Música. Lançado em 1959, o álbum "Kind of Blue", de Miles Davis
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Música. Lançado em 1959, o álbum "Kind of Blue", de Miles Davis, continua uma das maiores referências do gênero 'Bíblia do jazz' faz 50 anos Douglas Resende "So What’, ‘Kind of Blue’ ficaram lá. Foram feitas naquela época, na hora certa, no dia certo, aconteceu. Já passou, está no disco... Não quero que gostem de mim por causa de ‘Kind of Blue’. Goste de mim pelo que estou fazendo hoje, entendeu?". A frase é de Miles Davis, publicada numa entrevista em 1986, referindo-se ao seu disco mais famoso e à sua primeira faixa. Contrariando a vontade do trompetista, o seu álbum "Kind of Blue" continua, 50 anos depois de seu lançamento, sendo considerado por músicos, críticos e apreciadores como um dos discos mais influentes da música popular ocidental e o voo mais alto de Miles Davis que, incansável inventor, só foi silenciar seu trompete 32 anos depois dessa gravação. "É o cume da trajetória de um músico-personagem que utilizou o seu próprio charme e a sofisticação do jazz moderno melhor do que ninguém", comenta Luiz Orlando Carneiro, autor de "Obras-Primas do Jazz" (Jorge Zahar). "É um disco que todo o músico de jazz tem que ter. É como se fosse uma ‘bíblia do jazz’", diz o compositor e saxofonista mineiro Cléber Alves, usando o chavão repetido milhares de vezes nestes 50 anos de história. "Kind of Blue" continua sendo também um best-seller - segundo Vince Wilburn Jr., sobrinho de Miles Davis e administrador de sua herança, o álbum já foi remasterizado e relançado várias vezes e vendeu 2 milhões de cópias desde que Miles morreu, em 1991, aos 66 anos. O jornalista norte-americano Ashley Kahn, autor de "Kind of Blue - A História da Obra-Prima de Miles Davis", lançado no Brasil há dois anos pela Editora Barracuda, considera que a perenidade do disco é o seu maior atestado de obra superior. "Do lado pessoal, é um daqueles álbuns inacreditáveis que não canso de ouvir nunca. Percebo coisas novas a cada vez que ouço. E, para mim, isso é uma definição de obra-prima. Assim como acontece com uma peça de Shakespeare, por exemplo", comenta Ashley, em entrevista ao Magazine por telefone de seu escritório em Nova Jersey. "Do outro lado, mais comercial, é impressionante como as pessoas continuam, espontaneamente e por tantos anos, tomando a decisão de comprar o disco, mesmo aqueles que não gostam de jazz", avalia. om o passar do tempo, o disco ganha maiores dimensões. A cada efeméride usada como desculpa para trazer "Kind of Blue" para os holofotes, aumenta o reconhecimento da obra. "É como uma bola de neve que vai ficando maior e maior", comenta Ashley Kahn. "Somos muito mais conscientes de ‘Kind of Blue’ hoje." BARRACUDA/REPRODUÇÃO Miles Davis no estúdio onde 'Kind of Blue' foi gravado, em Nova York, na 23 primavera de 1959 O sexteto de Miles Miles Davis gravou "Kind of Blue" junto com cinco músicos Bill Evans, no piano John Coltrane, no sax tenor Cannonball Adderley, no sax alto Paul Chambers, no contrabaixo Jimmy Cobb (o único ainda vivo), na bateria Reconhecimento "Reconhecido como o ápice do moderno, ‘Kind of Blue’ foi o álbum que inaugurou uma era, e não apenas no jazz. Sua introdução etérea com baixo e piano é reconhecida universalmente." ________________________________________ Homenagem Edição traz filme, vinil, gravações originais Com a chegada do cinquentenário de "Kind of Blue", uma nova homenagem à obra tem deixado os fãs de jazz inquietos. Ainda mais depois de saberem o preço no Brasil da edição de luxo de "Kind of Blue" lançada em setembro nos Estados Unidos pela Columbia/Legacy. Ao custo de cerca de R$ 500, a edição - um farto banquete para colecionadores - inclui dois CDs do álbum original, mais versões alternativas, faixas gravadas que não saíram no álbum, um documentário em DVD e outros bônus. Ainda sem previsão de lançamento no