Repercussões sociais das seqüelas físicas em adolescentes
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Repercussões sociais das seqüelas físicas em adolescentes
1 ISSN 1679-9941 Nº Volume 5 Março 2008 publicação trimestral revista oficial do núcleo de estudos da saúde do adolescente / uerj Repercussões sociais das seqüelas físicas em adolescentes vítimas de acidentes de trânsito Maternidade na adolescência e nascidos vivos: análise temporal (2000 a 2004) segundo o SINASC de um município do Nordeste do Brasil Relação entre a ginecomastia puberal e o índice de massa corporal Comunicação entre a família e seus filhos adolescentes: construindo uma relação dialógica Estado nutricional no final da adolescência como fator determinante da situação nutricional na vida adulta de indivíduos do sexo masculino em Viçosa, MG Desvendando mitos sobre anticoncepção hormonal oral na adolescência Transtornos mentais comuns em adolescentes grávidas: um estudo piloto www.nesa.uerj.br ISSN 1679-9941 volume 5 nº 1 março 2008 PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL EDITADA PELO NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE (NESA) DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ) UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Nival Nunes de Almeida Vice-Reitor: Ronaldo Martins Lauria NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE Diretor: José Augusto Messias Coordenador da Atenção Terciária: José Henrique Aquino Coordenadora da Atenção Secundária: Kátia Nogueira Coordenadora da Atenção Primária: Stella Taquette CONSELHO EDITORIAL Editora: Isabel Cristina Bouzas Editora-Científica: Evelyn Eisenstein Co-Editores: Claudia Braga, Kátia Nogueira, Marília Mello Colaboradores: Celise Meneses, Cláudio Abuassi, Eloisa Grossman, Flávio Stanjzbok, José Augusto Messias, Márcia Soares, Maria Cristina Kuschnir, Rejane Araújo, Selma Correia, Stella Taquette Conselho Consultivo: Daniella Santini, Darci Bonneto, Denise Monteiro, Marcia Fernandes, Maria de Fátima Coutinho, Maria Teresa Maldonado, Maria Verônica Coates, Ricardo Barros, Riva Rozemberg, Rosangela Magalhães, Simone Assis, Therezinha Cruz, Viviane Castelo Branco, Walter Marcondes Filho, Robert Brown (University of Columbia, Ohio, EUA), Richard MacKenzie (University of Los Angeles, Califórnia, EUA), Jane Rees (University of Washington, Seattle, EUA), Irene Jillson (University of Georgetown, Washington, EUA), Marc Jacobson (Children’s Hospital, Long Island, NY, EUA), Helena Fonseca (Lisboa, Portugal), Leonor Sassetti (Lisboa, Portugal), David Bennett (Westmead, Sydney, Austrália), Michael Kohn (Parramatta, Austrália), Nicholas Woolfield (Children’s Hospital Queensland, Austrália), Rafiq Lockhat (Cidade do Cabo, África do Sul), Sue Bagshaw (Nova Zelândia), Sérgio Buzzini (University of Chapel Hill, EUA), Matilde Maddaleno (OPAS/OMS, Washington), Robert Blum (Johns Hopkins University, Baltimore) Coordenação Editorial (Diagraphic Editora): Jane Castelo A795 Adolescência & saúde / órgão oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente HUPE/UERJ. – V. 1, n. 1 (Jan./Mar. 2004) – . – Rio de Janeiro : Diagraphic, 2003 Trimestral : Descrição baseada em: V. 1, n. 1 (Jan./Mar. 2004) Inclui bibliografia ISSN 1679–9941 1. Adolescentes – Saúde e higiene – Periódicos. I. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente. 03–2487 CDD 613.0433 CDU 613.96 Boulevard 28 de Setembro 109/fundos Pavilhão Floriano Stoffel • Vila Isabel • CEP 20551-030 Rio de Janeiro-RJ • Tels.: (21) 2587-6570/2587-6571 Fax: (21) 2264-2082 • E-mail: [email protected] • www.nesa.uerj.br Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro - SOPERJ Rua da Assembléia, 10 - Grupo 1812 - Centro • CEP 20011-901 Rio de Janeiro - RJ • Tel.: (21) 2531-3313 Email: [email protected] • Home page: www.soperj.org.br www.asbrabr.br DIAGRAPHIC EDITORA Av. Paulo de Frontin 707 • CEP 20261-241 Rio de Janeiro-RJ • Telefax: (21) 2502-7405 e-mail: [email protected] • www.diagraphic.com.br COMERCIALIZAÇÃO E CONTATOS MÉDICOS E-mail: [email protected] • www.adolescenciaesaude.com.br Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 SUMÁRIO EDITORIAL . ............................................................................................................................................................................................... 5 REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO............................................................................................................................................................. 6 Lucimar Aparecida Françoso; Verônica Coates MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL ................................... 14 Karine E. P. de Souza; Maria C. O. Costa; Rosely C. Carvalho; Nilma L. A. Cruz RELAÇÃO ENTRE A GINECOMASTIA PUBERAL E O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL . ..................... 23 Nádia Ferreira Rivera Alves COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA....................................................................................................................................................................... 29 Maria Helena Ruzany; Carla Cristina Coelho Augusto Pepe; Hilde Sant’Anna Cantinho; Livia Batista Leis; Raquel Barroso da Silva; Rodrigo Amaral de Lima ESTADO NUTRICIONAL NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA COMO FATOR DETERMINANTE DA SITUAÇÃO NUTRICIONAL NA VIDA ADULTA DE INDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO EM VIÇOSA, MG.............................................................................................................................................................................................. 39 Renata Maria Souza Oliveira; Sylvia do Carmo Castro Franceschini; Gilberto Paixão Rosado; Silvia Eloiza Priore DESVENDANDO MITOS SOBRE ANTICONCEPÇÃO HORMONAL ORAL NA ADOLESCÊNCIA..... 45 Sandra de Morais Pereira; Stella R. Taquette TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADOLESCENTES GRÁVIDAS: UM ESTUDO PILOTO...... 50 Celise Meneses; Claudia Lopes; Vera Cristina Magalhães NORMAS EDITORIAIS ...................................................................................................................................................................... volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde 57 EDITORIAL Tráfico humano e exploração sexual: crimes que envergonham toda a humanidade no mundo globalizado Tráfico humano é definido pelas Nações Unidas como recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou receptação de pessoas, por meio de ameaças ou uso da força, ou de outras formas de coação, rapto, fraude, engano ou abuso de poder, em troca de pagamentos ou benefícios, em situações de vulnerabilidade para fins de exploração. As principais manifestações dessas violências ocorrem como formas de trabalho forçado, escravidão disfarçada ou exploração sexual, principalmente de mulheres, adolescentes e até crianças, que se tornam “produtos” de um mercado de adoção ilegal, em práticas abusivas nas quais a pessoa envolvida fica sem alternativa a não ser submeter-se à exploração para garantir a sobrevivência. O preço da ilusão se torna a chave da prisão de muitos que caem nessa rede e desaparecem no mapa das cidades, principalmente as turísticas, e também nos grotões da miséria urbana, em regiões de fronteiras. Adolescentes e jovens adultos são as vítimas, em sua maioria, em mais de 130 países, inclusive o Brasil. O número real é desconhecido, mas estima-se que aproximadamente 2,5 milhões de pessoas sejam traficadas ou exploradas para fins comerciais, inclusive sexuais. Os traumas da violência corporal e sexual sofrida e do abandono social aumentam a exclusão e a segregação, com perdas da dignidade e do sentido de cidadania, tornando-se marcantes, indeléveis, com repercussões médicas e mentais, por toda a vida. Assim, os direitos humanos assegurados em tantas convenções e acordos nacionais e internacionais são desafiados ou esquecidos em meio a tanta corrupção e impunidade. O lucro advindo do tráfico e da exploração sexual é estimado em torno de 30 bilhões de dólares anuais. Esse dinheiro circula em economias industrializadas ou nações empobrecidas, mediante redes associadas ao crime organizado, inclusive de drogas e armas; e na internet, estimulando os conflitos entre os diferentes grupos sociais ou étnicos. Instrumentos legais e jurídicos existem, como o Protocolo das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo a prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas. No Brasil há uma política nacional de enfrentamento, que aos poucos vai saindo do papel e sendo implementada local e intersetorialmente, mas sem a urgência necessária para driblar os entraves burocráticos que pulverizam os recursos. Como se a vida dos outros nada valesse num mundo de interesses imediatos! O compromisso de enfrentar a violência e evitar todas as formas de abuso é coletivo, pois os crimes de tráfico humano e exploração sexual são de tal magnitude que ninguém poderá alcançar a liberdade que a cidadania plena de direitos oferece sem receber ajuda ou suporte social. Cabe a cada um de nós denunciar e recusar o silêncio que essa escravidão humana impõe, degradando a todos que se calam diante de tantos absurdos! As estratégias de mudanças necessárias foram temas de debates durante a realização do Fórum Internacional das Nações Unidas, que aconteceu entre 13 e 15 de fevereiro em Viena, com a participação de governos, instituições não-governamentais, empresas do setor turístico, agências de mídia e de comunicação, conselhos de mulheres e de jovens, além de lideranças expressivas do mundo médico, cultural, artístico e religioso. Para consultas, acesso público ao website www.ungift.org. A vulnerabilidade do ciclo vicioso da pobreza e as ações de impacto para prevenção, proteção e punição devem ser direcionadas à participação de toda a sociedade na construção de um mundo melhor, livre e digno para todos cidadãos, sem exceções, até a erradicação da exploração humana sob qualquer circunstância social ou política. O corpo humano não está à venda nem é mercadoria ou objeto a ser possuído por ninguém! Evelyn Eisenstein Editora científica Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 ARTIGO ORIGINAL Lucimar Aparecida Françoso1 Verônica Coates2 Repercussões sociais das seqüelas físicas em adolescentes vítimas de acidentes de trânsito Social repercussions of physical sequelae in adolescents victims of traffic accidents RESUMO Os acidentes de trânsito constituem importante causa de morbimortalidade. Este estudo avaliou as seqüelas físicas decorrentes de acidentes de trânsito e suas repercussões sociais em indivíduos de 10 a 19 anos. Realizou-se levantamento dos prontuários de adolescentes vítimas de acidentes de trânsito. Desses, 185 participaram de entrevista e avaliação de seqüelas um a três anos após o acidente. Predominaram o sexo masculino (74,6%) e os acidentes com motocicletas (38,9%). Dos 56 condutores de veículos ou motocicletas, 32,1% tinham menos de 18 anos de idade e, entre os com 18 anos ou mais, 58,8% não eram habilitados. Além disso, não usavam equipamentos de segurança 72,2% dos motociclistas e 92,3% dos ocupantes de autos. Quanto maior a gravidade do trauma, mais sequelas (p = 0,008). As seqüelas físicas surgiram em 34,1% das vítimas e interferiram de forma significativa em aspectos da vida social dos jovens. Outros dados observados no estudo foram: no grupo com seqüelas ocorreu maior porcentagem de abandono escolar (p = 0,025); abandono ou mudança do tipo de práticas esportivas (p < 0,001); mudanças de atividades de lazer (p < 0,001); perda de amizades (p = 0,020); dificuldade nos relacionamentos amorosos (p = 0,033) e familiares (p = 0,01). Também se observou maior proporção de sentimento de infelicidade (p < 0,001) e de alterações do sono (p < 0,001). Os acidentes de trânsito constituíram importante causa de morbidade na amostra estudada, deixando seqüelas físicas em um de cada três acidentados. UNITERMOS Acidentes de trânsito; morbidade; avaliação da deficiência; adolescente ABSTRACT Traffic accidents represent important cause of morbimortality. This study evaluated the physical sequelae secondary to traffic accidents, and their social consequences to 10 to 19-year-old adolescents. A retrospective study was done on the medical reports of the adolescents who were victims of traffic accidents. Of these, 185 adolescents participated in interviews and evaluation of the sequelae from one to three years after the accident. Most of the victims were men (74.6%); motorcycle accidents were predominant (38.9%). Of these, 56 were drivers and riders and 32.1% were younger than 18; of those 18 or older, 58.8% didn’t have driver’s license and 72.2% of the motorcyclists and 92.3% of the car occupants didn’t use safety equipment. The occurence of sequelae (p = 0.008) was positively related to the trauma severity; 34.1% had physical sequelae. The presence of sequelae interfered in aspects of social life of the adolescents. The group with sequelae presented significant differences when compared with the group without sequelae, in relation to dropping school (p = 0.025); less or no sport activities (p < 0.001); changes in leisure (p < 0.001); loss of friends (p = 0.020); family (p = 0.01) and affectionate (p = 0.033) relationships, and more feelings of unhappiness (p < 0.001) and sleep disorders (p < 0.001). The traffic accidents were an important cause of morbidity in the sample studied and they left physical sequelae in one out of three injuried adolescents. KEY WORDS Traffic accidents; morbidity; disability; adolescent INTRODUÇÃO A violência vem adquirindo relevância como causa de morbimortalidade na adolescênProfessora doutora em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP); assistente da Clínica de Adolescência do Departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP. 2 Professora titular de Pediatria da FCMSCSP; chefe da Clínica de Adolescência do Departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP. 1 volume 5 nº 1 março 2008 cia em todo o mundo, de forma que as causas externas constituem o principal motivo de mortalidade nesses jovens. No Brasil, desde 1983, entre as causas externas de morte na adolescência, os acidentes de trânsito ocupam a primeira colocação na faixa etária de 10 a 14 anos, e a segunda na faixa de 15 a 19 anos, perdendo apenas para as agressões físicas, principalmente os homicídios(1). Adolescência & Saúde Françoso & Coates REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO Dados estatísticos mostram que nos EUA os acidentes com veículos motores constituem a principal causa de morte de jovens de 15 a 20 anos, sendo responsáveis por cerca de um terço de todas as fatalidades nessa faixa etária(2). Estima-se que para cada adolescente morto num acidente com veículo motorizado, ocorram cerca de 100 lesões não-fatais. Esses acidentes constituem a principal causa de incapacidades e deficiências, sobretudo decorrentes de lesões cranianas e de coluna vertebral, nesse grupo etário(3). Estudos mostram que as incapacidades funcionais são comuns no primeiro ano pós-trauma em crianças e adolescentes(4-7). Embora o traumatismo craniencefálico (TCE) esteja associado à maioria das seqüelas incapacitantes, crianças e adolescentes com outros tipos de lesões traumáticas também apresentam alta prevalência de limitações funcionais(4). As lesões de membros inferiores, por exemplo, levam a importantes limitações físicas(7). Além disso, TCE e limitação física permanente estão associados a morbidade psicossocial, incluindo problemas escolares, de comportamento e desajustes familiares(6). Um estudo sueco com adolescentes e adultos vítimas de acidentes de trânsito observou que, dois anos após o trauma, 68% dos pacientes apresentavam seqüelas físicas, como instabilidade, fraqueza e restrição de mobilidade em diferentes partes do corpo, bem como distúrbios de visão, audição, tato, olfato e/ou desconforto com cicatrizes. Também observou que 57% apresentavam estresse psicológico e 7% necessitavam de ajuda para realização de atividades rotineiras(8). Outro estudo de acompanhamento em longo prazo de crianças e adolescentes de até 15 anos vítimas de politraumas graves mostrou que, um ano após, 22% estavam incapacitados e 32% necessitavam de classe especial para os estudos. Após sete a 11 anos de seguimento, o grau de incapacidade física foi de 12% e foi identificada deficiência cognitiva em 42% dos pacientes(9). Os avanços na triagem e no transporte préhospitalar, assim como nas técnicas de ressuscitação, de diagnóstico e de tratamento das lesões melhoraram a sobrevida de vítimas de trauma, o que Adolescência & Saúde levou ao aumento do número de pacientes com seqüelas permanentes. São poucos os estudos sobre morbidade relacionada com acidentes de trânsito na adolescência. Os trabalhos publicados não focalizam especificamente essa faixa etária. O fato motivou o presente estudo, que procura avaliar as seqüelas físicas decorrentes desse tipo de agravo, assim como suas conseqüências sociais em indivíduos de 10 a 19 anos de idade. MÉTODO Realizou-se estudo retrospectivo e transversal no qual foram avaliados adolescentes de 10 a 19 anos de idade (ambos os sexos), vítimas de acidentes de trânsito entre janeiro de 2001 e março de 2003, hospitalizados em dois hospitais do município de São Paulo (Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Santa Marcelina de Itaquera) e atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto de pesquisa foi aprovado pelas comissões de ética em pesquisa dos dois hospitais. Os critérios para inclusão na amostra foram: • apresentar qualquer tipo de lesão traumática decorrente de acidente de trânsito; • hospitalização por no mínimo 24 horas; • ter se submetido a pelo menos um procedimento cirúrgico; • apresentar escore de gravidade do trauma leve, moderado ou grave; • o acidente ter ocorrido no mínimo há um ano e, no máximo, há três anos do momento da avaliação; • não-ocorrência de distúrbio neurológico e de limitações do aparelho locomotor previamente ao acidente. Os critérios de exclusão foram: • vítimas fatais; • presença de qualquer dúvida em relação à existência de distúrbio neurológico; • limitação do aparelho locomotor previamente ao acidente. Realizou-se o levantamento nos dois hospitais de 1.131 prontuários, dos quais 323 correspondevolume 5 nº 1 março 2008 REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO ram a vítimas de acidente de trânsito que preencheram os critérios de inclusão. Desses prontuários foram obtidas informações relacionadas aos procedimentos médicos, gravidade das lesões, evolução e acompanhamento, sendo utilizado o Injury Severity Score (ISS) para determinar o escore de gravidade do trauma sofrido pelas vítimas(10). Na segunda parte do estudo (prospectiva) dos 323 pacientes que preencheram os critérios de inclusão, para avaliação clínica e entrevista no hospital de origem, 185 compareceram. Nesse momento, foram avaliados quanto à presença de seqüelas físicas e, em seguida, realizadas as comparações entre os que permaneceram com seqüelas e aqueles sem seqüelas, em relação aos diferentes aspectos sociais. ANÁLISE ESTATÍSTICA Para as variáveis quantitativas (como idade e ISS), a análise foi realizada pela observação dos valores mínimos e máximos e do cálculo de médias e desvios-padrão (DP) e medianas. Já para as variáveis qualitativas, como sexo e tipo de usuário, foram calculadas as freqüências absolutas e relativas. Além disso, para testar a homogeneidade de grupos em relação às proporções, foram utilizados o teste qui-quadrado (χ2) ou o teste exato de Fisher. Para a comparação entre dois grupos foi utilizado o teste não-paramétrico de Mann-Whitney para duas amostras independentes. Todos os testes foram realizados admitindo-se o nível de significância de 5%, de forma que níveis descritivos inferiores a esse valor foram considerados significantes (p < 0,05). RESULTADOS Foram avaliados 185 adolescentes vítimas de acidentes de trânsito em dois hospitais: 92 (49,7%) do Santa Marcelina de Itaquera (SP), e 93 (50,3%) da Santa Casa da Misericórdia de São Paulo (SCMSP). A idade das vítimas variou de 10 a 19 anos (média de 14,38 anos; DP: 2,98 anos; mediana: volume 5 nº 1 março 2008 Françoso & Coates 16 anos). Quarenta e sete pacientes (25,4%) eram do sexo feminino e 138 (74,6%), do masculino. A Tabela apresenta a distribuição das vítimas quanto ao tipo de usuário das vias. Tabela FREQÜÊNCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS DAS VÍTIMAS SEGUNDO O TIPO DE USUÁRIO DA VIA Tipo de usuário n % Pedestre 40 21,6 Motociclista 72 38,9 Ciclista 40 21,6 Ocupante de automóvel 26 14,1 Ocupante de ônibus 2 1,1 Ocupante de caminhão 1 0,5 Ocupante de caminhonete 1 0,5 Patins, patinete e esqueite Total 3 1,6 185 100 Entre os acidentes avaliados predominaram as colisões e quedas de motocicleta (38,9%), nas quais 72,2% dos adolescentes eram os condutores no momento do trauma. A seguir, surgiram os atropelamentos (23,2%), os acidentes com ciclistas (21,6%) e, finalmente, aqueles com ocupantes de automóveis, caminhões, ônibus e/ou caminhonetes (16,2%), dos quais apenas 13,3% dos adolescentes conduziam automóveis no momento do acidente. Dos 52 condutores de motocicleta, 18 (34,6%) eram menores de 18 anos e, entre os 34 com 18 anos ou mais, 20 (58,8%) não eram habilitados. Quanto ao uso de equipamentos de segurança, observou-se que, dos 72 motociclistas, 52 (72,2%) não usavam capacete no momento do acidente; nenhum dos 40 ciclistas usava capacete; dos 26 ocupantes de automóveis, 24 (92,3%) não usavam cinto de segurança. Em relação à gravidade do trauma, as vítimas foram classificadas de acordo com o valor do ISS, assim distribuídas: 126 (68,1%) apresentaram trauma leve; 30 (16,2%), trauma moderado; e 29 (15,7%), trauma grave. Observaram-se ainda seqüelas físicas (sensoriais, neurológicas ou ortopédicas) em 63 adolesAdolescência & Saúde Françoso & Coates REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO centes (34,1%). Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos com e sem seqüelas em relação ao escore de gravidade do trauma (ISS), de forma que o grupo com seqüelas apresentou traumas mais graves do que aqueles do grupo sem seqüelas (teste não-paramétrico de MannWhitney; p = 0,008). Dos 72 motociclistas, 20 (27,8%) usavam capacete no momento do acidente, enquanto 52 (72,2%) não usavam esse equipamento de segurança. Dos 20 que estavam com capacete, sete (35%) apresentaram seqüelas e dos 52 sem capacete, 16 (30,8%) tiveram seqüelas (χ2, p = 0,73). O ISS daqueles que usavam capacete variou de 2 a 13 (média de 6,85; DP: 3,34; mediana: 7) e dos que não usavam capacete variou de 4 a 43 (média: 16; DP: 8,89; mediana: 13,5). Portanto observou-se que o grupo dos que usavam capacete apresentou valores de ISS significativamente menores do que o sem capacete (teste não-paramétrico de MannWhitney; p < 0,001). Entre os que não usavam capacete e permaneceram com seqüelas, 25% sofreram trauma grave. Dos 26 casos envolvendo ocupantes de automóveis, apenas dois (7,7%) usavam cinto de segurança no momento da colisão. Desses, nenhum apresentou seqüelas e todos tiveram trauma leve ou moderado. Em relação aos 24 acidentados (92,3%) que não usavam cinto de segurança no momento do acidente, oito (33,3%) apresentaram seqüelas, principalmente relacionadas à perda de visão unilateral (dois casos), a lesões e limitações em membros inferiores (quatro casos) e a lesões e limitações em membros superiores (dois casos). Dos 56 casos de condutores de veículos ou motocicletas, 18 (32,1%) tinham idade abaixo de 18 anos e 38 (67,9%), entre 18 e 19 anos. Dos 18 casos de condutores com menos de 18 anos de idade, cinco (27,8%) apresentaram seqüelas e, entre os com 18 ou 19 anos, 11 (29%) as apresentaram (teste χ2; p = 0,928). O ISS dos adolescentes menores de 18 anos de idade variou de 3 a 43 (média de 12,89; DP: 10,09; mediana: 9,5), enquanto entre os indivíduos com idade ≥ 18 anos a variação foi dois a 38 (média: 13,39; DP: 9,12; mediana: 10), não havendo diferença estaAdolescência & Saúde tisticamente significativa (teste não-paramétrico de Mann-Whitney; p = 0,711). Portanto, objetivando abordar mudanças nos aspectos sociais dos jovens após o acidente, foram avaliados os seguintes critérios: escolaridade após o trauma, prática de esportes, lazer, amizades, namoro, atividade sexual e relacionamento familiar, a fim de detectar como a presença de seqüelas secundárias ao trauma interferiu nesses aspectos da vida social dos adolescentes. Observou-se que houve diferença estatisticamente significativa entre aqueles que apresentaram seqüelas e os que não as apresentaram em todos os aspectos estudados. As repercussões sociais encontradas foram: maior porcentagem de abandono escolar no grupo dos que apresentaram seqüelas, quando em comparação com aqueles sem seqüelas (18% vs. 38,1%; p = 0,025); os indivíduos com seqüelas apresentaram também mais abandono de práticas esportivas do que aqueles sem seqüelas (9% vs. 44,4%; p < 0,001); maior porcentagem de mudança para atividades de lazer mais brandas quando em comparação com o grupo sem seqüelas (5,7% vs. 22,6%;pp < 0,001); maior número de casos de amigos que se afastaram do que no grupo sem seqüelas (4,1% vs. 16,1%; p = 0,020); maior porcentagem de casos em que houve interferência nos relacionamentos amorosos, dificultando-os, quando comparados ao grupo sem seqüelas (0,8% vs. 9,7%; p = 0,033); mais casos de diminuição da atividade sexual secundária às conseqüências do trauma do que no grupo sem seqüelas (0% vs. 6,5%; p = 0,002); maior porcentagem de casos em que o adolescente referiu interferência na vida familiar, com piora do seu relacionamento, especialmente com os pais, do que o referido no grupo sem seqüelas (0,8% vs. 6,5%;p = 0,010). Houve ainda associação significativa entre a presença ou não de seqüelas e o sentimento de felicidade (teste exato de Fisher; p < 0,001). Doze (19,4%) pacientes com seqüela referiram sentir-se infelizes após o acidente, por outro lado, apenas um (0,8%) do grupo sem seqüela referiu esse sentimento. Também se observou associação significativa entre a presença ou não de seqüelas e a ocorrência de alterações do sono (teste exato de Fisher; volume 5 nº 1 março 2008 10 REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO p < 0,001). Quatro (6,5%) pacientes com seqüelas passaram a apresentar dificuldades para conciliar o sono após o trauma, enquanto apenas um (0,8%) entre aqueles sem seqüelas referiu esse problema. Cinco (8,1%) pacientes com seqüelas referiram insônia após o trauma contra apenas um (0,8%) daqueles sem seqüelas. Em relação às expectativas para o futuro, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos com e sem seqüelas (teste exato de Fisher; p = 0,196). DISCUSSÃO No conjunto das causas externas, os acidentes de trânsito destacam-se pela sua magnitude, tanto em termos de mortalidade quanto de morbidade, com especial importância na população jovem e masculina. Em decorrência da elevada freqüência com que ocorrem entre adolescentes e adultos jovens, esses acidentes representam grave problema de saúde pública mundial, sendo responsáveis pelo grande número de anos potenciais de vida perdidos. Neste estudo houve predomínio do sexo masculino (74,6%), na proporção de aproximadamente 3:1 em relação ao feminino, dado também consistente com as estatísticas nacionais dos últimos anos, cuja proporção de vítimas não-fatais de acidentes de trânsito foi, em média, de 2,6 do sexo masculino para um feminino(11). A alta freqüência de condutores menores de 18 anos de idade e de jovens não-habilitados é extremamente preocupante. A literatura mostra que adolescentes condutores de 16 anos têm probabilidade 20 vezes maior de sofrer uma colisão do que a população geral de motoristas, enquanto para a faixa etária de 17 anos essa probabilidade é seis vezes maior(3). A imaturidade e a limitada experiência para dirigir resultam em taxas desproporcionalmente altas de acidentes envolvendo esses jovens. Outro aspecto que chamou a atenção foi a grande porcentagem da não-utilização de equipamentos de segurança entre os adolescentes da amostra estudada: dos motociclistas, apenas volume 5 nº 1 março 2008 Françoso & Coates 27,8% usavam capacete; entre os ocupantes de automóvel, 7,7% usavam cinto de segurança e nenhum ciclista usava capacete. No Brasil, o uso de capacete pelos ocupantes de motocicletas (condutor e acompanhante) é obrigatório em todo o território nacional desde 1982, conforme a Lei Federal nº 7.031 de 20 de setembro de 1982, regulamentada pela Resolução nº 602 de 4 de outubro de 1982, sendo o uso do cinto de segurança obrigatório para o território nacional desde 1998, segundo determinação do novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei Federal nº 9.503 (vigente desde 21 de janeiro de 1998). Ainda não há obrigatoriedade para o uso de capacetes por ciclistas. Cabe aqui a questão: se as leis existem, por que elas não estão sendo cumpridas pelos jovens? Seriam a falta de fiscalização e a certeza da impunidade as únicas responsáveis por esse comportamento? Esse fato merece profunda reflexão para adoção de medidas adequadas de prevenção, que deveriam começar pela educação para o trânsito de forma continuada, iniciada no ensino fundamental, associada a campanhas de sensibilização para condutas coerentes e corretas no trânsito, bem como à melhora na fiscalização. Entre as vítimas de acidentes com motocicleta observou-se, neste estudo, que o grupo que usava capacete no momento do trauma apresentou valores do escore de gravidade (ISS) significativamente menores do que o que não usava equipamento de segurança (p < 0,001). De acordo com a literatura, motociclistas que não usam capacete têm de três a quatro vezes mais riscos de traumatismo craniano(12, 13). A literatura também mostra que condutores que não usam cinto de segurança têm cinco vezes mais chance de sofrer acidente fatal do que aqueles que usam esse equipamento de proteção. O risco de ejeção para fora do veículo aumenta com a falta do uso do cinto de segurança e, conseqüentemente, eleva o risco de óbito(14, 15). Os adolescentes utilizam menos os equipamentos de segurança do que qualquer outra faixa etária(16, 17). Na amostra estudada observou-se que 34,1% das vítimas (63 casos) apresentavam seqüelas físiAdolescência & Saúde Françoso & Coates REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO cas no momento da avaliação, um a três anos após a ocorrência do acidente. Vale ressaltar que nessa casuística as cicatrizes secundárias ao trauma e/ou aos procedimentos cirúrgicos, isoladamente, não foram consideradas seqüelas. A presença de seqüelas físicas relacionou-se positivamente com a gravidade do trauma sofrido pelas vítimas, de forma que o grupo de pacientes com seqüelas apresentou valores de ISS significativamente maiores do que os sem seqüelas (p = 0,008). Observou-se também que a presença de seqüelas físicas interferiu de forma significativa em vários aspectos da vida social dos jovens avaliados. Em relação à escolaridade, ocorreu maior porcentagem de abandono escolar após o acidente de trânsito entre os que permaneceram com seqüelas físicas (38,1%), em comparação aos casos evolvendo não-seqüelados (18%) (p = 0,025). Andersson et al.(8) encontraram 8,3% de abandono escolar nas vítimas de acidentes de trânsito estudantes, e 29% dos que estavam empregados necessitaram mudar suas condições de trabalho devido às conseqüências do acidente. Foi observado também que o grupo com seqüelas abandonou as práticas esportivas em maior proporção (p < 0,001), assim como necessitou mudar para atividades de lazer mais brandas, em maior porcentagem (p < 0,001), do que as que esse grupo costumava participar antes do acidente, em comparação com os jovens que não apresentavam seqüelas. Os adolescentes com seqüelas vivenciaram de forma significativa, em relação ao grupo sem seqüelas (p = 0,02), a perda de amizades e o afastamento de amigos, o que os levou, em alguns casos, à percepção do real significado da amizade, fato que pôde ser observado por depoimentos como “depois do acidente eu percebi quem eram os verdadeiros amigos, aqueles que realmente me apoiaram e ficaram comigo em todos os momentos difíceis”. A explicação para o afastamento dos amigos talvez esteja no fato de o adolescente necessitar pertencer a um grupo de iguais, no qual todos os componentes se identificam entre si e participam do mesmo tipo de atividades, vestem-se de forma muito semelhante e têm muitas outras afinidades. Adolescência & Saúde 11 O jovem que, por qualquer motivo, mesmo que esse seja a seqüela de um acidente, não puder participar das atividades do grupo, acaba sendo rejeitado e excluído pelo mesmo. O adolescente que apresenta seqüelas físicas, além de enfrentar as turbulências e as inquietações próprias desse período da vida, terá de aprender a conviver com a limitação física decorrente da seqüela, o que certamente modificará e confundirá sua imagem corporal. Ele não mais poderá espelhar-se no grupo de iguais; pelo contrário, possivelmente terá a difícil tarefa de entender e aceitar a rejeição do grupo. Seis jovens na amostra estudada referiram que as seqüelas físicas secundárias ao trauma interferiram nos relacionamentos amorosos, dificultando o início de novas relações. Por esse motivo, não namoravam desde a ocorrência do acidente. Apesar de esse aspecto ter ocorrido em pequeno número de casos, houve diferença significativa na comparação com o grupo de vítimas sem seqüelas (p = 0,033). Não foi possível detectar as verdadeiras razões para as referidas dificuldades de relacionamento, pois esses indivíduos mereceriam avaliação e apoio psicológico, o que não foi o objetivo do estudo. Situação semelhante ocorreu entre os com seqüelas, em relação à atividade sexual. Também se observou que o grupo que permaneceu com seqüelas físicas referiu, de forma significativa, quando comparado àquele sem seqüelas (p = 0,010), piora no relacionamento familiar, especialmente com os pais; outrossim, referiram sentirem-se infelizes após o acidente de forma significativamente maior do que os sem seqüelas (p < 0,001). Por outro lado, foi interessante observar que não houve diferenças significativas entre os grupos com e sem seqüelas no que se refere às expectativas para o futuro (p = 0,196). A presença de seqüelas físicas poderia causar distorções na auto-imagem dos adolescentes e, conseqüentemente, interferir na sua auto-estima a ponto de comprometer suas expectativas para o futuro, uma vez que, em decorrência das limitações físicas e sociais secundárias às seqüelas, esses indivíduos poderiam se sentir rejeitados pela sociedade volume 5 nº 1 março 2008 12 REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO e incapazes de obter sucesso. Contudo, esse fato não foi observado. Aceitar-se como é, ou como será a partir do momento que resultou em seqüela, tentar superar as próprias limitações e ultrapassá-las são possibilidades que existem em cada adolescente e precisam ser estimuladas. Os resultados deste estudo mostraram que os acidentes de trânsito e suas seqüelas físicas interferiram de forma significativa em vários aspectos sociais e emocionais da vida dos jovens. Infelizmente não há bancos de dados nacionais de coleta sistemática e contínua sobre morbidade, especialmente no que se refere às seqüelas físicas decorrentes desses agravos, para que nossos resultados possam ser comparados a estatísticas do país. Além disso, os trabalhos sobre morbidade secundária a esses acidentes publicados na literatura (nacional e estrangeira) enfocam sempre a adolescência de forma parcial, como parte de estudos que abrangem a faixa etária pediátrica ou adulta, e geralmente abordam os vários tipos de trauma, o que muitas vezes dificulta a comparação de dados. Portanto, no que se refere à morbidade por acidentes de trânsito, existe precariedade de dados estatísticos e de estudos disponíveis nas literaturas nacional e estrangeira, especialmente em relação à faixa etária da adolescência. Por outro lado, o acidente de trânsito não deve ser considerado uma fatalidade, mas um evento nãointencional e evitável, causador de lesões físicas e emocionais, que é previsível e passível de prevenção. Entretanto, caso a amostra estudada reflita a realidade epidemiológica dos acidentes de trânsito Françoso & Coates na cidade, deve-se considerar o grave problema de saúde pública que os mesmos representam para o município de São Paulo, com todas as suas implicações socioeconômicas, decorrentes das conseqüências das seqüelas físicas, do tempo e dos recursos despendidos com a perda temporária e/ou permanente de produtividade em indivíduos tão jovens, além da interferência na vida social e emocional dessas vítimas. CONCLUSÕES • Seqüelas físicas foram observadas em 34,1% dos adolescentes vítimas de acidentes de trânsito, avaliados um a três anos após o trauma, na proporção de um jovem com seqüela para cada três jovens acidentados. • Houve significativa correlação entre a presença de seqüelas e o escore de gravidade do trauma. Dessa forma, o grupo que apresentou seqüelas sofreu traumas mais graves do que o grupo sem seqüelas. • As seqüelas físicas interferiram de forma significativa em aspectos sociais da vida dos jovens, de forma que no grupo de indivíduos com seqüelas ocorreram: – maior porcentagem de abandono escolar; – abandono ou mudança do tipo de práticas esportivas e de atividades de lazer; – perda de amizades; – dificuldades nos relacionamentos amorosos e familiares; – maior proporção de sentimento de infelicidade e de alterações do sono. REFERÊNCIAS 1. Brasil (Ministério da Saúde), DATASUS-SIM. Sistema de Informações sobre Mortalidade. Acesso em: maio de 2007. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obtuf.def>. 2. National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA). Introduction: the need for graduated driver licensing. Acesso em: agos. 2003. Disponível em: http://www.nhtsa.dot.gov/people/injury/newdriver/saveteens/sect1.html. 3. American Academy of Pediatrics. The teenage driver. Pediatrics. 1996; 98: 987-90. volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde Françoso & Coates REPERCUSSÕES SOCIAIS DAS SEQÜELAS FÍSICAS EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO 13 4. Wesson DE, Willians JI, Spence LJ, et al. Functional outcome in pediatric trauma. J Trauma. 1989; 29: 589-92. 5. Rivara FP, Thompson RS, Thompson DC, et al. Injuries in children and adolescents: impact on physical health. Pediatrics. 1991; 88: 783-8. 6. Wesson DE, Scorpio RJ, Spence LJ. The physical, psychological, and socioeconomic costs of pediatric trauma. J Trauma. 1992; 33: 252-7. 7. Greenspan AI, MacKenzie EJ. Functional outcome after pediatric head injury. Pediatrics. 1994; 94: 425-32. 8. Andersson A-L, Dahlback L-O, Allebeck P. Psychosocial consequenses of traffic accidents: a two-year follow-up. Scand J Soc Med. 1994; 22: 299-302. 9. Sluis CK van der, Kingma J, Eisma WH, et al. Pediatric polytrauma: short-term and long-term outcomes. J Trauma. 1997;43:501-6. 10. Association for the Advancement of Automotive Medicine. The Abbreviated Injury Scale. 1990, Revision. Update 98. 11. Brasil (Ministério da Justiça), Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN). Anuários estatísticos de 1999 a 2004. Acesso em: abr. 2007. Disponível em: <www.denatran.gov.br>. 12. Johnson RM, McCarthy MC, Miller SF, et al. Craniofacial trauma in injured motorcyclists: the impact of helmet usage. J Trauma. 1995; 38: 876-8. 13. Rowland J, Rivara F, Salzberg P, et al. Motorcycle helmet use and injury outcome and hospitalization costs from crashes in Washington State. Am J Public Health. 1996; 86: 41-5. 14. Mao Y, Zhang J, Robbins G,et al. Factors affecting the severity of motor vehicle traffic crashes involving young drivers in Ontario. Injury Prev. 1997; 3: 183-9. 15. Scheidler MG, Shultz BL, Schall L, et al. Risk factors and predictors of mortality in children after ejection from motor vehicle crashes. J Trauma. 2000; 49: 864-8. 16. Runyan CW, Gerken EA. Epidemiology and prevention of adolescent injury: a review and research agenda. JAMA. 1989; 262: 2273-9. 17. Spain DA, Boaz PW, Davidson DJ, et al. Risk-taking behaviors among adolescent trauma patients. J Trauma. 1997; 43: 423-6.6. Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 14 ARTIGO ORIGINAL Karine E. P. de Souza1 Maria Conceição Oliveira Costa2 Rosely C. Carvalho3 Nilma L. A. Cruz4 Maternidade na adolescência e nascidos vivos: análise temporal (2000 a 2004) segundo o SINASC de um município do Nordeste do Brasil Maternity in adolescence and respective liveborn infants: temporal analysis (2000 to 2004) according to SINASC of a municipality of Northeastern Brazil RESUMO Objetivo: Analisar associações entre baixo peso de nascimento e variáveis de mães adolescentes segundo o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) de Feira de Santana, BA, no qüinqüênio 2000 a 2004. Método: Estudo epidemiológico de caráter temporal, utilizando análises univariada, bivariada e multivariada. A regressão logística foi realizada para controlar fatores de confusão (pré-natal e idade gestacional) e associar faixa etária materna a peso de nascimento. Resultados: Os recém-nascidos (RNs) de adolescentes totalizaram 9.963, 21% dos nascidos vivos no município nesse período, Prematuridade e baixo peso foram mais freqüentes na faixa de 10 a 16 anos com menos de sete consultas de pré-natal. Foi observada associação positiva e estatisticamente significante entre baixo peso e faixa etária materna. Na análise de regressão logística, para verificar tal associação, houve interação estatística da co-variável tipo de parto, enquanto as co-variáveis idade gestacional e número de consultas pré-natais foram confundidoras. Conclusões: Ao longo do qüinqüênio, 21% dos nascidos vivos do município são filhos de adolescentes, a regressão logística apontou associação positiva entre baixo peso com pré-natal insuficiente e faixa etária materna, e os prematuros e de baixo peso foram mais freqüentes entre mães da faixa 10 a 16 anos, em comparação com as de 17 a 19 anos, nas mesmas condições de vida. UNITERMOS Adolescência; maternidade; nascidos vivos; SINASC ABSTRACT Objective: To analyze associations between low weight of birth, age and other variables of adolescent mothers, according to data of liveborn infants National System (SINASC) of Feira de Santana, Bahia, in the period of 2000 to 2004. Method: Epidemiologic study of temporal character, carried through with data of SINASC. The data had been processed using unvaried and multivariate analyses to evaluate associations between mother’s variables and gestational results. The analysis of logistic regression was carried through to control factors of confusion (prenatal and gestational age) and to associate mother’s age and weight of birth. Results: The liveborn infants of adolescents totalized 9,963, 21% of newborns in the city, in this period; the premature and the low weight had been more frequent between those 10 to 16 years old and less than seven consultations of prenatal care; positive and statisticaly significant association was observed between low weight of newborn and mother’s age. In the analysis of logistic regression, to evaluate such association there was statisticals interaction of co-variable type of childbirth, while co-variables gestational age and prenatal number of consultations were the confouding factor. Conclusions: During the period of the study, maternity in adolescence was responsible for 21% of the liveborns of the city; the premature and low weight of birth were more frequent between mothers 10 to 16 years old compared with the ones 17 to 19 years, in the same conditions of life. KEY WORDS Adolescence; maternity; liveborn infants; SINASC 1. Mestra em Saúde Coletiva; pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas na Infância e Adolescência da Universidade Estadual de Feira de Santana (NNEPA/UEFS). 2. Professora titular; doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) do NNEPA/UEFS. 3. Professora adjunta da UEFS; doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP); pesquisadora do PPGSC/NNEPA/UEFS. 4. Médica; professora assistente da UEFS; mestra em Saúde Coletiva; pesquisadora do NNEPA/UEFS. Pesquisa apoiada pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde Souza et al. MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL INTRODUÇÃO No Brasil, nas últimas décadas, verificou-se redução na taxa de fecundidade total de 6,2 para 2,2 filhos, que se mantém elevada na faixa adolescente, em especial nas regiões pobres do país(3). No município de Feira de Santana, no período de 1970 a 1980, foram verificadas duas tendências de fecundidade: moderada diminuição (5,6 para 5,2 filhos) e subseqüente redução de 3,2 filhos por mulher, sendo que na faixa adolescente não tem sido observada redução dessas taxas(4). Em 2000, no grupo das adolescentes de 15 a 19 anos, foram verificados 7,2 filhos em comparação com a população feminina fértil dessa faixa, índice que significa uma proporção 225% superior à taxa de fecundidade geral. Isso indica que a maternidade na adolescência antecipa o ciclo esperado da reprodução humana, contribuindo, portanto, para o aumento da prevalência de morbimortalidade materna e complicações peri e neonatais. A gravidez na adolescência como problema social e de saúde pública não se restringe às implicações biológicas e de saúde materna e fetal, mas, sobretudo, significa a perpetuação do ciclo de pobreza, o aumento do número de famílias monoparentais e de proles numerosas e não-planejadas, a esterilização feminina precoce, a baixa escolaridade, o abandono escolar pré ou pós-gestacional, a precária inserção no mercado de trabalho, a baixa renda e a exposição à vulnerabilidade social(1). A rede de eventos sociais, familiares e pessoais subseqüentes à gravidez não-planejada constitui um desafio social cuja atenção aos aspectos preventivos e de intervenção ultrapassa os limites dos serviços de saúde. O planejamento e a implementação de ações requerem considerar fatores culturais, psicossociais, interpessoais e econômicos como determinantes que envolvem a gravidez na adolescência(12). A magnitude dos registros de nascidos vivos e a situação de saúde materno-infantil na adolescência ganham visibilidade a partir dos sistemas nacionais de registros, em especial o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), implantado em 1990, que tem como instrumento a Declaração de Nascido Vivo (DN), que contém daAdolescência & Saúde 15 dos sociodemográficos das mães, além de variáveis relacionadas com gestação, parto e condições de nascidos vivos, informações importantes e necessárias para subsidiar tanto a elaboração de indicadores de saúde como políticas públicas voltadas a gravidez e maternidade precoces. Este estudo tem como objetivo analisar associações entre o baixo peso de nascimento, a faixa etária e outras variáveis de mães adolescentes, segundo dados do SINASC de Feira de Santana, BA, no período de 2000 a 2004. MÉTODO Estudo epidemiológico, de corte transversal, realizado em Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia, com população de 500 mil habitantes(13). Foram utilizados dados de uma série histórica do SINASC, com o total de registros de recémnascidos (RNs) de adolescentes (10 a 19 anos) no qüinqüênio de 2000 a 2004. A população de mães foi subdividida por faixa etária (10-14 anos, 15-16 anos e 17-19 anos)(16) e os dados foram coletados das DNs disponibilizadas pela 3a Diretoria Regional de Saúde (DIRES). As variáveis foram sociodemográficas (faixa etária materna, estado civil, nível de escolaridade), gestação e parto (número de consultas pré-natais, tipo de parto), RN (índice de Apgar, peso de nascimento e idade gestacional). Para a análise multivariada utilizou-se a regressão logística, expressando-se os resultados em termos da razão de chances (RC). Dessa forma, obteve-se a força da associação entre as variáveis causa (faixa etária materna) e efeito (peso ao nascer), ajustada para os fatores de confusão (realização de pré-natal e idade gestacional) mantidos no modelo. Foram estabelecidos dois modelos: o primeiro, em que foram avaliados os RNs com peso insuficiente, e o segundo, no qual foram incluídos os RNs com peso adequado, comparando-os com os nascidos vivos de baixo peso ao nascer. Na análise de regressão logística múltipla foram utilizados os critérios de importância científica para faixa etária materna e de significância estatística, adotando-se um valor de p ≤ 0,2 para as demais volume 5 nº 1 março 2008 16 MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL variáveis no modelo, por meio do teste de Wald e da razão de verossimilhança. A interação estatística foi avaliada pela introdução dos termos-produtos, utilizando-se os testes de Wald e a razão de verossimilhança. O confundimento foi avaliado a partir da variação provocada na associação principal pelas co-variáveis inseridas no modelo por meio da comparação do modelo completo com o sem confundidores. O diagnóstico do modelo foi realizado pelo teste da bondade do ajuste do modelo, com base na análise dos resíduos, por meio do teste de Hosmer e Lemeshow. Posteriormente foi avaliada a capacidade de discriminação do modelo por meio da área abaixo da curva receive operator caracteristic (ROC). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e obteve aprovação sob o protocolo no 025/2005. RESULTADOS No período de 2000 a 2004, em Feira de Santana, foram totalizados 9.963 nascidos vivos de adolescentes, representando 21% dos registros no SINASC do município. Desse total, 7.341 (73,7%) eram filhos de mães de 17 a 19 anos; 6.290 (63,1%) o eram de mães solteiras; 3.517 (35,3%) daquelas que possuíam de quatro a sete anos de estudo concluídos; 3.165 (31,8%) de mães com quatro a seis consultas de pré-natal; 7.764 (78%) dos partos foram realizados por via vaginal; 8.178 (82,1%) RNs nasceram a termo; 982 (9,9%) apresentaram baixo peso e 3.114 (31,3%), peso insuficiente (dados não apresentados em tabelas). De acordo com a Tabela 1, no período entre 2000 e 2004, as proporções de RN de mães da faixa de 17 a 19 anos reduziram-se em 5,3%, sendo responsáveis por mais de 70% do total, e o grupo de 15 e 16 anos, cerca de 22%. O percentual de mães sem escolaridade reduziu-se de 63 (3%), em 2000, para 7 (0,4%), em 2004; as mães com oito a 11 anos de estudo representaram cerca de 20%, e aquelas com 12 ou mais anos de estudo, em torno de 3%, muito embora a ausência de registro tenha ficado em torno de 19% em 2000, elevando-se volume 5 nº 1 março 2008 Souza et al. para 33% nos anos subseqüentes. As solteiras representaram 60%, aumentando para mais de 70% no decorrer do tempo estudado. A maior parte das adolescentes realizou prénatal de forma insuficiente (≤ sete consultas), e em torno de 40% fizeram quatro a seis consultas (Tabela 2). Ao longo do período, foi verificado aumento de 27% das proporções de sete ou mais consultas, em 2000, para cerca de 39% em 2004. No período, houve discreta redução no percentual da abstenção ao pré-natal: de 192 (9,2%), em 2000, para 81 (4,2%) em 2004. Apesar desses índices, ressalta-se que a maioria das adolescentes (55,4%) realizou menos de sete consultas no qüinqüênio estudado, e o percentual de DN com ausência desses dados manteve-se elevado ao longo do tempo, variando de 16,9% a 25,7%. Ainda em relação à Tabela 2, verificou-se que, em todos os grupos etários maternos, a maior parte dos RNs era a termo e o percentual de DN sem registro variou de 9,9% (207), em 2000, para 5,9% (113), em 2004, totalizando 783 casos. A prematuridade variou de 12,2%, em 2000, para 7,3% em 2004, sendo que, no período de 2001 a 2003, esteve em torno de 5%. Com relação ao peso do RN, as proporções de peso adequado (> 3.000 g) foram superiores a 50%; o peso insuficiente (2.501 g-3.000 g), em torno de 30%; o baixo peso (1.500 g-2.500g), em torno de 10%; e de muito baixo peso (< 1.500g), entre 1% e 2% no período. O índice de Apgar mostrou redução do escore inferior a 7, com melhora dos índices no quinto minuto, embora a ausência desse registro tenha comprometido a análise (dados não apresentados em tabelas). No geral, as maiores proporções de RNs com peso abaixo de 2.500 g e entre 2.501 g e 3.000 g foram observadas no grupo de 10 a 14 e de 15 a 16 anos, no período estudado (Tabela 3). Na faixa de 10 a 14, as proporções do peso de 1.500 a 2.500 g totalizaram 14,6%, com aumento, no período, de cerca de 9%, em 2000, para 20% em 2004, em comparação com as outras idades, 12,4% e 9,4%, respectivamente. Na faixa de 15 a 16 anos, as proporções de baixo peso mantiveram-se entre 11% e 13% (Tabela 3). Esses resultados mostraram diAdolescência & Saúde Souza et al. 17 MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL Tabela 1 DISTRIBUIÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS DE MÃES ADOLESCENTES POR ANO DE REGISTRO DO NASCIDO VIVO (FEIRA DE SANTANA, BA, 2000-2004) Período 2000 2001 2002 2003 2004 Total n % n % n % n % n % n % 70 13,3 79 13,7 70 13,7 71 13,7 78 4 368 13,7 15-16 442 21,1 471 22,5 434 22,7 440 22,7 467 24,3 2.254 22,6 17-19 1.581 75,6 1.546 73,8 1.407 73,6 1.428 73,6 1.379 71,7 7.341 73,7 Total 2.093 100 2.096 100 1.911 100 1.939 100 1.924 100 9.963 100 Faixa etária materna 10-14 Anos de estudo concluídos Nenhum 63 3 33 1,6 23 1,2 11 0,6 7 0,4 137 1,4 1a3 317 15,2 192 19,2 162 18,5 139 17,2 148 17,7 958 19,6 4a7 886 42,3 739 35,2 637 33,3 615 31,7 640 33,2 3.517 35,3 8 a 11 386 18,4 408 19,5 403 21,1 462 23,8 410 21,3 2.069 20,8 ≥ 12 52 12,5 68 13,2 66 13,5 76 13,9 67 13,5 329 13,3 Ignorado 389 18,6 656 31,3 620 32,4 636 32,8 652 33,9 2.953 29,6 2.093 100 2.096 100 1.911 100 1.939 100 1.924 100 9.963 100 Solteira 1.296 61,9 1.211 57,8 1.084 56,7 1.303 67,2 1.396 72,5 6.290 63,1 Casada 431 20,6 352 16,8 284 14,9 304 15,7 288 15 1.659 16,7 União consensual 208 19,9 319 15,2 334 17,5 87 14,5 – – 948 19,5 Total Estado civil Outros Ignorado Total 6 10,3 13 10,6 3 10,1 5 10,2 4 10,2 31 10,3 152 17,3 201 19,6 206 10,8 240 12,4 236 12,3 1.035 10,4 2.093 100 2.096 100 1.911 100 1.939 100 1.924 100 9.963 100 ferenças significantes em comparação com os RNs das mães de 17 a 19 anos. Na análise de regressão logística foi verificada associação entre faixa etária materna e baixo peso ao nascer nos dois modelos estudados, mesmo após ajustamento pelas variáveis confundidoras (Tabela 4). No modelo 1 (peso insuficiente), a regressão logística múltipla revelou que RNs de mães de 10 a 16 anos apresentaram RC 1,38 vez maior de apresentar baixo peso, em comparação com RNs de mães da faixa de 17 a 19 anos, ajustados pelos confundidores idade gestacional e número de consultas pré-natais. A interação estatística observada entre o tipo de parto e a associação principal demonstrou que RNs de parto cesáreo, de mães Adolescência & Saúde de 10 a 16 anos, apresentaram chance 3,36 vezes maior de baixo peso em comparação com RNs de mães de 17 a 19 anos que nasceram de parto normal. No modelo 2 (peso adequado), a regressão logística múltipla demonstrou que RNs de mães de 10 a 16 anos demonstraram chance 1,66 vez maior de apresentar baixo peso em comparação com RNs de mães da faixa de 17 a 19 anos, ajustados pelos confundidores idade gestacional e consultas prénatais. A interação estatística observada entre tipo de parto e associação principal demonstrou que os RNs de parto cesáreo de mães de 10 a 16 anos apresentaram chance 3,36 vezes maior de baixo peso em comparação com RNs de mães de 17 a 19 anos nascidos de parto normal. volume 5 nº 1 março 2008 18 MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL Souza et al. Tabela 2 DISTRIBUIÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS RELACIONADAS COM A GESTAÇÃO E O PARTO DE MÃES ADOLESCENTES POR ANO DE REGISTRO DO NASCIDO VIVO (FEIRA DE SANTANA, BA, 2000-2004) Período 2000 2001 n % 2002 n % 2003 n % 2004 n Total n % % n % < 37 semanas 256 12,2 114 5,4 96 5 117 6 140 7,3 723 7,2 37-41 semanas 1.515 72,4 1.764 84,2 1.558 81,6 1.694 87,4 1.647 85,6 8.178 82,1 ≥ 42 semanas 115 15,5 52 12,5 73 13,8 15 10,8 24 11,2 279 12,8 Ignorada 207 19,9 166 17,9 184 19,6 113 15,8 113 15,9 783 17,9 2.093 100 2.096 100 1.911 100 1.939 100 1.924 100 9.963 100 Nenhuma 192 19,2 173 18,3 117 16,1 93 14,8 81 14,2 656 16,6 1a3 201 19,6 148 17,1 122 16,4 100 15,2 130 16,8 701 7 4a6 771 36,8 724 34,5 584 30,6 491 25,3 595 30,9 3.165 31,8 ≥7 575 27,5 596 28,4 652 34,1 756 39 747 38,8 3.326 33,4 Ignorado 354 16,9 455 21,7 436 22,8 499 25,7 371 19,3 2.115 21,2 2.093 100 2.096 100 1.911 100 1.939 100 1.924 100 9.963 100 < 1.500 20 10,9 21 1 18 10,9 23 11,2 34 11,8 116 11,2 1.500-2.500 195 19,3 185 18,8 195 10,2 217 11,2 190 19,9 982 19,9 2.501-3.000 600 28,7 679 32,4 600 31,4 612 31,5 623 32,4 3.114 31,2 > 3.000 1.195 57,1 1.159 55,3 984 51,5 1.012 52,2 1.031 53,5 5.381 54 Ignorado 83 4 52 12,5 114 6 75 13,9 46 12,4 370 13,7 2.093 100 2.096 100 1.911 100 1.939 100 1.924 100 9.963 100 Idade gestacional Total Número de consultas pré-natais Total Peso (g) ao nascer Total DISCUSSÃO Em nível nacional, os sistemas de informação de mortalidade e nascidos vivos foram implantados há mais de uma década. Entretanto, nas diferentes regiões e municípios, a operacionalização apresenta dificuldades relacionadas com a universalização na captação das informações e a qualidade dos dados, em particular nas regiões Norte e Nordeste. Em Feira de Santana, o SINASC foi implantado em 1996 e tem contribuído na realização de pesquisas, na elaboração de indicadores locais e regionais, na implementação de políticas e programas voltados à saúde materno-infantil. Entretanto estudos apontam dificuldades operavolume 5 nº 1 março 2008 cionais nesse sistema, como baixa captação e irregularidade nos registros das DNs(4, 6, 8). Na presente pesquisa foi utilizado o SINASC, vislumbrando conhecer a realidade local, ao longo de um período, e visando contribuir com novos estudos para a melhoria da qualidade de captação e registro, assim como para a implementação de políticas setoriais voltadas à realidade do município e da região do semi-árido. No que diz respeito à saúde materno-infantil na adolescência, dados do Ministério da Saúde (MS) apontam proporções de nascidos vivos de adolescentes de 23,4% em 2000 e 21,9% em 2004(2), concordando com dados do SINASC de Feira de Santana de 1998 (21,6%)(8). Na presente Adolescência & Saúde Souza et al. MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL 19 Tabela 3 DISTRIBUIÇÃO DO PESO AO NASCER DOS NASCIDOS VIVOS DE ADOLESCENTES POR FAIXA ETÁRIA MATERNA E ANO DE REGISTRO DO NASCIDO VIVO (FEIRA DE SANTANA, BA, 2000-2004) Faixa etária /período Peso (g) ao nascer < 1.500 1.500-2.500 2.501-3.000 > 3.000 Total n % n % n % n % n 1 1,5 6 9 24 35,8 36 53,7 67 10-14 2000 2001 – – 11 14,1 25 32,1 42 53,8 78 2002 1 1,5 7 10,4 29 43,3 30 44,8 67 2003 1 1,4 13 18,8 22 32 33 47,8 69 2004 2 2,6 15 19,7 25 32,9 34 44,7 76 Total 5 1,4 52 14,6 125 35 175 49 357 2000 8 1,9 56 13 129 30,1 236 55 429 2001 5 1,1 54 11,7 175 37,9 228 49,3 462 2002 2 0,5 49 12 145 35,4 213 52,1 409 2003 6 1,4 48 11,5 150 36 213 51,1 417 2004 13 2,9 61 13,6 152 33,9 223 49,7 449 Total 34 1,6 268 12,4 751 34,7 1.113 51,3 2.166 2000 11 0,7 133 18,8 447 29,5 923 61 1.514 2001 16 1,1 120 8 479 31,8 889 59,1 1.504 2002 15 1,1 139 10,6 426 32,2 741 56,1 1.321 2003 16 1,2 156 11,3 440 31,9 766 55,6 1.378 2004 19 1,4 114 18,4 446 33 774 57,2 1.353 Total 77 1,1 662 19,4 2.238 31,6 4.093 57,9 7.070 15-16 17-19 Para cálculo do valor de p foram agrupadas as categorias de peso < 1.500g e 1.500-2.500g. Tabela 4 ANÁLISE DE REGRESSÃO LOGÍSTICA DA ASSOCIAÇÃO ENTRE FAIXA ETÁRIA MATERNA E BAIXO PESO DE NASCIMENTO (CATEGORIAS DE REFERÊNCIA 17-19 ANOS, PESO INSUFICIENTE E PESO ADEQUADO) (FEIRA DE SANTANA, BA, 2000-2004) Co-variável Modelo 1 (peso insuficiente) β RC Modelo 2 (peso adequado) β Valor de p RC Valor de p Constante -1,784 0,168 0 -2,523 0,08 0 Faixa etária materna 0,325 1,384 0,002 0,508 1,662 0 Idade gestacional 2,307 10,048 0 2,881 17,816 0 Pré-natal 0,137 1,147 0,161 0,373 1,453 0 Tipo de parto 0,311 1,351 0,037 -0,003 0,996 0,98 Faixa etária e tipo de parto -0,457 0,633 0,098 -0,354 0,702 0,175 RC: razão de chance. Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 20 MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL pesquisa, com série temporal de cinco anos (20002004), os dados ratificam esses estudos e apontam a importante participação das adolescentes nos índices de nascidos vivos, sugerindo a necessidade de implementação e reformulação de políticas locais e regionais voltadas à saúde materno-infantil. De modo geral, pesquisas indicam que a maioria absoluta das mães adolescentes é solteira, principalmente nas faixas mais precoces(18, 19). Ribeiro et al.(18), comparando duas coortes de mães adolescentes em Ribeirão Preto, SP, observaram que o percentual de mães sem companheiro nos grupos de 13 a 17 anos e 18 a 19 anos foi maior em 1994, em comparação com 1978-1979. No presente estudo, os elevados percentuais de solteiras verificados em 2004 podem ter sido decorrentes da mudança da categorização da DN, que excluiu a categoria “união consensual”, considerando solteirismo a convivência marital. Essa mudança prejudicou a análise do estado civil com o resultado gestacional do nascido vivo. Segundo dados do presente estudo, no período 2000 a 2004 foram observados redução percentual de adolescentes sem escolaridade e aumento na proporção de 8 a 11 anos e 12 ou mais anos concluídos. Pesquisadores apontam que, embora adolescentes apresentem posição desfavorável quanto à instrução, o grupo de 17 a 19 anos têm situação favorável em comparação com mães muito jovens(5). No que diz respeito aos aspectos da gestação, o pré-natal é reconhecido como um dos principais determinantes da evolução gestacional normal. Segundo o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM/MS), o pré-natal deve garantir o mínimo de seis consultas, ressaltando início precoce, acompanhamento das curvas de peso, altura uterina e avaliação de parâmetros vitais(2, 11, 17). Os resultados dessa pesquisa concordam com os estudos que verificaram alta proporção de ausência ao pré-natal entre adolescentes(9, 11). É importante ressaltar que o percentual de DN sem registro dessa variável manteve-se elevado em todo o período, concordando com estudo sobre o SINASC de 1998, em Feira de Santana, onde 29,6% das adolescentes realizaram pré-natal insuficiente, com percentual de DN sem registro de 25,2%(6). Gama(10), estudando volume 5 nº 1 março 2008 Souza et al. resultados perinatais da gravidez na adolescência (RJ), apontou que assistência pré-natal insuficiente aparece como a principal associação estatística com desfechos negativos do nascimento. No que diz respeito aos nascidos vivos, na presente pesquisa, os RNs a termo (37-41 semanas) foram mais freqüentes em todas as faixas etárias maternas, com proporções diferenciadas. Na faixa de 17 a 19 anos houve redução de RNs prematuros entre 2000 e 2001 e no restante do período. Estudos indicam maiores proporções de prematuridade entre adolescentes e mulheres com mais de 40 anos(5, 10). Alguns estudiosos relatam que RNs de adolescentes apresentam características antropométricas semelhantes aos de mulheres adultas nas mesmas condições de vida. Entretanto os filhos do grupo mais jovem tendem a apresentar maior proporção de peso insuficiente, baixo peso e muito baixo peso em relação ao adequado. Esse resultado pode estar relacionado com fatores como baixo peso materno anterior, pouco ganho na gestação, intercorrências clínicas, pré-natal insuficiente, todos associados a fatores psicossociais, relações familiares e com o parceiro, os quais interferem nos cuidados da gestante com a saúde(5, 7). Outro grupo de estudiosos afirma que resultados gestacionais podem estar relacionados com imaturidade endócrina (idade ginecológica, órgãos da reprodução), crescimento incompleto, composição corporal (verificada na faixa ≤ 15 anos), fatores que podem interferir na transferência de nutrientes para o feto pela insuficiência uteroplacentária(9, 10, 15). O SINASC de 1998, em Feira de Santana, mostrou peso adequado em 55,8% dos RNs e maior prevalência de baixo peso entre nascidos de adolescentes(6). No presente estudo, entre 2000 a 2004, foi observada associação positiva e estatisticamente significante entre baixo peso e faixa etária materna nos grupos de nascidos vivos com peso insuficiente e peso adequado, concordando com estudos realizados no mesmo município. Kilsztajn et al.(14), estudando assistência pré-natal, baixo peso e prematuridade, observaram que mães com menos de 20 anos devem ser consideradas de risco para baixo peso ao nascer. Adolescência & Saúde Souza et al. MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL CONCLUSÕES PARA O PERÍODO ESTUDADO (2000- 2004) Verificou-se alta freqüência de partos e nascidos vivos entre adolescentes (21%), mantendo as proporções do SINASC de 1998. Houve também elevada proporção de falta de registro nos itens da DN (estado civil, escolaridade, consulta prénatal, índice de Apgar), o que dificultou a análise desses dados. A maior parte das mães adolescentes era solteira e realizou o pré-natal de forma insuficiente (≤ seis consultas), apesar da redução das proporções daquelas que não freqüentaram o pré-natal. O peso adequado dos RNs foi superior a 50% (3.000 g); os de baixo peso (1.500 g-2.500g) representaram 9% a 10%. Os modelos de regressão logística ajustados a partir da avaliação da bondade do ajuste e da curva ROC apontaram: associação entre baixo peso ao nascer e faixa etária materna, mesmo após ajuste pelos confundidores (idade gestacional e consultas de pré-natal); confirmação, pela regressão logística múltipla, da presença de interação estatística entre a co-variável tipo de parto e a associação principal (faixa etária materna e baixo peso ao nascer); idade gestacional e consultas de pré-natal como confundidoras da associação entre baixo peso ao nascer e faixa etária materna nos dois modelos estudados. 1 1 0,75 0,75 0,5 0,5 0,25 0 0 0,25 0,5 0,75 1 1 - Especificidade Modelo 1 (peso insuficiente) – área 0,663 Sensibilidade Sensibilidade O índice de Apgar constitui importante indicador da assistência perinatal e das condições clínicas do RN. Entretanto o elevado percentual de dados ignorados para essa variável comprometeu a análise dos resultados, advertindo quanto à necessidade de sensibilização dos profissionais de saúde nas maternidades para o preenchimento adequado da DN, importante estratégia para a elaboração de indicadores, assim como quanto ao planejamento e à execução de políticas e ações voltadas à assistência na sala de parto e à redução da mortalidade perinatal, principal causa de mortalidade infantil em nosso meio. Na análise de regressão logística múltipla foi confirmada a presença de interação entre a co-variável tipo de parto e a associação principal (faixa etária materna e baixo peso ao nascer), todavia as co-variáveis idade gestacional e consultas de prénatal foram confundidoras da associação principal nos dois modelos de análise. Esses resultados concordam com estudo de Costa et al.(6) com o SINASC, em que foi verificada associação significante entre faixa etária materna e baixo peso, com proporções de baixo peso superiores entre RNs de mães de 10 a 16 anos e tendo como variáveis confundidoras escolaridade, pré-natal e idade gestacional. Simões et al.(20), em São Luís, MA, encontraram associação entre faixa etária materna (adolescentes mais jovens) e baixo peso, comparando adolescentes com mulheres de 25 a 29 anos. 21 0,25 0 0 0,25 0,5 0,75 1 1 - Especificidade Modelo 2 (peso adequado) – área 0,661 Figura 1 – Curva ROC dos modelos 1 e 2 Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 22 MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA E NASCIDOS VIVOS: ANÁLISE TEMPORAL (2000 A 2004) SEGUNDO O SINASC DE UM MUNICÍPIO DO NORDESTE DO BRASIL Souza et al. REFERÊNCIAS 1. Brandão ER. Gravidez na adolescência: um balanço bibliográfico. In: Heilborn ML, Aquino EML, Bozon M, Knauth DR. (orgs.). O aprendizado da sexualidade. 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Rev Saúde Pública. 