Jornal da Imagem

Transcrição

Jornal da Imagem
Caderno 2
Parte integrante da Edição nº 339
Novembro
de 2006
São –
Paulo
| NOVEMbro
| 2006
Jornal da Imagem
Caderno 2
Este encarte contém casos diversos, enviados pelos leitores do Jornal da Imagem
Caso 1
• História clínica
Figura 1
Ultra-Sonografia
demonstra lesão
multicística,
circunscrita no
grande lábio
esquerdo sem
fluxo, ao estudo
Doppler
Figura 6
Exame histopatológico
do material obtido por
biópsia cirúrgica evidenciou
dilatação de vasos linfáticos
da derme profunda e
subcutâneo com presença
de raras hemácias no seu
interior, sem evidência de
vesículas dérmicas
Figuras 2 a 5
Ressonância Magnética mostrou imagem bem definida, hiperintensa na
ponderação T2 e hipointensa na ponderação T1, sem captação do meio
de contraste, acometendo a vulva e o lábio esquerdo
Feminino, 29 anos, branca,
nulípara, há 6 meses apresentou
massa expansiva, de crescimento
lento, na região vulvar e grande
lábio esquerdo, sem melhora
com tratamento clínico. Foi
submetida a seguidas drenagens
percutâneas e a curetagem
cirúrgica, apresentando recidivas
e extensão para grande lábio
direito e pequenos lábios. Ao
exame clínico evidenciavase proeminência da vulva,
notadamente à esquerda e dos
grandes e pequenos lábios. Não
havia alterações na pele do tipo
vesículas dérmicas.
Caso 2
• História clínica
Masculino, 46 anos, jardineiro
(trabalhou como minerador/
cortador de pedra durante dois
anos há 20 anos), tabagista de 10
cigarros/dia por 25 anos. Iniciou
há três dias quadro de febre
noturna associada a vômito
amarelado, diarréia, astenia,
hiporexia, fraqueza muscular
e diminuição do volume
urinário. Ao exame físico
apresentava linfonodomegalia
submandibular, roncos e
sibilos em base pulmonar
direita e dor no quadrante
inferior direito do abdome.
Figuras 1 a 4
Opacidades
hiperatenuantes
irregulares, com
predomínio
para-hilar nos lobos
superiores associado
a enfisema
centro-lobular,
para-septal e bolhas
Figuras 5 e 6
Linfonodos com
calcificações em
“casca de ovo”
nas cadeias
mediastinais
Jornal da Imagem
São Paulo | novemBRO | 2006
Caso 1
Drs. Débora Esperancini-Tebar, Marta Fraga Dauster e Tufik Bauab Jr.
Linfangioma cavernoso da vulva
Diagnóstico
Linfangioma cavernoso da vulva.
Discussão
O linfangioma é uma neoplasia vascular
que deriva de anomalias do desenvolvimento e do crescimento do sistema linfático, caracterizado por proliferação de
tecido linfóide composto por um grupo
de ductos linfáticos não comunicantes
e dilatados. Três tipos são descritos na
literatura: o circunscrito (capilar), o cavernoso e o cístico. Sua origem pode ser
congênita ou adquirida.
Pode envolver qualquer órgão, sendo a
pele e o tecido celular subcutâneo os mais
acometidos. Ambos podem desencadear
um processo de linfedema crônico, e também pode ocorrer transformação maligna
para linfangiossarcoma.
O linfangioma de vulva é uma entidade
rara. Foram descritos na literatura dois tipos que acometem a vulva, o linfangioma
circunscrito e o linfangioma cavernoso,
Caso 2
sendo este último pouco freqüente na
vulva. Nesta localização, pode envolver
os grandes e pequenos lábios e ainda o
espaço interlabial, onde a má formação
da circulação linfática ocorre na derme
profunda e tecido subcutâneo.
O estudo histológico na maioria das
vezes se faz necessário. Os dois tipos (o
circunscrito e o cavernoso) caracterizamse histologicamente por malformações
hamartomatosas de vasos linfáticos, sendo
que o cavernoso pode ou não conter hemácias (raras) no interior dos ductos linfáticos dilatados, e o circunscrito apresenta
alterações ectásicas superficiais secundárias
nas papilas dérmicas da vulva e do períneo,
semelhantes às vesículas herpéticas.
