Infância E Cegueira - Produção De Livros Táteis Para
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Infância E Cegueira - Produção De Livros Táteis Para
INFÂNCIA E CEGUEIRA: PRODUÇÃO DE LIVROS TÁTEIS PARA CRIANÇAS CEGAS E DE BAIXA VISÃO Emilly Pereira Marques1 Natália Cardoso Gonçalves1 Avenida Geremário Dantas, 718. Bloco 1 / Apto: 202. Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Cep: 22730-010 - (21) 8303-4552 / 3298-3891 [email protected] RESUMO A Pesquisa “Infância e Cegueira: Produção de Livros Táteis Para Crianças Cegas e de Baixa Visão” tem como preocupação a reflexão sobre caminhos metodológicos que estimulem a criança com deficiência visual no plano cognitivo, estimulando a socialização e o desenvolvimento da subjetividade através de mediações associadas a linguagens não verbais: cênicas e narrativas, fundadas na educação estética. A metodologia utilizada é o acompanhamento de quatro estudos de caso (um cego; dois com baixa visão e uma futura cega), no Instituto Benjamin Constant (IBC) A cada semestre são produzidos livros por estudantes da Universidade Federal Fluminense, do curso de Pedagogia, que se inscrevem na disciplina homônima ministrada pelo Professor e Coordenador da pesquisa, Armando Martins Barros. .2 Este trabalho pretende relatar o processo que vem sendo construído durante a disciplina, buscando contribuir com recursos lúdicos e estimulantes e pontuar a importância desta pesquisa em nossa formação acadêmica, enquanto monitoras do projeto. 1 Estudantes da Universidade Federal Fluminense das graduações em Serviço Social e Pedagogia. Armando Barros é Doutor em Educação. Coordenador do Laboratório de estudos da Imagem e do Olhar/ UFF e docente do Mestrado em Educação/ UFF. Natália Gonçalves e Emilly Marques são monitoras da atividade e pesquisadoras do LEIO/UFF, graduandas de Serviço Social e Pedagogia, respectivamente. 2 1. A PESQUISA Nesta pesquisa os conceitos de Bakhtin e Vygotsky são norteadores e aparecem a todo tempo. Outras contribuições teóricas provêm da linha estética neoconcretista, composta pelos artistas Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape, onde assim como no nosso livro, suas obras são aclamadas pela sua polissemia, onde o espectador não é passivo, mas participa da obra. Devido nossa busca coletiva por contribuições ao universo epistemológico, nossa metodologia de atuação é justificada por essa base teórica, visando à construção de sujeitos numa relação de alteridade e numa proposta a qual o corpo é um modo de perceber o mundo. “Trata-se de apreender o individuo não no seu isolamento idealista, nem na absolutização do individual, mas no concreto das relações sociais e a partir delas”. (JOBIM E SOUZA, 2000, p. 114-115). Consideramos que o indivíduo insere-se numa comunidade quando sua subjetividade significa o mundo com o Outro, em um processo intersubjetivo. O pensador Vygotsky pauta seu trabalho na construção do sujeito, e para tal, elege a linguagem verbal como determinante do pensamento. A linguagem está vinculada ao processo de abstração e representação, pois, como mediação, a palavra é signo, substituindo e representando o mundo como conceito. A partir do momento em que o objeto pode ausentar-se, substituído pela palavra, o signo surge em toda sua plenitude e o conceito está presente como processo de abstração pleno. A palavra para o cego é vital porque é possibilidade de inclusão. Como possibilidade, é também seu oposto, exclusão, caso nada signifique e não consiga articular-se em discursos compreendendo seus diferentes sentidos que dão conta do mundo em seu movimento social. “Os sistemas simbólicos, e particularmente a linguagem, exercem um papel fundamental na comunicação entre os indivíduos e no estabelecimento de significados compartilhados que permitem interpretações dos objetos, eventos e situações do mundo real”. (OLIVEIRA, 1997, p.40). Para inserir-se na rede que se estabelece nas comunidades semânticas, importa viabilizar a apropriação do significado, recuperando a experiência sensorial e a possibilidade de sua compreensão discursiva, utilizando a palavra como mediação, sociabilidade e memória. Um conceito bakhtiniano relevante é a “Polifonia”. Basicamente, são “as vozes que falam em mim”. São vozes das relações sociais que tivemos e que ainda temos. “Quanto mais falo e expresso minhas idéias, tanto melhor as formulo no interior de meu pensamento”. (Jobim e Souza, 2000, p.112). Assim, quando nos expressamos, estamos carregando influências adquiridas nas relações sociais dialogicamente. Essa é uma das principais características do Livro Tátil, pois ele funciona como diálogo (troca) e é produzido com