce da pele; (d) início precoce de sudorese; (e) aumento nas taxas de sudorese; (f) redução da concentração de sódio no suor; (g) redução da temperatura central para determinada carga de trabalho de estresse ao calor; (h) redução da percepção da intensidade do exercício; (i) aumento do conforto térmico." Outras adaptações também foram observadas por Sherphard, citado por DIRIX et al. (1988), ao apontar que a produção de sudorese tem inicio mais rapidamente, além de menor temperatura reta1 e incremento de performance. Um dos principais elementos responsáveis pela aclimatação ao calor corresponde a maior velocidade de sudorese, o que torna possível um esfriamento mais eficaz da pele através da perda de calor por evaporação. Este mecanismo irá interferir em uma redução maior da temperatura cutânea, fazendo assim com que o sangue que perfunde a pele se resfrie em maior proporção (ASTRAND e RODAHL, 1987). Uma das adaptações que ocorrem durante um período de aclimatação é a diluição dos elementos .que compõem o suor, tornando-o dessa forma mais fácil de evaporar (ADAMS et al., 1975). Isso é possível principalmente pela redução da perda de sal. Na evaporação da água, esse elemento permanece na pele, e quanto maior for a concentração do mesmo na superfície corporal, mais difícil será o processo de evaporação. Portanto, o calor necessário para a evaporação aumentará com a elevação da concentração de sal (LAMB, 1987). Visando evitar este tipo de ação, MOREIRA (1996) recomenda que: "... periodicamente se lave a pele com as esponjas que são distribuídas durante as provas longas". Ainda existem certas evidências de que os líquidos corporais sofrem um aumento com o processo de adaptação ao calor; este fenômeno estaria exemplificado através do aumento do volume do plasma em torno de 5% (ROWELL, I 974). Comparando indivíduos treinados e não-treinados em relação ao stress térmico relacionado ao calor, NADEL et al. (1974) concluíram que indivíduos treinados e não-aclimatados se adaptam melhor e mais 15 R. min.Educ. Fis., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 rapidamente do que individuos não-treinados e não-aclimatados, quando estão em ambientes quentes. A explicação fisiológica apresentada pelos mesmos autores para a melhor aclimatação do individuo treinado em relação ao não-treinado corresponde ao fato de que, no individuo treinado, a elevação da taxa metabólica imposta pelo exercício, ou seja, a produção de calor durante o treinamento, induz temperaturas retais próximas de 40°C, que, dessa forma, atuariam como um estímulo para aprimoramento das adaptações circulatórias e da sudorese. Intensidade de trabalho Quando nos exercitamos, uma determinada quantidade de energia é gerada, porém nossa eficiência mecânica é limitada em no máximo 25%, o que leva à necessidade de liberação dos 75% restantes em forma de calor, para evitar urna condição de superaquecimento. A partir desse dispositivo fisiológico gera-se uma relação entre magnitude de intensidade de exercício e aumento da temperatura interna. Alguns estudos de Nielsen, apresentados por ASTRAND e RODAHL (1987), demonstram uma clara relação direta entre a temperatura retal e a captação de 0 2 (Figura 7). A temperatura final não dependeria da magnitude absoluta do gasto energético, mas sim do nível metabólico relativo à potência aeróbica máxima do individuo. Assim, dois individuos com captação de 0 2 llmin diferente, sendo o individuo [A] com 3 1 02lmin e [B] com 4 1 02/min, apresentarão uma temperatura reta1 equivalente a uma intensidade de exercício próxima a 50% de sua capacidade, ou seja, no indivíduo [A] em tomo de 1,5 1 021min e no individuo [B] em tomo de 2 1 02lmin. Figura 7 - Relação entre captação de O e temperatura corporal no trabalho com as pernas (X) e no tra alho com os braços (ASTRAND e RODAHL, 1987). Z Sobre o assunto, FOX et al. (1991) apresentam um estudo em que-foi acompanhado o comportamento da temperatura retal em duas situações diferentes. Na primeira, a temperatura ambiente era mantida inalterada aumentando-se a intensidade de exercício, e, na segunda, ocorrqu a inversão das variáveis, conforme pode ser evidenciado na Figura 8. E importante 'observar que a temperatura retal sofre incremento linear conforme a intensidade de trabalho e incremento exponencial no aumento da temperatura ambiente. 