ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla
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ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO DAS GALÁXIAS, DE HAROLDO DE CAMPOS Ana Paula El-Jaick1 Resumo: Este texto é uma análise do objeto-livro Galáxias na sua inclassificação, na medida em que dá a ver a linguagem descristalizada, a linguagem em movimento (sideral). Este texto: um gesto de leitura (como lembra o irmão do poeta, também poeta, “tudo já foi dito”, inclusive isto: um gesto de leitura do pesquisador é sempre um gesto possível, não o único gesto possível): este texto que, de uma perspectiva wittgensteiniana de linguagem, busca aclarar uma questão: este objeto-livro. Uma conclusão possível para este texto: Galáxias, de Haroldo de Campos, é um livro que, dizendo, nos mostra linguagens que não se deixam dizer. Palavras-chave: metalinguagem; língua; literatura. Abstract: This text: an analysis of the book-object Galáxias in its inclassification allowing us a decrystallized language, the language in (outer) movement. This text: a reading gesture (as noted by the brother of the poet, also a poet, "everything has been said," including this: a researcher reading gesture is always a possible gesture, not the only possible gesture): this text, in a Wittgensteinian perspective of language, seeks to clarify a question: this book-object. One possible conclusion to this text: Haroldo de Campos' Galáxias is a book that, saying (it? what?), shows languages that do not allow themselves to say. Keywords: metalanguage; language; literature. Depois de ler os fragmentos iniciais de Galáxias, Guimarães Rosa disse a Haroldo de Campos: “Você não sabe o que tem nas mãos. Isto é o demo. Esta sua prosa é o demo!” (apud CAMPOS, 1992, p.273). 1 Profa. Dra. do Departamento de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO Este meu texto deveria, como as Galáxias de Haroldo de Campos, contemplar variadas ordenações de leitura, deveria contemplar uma leitura espacial. Este meu texto deve, como seu próprio objeto-livro Galáxias, ser um texto sem numeração de páginas. Este meu texto não deve ter divisões – para tentar ficar mais perto de cumprir aquilo que, para Haroldo, é a dimensão essencial das Galáxias: um livro para ser lido em voz alta, uma vez que pede uma respiração (daí a edição de 2004, feita pela Editora 34, incluir um CD, gravado com a assistência de Arnaldo Antunes). Daí este texto sem numeração de páginas, mais perto de se fazer ensaio, parafraseando seu próprio objeto-livro Galáxias: “todo livro é um livro de ensaio de ensaio do livro” (e começo aqui). Haroldo de Campos começou a criar as Galáxias em 1963. Ele as concluiu em 1976, mas elas só foram publicadas pela primeira vez oito anos mais tarde, em 1984. Galáxias é um livro que (abre aspas) “não tem mais de uma página” (fecha aspas) (CAMPOS, 2004, a liberdade tem uma cor2). Cada página, sem numeração de página, é um fragmento. São cinquenta fragmentos, cinquenta “cantares”, num total de aproximadamente 2000 versículos (CAMPOS, 1992, p.272). Desses cinquenta fragmentos, há dois “formantes” (nomenclatura do autor): uma página inicial e outra, final, intercambiáveis, o início podendo ser o fim, e o fim, o começo (CAMPOS, 2002, p.42). Como cada fragmento é concluso em si mesmo, cada página é uma página-mônada, uma microgaláxia em que é possível vislumbrar todas e cada uma das Galáxias. É você quem decide a ordem pela qual irá contemplar as galáxias – a partir do seu ponto de vista, você passará em revista o universo inteiro. As Galáxias estão no limite entre poesia e prosa, o que levou Caetano Veloso a chamá-las de proesia. De fato, Haroldo busca “dialetizar a questão da ruptura entre gêneros” (CAMPOS, 1992, p.270). Assim, as Galáxias se tornam um livro 2 Como foi dito, não há paginação nesta edição de Galáxias (salvo os “Anexos”, ao final do livro). Assim, indicarei a página pelo primeiro verso que se afigura em cada uma. ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO inclassificável nessa “acintosa hibridização de gêneros” (Idem, p.275), nesse “abominoso travestimento de gêneros” (CAMPOS, 2004, vista dall’interno). Não há fronteira entre gêneros, não há fronteiras entre línguas, there are no boundaries, il n'y a pas de limites entre lugares, entre falares, entre dizeres. É o fim do verso, o que não coincide com o começo de uma prosa linear – a viagem de Haroldo não é uma viagem linear. Em vez de uma viagem diacrônica, as Galáxias de Haroldo fazem viagens sincrônicas – o que já levou a pesquisadora Cristina Pereira a compará-las à agoridade (Jetztzeit) benjaminiana, já que as Galáxias presentificam o passado, conforme o preceito bejaminiano (PEREIRA, 2007, p.146-147). Haroldo pretendeu, segundo seu próprio testemunho, escrever “um epos sem ‘estória’, ou cuja estória fosse nada e tudo ao mesmo tempo: uma plurinarrativa e o ‘grau zero’ do narrar” (CAMPOS, 1992, p.217) – “escrever sobre o não escrever” (CAMPOS, 2004, o que mais vejo aqui). O que acabou numa epifânica (CAMPOS, 1992, p.271), ou seja: a recusa à épica (narração) deu numa epifania (visão) (CAMPOS, 2002, p.42). O fim não tem importância, a finalidade não tem fim, o fim não tem fim, pois pode ser o começo – e o que importa é a viagem. A linguagem é o verdadeiro e principal personagem de Galáxias (CAMPOS, 1992, p.272): As galáxias, num nível essencial, são uma ‘defesa e ilustração da língua portuguesa’, a partir da condição latinoamarga. À medida que a viagem textual se desenrola, o idiomaterno (‘essa língua morta essa moura torta esse umbilifio que te prega à porta’) vai mostrando toda a sua capacidade de metáfora e metamorfose, inclusive por apropriação e expropriação de outras línguas, por transgressão e transcriação (CAMPOS, 2004, p.122). Galáxias “não é um livro” (CAMPOS, 20004, isto não é um livro): é escrita, escritura que se inscreve no papel, escrita descontínua, “autorretrato da escrita” ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO (Jackson, 2005, p.52). O jogo de espelhos da escrita reflete a importância da forma – o que não deixa de ser irônico, uma vez que uma das objeções da assim chamada Geração de 45 aos modernistas aos quais Haroldo se filia, como Oswald de Andrade, era que eles não teriam noção de forma. Para Haroldo: Essa objeção derivava de uma ideia limitada do que é forma; de um conceito de forma que, em português, se designa melhor pela palavra fôrma. Em português, fôrma tem o sentido de molde, de forma feita e acabada, cujo paradigma é o soneto de perfeição parnasiana rematado com chave de ouro (CAMPOS, 2002, p.16). Galáxias se expande em muitas formas, e a cada vez novas galáxias são descobertas. Galáxias comporta o silêncio entre as galáxias, a música das Galáxias, umas galáxias feitas de palavras. Haroldo diz (abre aspas): “agora não estou falando deste livro inacabado mas de signos que designam outros signos” (fecha aspas) (CAMPOS, 2004, principiava a encadear-se). Contudo, esse “súbito curto-circuito de significantes” (CAMPOS, 1992, p.270) não se configura numa aporia, mas, antes, numa multiplicação de possibilidades, de saídas, exit, salida, sortie. Galáxias é esse “contágio de significante essa torção de significados” (CAMPOS, 2004, tudo isto tem que ver com um), uma “travessia de significantes” (CAMPOS, 2004, nudez o papelcarcaça), um “mágico ábaco de significantes” (CAMPOS, 2004, p.122), o leite da palavra (a criatura de ouro) – mais que o texto, o gesto do texto. O que magnetiza os fragmentos