Tumores vasculares do trato genital feminino histologicamente são
neoplasias benignas. O risco de coagulopatia Kasabach-Merritt deve ser considerada em tumores vasculares grandes.
A conduta terapêutica em relação a essas lesões, depende do tipo, tamanho e lo-
calização anatômica. A remoção cirúrgica
pode ser uma opção, mas as complicações
e a recidiva são constantes.
Radiologicamente, o linfangioma aparece como massa inespecífica de tecidos
moles. Na USG, TC ou RM são caracteristicamente císticos, multiloculares com
septos fibrosos, e menos freqüentemente
têm uma aparência mais complexa com
canais vasculares serpentiformes, parecidos com aqueles vistos no hemangioma;
existem também relatos na literatura de
linfangiomas com intensidade de sinal
semelhante a gordura, nas imagens ponderadas em T1. Eles também podem ser
avaliados por opacificação durante uma
linfangiografia, ou com injeção direta do
meio de contraste na lesão.
Referências bibliográficas
1.Gupta R, Singh S, Nigam S, Khurana N.
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Dermatologia 2005;80 jun/ago 2005.
3.Vlastos AT, Malpica A, Follen M.
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10: 459-460.
7. Peachey RDG; Lim CC; Whimster IW.
Lymphangioma of skin– A review of
65 cases. British Journal of Dermatology 1970; 83: 519-527.
Drs. Simoni Macri, Pedro Vieira Santana-Netto, Luciana Vargas Cardoso, Arthur Soares Souza Jr.
e Tufik Bauab Jr., do Hospital de Base/Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
Silicose
Diagnóstico
Silicose.
Discussão
A sílica é um mineral abundante, cuja
exposição a uma concentração suficientemente alta pode causar manifestações
radiológicas e patológicas, ocorrendo predominantemente no âmbito ocupacional
em jateadores de areia, trabalhadores em
pedreira, entalhadores e polidores.
Muitos pacientes são assintomáticos
quando examinados pela primeira vez.
Alguns se queixam de dispnéia, inicialmente ao esforço físico, tornando-se,
porém, cada vez mais grave à medida que
as alterações radiológicas progridem.
Alguns pacientes desenvolvem doença
sintomática 5 a 10 anos a partir da pri-
meira exposição (silicose rapidamente
progressiva), contrastando com a silicose
clássica, na qual a maioria dos pacientes é
assintomática (sendo necessária uma exposição de 10 a 20 anos para que a doença
se torne radiologicamente evidente).
A silicose aguda, também conhecida
como silicoproteinose é uma condição
rara relatada em trabalhadores expostos
a sílica, em locais fechados, sem proteção
respiratória por um período relativamente
curto de 6 a 8 meses. É uma doença rapidamente progressiva, causando morte por
insuficiência respiratória. Tuberculose e
infecções por micobactérias atípicas são
complicações comuns.
Os achados radiológicos característicos da silicose são: pequenos nódulos
bem definidos, geralmente com 2-5
mm de diâmetro, envolvendo principalmente segmentos posteriores e
superiores. O aparecimento de grandes
opacidades ou lesões hiperatenuantes
maiores que 1 cm (fibrose maciça progressiva) indica a presença de silicose
complicada. Essas massas podem ser
centrais ou periféricas, migrando para
o hilo, geralmente bilaterais, podendo
calcificar e escavar. Linfonodos com
calcificação em casca de ovo podem
ser vistos no hilo e mediastino.
Referências bibliográficas
1.Galk C, Kenneth WT, Cheung T, et
al. Silicosis in 76 men: qualitative and
quantitative CT evaluation – clinicalradiologic correlation study. Radiology
2003; 228:816-825;
2.Kim K, Chang WK, Lee MK, et al.
Imaging of occupational lung disease.
RadioGraphics 2001; 21:1371-1391.
3.Marchiori E, Dantas MCH, Nobre LF.
Silicose: Correlação da Tomografia
Computadorizada de Alta Resolução
com a Anatomopatológia. Radiologia
Brasileira 2001; 34(1):1-6.