Brasil, a edição comemorativa traz, num dos CDs, gravações originais de trechos não aproveitados de todas as músicas presentes na versão original. No outro CD, estão as músicas "On Green Dolphin Street", "Fran-Dance", "Stella by Starlight", "Love for Sale" (que não estão no álbum original) e uma versão ao vivo de "So What", a primeira faixa de "Kind of Blue", com pouco mais de 17 minutos, quase o dobro da duração da gravação original. Há ainda uma cópia de "Kind of Blue" em vinil, livreto de 60 páginas e um DVD com documentário sobre a concepção e gravação do álbum, incluindo programa de TV com Miles e Coltrane, exibido em 1959. Outras homenagens de que se tem falado até agora: uma exposição para Miles Davis prevista para o complexo Cité de la Musique, em Paris, e um longa-metragem dirigido pelo ator Don Cheadle, que vai interpretar o "personagemmúsico". DR) ________________________________________ Barracuda/reprodução Trompetista no intervalo das gravações de 'Kind of Blue' “Kind of Blue” A cristalização do estilo criado por Miles Davis O fato de "Kind of Blue" ser considerado uma obra-prima e um dos maiores álbuns do século XX se deve a vários motivos. Mas o primeiro deles talvez seja a profunda simplicidade alcançada pelo sexteto de Miles Davis. Característica que torna o disco uma obra universal. "Tanto aficionados da música erudita quanto roqueiros raivosos louvam sua sutileza, simplicidade e profundidade emocional", escreve Ashley Kahn em "‘Kind of Blue’ - A História da Obra-Prima de Miles Davis". "É uma obra minimalista", acrescenta Cléber Alves, saxofonista, compositor e pesquisador. "O Miles procura mais a altura média, mais o timbre do que só frase o tempo todo." O próprio trompetista confirma, numa declaração de 1989, dois anos antes de sua morte: "Eu prefiro um som redondo, sem frescura, com muito pouco tremolo e muito pouco grave. Bem na altura média. Os trompetistas de antigamente viviam me dizendo: ‘Garoto! Toque no registro certo’." Esse estilo revela um dado importante sobre o lugar que "Kind of Blue" ocupa na história do jazz e sobre o próprio Miles Davis. Numa gravação de 1950 de "Now’s the Time", de Charlie Parker, o trompetista, ainda com 19 anos, "sola com um fraseado vago, econômico, livre de floreados ou ornamentos", na descrição de Ashley Kahn. O detalhe é que o dono da banda era ninguém menos que o grande gênio do bebop - estilo frenético, cheio de fraseado, justamente o oposto do que fazia Miles, tímido, em seu trompete. "O Miles Davis trouxe o jazz para o ‘cool’. Seu estilo não é para fora, como o bebop era. Não tem aquele fogo", explica Cléber. Naqueles anos 50, Miles transformava a história do jazz. Foi um processo de invenção que, como disse Luiz Orlando Carneiro, culminou em "Kind of Blue". O primeiro passo decisivo fora dado antes, com um disco cujo título já anunciava a chegada de um novo estilo - "The Birth of the Cool" ("o nascimento do cool"), lançado em 1957 pela Capitol, embora as gravações da maioria das músicas tenham sido feitas ainda em 1949. Naquelas sessões, além de engendrar um novo estilo, Miles demonstrava também o grande líder que era. "Ele tinha a sua criação e dava a liberdade para quem estava com ele exercer a sua criatividade", diz Cléber. Miles conseguira alinhar todos aqueles talentos - especialmente Bill Evans e John Coltrane - dentro de uma única ideia de criação. O resultado foi que, quando o cool já estava sendo tocado até do outro lado dos Estados Unidos, na costa oeste, Miles cristalizava um novo estilo com "Kind of Blue" - o jazz modal, que consiste em tocar um mesmo acorde durante oito ou 16 compassos, estendendo ainda mais o tempo em contraposição às notas aproximadas do bebop. Publicado em: 02/03/2009 O Tempo http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdEdicao=1219&IdCanal=4&IdSubCanal=&Id Noticia=104659&IdTipoNoticia=1
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