de Galáxias é a viagem como livro e/ou o livro como viagem – é um textoviagem, um martexto, “esse mar livro esse livro mar marcado e vário” (CAMPOS, 2004, multitudinous seas incarnadine; aquele como se chamava; mais uma vez junto). Haroldo flana por cidades, por outros poetas, pelo mundo, por livros e poemas. Haroldo flana, por exemplo, por Granada, pela Alhambra de Granada, pelo bairro cigano Albaicín, de Granada. Haroldo flana, por exemplo, de Granada para Madri: ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO Puerta del Sol, Plaza de Toros, Haroldo anda, anda, labirintoanda, e escreve nas Galáxias: “fare l’amour non la guerra labirintoandando” (CAMPOS, 2004, mármore ístrio). Em visões epifânicas, “o mundo gira gira gira giramundogira continua girando” (CAMPOS, 2004, sob o chapéu de palha): Haroldo de Campos toma flashes de Córdoba, Roma, Praga, de onde onde onde. Haroldo toma flashes valendo-se frequentemente de recursos cinematográficos: ele corta, monta, funde imagens, faz um flashback (CAMPOS, 1992, p.274). Ele viaja para o México tirando fotografias: cabeças aztecas, cabeças de serpente, deusa vestida de cobras vivas (CAMPOS, 2004, aquele como se chamava). Faz jogo de imagens, jogos de palavras, jogos de imagens feitos com jogos de palavras – e vice-versa. K. David Jackson propõe, em “Viajando pelas Galáxias: guia e notas de redação” (2005), um desenho esquemático para a leitura dos cinquenta fragmentos de Galáxias paralelo ao conhecido esquema de Stuart Gilbert para o Ulysses, de Joyce. Ali se vê como cidade segue cidade, citações seguem-se a outras citações: Lorca, Macbeth, Divina Comédia. Porque Haroldo flana por poetas: Bashô, Artaud. Haroldo segue o lema poundiano make it new (fazê-lo novo) somado à razão antropofágica de Oswald de Andrade: “devorar: remastigar a herança cultural universal, para ‘nutrir o impulso’: renovar” (CAMPOS, 2002, p.57). Haroldo flana por outros poetas: Dante, a matéria do paradiso de Dante, Baudelaire, “o senhor Hölderlin”. Somos afogados por um mar de linguagem, posto que Haroldo (também) viaja pela(s) língua(s) – uma viagem de línguas, a journey of languages, un voyage de langues, un viaje de idiomas. O poeta mostra a desfaçatez com que convencionamos nossos morfemas – que poderiam ser outros. Ele mostra que o sufixo ando poderia produzir palavras como “envelhando” (CAMPOS, 2004, augenblick oder augenlicht), ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO “risonhando” (CAMPOS, 2004, amorini na casa), “espermando” (CAMPOS, 2004, a liberdade tem uma cor). Haroldo provoca questões linguísticas, provoca reflexões sobre o funcionamento de nossa linguagem. Galáxias é linguagem – “pois o poeta é um configurador da materialidade da linguagem” (CAMPOS, 1992, p.264). Galáxias é metalinguagem – signos lançados no espaço, nas Galáxias; signos lançados nas galáxias. Galáxias é sintaxe e semântica: Haroldo se apropria do conhecido exemplo de “agramaticidade” e “falta de sentido” dado pelo linguista Noam Chomsky (“colorless green ideas sleep furiously”) e contextualiza essa (suposta) agramaticidade e falta de sentido de tal maneira que ela se revela, segundo palavras do autor, “um ‘achado’ poético, imantando-se de cores e sons” (CAMPOS, 2004, p.120). Da (suposta) frase impossível de Chomsky Haroldo nos apresenta sua epifania. O poeta desloca a frase (aprioristicamente) nonsense do linguista e a coloca em meio aos sons de agogôs, num terreiro de candomblé. O som da frase de Chomsky é o som do tambor do terreiro, é um mantra (PEREIRA, 2007, p.169-170): e a festa grande bárbara babynha olhos em alvo rodopia no espanto do sagrado e agora só me resta uma frase que veio dar aqui por acaso e que repito como veio sem pensar repito como o om da mandala