2003; 37: 559-65. volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde ARTIGO ORIGINAL Nádia Ferreira Rivera Alves 23 Relação entre a ginecomastia puberal e o índice de massa corporal Relationship between pubertal gynaecomastia and body mass index RESUMO Objetivo: Avaliar a associação entre a ginecomastia puberal e o índice de massa corporal (IMC) por idade. Métodos: Realizou-se um estudo transversal no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) no Rio de janeiro, entre 2003 e 2006, envolvendo 143 adolescentes recrutados na unidade ambulatorial de adolescentes do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA). A amostra final de 109 casos foi selecionada, com pacientes na faixa etária de 11 a 19 anos, após história médica detalhada e exame físico completo, demonstrando ginecomastia puberal. Foram excluídos pacientes em uso de medicamentos, drogas ilícitas ou com hipogonadismo. Como dados antropométricos utilizaram-se peso, altura, diâmetro mamário horizontal e estágio de maturação sexual. A análise do IMC por idade foi baseada nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O estudo adotou os percentis 85 e 95 para caracterizar o sobrepeso e a obesidade. O nível de significância foi < 0,005. Resultados: A porcentagem de adolescentes com sobrepeso e obesidade foi de 50,4%. Os valores médios do diâmetro mamário aumentaram de 1,5 ± 1 cm a 4,86 ± 2,2 cm, com correlação estatisticamente significante para os percentis 5 a 95 do IMC por idade (Pearson = 0,59). Conclusão: O estudo confirmou a associação de ginecomastia puberal com IMCs mais altos e demonstrou diâmetros crescentes, conforme o aumento ponderal excessivo. UNITERMOS Adolescência; antropometria; ginecomastia; obesidade; imagem corporal ABSTRACT Objective: To evaluate the relationship between pubertal gynaecomastia and body mass index (BMI) for age. Methods: This was a crosssectional study carried out at Pedro Ernesto University Hospital (PEUH) in Rio de Janeiro city, since 2003 to 2006, enrolling 143 adolescents, recruited from the adolescent outpatient health unit (NESA). The final sample of 109 cases was selected, with ages between 11 and 19 years, after detailed medical history and complete physical exam demonstrating pubertal gynecomastia. Patients in use of any medication, illicit drugs, or with hypogonadism were excluded. Anthropometric measures of weight, height, mammary horizontal diameter and sexual maturation stage were documented. The analysis of the BMI for age was based on the recommendations from the World Health Organization (WHO). The 85th and 95th percentiles were used to assess overweight and obesity. The significance level was < 0.005. Results: The percentage of adolescents with overweight and obesity was 50.4%. The median mammary diameters increased from 1.5 ± 1 cm to 4.86 ± 2.2 cm, with statistically significant correlation to BMI for age 5th to 95th centiles (Pearson = 0.59). Conclusions: The study confirmed that pubertal gynaecomastia is associated with a high higher BMI, and demonstrated increasing diameters in accordance with excessive weight gain. KEY WORDS Adolescence; anthropometry; gynaecomastia; obesity; body image INTRODUÇÃO A ginecomastia puberal é definida como aumento visível da glândula mamária do homem no período de maturação sexual(3, 13). A proliferação tissular mamária subareolar é observada precocemente na puberdade cerca de seis meses após o início do aumento do volume testicular e do surgimento dos pêlos pubianos(5). A prevalência em adolescentes normais é de até 75%(16). O diagnóstico diferencial mais comum é com a lipomastia, na qual ocorre acúmulo de tecido adiposo palpável na região mamária Adolescência & Saúde sem haver disco de consistência elástica subareolar, correspondente às proliferações ductal e estromal presentes na ginecomastia(3, 5, 13, 14). Ambas as mamas são afetadas de forma seqüencial em 95% dos casos(13) e a duração habitual é de seis meses a dois anos(5, 16), acompanhando a fase do Médica especialista em Clínica Médica; mestranda em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Trabalho realizado no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/ HUPE/UERJ). volume 5 nº 1 março 2008 24 RELAÇÃO ENTRE A GINECOMASTIA PUBERAL E O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL estirão puberal. A involução é espontânea na maioria dos casos e o volume glandular costuma restringir-se ao perímetro areolar. Cerca de 4% dos adolescentes apresentam formas graves de ginecomastia puberal, com diâmetros horizontais de 4 cm (macromastia) ou > 5 cm (macroginecomastia). Nesses casos, apresentam mamas que se assemelham às femininas em estágios 3 e 4 de Tanner(6), porém não costuma haver regressão(5, 13). A fisiopatologia da ginecomastia puberal é de natureza multivariada, sujeita a influências de origens genética e ambiental. A explicação mais freqüente é a de que, no início da puberdade, a concentração sérica de estradiol (E2), que estimula o desenvolvimento mamário, triplica em relação aos níveis de E2 da criança. A testosterona (T), que antagoniza esse efeito, só alcançará níveis adultos – 30 vezes maiores que os níveis pré-puberais – ao final da puberdade(3, 5, 13, 14, 16). Outra explicação reconhecida é o papel da enzima aromatase, responsável pela biossíntese do E2, que, em situações nas quais encontra-se elevada, promoveria o estímulo para a ginecomastia(3, 7, 12, 13, 17) (Figura 1). Estados como obesidade, resistência insulínica e casos descritos de mutação afetando o gene da aromatase apresentam alta incidência de ginecomastia(8, 15, 18). 5 Estradiol Tecidos Periféricos Estrona 6 Testosterona 6 5 Androstenediona Testosterona Circulação Androstenediona Estrona Estradiol Colesterol 1 Tecidos secretores de esteróides Pregnenolona 2 Célula de Leydig Testículo Progesterona 3 17α-Hidroxiprogesterona 4 Androstenediona Adrenal 5 Testosterona 6 Estradiol Figura 1 – Fisiopatologia da ginecomastia puberal: origens glandular e periférica e metabolização de testosterona, androstenediona, estrona, e estradiol. Os números nos círculos denotam as enzimas responsáveis por cada passo: 1. citocromo P450scc, a enzima clivadora da cadeia lateral do colesterol; 2. 3β-hidroxiesteróide desidrogenase e ∆5,∆4-isomerase; 3. citocromo P450c17 (mediando 17α-hidroxilase); 4. citocromo P450c17 (mediando 17,20-liase); 5. 17-cetosteróide redutase; 6. aromatase. Fonte: Braunstein(3), autorizada a publicação. Traduzida e adaptada pela autora. volume 5 nº 1 março 2008 Alves Outro aspecto relevante da ginecomastia puberal, considerando-se o estágio precoce de desenvolvimento em que ela incide, é a repercussão na formação da imagem corporal e na busca pela identidade, tarefa central da adolescência(6). Diante da relevância dada ao papel da obesidade entre os fatores associados à ginecomastia puberal, este estudo objetivou analisar a influência desse estado nutricional no desenvolvimento do aumento mamário nos adolescentes da amostra selecionada. Uma abordagem sobre repercussões na imagem corporal é apresentada para reflexão. PACIENTES E MÉTODOS Realizou-se estudo descritivo e transversal de amostra de 109 casos de ginecomastia puberal, consecutivamente selecionados entre 143 adolescentes com idades entre 11 e 19 anos, atendidos no ambulatório do Serviço de Atenção Secundária do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/HUPE/UERJ), de outubro de 2003 a junho de 2006. A amostra foi composta por pacientes encaminhados para tratamento de ginecomastia por unidades de saúde do município do Rio de Janeiro e de outros municípios do estado, bem como por encaminhamento interno do NESA e de outros serviços do hospital. Qualquer massa palpável subareolar foi considerada para avaliação no estudo. O critério de inclusão adotado foi o diagnóstico clínico de ginecomastia puberal, feito pela mesma pesquisadora em todos os pacientes, considerando-se a história, o exame físico e a avaliação do estágio de maturação sexual pela inspeção e palpação da genitália segundo critérios de Tanner. Os critérios de exclusão foram uso de qualquer medicamento, de maconha (não houve casos de uso de outras drogas), suspeita de hipogonadismo, hepatopatia, nefropatia, doenças da tireóide, suspeita de síndrome de Cushing ou de Klinefelter e casos de lipomastia. Os pacientes selecionados apresentavam o diagnóstico de ginecomastia puberal. Todos os participantes eram estudantes, atendidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e não houve distinção de classe social. Avaliou-se a ginecomastia pela medida do Adolescência & Saúde Alves RELAÇÃO ENTRE A GINECOMASTIA PUBERAL E O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL diâmetro horizontal das mamas, estando o adolescente em posição supina, com as mãos trançadas atrás da cabeça e de frente para o examinador. A mão do examinador palpava a mama, fazendo deslizar os dedos em direção ao mamilo. O disco de tecido elástico, subareolar, não-aderido a planos profundos, era pinçado entre o polegar e o indicador, sendo tracionado suavemente e medido em seu diâmetro horizontal(2). Utilizou-se régua milimetrada e a leitura foi realizada com precisão de 0,5 cm. O diâmetro mamário foi estratificado em faixas de até 1,9 cm, de 2 a 3,9 cm e de 4 cm ou maiores. A lipomastia foi diagnosticada e excluída do estudo pela ausência de tecido mamário à palpação. Os dados antropométricos foram obtidos e analisados seguindo-se as recomendações do comitê da Organização Mundial da Saúde (OMS), usando-se como referência o National Health and Nutrition Examination Survey I (NHANES I)(12, 19) para classificar os percentis de índice de massa corporal (IMC) por idade para o sexo masculino – percentil 85 a < 95 para sobrepeso, e 95 ou > 95 para obesidade. Para confirmar o sobrepeso e a obesidade também foram utilizados os limites propostos por Cole et al.(7), aplicando-se a tabela de pontos de corte de IMC por idade para adolescentes do sexo masculino deste autor. A medida do peso corpóreo foi realizada numa balança digital eletrônica da marca Filizola em quilograma (kg), com os adolescentes descalços, despido de agasalhos, bonés e adereços. A estatura foi aferida em régua antropométrica vertical, estadiômetro Harpenden, estando os jovens em posição ereta, com os calcanhares próximos e a postura alinhada. A leitura foi realizada com a precisão de 0,1 cm. O IMC foi calculado como a razão da massa corporal (kg) pelo quadrado da estatura (m2). O percentil < 5 foi considerado anormal, magreza e/ou baixo IMC por idade, e, quando ≥ 85, foi considerado risco de sobrepeso. A obesidade foi confirmada pelo percentil > 85 no NHANES I e pelos pontos de corte de Cole para IMC por idade(7, 12, 19). A maturação sexual foi avaliada de acordo com os critérios de Tanner durante o exame físico(17). A duração da ginecomastia foi calculada por inquérito recordatório, mas a referência à mastalgia no início da ginecomastia contribuiu para maior precisão na coleta dessa informação. Os adolescentes responderam a um questionário sobre ginecomastia. Adolescência & Saúde 25 Para a análise estatística, utilizou-se o programa de computador SPSS (versão 11.0) para Windows. Os dados descritivos foram expressos como média ± desvio padrão (DP) ou como porcentagem. A correlação entre o percentil de IMC por idade e o diâmetro mamário foram calculados mediante o coeficiente r de Pearson (valor do r de Pearson). Todos os pacientes e seus responsáveis assinaram o consentimento informado para participação do estudo, o qual foi previamente aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do HUPE, seguindo as recomendações da Declaração de Helsinque de 1975, conforme revisão de 2000, para pesquisas com seres humanos. Este trabalho é parte de tese de mestrado do curso de pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/UERJ). RESULTADOS A média de idade dos adolescentes que participaram do estudo foi 15 ± 1,9 anos, variando de 11 a 19 anos. Em relação à maturação sexual, conforme os critérios de Tanner, encontrou-se maior número de casos nos estágios de desenvolvimento sexual 3 e 4 (Tabela 1). A avaliação do IMC relacionado à idade revelou 50% de prevalência de excesso de peso, sendo encontrados 19 adolescentes (17,4%) com percentil 85 e 36 (33%) com percentil 95, o que corresponde a sobrepeso e obesidade, tanto nas curvas da OMS/NHANES I como nos pontos de corte de Cole. A freqüência do baixo IMC por idade ou percentil < 5 foi de cinco casos (4,6%) (Tabela 2). A distribuição dos pacientes em relação ao diâmetro mamário revelou 25 adolescentes (23%) na faixa até 1,9 cm, 36 (33%) com diâmetros de 2 a 3,9 cm e 29 (27%) com mamas de 4 a 5,9 cm. Observamos ainda 19 (17%) com diâmetros de 6 cm ou maiores, semelhantes à mama feminina nos estágios 3 e 4 de Tanner. O diâmetro mamário médio foi de 3,7 ± 2,2 cm. A correlação entre o IMC por idade e a média do diâmetro mamário apresentou significância estatística (r de Pearson = 0,59) (Figura 2). Foi observada acantose nigricans no exame físico de 19 pacientes (17,4%), dos quais 18 apresentavam sobrepeso e obesidade. Em 10 desses casos os diâmetros mamários eram ≥ 4 cm. volume 5 nº 1 março 2008 26 RELAÇÃO ENTRE A GINECOMASTIA PUBERAL E O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL Tabela 1 ESTÁGIO DE MATURAÇÃO SEXUAL, NÚMERO DE PACIENTES, PERCENTUAL E MÉDIAS DE IDADE E DE DIÂMETRO MAMÁRIO DOS ADOLESCENTES ESTUDADOS Estágios de Tanner G (n e %) Pacientes Média de idade (anos) Diâmetro mamário médio (cm) 2 14 (11) 13 ± 1 2,8 ± 1,5 3 42 (38) 14,3 ± 1,5 3,8 ± 2,3 4 29 (28) 15,3 ± 1,4 3,3 ± 2,3 5 24 (23) 16,9 ± 1,8 4,1 ± 2 109 (100) 15 ±1,9 3,6 ± 2,2 Total Alves Quanto à duração da ginecomastia, a amostra teve 19 adolescentes (17,4%) com relato de até seis meses; 14 (12,8%) de seis meses a um ano; 17 (15,5%) de um a dois anos; e 13 casos (12%) de dois a quatro anos. Houve 33 pacientes (30%) que já apresentavam o quadro há mais de quatro anos. O questionário respondido pelos adolescentes revelou preocupação com a imagem corporal (Figura 3). O que você sente a respeito do aumento das mamas? Vergonha Tristeza Tabela 2 DISTRIBUIÇÃO DOS PACIENTES ESTUDADOS SEGUNDO OS PERCENTIS DO IMC POR IDADE n <5 5 4 5 9 8 15 13 12 50 27 25 85 19 17 95 36 33 40 20 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 DISCUSSÃO 60 6 8 diâmetro mamário 10 Figura 3 – Respostas à pergunta de número 7 do questionário: “O que você sente a respeito do aumento das mamas?” 80 4 6% 0 100 percentil de IMC/idade* 12% Frustração 120 12 Figura 2 – Correlação entre o diâmetro mamário médio e as curvas do percentil do IMC por idade IMC: índice de massa corporal. Cálculo utilizado: r de Pearson = 0,59. *Fonte: National Health and Nutrition Examination Survey I (NHANES I). volume 5 nº 1 março 2008 8% Outros % IMC: índice de massa corporal. *Fonte: National Health and Nutrition Examination Survey I (NHANES I). 2 2% Raiva Percentil do IMC por idade* 0 72% Os 109 pacientes selecionados no estudo apresentaram média de idade de 15 ± 1,9 anos, mais avançada do que a esperada, segundo Neinstein(13), que avalia em 19,6% os adolescentes de 10,5 anos apresentando ginecomastia, com máxima prevalência, de 64%, aos 14 anos, diminuindo progressivamente. O estudo revelou apenas 14 pacientes (11%) no estágio 2 de Tanner, considerado o de maior incidência de ginecomastia puberal, com 50% dos casos, conforme a literatura. O maior número de pacientes, 42 adolescentes (38%), encontrava-se no estágio 3 de Tanner, quando seria de 20% o percentual referido pela literatura para esse estágio. A média de idade no estágio 3 foi 14,3 ± 1,5 anos, sendo maior que o descrito pela OMS para G3 no Brasil, que é de 12,4 anos (Tabela 1)(11). A amostra em estudo registrou 53 adolescentes ou 48,6% dos casos nos estágios 4 e 5 de Tanner, enquanto os pesquisadores observaram giAdolescência & Saúde Alves RELAÇÃO ENTRE A GINECOMASTIA PUBERAL E O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL necomastia em 8% a 10%(2, 6) dos adolescentes nos estágios finais de maturação sexual. Apenas cinco pacientes (4,6%) encontravamse abaixo do percentil 5 para o IMC por idade, considerado como desnutrição, responsável pelo atraso do desenvolvimento puberal, e que pode ser recuperado pela realimentação. Nesses adolescentes desnutridos, a ginecomastia puberal costuma surgir na fase de realimentação e recuperação, sendo autolimitada(16, 17). O excesso de peso observado na Tabela 2 serve como alerta para o aumento da obesidade e suas repercussões sobre a saúde dos adolescentes(18). A ginecomastia pode ser considerada um risco relacionado à obesidade, que pode ocorrer durante o desenvolvimento da resistência insulínica em crianças nas quais o ganho excessivo de peso e o hiperinsulinismo precedem o quadro de diabetes resistente à insulina (tipo 2) por vários anos(9). A acantose nigricans observada em 19 adolescentes do estudo é considerada um marcador de resistência insulínica, encontrando-se associada à obesidade e a maiores diâmetros da ginecomastia, conforme visto em 18 dos 19 pacientes. Apesar de a amostra concentrar pacientes mais graves, como característica inerente a hos- 27 pitais universitários e de referência, o número relevante e a gravidade dos casos de ginecomastia puberal nos estágios finais de maturação sexual chamam a atenção. Tal resultado pode ser interpretado como conseqüência da resolução espontânea dos casos de menores diâmetros apresentados em estágios iniciais da maturação sexual, ou devido ao agravamento provocado pelo sobrepeso visto nessa amostra, ou, ainda, em função da decisão de se adiar o encaminhamento até maior maturação sexual. As respostas ao questionário colocam a ginecomastia como um risco ao desenvolvimento da imagem corporal e, conseqüentemente, da identidade, afetando a auto-imagem, a autoconfiança e a independência dos adolescentes(1). O perfil que um adolescente tem de si, ou seja, a percepção de si mesmo determina muitas de suas reações emocionais. O estudo revelou que a obesidade está associada a outros fatores, como um fator agravante e de cronicidade da ginecomastia puberal, e evidenciou a necessidade de o pediatra ou hebiatra estar atento durante o curso arrastado e desgastante da ginecomastia puberal de maiores diâmetros para oferecer escuta e apoio ao adolescente e sua família. NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE ATENÇÃO SECUNDÁRIA QUESTIONÁRIO 1- Você está satisfeito com seu corpo? ( ) muito satisfeito ( ) satisfeito ( ) insatisfeito ( ) muito insatisfeito 2- Seu corpo o impede de namorar? ( ) não ( ) muito pouco ( ) um pouco ( ) sim 3- Você deixa de fazer esporte ou aulas de educação física na escola por não gostar do seu corpo? ( ) não ( ) poucas vezes ( ) muitas vezes ( ) sempre 4- Você deixa de ir à praia ou piscina por causa da insatisfação com as mamas? ( ) nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) sim 5- Você fica sem camisa na presença de amigos? ( ) sim ( ) muitas vezes Adolescência & Saúde ( ) poucas vezes ( ) não volume 5 nº 1 março 2008 28 RELAÇÃO ENTRE A GINECOMASTIA PUBERAL E O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL Alves 6- Você fica sem camisa em casa, na presença de seus pais e irmãos? ( ) sim ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) não 7- O que você sente a respeito do aumento das mamas? ( ) vergonha ( ) raiva ( ) tristeza Quais? ( ) frustração ( ) outros 8- Se pudesse, qual parte do seu corpo mudaria? Por quê? 9- Você acha que alguém compreende seu problema corporal? Quem? ( ) minha família ( ) só meu pai ( ) algumas pessoas ( ) ninguém 10- Qual o recado que você gostaria de deixar para as pessoas que estão passando pelo mesmo problema que você? Av. 28 de Setembro, 109 – fundos – Pavilhão Floriano Stoffel – Vila Isabel – Cep: 20551-030 – Rio de Janeiro Tels: (021) 2587-6570 / 2587-6571 / Fax: 2264-2082 e-mail: [email protected] REFERÊNCIAS 1. Alves NFR. Ginecomastia puberal. Adolescência & Saúde. 2004; 1(2): 14-8. 2. 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Neste estudo foram entrevistados 140 adolescentes hospitalizados no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) e 152 responsáveis. Nas perguntas “o responsável sabia de algumas situações vividas pelo adolescente” e “o adolescente já havia vivenciado alguma delas”, para “tentar contra a própria vida” obteve-se um nível de correlação de 0,22. Com níveis mais significativos de concordância, correlação de 0,06, estava o “sentimento de tristeza”. Quanto à questão “as idéias do adolescente são consideradas”, houve discordância nas informações com um nível de correlação de 1,04. Os autores concluíram que há uma variação entre a percepção que o adolescente e seus responsáveis têm quanto a diversos aspectos da vida, bem como existem situações de divergência de valores e desconhecimento das necessidades entre os componentes da mesma família. UNITERMOS Adolescência; hospitalização; comunicação; família ABSTRACT The objective of this paper is to present a study about situations faced by adolescents and the knowledge by their sponsors. A cross/transversal study with hospitalized adolescents and their families was performed by using two questionnaires created from the indicators of adaptability and vulnerability while in crisis of the Pan American Health Organization (PAHO). One hundred forty adolescents admitted at the Center of Adolescent Health Care and one hundred fifty-two sponsors were interviewed. “The sponsor knew about some of the situations faced by the adolescent” – was taken as an answer to the questionnaire – and “the adolescent had already faced some of the situations” for “attempting against his own life” obtained a correlation level of 0.22. With more significant levels of agreement, correlation of 0.06, there it was a “sadness feeling”. In relation to the question “the adolescent´s ideas are taken into account” was a disagreement in the information with a level of correlation of 1.04. The authors concluded that there is a variation between the perception that the adolescent and their sponsors have about different aspects of life, as well as there are situations when their values differ and the needs of the family members are unknown by each other. KEY WORDS Adolescence; hospitalization; communication; family Professora adjunta da Faculdade de Ciências Médicas do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/NESA/UERJ); doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ). 2 Tecnologista da Coordenação de Saúde do Trabalhador da FIOCRUZ; mestra em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ. 3 Coordenador da Enfermaria Aloysio Amâncio da Silva do NESA; professor auxiliar da FCM/UERJ. 4 Recreadora da Enfermaria Aloysio Amâncio da Silva do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), NESA/UERJ. 5 Estudante da FCM/UERJ; bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). 6 Estudante da Faculdade de Enfermagem; bolsista PIBIC/UERJ. 7 Estudante da FCM; bolsista PIBIC da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). 