A representação paterna nas famílias do século XXI
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A representação paterna nas famílias do século XXI
AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradecemos nossos familiares e amigos pelo apoio e paciência que a nós dispensaram durante a elaboração deste trabalho. Agradecemos também à professora Maria Helena Palma de Oliveira por ter nos ajudado a estruturar nosso pensamento, o que tornou possível esta pesquisa. Em especial, agradecemos ao professor Marcos Alberto Tadeu Cipullo e a professora Yael Gotlieb Ballas por terem nos ajudado, respectivamente, nas análises dos desenhos e na fundamentação teórica do trabalho. Agradecemos ainda à Marina San Martin Machado e Maribel San Martin Manara, diretoras do Berçário Petita Ltda EPP, que gentilmente nos autorizaram a realizar a pesquisa em suas dependências, bem como a seus funcionários que facilitaram o acesso às crianças e seus responsáveis. 1 DEDICATÓRIA Dedicamos esta pesquisa às crianças participantes e suas mães, que tão gentilmente se colocaram à disposição e tornaram possível a realização deste trabalho. 2 RESUMO No Brasil colonial as famílias eram numerosas e centradas na figura paterna, porém esta formação patriarcal sofreu grandes reveses. Família é hoje o espaço da vida privada em que cada um de nós divide com outros afeto e compromissos fidelizadores. Novos modelos de família surgiram, reforçando a noção de família nuclear, que funciona como núcleo que fará a passagem da criança do mundo biológico ao mundo social. Nosso trabalho pesquisou a reprodução do modelo do pai, quando a criança é privada do contato diário, devido a uma separação conjugal. O discurso social parece diminuir a importância deste, colocando-o, na separação, como alguém que só a pensão alimentícia tem a oferecer aos filhos, sustentando que a maternidade é algo da natureza da mulher, algo genético e, portanto, é com ela que a criança deve permanecer em situações de separação. 3 Nossa pesquisa buscou entender como a criança representa a figura paterna nos dias atuais e como ela percebe a importância desta, através de um estudo com quatro crianças pré escolares que moram com os pais e também com quatro que moram somente com suas mães, devido à separação conjugal. A intenção foi de procurar saber se há conseqüências nesta representação quando ocorre a separação dos pais. Essa pesquisa pretende contribuir à prática da psicoterapia familiar no sentido de construir conhecimento para que esse profissional possa adequar-se a uma realidade em transformação. O terapeuta não pode ter uma idéia pré concebida de um modelo de família ideal. Cabe a este ajudar seus clientes a procurar um caminho possível de ser seguido pela família com a qual interage, percebendo que cada família é um universo diferente. O presente estudo tem como referencial teórico a Psicanálise e a Teoria Crítica. Da Psicanálise trouxemos conceitos de complexo de Édipo e do papel essencial do pai na formação da personalidade do indivíduo. Na Teoria Crítica, discutimos os conceitos de criança e de família. Nosso trabalho utiliza como base um modelo da família nuclear burguesa, mas levando em conta a idéia de não naturalidade, de mutabilidade e de diversidade do conceito de família. Durante a pesquisa, procuramos ouvir cada criança como ser humano com significados afetivos que a determinam e não considerá-la como um aglomerado de condutas definidas a priori. Para podermos entender como a criança representa o pai utilizamos uma adaptação da técnica do desenho de família com história segundo Walter Trinca. As técnicas gráficas estão a favor da psicologia clínica, pois no caso de crianças, a expressão verbal pode sofrer inibições ou dificuldades, e nesse caso a expressão gráfica é mais satisfatória. A realização do nosso trabalho propiciou a percepção das diferenças na representação paterna entre os dois grupos de crianças. As crianças vindas de famílias patriarcais representam sua família, onde aspectos relacionados ao Complexo de Édipo aparecem visíveis em seus desenhos e relatos sobre os mesmos. Por outro lado, percebemos que as crianças vindas de lares onde residem só com suas mães, nem sempre representam a figura paterna em seus desenhos e, quando o fazem, fantasiam uma reconciliação dos pais. Desta forma, acreditamos que, com nossa pesquisa, conseguimos atingir nosso objetivo. 4 Porém, tendo em vista este resultado, é preciso considerar que, em nossa sociedade, ainda existe uma modelo idealizado de família. Não se pode dizer que somente a presença física do pai é essencial, e sim o papel psicológico exercido por este na vida do filho. Essa questão, dada a sua relevância, acreditamos ser mais adequadamente explorada em uma nova pesquisa. 5 “O essencial não é o que foi feito do homem, mas o que ele faz daquilo que fizeram dele”. Satre 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................... 7 2. REVISÃO DA LITERATURA............................................................... 13 2.1. A história da criança e da família - Uma abordagem da teoria crítica... 8 2.2. A separação dos pais e o inconsciente da criança - Uma abordagem psicanalítica ........................................................................................ 14 2.2.1. O divórcio - contar ou não contar?...................................................... 16 2.2.2. A função positiva dos deveres ............................................................ 18 2.2.3. A relação com os novos parceiros dos pais........................................ 20 2.3. O mito patriarcal ................................................................................. 23 2.4. Observação sobre o Édipo: O papel essencial do pai ........................ 25 2.5. A ilusão da universalidade .................................................................. 30 3. ABORDAGEM METODOLÓGICA ...................................................... 38 3.1. Sujeitos da pesquisa........................................................................... 33 3.2. Instrumentos de pesquisa................................................................... 34 3.3. Procedimentos da pesquisa................................................................ 35 3.4. Tratamento e análise dos dados......................................................... 36 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES DOS DADOS OBTIDOS ................ 46 4.1. Os casos do estudo ............................................................................ 41 4.1.1. Alice .................................................................................................... 41 4.1.2. André .................................................................................................. 49 4.1.3. Bianca................................................................................................. 53 4.1.4. Carla ................................................................................................... 59 4.1.5. Cassia................................................................................................. 66 4.1.6. Giulia .................................................................................................. 73 4.1.7. Luis ..................................................................................................... 79 4.1.8. Marcos ................................................................................................ 84 4.2. Discussão dos casos .......................................................................... 90 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 100 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS ANEXO A – SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DA ESCOLA ANEXO B – AUTORIZAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS DAS CRIANÇAS 7 1. INTRODUÇÃO 8 A família, como núcleo básico da organização humana, comporta hoje múltiplos modelos. O clã familiar funciona como um microcosmo social que não apenas reproduz, protege ou devolve ao mundo seus filhos, mas também determina valores ideológicos e culturais que moldam as sociedades. A família, vigorosa hoje como era nos primórdios da comunidade humana, é responsável pela iniciação social do indivíduo, que a ela permanece agregado durante toda a sua existência, por valores sentimentais, materiais e legais. Mas a família tem passado por grandes transformações nos últimos tempos. Em seu conceito básico, família é hoje o espaço de vida privada em que cada um de nós divide, com outros, afeto e compromissos fidelizadores. (Psi - Jornal de Psicologia , 2001). A estruturação da família sempre acontece em consonância com o momento histórico da sociedade na qual está inserida. Ariès, citado por Bruschini (1991), nos mostra que, na aristocracia européia dos séculos XVI e XVII, não havia separação entre o público e o privado. As famílias não se isolavam, viviam nas ruas e nas festas. Não havia funções afetivas e socializadora por parte da família, mas essa era constituída visando somente a transmissão da vida, a conservação dos bens, a prática de um ofício, a proteção da honra e da vida em caso de crise. No Brasil colonial, por exemplo, as famílias eram numerosas e centradas na figura paterna. Era uma formação patriarcal, em que a mulher era subalterna e os filhos seres tutelados e sem direitos. Ao homem cabia prover o lar por meio de seu trabalho; à mulher, permanecer em casa cuidando dos filhos; a esses, cabia estudar e obedecer à autoridade paterna. Não faz muito tempo que esse conjunto rígido de convenções, que nos soa absurdo, demarcava os papéis inflexíveis dos componentes de uma família. (Psi - Jornal de Psicologia, 2001). Porém, essa formação patriarcal viveu fortes reveses a partir da metade do século XX com o moderno capitalismo industrial. A família, hoje, explodiu em vários modelos. Por trás dessas transformações, temos as mais diversas causas, entre elas: a urbanização, a emancipação feminista iniciada na década de 60, o reconhecimento do adolescente como um ser de direitos (por meio de leis como o ECA) e a luta do movimento homossexual por direitos de cidadania. Muitos foram os fatores que contribuíram para uma divisão de poder que desestruturou o patriarcalismo. (Psi- Jornal de Psicologia, 2001). Ainda segundo esse trabalho, apesar da família estar mais fragmentada, ela não está acabando. A 9 maleabilidade nas relações de poder no seio da família, fez com que novas justaposições se concretizassem. Os recasamentos, a formação de casais homossexuais, os lares chefiados por mulheres, por exemplo, reafirmaram o conceito de família não feito apenas baseado em laços consangüíneos, mas também de laços afetivos. Esses novos modelos reforçam a noção de família nuclear. Sempre haverá algum núcleo que fará a passagem da criança do mundo biológico para o mundo social. Na realidade, apenas estão se criando outros tipos de estruturas que fazem a mediação entre o filhote e o mundo. A diversidade cultural proporcionada pelos novos modelos familiares faz com que o indivíduo tenha uma formação mais enriquecedora do que era possível no castrador sistema patriarcal. A diferenciação entre as famílias tradicionais e as novas formações só pode ser feita em tese. Na prática, as coisas se misturam. Não se pode afirmar que um modelo está superando outro. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, as tendências convivem proximamente. A estrutura familiar evoluiu para formas diversas que interagem. A família antes tinha estruturação homogênea, com rigidez e inflexibilidade. Hoje, a família não tem regras nem lugares definidos. (Psi - Jornal de Psicologia, 2001). Um bom exemplo dessa multiplicidade de formatos das famílias brasileiras são os dados do censo demográfico 2000 (IBGE, 2000). A pesquisa aponta que no ano de 2000, 24,9% dos lares brasileiros eram chefiados por mulheres. Em pesquisas datadas de 1998, podemos observar que vem crescendo o número de dissoluções conjugais no país, com dados de 193.244 divórcios e separações, frente a 698.614 casamentos registrados no mesmo ano. A pesquisa mostra que deste número de dissoluções conjugais, cerca da metade são separações judiciais e destas, em torno de 15% foram separações não consensuais. Com a emancipação feminina e a inserção da mulher no mercado de trabalho, o modelo de família patriarcal, aos poucos, foi sendo modificado, já que a mulher não mais dedica sua vida somente aos filhos, obtendo certa independência do marido. Na década de 90, a mulher fortaleceu sua participação no mercado de trabalho, com melhor poder aquisitivo e maior escolaridade, aumentando sua responsabilidade pelo comando das famílias. Esse dado pode ser percebido em pesquisas do IBGE, que afirmam que, em 1981, 16,9% dos domicílios eram chefiados pelas mulheres; dado esse que cresceu 10 significativamente, pois em 1990 a porcentagem subiu para 20,3% e, em pesquisa feita em 2001 esse percentual chegou a 24,9%. (Brasil, IBGE – 2001). Nas novas estruturações familiares, as mudanças nas relações de gênero, nas posturas estabelecidas aos papéis masculinos e femininos, têm sido bastante significativas. A tendência da família é suprimir esses opostos de gênero. Não se pode mais imaginar o pai como oposto à mãe, ou o feminino como oposto do masculino. Essas posturas vivem juntas e em constante movimento. Porém, temos que tomar cuidado, pois, uma das características das teorias do psiquismo, segundo Bezerra Júnior (1987), é a de pensar o homem, enquanto sujeito psicológico universal. É necessário, segundo ele, cuidado, pois, a necessidade de estabelecer cânones científicos, portanto, generalizantes e universais, para o estado da atividade psíquica humana, pode servir de caminho a uma concepção abstrata, a-histórica do sujeito. Seria como se todos os indivíduos se emocionassem, afligissem-se e reagissem a esses sentimentos da mesma maneira em todo lugar e em qualquer época. Nesse sentido, nos aprofundaremos um pouco mais no capítulo do referencial teórico. Conforme pesquisa feita em um site estabelecido por uma associação de pais que luta pela guarda compartilhada no Brasil, pudemos perceber que cresce o número de pais interessados em participar efetivamente do desenvolvimento de seus filhos, apesar de estarem separados de suas esposas. Segundo o que se observa nessa fonte, o homem de hoje parece não mais exercer somente o papel de provedor, e sim se mostra interessado em se aproximar dos filhos afetivamente. Esse fato pode ser confirmado no site pela luta dos pais a favor da guarda compartilhada, e também pela guarda alternada, onde ambos os pais participam do desenvolvimento dos filhos. Frente a essa aproximação, percebemos que muitas mães tentam inviabilizar essa proximidade afetiva do pai, o que fica mais explícito em caso de separação ( www.pailegal.net ). Com base em experiências pessoais, como os atendimentos clínicos de psicodiagnóstico, pesquisas na internet e, até mesmo, dos conhecimentos cotidianos podemos também embasar as afirmações acima. Pudemos verificar também no site que em quase 90% dos divórcios, os filhos ficam sob a guarda da mãe, e a visita do pai acontece a cada quinze dias. Pesquisamos como fica a reprodução da figura paterna quando a criança é privada do contato diário com o pai, em caso de separação. O discurso social 11 parece diminuir a importância desta figura, colocando-o como alguém que só a pensão alimentícia tem a