4.Marchiori E, Ferreira A, SouzaJunior AS. Comprometimento do
espaço aéreo na silicose aguda dos
jateadores de areia: aspectos na Tomografia Computadorizada de Alta
Resolução. Radiologia Brasileira
2002; 35(5):273-276.
5.Pneumoconiosis: Comparison of Imaging and Pathologic Findings. Semin
Chong M. D., et al, RadioGraphics
2006; 26:59-77.
Caderno 2
São Paulo | NOVEMbro | 2006
Caso 3
• História clínica
A
B
C
D
F
As imagens demonstram a clássica deformidade do mesencéfalo que denominam a malformação com aspecto de dente molar. As imagens T1
(A, B, C) e T2 (D e F) demonstram que os hemisférios cerebelares têm aspecto normal, porém há uma comunicação do IV ventrículo com
a cisterna magna através de uma “fenda” determinada pela ausência do vermis (setas em A). Por isso, o IV ventrículo apresenta morfologia
típica em “asa de morcego” ou em “guarda-chuva aberto” (cabeça de seta em A)
Caso 4
• História clínica
Feminina, 04 anos
com diminuição
da acuidade visual,
baixa estatura e
convulsões desde
o nascimento.
As imagens nos diferentes planos demonstram a ausência do septo pelúcido e área de displasia cortical focal no lobo frontal direito.
A imagem coronal T1 demonstra marcada atrofia do quiasma e dos nervos ópticos e a retificação do “teto” dos ventrículos laterais secundária
à ausência do septo pelúcido. A imagem sagital T1 evidencia pequenas dimensões do trato óptico e da hipófise
Feminina, 4 anos,
com retardo do
desenvolvimento
neuropsicomotor,
nistagmo e
estrabismo.
História pregressa
de desconforto
respiratório após
o nascimento com
episódios de apnéia.
No momento não
existem alterações
respiratórias.
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Caso 3
Dr. Antônio José da Rocha, neurorradiologista do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury
Síndrome de Joubert (malformação do dente molar)
Diagnóstico
Síndrome de Joubert (malformação
do dente molar).
Discussão
Essa anomalia rara foi descrita em
1969 por Joubert e cols. em crianças
que apresentavam distúrbios respiratórios, movimentos oculares anormais, ataxia, e retardo psicomotor. É
uma condição autossômica recessiva
predominante no sexo masculino
com prognóstico ruim que justifica o
aconselhamento genético. A alteração
fundamental é a hipoplasia/agenesia
do ver mis cerebelar que pode associar-se à redução dos pedúnculos
Caso 4
superior e inferior, heterotopia do
córtex cerebelar, bem como ausência
da decussação das pirâmides, displasia
dos núcleos olivares. A hipoplasia do
tronco e a fixação alta da tenda podem
estar presentes e outras alterações
como agenesia do corpo caloso, atrofia
cerebral e meningoencefaloceles são
muito infreqüentes.
As imagens mostradas nesse caso são
bastante características dessa síndrome. As alterações secundárias do IV
ventrículo, cerebelo e tronco devem ser
sempre buscadas. O termo síndrome
de Joubert deve ser reservado para
aqueles casos que apresentam características clínicas bem definidas. Para
os demais o diagnóstico neurorradiológico deve resumir-se à denominação
malformação do dente molar.
O diagnóstico diferencial deve ser
feito com anormalidades que resultam
em agenesia/hipoplasia vermiana, que
podem ser leves e não resultarem em
alterações clínicas significativas.
As alterações clínicas como o nistagmo e estrabismo são decorrentes das
alterações vermianas e do tronco não
sendo o tratamento cirúrgico muito
recomendado. As anormalidades respiratórias, como as relatadas nesse caso,
podem ocorrer pelo mesmo motivo
daquelas oculares e são curiosamente
encontradas no período neonatal com
posterior regressão do quadro. Não há
tratamento específico e apenas o aconselhamento genético deve ser feito.
Referências bibliográficas
1.Joubert M, Eisenring N, Robb JP,
Andermann F. Familial agenesis of
the cerebellar vermis. Neurology
1969;19:813-25.
2.Kendall B, Kingsley D, Lambert SR,
Taylor D, Finn P. Joubert syndrome:
a clinico-radiological study. Neuroradiology 1990;31:502-6.