1 Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 30 COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA INTRODUÇÃO A adolescência é a fase da vida marcada por intensas mudanças físicas, cognitivas e psicossociais, que impulsionam o sujeito para um período irrequieto de busca por novas sensações. Diante das situações que se apresentam os adolescentes muitas vezes omitem da família algumas atividades, problemas e preferências, aumentando assim sua vulnerabilidade. A família, por sua vez, quando consegue manter seus vínculos internos, é um núcleo cujos membros se situam numa estrutura, respeitando a hierarquia e evitando desarmonia. Até a adolescência a criança depende integralmente da família, porém, a partir dessa fase, a família é obrigada a redimensionar seu papel por meio de uma série de adaptações em sua dinâmica interna. Acontecem neste período a perda progressiva da autoridade dos pais e a crescente autonomia de seus filhos. Esse redimensionamento, aliado às diversas questões culturais, econômicas, sociais, religiosas e afetivas, pode criar nos pais uma grande dificuldade de comunicação com seus filhos e, conseqüentemente, a falta de oportunidade de conhecer suas atitudes e experiências de vida. Quando ocorre um incidente, como a internação de um filho(a) adolescente ou jovem, esperase que a estrutura familiar já comprometida pelas dificuldades do dia-a-dia venha a se desestruturar ainda mais e lançar mão de mecanismos variados de adaptação. Nesse sentido, foi criado o Projeto Cristal, com o propósito de estudar as repercussões da hospitalização na vida do adolescente e de seus responsáveis, bem como conhecer o grau de entendimento entre eles. A denominação do projeto foi escolhida pelo fato de o cristal ser uma pedra de alta resistência e porque, por mais que se o triture, sua estrutura interna permanece inalterada. Dessa forma, buscou-se simbolizar a fragilidade e ao mesmo tempo a beleza da resistência humana diante de adversidades da vida. Este artigo tem como objetivos apontar os resultados desse projeto em relação a algumas situações vivenciadas pelos adolescentes, assim como o grau de conhecimento sobre elas de seus responsáveis. volume 5 nº 1 março 2008 Ruzany et al. METODOLOGIA Trata-se de um estudo transversal com adolescentes hospitalizados no período de outubro de 2002 a março de 2004 na Enfermaria Aloysio Amâncio da Silva, do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/ HUPE/UERJ). A equipe de pesquisa era formada por médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, estudantes de iniciação científica e por uma recreadora. Para a coleta de dados foram utilizados dois questionários criados a partir dos indicadores de adaptabilidade e vulnerabilidade diante das crises, publicados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) em 1996. O instrumento completo abordava vários aspectos: • situação socioeconômica do adolescente e seu responsável, grau de escolaridade, ocupação e características da residência; • vulnerabilidade e adaptabilidade do adolescente e seu responsável perante a hospitalização, relações inter e intrafamiliares, forma de enfrentamento dos problemas, impacto da hospitalização, grau de satisfação com a vida e comportamento. O projeto de pesquisa e os questionários foram avaliados e aprovados pelo comitê de ética do HUPE/ UERJ. Para o treinamento da equipe de entrevistadores e o debate das situações ocorridas durante o desenvolvimento da pesquisa, estabeleceu-se uma rotina de reuniões periódicas. Um termo de consentimento livre e esclarecido foi fornecido, e assinado pelos pacientes e familiares que participaram do estudo. Somente os pacientes internados pela primeira vez no período do estudo foram convidados a participar. Quanto aos responsáveis, o convite para a entrevista ocorria independente da participação do adolescente, porém era realizado apenas uma vez. As situações de gravidade do quadro clínico e/ou impossibilidade de comunicação foram critérios de exclusão. Para a garantia da qualidade dos instrumentos, realizaram-se testes de validade e confiabilidade, com base no coeficiente de kappa, que mede Adolescência & Saúde Ruzany et al. os níveis de concordância entre respostas fornecidas duas vezes pelos mesmos entrevistados. Os dados foram armazenados e analisados estatisticamente nos softwares Epi-Info 2000 e SPSS 13.0. Na análise qualitativa das informações foram utilizadas tabelas de qualificação e categorização dos dados. RESULTADOS No período estudado a enfermaria, que conta com 20 leitos, recebeu 369 internações (278 pela primeira vez e 91 reinternações), 225 decorrentes de questões médicas e 144 cirúrgicas, com média de internação de 8,46 dias e taxa de ocupação de 80%. Além dos critérios de exclusão anteriormente descritos, alguns adolescentes e responsáveis não participaram devido à alta hospitalar na ausência de algum entrevistador disponível. Portanto, dos 278 adolescentes candidatos ao estudo, 140 participaram. Entre os responsáveis, 152 responsáveis foram entrevistados. Do público convidado, somente 5% se recusaram a participar da entrevista. Entre os adolescentes participantes, 56,3% eram do sexo masculino e 43,7% do feminino. No que se refere à faixa etária, 35,4% tinham entre 12 e 14 anos; 42,7% entre 15 e 17 anos; e 21,9%, entre 18 e 20 anos. Quanto à escolaridade, 60,4% tinham o ensino básico incompleto e 28,1% tinham o ensino fundamental incompleto. Entre os responsáveis, o questionário foi respondido pelas mães, em sua maioria (63,8%), seguido pelos pais (11,8%), tios e avós (17,4%) e outros com 10,5%. Quanto ao grau de instrução dos familiares, predominou a faixa de nível fundamental incompleto, com 55,7%. E em relação à ocupação dos pais, não havia uma profissão predominante, entretanto a maior parte das mães foi classificada como “do lar” (38,1%). COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA 31 54,2% responderam positivamente, 37,5% disseram que não haveria efeito algum e 8,3% não responderam. No tocante ao tipo de conseqüência, 44% não souberam especificar. Já em relação aos que responderam afirmativamente a esse quesito, houve predominância de preocupação com o atraso escolar, tendo em vista as limitações impostas pela doença e pela internação, além do isolamento e da estética. Embora 76% contassem com a mãe como acompanhante e 12% com a companhia do pai, quando inquiridos sobre seus sentimentos de isolamento social e afetivo durante a internação, 28,1% responderam positivamente. A variável isolamento afetivo durante a internação apresentou relação direta com a presença da família, com p < 1,5% (variância) e Q2 < 1,77 (χ² de Pearson), portanto o isolamento era menor à medida que a presença da família era maior. Essa mesma variável apresentou relação quanto à ausência da família e no que diz respeito ao sentimento de falta de pessoas. A variância foi p < 1,5 e χ² < 1,45 (χ² de Pearson), mostrando relação mais relevante que a anterior entre a ausência da família e o sentimento de falta de pessoas (a mais apontada foi família e amigos). Na questão que abordava a quem os adolescentes procuravam para enfrentar seus problemas, 65,6% referiram que eles mesmos resolviam, seguido de 47,5% que referiram recorrer aos parentes. Pessoas com problemas parecidos e programas comunitários foram procuradas por 12% dos entrevistados. As variáveis da questão a quem você recorre quando está com dificuldade e com que aspectos de sua vida você está satisfeito não apresentaram relação estatística significante, com nível de significância girando em torno de p > 2,33, rejeitando assim a hipótese. RESPOSTAS DOS FAMILIARES RESPOSTAS DOS ADOLESCENTES Ao serem questionados se achavam que haveria conseqüências da internação em suas vidas, Adolescência & Saúde No item que procura detectar redes de apoio da família, assim como os adolescentes, 73% dos responsáveis responderam que resolviam seus problemas sozinhos, 34% buscavam ajuda dos volume 5 nº 1 março 2008 32 COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA parentes, 27% dos amigos, 22% de profissionais, 13% pessoas que tinham um problema parecido e 8% programas da comunidade. Quanto à religião, 84% referiram que seguiam alguma religião. No entanto, não a identificavam prioritariamente como parte da rede de apoio, pois somente 36% buscavam apoio de religiosos. Em relação aos sentimentos dos adolescentes, 73% dos familiares perceberam que ultimamente esses estavam tristes ou nervosos e 7% relataram saber que eles haviam tentado suicídio. A resposta positiva à questão você acha que a doença está trazendo alguma conseqüência para a vida do adolescente apresentou relação estatisti- Ruzany et al. camente mais significativa com o sexo feminino (χ² de Pearson < 0,88). A mesma resposta positiva teve relação com a questão está havendo alguma dificuldade na família em relação à internação (χ² de Pearson < 1,27). A primeira questão apresentou relação com a resposta afirmativa da questão: tem se sentido triste ultimamente (χ² de Pearson < 1,79), contudo, como se observa, é menos significativa do que a resposta da primeira na relação com o sexo. No sentido de avaliar o grau de concordância entre as respostas dos questionários (do adolescente e do responsável), foram correlacionadas as respostas dos dois grupos (Tabela 1). Tabela 1 FREQÜÊNCIA E PERCENTUAL DE RESPOSTAS POSITIVAS DOS FAMILIARES E ADOLESCENTES SEGUNDO O TIPO DE RELACIONAMENTO Aspectos relevantes estudados Família* Adolescente** n % n % Gostam de passar o tempo livre juntos 135 90 112 80, 6 Falam facilmente o que desejam 137 91,3 120 86,3 Pedem ajuda uns aos outros 139 92,7 121 87,1 Consideram as idéias dos filhos 121 81,8 83 61 Dividem as tarefas e responsabilidades 108 71,5 109 77,9 O pai/padrasto dedica tempo aos filhos 84 57,9 86 65,2 A mãe/madrasta dedica tempo aos filhos 134 90,5 119 87,5 Uma das refeições é feita em família 112 74,2 104 74,3 Conversam sempre em família 139 92,1 104 74,3 Programam as atividades familiares em conjunto 96 64 81 57,9 Amigos 34 27,4 34 25,2 Pessoas com problemas semelhantes 16 13,6 13 9,7 Profissionais de saúde 9 7,8 7 5,2 Parentes 58 47,2 60 44,1 Religiosos 51 41,5 60 44,1 Enfrentam os problemas sozinhos 112 82,4 97 71,3 Convivência familiar Atividades em família Redes sociais de apoio para o enfretamento de problemas *n = 152; **n = 140. volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde Ruzany et al. COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA Ao comparar as respostas dos 140 adolescentes com a dos 152 responsáveis, verificou-se que os níveis de significância para as relações familiares sobre os hábitos cotidianos, como levar em consideração as idéias dos adolescentes, foi 1,04, enquanto em relação à freqüência de conversas em família sempre foi 1,24 (Tabela 2). No item como a família enfrenta os problemas observou-se a correlação de 0,05 para resolvemos sozinhos, ambos responderam em primeiro lugar a esse item (71,3% adolescentes e 82,4% familiares). Quanto à busca de ajuda de profissionais, a correlação foi 0,65. Em relação ao conhecimento dos sentimentos dos adolescentes, os seguintes níveis de significância foram apresentados nas respostas dos adolescentes e dos seus responsáveis. Sobre a concordância de a doença estar trazendo alguma conseqüência para a vida do paciente, encontrou-se 0,06 e 0,84. O padrão de significância foi maior para os adolescentes do que para os seus familiares. Sobre os sentimentos e atitudes observaramse os seguintes resultados, tanto para adolescentes quanto para os familiares: o fato de o adolescente 33 sentir-se triste foi 0,06; de o adolescente ter brigado ou brigar constantemente foi 0,52; e haver tentado contra a própria vida foi 0,22. Neste último item as distâncias entre as percepções nos níveis de correlação foram menores. Percebe-se que, apesar de não se ter observado p < 0,05, as variáveis mostraram-se relevantes, principalmente no que tange às respostas dos adolescentes ou de seus familiares, com χ² menor (Tabela 2). Constatou-se que em algumas variáveis ambos apresentaram percepção diferenciada. No entanto, identificou-se semelhança quando a questão estava relacionada com as variáveis associadas à doença (p < 1). Assim, nas perguntas se o responsável sabia de algumas situações vividas pelo adolescente e se o adolescente já havia vivenciado alguma delas obteve-se nível de correlação de 0,22; para tentar contra a própria vida, 0,22; e, em relação a brigar constantemente, a correlação foi 0,52. Com níveis mais significativos de concordância, com correlação de 0,06, estava o sentimento de tristeza. Sobre a forma como procuraram ajuda para resolver problemas, houve concordância significativa de Tabela 2 NÍVEIS DE SIGNIFICÂNCIA DAS VARIÁVEIS DAS RESPOSTAS DA FAMÍLIA E DO ADOLESCENTE CORRELACIONADAS COM A POSITIVIDADE DAS REPERCUSSÕES DA DOENÇA NA VIDA DO ADOLESCENTE (p < 1) Variáveis Nível de significância: família* Nível de significância: adolescente** Nível de significância da correlação 0,75 1,15 1,04 0,99 1,34 1,24 Convivência familiar As idéias são consideradas Atividades em família Conversam em família sempre Redes sociais de apoio para o enfretamento de problemas Profissionais de saúde 0,74 0,55 0,65 Enfrentam os problemas sozinhos 0,05 0,03 0,05 0,06 0,05 0,06 Se envolveu/envolve em brigas 0,62 0,61 0,52 Tentou contra a própria vida 0,11 0,2 0,22 Situações vivenciadas Tem se sentido triste e/ou nervoso *n = 152; **n = 140. O teste realizado foi o de χ2 de Pearson. Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 34 COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA 0,05 entre as respostas de ambos, familiares e adolescentes (Tabela 3). Por outro lado, algumas variáveis apresentaram discordância, nas respostas correlacionadas (p > 1), entre o responsável e o adolescente. Desse modo, quando perguntados como é sua família ou as pessoas que convivem em sua casa, obteve-se um nível de significância da correlação de 1,04 e sobre as atividades que ocorrem no seu dia-a-dia, nível de 1,24. DISCUSSÃO O processo de adoecimento e internação se caracteriza muitas vezes por curso demorado, progressão constante e necessidade de tratamentos prolongados. Sabe-se que o adolescente portador de doença crônica pode ter seu desenvolvimento emocional afetado decorrente da enfermidade e do tratamento, podendo apresentar, inclusive, desajustes psicológicos(3, 5). Vale destacar que, neste estudo, os autores optaram por incluir pacientes de diferentes perfis, ou seja, tanto com doenças agudas quanto crônicas. O papel da família no bem-estar do sujeito portador de doença crônica que requer internação tem sido estudado por diversos autores(6, 11, 14). A doença crônica pode ser vista como um fator causador de estresse, afetando o desenvolvimento normal da criança e também atingindo as relações sociais no sistema familiar. A rotina da família muda Ruzany et al. com a necessidade de freqüentes visitas ao médico, medicações e hospitalizações(7) e acaba atingindo todas as pessoas que convivem com a criança(4, 6). Ao entrar na adolescência o indivíduo tem suas próprias inspirações, utopias, momentos de crise, ânsia de aproveitar a vida, fantasia da imortalidade, entre outros. A procura de ajuda nessas ocasiões é muito disfarçada e, o que poderia ser facilmente elaborado no âmago da família, muitas vezes é guardado com medo de rejeição. Na verdade, o jovem só quer ser ouvido, expor suas idéias. Todavia, por dúvida interna ou por insegurança quanto ao que esperam dele, evita se expor aos membros da família, principalmente naquelas em que não há uma relação dialógica entre todos os seus integrantes. Sabe-se que a adolescência é uma época de conflitos e que muitas famílias acabam enfrentando dificuldade em estabelecer um grau de comunicação eficiente. Em outras, observa-se a criação de estigmas, como o do “adolescente-problema”, que acabam também sendo identificados durante o processo de internação/hospitalização. No momento que o adolescente se vê obrigado a pensar na sua doença e nas suas implicações, é comum o relato de sintomas desconexos ou simplesmente de frases do tipo “não estou sentindo nada” e “já está tudo bem”. Por outro lado, os familiares passam a dedicar mais tempo a esse componente da família, o que pode estreitar laços afetivos e estimular o entendimento. Nessa Tabela 3 FREQÜÊNCIA E PERCENTUAL DE RESPOSTAS POSITIVAS SOBRE O CONHECIMENTO DOS FAMILIARES ACERCA DAS SITUAÇÕES VIVENCIADAS PELO ADOLESCENTE Situações vivenciadas Família* Adolescente** n % n % Fumou/fuma cigarro 15 10 19 13,6 Usou/usa drogas 15 10 22 15,7 Tem se sentido triste e/ou nervoso 108 72,5 73 48 Se envolveu/envolve em brigas 53 28,9 51 11,4 Tentou contra a própria vida 9 6 16 11,4 112 75,2 71 53,8 Conseqüência da doença na vida do adolescente *n = 152; ** n = 140. volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde Ruzany et al. reaproximação os responsáveis podem até mesmo detectar lacunas que estejam dificultando ou impedindo a compreensão do impacto do adoecimento na vida do adolescente. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) todo adolescente tem direito a um acompanhante durante a internação, portanto no NESA esse benefício é garantido. Na pesquisa observou-se que nesta enfermaria a mãe é quem fica com maior freqüência como acompanhante, expressando sua maior disponibilidade no cenário familiar. Wagner et al.(16) apontam que a mãe em relação ao pai tem maior capacidade de entendimento e de realizar acordos e trocas. Esses autores confirmam que é com a mãe que o adolescente mais dialoga, seguida dos irmãos mais velhos e do pai(17). Por meio de novas relações estabelecidas, como durante a internação, é possível o responsável identificar ou ter um conhecimento mais claro dos sentimentos do adolescente. Segundo Wagner et al.(17), muitos adolescentes consideram a comunicação familiar relevante e a principal maneira de resolver conflitos na família. Também consideram a abertura e a compreensão dos pais aspectos que facilitam a comunicação, sendo fatores que a dificultam a falta de tempo e a incompreensão. Durante a hospitalização ocorrem modificações no cotidiano do adolescente, que incluem desde novos limites de desempenho, como o afastamento de amigos, de suas atividades de rotina, da escola. Aparecem sentimentos como o de inferioridade frente à discriminação, a sensação de ser estranho e até isolamento. Queixas como preocupação com a escolarização, a aparência e as implicações da doença foram identificadas nos pacientes estudados e também no estudo realizado no estado de Mato Grosso por Viera e Lima(15), mostrando que existe concordância entre as preocupações dos adolescentes, mesmo moradores de cidades distantes como Rio de Janeiro e Cuiabá. Vieira e Lima(15) ratificam que, devido à hospitalização recorrente dos adolescentes, há perda nas relações sociais, dificuldades financeiras, sentimento de ameaça, falta de lazer e alterações na aparência física. Embora aprendam a conviver com o ambiente hospitalar e passem a entender Adolescência & Saúde COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA 35 a necessidade do tratamento, outros sentimentos aparecem, ocasionando sofrimentos específicos a esse grupo etário. Quando nos referimos à escola, primeiramente nos remetemos à impossibilidade de o adolescente freqüentá-la, acarretando atrasos no processo do aprendizado no ano letivo, o que é uma das questões que mais preocupa pais e pacientes. Contudo, participando mesmo que temporariamente da rotina escolar, o adolescente portador de doenças crônicas muitas vezes passa por momentos de dificuldade de socialização, uma vez que suas limitações e sua aparência física podem lhe causar sentimentos de baixa auto-estima. Ressaltese que é na escola que o adolescente amplia seu convívio social e precisa da aprovação do grupo para a construção e a reafirmação de uma autoimagem positiva. Essa relação é importante para seu desenvolvimento social e psicológico, já que predispõe ao ajustamento e à competência durante a adolescência e a vida adulta(17). Em relação à aparência física, já tão modificada pelo desenvolvimento fisiológico, o adolescente, influenciado pela mídia, se preocupa ou deseja um corpo perfeito, muitas vezes impossível por causa de sua condição de saúde. Esses sentimentos podem originar tristezas, que muitas vezes levam à depressão. Para Vieira e Lima(15), a doença, o tratamento e os efeitos colaterais dos medicamentos interferem na vida escolar, assim como a discriminação dos colegas interfere na construção e na manutenção da auto-estima positiva. As famílias estudadas demonstraram a ausência de uma rede social de apoio, à medida que declararam que procuram resolver seus problemas sozinhos. Assim, observa-se que o impacto do processo de hospitalização acaba afetando todo o núcleo familiar, suscitando mudanças em sua própria organização, com alternância dos papéis exercidos e revisão de atitudes para com o adolescente doente. Ao lidar com a família do paciente adolescente, Armond e Boemer(1) destacam pontos semelhantes em seu estudo. Apontam também que é freqüente a reivindicação pelo adolescente da presença da mãe volume 5 nº 1 março 2008 36 COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA ou de uma figura materna substituta, bem como a manifestação de seus sentimentos aos pais. Esses sentimentos nem sempre são demonstrados apenas pela linguagem verbal, mas também pela gestual, corporal e silenciosa, passando a ser compartilhada pelos pais. A presença de um responsável diminui a sensação de distanciamento da família, além de auxiliar na aceitação das normas impostas pela rotina hospitalar. Durante todo esse processo de internações e tratamentos, a religião freqüentemente torna-se um locus de conforto espiritual para os pais, no qual eles se fortalecem para enfrentar o sofrimento da doença partilhado por ambos. É importante ressaltar que a convivência dos responsáveis com outros familiares na mesma situação favorece sentimentos de solidariedade. A conseqüência disso é o estabelecimento de uma nova rede de apoio até então impensada para o enfrentamento de problemas. Com referência às preocupações dos responsáveis, Armond e Boemer(1) nos mostram exemplos sobre a visão dos pais quanto aos anseios dos filhos, como a preocupação em relação aos estudos, e sobre as conseqüências da doença na família. Também apontam a percepção dos pais quanto à preocupação dos filhos sobre imagem corporal, à aceitação ou não do tratamento, ao tempo de internação, e aos sentimentos despertados, como mal-estar, constrangimento, vergonha, alterações de humor e tristeza. Esses autores acrescentam que os pais acreditam que o filho, por estar na adolescência, pode perceber o significado de sua doença, assim como saber o que deseja ou não deseja. Embora a melhora da relação com os pais seja capaz de propiciar alívio no penoso processo de hospitalização, ao observar os resultados obtidos em nosso estudo, constatamos certa discordância a respeito da qualidade da comunicação entre adolescentes e responsáveis. Da mesma forma que os pais sentem dificuldade em conversar com seus filhos e de alcançá-los, os adolescentes, não obstante compreendam algumas atitudes dos pais e as achem importantes, não se sentem confortáveis na relação com eles. A comunicação e sua qualidade são muito importantes no ambiente familiar(17). O entendivolume 5 nº 1 março 2008 Ruzany et al. mento dessa dinâmica permite que as regras e os papéis no núcleo familiar sejam definidos e redefinidos continuamente. Esses pactos são indicativos da capacidade de resiliência da família durante as crises, além de favorecer a coesão e o processo de independência de cada um dos seus membros. Papalia e Olds(13) relatam que nas famílias em que a comunicação interativa se estabelece percebe-se um desenvolvimento global do núcleo, pois pais e filhos dividem informações e afetos, tomando decisões de forma harmoniosa. Além disso, as diferenças são sobrepujadas dentro do contexto da cooperação mútua. É importante ressaltar que o processo de comunicação não é o mesmo que o processo educacional. Segundo Marshall(12), a atuação educacional, como dar informações de uma determinada maneira, é unidirecional, enquanto a comunicação é bidirecional quando envolve as pessoas em um diálogo mútuo, com o ponto de vista de ambos sendo valorizado. Lembramos que, para muitos pais, o importante é apenas oferecer aos filhos boa educação no âmbito escolar, isentando-se de transmitir valores ou de participar da vida de seu filho(2). Em um estudo feito por Kerr et al.(10), os pais por vezes estabelecem formas de se comunicar com seus filhos como, por exemplo, perguntando sobre suas atividades diárias. O mais importante nessa situação é como isso ocorre. Em famílias nas quais há bom entendimento, os jovens se expressam espontaneamente, sem blefe. Outro estudo, realizado por Jackson et al.(8), revela que o tipo de comunicação pode variar de acordo com o desenvolvimento do adolescente, isto é, à medida que o jovem cresce, os assuntos discutidos e o tipo de autoridade paterna se modificam. Em nosso estudo observamos grande divergência de respostas quando perguntamos se as idéias dos jovens são respeitadas e se a família conversa entre si. Alguns artigos apontam que muitos pais buscam conhecer melhor seu filho. No entanto, as opiniões entre eles divergem por apresentarem visões diferentes sobre o assunto, que envolve a Adolescência & Saúde Ruzany et al. “autoridade paterna” versus a “liberdade do adolescente”. A importância de se manter boa comunicação advém do fato de que essa é uma das principais formas de interação, capaz de propiciar boa auto-estima e desenvolver a independência do adolescente(8). Além disso, quanto melhor é a habilidade para se comunicar, mais facilmente os problemas são resolvidos dentro e fora da família, e há facilitação para que o adolescente decida sobre ele mesmo e o que deverá ficar ainda submetido ao controle dos pais(9). Sobretudo pode-se destacar que o respeito às idéias do adolescente ajuda na construção de sua própria autonomia, do estabelecimento dos seus limites, no modo como lida com seus relacionamentos e na satisfação com sua família(9). O processo de individualização, tão almejado na adolescência, é construído com base no desenvolvimento do senso de independência, pelo aprendizado da capacidade de se comunicar e pela confiança entre os membros do núcleo familiar. O aspecto da comunicação foi destacado neste artigo devido ao fato de as perguntas discordantes estarem ligadas ao não-respeito às idéias dos jovens e à forma como os problemas são resolvidos em família. A pesquisa na literatura científica nos mostra que esse assunto tem estado presente nas discussões da área de saúde, não somente pelo impacto psicológico e social, mas também pelo próprio suporte que a família costuma oferecer durante o processo de adoecimento e recuperação. Embora, os adolescentes e seus responsáveis apontassem a existência de conversas em família, COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA 37 não foi possível identificar se havia conhecimento mútuo de sentimentos e atitudes. Do mesmo modo, até a forma de ajuda utilizada para resolver os problemas apresenta discordâncias entre as respostas. Assim, podemos avaliar superficialmente a existência de dificuldade de entendimento no núcleo familiar, que enfrenta não somente um momento de crise causado pelo processo de doença/ internação, mas também pela crise instalada pela adolescência de um de seus membros e a adaptação da família a essa mudança. Os níveis de significância entre as respostas dos adolescentes e dos seus responsáveis nos assinalam que há uma distância entre a percepção que o familiar e o adolescente têm do seu papel dentro do núcleo familiar, uma divergência de valores e um desconhecimento das necessidades de seus integrantes. A dificuldade de comunicação e compreensão é um dos principais obstáculos nessa fase da vida do adolescente e de sua família. Uma das limitações deste estudo foi o pequeno espaço amostral, contudo a pesquisa apontou dados relevantes. Sabe-se que muito mais deve ser investigado, porém observa-se que a dinâmica da comunicação não se restringe apenas a adolescentes saudáveis: também está presente em adolescentes hospitalizados, mostrando a universalidade do processo da adolescência. O adolescente passa por crises, e seus familiares também, mas o modo como elas serão enfrentadas é essencial na formação do perfil do adulto do futuro e na sua maneira de lidar com as situações cotidianas como jovem do presente. REFERÊNCIAS 1. Armond LC, Boemer MR. Convivendo com a hospitalização do filho adolescente. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004; 12(6): 924-32. 2. Aunola K, Stattin H, Nurmi JE. Parenting styles and adolescents’ achievement strategies. J Adolesc. 2000; 23(2): 205-22. 3. Bennet DS. Depression among children with chronic medical problems: a meta-analysis. Journal of Pediatric Psychology. 1994; 19(2), 149-69. Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 38 COMUNICAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E SEUS FILHOS ADOLESCENTES: CONSTRUINDO UMA RELAÇÃO DIALÓGICA Ruzany et al. 4. Bradford R. Children, families and chronic disease. London: Routledge. 1997. 5. Burke P, Elliott M. Depression in pediatric chronic illness: a diathesis-stress model. Psychosomatics. 1999; 40(1), 243-9. 6. Góngora JN. El impacto psicosocial de la enfermedad crónica en la família. In: Ríos JA (Org.). La família: realidad y mito. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces. 1998; 176-201. 7. Hamlett KW, Pellegrini DS, Katz K. Childhood chronic illness as a family stressor. Journal of Pediatric Psychology. 1992; 17(1): 33-47. 8. Jackson S, Bijstra J, Oostra L, et al. Adolescents’ perceptions of communication with parents relative to specific aspects of relationships with parents and personal development. J Adolesc. 1998; 21(3): 305-22. 9. Jodl KM, Michael A, Malanchuk O, et al. 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Wagner A, Falcke D, Silveira LM, et al. A comunicação em famílias com filhos adolescentes. Psicologia em Estudo. 2002; 7(1): 75-80. 17. Wagner A, Predebon JC, Falcke D, et al. A comunicação familiar: uma experiência com adolescentes em grupos focais. Psico (Porto Alegre). 2002; 3(1): 137-50. volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde ARTIGO ORIGINAL Renata Maria Souza Oliveira1 Sylvia do Carmo Castro Franceschini2 Gilberto Paixão Rosado3 Silvia Eloiza Priore4 39 Estado nutricional no final da adolescência como fator determinante da situação nutricional na vida adulta de indivíduos do sexo masculino em Viçosa, MG The nutritional state at adolescence as determinant factor on the nutritional situation of adult individuals in Viçosa, MG RESUMO O aumento da prevalência de obesidade na adolescência tem se constituído numa grande preocupação em saúde pública, visto que a literatura científica indica que o excesso de peso nessa faixa etária pode persistir na vida adulta. Com o objetivo de investigar essa relação, neste trabalho foram avaliados cem homens do município de Viçosa (MG) em duas fases de suas vidas: no final da adolescência e na vida adulta. Realizaram-se avaliações antropométrica na adolescência e da antropometria, bem como perfil lipídico na vida adulta, sendo encontrada correlação entre o peso e o índice de massa corporal (IMC) na adolescência e todas as variáveis antropométricas na vida adulta, com exceção da estatura. A análise de risco relativo (RR) mostrou que indivíduos com risco de sobrepeso/sobrepeso na adolescência apresentaram chances 3,67 vezes maiores de terem excesso de peso (RR = 3,67; intervalo de confiança (IC): 2,46-3,74) e risco 9,17 vezes maior de apresentarem circunferência da cintura (CC) aumentada quando adultos. Obteve-se também correlação significante entre IMC e CC na adolescência, com perfil lipídico na idade adulta. Os resultados deste trabalho permitem concluir que o estado nutricional na adolescência é determinante da situação nutricional de indivíduos adultos. UNITERMOS Adolescente; estado nutricional; antropometria ABSTRACT The upswing from prevalence of obesity in adolescence is a big preoccupation in public health , since scientific literature indicates that overweight on this age group can persist in adult life. Aiming at the investigation of the influence from nutritional state in adolescence on the individuals’ nutritional situation in adult life, one hundred male individuals residing in Viçosa county- MG were evaluated at two life phases: at the final adolescence phase, and at beginning of adult life. Were collected anthropometric assessment on adolescence and anthropometric assessment and profile lipid in adult life. Was found correlation between weight and IMC in adolescence with all anthropometric variables in adulthood, except for stature. From the relative risk analysis, the following results were found for those individuals presenting IMC above the percentile 85 of the IMC/age curve (CDC/2000) at adolescence: risk 3.67 times higher to be excessively weighty at adulthood (RR = 3.67; IC = 2.46-3.74) and risk 9.17 times higher to have increased CC (IC = 4.52-18.6). A significant correlation between IMC at adolescence and lipidic profile in adulthood was also found. Those results demonstrate the influence of the nutritional state during the adolescence phase as a determinant of the nutritional situation in adulthood. KEY WORDS Adolescence; nutrition state; anthropometry Nutricionista; mestra em Ciências da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). 2 Nutricionista; professora do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV; mestra em Nutrição; doutora em Ciência pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP). 3 Nutricionista; professor do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV; mestre em Nutrição Experimental pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); doutor em Fisiologia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). 4 Nutricionista; professora do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV; mestra em Nutrição; doutora em Ciência pela EPM/UNIFESP; coordenadora do Programa de Atenção à Saúde do Adolescente (PROASA) da UFV. Trabalho realizado no Departamento de Nutrição e Saúde da UFV com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estdo de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 1 Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 40 ESTADO NUTRICIONAL NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA COMO FATOR DETERMINANTE DA SITUAÇÃO NUTRICIONAL NA VIDA ADULTA DE INDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO EM VIÇOSA, MG INTRODUÇÃO A transição nutricional ocorrida em diferentes países é decorrente de mudanças nos estilos de vida, nos quais pode ser observado aumento do consumo de alimentos mais ricos em gorduras, açúcares e refinados, além do declínio progressivo da atividade física dos indivíduos, promovendo alterações concomitantes na composição corporal(5, 8). Quanto mais prevalente se torna a obesidade, maior o estímulo para investigação de grupos populacionais vulneráveis ao problema. Um desses grupos é o de adolescentes, que, quando obesos, apresentam grande probabilidade de se tornarem adultos com excesso de peso corporal(4). No Brasil, Wang et al.(15), comparando os dados do Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF), realizado de 1974 a 1975, com os da Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), realizada em entre 1996 e 1997 somente nas regiões Sudeste e Nordeste, verificaram aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade de 4,1% para 13,9% em crianças e adolescentes de 6 a 18 anos. Em estudo de coorte, Wright et al.(18) investigaram o excesso de peso na infância e adolescência (entre 9 e 13 anos de idade) como fator de risco para obesidade futura, encontrando correlação positiva entre o índice de massa corporal (IMC) nessa faixa etária e o alcançado pelos indivíduos aos 50 anos (r = 0,24; p < 0,001). Adolescentes obesos provavelmente permanecerão acima do peso na idade adulta, porém com mais possibilidades de desenvolver algumas das complicações clinicometabólicas encontradas em adultos obesos. Além disso, adolescentes obesos já apresentam fatores de risco clinicometabólicos para desenvolvimento da síndrome de resistência insulínica antes mesmo de atingir a maturidade, visto que o excesso de peso corporal predispõe à elevação dos níveis séricos de lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), lipoproteína de baixa densidade (LDL), triglicérides (TG) e à diminuição de lipoproteína de alta densidade (HDL). Também predispõe a níveis elevados de pressão arterial sistólica e diastólica (PAS/PAD)(1). volume 5 nº 1 março 2008 Oliveira et al. Portanto objetivou-se neste estudo o estado nutricional do final da adolescência como fator determinante da situação nutricional dos indivíduos quando adultos. METODOLOGIA Medidas de peso, estatura e circunferência da cintura (CC) na adolescência foram coletadas do banco de dados dos alistados no Tiro-de-guerra de Viçosa (MG), nos anos de 1996, 1997 e 1999. Analisou-se o IMC dos indivíduos nessa fase, segundo a classificação proposta pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC)(2) de 2000. Os indivíduos adultos foram procurados a partir dos endereços do banco de dados do Tiro-de-guerra e/ou por lista telefônica, a partir de seus próprios nomes ou de seus pais, obtidos do mesmo banco. Cem homens com idade média de 26,1 anos foram avaliados. Aferiram-se na vida adulta o peso e a estatura, a partir dos quais foi calculado o IMC, utilizando-se para a classificação os pontos de cortes propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)(17) e a CC. Foram coletadas amostras de sangue para análise de colesterol total (CT), TG, colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-C) e relação CT/HDL. Para análise estatística foram utilizados os softwares Epi Info 6.04 e Sigma Stat 2.0, adotandose nível de significância de 5%. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela 1 mostra os resultados da análise de correlação entre o peso, a estatura e o IMC apresentados no final da adolescência e as variáveis antropométricas, aferidas dos mesmos indivíduos quando adultos. Como pode ser visto, verificou-se correlação positiva e estatisticamente significante entre o peso e todas as variáveis estudadas. De acordo com a literatura, a principal conseqüência em longo prazo do estado nutricional dos adolescentes diz respeito ao excesso de peso, que tende a persistir na Adolescência & Saúde Oliveira et al. ESTADO NUTRICIONAL NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA COMO FATOR DETERMINANTE DA SITUAÇÃO NUTRICIONAL NA VIDA ADULTA DE INDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO EM VIÇOSA, MG 41 Tabela 1 CORRELAÇÕES ENTRE AS VARIÁVEIS ANTROPOMÉTRICAS NA ADOLESCÊNCIA E AS INVESTIGADAS NA VIDA ADULTA Variáveis na adolescência Peso Estatura** IMC Variáveis na vida adulta Peso Estatura** IMC r = 0,777 r = 0,445 0,67 p < 0,001* p < 0,001* p < 0,001* r = 0,449 r = 0,262 r = 0,109 p < 0,001* p = 0,008* p = 0,281 r = 0,634 r = 0,071 r = 0,678 p < 0,001* p = 0,477 p = < 0,001* IMC: índice de massa corporal. Correlação de Pearson = variáveis paramétricas; correlação de Spearman = variáveis não-paramétricas, p < 0. *Resultados estatisticamente significantes; **variáveis com distribuição normal. vida adulta, contribuindo significativamente para a morbimortalidade(13). Em relação à estatura alcançada no final da adolescência, esta se correlacionou de forma positiva com o peso e a estatura na vida adulta. A relação entre baixa estatura na infância e adolescência e risco de obesidade futura tem sido mencionada na literatura científica(4), no entanto, neste trabalho, tal associação não foi observada. Pelo contrário, encontrou-se que, aqueles com déficit estatural na adolescência, ou seja, estatura abaixo do percentil 5 da curva do CDC (2000), segundo índice de estatura para idade, apresentaram na vida adulta valores inferiores, estatisticamente significantes, de estatura e massa livre de gordura (MLG). Apesar das correlações observadas entre peso e estatura na adolescência e das variáveis na vida adulta, poucos são os estudos que investigam a influência dessas variáveis isoladamente. Essa análise tem sido discutida na literatura a partir do estado nutricional, que é representado pelo IMC e por indicadores de gordura corporal. O IMC como indicador do estado nutricional na adolescência, embora apresente importante variação no que tange à idade e à maturidade sexual, tem sido considerado bom indicador de sobrepeso em adolescentes, apresentando importante relação com medidas antropométricas futuras(12). Adolescência & Saúde Foram encontradas associações positivas e significantes entre o IMC na adolescência e as variáveis peso, IMC e CC na vida adulta. Em estudo de revisão, Reilly et al.(12) apresentaram, entre outros trabalhos, resultados de uma coorte na qual foi encontrado que IMC > 25 kg/m2 aos 18 anos esteve associado a aumento significativo da mortalidade observada 20 anos mais tarde. A fim de confirmar a influência do estado nutricional na adolescência sobre as condições nutricionais na vida adulta, realizou-se análise das variáveis que apresentaram relação estatisticamente significante com o IMC na adolescência, segundo estado nutricional, e obtiveram-se diferenças significativas entre todas elas (Tabela 2). Como pode ser visto na Tabela 2, adolescentes com excesso de peso corporal apresentaram na vida adulta valores superiores estatisticamente significantes de peso, IMC e CC. De acordo com a análise do risco relativo (RR), indivíduos que na adolescência possuíam IMC acima do percentil (P) 85 da curva IMC/idade da curva do CDC (2000) apresentam chances 3,67 vezes maiores de apresentarem excesso de peso (RR = 3,67; intervalo de confiança (IC): 2,46-3,74) e risco 9,17 vezes maior de apresentarem CC aumentada quando adultos. O trabalho de Whitaker et al.(16), realizado em 1997, em Washington, mostrou que, após ajustavolume 5 nº 1 março 2008 42 ESTADO NUTRICIONAL NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA COMO FATOR DETERMINANTE DA SITUAÇÃO NUTRICIONAL NA VIDA ADULTA DE INDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO EM VIÇOSA, MG Oliveira et al. Tabela 2 VALORES MÉDIOS OU MEDIANOS DE PESO, IMC E CC, SEGUNDO IMC NA ADOLESCÊNCIA Variáveis IMC na adolescência Vida adulta Peso (kg) IMC (kg/m ) 2 CC (cm)** Baixo peso Eutrofia Excesso de peso p 60 72,7 97,3 < 0,001* a 19,4 23,9 31 < 0,001* a 76,4 ± 6,3 83,8 ± 8,9 100,2 ± 9,1 < 0,001* b IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura. Análise de variância = variáveis paramétricas; p < 0,05; Kruskal Wallis: variáveis não-paramétricas; p < 0,05. *Resultados estatisticamente significantes. a – teste de comparação: Dun’s; b – teste de comparação: Tuckey mento para obesidade dos pais, adolescentes entre 15 e 17 anos apresentaram 17,5 vezes mais chances (razão de chance [RC]: 17,5; IC: 7,7-39,5; p < 0,05) de se tornarem adultos obesos (21-29 anos). A Tabela 3 apresenta a prevalência de baixo peso, eutrofia e excesso de peso corporal na vida adulta dos avaliados neste trabalho, de acordo com o IMC apresentado pelos voluntários na adolescência. Entre aqueles que apresentavam IMC para idade segundo a curva do CDC (2000) abaixo do percentil 5, 88% encontravam-se eutróficos na vida adulta. Entre os que apresentavam risco de sobrepeso (> P 85 e < P 95) na adolescência, 12,5% eram eutróficos e os demais (87,5%) apresentavam excesso de peso corporal na vida adulta. Vale ressaltar ainda que todos os adolescentes com sobrepeso (≥ P 95) foram encontrados com sobrepeso (75%) ou obesos (25%) na avaliação na vida adulta. Essa associação tem sido descrita na literatura e reafirma a influência que o IMC alcançado no final da adolescência pode exercer sobre o estado nutricional futuro. Guo et al.(6), avaliando o IMC na infância e na adolescência como preditor do sobrepeso/obesidade na vida adulta, encontraram associação significante e positiva, concluindo que aqueles que se encontram no percentil 95 na infância e/ou adolescência têm até 80% de probabilidade de manter o excesso de peso corporal na vida adulta. A CC é forte indicador de obesidade abdominal, que, por sua vez, está diretamente relacionada com importantes alterações metabólicas. No entanto a falta de ponto de corte específico para o grupo dos adolescentes dificulta a análise dessa variável. Neste estudo, optou-se por utilizar o ponto de corte proposto para a população adulta, porquanto os indivíduos investigados encontravam-se no final da adolescência. Tabela 3 PREVALÊNCIA DE BAIXO PESO, EUTROFIA E EXCESSO DE PESO CORPORAL, SEGUNDO O IMC APRESENTADO NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA Percentil do IMC na adolescência Estado nutricional na vida adulta Baixo peso (%) Eutrofia (%) Sobrepeso (%) Obesidade (%) < P 5 (n = 9) 11,2 88,8 – – ≥ P 5 e ≤ 50 (n = 67) 1,4 73,1 22,3 2,9 > P 50 e ≤ P 85 (n = 12) – 66,6 33,4 – > P 85 e < P 95 (n = 8) – 12,5 12,5 75 ≥ P 95 (n = 4) – – 75 25 P: percentil. volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde Oliveira et al. Conforme a Tabela 4, encontrou-se associação estatisticamente significante entre a CC na adolescência e as demais variáveis investigadas na vida adulta. Em relação à análise bioquímica realizada com indivíduos adultos, as correlações desses paramétricos com IMC e CC no final da adolescência são apresentadas nas Tabelas 5 e 6. Esses resultados confirmam a indicação de que o excesso de peso corporal e o acúmulo da gordura na região abdominal na adolescência se comportam como fatores de risco para alterações metabólicas. Tabela 4 CORRELAÇÕES ENTRE CC NA ADOLESCÊNCIA E VARIÁVEIS ANTROPOMÉTRICAS NA VIDA ADULTA Variável na adolescência CC Variáveis na vida adulta r p Peso (kg) 0,551 < 0,001* Estatura (cm)** 0,281 0,004* IMC (kg/m2) 0,522 < 0,001* CC (cm) ** 0,54 < 0,001* CC = circunferência da cintura; IMC: índice de massa corporal. Correlação de Pearson: variáveis paramétricas; correlação de Spearman: variáveis nãoparamétricas; p < 0. *Resultados estatisticamente significantes. **Variáveis com distribuição normal. Tabela 5 CORRELAÇÃO ENTRE IMC NA ADOLESCÊNCIA E VARIÁVEIS DA ANÁLISE BIOQUÍMICA REALIZADA NA VIDA ADULTA Variável na adolescência Variáveis na vida adulta r p Colesterol** 0,213 0,033* -0,2 0,045* LDL** 0,27 0,006* VLDL 0,238 0,017* Colesterol/HDL 0,292 0,002* LDL/HDL 0,298 0,002* TG 0,118 0,242 Glicemia -0,092 0,332 HDL** IMC HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; VLDL: lipoproteína de muito baixa densidade; TG = triglicérides. Correlação de Pearson: variáveis paramétricas; p < 0,05; correlação de Spearman: variáveis não-paramétricas; p < 0,05. *Resultados estatisticamente significantes. **Variáveis com distribuição normal. Adolescência & Saúde 43 ESTADO NUTRICIONAL NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA COMO FATOR DETERMINANTE DA SITUAÇÃO NUTRICIONAL NA VIDA ADULTA DE INDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO EM VIÇOSA, MG Tabela 6 CORRELAÇÃO ENTRE CC NA ADOLESCÊNCIA E VARIÁVEIS DA ANÁLISE BIOQUÍMICA REALIZADA NA VIDA ADULTA Variável na adolescência CC Variáveis na vida adulta r p Colesterol** 0,127 0,209 HDL** -0,258 0,009* LDL** 0,136 0,177 VLDL 0,232 0,020* Colesterol/HDL 0,302 0,002* LDL/HDL 0,267 0,007* TG 0,28 0,004* -0,033 0,745 Glicemia HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; VLDL: lipoproteína de muito baixa densidade; TG: triglicérides. Correlação de Pearson: variáveis paramétricas; p < 0,05. *Resultados estatisticamente significantes. **Variáveis com distribuição normal. Como conseqüência do aumento na prevalência do sobrepeso/obesidade entre adolescentes, já é possível encontrar alterações metabólicas características do excesso de peso, como hiperglicemia, dislipidemia e hipertensão arterial, que são fatores de risco para a doença coronariana e se manifestarão principalmente na fase adulta(14). A associação entre obesidade e dislipidemia observada em adultos também tem sido documentada em crianças e adolescentes(3). Em Viçosa (MG), Faria et al.(3), estudando adolescentes atendidos no Programa de Atenção à Saúde do Adolescente (PROASA), observaram que o perfil lipídico foi inadequado em 63% dos estudados, sendo o percentual mais elevado para o CT (47,4%). Além disso, o sexo feminino apresentou valores significantes e maiores para CT (p = 0,009) e LDL (p = 0,02), enquanto o sexo masculino apresentou valores menores para HDL (p = 0,0009). Observou-se ainda CT maior para o grupo de eutróficos em relação ao baixo peso (p = 0,02). Considerou-se então excesso de peso na adolescência como risco (exposição) para análise do qui-quadrado (χ2) e encontrou-se associação entre este e as seguintes variáveis na vida adulta: • IMC > 25 kg/m2 (χ2 = 21,23; p = < 0,001); • HDL reduzido (χ2 = 8,36; p = 0,003). volume 5 nº 1 março 2008 44 ESTADO NUTRICIONAL NO FINAL DA ADOLESCÊNCIA COMO FATOR DETERMINANTE DA SITUAÇÃO NUTRICIONAL NA VIDA ADULTA DE INDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO EM VIÇOSA, MG As demais associações não foram estatisticamente significantes. Esse resultado confirma estudos da literatura, que apresenta a influência do estado nutricional na adolescência como fator de risco para a situação nutricional de indivíduos adultos. Em investigação sobre os riscos em longo prazo da obesidade na infância e adolescência, Power et al.(11) encontraram evidências indicativas de que a associação do estado nutricional na adolescência com acúmulo de gordura entre adultos torna-se mais forte à medida que a idade aumenta. Essa indicação pode explicar a associação observada neste trabalho entre Oliveira et al. indivíduos com média de 18 anos de idade e quase todas as variáveis antropométricas investigadas. CONCLUSÃO Constatou-se nesta análise que a adolescência, especificamente o final desse período, exerce importante influência na determinação do estado nutricional futuro. Portanto os adolescentes tornam-se um grupo relevante em termos de saúde pública, sendo estratégico na promoção de saúde e prevenção de doenças. REFERÊNCIAS 1. Carneiro JRI, Kushnir MC, Clemente ELS, et al. Obesidade na adolescência: fator de risco para complicações clínicometabólicas. Arq Bras Endoc. 2000; 44 (5): 390-6. 2. Centers for Disease Control and Prevention. National Centers for Health Statistics, CDC/NCHS (2000). Growth charts charts for the United States: methods and development. Vital and Health Statistics. 2002 . Series 11(246). 3. Faria ER, Franceschini SCC, Peluzio MCG, et al. Estado nutricional e dislipidemias de acordo com o sexo em adolescentes atendidos em um programa específico de Viçosa, MG. Rev Bras Nut Clín. 2006; 21: 83-8. 