oferecer aos filhos. Pensando nestes aspectos, o trabalho a ser desenvolvido pretende tirar a criança do lugar de objeto de disputa e entender como ela percebe a figura paterna, e se essa representação é construída positiva ou negativamente em casos de separação. Nossa pesquisa buscou descrever, analisar e interpretar essa representação. O estudo foi realizado com crianças que moram com os pais e também com crianças que moram somente com suas mães, devido à separação conjugal, buscando perceber como aparecem os papéis tradicionalmente reservados à família patriarcal, a mãe como figura acolhedora e o pai como a autoridade temida, no discurso das próprias crianças. O trabalho tem como objetivo, com base na visão da criança, entender como ela representa a figura paterna, como percebe a importância dessa figura e se existem conseqüências nesta representação quando ocorre a separação dos pais. A intenção é ouvir o discurso da criança já que, em casos de divórcio, ela quase nunca é ouvida. O propósito foi alcançado através da análise do desenho da família, enriquecido pelo discurso da própria criança. Em nosso trabalho, tomamos o cuidado de não usar a criança como objeto, pois estamos preocupadas sempre com a criança cidadã. Nesse sentido, estudamos Patto e Copit (1980) que, em uma análise qualitativa, concluíram que, em estudos feitos a respeito de criança, esta não era focalizada em sua condição de sujeito psicológico, em que se consideraria a sua subjetividade, mas como um ser-substância, que se identifica através de um “aglomerado de condutas definidas a priori pelo pesquisador”. Dessa forma, segundo as autoras, quando se busca a objetividade e a racionalidade sobre a criança, suprime-se de seus dados o ser humano com os significados afetivos que o determinam e, também, o contexto social e psicológico onde a criança está inserida. Assim sendo, tivemos a precaução de não tratar a criança como objeto de uso, mas como sujeito do próprio assunto. Essa pesquisa justifica-se pela necessidade de entender como é que a prática da psicoterapia familiar precisa compreender uma realidade em transformação e sem fronteiras definidas. Sabemos que, no contexto atual, existem vários tipos de família e é isso que, segundo vários terapeutas da família, facilita seu trabalho. Se o terapeuta tiver algo muito definido como bom e adequado, perderá a riqueza 12 das construções pontuais que cada família faz. A idéia é que, cada família construa para si a identidade em que melhor esteja adequada. Antes essa área da Psicologia mantinha uma postura intervencionista. Muitas famílias ainda procuram a psicoterapia, buscando atingir um padrão familiar parecido com o que é veiculado nos anúncios de margarina. Ao terapeuta cabe, nos dias de hoje, ajudá-las a perceber essa idealização, procurando o caminho possível de ser seguido pela família com a qual interage. A terapia da família está muito mais construtivista. O psicoterapeuta não tem a solução pronta: ele tem que ser também antropólogo e perceber que cada família é um universo, uma cultura diferente. 13 2. REVISÃO DA LITERATURA 14 2.1. A história da criança e da família – Uma abordagem da teoria crítica A estrutura do nosso trabalho passa primeiro pelo entendimento histórico da família e da criança. Para falarmos da criança, necessitamos entender um pouco da evolução histórica deste conceito. Dessa forma, tivemos que fazer um estudo sobre a evolução desse conceito. Neste sentido, estudamos Ariès (1986). Segundo ele, “as idades da vida ocupam um lugar importante nos tratados pseudo-científicos da Idade Média na Europa”. Na época eram empregados termos como infância e puerilidade, juventude e adolescência, velhice e senilidade, sendo que cada uma dessas palavras designava um período diferente da vida. Desde essa época, adotamos algumas dessas palavras para designar noções abstratas como puerilidade e senilidade, mas estes sentidos não estavam contidos nas primeiras acepções. Originalmente se tratava de uma terminologia erudita que, com o passar do tempo, tornou-se familiar. As idades correspondiam, no espírito de nossos ancestrais, a noções positivas, tão repetidas socialmente, que passaram do domínio da ciência para o da experiência comum. As idades da vida eram também uma das formas comuns usadas para conceber a biologia humana, em relação com as correspondências secretas internaturais. Segundo o autor, existem muitos textos da Idade Média sobre esse tema. Tratavam a infância como primeira idade, a idade em que nascem os dentes, idade essa que dura desde o nascimento até a criança completar sete anos. Quando a criança nascia era chamada de “enfant”, que quer dizer, em francês, não falante. Após a infância, vinha a Segunda, que era chamada “pueritia” e que durava até os 14 anos. Em seguida vinha a terceira idade, que era chamada de adolescência e poderia se estender até 30 ou 35 anos. Essa idade era chamada de adolescência porque a pessoa era grande para procriar. Durante o século XII ocorreu uma evolução. O antigo costume se conservou nas classes sociais mais dependentes, enquanto um novo hábito surgiu na burguesia, onde a palavra infância se restringiu a seu sentido moderno. A infância não se limitava pela puberdade. A idéia da infância estava ligada à idéia de dependência, ou seja, só se saía da infância quando se saía dos graus mais baixos de dependência. Por isso, palavras ligadas à infância iriam subsistir para designar homens de baixa condição, como por exemplo, os lacaios, auxiliares e os soldados. (Ariès, 1986). 15 Parece que a infância não tinha a importância que tem nos dias atuais pois, segundo o autor, até por volta do século XII, a arte medieval não representava a infância. Parece provável que a infância não tinha lugar no mundo, pois não se tratava de incompetência ou falta de habilidade. Para se representar crianças nas pinturas, os artistas utilizavam desenhos de homens em escala menor. Apenas o seu tamanho os distinguia dos adultos. A criança não estava ausente na Idade Média, ao menos a partir do século XIII, mas nunca era o modelo de retrato real, tal como ela aparecia num determinado momento de sua vida. Nessa época as pessoas não se apegavam às crianças por considerarem algo como perda eventual. Elas morriam em grande número e não se pensava, como pensamos hoje, que a criança contivesse a personalidade de um homem. Essa indiferença era uma conseqüência direta e inevitável da demografia da época. Persistiu até o século XIX, no campo, na medida em que era compatível com o cristianismo, que respeitava na criança batizada a alma mortal (Ariès, 1986). Para entendermos o conceito de família atual, recorremos aos estudos de Bruschini (1993), que fala sobre a evolução desse conceito historicamente. Segundo a autora, existe uma tendência à naturalização da família, tanto no nível do senso comum quanto da reflexão científica, que leva à identificação do grupo conjugal como base elementar familiar e a divisão de papéis e percepção de parentesco, como fenômenos naturais. O primeiro passo para que se possa estudar a família deveria ser o de “dissolver sua aparência de naturalidade, percebendo-a como criação humana mutável”, e observar que as relações entre grupo conjugal, rede de parentesco, unidade doméstica/residencial podem se apresentar de forma bastante diferente em outras sociedades ou diferentes momentos históricos. Ainda segundo este trabalho, ao lermos a literatura antropológica, poderemos perceber que, existe uma variabilidade das estruturas familiares e que se existisse algum grupo “natural” este seria, quando muito, a mulher e seus filhos. Segundo Bruschini (1993) Malinovski mostrou em seus estudos, que entre os trobiandenses, o grupo doméstico coincide com a unidade de reprodução, mas não com a unidade de parentesco. Murphy, analisando os índios Munducuru, descobriu que o grupo formado pelo marido, a mulher e os filhos é uma unidade de reprodução, herança e descendência, mas não de produção, residencial ou de comensalidade, pois na aldeia as habitações são coletivas, com dispensa e fogo 16 comum, onde todos os moradores se reúnem. Esses exemplos confirmam que a família, tal como a conhecemos, na nossa sociedade atual, não é uma instituição natural e assume diferentes configurações em torno da reprodução. De acordo com Bruschini, o modelo nuclear de família, que nos parece tão natural, só se consolidou por volta do século XVIII, segundo estudos históricos. Na Inglaterra, por exemplo, a história da família pode ser relatada em estágios, e é descrita a partir do período pré-industrial. Segundo ela, alguns autores ingleses, em seus estudos, afirmam que no primeiro estágio, homens, mulheres e crianças trabalhavam juntos tanto na casa quanto no campo e a unidade familiar era a unidade de produção. O segundo estágio é definido pela ruptura advinda da Revolução Industrial do século XIX e a industrialização da venda da força de trabalho. O terceiro estágio começa no início do século XX, onde a unidade da família é restaurada em torno de sua função como unidade de consumo. A vida se torna mais privatizada, a família extensa cede importância à nuclear e, dentro do casamento, os papéis sexuais se tornam menos segregados. Ariès, citado por Bruschini (1993), afirma que, na aristocracia européia dos séculos XVI e XVII não havia separação entre o público e o privado. As famílias não se isolavam, viviam nas ruas e nas festas. Não havia funções afetivas e socializadora por parte da família, mas era constituída visando somente a transmissão da vida, a conservação dos bens, a prática de um ofício, a proteção da honra e da vida em caso de crise. Ainda segundo Ariès, por volta do século XVIII, com a ascensão da burguesia, a privatização da família e a passagem das funções socializadoras para o âmbito mais restrito do lar burguês, constituem alguns dos mecanismos fundamentais para a constituição da família moderna. Ariès, preocupado no início com o surgimento da infância como categoria social, mostrou como a família moderna trouxe um novo conjunto de atitudes em relação às crianças. Ele se preocupou em mostrar em seu trabalho não só as dimensões da família como instituição, mas também a qualidade emocional das relações familiares, remetendo dessa forma para uma teoria psicológica da família. A partir do século XV, o Estado passou a interferir cada vez com mais freqüência no espaço social antes entregue às comunidades; o desenvolvimento da alfabetização e a difusão da leitura, sobretudo graças à imprensa; e o desenvolvimento de novas formas de religião. A família muda de sentido, deixando de ser uma unidade econômica e tendendo a ser um lugar de refúgio, 17 de afetividade, onde acabam por se estabelecer relações de sentimento entre o casal e os filhos e lugar de atenção à infância, sendo que esse lugar poderia ser bom ou mau. A família então desenvolve novas funções. Absorve o indivíduo, para recolhê-lo e também defendê-lo. Enquanto grupo, a família separa-se mais do que antes do espaço público. O pai de família torna-se então uma figura moral que inspira respeito a toda sociedade. Ariès também mostra que, nas famílias aristocráticas do Antigo Regime européio (séculos XVI e XVII) era atribuído pouco valor à privacidade, domesticidade, cuidados maternos, amor romântico e relações íntimas com as crianças. A vida emocional das crianças estava difundida através de vasta gama de figuras adultas e não gravitava em torno dos pais. Na família burguesa, o padrão emocional é definido pela autoridade restringida aos pais, profundo amor parental pelos filhos, uso de ameaças de retirada de amor, a título de punição, ao invés de castigos físicos. Na família camponesa, a autoridade e o amor estavam repartidos por ampla rede de parentes e aldeões, as relações entre pais e filhos não se caracterizavam por intimidade ou intensidade emocional. As sanções eram impostas com castigos físicos, ao invés de ameaças de retirada de amor. Segundo Bruschini (1993), na literatura sociológica, a reflexão sobre a família predominou na teoria funcionalista que, a partir da década de 50, dominou o pensamento norte-americano e que teve reflexos marcantes sobre a sociologia brasileira. De acordo com essa corrente, a família é, sobretudo, uma agência socializadora, cujas funções se concentram na formação da personalidade dos indivíduos. Como ao longo da história a família perdeu as funções de unidade de produção econômica e de participação política, a família teria a função básica de socialização primária das crianças e de estabilização das personalidades adultas da população. O funcionalismo acentua a importância da criança ter uma relação íntima e intensa com a mãe, nos primeiros estágios de seu desenvolvimento. Nessa família, os papéis desempenhados pelos adultos são diferenciados, assimétricos e complementares, o que possibilita a presença de modelos masculinos e femininos claramente definidos. Esse fato seria muito importante no processo de formação da personalidade infantil: enquanto o pai é o líder “instrumental” do grupo, a mãe desempenha papéis sociais de natureza “expressiva”, voltados, principalmente, para assuntos internos da família. Nesse modelo, a mulher deve ser esposa, dona-de-casa e mãe. Ela deve zelar pelo bem 18 estar físico e emocional dos dependentes e pela estabilidade das personalidades dos membros adultos do grupo. A Escola de Frankfurt, citada por Bruschini como outra importante vertente da sociologia, considera a família como agência socializadora e formadora da personalidade dos indivíduos, mas desenvolve linha de reflexão oposta ao funcionalismo. Faz uma crítica ao papel conservador desse grupo social e ao elemento de dominação nele presente, cujo mecanismo central esmagador da liberdade é a autoridade do pai sobre o filho. Lugar de adestramento para a adequação social, na família a criança aprende a relação burguesa com a autoridade. O filho aprende a desenvolver o respeito pela autoridade, através da idealização da figura paterna. No campo da psicologia, a família representa papel fundamental na teoria de Freud. O princípio básico da psicologia freudiana é o de que a estrutura da mente humana se forma na infância, o que desempenhou papel revolucionário no campo científico. Freud, em sua teoria, mostrou que a mente não é algo previamente dado, mas sim uma estrutura construída na infância, por intermédio de um longo processo de formação da personalidade e de estabelecimento de vínculos afetivos e emocionais, que ocorre dentro da estrutura familiar. Freud exerceu grande influência sobre a corrente funcionalista, que dele extraiu fundamentos do modelo de família nuclear burguesa e das relações de dominação nela contidas. Na teoria freudiana, podemos encontrar o ponto de partida para a compreensão da família como uma complexa teia de vínculos e de emoções, que se expressa simultaneamente através do ódio e do amor. Os estudos da família, depois de Freud, não podem mais analisar as relações familiares sem levar em conta o nível psicológico das relações sociais que se passam em seu interior. (Bruschini, 1993) Para que a teoria crítica sobre a família seja adequada, deve-se voltar também para o nível psicológico e formular categorias que permitam a compreensão de estruturas familiares que divergem em termos de seu padrão emocional. A família, além de ser um lugar onde se forma a estrutura psíquica, constitui um espaço social distinto, na medida em que gera hierarquias