3.Kumandas S, Akcaukus M, Coskun
A, Gumus H. Joubert syndrome: review and reporto f seven new cases.
Eur J Neurol 2004;11:505-510.
Dr. Antônio José da Rocha, neurorradiologista do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury
Displasia septo-óptica (síndrome de De Morsier)
Diagnóstico
Displasia septo-óptica (síndrome de
De Morsier).
Discussão
A displasia septo-óptica foi descrita
inicialmente por De Morsier em 1956
como uma ausência do septo pelúcido e
hipoplasia do quiasma e dos nervos ópticos. Posteriormente foram incluídas as
anormalidades endócrinas no espectro da
doença, compondo assim a tríade clássica.
As alterações clínicas mais comuns são o
nistagmo e a redução da acuidade visual,
porém outras alterações poderão ocorrer,
dentre essas hipotelorismo, convulsões,
baixa estatura, retardo na mielinização,
hipoplasia da foice cerebral, esquizencefalia e outros distúrbios de migração,
agenesia ou hipoplasia hipofisária e do
trato olfatório e ectopia ou ausência do
lobo pituitário posterior resultando em
um espectro muito amplo de manifesta-
ções clínicas e patológicas. Obviamente
o prognóstico tem relação direta com as
alterações morfológicas e suas respectivas
manifestações clínicas.
Do ponto de vista didático é possível
classificar essa doença de acordo com as
imagens, no entanto, o resultado pode
ser confuso devido à diversidade clínica
e patológica. Pode apresentar-se como
uma combinação de diversos fatores
sugerindo inclusive uma embriogênese
distinta nos diferentes subtipos. O diagnóstico de displasia septo-óptica é feito
quando há hipoplasia dos nervos ópticos
em conjunção com agenesia do septo
pelúcido; contudo, em cerca de metade
dos pacientes há esquizencefalia e/ou
outra anomalia de migração neuronal.
Dois terços dos pacientes têm disfunção
hipotálamo-hipofisária e alguns, que não
têm anomalias de migração neuronal,
podem apresentar certa hipoplasia da
substância branca, inclusive dos tratos e
das radiações ópticas com ventriculomegalia. Um pequeno número de casos terá
apenas como única anomalia associada a
ectopia do lobo pituitário posterior.
Entretanto, vale a pena ressaltar que na
presença de anomalia do septo pelúcido
deve-se sempre procurar outras anormalidades, pois essa anomalia isolada é muito
rara e mais freqüentemente faz parte de
outras síndromes.
A RM é o método de escolha para avaliação dos pacientes com hipoplasia dos
nervos ópticos observada no exame fundoscópico; contudo, o diagnóstico deve ser
sempre cuidadoso e com respaldo clínico,
uma vez que a afirmação inequívoca de alteração dos tratos ópticos e do quiasma pode
ficar prejudicada nos exames de rotina, seja
pela espessura dos cortes ou pela ocorrência
de artefatos como “chemical shift”.
No diagnóstico diferencial consideramos as outras causas de anomalias do septo pelúcido: agenesia calosal, hidrocefalia
crônica severa, malformação de Chiari ll,
além das esquizencefalias associadas ou
não a alterações do septo e da holoprosencefalia lobar.
Referências bibliográficas
1.de Morsier G. Etudes sur les dysraphies
cranio-encephaliques. lll. Agenesie u
septum lucidumavec malformation du
tractus optique. Schweiz Arch Neurol
Psychiatr 1956;77:267-92
2.Barkovich AJ, Fram EK, Norman D.
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Radiology 1989;171:189-92
3.Barkovich AJ, Norman D. Absence of
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the diagnosis of congenital malformations. AJNR 1988;9:1107-14
4.Polizzi A, Pavone P, Iannetti P,
Manfre L, Ruggieri M. Septo-optic dysplasia complex: a heterogeneous malfor mation syndrome.
Pediatr Neurol. 2006;34(1):66-71.
Caderno 2
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Caso 5
A investigação por
tomografia computadorizada
demonstra massa hipervascular
na margem superior da bifurcação
carotídea direita. A massa expande
o espaço entre as artérias carótidas
interna e externa (Figuras 1 e 2).
• História clínica
Paciente de 72 anos
que refere massa
pulsátil junto ao ângulo
mandibular direito
notado há 6 meses. Sem
outras queixas, ou de
história familiar com
quadro semelhante.