4. Fonseca VM, Sichieri R, Veiga GV. Fatores associados à obesidade em adolescentes. Rev de Saúde Públ. 1998; 32(6): 541-9. 5. Francishi RPP et al. Obesidade: atualização sobre sua etiologia, morbidade e tratamento. Rev. Nut. 2000; 13(1): 17-28. 6. Guo SS, Wu W, Chumlea WC, et al. Predicting overweigth and obesity in adulthood from body mass indez values in childhood and adolescence. Am J Clin Nut. 2002; 76: 653-8. 7. Lohaman TG. Assessing fat distribuition. In: Advances in body composition assessment: current issues in exercise science. Illinois: Human Kinetics. Champaign, 1992; 57-63. 8. Modini L, Monteiro CA. Relevância epidemiológica da desnutrição e da obesidade em distintas classes sociais: métodos de estudo e aplicação à população. Rev Bras Epidemiol. 1998; 1(1): 28-39. 9. Must A, Strausss RS. 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Taquette2 45 Desvendando mitos sobre anticoncepção hormonal oral na adolescência Dispelling myths about oral hormonal contraception during adolescence RESUMO A anticoncepção hormonal oral é o método de escolha das adolescentes. Embora ainda permaneçam muitos mitos sobre a sua utilização nessa faixa etária, uma orientação segura pode eliminar medos infundados, informações errôneas e demonstrar seus variados benefícios. Portanto é preciso desmitificar a utilização desse contraceptivo pelos profissionais que trabalham com adolescentes, a fim de proporcionar maior adesão a esse método, muito eficaz e seguro para as jovens. UNITERMOS Adolescência; contracepção ABSTRACT Oral hormonal contraception is the method of choice of adolescents. Although many myths about its use in this age still remain, a safe orientation can eliminate unfounded fears, confusing information and to show its varied benefits. Therefore it is necessary demystify the utilization of this contraceptive by the professionals who work with adolescents, in order to provide greater adhesion to this method, very efficient and safe for the youths. KEY WORDS Adolescence; contraception HISTÓRICO Os anticoncepcionais hormonais orais começaram a ser comercializados no início da década de 1960, nos EUA. Ao longo da história não houve medicamento que tenha causado maior controvérsia social, moral e ética do que o preparado que dá à mulher o direito de controlar sua fertilidade(7). Talvez por isso tenham sido criados tantos mitos sobre esse método, alguns dos quais permanecem ainda hoje. Quando introduzidas no mercado, as primeiras pílulas continham 150 µg de estrogênio e 10 mg de progestogênio. A segunda geração surgiu com 50 µg de estrogênio. Na tentativa de diminuir os efeitos colaterais, aumentar a segurança e manter bom controle do ciclo, reduziu-se para 30 µg o conteúdo estrogênico, surgindo então as pílulas de terceira geração. Os produtos com menos de 50 µg de estrogênio e 1,5 mg de progestogênio Adolescência & Saúde têm sido chamados de “baixa dosagem”(14). O declínio das doses de estrogênio e progesterona em todos os tipos de formulações foi acompanhado de mudanças nos tipos de esteróides utilizados. Em 40 anos de história da pílula, ambos, conteúdo e dose de componentes esteróides, passaram por modificações significativas(4). Os anticoncepcionais atuais, com baixas doses de estrogênio e progestogênio, tendo como componentes o desogestrel e o gestodeno, são chamados de quarta geração e representam a melhor opção para a adolescência devido à boa tolerabilidade e à eficácia proporcionadas(16, 19). 1 Médica ginecologista do Hospital Geral de Bonsucesso; mestra em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 2 Professora adjunta da disciplina de Medicina de Adolescentes da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ; médica do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA); doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP). volume 5 nº 1 março 2008 46 DESVENDANDO MITOS SOBRE ANTICONCEPÇÃO HORMONAL ORAL NA ADOLESCÊNCIA ORIENTAÇÃO CONTRACEPTIVA A orientação anticoncepcional é um trabalho educativo que transcende o fornecimento de informações e os conhecimentos sobre saúde reprodutiva. É um processo que envolve o resgate do indivíduo, a promoção da auto-estima e a conscientização dos riscos vivenciados. Apenas dessa maneira se estabelece uma postura saudável em relação à vida sexual(10). A desinformação quanto à contracepção ainda é grande entre as adolescentes. Tal circunstância fica mais evidente ainda quando se consideram as que engravidam em tenra idade. Os jovens recebem precocemente muita informação, às vezes de forma truncada, sem dispor de maturidade suficiente para melhor elaborá-la, resultando então na possibilidade de uma sexualização prematura, associada ao desejo de experimentar(13). O custo da gravidez é mais elevado do que qualquer eventual e remota complicação do uso da pílula. Por isso não se justificam as hesitações na prescrição de anticoncepcionais eficientes para uma adolescente que deseja manter relações sexuais e não quer engravidar(7). A adolescente grávida desvia seu processo de desenvolvimento e amadurecimento social. Não raro, interrompe o estudo e o trabalho, deixando de conviver e de crescer com seu grupo de iguais, perdendo assim um elemento de apoio afetivo muito importante em sua vida. Ela perde a autonomia e torna-se quase totalmente dependente da família, quando acreditava que estava a caminho de sua independência, já que precisa da ajuda dos pais. Apesar de a atividade sexual e a gravidez serem prerrogativas de adultos, conduzem a jovem a uma condição de criança(20). A atividade sexual acarreta riscos que podem estar relacionados com o uso dos métodos contraceptivos ou com gravidez não planejada. Assim, considerando esse raciocínio, devemos levar em conta as altas taxas de mortalidade, tanto materna quanto fetal e infantil, bem como as incidências de aborto no Brasil, para se ter uma avaliação mais correta do risco relativo da contracepção hormonal e de outros métodos contraceptivos(7). volume 5 nº 1 março 2008 Pereira & Taquette Os contraceptivos hormonais orais, devido às maiores dosagens utilizadas na época de sua criação, causavam alguns eventos adversos pouco tolerados, o que não ocorre com os medicamentos atuais. Porém observamos ainda, em nossa prática diária, um grande temor, não só por parte de nossas pacientes, como também por alguns profissionais de saúde, quanto à intensidade dos efeitos colaterais causados às adolescentes. É preciso, portanto, desmitificar a utilização do medicamento a fim de proporcionar maior adesão a esse método, muito eficaz e seguro para as jovens(16, 19). Devem ser aliviados os medos infundados e eliminadas as informações equivocadas, encorajando-se o uso apropriado do anticoncepcional, pois os benefícios são pouco reconhecidos pelas pacientes. Muitas mães de adolescentes podem hoje desestimular suas filhas quanto ao uso do contraceptivo devido as suas próprias experiências negativas com as primeiras formulações. Elas acreditam que alguns riscos do passado associados às altas taxas de hormônio ainda possam existir. O medo de ganhar peso e a percepção de que não é natural colocar uma “química” em seu corpo freqüentemente fazem a adolescente relutar em usar anticoncepcionais(2). A cultura médica apresenta ainda preconceitos fortemente enraizados, porém sem fundamento científico. Não há método anticoncepcional que não possa ser utilizado na adolescência depois da menarca(12). Os critérios de elegibilidade médica da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicados em 1996, com base em uma ampla revisão de literatura, estabeleceram que a idade não deve constituir restrição ao uso de qualquer método(22). Outro problema que pode surgir quanto à prescrição de contraceptivos diz respeito aos aspectos éticos do atendimento à saúde da adolescente. Pode haver conflitos no sigilo da consulta quando a família não permite que o médico fique a sós com a paciente adolescente. Em nosso país, o sigilo é regulamentado pelo código de ética médica e sua quebra se impõe nos casos de risco à saúde da jovem. Nesse caso, a paciente deve ser informada e os motivos para essa atitude, justificados(15). Outra questão ética é a prescrição de contraceptivos a menores de 15 anos de idade, pois, segundo o Adolescência & Saúde Pereira & Taquette DESVENDANDO MITOS SOBRE ANTICONCEPÇÃO HORMONAL ORAL NA ADOLESCÊNCIA Código Penal Brasileiro (CPB), há violência presumida nas relações sexuais nessa faixa etária. Segundo Saito, quando se trata de prescrição de anticoncepcionais para menores de 15 anos de idade, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se confronta, em seu artigo 103, com o CPB e, a seu ver, supera-o, à medida que esse preconiza que os direitos básicos de saúde e liberdade predominam sobre outros que possam prejudicá-los. No atendimento aos jovens os profissionais devem: • avaliar seu grau de entendimento; • conhecer leis e estatutos; • documentar cuidadosamente as informações; • discutir os casos em equipe para que haja maior proteção dessa população adolescente e mais segurança por parte de quem a atende(21). BENEFÍCIOS E EVENTOS ADVERSOS A experiência das autoras demonstra que a anticoncepção hormonal oral, além de ser o método mais escolhido pelas jovens, representa a melhor opção em termos de êxito contraceptivo. A eficácia teórica do anticoncepcional hormonal combinado oral (AHCO) é de 0,3 a 0,7 gestação por 100 mulheres/ano, obtida quando não há falha na ingestão das pílulas. Seu mecanismo de ação reside na inibição da ovulação pelo bloqueio do pico do hormônio luteinizante (LH); por modificações do endométrio, dificultando a nidação; por alterações no muco cervical, tornando-o hostil à ascensão dos espermatozóides; por modificações no peristaltismo tubário, interferindo no transporte ovular e causando alterações na resposta ovariana às gonadotropinas hipofisárias(9). Os profissionais de saúde, ao prescreverem os anticoncepcionais, devem orientar melhor sobre seus potenciais benefícios, que vão além do controle da fecundidade. Esse conhecimento, não só dos riscos, mas também dos benefícios, somado ao procedimento correto de utilização, pode levar ao máximo efeito contraceptivo(3). É importante lembrar que, com o advento dos anticoncepcionais, houve diminuição de um Adolescência & Saúde 47 terço no número de abortamentos(7). Além da diminuição da morbidade e mortalidade femininas, o anticoncepcional oferece uma série de benefícios: • ciclos mais regulares, com alívio da dismenorréia, da tensão pré-menstrual, do fluxo abundante e da anemia; • diminuição dos casos de doença inflamatória pélvica devido a modificações no muco cervical, impedindo a passagem de bactérias; • inibição da ovulação e, portanto, decréscimo do número de gravidezes ectópicas e da incidência de doenças trofoblásticas; • redução da incidência de cirurgias em usuárias de contraceptivos devido à rápida regressão de cistos funcionais; • menor risco de câncer endometrial, de doenças benignas de mama e de câncer de ovário; • melhora relativa da acne, da seborréia e do hirsutismo(1, 7). Eventos adversos podem ser observados entre usuárias de AHCO, sendo muitas vezes motivo para o abandono do método. Em ordem de importância, os principais efeitos são náuseas, sangramento inesperado, mastalgia, labilidade emocional, cefaléia, ganho de peso, acne e tonturas(16). É necessário informar que, além dos benefícios, alguns efeitos colaterais podem ocorrer, mas muitos deles são passageiros e melhoram com o decorrer do uso, sendo mais bem tolerados quando já previstos(11). Reações adversas como náuseas, mastalgias, alterações do humor e ganho de peso ocorrem com menor freqüência nas formulações atuais e normalmente cessam após os primeiros ciclos(19). Quando usuárias de pílulas apresentam efeitos colaterais, a redução das doses contraceptivas pode beneficiá-las. Observa-se taxa significativamente menor de efeitos adversos com pílulas de 20 mcg, em comparação com as de 30 mcg de etinilestradiol(8). A redução do risco de tromboembolia é possível, desde que a dose de estrógenos não ultrapassasse 50 mcg e que nenhum aumento do evento seja atribuído ao tempo de uso. A probabilidade de ocorrência de doença coronariana não aumenta em usuárias, exceto quando houver outros fatores predisponentes(7). volume 5 nº 1 março 2008 48 DESVENDANDO MITOS SOBRE ANTICONCEPÇÃO HORMONAL ORAL NA ADOLESCÊNCIA As pacientes usuárias dos contraceptivos hormonais orais apresentam bom controle do ciclo e, conseqüentemente, há aumento significativo do hematócrito e da hemoglobina(16). A literatura médica relata que os contraceptivos hormonais orais de baixa dosagem não têm impacto significativo sobre o perfil das lipoproteínas. Eles apresentam alta eficácia e efeito cardiovascular reduzido. Os novos AHCOs com baixa dosagem hormonal podem oferecer alterações favoráveis no perfil lipídico. O efeito sobre o metabolismo da glicose, semelhante ao sobre os lipídios, está relacionado à potência androgênica do progestogênio e à sua dose. As formulações de baixa dosagem possuem efeitos adversos mínimos sobre os lipídios, e as novas formulações com desogestrel produzem alterações que podem ser benéficas pela elevação da lipoproteína de alta densidade (HDL) e redução da lipoproteína de baixa densidade (LDL). Quanto aos efeitos hepáticos, pode ser observado aumento da ocorrência de cálculos biliares no primeiro ano de uso apenas nas pacientes suscetíveis à doença calculosa biliar. Não foi constatado aumento do risco de carcinoma hepatocelular em usuárias de AHCOs(7, 11, 19). Pereira & Taquette Uma das principais queixas da paciente que inicia o uso da pílula anticoncepcional é o ganho ponderal, porém estudos comprovam que as medicações de baixa dosagem não levam a aumento do peso corporal(16). Quando avaliada a pressão arterial (PA), as atuais pílulas de baixa dosagem demonstram efeitos mínimos, como observado em algumas pesquisas(16, 19). As recomendações-padrão a respeito da ingestão nutricional e energética apropriada devem ser feitas de forma enfática, para que não haja correlação equivocada sobre o aumento ponderal em usuárias de contraceptivos. Os contraceptivos hormonais orais estão sendo usados cada vez mais cedo pelas jovens, portanto a detecção precoce das alterações lipídicas é importante para guiar as medidas preventivas, como modificação dos hábitos alimentares, iniciação da atividade física e exames periódicos(5). Os mitos negativos referentes à contracepção hormonal oral na adolescência precisam ser desfeitos pelos profissionais que trabalham com pacientes dessa faixa etária, já que, sem dúvida, o método produz uma anticoncepção segura, bem tolerada e eficaz. Também apresenta bom nível de satisfação e grande adesão pelas jovens, quando devidamente orientadas. REFERÊNCIAS 1. Aldrighi JM, Benzecry RM. Anticoncepção hormonal oral. In: FEBRASGO (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia). Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro: Revinter. 2000; 407-21. 2. Davis A, Wysockit S. Clinician/patient interaction: communicating the benefits and risks of oral contraceptives. Contraception. 1999; 59: 39S-42S. 3. Fletcher PC, Bryden PJ, Bonin E. Preliminary examination of oral contraceptive use among university-aged females. Contraception. 2001; 63: 229-33. 4. Gerstman BB, et al. Trends in the content and use of oral contraception in the United States, 1964-1988. Am J Public Health. 1991; 81: 90-8. 5. Guazzelli CAF, Lindsey PC, Araújo FF, et al. Evaluation of lipid profile in adolescents during long-term use of combined oral hormonal contraceptives. Contraception. 2005; 71: 118-21. 6. Halbe HW, Melo NR, Pompei LM. Anticoncepção hormonal oral. In: Halbe HW. Tratado de ginecologia. São Paulo: Roca. 2000; 796-807. 7. Halbe HW, Melo NR. Anticoncepção hormonal. In: Giordano MG. Ginecologia endócrina e da reprodução. São Paulo: Fundo Editorial BYK. 1998; 161-79. 8. Hope G. Gestoden, an innovative progestogen. Contraception. 1988; 37(5): 493-501. 9. Kunde A, Freitas F, Passos EP, et al. Anticoncepção. In: Freitas F (org.). Rotinas em ginecologia. 4 ed. Porto Alegre: Atmed. 2001; 191-210. volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde Pereira & Taquette DESVENDANDO MITOS SOBRE ANTICONCEPÇÃO HORMONAL ORAL NA ADOLESCÊNCIA 49 10. Leal MM, Amado CR. Anticoncepção na adolescência. In: Françoso LA, Gejer D, Reato LFN. Sexualidade e saúde reprodutiva na adolescência. São Paulo: Ateneu. 2001; 85-110. 11. Lima GR, Zamith R. Contracepção na adolescência. In: Lima GR, Girão MJBC, Baract EC. Ginecologia de consultório. São Paulo: Editora Projetos Médicos. 2003; 147-56. 12. Magalhães MLC. Anticoncepção na adolescência. In: Magalhães MLC, Reis JTL. Compêndio de ginecologia infantojuvenil. Rio de Janeiro: Medsi. 2003; 283-96. 13. Magalhães RR. 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Ribeirão Preto (SP): 1991. Dissertação de Mestrado, FMRB/USP. 21. Taquette SR, Vilhena MM, Silva MM, et al. Conflitos éticos no atendimento à saúde de adolescentes. Cad de Saúde Pública. 2005; 21: 1717-25. 22. WHO (World Health Organization). Improving access to quality care in family planning: medical eligibility criteria for initiating and continuing use of contraceptive methods. Geneva: World Health Organization; 1996. Adolescência & Saúde volume 5 nº 1 março 2008 50 ARTIGO ORIGINAL Celise Meneses1 Claudia Lopes2 Vera Cristina Magalhães3 Transtornos mentais comuns em adolescentes grávidas: um estudo piloto Common mental disorders among pregnant adolescents: a pilot study RESUMO A adolescência é um período caracterizado por grandes transformações físicas, psicológicas e sociais. Contudo a gravidez na adolescência não é um fenômeno recente. Historicamente, as mulheres vêm tendo filhos nessa etapa e, mesmo num contexto de intensa redução da fecundidade, não se constatou no Brasil um deslocamento correspondente da reprodução para faixas etárias mais elevadas, tal como ocorreu em países industrializados centrais. A maioria das mulheres brasileiras vem tendo, em média, dois filhos, e parte significativa delas tem encerrado precocemente suas carreiras reprodutivas por meio de uma laqueadura tubária, segundo a Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Brasil (BEMFAM)/Demographic and Health Surveys (DHS), em 1997. Nesse contexto demográfico, a gravidez na adolescência passa a ter grande visibilidade social, principalmente ao se exibirem os dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC), em que se observa aumento relativo dos nascimentos de mães com menos de 20 anos. O objetivo deste estudo é avaliar a presença de transtornos mentais comuns (TMCs) numa população de gestantes adolescentes atendidas no serviço de pré-natal de uma maternidade pública no Rio de Janeiro, bem como descrever o perfil sociodemográfico da referida população. Foi aplicado o questionário autopreenchível General Health Questionnaire (GHQ-12), instrumento amplamente utilizado para rastreamento de patologias psiquiátricas não-psicóticas, em uma amostra de 60 adolescentes grávidas. Foram igualmente aplicados questionários visando a obtenção de dados sociodemográficos, como renda familiar, raça, escolaridade e religião. A prevalência de TMCs na população do estudo foi de 60%, dado bastante relevante quando observamos a literatura. Concluímos, pois, que a gravidez na adolescência precisa receber maior atenção por parte das políticas públicas no sentido de minimizar o impacto sobre a saúde mental das jovens mães. UNITERMOS Gravidez na adolescência; depressão; ansiedade ABSTRACT Adolescence is a period when great physical, social and psychological transformations occur. Pregnancy in adolescence is not a recent phenomenon, historically women have been given birth during this time of life. Even though, all over the world birth levels showed important decrease during past years in Brazil we could not observe change in the trends of reproduction to higher ages like occurred in developed countries. Most Brazilian women have an average of two children and have been submitted to premature hysterectomy (BEMFAM/DHS,1997). Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC) show an increase in births from women under 20 years of age. Pregnancy in adolescence has become an important issue regarding this demographic context. The goal of this study is to assess the presence of common mental disorders among pregnant adolescents attending a public hospital in Rio de Janeiro, Brazil and describe the social and demographic profile of this population. The General Health Questionnnaire (GHQ-12) and a brief instrument regarding social and demographic issues have been applied to 60 pregnant adolescents. The prevalence of common mental disorders was 60% in the studied population and we concluded that adolescent pregnancy should receive more attention from public authorities in order to minimize the impact on mental health of young mothers. KEY WORDS Pregnancy in adolescence; depression; anxiety Médica do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ); mestra em Epidemiologia pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da UERJ; doutoranda em Epidemiologia pelo IMS/UERJ. 2 Professora adjunta do IMS/UERJ; doutora em Epidemiologia pela London University. 3 Professora adjunta do Instituto de Nutrição (INU) da UERJ; doutora em Epidemiologia pelo IMS/UERJ. Trabalho realizado na Maternidade Municipal Carmela Dutra, no Rio de Janeiro. 1 volume 5 nº 1 março 2008 Adolescência & Saúde Meneses et al. TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADOLESCENTES GRÁVIDAS: UM ESTUDO PILOTO INTRODUÇÃO A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA A partir de 1985, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Juventude, a adolescência despertou grande interesse no mundo, quando iniciativas foram desencadeadas visando o levantamento das necessidades sociais dos jovens. Esse processo de institucionalização refletiu mudanças que vinham ocorrendo quanto às expectativas sociais diante dessa etapa da vida, no sentido de reservá-la prioritariamente aos estudos, com vistas a capacitar os adolescentes para o ingresso, em melhores condições, no mercado de trabalho(28). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a adolescência como o intervalo de tempo compreendido entre os 10 e os 19 anos de idade, período que se considera caracterizado por grandes transformações físicas, psicológicas e sociais(34). A gravidez na adolescência não é um fenômeno recente. Historicamente, as mulheres vêm tendo filhos nessa etapa e, mesmo em um contexto de intensa redução da fecundidade, não se constatou no Brasil um deslocamento correspondente da reprodução para faixas etárias mais elevadas, tal como ocorreu em países industrializados centrais. No Brasil, dados do censo de 1991 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam uma tendência à diminuição do número de filhos por mulher em idade reprodutiva, que era de 5,8 em 1970, passou para 4,8 em 1980, para 2,9 em 1991 e 2,3 em 2000(17). Um estudo realizado por Gama et al.