de sexo e de idade. Família é um lugar social onde as gerações se defrontam mútua e diretamente. É o lugar onde os sexos definem suas diferenças e relações de poder. Além da não naturalidade, da mutabilidade e da diversidade de conceito 19 sobre a família, outro aspecto importante a considerar é que, o conceito de família se refere, de um lado, a um grupo social concreto e empiricamente delimitável e, de outro, remete também a um modelo cultural e a sua representação. Ao analisarmos a família devemos, portanto, mover-nos tanto no plano das construções ideológicas, quanto no de seu papel na organização da vida social. (Bruschini, 1993). Ainda segundo esse trabalho, a autora explica que, como grupos sociais concretos, as famílias são unidades sintéticas ou resumidas, na medida em que a realidade não cabe por inteiro no modelo. Na sociedade ocidental moderna, na qual estamos inseridos, o modelo predominante de família é o grupo composto por marido, mulher e filhos. Isso pode ser confirmado pela pesquisa do Censo Demográfico 2000 (IBGE 2000), que aponta um número de 24075982 pessoas de dez anos ou mais de idade casadas frente a 2793780 desquitadas, separadas e divorciadas na região sudeste do Brasil. A relação conjugal é o elo mais forte e mais importante do que outros laços consangüíneos, como os fraternos. O que predomina é o parentesco bilateral. O papel do pai, via de regra, identifica-se com o do pai biológico. O controle da sexualidade feminina apoia-se na necessidade de determinar e garantir a paternidade biológica. Nesse sistema os indivíduos adultos pertencem a duas famílias distintas, de origem e de procriação. A realidade que se apresenta, porém, distancia-se bastante deste modelo nuclear e conjugal predominante em nossa sociedade. O grupo tanto pode extrapolar o modelo, pela inclusão de parentes e agregados, quanto nem mesmo realizá-lo, como acontece no caso de casais que não possuem filhos, irmãos que vivem sem os pais ou famílias nas quais está presente um só cônjuge. Em nosso trabalho, tomamos como base a estrutura da família burguesa, onde procuramos analisar dentro das relações familiares, como a criança representa, nos dias atuais, a figura paterna, tanto em famílias patriarcais como naquelas onde a criança resida só com a mãe. 20 2.2. A separação dos pais e o inconsciente da criança – Uma abordagem psicanalítica Para estudarmos a separação dos pais e o inconsciente da criança, utilizamos autores psicanalíticos. Dolto (1989), psicanalista francesa, enfoca psicologicamente como é para a criança a situação da separação dos pais, modificando, assim, a estrutura familiar, que deixa de seguir o padrão da família burguesa. A autora estuda a separação dos pais de maneira a destacar a importância da relação entre ambos com o filho. Ressalta ainda que, quando uma criança pergunta aos pais se eles irão se divorciar, ela, na verdade, gostaria de saber se o que está claro será assumido ou se aquela situação, a qual normalmente só os filhos são cúmplices, continuará. É importante que os pais expliquem aos filhos a diferença entre compromisso de marido e mulher e compromisso de mãe, pai e filhos. O divórcio legaliza o desentendimento de um casal, e isso traz uma solução para a angústia da criança, já que a discórdia é assumida para toda a família e os amigos. A autora destaca a importância da relação entre ambos os pais com o filho, afirmando que a criança estabelece uma triangulação mãe-pai-bebê, pois um filho é capaz de perceber melhor a voz do pai, devido ao tom mais grave, o que faz a mãe parecer “bivocal”. Dessa forma, o pai tem um lugar na vida do filho desde o nascimento. Dolto (1989) não contesta a díade mãe-bebê, conceito de Dr. Berge (in Dolto, 1989), que consiste na relação de simbiose que a mãe estabelece com o filho desde a sua concepção, e sim acrescenta o papel do pai. Para que o pai possa ocupar este papel importante na vida da criança é necessário que a mãe permita e incentive tal contato. Isso, de acordo com Dolto (1989), poucas vezes acontece, principalmente com um filho menino, já que, neste caso, a mãe representa um complemento sexual inconsciente, o que difere da filha menina, que tende a se voltar ao pai. Esse comportamento pode ser observado precocemente, pois é algo instintivo e inconsciente, manifestação da diferença sexuada. Para César (2002), o pai deve romper o vínculo simbiótico entre mãe e filho, mas isso só acontece quando a mãe, em seu discurso, permite que o pai seja visto como um terceiro nessa relação. Quando isso acontece, a criança percebe que não é tudo para a mãe e passa a ver o pai como o representante da 21 lei contra o incesto. Isso é necessário para que a criança aprenda a ouvir o não, a lidar com os limites e a se estruturar de forma saudável, sem gerar patologias. Essa relação de triangulação é percebida inclusive na amamentação, pois, segundo Dolto (1989), quando a mãe oferece o seio ao bebê em companhia do marido, a criança irá se sentir saciada graças à presença do pai, que funciona como um recurso afetivo da mãe, que passa o afeto ao filho através do alimento. Dessa forma, há uma troca de afeto entre os três, o que traz equilíbrio ao bebê. Ela afirma que o corpo da criança se constitui no espaço onde ela vive. Em casos de separação, esse ambiente muda, já que um dos pais vai embora, e aí a criança já não se reconhece, pois perde seus referenciais espaciais e temporais, vivendo uma desestruturação. Se a criança permanece no espaço onde vivia quando os pais moravam juntos, o divórcio é vivido de melhor forma. O divórcio deixa uma criança muito fragilizada. Os pais devem preservar o filho fazendo com que ele precise lidar somente com a separação, e por isso é melhor que a criança continue a morar na mesma casa onde vivia com o casal, e que seja mantida sua vida social, como permanecer na mesma escola, para que ela não tenha que lidar com outros conflitos. Para Dolto (1989), filhos de pais divorciados muitas vezes apresentam dificuldades em traçar objetivos futuros, pois essas crianças mostram medo de que seu casamento também acabe em um divórcio. Para elas, as referências são oscilantes. A criança sente-se o centro do mundo e quando algo que acontece gera sofrimento, ela acredita que é a causa da situação. É necessário dizer a elas que não são as culpadas. Esse sentimento de culpa acontece muito em casos de crianças que solicitam a presença de um dos pais constantemente, como, por exemplo aquela criança que exige a companhia da mãe para dormir. Na maioria das vezes, a mãe não consegue mostrar para a criança que ela prefere ficar com o marido mesmo que seu filho não queira; e por outro lado, o pai não ousa mostrar ao filho que o lugar da mãe é com ele. Nesse caso, os pais se tornam cúmplices dos caprichos da criança, e em caso de separação, a criança acredita que foi a causadora desse rompimento. Dolto (1989) explica que, quando a criança acredita ser a causa da separação, é porque essa crença é também um desejo, já que a criança deseja ser o único amor da mãe. A criança guarda uma grande culpa disso pois acredita que o comportamento edipiano provocou ciúme em um dos pais. Na verdade, o casal é que era frágil e não conseguiu achar 22 graça dos comportamentos incestuosos dos filhos, mostrando que eles não podem interferir na relação do casal. Muitos dos divórcios se dão em função da mulher deixar-se prender no papel de mãe e, dessa forma, não ser mais um apoio ao marido, permanecendo em um estado simbiótico com o filho. Esse estado não proporciona autonomia à criança, e deixa o filho torna-se o falo da mãe e, então, a mãe o falo do filho, que não consegue buscar outras relações. Estes são os casos daqueles filhos que, quando adultos, idealizam os pais e lhe dedicam a vida, abrindo mão da própria liberdade e sentindo-se na responsabilidade de sacrificarse pela mãe, ocupando não o lugar do filho, mas de cônjuge da mãe. 2.2.1. O divórcio – contar ou não contar? Martinez (1999) define o divórcio como sendo um período que traz uma necessidade de se desfazer os vínculos emocionais, sociais e legais. Segundo ele, essa dissolução é um processo complexo e demorado, e que freqüentemente não recebe a merecida atenção, no sentido de preparar essa dissolução de forma menos prejudicial para todos, principalmente para os filhos. Quando o casal percebe que seu casamento não mais funciona e conclui que o rompimento é a melhor saída precisa tomar cuidado para que o filho não seja usado como instrumento de agressão ao ex-cônjuge, o que freqüentemente acontece, fazendo com que a criança seja a maior prejudicada. O processo de pós-divórcio segue um curso que pode ser dividido em dois momentos, o divórcio conjugal e o divórcio parental. Martinez (1999) acredita que o divórcio conjugal consiste na separação judicial ou de fato, o que implica no distanciamento físico e afetivo, dissolvendo o vínculo matrimonial, que organizava a família na estrutura burguesa. Esse processo é muito doloroso para os filhos pois eles se vêem em uma situação sem possibilidades de escolha. Para essas crianças, pai e mãe são conceitos até então inseparáveis que trazem uma conotação afetiva e de proteção. A criança precisa de ambos em igual intensidade, pois eles são igualmente úteis e necessários afetivamente. Por isso o autor afirma que o divórcio conjugal freqüentemente conduz ao divórcio parental. Divórcio parental, de acordo com Martinez (1999), é quando o pai se afasta abruptamente ou paulatinamente dos filhos. Isso acontece porque existe uma 23 representação social que estabelece que diante de um divórcio o pai deve ir embora, o que traria, socialmente, uma estabilidade para o filho, já que ele não faz mais parte do lar da criança. Os filhos passam a ser propriedade natural das mães, e cabe a ela permitir ou não que o pai possa continuar sendo pai. Freqüentemente, esse fato traz uma desautorização da figura paterna, o que conduz a uma anulação deste papel. O pai é afastado de seu papel e passa a ser colocado no lugar de culpado, como freqüentemente ouvimos as mães falarem que o pai de seus filhos nunca ligou, não aparece. Para Dolto (1989), é essencial que os filhos sejam informados do que está acontecendo desde o início do processo, e de todas as decisões que o casal vai tomando, mesmo em caso de bebês. Isso vale também para divórcios realizados na justiça. É sempre importante explicar às crianças que as obrigações de pai e de mãe permanecem, contando o que foi estipulado pelo juiz a respeito da guarda dos filhos. Todo esse processo é complicado de ser vivido pelos pais, já que eles sabem que a separação trará sofrimento a seus filhos, mas a situação deve ser expressa por meio de palavras; caso contrário, a criança sentirá a angústia e os estados de excitação dos pais, o que trará um abalo na sua segurança. Quando os filhos têm conhecimento da situação, eles não vivem um sonho de pais inseparáveis, e isso é positivo, porque quando a criança vive a situação ela assume inconscientemente a separação. Essa realidade deve se tornar consciente para que seja humanizada, e não idealizada em fantasias. (Dolto,1989) Em uma situação de separação, o desgaste e a ansiedade são sentimentos inevitáveis, mas, de acordo com Silva (2001), não se pode deixar os filhos fora dessa realidade, pois isso favoreceria a multiplicação de fantasias trazendo danos maiores do que a realidade posta. O conflito deve ser enfrentado por todos, com os pais apoiando a superação dessa fase, para que a criança viva suas angústias e as supere-as, de forma que a situação favoreça seu crescimento e amadurecimento, já que os conflitos são inerentes ao ser humano. Dessa forma, a criança tende a se adaptar a nova vida, superando suas frustrações e lidando melhor com os limites. Dolto (1989) destaca a importância de que os pais enfatizem as crianças, no momento que contam sobre o divórcio, que não se arrependem da vida que 24 tiveram casados e que expliquem que houve amor em um dado momento. Quando os pais não assumem essa posição, a criança pode acreditar que o casal se arrepende de toda a vida conjugal, o que inclui o nascimento dos filhos. 2.2.2. A função positiva dos deveres Muitas crianças acabam se sentindo culpadas pelo divórcio, já que há todo um processo de guarda, o que traz grande desgaste para pais e filhos. No momento em que o juiz decide sobre a guarda da criança, ou no caso dos próprios pais a decidirem, é necessário que se explique ao filho a razão sobre tal decisão já que é comum que essa situação desperte interpretações falsas à respeito daquele que fica com o direito às visitas e passeios de final de semana. Dolto (1989) acredita que aquele que fica com a criança durante as férias é quem vive o mais importante tempo para a sua educação, pois são esses os momentos de relação mais profunda entre pais e filhos. Na opinião de Dolto (1989), antes dos quatro anos de idade a criança deve, preferencialmente, ficar sob a guarda da mãe; isso quando é ela quem cuida do bebê. Até essa idade, o filho precisa manter-se no lugar onde viveu e com quem lhe dispensou os cuidados, e o outro cônjuge deve visitá-lo no contexto onde ele vive habitualmente. À partir dos cinco anos, é preferível que a mãe e o pai tenham sua própria vida afetiva e sexual para que a criança não seja colocada em uma situação onde ela se perceba como cônjuge e filho, pois isso ocasionará um bloqueio em sua dinâmica estrutural, lembrando que a situação triangular é preferível para o desenvolvimento. Nessa faixa etária, seria mais saudável que o menino fosse viver com o pai e a menina com a mãe pois a criança precisa de modelos para se desenvolver como homem e mulher. É importante fazer com que os filhos entendam que os pais são seres sociais, e que eles obtém prazer em outras relações e atividades das quais eles não participam. Nos casos de divórcio em que a criança fica morando com a mãe e convive com o pai uma vez por semana, ou, mais freqüentemente, com visitas quinzenais, o papel paterno passa, obrigatoriamente, por um reajuste já que ambos, pai e filho, precisarão conviver com situações novas como a não convivência rotineira e a relação mediada pela mãe, o que freqüentemente resulta em uma relação sem empatia (Martinez, 1999). 25 Muitas crianças desenvolvem reações psicossomáticas quando visitadas pelo genitor descontínuo, ou seja, aquele que não tem o exercício da autoridade parental (Dolto, 1989). Os médicos deveriam entender melhor esses sintomas e explicar à criança que o corpo exprime os sentimentos que são difíceis de serem explicitados verbalmente. Os sintomas psicossomáticos não são maus sinais, mas uma linguagem que não é possível ser transformada em palavras pela criança. É comum um dos pais achar que o outro é uma presença maléfica ao filho quando este apresenta tais sintomas, mas o fenômeno não se deve a presença do pai ou da mãe, e sim da situação. Quando a mãe tem a guarda da criança, ela deve colaborar o contato com o pai, mostrando ao filho que no dia de visita ele deve se dedicar a este, mesmo quando a criança não quer vê-lo ou quando o pai não aparece para buscá-lo. Isso é importante para que a criança entenda que não pode se “apossar” da mãe e viver somente na companhia dela pois deve aprender a cumprir seus deveres de filho. Isso vale também para quando a criança mora com o pai. É necessário que as datas de visitas sejam conhecidas pela criança e que isso realmente aconteça. Convém que o pai e a mãe se entendam sobre o valor da presença de ambos para a criança e combinem a freqüência de telefonemas e visitas. A regularidade deste contato é mais importante do que a freqüência e é necessário que se respeite o que foi fixado para que a criança não fique na expectativa de algo que não aconteça (Dolto, 1989). Na prática clínica de Silva (2001) com crianças é comum que ele se depare com sintomas originados na separação dos pais. O autor afirma que tais sintomas aparecem não pelo fato de ter pais separados, e sim pela falta que faz o progenitor que não detém a guarda da criança. Essa ausência se dá devida a uma separação mal feita e pelo estabelecimento da guarda mais comum; exclusiva à mãe com visitas quinzenais pelo pai em finais de semana alternados. Esse tipo de guarda priva a criança do contato com o pai, pois o tempo cronológico da criança difere do adulto. Quinze dias é tempo suficiente para que essa criança tenha sentimentos de medo do abandono e conseqüente desapego com o pai. Esse convívio deveria ser feito mais intensamente, para que a criança não perca o referencial de ambos os pais e não vivencie esse sentimento de abandono. 