16 R. min.Educ. Fis., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 Tr O I Carga de trabalho crescente Moderadamente Frio 1 Frio Quente 1 i I Condições ambientais Figura 8 - (A) Relação entre a temperatura (Tr) e o ritmo de trabalho num ambiente frio. Embora as condições ambientais se mantivessem constantes, a medida que o ritmo de trabalho aumentava, a Tr se elevava proporcionalmente; e (B), com um ritmo de trabalho constante, a elevação na Tr é a mesma num ambiente frio a moderadamente quente, porém aumenta desproporcionalmente num ambiente quente, devido a maior resistência imposta a dissipação do calor (Adaptado de FOX et al., 1991). Existem ainda algumas relações entre a temperatura retal e outras variáveis. Para GUYTON (199 1), a freqüência cardíaca aumenta aproximadamente 15 bpm para cada grau centígrado de aumento da temperatura central, até atingir 41°C. VILLEGAS et al. (1995) citam um estudo de Sawka identificando que existe uma relação entre temperatura retal e percentual de desidratação, em que cada redugão de 1% do peso corporal induzido,pela desidratação implicaria aumento de 0,l e 0,4"C. SALTIN e HERMANSEN (1966), em estudos comparativos sobre o comportamento das temperaturas retal, esofagiana e muscular, juntamente com incremento da captação de 0 2 , observaram comportamento quase que diretamente proporcional, como pode ser evidenciado na Figura 9. E interessante observar que o local de maior elevação de temperatura corresponde ao ponto onde o calor está sendo gerado, ou seja, nos músculos. Figura 9 - Temperatura média medida simultaneamente no edfago, no reto e no músculo ativo, em relação a captação de 0 2 em percentual da captação máxima do indivíduo. Adaptado de SALTIN e HERMANSEN ( 1966). R. min.Educ. Fis., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 17 Durante a realização de exercícios físicos é considerado como resposta normal o aumento da temperatura corporal; entretanto, esse valor não deverá ultrapassar 42OC, visto que valores superiores poderão propiciar uma condição de hipertemia. A perda de calor poderá ocorrer por quatro mecanismos: convecção, condução, evaporação e radiação; no entanto, existem condições climáticas que, quando combinadas com determinada temperatura e umidade, tornam a evaporação o único mecanismo de perda de calor corporal disponível, o que imporá uma grande perda hídrica no organismo, podendo, em condições de exercício prolongado, induzir um quadro de desidratação grave. A constante hidratação será o principal elemento profilático no sentido de abrandar o surgimento do estado de desidratação. Os ajustes corporais visando uma adaptação provocada por um stress térmico ocorrem de forma diferenciada nas crianças e nos idosos, se comparados aos adultos. A prática de atividade física escolar em horários centrais constitui um contra-senso fisiológico, pois facilita uma perda da qualidade da atividade e põe em risco a saúde da criança, já que esta não possui o centro termorregulativo (hipotálamo) suficientemente amadurecido. Já pessoas idosas deverão fazer suas atividades seinpre em condições atmosféricas ideais, pois o hipotálamo, em razão do processo de senescência, já não consegue responder de forma correta aos estímulos oriundos do stress I térmico. Um dos procedimentos mais aconselháveis para se evitar o ' aparecimento de um quadro de desidratação de forma precoce é permitir com que o suor produzido tenha condições de evaporar. A taxa de evaporação do suor possui íntima relação com o tipo de vestimenta; é totalmente desaconselhável o uso de macacões de plástico ou casacos de borracha durante exercícios, visto que não beneficiará em nada o emagrecimento e aumentará de forma significativa o aparecimento da desidratação. A melhor vestimenta será a menor possível, de cor clara, sendo preferencialmente e branca. Em uma situação de realização de uma competição em um local com 1 temperatura e umidade elevadas, recomenda-se um período de aclimatação 1 por parte do atleta de pelo menos sete dias. Durante provas atléticas ou atividades físicas de perfil recreativo desenvolvidas em condições térmicas desfavoráveis por um longo período de tempo, recomenda-se molhar a pele ou a cabeça com água, visto que se acelera o processo de perda de calor pela condução com o contato água-pele, além de favorecer a evaporação, sem, contudo, solicitar os estoques hídricos i corporais. r A compreensão dos mecanismos de termorregulação e dos fatores externos intervenientes por parte do Professor de Educação Física permite a , elaboração de uma série de estratégias adequadas ao seu orientado, no sentido de se evitar um stress térmico elevado, toniando a prática de atividades físicas mais agradável, além de afastar qualquer possibilidade de um acidente por hipertermia. 18 R.min. Educ. Fís., Viçosa, 6(2): 5-20, 1998 I 1 0 L ABSTRACT This article approaches, through a brief revision, the factors related to the physical mechanisms of heat loss that contribute to maintenance of the corporal thermal homeostasis. It is presented the form by which the organism promotes the regulation of the corporal temperature. Also it is shown on which manner the physical mechanisms ( convection, conduction, radiation and evaporation) act in the corporal thermal balance, as well as the factors interacting on the production speed and evaporation of the sweating. Practical actions are brought intending to contribute to the exercise apprentices orientation, looking for combating the environmental stress caused by heat. Key words: exercise; heat; physical rnechanisrns. A. C. S. M. Prova de esforço e prescrição de exercício. Rio de Janeiro: Revinter, 1994. ADAMS, W. C.; FOX, R. H.; FRY,A. J. et al. Thermoregulation during rnarathon running in cool, rnoderate, and hot enviyonrnents. 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