o Estudo de Caso sendo o co-autor. Buscamos, portanto, apreender o desenvolvimento da linguagem da criança, através do registro de suas falas com a finalidade de saber do que ela fala, estimulando o exercício da narração, através da interação com ela em seu horário de recreio. “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (...). Existem sempre modos muito diferentes de falar, muitas linguagens refletindo a diversidade da experiência social”. (JOBIM E SOUZA, 2000, p. 98-99). O livro que desenvolvemos funciona como mediador, como um suporte para possíveis relações sociais e deve respeitar a singularidade narrativa da criança, estimular o letramento, podendo servir como material de apoio na apreensão de conceitos, contendo sentido em suas frases, por isso a orientação metodológica da pesquisa é para que a história seja desenvolvida por experiências que a própria criança viveu ou gostaria de viver e o texto é em primeira pessoa, e esta criança para além de autora torna-se narradora dessa história, ou seja, torna-se sujeito. “Para esse autor (Bakhtin), a verdade não se encontra no interior de uma única pessoa, mas está no processo de interação dialógica entre pessoas que a procuram coletivamente. Uma das características fundamentais do dialogismo é conceber a unidade do mundo nas múltiplas vozes que participam do dialogo da vida”. (JOBIM E SOUZA, 2000, p. 103-104)”. O livro trabalha com a verbalidade e as sensações, pois contém imagens, textura, escrita a tinta e em Braille e sendo assim é composto por diferentes tipos de códigos, ressaltando que, principalmente o código imagético, possibilita a reinvenção da história a todo o tempo pelas crianças, onde cada criança que lê atribui um novo sentido e agrega elementos à história. O livro é interativo, seus elementos tridimensionais ficam presos com velcro, fornecendo aos leitores à fuga de um padrão fechado da contação de história. O processo da atividade não se reduz à produção de livros, pretende formar profissionais comprometidos, sendo componente curricular do Curso de Pedagogia como atividade, proporcionando uma grande experiência em educação especial e despertar nas crianças, sujeitos interventivos, criativos, entendendo que a verbalidade estabelece relações sociais e a interação social é mecanismo para o desenvolvimento infantil. “A compreensão, além de ser um processo ativo, é também um processo criativo.(...) a obra está sempre se revitalizando por meio das re-criações sucessivas de seus contempladores” (JOBIM E SOUZA, 2000, p. 109) 2. METODOLOGIA A Pesquisa tem como objetivos: 1) Favorecer a formação continuada do profissional de ensino, apontando habilidades e competências no magistério com crianças cegas ou com visão sub-normal; 2) Explorar o estatuto epistemológico da imagem-olhar a partir dos conceitos: “subjetividade”, “linguagens como mediação”, “dialogia”, “polifonia”; 3) Subsidiar os estudos monográficos, as dissertações de mestrado e teses de doutorado que tomem como temática a produção de sentidos, mediadas pelas linguagens, em seu deslocamento para a construção de sujeitos na educação especial e inclusiva. As cinco primeiras aulas da disciplina são realizadas, com os alunos inscritos, pedagogos em formação da Universidade Federal Fluminense. Nesta fase trabalhamos com filmes e oficinas que pretendem estimular a experimentação dos cinco sentidos, para que no contato posterior com as crianças do IBC, eles possuam uma atitude fundamental: “a recuperação da experiência corpórea como epistêmica, isto é, produtora de conhecimento”. (BARROS, RAMOS e CAPUTO, s.d., p. 27). Esta primeira etapa é importante para percebermos como é a percepção de mundo sem a prevalência da visão, além de configurar-se com uma fase de estímulo à narração, sensibilidade e criatividade dos alunos. Neste início das aulas, fase preparatória para a segunda etapa de trabalho externo, conversarmos com os alunos da Atividade e explicarmos como se dá o trabalho de observação com as crianças no IBC, dando ênfase à importância de estimular as crianças a falarem sobre as suas experiências individuais, escolares, seus amigos e família. O Exercício da Narração feito pela criança é primordial, pois a oralidade é um tipo de linguagem muito usada como mediação pela criança cega para o estabelecimento de suas relações sociais com o outro. Em cada uma das cinco aulas, utilizamos um filme, sempre relacionado com a questão da cegueira. Tentamos utilizar filmes que não abordam a deficiência como algo a ser mudado, superado e sim como um tipo de relação com o mundo de um modo próprio. Conversamos sobre o que o filme em questão nos despertou e refletimos, construindo o aprendizado coletivamente. Nas oficinas, nosso objetivo é aguçar a sensibilidade dos alunos para os seus outros sentidos, realizando propostas de atividades com os olhos vendados. Assim, trabalhamos o exercício da ORALIDADE, produzindo narrativas; o TATO, com objetos de texturas diferentes e também usamos a dança para o corpo; o PALADAR, com a degustação de alimentos com sabores distintos; a AUDIÇÃO, com os sons e ruídos; e o OLFATO com cheiros e perfumes. Queremos que a turma identifique “o que percebemos quando não vemos?”, “quando repentinamente nossos olhos são vendados, o que acontece?”