Figura 1
Tomografia
computadorizada, plano axial
com injeção de contraste
Figura 2
Tomografia
computadorizada,
reformatação sagital e
coronal, mostrando
massa hipervascular entre
as artérias carótidas
interna e externa
Caso 6
Figuras 1
Serigrafia do estômago que
demonstra perda do pregueado
mucoso na região do corpo e
antro gástricos, com presença
de pequenas ulcerações
localizadas na grande curvatura
do corpo gástrico
• História clínica
Masculino, 62 anos,
natural de Batatais,
SP. Refere fraqueza,
adinamia, inapetência
e perda de peso de
aproximadamente 15
kg há 2 anos. Tabagista
de longa data.
Realizou endoscopia
digestiva alta, onde
foi colhido fragmento
para biópsia e com
hipótese diagnóstica de
neoplasia gástrica.
1A
2A
1B
2B
2C
Figura 2
Tomografia computadorizada após contraste oral e venoso nas fases pré-contraste (a), arterial (b) e portal (c). Observa-se importante espessamento
concêntrico e irregular da parede do corpo gástrico, que apresenta realce heterogêneo pelo meio de contraste.
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Caso 5
Dr. Bruno Passebon (R2 da UNIFESP). Caso cedido pelo Dr. Je Hoon Yang
Paraganglioma de carótida
Diagnóstico
Paraganglioma de carótida.
Discussão
É um tumor benigno proveniente do
glomus carotídeo. São células quimioceptoras derivadas da crista neural primitiva.
Estas células existem também no forame
jugular e no osso temporal. Dentre os
paragangliomas da cabeça e pescoço, o
do corpo carotídeo representa 60 a 70%
do total. Sua topografia característica é a
bifurcação carotídea.
Clinicamente apresenta-se como massa
cervical pulsátil e indolor junto ao ângulo
da mandíbula, sendo mais freqüente em
pacientes na quarta e quinta décadas. Normalmente sofre hipertrofia fisiológica sob
hipóxia e hipercapnia, sendo 10 vezes mais
prevalente nas populações de altas altitudes.
Caso 6
Em 20% dos casos podem apresentar-se
como neuropatia vagal ou do hipoglosso.
O tumor pode ser esporádico, ou de
herança familiar autossômica dominante.
Neste último caso, a multicentricidade
está presente em mais da metade dos
casos. Portanto, quando há suspeita de
forma familiar, deve-se iniciar o rastreamento por volta dos 20 anos de idade.
Nos casos esporádicos, a bilateralidade
ocorre em menos de 5 a 14 %.
O tumor glômico pode coexistir com paraganglioma vagal ou jugular. Há associação
com neoplasia endócrina múltipla (MEN) e
carcinoma tiroideano. Microscopicamente,
caracteriza-se por células em ninho “zellballen”, e na microscopia eletrônica mostra
grânulos neurosecretores. A malignidade
histológica em paragangliomas de carótida,
especificamente, é rara.
Na tomografia computadorizada,
apresenta-se como tumor hipervascularizado na bifurcação carotídea.
Apresenta realce precoce, na fase arterial, semelhante ao realce das artérias
carótidas adjacentes. Em geral tem de
1 a 6 cm no seu maior diâmetro, alarga
e ocupa o espaço entre as carótidas
interna e externa. A artéria nutridora
é, na maioria das vezes, ramo da artéria
faríngea ascendente. Caso haja demora
na aquisição das imagens após a injeção
do meio de contraste, pode não ser evidenciado o realce característico, devido
ao rápido “clareamento” do meio de
contraste. É muito importante, portanto, adquirir todas as imagens dentro
de 30 a 60 segundos após o início da
injeção do meio de contraste.
Entre os diagnósticos diferenciais
destacam-se outros paragangliomas
cervicais, principalmente de origem
vagal. Este localiza-se superiormente,
adjacente à base do crânio, e quando de
grandes dimensões pode estender-se à
bifurcação carotídea. Lesões malignas a
serem consideradas incluem metástases
hipervascularizadas, tal como do rim e
da tiróide. As lesões expansivas relacionadas à doença de Castleman também
podem simular um tumor glômico.