26 A criança precisa saber que pertence a duas famílias, pois é necessário que os pais representem duas linhagens genéticas. Para Dolto (1989), essas duas linhagens oferecem integração da criança em sua história e cultura. Em casos de pais de duas etnias diferentes, é muito comum que a linhagem do genitor descontinuo desapareça na separação, não trazendo conseqüências consideráveis no decorrer da infância, mas repercutindo no momento em que essa criança se torna pai. É importante que o filho tenha nos pais modelos de cidadãos adultos, e por isso Dolto (1989) desaconselha a volta do adulto para a casa dos pais. Esse fato constitui uma regressão para a criança pois os pais passam a ser percebidos como irmãos mais velhos, não sendo mais modelos. 2.2.3. A relação com os novos parceiros dos pais A formação de um novo casal por ambos os pais é importante para o desenvolvimento sadio de uma criança filha de pais separados, segundo Dolto (1989). É preciso que haja um adulto que impeça a criança de ter intimidade total com seu genitor, independente da criança gostar ou não desta pessoa, pois é necessário que ela viva o Édipo. Isso é importante tanto em casais que se separaram cedo ou mesmo em crianças cujo Édipo já havia se estabelecido, para que ela viva uma variação do complexo edípico com esse novo adulto. Dolto (1989) afirma que os obstáculos nessa relação normalmente não partem da criança, e sim dos pais, que sentem-se enciumados do segundo casamento do ex-cônjuge e da afeição do filho pela madrasta ou padrasto. A criança precisa de vários adultos de sexos diferentes que cuidem dela, até mesmo quando bebês. Quando as crianças dizem que não desejam que o pai ou a mãe se casem novamente cabe a estes explicar que é desagradável que seus filhos não concordem com a decisão, mas que isso é importante e é uma decisão que eles não fazem parte. Quando os pais obedecem ao desejo do filho estão deixando-o em um lugar de bebê, congelando a própria vida. Quando as crianças pedem que os pais se casem novamente com outras pessoas elas estão, na verdade, tentando se livrar das pulsões incestuosas e colocar os pais no lugar de adulto. Isso é comum em casos de pais que voltam a morar com os próprios pais, o que mostra uma regressão ao estado infantil, bloqueando o crescimento dos 27 filhos. É preciso dizer aos filhos que se está namorando novamente, mesmo quando as crianças ainda não conhecem tal namorado, para que elas entendam que o adulto tem uma relação com outro adulto. Normalmente, a mãe - ou o pai não aceita que seu novo cônjuge tenha um papel educacional perante o filho do primeiro casamento, e isso é sentido pela criança. Assim, a criança rejeita a ordem dada pelo padrasto -ou madrasta - como se estivesse agradando sua mãe - ou seu pai. Quando a criança diz que os padrastos não gostam dela é necessário que os pais sejam firmes e façam com que os padrastos sejam respeitados, pois essa é uma tentativa da criança de regredir à uma relação primária, onde domina o genitor. O pai ou a mãe devem dar crédito ao companheiro e mostrar ao filho que ele não pode interferir nessa nova relação, e sim respeitá-la. É sempre prejudicial à criança que os avós se tornem o casal educador, a referência para a criança, pois ocorrerão duas situações: ou os avós passaram para a criança uma recriminação por seu filho ter se divorciado ou eles mostraram certa felicidade por poderem criar o neto como filho. É claro que também existem avós capazes de ajudar a criança a compreender o divórcio de seus pais, dando espaço para que o neto discute esse assunto com eles. (Dolto, 1989). Dolto (1989) acredita que a criança desconhece que tem direitos de alimentação, moradia e educação, entre outros e isso traz uma fantasia de que os adultos têm direitos sobre ela. Em casos de separação, essa fantasia fica ainda em maior evidência, pois é comum que o filho escute expressões como ‘direito à guarda’, ‘direito à visita’. Como toda a criança sente-se o centro da vida dos pais, essa situação traz uma disputa obsessiva entre mãe e pai sobre os filhos, o que deve ser evitado. Em julgamentos de divórcio, o juiz atribui a guarda a um dos pais levando em conta o interesse no melhor para os filhos, e isso acontece para aqueles que ainda não completaram 18 anos. Dolto (1989) acredita que essa lei não deveria estender-se até essa idade, pois um filho de pais divorciados tende a assumir a própria responsabilidade mais cedo. Isso seria mais saudável do que ficar sob os cuidados de um único genitor, principalmente quando este não se casa novamente, já que esse tipo de cuidado não conduz a autonomia da pessoa. É 28 preciso que o divórcio seja visto pelo casal como uma recuperação da liberdade, da vida de solteiro, e não uma disputa pela companhia do filho. Dolto (1989) sugere que toda a criança deveria ter o direito de ser ouvida em casos de divórcio dos pais, mesmo que o que ela pedisse não fosse acatado pelo juiz. Ao mesmo tempo, ela deveria ouvir a decisão do juiz e receber a explicação de tal decisão. Essa audiência deveria ser feita pelo juiz, recebendo a criança a sós. Ao mesmo tempo poderiam ser feitos alguns encontros com psicólogos, tanto para as criança quando para os adultos. Seria interessante se a criança também ouvisse do juiz que tem deveres como filho, de, por exemplo, manter relação com as duas famílias a que pertence. É necessário que a criança saiba que a decisão do juiz é baseada na lei. É comum que um dos pais, aquele que se sente injustiçado com a sentença dada pelo juiz, falar mal desta decisão como se ela fosse estabelecida de acordo com a vontade própria do juiz. A sentença sempre funciona como uma castração, mas é isso que faz um divórcio se desenrolar de maneira saudável. Dolto (1989) defende que o contato da criança com o juiz ocorra sempre que ela assim desejar, pois isso traz à criança uma sensação de ter o direito de expressar aquilo que sente. Isso não quer dizer que seu desejo deva ser atendido, mas sim de que ela tem o direito de pensar sobre si e sempre ser ouvida. Esse tipo de conduta respeita a dignidade da criança, pois está baseada na expressão da verdade. 29 2.3. O Mito patriarcal Muitos juízes de varas de infância estão atribuindo a autoridade parental ao pai, mas na maioria das vezes ela ainda é atribuída a mulher. De acordo com Dolto (1989), esse fato se deve à cultura do mundo ocidental, que atribui a responsabilidade da educação dos filhos a mulher. Por isso, ela afirma que a expressão ‘direito de visita’ deveria ser alterada para ‘dever de visita’, pois o fato de um dos pais não ter a guarda da criança não o exime da responsabilidade parental. Martinez (1999) acredita que a paternidade é papel freqüentemente esquecido em casos de divórcio porque existe um discurso social que sustenta que a maternidade é algo da natureza da mulher, algo genético, presente na identidade feminina. Os modelos de mulher - mãe são estereotipados, e reproduzidos com adaptações nas famílias. Isso também acontece com o homem, colocado socialmente no lugar de trabalhador, racional, dono do poder. Dessa forma, o papel paterno fica separado do estereotipo masculino, o que não acontece com a mulher. Dessa forma, cria-se um imaginário social de que a mulher é naturalmente melhor para cuidar dos filhos. É provável que essa idéia facilite a decisão da guarda dos filhos para a mãe, o que deveria ser melhor estudado para que se constatasse ser uma verdade ou apenas uma crença. O problema é que os mitos raramente são questionados, ao contrário, a tendência é que se reproduzam e ganhem forças. Muitos mitos contribuem para anular o papel do pai, tais como frases que costumamos ouvir no cotidiano: “Não existe melhor amor que o de mãe; mãe é mãe; pais podemos encontrar muitos, mas mãe é uma só”. Martinez propõe que haja uma revisão do conceito social de pai, associando tal papel a um indivíduo participativo e como sujeito emocional na relação com os filhos. O pai deve ser entendido como uma figura masculina que constrói laços afetivos e duradouros, baseado no apego emocional desenvolvido entre pai e filho. A cultura burguesa coloca um modelo de paternidade que consiste em um pai autoritário, provedor da família, alguém que preza a disciplina e se afasta das relações afetivas. As leis que regem casos de divórcio acabam sendo 30 influenciadas por essas determinações culturais, pregando que somente a figura materna é indispensável para a criação de um filho. Por isso, a maioria dos casos de divórcio concedem a guarda às mães, atribuindo ao pai uma convivência reduzida pelas visitas periódicas. Isso traz uma grande impossibilidade de participação do pai na educação de seus filhos. Esses modelos estão impregnados em nossa cultura, e é algo passado nas gerações, não sendo então, questionados. Com a separação, acontece uma privação do papel paternal e uma anulação do compromisso, como se o lugar de pai só pudesse ser ocupado quando existe a relação do casal. (Martinez, 1999) Em sua pesquisa, Martinez (1999) propõe que a escolha da guarda seja analisada de acordo com as condições individuais de cada um dos pais, dissociado dos estereótipos, visando outorga-la àquele que tenha maior capacidade de proporcionar à criança um desenvolvimento saudável. Ele coloca a possibilidade de ambos os pais compartilharem à guarda de seus filhos, encaminhando-os a guarda compartilhada, o que considera a opção menos maléfica a todos os implicados. Propõe ainda uma conscientização dos conceitos culturais dos papéis dos membros da família, o que traria uma reformulação do mito patriarcal, além de diminuir a onipotência materna no que se relaciona ao afeto para com os filhos, mostrando que o contato e o apego com ambos os papéis, materno e paterno, são benéficos e necessários para os filhos. 31 2.4. Observação sobre o Édipo: o papel essencial do pai Ainda dentro da abordagem psicanalítica, estudamos Nasio (1999). Ele explica que, para falarmos do Édipo do menino e do papel que o pai desempenha nele, normalmente enfatizamos o apego do menino à mãe como objeto sexual e seu ódio pelo pai. Sem renegar essa configuração clássica de Édipo, Freud privilegiou tanto a relação do menino com o pai que o autor não hesita em fazer do pai, e não da mãe, o personagem principal do Édipo masculino. Na primeira etapa da formação do Édipo, reconhece-se dois tipos de ligação afetiva do menino: um apego desejante pela mãe considerada como objeto sexual e, sobretudo, um apego ao pai como modelo a ser imitado. O menino faz de seu pai um ideal em que ele próprio gostaria de se transformar. Enquanto o vínculo com a mãe, como objeto sexual, se nutre do ímpeto de um desejo, o vínculo com o pai, como objeto ideal, repousa num sentimento de amor produzido pela identificação com um ideal. O autor explica que, o desejo pela mãe e o amor pelo pai, aproximam-se um do outro, acabam por se encontrar, e é desse encontro que resulta o complexo de Édipo normal. O menino incomoda-se com a presença da pessoa do pai, que barra seu impulso desejante dirigido à mãe. A identificação amorosa com o pai ideal se transforma, então, numa atitude hostil e acaba em uma identificação com o pai como homem da mãe. O menino deseja substituir o pai junto da mãe, a qual considera como objeto sexual, e se tornou o parceiro eleito de sua mãe. De forma natural, todos esses afetos dirigidos ao pai se cruzam e se combinam numa mescla de ternura pelo ideal, animosidade em relação ao intruso e vontade de possuir os atributos do homem. Segundo o autor, o essencial do Édipo masculino são as vicissitudes da relação do menino com o seu pai, e não como se costuma acreditar, com a mãe, pois é no vínculo perturbado com o pai que reside a causa mais freqüente da neurose do homem adulto. Ainda sobre este tema, Aberastury e Salas (1991), autores da literatura psicanalítica, afirmam que durante mais de meio século, a partir dos achados de Freud sobre as neuroses em adultos e crianças, tem-se enfatizado a importância da relação mãe-filho. No entanto, só nos últimos anos e muito timidamente, começou-se a destacar a importância que tem a figura do pai desde 32 os primeiros dias de vida e, até mesmo, desde o próprio momento da concepção. Um fator fundamental para a vida da criança revelado pela psicanálise é que seu nascimento tenha sido desejado; sentir-se filho do pai é tão fundamental para o desenvolvimento do indivíduo como o próprio fato de sê-lo. A psicanálise também permitiu provar que, desde muito pequenos, os filhos percebem a realidade interna do pai, da mãe e de seus sentimentos frente a ele. Ser adotado, haver nascido de um pai que não cumpre suas funções, ser filho de um divórcio, são fatos que a criança percebe em sua memória e que, mais tarde, entram em contradição com as semi-verdades, os ocultamentos e as mentiras do meio. Esses estudos foram, aos poucos, substituindo o acento posto à princípio na relação inicial com a mãe, e revalorizando a importância do rol paterno. As histórias clínicas, segundo os autores, mostraram sempre que uma criança sem pai, ou crescido junto a um pai psicologicamente ausente ou muito fraco, apresentava transtornos psicológicos ou orgânicos. Ao organizar-se com grupos de pais com a finalidade de estudar as zonas mais profundas do vínculo pai-filho, Salas chegou à conclusão que, sem incluir a importância precoce do pai na vida da criança, não se poderia compreender jamais nem seu desenvolvimento normal nem seus transtornos. O autor ainda nos lembra que Freud, em toda sua obra, apontou o complexo de Édipo como o nó da neurose infantil e adulta. Ao fazer sua auto-análise, Freud descobriu a importância da relação com a mãe e do papel fundamental que tinha o pai na vida do homem. Seus estudos sobre o complexo de Édipo situam a problemática criada pelo triângulo mãe, pai, filho, ao final da primeira infância, entre os quatro e cinco anos de idade. O tema da paternidade teria continuado a ser evitado, senão fosse pelas contribuições que trouxe posteriormente à Freud, a psicanálise de crianças. A primeira e mais importante dessas contribuições é a colocação do complexo de Édipo já no quarto mês de vida, ao invés de pensá-la no quarto ano de vida das crianças. A aceitação do complexo de Édipo precoce impôs a necessidade de reavaliar a importância da figura do pai