. Após as vivências com os alunos, ouvimos que a princípio eles têm medo, sentem-se sós, até começarem a perceber os sons, as texturas, os odores e aprenderem a superar obstáculos inesperados. Também dizem que sentem-se melhores quando estão com outras pessoas por perto. A partir daí é o momento onde começamos a perceber o mundo através do corpo como um todo, não submetendo-se mais à sociedade dominada por imagens visuais, desenvolvendo nossas outras potencialidades e também percebemos o mundo pelo contato com os outros. É claro que vendarmos ou apenas fecharmos os olhos é um ato temporário, efêmero, no qual temos a possibilidade de retomarmos nossa visão no momento que quisermos, mas é uma atividade que desperta, que nos oferece possibilidades e alternativas de enxergar o mundo de outra forma. Quando fechamos nosso olhos, em um ambiente como o IBC, por exemplo, passamos a ser guiados pelas crianças e nos colocamos em um lugar diferenciado, nos permitimos novas experiências. Quando trabalhamos com o tato houve a tentativa de nos conhecermos por meio dos nossos cabelos e esse foi o elemento detonador para a construção de histórias de forma descontraída. Um outro exemplo foi na oficina do olfato, onde realizamos dinâmicas com diversos aromas (temperos, sabonete, cremes, café) e demos prosseguimento com a contação de histórias. Também procuramos ir para outros ambientes, fora da sala de aula. Realizamos atividades no Terminal Rodoviário de Niterói, local no qual trabalhamos orientação e mobilidade e contamos com a participação das pessoas que por ali transitavam, dando oportunidade para um elemento surpresa contribuir com a aula. Em uma das aulas usufruímos do depoimento de uma psicóloga cega que por lá passava e contribuiu narrando suas percepções ao sair na rua. Algumas aulas são realizadas nos gramados da faculdade, onde a turma parece ficar mais aberta e disposta a experimentar. A atividade da audição foi realizada neste ambiente, e tivemos uma enriquecedora discussão sobre o quanto é importante lapidarmos o ouvido para ouvir “Mais e Melhor”. A pessoa vidente tende a não perceber os sons porque confia na visão. Nestes momentos, os grupos que vão atuar com as crianças vão se constituindo. A próxima etapa é realizada no Instituto Benjamin Constant, onde os graduandos encontrarão as crianças que são estudo de caso da pesquisa, com a orientação das monitoras e do professor. 2.1 No Instituto Benjamin Constant A segunda etapa é a observação desses estudos de caso que ocorre às sextas-feiras, no horário do recreio no Instituto Benjamin Constant. As monitoras e o Coordenador participam desse processo, auxiliando e fazendo relatórios para a pesquisa. Nesse momento, junto com o estudo de caso, os estudantes produzem a história do livro e realizam entrevistas com as professoras e, assim, obtém informações que ampliam os dados existentes sobre cada estudo de caso. 2.2 No Laboratório de Estudo da Imagem e do Olhar Nesta terceira etapa, as aulas são realizadas no Laboratório de Estudo da Imagem e do Olhar (LEIO) da Faculdade de Educação da UFF. Os estudantes recebem sugestões de materiais para realizar a construção dos livros cuja história foi produzida através de uma co-autoria entre o Estudo de Caso e o grupo da atividade. Após a história estar pronta nos dedicamos a produção material deste livro na UFF, pensando nos materiais, contrastes, cores e texturas e os objetos bi e tridimensionais. Em seguida as histórias são impressas à tinta e a Braille e coladas no livro. No encerramento da disciplina, todos os envolvidos na atividade, voltam ao Instituto para entregar os livros para as crianças. A entrega é feita na Biblioteca, onde os livros permanecerão para o uso de todas as crianças e das professoras. Neste momento, presenciamos os momentos de interação entre as crianças, que criam e recriam as histórias dos livros. Concluímos que o trabalho está sendo realizado para cumprir estas metas, pois a pesquisa vem sendo realizada nos três eixos que caracterizam uma universidade: pesquisa, ensino e