Referências bibliográficas
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Richard Harnsberger. Elservier &
Saunders, 2004 Amsterdam The Netherlands.P III/8/20.
2.Head and Neck Imaging. Peter
Som&Hugh D Curtin. Mosby, 2003
Philadelphia, USA, P 1969-72.
Drs. Paulo Milton F. Rodrigues Jr. e Mauro J. Brandão da Costa, da Documenta, Ribeirão Preto, SP
Amiloidose primária gástrica
Diagnóstico
Amiloidose primária gástrica.
Discussão
A amiloidose é uma doença caracterizada pelo acúmulo da proteína amilóide em
vários tecidos. Existem muitas formas de
amiloidose, devido aos diferentes tipos de
proteína amilóide. Na amiloidose primária (proteína AL), a causa é desconhecida.
A amiloidose secundária (proteína AA) é
assim denominada por ocorrer associada
a outras doenças (p. ex., tuberculose, artrite reumatóide, mieloma múltiplo). Normalmente, a causa do acúmulo excessivo
de amilóide é desconhecida. Entretanto,
pode tratar-se de resposta anormal a
várias doenças que causam infecção ou
inflamação persistente.
O acúmulo de grandes quantidades de
amilóide pode comprometer o funcionamento normal de muitos órgãos. Os
sintomas da doença dependem do local
onde ocorre o acúmulo anormal.
Na forma primária, os locais mais freqüentes são o coração, a pele, a língua, a
tireóide, os intestinos, o fígado, os rins e
os vasos sangüíneos. Esse acúmulo pode
acarretar insuficiência cardíaca, arritmias,
dificuldade respiratória, espessamento
da língua, hipoatividade da tireóide, má
absorção dos alimentos, insuficiência
hepática, insuficiência renal e equimoses
recorrentes, além de outros sangramen-
tos anormais decorrentes de alterações
da coagulação sangüínea. Na amiloidose
secundária, o acúmulo tende a ocorrer
no baço, fígado, rins, adrenais e linfonodos. Outros órgãos e vasos sangüíneos
também podem ser afetados, embora o
envolvimento cardíaco seja raro.
Tanto os aspectos de imagem quanto
a apresentação clínica são variadas e
inespecíficas o que pode causar um
atraso diagnóstico. Portanto, a possibilidade de amiloidose deve sempre ser
lembrada em pacientes com doenças
inflamatórias crônicas ou mieloma múltiplo para evitar o atraso diagnóstico. A
biópsia é sempre necessária para definir
o diagnóstico de certeza.
Referências bibliográficas
1.Christos S. Georgiades, Edward
G. Neyman, Matthew A. Barish.
Amyloidosis: Review and CT Manifestations. RadioGraphics 2004; 24:
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2 S. Ta d a , M . I i d a , T. Ya o, K .
K awakubo, T. Yao, T. Fuchigami, M. Okada, and M. Fujishima
Gastrointestinal amyloidosis: radiologic features by chemical types. Radiology 1994; 190: 37.
3.B.A. Urban, S.M. Goldman, W.W. Scott,
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Hruban – CT evaluation of amyloidosis: spectrum of disease. RadioGraphics 1993; 13: 1295.
Caderno 2
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Caso 7
• História clínica
ID: Paciente masculino, negro, 47 anos, natural e
procedente de Avaré, SP.
QP: “Caroço no testículo há 6 meses”.
Paciente refere que há 6 meses notou crescimento
de massa na bolsa testicular esquerda, dolorida à
palpação. Nega traumas. Refere ainda discreta dor
abdominal concomitante, sem localização precisa
e dispnéia moderada/severa.
• Exame Físico
Baqueteamento digital.
Redução do murmúrio pulmonar.
Tumoração na bolsa testicular esquerda, dolorosa
a palpação, aparentemente separada do testículo
(epidídimo?).
Figura 1 A e B – Radiografia e TC de tórax demonstrando
áreas hipoatenuantes sem paredes definidas, distribuídas em
ambos os campos pulmonares; além de padrão reticular de
espessamento dos septos interlobulares e interstício subpleural
bilateral. Não se demonstrou lesão mediastinal concomitante
• Exames de Imagem solicitados
Ultra-sonografia da bolsa testicular e do abdome
total; Radiografia de tórax.