refalo remoo colorless green ideas sleep furiously dormem incolores ideias verdes furiosamente verdes dormem furiosamente (CAMPOS, 2004, “cheiro de urina”). Haroldo transmuda agramaticidade em proesia – e, assim, dá a conhecer nossa linguagem, outras possibilidades de língua: “Afinal, Haroldo de Campos entende o estético como possibilidade de estímulo ao pensamento crítico” (PEREIRA, 2007, p. 176). Sua forma revolucionária incita um pensamento crítico sobre o mundo, sobre a linguagem. Sim, já disse: a linguagem é o protagonista das Galáxias. Haroldo dá a ver ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO a linguagem sem sentido literal, sem expressões cristalizadas, Haroldo mostra a linguagem em uso, em movimento galáctico. Semeando palavras-montagem (ou palavras-valise, termo joyceano para designar uma palavra formada por uma combinação de outras), semeando palavrasmontagem por seu textoviagem, Haroldo afirma das Galáxias que não se trata aqui de um livro-rosa para almicândidas e demidonzelas ohfélias nem de um best-seller fimfeliz para amadores d’amordorflor mas sim de um nigrolivro um pestseller um horrídeodigesto de leitura apfelstúrdia (CAMPOS, 2004, mais uma vez junto ao mar). Um livro sem estória, um fio de estória, numa fresta dá para passar a estória, uma história que Haroldo não conta porque não conta porque não quer contar. Um livro que vira música, a song, une chanson, una canción: “circulado de fulô”. Em mais de uma ocasião Haroldo afirmou que se inspirava com a música, seja a de vanguarda, seja a popular (cf. CAMPOS, 2002, p.42; CAMPOS, 1992, p.275). Um livro que vira música, e cujo autor não guia, “que deus te guie porque eu não posso guiá (...) que deus que demo te guie então porque eu não posso não ouso não pouso”. Dessa forma, as Galáxias são um textoviagem em que é você quem guia – ou, como disse Pereira: “A viagem, então, é a do leitor” (PEREIRA, 2007, p.13). Então é você quem “alinha e desalinha como o baralho” (CAMPOS, 2004, uma volta inteira em torno) esse jogo de dados, “xadrezando” (CAMPOS, 2004, aquele como se chamava) esse jogo de escritura. Então é você quem guia – você, que é construído por este livro, porque o “texto quer também ‘construir’ o seu leitor” (PEREIRA, 2007, p.122), porque o leitor é a viagem deste livro-areia, porque o leitor é o ponto de fuga (CAMPOS, 2004, nudez o papel-carcaça) das Galáxias. Haroldo não guia; antes, viaja pelas palavras – de modo que Rodin é fotografado perto das estátuas na karlsbrücke, que, por sua vez, conversam com as ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO estátuas de Congonhas (CAMPOS, 2004, uma volta inteira em torno). Safo está no mesmo fragmento que Wall Street (CAMPOS, 2004, a liberdade tem uma cor), enquanto no fragmento poeta sem lira é possível ler um poema concreto rabiscado a giz na parede de um subway. “Poeta sem lira ó deslirado”, Haroldo não guia, cumprindo a meta mallarmeana do “desaparecimento elocutório do eu” (CAMPOS, 2002, p.39). Haroldo dissemina citações: múltiplas falas, múltiplas vozes, deixando que os ecos ecoem: Novalis, “esse mentecaptado obsenior giacomo joyce” (CAMPOS, 2004, vista dall’interno), Shakespeare, mil e uma noites, ilíada, rosa que é uma rosa, doktor faustus. Oswald, Ezra Pond, Borges, São Francisco, Kioto, Paris. García Lorca, Camões. Do paraíso de Dante ao paraíso da escritura: a salvação de Haroldo é textual. Texto como salvação, filosofia como terapia: eis meu gesto de aproximação: Haroldo de Campos e Wittgenstein. Enquanto Haroldo torna as palavras vivas, viagens possíveis, novas estrelas descobertas, Wittgenstein previa que só no uso o signo respira. A aproximação deste meu gesto de leitura não quer parar aqui. É sabido que o assim chamado primeiro