extensão. Percebemos resultados nas relações sociais das crianças, quando os livros têm suas histórias contadas por todos e também, nos estudos de caso que cada vez mais, sugerem, participam e aguardam por escrever seu livro. “Partilhamos da posição que concebe a escola como espaço de construção de subjetividade, de exercício da sociabilidade e de produção de conhecimentos”3 3. CONCLUSÃO Para a educadora Maria Teresa Mantoan “Inclusão é a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro, e assim, ter o privilégio de conviver com as diferenças”, a pesquisa proporciona aos monitores e alunos este privilégio. Tem sido relevante em nossa formação acadêmica como graduandas em Serviço Social e Pedagogia, pois temos aprendido conceitos, vivenciando-os. Como sobre interculturalidade, experimentada pela convivência com uma das crianças que é índia, albina e tem baixa visão, pertencendo ao ambiente Juruá (branco) e Guarani e sobre os estudos de Vygotsky que enxerga o aprendizado decorrente da compreensão do homem como um ser que se forma no contato social, nas relações sociais, o que se torna crescimento para minha atuação como Assistente Social. É interessante proporcionarmos este convívio social e profissional, acadêmico, deixando as alunas e as crianças à vontade para se conhecerem e compartilharem histórias e experiências. Nós, adultos, aprendemos com as crianças que não podemos incutir nelas, a passividade, o receio, a falta de iniciativa e sim contribuir para seu pleno desenvolvimento. 3 atividade curricular produção de livros texturizados para crianças cegas ou com visão sub-normal, 2006, p. 4 Em qualquer sociedade, a cultura concretiza o modo de organização e de atitudes, por isso a cultura que queremos socializar é a de superarmos as diferenças e estimularmos as potencialidades de cada aluno, de cada sujeito, superando o espaço privilegiado que a visão ocupa em nossa cultura ocidental. Com as crianças conseguimos perceber o simples, trocar experiências e articular a teoria com a realidade. A monitoria nos permite esta articulação de discussões teóricas com as atividades práticas da pesquisa. Entendemos que para ocorrer a inclusão são necessárias mudanças comportamentais, para que assim outras barreiras, sejam atitudinais ou arquitetônicas sejam diluídas. Acreditamos que esta pesquisa contribui para o avanço desta percepção, tentando superar o instinto da superproteção, mostrando as alunas como é o cotidiano das crianças no Instituto, onde elas brincam autônomas, livres. Como monitoras, aprendemos a importância do planejamento, mas também da flexibilidade, do incentivo à superação e assumimos um diferente papel, pois anteriormente éramos alunas e agora oferecemos suporte aos alunos que chegam, o que foi possibilitado pela nossa experiência anterior com as crianças e pela afinidade com a proposta da pesquisa-extensão. Ao término do nosso tempo de monitoria, é agradável vermos novos alunos com seus interesses aflorados por esta área de pesquisa, e o nosso desejo de contribuir com o universo acadêmico latente. Este artigo é fruto desta iniciativa de compartilharmos o que vivenciamos em um ano e seis meses. Muitos vêem a educação separada, apartada do social e isso é reflexo do momento em que vivemos. A partir de uma outra visão de mundo compartilhada pela equipe da pesquisa, podemos contribuir com uma trajetória interdisciplinar, acreditando que nós, somos sujeitos coletivos que nos construímos e construímos a história. REFERÊNCIAS ATIVIDADE CURRICULAR PRODUÇÃO DE LIVROS TEXTURIZADOS PARA CRIANÇAS CEGAS OU COM VISÃO SUB-NORMAL. 1º semestre de 2006. UFF/ FEUFF/ LEIO. BARROS, Armando Martins, RAMOS, Michelle, CAPUTO, Nicole. A construção do Sujeito pelo Outro: Notas sobre a linguagem, o discurso e a palavra na cegueira. UFF/ FEUFF/ LEIO, s.d. BARROS, Armando Martins, RAMOS, Michelle, SOARES, Ivana, SOUZA, Edson. Notas sobre a produção de Livros Táteis: quando a palavra dialoga com argila, com palmeiras e com fotografias. UFF/ FEUFF/ LEIO, s.d. BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política – Ensaios sobre literatura e história da cultura. “O narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. Obras Escolhidas, v.1. Brasiliense. 1987. JOBIM E SOUZA, Solange. Infância e Linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. 5ª edição. Campinas: Papirus. 2000. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento, um processo sóciohistórico. SP, Scipione. 1997. REILY, Lucia. Fundamentos e pressupostos: cultura, linguagem, mediação, ensino e aprendizagem. In: Escola Inclusiva: Linguagem e Mediação. Série Educação Especial. São Paulo, Editora Papirus, 2006. p. 11 – 23