neste período. Ainda que, suponhamos, a figura do pai seja fundamental ao longo de toda a vida do menino, há dois momentos em que adquire um destaque crucial, em que sua atuação real é decisiva para que o menino possa resolver seus conflitos. O primeiro momento, o qual o autor denomina de organização genital precoce entre os seis e os doze 33 meses de vida com a iniciação do triângulo edípico, e o segundo momento é o da entrada na adolescência, quando a maturação genital obriga a criança a definir seu papel na procriação, nas meninas com a aparição da menstruação e nos meninos com o surgimento do sêmen. Salas (1991) comenta também que as conseqüências da carência paterna são tão graves como as da materna, mas só recentemente foram estudadas com profundidade. Ter um pai presente não só significará poder separar-se bem da mãe, mas também encontrar uma fonte de identificação masculina, imprescindível tanto para a menina como para o menino, porque a condição bissexual do homem torna necessário o casal pai e mãe para que se consiga um desenvolvimento harmônico da personalidade. Tanto Freud como seus seguidores, conforme Salas (1991), consideravam que a relação dos pais com o filho é um ponto central para poder compreender o desenvolvimento do adulto. Salas relata que nos grupos que fez de orientação de mães e pais, ele pôde estudar a mudança no vínculo com o filho quando o pai se empenha no seu papel ao desaparecer a inibição ou conflito com a paternidade. Parece que todas as investigações feitas nos mais diversos países orientam na busca pelo modo de reforçar o papel do pai na família como um dos possíveis caminhos para a profilaxia da neurose infantil. Então, segundo Salas (1991), para favorecer e assegurar a higiene mental do homem, torna-se imprescindível a difusão de conhecimentos sobre o desenvolvimento normal e patológico e, em especial, sobre as funções que devem cumprir o pai e a mãe. É a sociedade que tende a fornecer ao indivíduo os requisitos indispensáveis para que essas funções possam se cumprir. Os pais precisam ser orientados no sentido de serem capacitados para receber o filho e criar-lhe as condições necessárias para um bom desenvolvimento. O autor, após muitas conferências, seminários ou grupos de estudo promovidos pela Organização Mundial de Saúde, pôde observar a importância que, nos últimos anos, dá-se ao papel do pai na saúde mental da criança, tantos nos seus aspectos preventivos como nos terapêuticos. Esse interesse então nos orienta ao estudo da função do pai da mesma maneira que, nos anos anteriores, os especialistas dedicaram à compreensão da função materna. 34 Os achados da psicanálise sobre a importância que tem o pai, desde a mais precoce infância, abriram caminho que conduz à profilaxia de muitos transtornos psíquicos e físicos nos filhos e nos pais. Essa ciência que começou sendo método terapêutico, transformou-se, progressivamente, em um enfoque psicológico e psicossocial, que fundamentou uma nova concepção de homem. Sua influência se estendeu desde a clínica até todos os ramos do conhecimento humano, os quais, por sua vez, ampliaram suas descobertas. Ao se conceber o enfoque psicanalítico, contempla-se a totalidade das condições históricas, sócioeconômicas, políticas nas quais o homem se movimenta. Os autores destacam que para a década de 80, época em que escreveram, as condições de vida exigiam que se intensificasse a luta contra a doença mental, evitando a mesma através da profilaxia desde a infância. Neste sentido, todo o esclarecimento sobre os papéis paterno e materno são fundamentais. Os autores destacam a tensão e angústia do mundo atual, as quais representam uma ameaça muito grave para a saúde mental. A estabilidade é o clima necessário para que um ser humano se desenvolva normalmente e hoje, cada vez mais, precisamos recorrer a tudo o que sabemos sobre o homem para podermos utilizar no intuito de equilibrar essa angústia. (Aberastury e Salas, 1991) Segundo o psicanalista Zimermam (1999), na literatura psicanalítica, a figura do pai tinha um relevo extraordinário na obra de Freud, enquanto na teoria Kleiniana a sua figura ficou muito ofuscada pela hegemonia que Klein atribui à mãe, sendo que, na atualidade, a psicanálise está resgatando a importância do lugar, papéis e funções pertinentes ao pai. Assim, dentre as fundamentais funções que devem ser exercidas pelo pai, as seguintes merecem ser destacadas: 1. A segurança e a estabilidade que ele dá, ou não dá, à mãe, na tarefa por vezes árdua e extenuante, de bem educar e promover o crescimento do filho; 2. Dentro da concepção de transgeracionalidade, é útil saber como foi o vínculo dele com seu respectivo pai e, até que ponto ele o está repetindo com seu filho; qual é a representação interna que ele tem da esposa (mãe da criança) e que influirá bastante naquela que o filho terá da mãe, e também qual o lugar que o pai ocupa no desejo e na representação que a esposa tem dele. 35 3. A ênfase que merece ser dada ao papel do pai incide no fato de que a sua presença, física e afetiva, é de fundamental importância no processo de separação-individuação, referente à díade mãe-filho. Em outras palavras, é o pai que no papel de “terceiro”, interpondo-se como uma cunha normatizadora e delimitadora entre a mãe e o bebê, irá propiciar a necessária passagem de Narciso e Édipo. 4. As adequadas frustrações impostas pela função paterna, pela colocação de limites, reconhecimento das limitações e aceitação das diferenças, promovem a necessária, embora dolorosa, passagem do princípio do “prazer-desprazer” para o da realidade. Da mesma forma, as frustrações promovem um estímulo às funções do ego da criança, especialmente a formação da capacidade para pensar. 5. As fantasias inconscientes que se formam em torno da “cena primária” e que vêm a desempenhar uma decisiva determinação na tão importante resolução do complexo edípico, dependem diretamente do comportamento dos pais, e de como cada um deles, por sua vez, resolveu em si próprio esses mesmos conflitos edípicos. Uma vez ultrapassada a ligação simbiótica com a mãe (graças à necessária presença e função castratória da figura paterna) e, resolvido o conflito edípico, a criança, mais assegurada em sua identidade, vai poder renunciar à mãe como seu interesse exclusivo e se abrir para uma socialização com o pai, irmãos e amizades. (Zimerman, 1999, p.107). 36 2.5. A ilusão da universalidade Um dado importante que gostaríamos de destacar é que, uma das características das teorias do psiquismo é a de pensar o homem enquanto sujeito psicológico universal. Segundo Bezerra Júnior (1987), é necessário cuidado pois, a necessidade de estabelecer cânones científicos, portanto generalizantes e universais, para o estado da atividade psíquica humana, pode servir de caminho a uma concepção abstrata, a – histórica e, por isso, acrítica do sujeito. É como se todos os indivíduos se emocionassem, se afligissem e reagissem a esses sentimentos da mesma maneira em todo lugar e em qualquer época. É necessário compreender, segundo o autor, que “o homem objeto das teorias de comportamento individual, não é um indivíduo dado, natural e universal, mas sim uma construção social, historicamente datada e geograficamente pouco uniformizada”. Muita confusão decorre do desconhecimento ou da pouca atenção ao fato de que a palavra indivíduo pode encerrar um duplo sentido. Ela pode estar sendo usada para designar a unidade física da espécie humana, o agente empírico da fala e da ação que é o átomo elementar de cada agrupamento humano. Por outro lado, ela pode ter o significado que predomina nas teorias do comportamento, e que deriva do universo ideológico das sociedades complexas modernas do Ocidente. Nesse sentido, a palavra indivíduo nomeia o ser moral dotado de características como a de se pensar autônomo, independente em relação às regras e grupos sociais, um sujeito que percebe dentro de si um complexo mundo interno onde imagina se situar a sua verdadeira identidade, que orienta a sua vida para a escolha livre de opções pessoais, etc. (Bezerra Junior, 1987, p.141). Outro ponto de essencial importância a ser destacado é o de como a criança é retratada pela Psicologia. Como já foi exposto na introdução do presente trabalho, Patto e Copit (s/d), concluíram que a criança não é focalizada em sua condição de sujeito psicológico, onde se consideraria a sua subjetividade, mas como um ser-substância que se identifica através de um aglomerado de condutas definidas a priori pelo pesquisador. Sendo assim, quando se busca a objetividade e a racionalidade sobre a criança e não com a criança, suprime-se de seus dados o ser humano com os significados afetivos que o determinam e, também, o contexto social e psicológico onde estão inseridos. 37 Também é relevante considerar que a criança, na pesquisa psicológica, é considerada como um ser a-histórico, cujas percepções, habilidades, necessidades, emoções e capacidades transcendem o tempo e o espaço onde ela está inserida. As pesquisadoras Copit e Patto (s/d, p.8) chegaram a essa conclusão pois verificaram que, na maioria das pesquisas por elas analisadas, “não havia qualquer referência à formação social em que a criança crescia, suas características econômicas e políticas e à maneira como o contexto macroestrutural influía sobre a própria constituição da infância enquanto etapa da vida nesta formação social específica” Perceberam também que o contexto sócioeconômico, quando mencionado, surgiu de duas maneiras: reduzido à expressão “nível sócio-econômico”, como se a divisão de classes alta, média e baixa fosse algo natural; e no âmbito da problemática denominada “marginalização cultural”, onde as populações marginais e suas crianças são consideradas como pessoas não pertencentes, excluídas do sistema social mais amplo e, portanto, passíveis de inserção, desde que passem por uma transformação de comportamento, habilidades e capacidades presentes nos níveis sociais considerados superiores, níveis esses em que se supõe serem detentores das respostas adequadas e adaptativas e, portanto, tomadas como padrão de normalidade. Outra conclusão que Patto e Copit chegaram em seus estudos foi que, a criança jamais é vista de forma integral, enquanto membro de uma classe social e submetida a determinações econômicas, culturais e políticas. A criança, segundo as autoras: “é seccionada em infinitos comportamentos e habilidades que, mesmo se reunidos, jamais levariam ao conhecimento da criança na sociedade brasileira, sua maneira de representar o mundo e de se representar no mundo, com toda a complexidade que o termo representação do mundo assume numa abordagem filosófica da práxis humana.” (Copit e Patto, s/d, p.9) Por isso, procuramos tomar o cuidado, em nossa pesquisa,de ter as crianças como sujeitos do próprio assunto e procuramos, também, tratá-las com respeito identificando-as somente através de pseudônimos com o intuito de salvaguardar suas identidades. Na nossa metodologia, utilizamos não só o desenho da família como também a própria linguagem da criança para podermos analisar e interpretar a representação paterna que ela possui. 38 3. ABORDAGEM METODOLÓGICA 39 3.1. Sujeitos da pesquisa Para podermos entender como a criança representa o pai utilizamos a técnica do desenho de família com estória segundo Trinca (1987) em 8 crianças de 5 a 7 anos, que estão cursando jardim e pré-primário em uma escola de educação infantil particular da zona norte paulistana. A técnica foi aplicada em 4 crianças filhas de pais que moram juntos e 4 filhas de pais separados A faixa etária das crianças escolhidas se deu em função de uma maior facilidade de acesso das pesquisadoras a essa escola, que funcionou como um de nossos campos de estágio. Além da técnica do desenho de família, foi enviado um pequeno questionário visando entender a situação familiar da criança, como a regularidade no contato com o pai em casos de separação. Realizamos ainda um entrevista aberta com as mães de todos os sujeitos, onde procuramos identificar a relação familiar da criança e seu contato com os pais, independente da separação. Isso porque não podemos negar que existem casais onde somente uma pessoa é responsável pelos cuidados do filho, e também casos de separação onde ambos os genitores decidem em conjunto a vida da criança. Nessa entrevista, procuramos abordar questões do dia a dia da criança, e realizamos questionamentos que visavam entender se ambos os pais planejam juntos a festa de aniversário do filho, se ambos freqüentam as festas e reuniões escolares para assim entendermos como é a participação dos pais. 40 3.2. Instrumentos de medida Faremos uma adaptação da técnica do desenho de família com estória, aplicando somente os desenhos de uma família qualquer e da própria família por serem estes suficientes para entendermos como a criança coloca a figura paterna no contexto familiar, e se há diferença nessa representação em filhos de pais separados e casados. Acreditamos que a aplicação destes desenhos não desperte na criança conteúdos de sua relação familiar que não serão trabalhados posteriormente, preservando, assim, os sujeitos da pesquisa. Para um melhor entendimento do desenho da criança, pediremos que ela conte uma estória sobre o que acabou de produzir e responda eventual inquérito. 41 3.3. Procedimentos da pesquisa Acreditamos que fazer as aplicações na escola da criança irá facilitar tanto a elas como também às pesquisadoras, pois as crianças estarão em um ambiente conhecido e não haverá necessidade de locomoção. O pedido de autorização à direção da escola para a aplicação da técnica foi realizada por ambas as estagiárias, pessoalmente, onde expusemos o objetivo de nosso trabalho. A direção nos recepcionou de forma tranqüila, interessando-se pelo tema e mostrando curiosidade nos resultados da pesquisa. Depois dessa etapa, elaboramos um explicativo que foi enviado aos pais expondo o objetivo do trabalho e pedindo a autorização destes para a utilização dos desenhos de seus filhos. Junto a essa autorização, anexamos um pequeno questionário que visa entender a situação familiar da criança, como separação ou não dos pais, contato do sujeito com o pai em casos de separação. O passo seguinte foi a aplicação da técnica nas criança, explicando a estas o objetivo do trabalho e pedindo a autorização delas para a análise de seus desenhos. Tal aplicação foi feita pela dupla de pesquisadoras na escola das crianças, de forma individual. Depois, a mãe de cada criança foi chamada na própria escola para uma entrevista com a pesquisadora que aplicou a técnica em seu filho, onde abordamos questões sobre relação familiar e contato paterno. 