Wittgenstein fazia uma diferença entre o dizer e o mostrar – e sobre o que não se pode dizer, deve-se calar (WITTGENSTIEN, 2001, §7). Assim, as preposições metafísicas, éticas e estéticas seriam passíveis de serem mostradas, porém, impossíveis de serem ditas. Uma leitura consagrada de Wittgenstein afirma que uma das principais diferenças entre este primeiro pensamento e aquilo que ficou conhecido como o segundo Wittgenstein é que, neste segundo momento, não há que se falar em impossibilidade de afirmação, pois tudo o que se pode compreender, pode-se exprimir. Uma outra interpretação tem reconhecido a permanência da diferença entre dizer e mostrar num terceiro Wittgenstein, alegando que o indizível não seria da ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO ordem do metafísico, de uma linguagem fora de suas práticas, mas de uma espécie de indizível pragmático. Fiando-se nesta terceira linha interpretativa e atando-a à viagem de Haroldo de Campos, tem-se como resultado um gesto possível de leitura das Galáxias: entendêlas como um grande oximoro: ela diz o indizível – diz aquilo que não conseguimos dizer, posto que não bastam palavras, de modo que é preciso mostrar, ver, pois que também é da ordem da visualidade. Dizendo, agindo com as palavras, Haroldo nos mostra aquilo que não dá para se dizer com palavras: são indizíveis as Galáxias, são indizíveis galáxias. O tempo não é linear, o espaço não é um só. Não é só uma linguagem, it's not just one language, ce n'est pas seulement une langue, no es sólo una lengua – a viagem se mostra. Haroldo lança essa garrafa ao mar (CAMPOS, 2004, cadavrescrito), esse texto que se multiabre. Galáxias não é diversão, mas “um texto de prazer, na acepção barthesiana do termo. Um texto de desejo e de gozo. Pedem simplesmente um leitor de olhos novos e de escuta aberta. Um coração cosmonauta. Nada de orelhas varicosas.” (CAMPOS, 1992, p.277). Sim, já disse: Galáxias é mais que o texto, o gesto do texto. Este texto também: um gesto de leitura, uma viagem possível. A viagem não tem fim – como não tem começo. O livroviagem recomeça, sua viagem recomeça, sem paragem, sempre outro livro de viagem, sua viagem pela escrita é sempre outra viagem, a forma do livro se metamorfoseia em outras formas, potencialmente infinitas formas, outras galáxias: um Sol, ou mais de um Sol, estrelas, aglomerados, gás, poeira, nebulosas. Os signos se dobram, uma semiose infinita que não estanca numa última viagem “nem que a neve neve nem que a noite noite nem que o fim fine” (CAMPOS, 2004, sasamegoro) – pois que ela pode ser o começo, pois que ela pode sempre recomeçar. ALED – 2015: Publicação comemorativa das “Atas de Puebla”’ Benemérita Universidade Autônoma de Puebla X Congresso Internacional da ALED 28 a 31 de outubro de 2013 DIVERSIDADE CULTURAL, PROCESSOS DE HIBRIDIZAÇÃO E MULTIMODALIDADE NO DISCURSO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMPOS, H. Galáxias. 2ª ed. revista. Organização: Trajano Vieira. São Paulo: Ed. 34, 2004. ______. Depoimentos de oficina. São Paulo: Unimarco Editora, 2002. ______. Metalinguagem e outras metas. 4ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. JACKSON, K. D. Viajando pelas Galáxias: guia e notas de orientação. In: MOTTA, L. T. da (Org.) Céu acima. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2005 (Signos; 45) PEREIRA, C. M. de C. Estrelas Dantescas nas galáxias de Haroldo de Campos. 182 p. Tese (Doutorado em Literatura Comparada), Departamento de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. Tradução, apresentação e estudo introdutório de Luiz Henrique Lopes dos Santos; [Introdução de Bertrand Russell]. – 3. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
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