(12) indica que o município do Rio de Janeiro acompanhou, entre 1980 e 1995, a tendência ao aumento de gravidez precoce observada no país. Dado preocupante é que a faixa etária entre 10 e 14 anos, embora com menores taxas de fecundidade, foi a que apresentou a maior variação positiva (7,1% ao ano). A maioria das mulheres brasileiras vem tendo, em média, dois filhos, e parte significativa delas tem encerrado precocemente suas carreiras reprodutivas mediante laqueadura tubária, segundo a Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Adolescência & Saúde 51 Brasil (BEMFAM)/Demographic and Health Surveys (DHS), em 1997. Nesse contexto demográfico, a gravidez na adolescência passa a ter grande visibilidade social, principalmente ao se exibirem os dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC), no qual se observa aumento relativo dos nascimentos de mães com menos de 20 anos. Com o movimento de liberação sexual, intensificado a partir da década de 1960, o início das relações sexuais se tornou cada vez mais precoce e, concomitantemente, pôde-se observar aumento da freqüência de gestações de adolescentes, fenômeno que vem sendo observado em diversos países. A taxa de fecundidade no Brasil em mulheres na faixa etária entre 15 e 19 anos, no período de 1986 a 1991, chegou a ser 40% maior entre aquelas que apresentavam renda familiar de até um salário mínimo, quando em comparação com aquelas com renda familiar de 10 salários mínimos(5). O declínio das taxas de fecundidade desde a década de 1970 parece caminhar contrariamente à crescente incidência de gestação na adolescência(5), evento considerado em vários países um sério problema de saúde pública em virtude do impacto que pode trazer à saúde materno-fetal e ao bem-estar social e econômico de um país(19, 26). Em um estudo que avaliou os perfis sociodemográfico e psicossocial das adolescentes puérperas no Rio de Janeiro entre 1999 e 2001, Sabroza(29) observou que as condições sociais das puérperas que pertenciam ao grupo etário mais precoce (12 a 16 anos), que não possuíam união consensual, tendiam a ser bem piores. No mesmo estudo, das adolescentes que abandonaram a escola, 26,9% o fizeram por causa de gestações anteriores. Em estudo desenvolvido na Argentina, Geldstein e Pantelides(13) observaram o comportamento sexual de jovens adolescentes provenientes de diferentes classes sociais e constataram que aquelas oriundas dos estratos sociais mais baixos tendiam a ter comportamento sexual de risco, com maior prevalência de gestações não-planejadas, como também de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), ao contrário das procedentes de estratos sociais mais elevados, em que o maior e melhor acesso à educação propicia comportamentos volume 5 nº 1 março 2008 52 TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADOLESCENTES GRÁVIDAS: UM ESTUDO PILOTO que levam a maior proteção, tanto em relação à gravidez, quanto às DSTs. Em geral, adolescentes provenientes de famílias disfuncionais pobres, de pouca instrução, e cujas mães tiveram precocemente seu primeiro filho, correm maior risco de engravidar. Famílias com história de violência, abuso de drogas e doença crônica de um dos pais podem predispor as adolescentes à relação sexual prematura. Diversos autores constataram altas porcentagens de repetição das gestações entre adolescentes(6, 27). As meninas que apresentam reduzida auto-estima, baixo rendimento escolar e falta de aspirações profissionais também constituem um grupo de risco(25). TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA Nas últimas décadas tem aumentado o número de estudos que avaliam os transtornos mentais na população em geral. Entre eles, os mais importantes foram conduzidos nos países ocidentais e demonstraram que 90% da morbidade psiquiátrica nessas populações compõem-se de distúrbios não-psicóticos, principalmente depressão e ansiedade, incluindo uma série de queixas inespecíficas e somáticas(2, 8, 10). Existe consenso quanto ao fato de que os distúrbios mentais não-psicóticos representam importante fator de incapacitação e sofrimento e que, nos serviços primários de saúde, são uma parcela significativa dos gastos(14). Villano(32) observou a presença desses distúrbios em cerca de um terço dos pacientes de um ambulatório geral universitário no Rio de Janeiro. Coutinho(8) avaliou as principais pesquisas realizadas em população geral nos últimos 30 anos, demonstrando que, em 13 estudos, as prevalências de transtornos mentais comuns variaram entre 7% e 26%, com média de 17%, sendo 12,5% no sexo masculino e 20% no feminino. Muitos trabalhos desenvolvidos nessa área têm referido dificuldades que, em sua maioria, são geradas a partir de questões metodológicas e conceituais no que diz respeito à distinção entre quadros depressivos e de ansiedade, principalmenvolume 5 nº 1 março 2008 Meneses et al. te na população geral. Isso ocorre em função do modelo diagnóstico usado nesses estudos, modelo esse que se baseia em categorias nosológicas, apresentando critérios nos quais os transtornos mentais não-psicóticos não se enquadram. Do ponto de vista teórico, os transtornos mentais comuns (TMCs), como depressões e ansiedades, costumam gerar grandes controvérsias(4, 24). A natureza e a classificação desses transtornos têm suscitado discussões sobre se seriam eles doenças ou tipos de reações; entidades independentes ou conceitos arbitrários; se sua classificação deveria ser feita quanto a sintomatologia, etiologia ou patogenia(18). As medidas usadas para o diagnóstico de depressão e ansiedade possuem alta correlação e fraca validade de discriminação. Parecem existir características em comum entre as formas leves de depressão e ansiedade, o que não permite sua diferenciação. Tais questões vêm sendo estudadas em amostras clínicas e não-clínicas, sugerindo que ansiedade e a depressão sejam componentes de um processo de estresse psicológico geral(1). A gravidez é a primeira causa de internação (66%) de moças com idade entre 10 e 19 anos na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Aproximadamente um quarto do total de partos realizados envolve adolescentes nessa mesma faixa etária. A segunda causa de internação nessa mesma população corresponde ao grupo de causas externas, entre as quais a tentativa de suicídio(9). Alguns autores sugerem que a gravidez na adolescência associa-se a um risco suicida elevado, tanto na gestação quanto no pós-parto, paralelamente a uma maior incidência de depressão(31). Freitas e Botega(11) realizaram um estudo para determinar a prevalência de depressão, ansiedade e ideação suicida em adolescentes grávidas, verificando possíveis associações com variáveis psicossociais e observando prevalências de 23,3% para ansiedade, 20,8% para depressão e 16,7% para ideação suicida, que apresentou relação estatisticamente significante com depressão e com o fato de a adolescente não ter um companheiro. Maskey(22) avaliou adolescentes grávidas no Reino Unido por meio da aplicação do General Health Questionnaire (GHQ), em sua versão de 28 Adolescência & Saúde Meneses et al. TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADOLESCENTES GRÁVIDAS: UM ESTUDO PILOTO itens, e observou que cerca de 25% das gestantes apresentavam-se positivas para TMCs e que o fato guardava estreita relação com a incerteza sobre como seriam o desenrolar da gravidez e o parto. METODOLOGIA Este estudo é um piloto que faz parte de um projeto de tese que ora se desenvolve e que tem como título “Fatores associados a transtornos mentais comuns em adolescentes grávidas”. Trata-se de um estudo de corte transversal e base ambulatorial para investigação de fatores associados à ocorrência de TMCs numa população de adolescentes grávidas. A população de estudo constituiu-se de 60 jovens gestantes atendidas regularmente na Maternidade Municipal Carmela Dutra, no Rio de Janeiro. O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de TMCs e descrever o perfil sociodemográfico da população estudada. As características sociodemográficas foram obtidas por instrumento próprio, elaborado pela autora, que foi devidamente preenchido pelas gestantes adolescentes. Os dados socioeconômicos e demográficos incluíram idade, sexo, escolaridade, renda familiar, situação conjugal, raça ou cor, se é a primeira gravidez, se a gravidez foi desejada e se a mãe da adolescente também foi gestante quando era adolescente. Para avaliação dos TMCs foi utilizado o GHQ-12(14), que é estruturado e autopreenchível. O instrumento citado (GHQ-12) já está bem estabelecido e tem sido amplamente utilizado em pesquisas internacionais e nacionais para rastreamento de distúrbios psiquiátricos menores – depressão e ansiedade – em todas as faixas etárias, principalmente na população adulta(21, 33). Ele foi escolhido por ser simples, com poucos itens e de fácil compreensão quanto às perguntas e respectivas opções de resposta. O tipo de ponto de corte utilizado neste estudo foi aquele que considerou cada item como presente ou ausente, segundo o método do GHQ. Aqueles positivos para três itens do GHQ (em 12 itens) foram considerados casos de TMC(15). As respostas marcadas nas duas primeiras opções da pergunta foram julgadas negativas (auAdolescência & Saúde 53 sentes), enquanto as que tiveram como resposta as duas últimas opções foram consideradas positivas (presentes). As duas semanas anteriores ao preenchimento do questionário representaram o período de referência do GHQ. RESULTADOS Foram avaliadas 60 adolescentes grávidas que concordaram em responder ao questionário após serem esclarecidas sobre a importância do estudo e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido. No caso de serem menores de idade, o consentimento foi solicitado também aos responsáveis. A prevalência de TMCs nessa população foi de 60% (36 gestantes). A média de idade entre as participantes foi de 17,5 anos, e o tempo médio de gravidez, 6,4 meses. A maioria das adolescentes grávidas entrevistadas (27 meninas ou 45%) se declarou parda; 20 delas (33%), brancas; nove (15%), negras; três (5%) afirmaram ser “amarelas” e apenas uma (1,7%) se declarou indígena. Com relação à escolaridade, 19 meninas (31,7%) tinham o ensino fundamental (EF) incompleto; sete (11,7%), EF completo; 18 (30%) possuíam o ensino médio (EM) incompleto; 15 (25%), EM completo e apenas uma (1,7%) possuía o ensino superior incompleto. Entre as 60 participantes do estudo, 44 (73,3%) estavam na primeira gravidez e 16 (26,7%) já haviam ficado grávidas anteriormente, e, dessas, 13 declararam já terem tido duas gestações anteriores. A maior parte das entrevistadas (34 gestantes ou 56,7%) declarou que a gravidez não foi desejada. Com relação à situação conjugal, 41 adolescentes (68,3%) se declararam casadas ou vivendo em união, 17 (28,3%) disseram ser separadas e duas (3,3%), solteiras. Entre as 60 participantes do estudo, 40 (66,7%) não abandonaram a escola por causa da gravidez e 20 (33,3%) o fizeram. A renda familiar das participantes teve a maioria de 33 entrevistadas (55%) na faixa entre um e três salários mínimos; 20 (33,3%) na faixa de um; três (5%) entre três e cinco salários; e quatro entrevistadas (6,7%) na faixa de cinco ou mais salários mínimos mensais. Entre as 60 adolescentes volume 5 nº 1 março 2008 54 TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADOLESCENTES GRÁVIDAS: UM ESTUDO PILOTO entrevistadas, 36 (60%) tinham mães que engravidaram antes dos 20 anos (Tabela). DISCUSSÃO A prevalência de TMCs encontrada neste estudo foi maior que as relatadas em estudos semelhantes realizados com gestantes adolescentes(11, 22, 31). Também foi bastante superior aos valores encontrados para a população geral em estudo desenvolvido por Coutinho(8), em que as prevalências de TMCs variaram entre 7% e 26%, com média de 17%, Tabela PREVALÊNCIA DE TMCS ENTRE GESTANTES ADOLESCENTES E CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS DA AMOSTRA (n = 60) Idade em anos n % 13 1 1,7 14 4 6,7 15 7 11,7 16 11 18,3 17 6 10 18 5 8,3 19 7 11,7 20 19 31,7 Primeiro trimestre 6 10 Segundo trimestre 20 33,3 Terceiro trimestre 34 56,6 Negra 9 15 Parda 27 45 Asiana 3 5 Branca 20 33,3 Indígena 1 1,7 Ensino fundamental incompleto 19 31,7 Ensino fundamental completo 7 11,7 Ensino médio incompleto 18 30 Ensino médio completo 15 25 Tempo de gravidez Cor ou raça Escolaridade volume 5 nº 1 março 2008 Meneses et al. sendo 20% para o sexo feminino. Isso nos chama a atenção para o fato de que as jovens gestantes possivelmente enfrentam desafios concomitantes ao período que atravessam (a adolescência), o que, por si só, já é um fator gerador de estresse com tantas transformações acontecendo. Das gestantes avaliadas neste estudo, um percentual significativo (33,3%) havia abandonado a escola por conta da gravidez, semelhante àquele encontrado por Sabroza(29) em estudo que avaliou o perfil sociodemográfico de adolescentes grávidas e apontou que 26,9% das meninas que abandonaram a escola o fizeram por causa da Ensino superior incompleto 1 1,7 Ensino superior completo 0 0 < 1 salário mínimo 20 33,3 Entre 1 e 3 salários mínimos 33 55 Entre 3 e 5 salários mínimos 3 5 > 5 salários mínimos 4 6,7 Sim 44 73,3 Não 16 26,7 Sim 26 43,3 Não 34 56,7 Casada ou vivendo em união 41 68,3 Separada 17 28,3 Solteira 2 3,3 Sim 20 33,3 Não 40 66,7 Sim 36 60 Não 24 40 Sim 36 60 Não 24 40 Renda familiar Se é a primeira gravidez Se a gravidez foi desejada Situação conjugal Se abandonou a escola devido à gravidez Se a mãe engravidou antes dos 20 anos TMC TMC: transtornos mentais comuns. Adolescência & Saúde Meneses et al. TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADOLESCENTES GRÁVIDAS: UM ESTUDO PILOTO gravidez. Tal fato é muito relevante no sentido de que, ao largarem os estudos, essas jovens mães tendem à perpetuação da situação de pobreza em que muitas delas se encontram, pois ficam fora do mercado de trabalho e dificilmente voltam a estudar. A situação socioeconômica das adolescentes avaliadas revelou que a maioria (55%) se encontrava na faixa de renda familiar entre um e três salários mínimos e 33,3% estavam numa faixa de renda familiar menor ainda (menos de um salário mínimo). Tais valores corroboram o estudo citado anteriormente no qual os autores identificaram que adolescentes oriundas de estratos sociais mais baixos tendiam a ter comportamento sexual de risco, com maior incidência de gestações não-planejadas(13). Camarano(5) observou que a taxa de fecundidade no Brasil em mulheres na faixa etária entre 15 e 19 anos, no período de 1986 a 1991, chegou a ser 40% maior entre aquelas que apresentavam renda familiar de até um salário mínimo, quando em comparação com aquelas com renda familiar de até 10 salários mínimos. Neste estudo, um percentual significativo (56,7%) das jovens avaliadas revelou que a gravidez atual não foi desejada e 60% delas afirmaram que suas mães ficaram grávidas antes dos 20 anos, o que concorda com Pinto e Silva(27) e Coard et al.(6), que revelaram em seus estudos que adolescentes oriundas de famílias disfuncionais pobres, de pouca instrução, cujas mães tiveram precocemente seu 55 primeiro filho, correm maior risco de gravidez precoce e não-desejada. Os autores citados também constataram altas porcentagens de repetição de gestações entre adolescentes. Na amostra do atual estudo observamos que 26,7% das jovens avaliadas já haviam engravidado anteriormente. Outros autores afirmam que as adolescentes que apresentam reduzida auto-estima e baixo rendimento escolar também constituem grupo de risco para gestações não-planejadas(25). Na amostra estudada observamos que 31,7% das gestantes entrevistadas não haviam sequer concluído o ensino fundamental e que somente uma delas (1,7%) cursava o superior. Os resultados encontrados nos levam a afirmar que é necessário haver maior atenção à saúde mental das adolescentes que engravidam precocemente, tentando-se identificar fatores relacionados que possam ser efetivamente trabalhados, permitindo-se, assim, que nossas adolescentes possam viver essa fase tão importante da vida em sua plenitude, estudando e evitando sua transformação precoce em adultas, o que a elas é imposto no momento em que são responsáveis por uma nova vida, no entanto muitas nem estão preparadas para tal. É preciso que as políticas públicas de saúde contemplem essa parte tão significativa da população e que merece ter a chance de um futuro mais promissor, o que, necessariamente, passa por ter a opção de escolha em vários aspectos da vida, entre eles a hora de ser mãe. REFERÊNCIAS 1. Andrade LASG, Gorestein C. Aspectos gerais das escalas de avaliação de ansiedade. Revista de Psiquiatria Clínica. Edição especial – parte II. 1998; 25(6). 2. Bebbington PE, Hurry J, Tennant C, et al. Epidemiology of mental disorders in Camberwell. Psychological Medicine. 1981; 11: 561-79. 3. BEMFAM (Sociedade Civil Bem-estar Familiar no Brasil)/DHS (Demography and Health Survey), 1997. Brasil. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde; 1996. 4. Botega NJ, Bio MR, Zomignani MA, et al. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Revista de Saúde Pública. 1995; 29(5): 355-63. 5. Camarano AA. 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Aceita matérias inéditas para publicação na forma de artigos originais, artigos de atualização e relatos de casos. Os textos devem vir acompanhados de carta assinada pelo autor principal e por todos os co-autores para serem avaliados pelo Conselho Editorial e receberem aprovação para publicação. Os trabalhos devem ser enviados para: Adolescência & Saúde – Boulevard 28 de Setembro 109/fundos – Pavilhão Floriano Stoffel – Vila Isabel – CEP 20551-030 – Rio de Janeiro-RJ – Tels.: (21) 25876570 / 2587-6571 – Fax: (21) 2264-2082 – e-mail: [email protected]; ou para Diagraphic Editora – Av. Paulo de Frontin, 707 – Rio de Janeiro-RJ – CEP 20261-241 – a/c Jane Castelo – e-mail: [email protected]. SEÇÕES DA REVISTA A revista publica os seguintes trabalhos: a) artigos originais, sejam prospectivos, experimentais ou retrospectivos; b) artigos de revisão, inclusive metanálises, comentários editoriais e cartas de opiniões, quando solicitados a membros do Conselho Editorial; c) resumos de teses apresentadas e aprovadas nos últimos 12 meses. Os mesmos deverão ter, no máximo, duas laudas (de 2.100 caracteres, com espaços), incluindo, no mínimo, três palavras ou expressões-chave. O resumo deverá ser enviado em disquete. Em arquivo separado, apresentar o nome completo do autor e do orientador, membros da banca, data de apresentação e a identificação do serviço ou departamento onde a tese foi desenvolvida e apresentada; d) relatos de casos de grande interesse e bem documentados clínica e laboratorialmente; e) artigos de temas livres, resumos e trabalhos apresentados em eventos científicos. APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS É necessário que os trabalhos sejam apresentados em três vias, em páginas separadas e numeradas no ângulo superior direito. Os artigos deverão ser enviados com no máximo dez laudas (de 2.100 caracteres, com Adolescência & Saúde 57 espaços), sem contar as referências. Para os artigos que contenham gráficos ou fotos, o número de laudas deverá ser menor, dependendo da quantidade de imagens. Devem ser também gravados e apresentados em disquete, mencionando-se o nome do arquivo e do software utilizado e a versão. Devem vir acompanhados de carta do autor principal, autorizando a sua publicação e com a sua assinatura e a de todos os co-autores. O artigo passa a ser propriedade da revista, e as opiniões emitidas nos trabalhos são de responsabilidade única dos autores. a) Primeira página: • título do artigo; • nome(s) do(s) autor(es) e titulação(ões); • nome do serviço onde foi realizado o trabalho; • endereço, número de telefone, fax e e-mail do autor principal. b) Segunda página: • resumo com, no máximo, 200 palavras; • unitermos, no máximo cinco, formulados com base no vocabulário estruturado DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), que pode ser encontrado no endereço eletrônico www.bireme.br. c) Terceira página: • título em inglês; • abstract; • key words. d) Quarta página: • carta do autor principal, autorizando a publicação e com sua assinatura e a de todos os co-autores. e) Texto: • os artigos originais devem obedecer à seguinte seqüência: Introdução, Método, Resultados, Discussão e Conclusão. Referências bibliográficas: no máximo 20; • os artigos de atualização podem ou não ter subtítulos. Referências bibliográficas: no máximo 30; • os relatos de caso devem obedecer à seguinte seqüência: Introdução, Apresentação do Caso, Discussão e Conclusão. Referências bibliográficas: no máximo cinco. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Devem ser ordenadas alfabeticamente, com base no último sobrenome do autor principal, e numeradas. As citações serão identificadas no texto por suas respectivas numerações sobrescritas. Para apresentação das referências, devem ser adotados os critérios do International Committee of Medical Journal Editors. Exemplos: a) Artigos em periódicos: volume 5 nº 1 março 2008 58 NORMAS EDITORIAIS Dupont W, Page D. Risk factors for breast cancer in women with proliferative breast disease. N Engl J Med. 1985; 312: 146-51. Obs.: Quando houver mais de seis autores, devem-se mencionar os três primeiros seguidos de et al. b) Capítulos de livros: Swain SM, Lippman ME. Locally advanced breast cancer. In: Bland KI, Copeland EM. The Breast. Comprehensive management of benign and malignant diseases. Philadelphia: WB Saunders. 1991; 843-62. c) Livros: Hughes LE, Mansel RE, Webster DJT. Benign disorders and diseases of the breast. Concepts and clinical management. London: Baillière-Tindall. 1989. d) Referências de trabalhos apresentados em evento: Tarricone V, Novaes SP, Pinto RC, Petti DA. Tratamento conservador do câncer de mama. XI Congresso Brasileiro de Mastologia. Foz do Iguaçu; 1998. e) Referências de trabalhos de autoria de entidade: American Medical Association. Mammographic criteria for surgical biopsy of nonpalpable breast lesions. Report of the AMA Council on Scientific Affairs. Chicago: American Medical Association. 1989; 9-20. f) Referências de teses: Narvaiza DG. Expressão do antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) no epitélio da mama de usuárias e não-usuárias de anticoncepcional hormonal combinado oral. São Paulo: 1998. Tese de Mestrado, Unifesp-EPM. g) Artigos de periódico em formato eletrônico: Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg Infect Dis [serial online] 1995 Jan-Mar [cited 1996 Jun 5]; 1(1): [24 screens]. Available from: URL:http://www.ede.gov/neidod/EID/eid.htm. ILUSTRAÇÕES Solicita-se que tabelas, gráficos, figuras e fotografias sejam apresentados em folhas separadas, com legendas individualizadas, ao final do trabalho. Preferencialmente as fotografias devem ser em preto-e-branco, em slide ou volume 5 nº 1 março 2008 papel, e as despesas com eventual reprodução de fotografias coloridas correrão por conta dos autores. Fotos eletrônicas só serão aceitas em formato jpg com 300dpi de resolução. Os desenhos em traço precisam ter qualidade profissional para permitir sua reprodução. PONTOS A CONFERIR Antes de enviar seu artigo para publicação, verifique os seguintes pontos: 1. O resumo está de acordo com o abstract? 2. Os unitermos estão de acordo com as key words? 3. Na terceira página consta o título em inglês? 4. A carta de autorização para publicar o artigo, com a assinatura do autor e dos co-autores, foi enviada? 5. A divisão de tópicos está correta? 6. O artigo está dentro do número máximo de laudas? 7. Referências a) O número de referências está correto? b) Todos os artigos citados no texto estão presentes nas referências? c) Todos os artigos presentes nas referências estão citados no texto? d) Os artigos estão digitados de acordo com as normas da revista? e) Os nomes dos autores estão em ordem alfabética? 8. Tabelas a) As legendas são auto-explicativas? b) As tabelas apresentam autores que não estão presentes nas referências? 9. Figuras e fotos a) As legendas são auto-explicativas? b) Todas as figuras e fotos estão citadas no texto e viceversa? 10. Os valores numéricos (principalmente porcentagens) estão calculados corretamente? 11. O disquete a ser enviado contém todo o texto do artigo em Word? 12. As fotos eletrônicas estão em formato jpg com 300dpi? Adolescência & Saúde