42 3.4. Tratamento e análise dos dados A técnica do desenho da família com estórias é um instrumento de avaliação que foi introduzido por Walter Trinca (in Cunha, 2000) tendo como origem as técnicas gráficas e temáticas. Segundo Trinca (1987), as técnicas gráficas são aquelas onde o sujeito se comunica fazendo uso de desenhos, pinturas, rabiscos entre outros, de forma espontânea ou dirigida. Essas técnicas estão a favor da psicologia clínica, pois no caso de crianças, a expressão verbal pode sofrer inibições ou dificuldades, e nesse caso a expressão gráfica é mais satisfatória. Em sua obra, Trinca (1987, p.2) cita Hammer, que afirma que “as pessoas tendem a expressar em seus desenhos,..., uma visão de si mesmas tal como gostariam de ser. Os desenhos representam uma forma de linguagem simbólica que mobiliza níveis relativamente primitivos da personalidade”. A técnica completa consiste em uma série de 4 desenhos de família, na seguinte ordem: Uma família qualquer; uma família que gostaria de ter; uma família onde alguém não está bem e a própria família. Após cada desenho, pedese que o sujeito conte uma estória sobre o que acabou de produzir, seguido de inquérito e finalizado com o título. Ao falar sobre a importância das estórias nos testes gráficos, Trinca (1987, p.15) citando Estern, afirma que o desenho combinado à linguagem no transcorrer ou ao término do mesmo traria o significado daquilo que foi representado, o que aconteceria no interior do sujeito enquanto ele se entregava a atividade. Essa técnica tem como objetivo detectar os processos e conteúdos psíquicos inconscientes e conscientes relacionados a dinâmica da família, ampliando o conhecimento do dinamismo da criança, já que este não é acessível em entrevistas habituais. Com a aplicação, o psicólogo pode conhece alguns aspectos das relações intrafamiliares do examinando, como eventuais conflitos, angústias e fantasias. Trinca (in Cunha, 2000) sugere que na avaliação desta técnica sejam observadas as características das figuras paterna e materna, os vínculos da criança com essas figuras, eventual representação do complexo edípico, a estrutura da família entre outros aspectos. 43 Cunha (2000) afirma que “não existe um roteiro padronizado para se interpretar o desenho da família, embora haja certa concordância entre autores sobre algumas hipóteses interpretativas”. De acordo com a autora, deve-se levar em conta a impressão geral do desenho, dando ênfase aos sentimentos do sujeito em relação ao que desenhou. Em sua obra, a autora cita Hulse, que sugere que ao aplicar essa técnica, o psicólogo perceba aspectos psicodinâmicos da criança, pois ela revela seus conflitos, sentimentos e atitudes frente aos diversos membros da família ao desenhar. É necessário prestar atenção no tamanho de cada personagem em relação aos demais membros que a criança representa, bem como a posição das pessoas colocadas no papel, a seqüência desenhada e eventuais omissões ou ênfases. Hammer (in Cunha, 2000) considera a técnica do desenho da família valiosa pois acredita que a criança revela a percepção de si e de sua família, bem como a sua relação com as figuras parentais, dando ênfase à análise do tamanho das figuras e a proximidade ou afastamento destas. No primeiro caso, uma mãe dominante apareceria como uma grande figura materna e um pai pequeno indicaria pouca valorização desta figura. Já a proximidade ou afastamento das figuras revela a relação dos membros da família; por exemplo, figuras desenhadas distantes umas das outras indicaria grupo familiar desunido, ausência de troca emocional. A criança pode ainda se colocar próximo a um dos pais e distante de outro, indicando sua preferência ou a situação do conflito edípico. Trinca (1987) afirma que as técnicas gráficas são importantes para às crianças porque em geral, elas não são capazes de compreender claramente suas questões, e por isso, não expõe verbalmente suas dificuldades, fazendo-a por comunicação indireta e inconsciente. Dessa forma, diversas técnicas são utilizadas e desenvolvidas na psicologia clínica para favorecer essa comunicação, e os desenhos estão entre as referidas técnicas. O autor cita, em sua obra, a abordagem de Bender sobre a comunicação gráfica, onde ele coloca que os desenhos equivalem ao conteúdo manifesto de um sonho, expressando os problemas e conflitos do sujeito, o que em conseqüência, torna-se importante para diagnóstico e terapia. A criança utiliza-se dos meios que estão ao seu dispor como forma de comunicação. Sendo assim, o grafismo é um elemento básico da 44 comunicação infantil, capaz de expressar em poucos traços a situação interior do desenhista, o que acontece de forma espontânea. A técnica de desenho-estória é um procedimento com características próprias, a fim de auxiliar a investigação da personalidade fornecendo dados clínicos. É uma tarefa não estruturada, que permite uma quase ilimitada possibilidade de respostas, e baseia-se no modo como o indivíduo percebe, interpreta e estrutura a situação, o que reflete características básicas de sua dinâmica, funcionando como uma tela onde são projetadas suas próprias idéias. As técnicas projetivas são menos suscetíveis as defesas do sujeito, porque não há a exata percepção daquilo que ele está dizendo de si, como ocorre em uma entrevista, por exemplo. Em se tratando de crianças, essas técnicas são ainda mais importantes porque a capacidade verbal é reduzida, e os desenhos surgem, então, como forma de comunicação natural. A avaliação da comunicação presente em um procedimento de desenhoestória deve se utilizar dos sinais e indicações que a criança mostra ao psicólogo durante a aplicação, pois, para Freud (in Trinca, 1987) a criança é egocêntrica, e em conseqüência disto, fala dela mesma no desenho. Trinca destaca que a compreensão da mensagem passada muitas vezes não é fácil, pois esta não aparece claramente, e a interpretação do desenho depende então da relação de empatia entre sujeito e aplicador, intuição daquele que realiza a análise e de um sistema referencial que possa ser correspondido com a mensagem contida no desenho. Os desenhos, suas estórias, as respostas do inquérito e o título devem ser considerados, na avaliação, um processo unitário de comunicação. Isso porque este procedimento pretende enfocar a mensagem como um todo, e não separar as manifestações gráficas das verbais, integrando os elementos significativos em um conjunto que diz respeito ao sujeito. De acordo com Ludke e André (1986), a tarefa da análise dos dados implica em organizar o material e a partir daí, identificar os padrões de maior relevância ao objetivo da pesquisa. Depois disso, o material deve ser reavaliado de forma que o pesquisador possa buscar relações com a teoria que foi pesquisada, explorando aspectos que mereçam maior atenção e eliminando outros dados que não sejam relevantes à pesquisa. A problemática passa a ser 45 delimitada, o que permite uma focalização no objetivo do estudo, trazendo maior produção dentro das questões obtidas na coleta de dados e favorecendo uma relação entre os dados obtidos na pesquisa de campo e a pesquisa literária sobre o tema. Essa relação entre as descobertas obtidas durante a pesquisa de campo e a revisão da literatura é fundamental, de acordo com os autores, para que seja possível concentrar os estudos em uma direção mais produtiva ao trabalho. 46 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES DOS DADOS OBTIDOS 47 4.1. Os casos do estudo 4.1.1. Alice Idade: 6 anos e 2 meses Data de nasc: 01/07/1996 Escolaridade: cursando o pré primário Mora com a mãe e com os avós Não mantém contato com o pai Data da aplicação: 24/09/2002 Genetograma: pai mãe filha Desenho de uma família qualquer: A criança pegou o lápis grafite e começou a desenhar uma casa, da esquerda para a direita. Depois fez a pessoa da esquerda, o carrinho de pipocas e a pessoa da direita. Quando lhe foi pedido uma estória, ela começou a contar, escrevendo: A: “Era uma vez uma menina que se chamava Viviane. Ela estava na rua e comprou uma pipoca. Pronto”. (terminou de escrever) D: “Era uma vez uma menina que se chamava Viviane. Ela estava na rua e comprou uma pipoca. Com quem ela estava na rua?” A: “Sozinha.” D: “Sozinha?O que mais aconteceu?” A: “Só”. D: “O que aconteceu antes?” A: “Antes?” D: “Antes de ela comprar uma pipoca”. A: “Ela estava passeando”. D: “Mais alguma coisa?” A: “Não. D: “Dá um título pra essa estória que você contou, pro seu desenho”. A: “Pela rua vou caminhando”.(escreveu) Desenho da própria família: A criança disse que começaria o desenho pela bisavó, comentando que não sabia fazer o cabelo. Desenhou a segunda pessoa da folha (bisavó), depois a terceira dizendo que era a tia, também comentando dos cabelos e da saia: 48 “Minha tia agora só anda de saia, antes ela usava calça jeans mas agora só usa saia. O cabelo dela é igual o da minha mãe”. A menina desenhou depois a quarta pessoa da folha e disse que era sua avó, que tinha acabado de cortar o cabelo. Nesse momento, contou que no dia dos pais fez o presente para o avô porque não sabia que seu pai iria na festa, mas ele apareceu. Ela disse que deu o presente para seu avô porque já estava escrito vovô, e que se soubesse que o pai viria, teria feito dois presentes. Depois desenhou a quinta pessoa da folha dizendo que era seu avô, e que ele usa sempre a mesma camisa de listras, parecendo que só tem essa. Após dizer isso, deu risada e disse que ele tem duas camisas, mas uma delas só usa para brincar com os cachorros e a outra, de listras, usa até para dormir. Comentou que era fácil desenhar seu avô, e que já sabia o título deste desenho: “Família Rocha Presse, porque minha mãe é Rocha, minha avó é Rocha e eu sou rocha Presse”. Depois disso disse que faria a mãe, que na folha aparece na primeira posição. Comentou que faria o cabelo mais comprido do que o da tia, e com uma blusa de florzinha que a mãe sempre usa. Enquanto desenhava a mãe, comentou que não quer que ela se case novamente, só se for com seu pai. Ela falou que queria ter um irmão, mas só se for com seu pai. A menina contou que quando pede para a mãe uma irmã, esta responde que vai lhe dar uma Barbie ou uma Suzi de irmã. Escrevendo... A: “Eu vou contar o nascimento da minha família. O primeiro que nasceu foi a minha bisavó. O segundo foi o meu vô. O terceiro foi a minha vó. O quarto foi a minha tia e a última é a minha mãe e você sabe que eu fui a última. (terminou de escrever) Pronto, que estória grande!” D: “Grande né! O que mais você conta dessa estória?” A: “Só.” D: “Só?” A: “Sim”. D: “O que acontece depois?” ... D: “Depois que você foi a última”. A: “É o fim da estória”. D: “Qual é o título dessa?” A: “Família Rocha Presse. Eu sei que meu nome é com sse”. 49 Entrevista com a mãe de Alice: D: “Quantos anos sua filha está?” M: “Está com seis”. D: “Ela está morando com você e com os avós?” M: “É, agora sim, a gente mudou semana passada, antes ela morava só comigo”. D: “Agora que você voltou pra casa de sua mãe?” M: “Sim”. D: “Você está separada desde quando?” M: “Faz quatro anos e meio, por aí. Ela tinha um ano e oito meses. Ela fez seis agora em julho. Ela era muito novinha, não sentiu, pelo menos não demonstrava”.. D: “Como é hoje, ela não vê o pai, você colocou que não tem contato”. M: “Eu pus que não tem contato porque ela vê duas, três, quatro vezes por ano. Ela às vezes fala do pai dela, mas dificilmente fala. Quando ele aparece ela fica toda alegre, contente, mas não é de ficar falando que está com saudade do pai, não é de ficar falando essas coisas, mas quando vê fica contente”. D: “Então ele não participa da vida dela, festas, aniversários, natal, datas comemorativas?” M: “Não, as vezes ele não aparece nem pra dar presente, às vezes dá, e outras nem um presente de natal, nada”. D: “Você acha que ela substituiu essa figura masculina por algum tio, avô?” M: “É difícil falar, é assim, quando minha irmã namorava ela gostava muito do namorado da minha irmã, era meu tio pra cá, meu tio pra lá. Tem também um amigo meu que ela gosta muito dele, é ele pra cá e pra lá, então eu não sei se é por não ter contato com o pai que quando ela tem um pouco mais de contato com um homem é assim. Meu pai é aquela coisa, avô mesmo, deixa fazer o que quer e quando tem algum homem que ela vê sempre, como o namorado da minha irmã, ele levava pra passear junto, a gente saía junto também e ela ficava toda assanhada. Teve uma época que ela queria que eu casasse de novo, quando ela tinha uns três anos e pouco ela queria que eu casasse com o pai dela, daí eu expliquei que com o pai dela não dava porque eu não gostava mais dele, e ela falava então casa com o Ronaldão, que é meu amigo, e eu respondia que não porque ele é meu amigo, não é meu namorado. E ela falava pra eu então casar com aquele gordinho ali. Ela queria que eu casasse com qualquer um que aparecesse na frente, você vê, aquele gordinho ali era o cara que estava passando na rua. Aí ela queria uma irmãzinha e depois parou, hoje ela não fala mais. Às vezes eu encho o saco dela, brincando, falo que eu vou casar, que vou ter outro bebê e ela fica brava, não quer de jeito nenhum nem que eu case muito menos que eu tenho outro neném. Agora ela não tem muito isso de ficar toda acesa com homens, quando era mais nova que ficava. Tinha um namorado da minha irmã, o Alexandre, que quando ela via ficava doida, queria brincar com ele, ficar atrás dele. A minha irmã não podia namorar com o cara que ela ia atrás no portão, ficava lá fazendo bagunça, pulava no colo dele... mas agora não tem muito essas coisas. A minha irmã casou agora, não com esse, com outro e ela não é assim com esse tio, ela gosta brinca mas não é aquela coisa. Não sei se é porque ela tinha afinidade mesmo com o outro, ou se era porque era menor. Eu sei que na época ela gostava muito dele”. D: “Quando ela pergunta do pai o que você responde?” M: “É, eu falo pra ela que não sei quando ele vem. Eu falo a verdade, né”. 50 D: “Ela o procura, tem telefone, pede pra ligar?” M: “Uma vez ele me deu o telefone, mas ele deu pra mim e não pra ele. Eu sei que o contato deles é assim, quando ela era mais novinha eu até deixava ele levar de vez em quando mas depois não deixei mais porque, sabe, não dava certo, ele é muito folgado”. D: “Você não tem confiança de deixa-la com ele?” M: “Não, sabe, ele marcava uma hora e não chegava, ficava de aparecer e não aparecia. Ela não é palhaça e nem eu, então eu comecei a cortar, e ele não insistiu. Eu posso estar até errada mas eu acho que é melhor ela vê menos do que ela vê, porque quando ela vê o pai todo mundo sabe porque ela fica outra”. D: “Qual tipo de comportamento ela apresenta?” M: “Ela fica assim, sabe, mais..., ela já não é flor que se cheire, e fica mais teimosa, mais espevitada, muda o comportamento. Ela fica assim uma semana, e olha que precisa ter saco pra aguentar, porque ela deixa qualquer um, por mais paciência que tenha, ela deixa a pessoa doida. Fica agitada, eu não faço muita questão que ela veja, mas as vezes ele passa na minha mãe pra ver, fala com ela cinco dez minutos e vai embora porque eu não deixo ele levar. Eu falo que se ele quiser ficar lá com ela pode ficar, eu nunca falei que tem que conversar com ela cinco ou dez minutos e ir embora, mas se não é pra levar ele também não fica”. D: “Quando ele fala de leva-la, ele fala na frente dela ou não”? M: “As vezes fala na frente dela, as vezes não”. D: “Quando fala na frente dela, ela diz que quer ir?” M: “Ela fala que quer ir, mas eu dou uma enrolada e não deixo. Até quando ela fez seis anos eu deixei ela dar uma voltinha com ele na casa da avó dele porque ela queria ver a avó dela. Ela não tem contato com ninguém da família dele, ninguém liga, ninguém visita, ninguém nada. Então quando ele às vezes pede, eu deixo ele levar ela pra dar uma voltinha de meia hora, uma hora pra ela ver a avó, pra ter contato com alguém do lado dele, porque fora isso ninguém nem tchum”. D: “E com você; como é a relação dela com a mãe?” M: “Depende, porque ela é assim, se eu tivesse que deixa-la na minha mãe pra sair quando eu morava na minha casa, ela ficava com minha mãe numa boa. Se a minha irmã quisesse leva-la pra passear ela vai, mas ela é bastante agarrada sim. É que ela dorme na minha mãe, passeia com minha irmã, minha mãe, minha tia, fica o dia inteiro longe, mas é bastante apegada independente disso”. D: “Ela é apegada mas permite que você tenha um tempo para você sair, passear?” M: “É, às vezes quando ela acorda no meio da noite ela vai pra minha cama. Eu não acostumei a dormir comigo, mas se ela acordar no meio da noite ela corre pra minha cama, às vezes até me enforca (risos). Ela é apegada em termos, não é chiclete, é uma coisa normal. O que é que ela desenhou, eu posso ver?”