Evolução: Durante a internação a referida tumoração
aumentou suas dimensões, atingindo cerca de 7cm
em seu maior diâmetro e, posteriormente, houve
formação de fístula com secreção de conteúdo
amarelado. Paciente foi encaminhado ao centro
cirúrgico para remoção da lesão.
Figura 2 – USG da bolsa testicular esquerda evidencia
formação expansiva com contornos regulares e
bem definidos, ecotextura levemente heterogênea
localizada na região da cabeça do epidídimo
Figura 3 – USG do abdome
demonstrando linfonodomegalias
na janela aórtico mesentérica e
linfonodomegalias peri-aórticas
Figura 4 – Paracoccidioides
brasiliensis com coloração
amarelo-esverdeado, sob a forma
de anéis birrefringentes (seta)
Caso 8
• História clínica
Figura 1 – A
radiografia abdominal
simples demonstra
anormalidades
inespecíficas, como
dilatação colônica
acompanhada de
espessamento das
haustrações
ID: Feminina, 95
anos, branca, natural e
procedente de Presidente
Prudente.
Figura 2 – Na US notamos espessamento
da parede do cólon transverso
Figura 3 – Nota-se espessamento de alças
cólicas, sobretudo do cólon ascendente
HPMA: Paciente
acamada, deu entrada no
P.S. com dor abdominal
difusa seguida de
náusea e vômitos há
6 dias, evoluindo com
prostração e dispnéia.
Exame físico: Mal
estado geral, febril,
desidratada, com
palpação dolorosa de
todo o abdome.
Figura 4 – Edema maciço da submucosa,
com estreitamento luminal e realce da mucosa.
Observe o aspecto das haustrações sugestivo
do sinal do acordeon
Figura 5 – Edema maciço da submucosa, com
estreitamento luminal e realce da mucosa
Figura 6 – Evolução do quadro para mega-cólon
tóxico (complicação mais grave e temível)
Achados laboratoriais
mais relevantes: 27000
leucócitos
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São Paulo | novemBRO | 2006
Caso 7
Dr. Edgar Lucas da Silva Jr., radiologista da clínica Centromed e da Santa Casa de Avaré, SP).
Colaboradores: Débora Tavares de Resende e Silva Abate, fisioterapeuta, e Renata Calciolari Rossi, patologista
Blastomicose disseminada crônica
Diagnóstico
Blastomicose disseminada crônica.
Discussão
A paracoccidioidomicose ou blastomicose sul-americana é a doença fúngica
endêmica mais freqüente no Brasil, com
alta prevalência em algumas regiões
do interior do Estado de São Paulo. A
doença se manifesta principalmente em
sua forma pulmonar associada ou não a
lesões cutâneas.
A forma disseminada crônica da
blastomicose na maioria das vezes é
multiorgânica, acometendo qualquer
parte do corpo. Estudos seriados de
necropsia mostraram ser o sistema
gênito-urinário masculino o menos
envolvido pela doença, havendo apenas
cerca de 30 casos descritos na literatura
brasileira de 1966 a 2000.
Caso 8
A maioria das lesões no trato gênitourinário masculino em indivíduos com
blastomicose ocorrem concomitantemente ou após o envolvimento pulmonar.
A faixa etária dos indivíduos acometidos
varia entre 30 e 72 anos.
De acordo com a literatura revisada, os
órgãos do trato gênito-urinário masculino
mais atingidos pela doença são epidídimo
(7 casos); próstata (6 casos); testículo (5
casos); epidídimo e testículo (4 casos);
pênis (3 casos); bolsa escrotal (2 casos);
epidídimo, testículo e bolsa escrotal (1
caso); epidídimo, testículo e próstata (1
caso); próstata e testículo (1 caso).
O diagnóstico usualmente é feito por biópsias, excisão do órgão, análise direta de
exsudatos de fístulas, ulcerações de pênis,
bolsa escrotal ou secreções prostáticas.
Vale lembrar que o acometimento
do trato gênito-urinário feminino pelo
paracoco é raro (1:27) e quando ocorre
afeta mulheres na menopausa, o que é
justificado pelo fato do hormônio 17beta-estradiol impedir a transformação
do fungo em levedura, forma essencial
do parasito para induzir a doença.