. D: “Pode” (mostrando os desenhos da menina). M: “Quem é essa aqui? Ela fez a bisavó, que ela vê uma vez por mês e não fez o pai. Sabe, eu até prefiro que ela não veja ele, porque quando a gente se separou ele queria voltar e chegou a dizer que ia me matar caso eu não voltasse pra ele. É por isso que eu não deixava que ela saísse sozinha com ele, já pensou se ele fizesse alguma coisa com a menina. No aniversário dela deste ano ele deu uma bicicleta usada pra ela, e teve a cara de pau de falar que era do filho da mulher que ele está agora, e que o dinheiro que ele ia usar para comprar o presente ele deu pra esposa dele comprar roupa nova pro menino. Na páscoa do ano passado 51 ele teve coragem de aparecer um mês depois com um ovo de páscoa dizendo que esperou um pouco porque depois os preços ficam mais baixos...”. Análise do desenho de família de Alice: No primeiro desenho, podemos observar que a menina aparece sozinha, conforme ela fala na história, apesar do pedido de que se desenhasse uma família. Neste desenho, aparece uma outra figura humana feminina, mas que não é citada pela menina em nenhum momento da história. Isso pode indicar que a menina não se sente parte da família, tanto que está fora de casa e em uma história que intitula “Pela rua vou caminhando”. Essa frase nos traz indícios de que a criança está sem rumo, excluída da casa. Isso pode estar refletindo o momento de vida atual, pois a mãe contou durante a entrevista que se mudou na semana anterior ao teste com a filha para a casa de seus pais, pois antes moravam somente as duas. Isso pode ainda se confirmar no segundo desenho, onde ela não se representa. No desenho da própria família, a menina não representa a figura paterna, porém o cita enquanto desenhava o casal de avós. Neste caso, o avô é a única figura masculina do desenho. Quando fala do pai, mostrou certo arrependimento por não ter feito para ele o presente do dia dos pais, se justificando com o fato de não saber se ele apareceria. Contou ainda que se soubesse faria dois, deixando claro que reconhece o avô como uma referencia masculina, e por isso não cogita tirar seu presente e oferecer ao pai. Alice indica que há um desejo de que esse pai faça parte de sua família, e que para ela isso só é possível se a mãe se casar novamente com ele. Parece que há uma tentativa de cria a própria família, pois fala na história que gostaria de ter uma irmã, mas somente se fosse filha de seu pai com sua mãe, o que nos faz supor que ela só teria uma família se fosse nessas condições, pois quando representa o desenho da própria família, desenha a família da mãe, e não se inclui nesta. Quando conta a história sobre a nascimento das pessoas, disse que a mãe foi a última a nascer, e no final afirma para a aplicadora que esta sabia que ela havia sido a última, se colocando na família em uma momento onde a história já parecia ter terminado, talvez pedindo da aplicadora uma confirmação de que faz parte da família. Ainda nos chama a atenção o fato do avô ser representado pela menor figura humana, o que pode indicar uma desvalorização da figura masculina. Isso pode ainda ser percebido no 52 fato da menina comentar que o avô tem somente duas blusas e usar sempre a mesma. Essa desvalorização possivelmente se dá pela ausência paterna. A mãe, ao ver os desenhos, achou interessante o fato de a filha ter desenhado sua bisavó, já que a vê somente uma vez ao mês. Isso nos induz a pensar que a bisavó é alguém bastante afetiva, por ser a figura dominante do desenho e aparecer de braços abertos e mãos grandes, com uma flor estampada na blusa. 53 54 55 4.1.2. André Idade: 5 anos e 11 meses Data de nasc.: 21/10/1996 Escolaridade: cursando o pré primário Mora com os pais, um irmão e um tio Data da aplicação: 03/10/2002 Genetograma: pai Fi lho mãe Fi lho Desenho de uma família qualquer: O garoto pegou o lápis grafite e desenhou uma figura feminina do lado esquerdo da folha. Depois desenhou uma figura masculina ao lado da primeira, na parte superior. Em seguida desenhou a pessoa que está abaixo da segunda, seguida pela pessoa a direita, e por ultimo a figura maior, no canto direito da folha. O menino fez todos os desenhos de figura humana começando pela cabeça, depois o corpo, os membros e por último o cabelo. No final da atividade, desenhou o solo. A: “É a minha família. A minha família foi na praia, a minha família. Depois eu fui numa festa, depois eu fui no Hopi Hari, depois eu fui no Playcenter. Depois eu fui na casa da minha avó”. D: “Quem é quem aqui no seu desenho?” A: “Esse é meu pai (5º), minha mãe (4º), não. Meu pai (5º), eu (4º), meu irmão (2º), minha mãe (3º) e minha, minha tia”. D: “E o que mais?” A: “Só”. D: “Primeiro vocês foram para a praia. E aí, o que vocês estavam pensando?” A: “A gente ficou cinco anos na praia”. D: “Cinco anos. Por que tanto tempo?” A: “Meu pai falou, (silêncio), que era pra ficar cinco anos no Playcenter e no Hopi Hari”. D: “E o que as pessoas pensavam disso?” A: “(silêncio). É, meu pai, minha mãe falou que, que todo mundo, não, ... meu pai falou que não era pra ficar brincando no mar”. D: “Por que?” A: “Se não o brinquedo ia lá pro fundo do mar”. 56 D: “E o que as crianças pensavam de não poder brincar no mar?” A: “A gente brincava na areia”. D: “E era legal ou era chato brincar na areia?” A: “Legal”. D: “Depois que voltaram da praia você falou que foi no Playcenter, no Hopi Hari e na casa da avó. Como foram esses passeios?” A: “Depois eu ainda fui na casa da minha tia”. D: “Só você?” A: “Meu pai, eu e o meu irmão. Minha mãe não foi”. D: “Por que?” A: “Ela estava doente”. D: “E como termina essa estória?” A: “Eu não sei”. D: “Dá um título pra essa estória”. André escreve ELA, e se levanta para ir embora. Entrevista com a mãe de André (por telefone): As entrevistas com as demais mães foram realizadas na escola das crianças. No caso da mãe de André, foi feita por telefone, já que esta nos deu como alternativa entrevistarmos pessoalmente o pai do menino ou usarmos o telefone para falar com ela, alegando que não tinha tempo para ir até a escola da criança. D: “Qual a idade do André?” M: “5”. D: “A data de nascimento dele qual é?” M: “21/10/96”. D: “Ele é o filho mais velho ou mais novo?” M: “Ele é o mais novo”. D: “Qual a idade da senhora e de seu marido?” M: “Eu tenho 33 e o meu marido, pai dele tem 31”. D: “Como é o relacionamento de André com o pai?” M: “Ah, é muito bom, normal no meu ponto de vista né. Ele é muito grudado com o pai, porque onde o pai vai ele também quer ir, o que o pai faz, ele também quer fazer, ele quer fazer tudo igual sabe; até mesmo as músicas que o pai dele gosta ele também diz que gosta”. D: “O pai participa de reuniões escolares, organização de festas de aniversário, cuidados diários da criança?” M: “Sim, o pai leva na escola, fica bastante junto com ele. A gente aqui em casa tem o costume de sentarmos todos juntos para almoçar ou jantar, e o pai dele leva bastante pra sair, pra passear”. D: “Quem é o responsável pelos limites do menino?” M: “Eu acho que os dois, sabe, porque ele é bastante obediente. Eu acho que quando precisa mais de um limite mesmo, uma bronca, aí é comigo. Eu sou mais firme, quando precisa eu pego a cinta e só ameaço ele que daí ele já fica mais quieto”. D: “Como é o relacionamento da criança com os demais membros da família?” 57 D: “Ele é bastante apegado com todo mundo. Tem o tio dele que mora aqui, ele tem 33 anos e vai casar no final do ano, daí vai mudar. As vezes a namorada dele vem e fica aqui, no final de semana. Hoje mesmo meu filho viu que o tio ia na casa da mãe dele, minha sogra, e ele chorou pra sair com o tio, mas não dava pra ele levar. Ele até ligou pro pai pra saber se dava pra levar ele pra lá depois, então ele queria o tio e também quer o pai junto”. D: “O menino sente ciúmes dos pais?” M: “Ele sente ciúmes da gente com o Caio, que é mais velho. Mas eu acho que é normal porque é só quando a gente agrada o Caio, dá alguma coisa pra ele que ele fala que a gente gosta mais do Caio do que dele, essas coisas de irmão”. Análise do desenho de André: O desenho da criança apresenta traços infantilizados, com representação corporal mais elaborada para as figuras que representam a tia, o pai e a ele próprio. O menino representa uma linha de solo, mas as figuras humanas não estão apoiadas nessa base. A figura do pai é aquela que aparece em tamanho maior, o que sugere a autoridade paterna, além de mostrar também uma identificação com este, já que ele se desenha ao lado do pai. A figura materna aparece em tamanho diminuído, até menor do que a da tia, o que reforça a idéia de que o pai é a autoridade da família. Essa hipótese é reforçada na história do desenho, onde o menino cita muitas vezes o pai, e quando cita a mãe a exclui de um passeio. Na história, o pai é citado como alguém que dá a ordem e é obedecido. Na entrevista com a mãe, ela indica que o filho se identifica com o pai quando fala que ele quer fazer tudo igual ao pai, e até mesmo gostar das músicas que o pai gosta. Ainda na história, é interessante destacar que André exclui a mãe de uma passeio, onde coloca o pai e o irmão, alegando que a mãe não fora porque estava doente. Logo em seguida, ele termina a história e diante do pedido de um título, ele escreve “Ela” em letras grandes, bem no topo da folha. 58 59 4.1.3. Bianca Idade: 5 anos e 5 meses Data de nascimento: 23/04/1997 Escolaridade: cursando o pré-primário A criança mora com os avós paternos, os pais e os dois irmãos Data de Aplicação: 17/09/2002 Genetograma: pai filha mãe filha Fi lho Desenho de uma família qualquer: Bianca fez o primeiro desenho da seguinte forma: primeiramente, fez uma figura que identificou como Renata, a mãe. Do lado oposto, desenhou uma figura masculina menor, a qual ela identificou como Dininho, o pai. Voltou para o lado esquerdo, onde desenhou a mãe e fez duas flores. Logo após, desenhou do lado direito da segunda flor, uma árvore e, logo acima, um sol. Desenhou primeiro o tronco da árvore, depois a copa. Por último, fez a grama no chão. Primeiramente, fez todos os desenhos com grafite. Pintou todas as figuras. Ela ia pintando cada figura, à medida que ia fazendo o desenho. C: “Você pode contar uma história sobre esse desenho?” B: “Era uma vez, uma mulher que queria casar. E aí, depois ela achou um homem. Então, depois eles ganharam um filho. Eles ficavam brincando, brincando e aí, de repente, eles conseguiram trabalhar num serviço. Aí, trabalhavam, ganharam muito dinheiro e continuaram brincando com seus brinquedos. Compraram um monte de coisas; comida, roupas. Aí era todo dia ensolarado, ensolarado. Só que à noite, todos os dia chove, chove, chove e você sabe que todos os dias têm estrela à noite, lua à noite. Deixa as flores bem bonitinhas, as plantinhas. Vou te contar como eram as florzinhas: o pau das florzinhas era preto, as folhas da florzinha era verde, a bolinha era amarela e a florzinha era ‘azús’. Aí eles plantaram uma árvore, bem bonita, uma árvore bem feliz: no pauzinho era marrom, nas folhinhas era verde. O solzinho era amarelo e os pauzinhos eram ‘vermelho’. Eles ganharam um monte de filhos; ficaram com dez filhos. Passeavam, iam pra escola, tudo eles faziam. Só que pegaram uma menina e aí 60 eles ficaram com onze crianças. Aí uma não gostava de chá mate, não gostava da escola, não gostava de nada; não gostava da mãe, não gostava do pai, não gostava da árvore, não gostava do parque. E aí eles conseguiram tirar a mãe, quer dizer, tirar a filha que não gostava de nada, nada, nada. Aí eles tiraram e viveram felizes para sempre.” C: “Tiraram como?” B: “Eles tiraram a filha, levaram pra outra casa, a filha e deixou ela lá com outra pessoa.” C: “E eles ficaram com os outros dez filhos?” B: “É, os outros dez filhos.” C: “Como é o nome deles?” B: “A mãe se chamava Renata, o pai se chamava Dininho e uma filha se chamava Isabela, outra filha se chamava Bruna, um homem, o filho se chamava Lucas, uma menina se chamava Natália, outra se chamava Amanda, um se chamava Artur, outro se chamava Lucas. Quantos eu já falei?” C: “Sete.” B: “Aí, tinha uma menininha que eles ganharam, que se chamava Amanda de novo, uma filha se chama Isabela, outro filho se chamava Betinho, outro se chamava Betinho, outro se chamava o menino maluquinho.” C: “Como era o nome da menina que foi morar na outra casa?” B: “Ela se chamava Joana.” Desenho da própria família: No segundo desenho, fez cinco figuras humanas. Começou da esquerda para a direita. Primeiro, desenhou Renata, a mãe. Logo após, desenhou Isabel (irmã), Lucas (irmão), Bruna (irmã) e, por último, Dininho, o pai. Coloriu a mãe e as filhas com as mesmas cores, seguindo as usadas no desenho anterior. Coloriu o pai e o filho também com as mesmas cores, justificando que meninas se vestem como a mãe e meninos como o pai. Ela escrever em cima de cada desenho “Papane”, referindo-se ao pai, “Mei”, referindo-se à mãe, e “Ima”, referindo-se a ela própria, ao irmão e a irmã. Na primeira ilustração, ela desenhou grama. Na segunda ilustração, fez todas as figuras no alto da folha e não representou a linha de solo. C: “Conte uma história desse desenho.” B: “Era uma vez uma mãe que se chamava Bruna, quer dizer, Renata e o pai se chamava Dininho. E eles queriam ter muitos filhos. Eles ganharam três filhos. Eles brincavam na casa, brincava de escovar o dentinho, jogar o jogo da memória. Só que eles se chamavam Isabela (irmã), Lucas (irmão) e Bruna (irmã). Aí, também, a Bruna um dia ela estava na praia. Só estava a mãe, o pai, o filho, a filha e a filha. Então, aí ela queria jogar e ela chorava, chorava, porque ela queria jogar. Só que não dava, era o dia de ir embora. Antes do dia de ir embora. Então aí, a mãe chegou lá na casa da avó. Eles estavam indo para a cada da avó. O vô ligou para a Bete. Ele ligou pra Bete vir buscar nós. Só que aí, teve que esperar, esperar, esperar. Só que ela resolveu ir embora. Aí ela foi embora, nóis teve que ir com o avô, não tinha ninguém em casa. Nóis teve que ir para a outra avó. Aí, ficamo, 61 ficamo, ficamo e o pai veio buscar nós. Aí nós fomos para casa e vivemos felizes para sempre.” C: “E o que mais?” B: “Só.” C: “E quem é a Bete?” B: “A Bete era a minha avó. E o Dino era o meu vô. A minha outra avó se chamava Sueli e o outro vô se chamava Antônio. Pronto.” Entrevista com a mãe da Bianca: D: “Com quantos anos está a Bianca?” M: “A Bianca está com cinco”. D: “Qual a data de nascimento dela?” M: “23/04/97” D: “Você é casada, não é?” M: “Sou casada, não no papel mas moro com ele”. D: “Desde que ela nasceu?” M: “Desde que ela nasceu, antes até dela nascer”. D: “Como é o relacionamento da Bianca com o pai?” M: “Ele gosta, ele participa de tudo o que ela faz. Ele gosta, incentiva. Ela gosta muito dele, pelo menos aparenta gostar. Ela brinca com ele, com todo mundo. Ela se expressa bem, eu acho. Ela se comporta muito bem perto do pai e da mãe”. D: “Qual a sua idade e a de seu marido?” M: “25, os dois”. D: “Vocês moram com os avós paternos da Bianca?” M: “É, a mãe dele e o marido atual dela, que não é o avô. Ela também tem uma boa relação com eles. Nunca teve briga, nunca teve nada. Ela nunca expressou que não goste deles, nunca teve nenhum comportamento diferente com nenhum dos dois”. D: “E na questão dos limites, é com você ou com o pai?” M: “Olha, é mais o pai, porque tem hora que não adianta eu falar que continua e o pai vai e daí ela obedece mais. Com os três são assim”. D: “E você acha que tenha outra figura masculina com quem ela se identifique?” M: “Eu acho que é o pai mesmo. Porque quando eu falo ela até obedece, mas como os irmãos são mais novos, quando a gente briga eles não estão nem aí, daí ela acha que pode fazer igual, ela relaxa um pouco. Quando ela está sozinha comigo ela me obedece, como os outros. Agora quando junta os irmãos eles já começam a fazer manha e daí eles obedecem mais ao pai. Embora ele participe de tudo, ele goste, ele brinque com eles, ele tem o limite dele. Ele fala que nenhum dos três dá trabalho pra ele mas eu fico meia louca com os três sozinha. Eles obedecem bem mais ao pai do que a mim quando estão juntos. Como foi o desenho da Bianca?” D: “Nós ainda não analisamos o desenho da Bianca porque era preciso fazer a entrevista primeiro. Quando tivermos terminado o trabalho nós traremos uma cópia para que vocês possam ver como foi a pesquisa”. 