Referências bibliográficas
1.SEVERO, L.C.; HARTMANN, A.A.;
LONDERO, A.T. et al. – Paracoccidioidomycosis of the male genital tract.
Report of eleven cases and a review
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2.SELIGMAN, J.S. & PRADO, A.R.
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3.SALFELDER, K; DOEHNERT, C.
& DOEHNERT, H.R. – Paracoccidioidomycosis. Anatomic study with
complete autopsies. Virchows Arch.
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4.JANNKE, H.A.; ISOLAN, T.; PINTO,
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5.IKARI, O.; FERREIRA, A.A.; ALVARENGA, M. & NAKAMURA,
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6.HACHUL, M.; SADI, A.; ARICÓ, F.
& CEDENHO, A.P. – Localização epididimária da blastomicose sul-americana. Rev. Ass. méd. bras., 25: 387-388,
1979. J. bras. Urol., 3: 220, 1977, nota
prévia.
7.CECHELLA, M.S.; MELO, C.R.;
MELO, I.S. et al. – Paracoccidioidomicose genital masculina. Rev. Inst. Med.
trop. S. Paulo, 24: 240-245, 1982.
Drs. Carlos Eduardo Botter (R1), Adelson André Martins e José Procópio Jabur Ribeiro,
do CEDIMA/Instituto de Radiologia de Presidente Prudente-IRPP
Colite pseudomembranosa
Diagnóstico
Colite pseudomembranosa.
Discussão
Colite pseudomembranosa (CPM) consiste
em uma colite infecciosa causada por toxinas
(A e B) produzidas pelo super crescimento
de Clostridium difficile no cólon, secundário à alteração na flora bacteriana normal,
causadas classicamente pelo uso prévio de
antibióticos (principalmente clindamicina e
lincomicina) ou por outros fatores, como, por
exemplo, complicação de cirurgia abdominal,
hipoperfusão intestinal prolongada, doenças
debilitantes como a leucemia e o linfoma. A
colite é caracterizada pela presença de placas
branco-amareladas, aderentes na mucosa
colônica, que podem ser visualizadas na
análise patológica ou endoscópica. A maioria
dos pacientes apresenta diarréia aquosa que
pode estar associada a dor abdominal, febre,
desidratação e leucocitose.
A radiografia abdominal simples pode
ser normal, ou demonstrar anormalidades
inespecíficas, como dilatação colônica
acompanhada de espessamento nodular
das haustrações.
Os achados ultra-sonográficos evidenciam espessamento da parede colônica,
principalmente à custa de mucosa e submucosa, que tem aspecto geralmente hiperecogênico heterogêneo, com relativa preservação da muscular própria, identificada como
fino anel hipoecogênico periférico.
Na tomografia computadorizada,
embora não específicos, os achados são
altamente sugestivos de CPM. Os sinais
tomográficos clássicos incluem o marcante espessamento mural (3-33 mm);
baixa atenuação do espessamento mural,
que corresponde ao edema da mucosa e
submucosa; aprisionamento do contraste
oral entre as pregas cólicas espessadas
(“Sinal do Acordeão”).
Como diagnósticos diferenciais podemos citar as doenças que produzem espessamento da parede intestinal, como as colites (inflamatórias, isquêmicas, infecciosas e
outras), linfangiectasia colônica, infiltração
leucêmica, hemorragia e a diverticulite. O
envolvimento de todo o cólon (pancolite)
é altamente sugestivo de CPM.
A complicação mais grave e temível é o
megacólon tóxico, que pode evoluir para
sepse, perfuração cólica e óbito. O tratamento consiste na retirada do antibiótico
suspeito e administração de uma antibioticoterapia apropriada associada à manutenção do balanço hidroeletrolítico. Em casos
graves a colectomia pode ser necessária.
Referências bibliográficas
1.Kawamoto et al. Pseudomembranous Colitis: Spectru of Imaging
Findings with Clinical and Pathologic
Correlation. Radiographics 1999;
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2.Kirkpatrick IDC et al. Evaluating the
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6.Cerri GG, Oliveira IRS. Ultra-sonografia abdominal, editora Revinter.
Rio de Janeiro, 2002, pp 337-338.

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