62 Análise do desenho de família de Bianca: Ao analisarmos os desenhos, pudemos perceber que a menina possui um traço bastante forte, e usa cores na tentativa de diferenciar as figuras masculinas e femininas. O primeiro desenho apresenta uma linha de solo, o que desaparece no segundo, onde a família aparece na parte superior da folha. Olhando os dois desenhos, supomos que no primeiro há uma maior resistência, pois aparecem duas flores e uma árvore entre o casal, assim como os filhos aparecem no segundo desenho. Dessa forma, podemos identificar a flor roxa como a irmã e a flor azul como o irmão, sendo que a árvore que aparece ao lado do pai representa a menina. Isso pode ainda ser reforçado pelas cores que dá as flores, lembrando a diferenciação do feminino e masculino que aparece no segundo desenho. Além da posição das figuras no desenho, podemos identificar o complexo edípico da criança também nas histórias que conta sobre seus desenhos. Na primeira, ela fala “tirar a mãe”, mas logo se corrige dizendo que os pais tiraram a filha, lavaram para outra casa e viveram felizes para sempre. Essa frase ilustra o complexo edípico, onde aparece claramente a tentativa de se colocar no lugar da mãe mandando-a embora e logo a correção da fala, mostrando que ela sabe que é ela quem deve desistir dessa relação. Já no início da segunda história, o ato falho ocorre novamente, e ela conta “era uma vez uma menina que se chamava Bianca”, e logo corrige colocando nome da mãe, seguido do nome do pai, o que reforça a hipótese citada anteriormente. Na entrevista com a mãe, nós pudemos perceber a figura paterna como aquela que impõe o limite que a mãe sozinha afirmou não conseguir estabelecer. Isso pode indicar que Bianca meça forças com a mãe quando essa tenta exercer autoridade. A mãe cita ainda que isso ocorre quando os outros irmãos estão presentes, o que mostra que quando está sozinha com a mãe, a criança não tem com quem competir. Isso pode ser identificado no primeiro desenho, quando ela representa a si como árvore e sol, figura dominante da família, e que se coloca entre o pai e a mãe, dificultando a relação do casal. 63 64 65 4.1.4. Carla Idade: 6 anos e 1 mês Data de nasc.: 07/09/1996 Escolaridade: cursando o pré primário A criança mora com a mãe, a avó materna e com uma irmã. Mantém contato com o pai de quinze em quinze dias, nos finais de semana. Data da aplicação: 01/10/2002 Genetograma: pai mãe filha filha Desenho de uma família qualquer: Carla desenha quatro figuras humanas, da esquerda para a direita, dizendo, durante a estória, que são, respectivamente, a mãe, o pai, e os filhos. A menina faz os desenhos começando pela cabeça, depois o corpo, os braços e por fim as pernas. Vale comentar que ela não verbaliza durante os desenhos. D: “Pode contar um história desse desenho.” C: “Era uma vez uma menina que se chamava Rosileide. Um dia ela foi passear, aí ela encontrou um homem que quis se casar com ela. Eles tiveram um filhinho e viveram felizes para sempre.” D: “Quem que é quem aqui no desenho?” C: “Esse são os bebês, esse é o homem, essa é ela.” D: “E o que mais?” C: “Só.” D: “E o que ela sentiu quando encontrou o homem e casou com ele?” C: “Ela gostava muito dele.” D: “E os filhinhos, o que pensaram?” C: “Eles pensaram que não se casaram.” D: “Quem não se casou?” C: “Os bebês pensaram que não se casaram.” D: “Ah, os bebês não se casaram.” D: “E daí, o que acontece depois?” C: “Só.” 66 Desenho da própria família: Carla desenha cinco pessoas, que desta vez possuem apenas o contorno da cabeça, sem expressão. O esquema de desenho corporal continua o mesmo que do desenho anterior, só que desta vez aparecem cinco personagens, que foram confeccionados da seguinte maneira. A segunda figura humana da esquerda para a direita foi a primeira a ser desenhada, seguida das demais figuras nesta ordem. A última figura humana que desenhou foi a figura da esquerda, que ela denominou com sendo o pai. As demais figuras são a mãe, a amiga e as filhas. D: “Você conta pra mim um história desse desenho?” C: “Era uma vez uma moça que se chamava Déia. Ela passeou e encontrou um homem e se casou com ele. E a amiga dela foi visitar ela. E os filhinhos dela ficaram muito felizes.” D: “Por que eles ficaram felizes?” C: “Porque eles casaram.” D: “Quem casou?” C: “A Déia e o homem.” D: “Quem que é quem nesse desenho?” C: “A Déia é essa, esse é o homem, essa é amiga e essas são as filhas.” D: “E por que a amiga foi visitar?” C: “Porque ela estava sentindo muita saudade.” D: “De quem?” C: “Dos dois.” D: “Que dois que ela estava sentindo saudade?” C: “Da Déia e dele.” D: “E aí o que acontece nessa visita?” C: “Aí eles conversaram.” D: “Do quê?” C: “De casamento.” D: “ E depois?” C: “Só.” Entrevista com a mãe de Carla: D: “Com quantos anos está a Carla?” M: “Com seis anos”. D: “Seis. A data de nascimento dela qual é?” M: “É 7/9/96.” D: “É a filha mais nova? Quantos filhos são?” M: “É a filha mais nova e são duas meninas.” D: “Quanto tempo você já está separada?” M: “Cinco anos. A Carla tinha um ano.” D: “Então como foi para ela?” M: “Ela não percebeu muito. Ela é muito calada, diferente da mais velha, que é mais madura. Então eu conversei muito com ela , disse que fiquei morando um tempo com o pai dela, pois ela nem sabia. Hoje ele tem uma outra mulher. Então, 67 ela achava que ele sempre teve e eu expliquei para ela que não é assim. Ela é uma criança alegre, já a outra amadureceu muito mais depressa, pois sentiu e nem brincava quase. Só queria conversar com adulto. O mundo dela é adulto.” D: “Você casou de novo ou não?” M: “Não. Achei complicada essa coisa de colocar alguém em casa. Acho que vai dar um nó na cabeça. Talvez não”. D: “Ela tem contato com o pai a cada quinze dias?” M: “Sim , embora agora ele até de vez em quando tem ido buscar na escola . Ele gosta dela. Ele não tem muita maturidade, é meio criança. Ele é egoísta, quer jogar a bola dele, não assume muito as responsabilidades.” D: “Quando ela vai, ela dorme na casa dele?” M: “Sim . As duas passam o fim de semana com ele.” D: “Ele tem outros filhos?” M: “Não. Só as duas.” D: “Festas, reuniões na escola, ele participa ou não?” M: “Geralmente sim. Antes, a outra não queria que ele fosse ou ia junto, foi um caso aqui na escolinha, pois elas estão aqui desde pequenas e as pessoas ficaram chocadas, por ele trazer outra mulher. Agora ele está participando mais eu acho, mesmo em aniversários ele vai.” D: “Vocês fazem a festa juntos, planejam juntos ou não?” M: “Às vezes ele ajuda em alguma coisa, compra alguma coisa , mas geralmente são os pais dele.” D: “Essas visitas quinzenais vocês entraram em algum acordo ou foi através de juiz?” M: “Foi estabelecido. E ele trabalha no Fórum, não sei se ele segue porque é uma espécie de obrigação e se ele furar pode dar algum problema para ele. Ele pega sempre e eu também sempre quis manter ele em contato, mesmo quando a gente se separou eu falava pra ele ir buscar. Eu nunca fiz objeção, mas fico de antena ligada, pois não confio muito.” D: “Antes da separação ele era participativo ou era ausente?” M: “Eu acho que ele era participativo, dava banho, levava no médico. Só que eu acho que ele era muito agressivo, ele batia. A mais velha tinha três anos e ela tinha muito medo dele. Ele não queria comer na mesa, parecia que ele era criança, isso me cansava. Ele não tinha disciplina e essas coisas eu achava que era demais. Tanto que quando me separei eu fiz terapia, a gente tinha uma relação, e eu era mãe para ele. A mãe dele morreu quando ele nasceu e a tia criou .Eu fui a figura de mãe dele. Ele começou a sair, arrumar outras mulheres, uma coisa de louco. Não deu para agüentar.” D: “Como é hoje o relacionamento da Carla com ele? Ela vai numa boa, volta numa boa?” M: “Eu acho que ela gosta dele. No final da semana passada ela estava com febre e eu falei para ele que não ia dar e ele sugeriu trocar o fim de semana. Ela falou que queria ir com o pai. Eu sempre fico com a parte ruim. Ela não gosta de ficar com a mulher dele , ela xinga, ela acha ela meio chata mesmo, que ela manda nele. Talvez também ela pense que podia ser a mãe dela. Outro dia ela estava vendo o Chaves e eu disse que ele não tinha nem mãe nem pai e ela disse que ela tem mãe e pai, mas não estão juntos. “ D: “Ela fala alguma coisa no sentido de que quer que vocês voltem, que vocês casem de novo?” 68 M: “Não. A mais velha fala: imagine se eu sou louca de querer voltar para meu pai e a Carla não fala nada. Ele é nervoso, bravo e o ambiente é diferente. Eu com a minha mãe, ela acha que é mais leve e com ele não”. D: “Talvez pela agressividade dele?” M: ”Eu não entendo muito se é isso, mas gosto de ler psicologia e eu acho, pois sou eu, minha mãe e elas, fica mais light”. D: “Você acha que ela tem outra figura masculina com quem ela se identifica?” M: “Sim. O marido da minha irmã, que ela adora e ele paparica.” D: “Você acha que foi a figura masculina que ela escolheu na sua família?” M: “Não sei, pois tem meu irmão e até o ano passado ele morava com a gente. Ele casou, mas ela também gosta muito dele. Acho que ela deve ter uma figura, deve buscar. Meu cunhado pega ela no colo, vai passear com ela.” D: “E a relação dela com você? Ela tem ciúme, ou não, se você casar novamente?” M: “Não, pois eu cheguei a namorar mas ele nem chegou a se relacionar com ela . Ela fala às vezes que eu tenho que arranjar um namorado, ela é menos ciumenta que a outra que toma mais partido. Não sei se daria certo,fico até pensando como seria, teria que ser uma pessoa muito legal saber dividir, pois homem é egoísta” . Análise do desenho de família de Carla: O primeiro aspecto que nos chama a atenção é que ambos os desenhos não tem cores e nem linha de solo. As mãos do todos os personagens, dos dois desenhos, estão abertas, o que pode indicar que há uma busca por contato afetivo. No desenho da própria família, parece que as mãos forma desenhadas em formato de coração, o que pode reforçar a idéia de busca por afetividade. No desenho de uma família qualquer, a posição dos pés do pai difere do restante da família, o que pode querer referir a separação do casal, já que o pai parece caminhar para frente e a mãe, com os filhos, para outra direção. Isso mostra que Carla percebe que o pai seguiu um caminho diferente, já que se casou novamente; enquanto a mãe demonstra viver para as filhas, já que não entrevista, disse que teve um namorado que nem chegou a ser apresentado às filhas. No segundo desenho, aparece a inclusão de uma figura feminina, que ela declara ser uma amiga. É possível que essa amiga esteja representando a atual esposa do pai. O que parece é que Carla coloca a mãe entre o casal, pois desenha o pai e a mãe de mãos dadas, e se refere a outra figura feminina como alguém que esporadicamente as visita, quando sente saudades. Visitas esporádicas é o que a criança vivencia na relação com o pai, então podemos supor que ela transforma a mulher do pai em visita, colocando dessa forma, a 69 esposa do pai na condição que a criança vivencia atualmente. O desejo da criança é de que os pais se casem novamente, pois esse tema é abordado nos dois desenhos, onde ela coloca até mesmo bebês pensando que eles não se casaram. Essa fala pode ser relacionada a entrevista com a mãe, quando esta fala que a filha era bebê na época da separação, e que nem sabia que os pais eram casados. Esses dados podem levar a pensar que no desenho da própria família, a criança se representa sem os pés porque isso sinaliza a dificuldade em entender sua história, sua origem, o que é fundamental para a estruturação psíquica da criança. O desenho de uma família qualquer possui a fisionomia nos rostos das figuras, e no desenho da própria família os rostos não são preenchidos.esse dado pode demonstrar que o desenho da própria família é da ordem do desejo, onde os pais se casam e a mulher do pai é alguém de fora da casa, da família. Como é um desejo, as pessoas não tem expressão. 70 71 72 4.1.5. Cassia Idade: 6 anos e 11 meses Data de nasc.: 23/11/1995 Escolaridade: cursando o pré primário Mora com a mãe e os avós Mantém contato com o pai sempre que possível e passa dois finais de semana por mês com ele. Data da aplicação: 08/10/2002 Genetograma: pai mãe filha Desenho de uma família qualquer: A criança começou seu desenho pegando o lápis grafite e fazendo uma figura feminina do lado esquerdo da folha, iniciando pela cabeça, o cabelo, depois o corpo, os braços e por fim as pernas. Desta forma fez todos os desenhos de figura humana, da esquerda para a direita. Quando tinha desenhado sete, das oito figuras que fez, indicou que tinha terminado seu desenho, fazendo a oitava pessoa no meio da estória. Quando lhe foi pedido uma estória, Cassia ficou bastante pensativa e não contou espontaneamente. D: “Quem é quem aqui no seu desenho?” C: “Mãe, pai, tio, bisavó, tia, vó e vô.” D: “E o que eles estão fazendo?” C: silêncio “Estão arrumando a casa”. D: “Quem está arrumando a casa?” C: “A mãe”. D: “O que ela está pensando?” C: “Eu esqueci de fazer um”... – Cássia pegou o lápis grafite e fez o oitavo desenho de figura humana. “A mãe está pensando em fazer uma festa pra filha, uma surpresa pra filha”. Neste dia, estava pra começar uma festa de aniversário de uma criança da escola. D: “Por que?” C: “Porque era aniversário dela”. D: “E o que acontece depois?” C: “Ela convidou as amigas dela”. D: “E como é a festa?” C: “É... a mãe tinha feito, tinha chamado um palhaço pra ir na casa dela”. 73 D: “E ele foi?” C: “Foi”. D: “E o que a filha pensou disso?” C: “Legal”. D: “Mais alguma coisa você quer contar dessa estória?” C: “Não”. Desenho da própria família: Cassia seguiu o mesmo esquema corporal que fez no desenho anterior, da esquerda para a direita, também fazendo a última pessoa durante a estória. A criança também não contou a estória espontaneamente. D: “Você me conta uma estória deste desenho?” C: silêncio. “Eu sempre esqueço de fazer isso”. Cassia começou a desenhar a figura humana da direita. D: “Do que você esqueceu?” C: “Da filha”. D: “E nesse desenho, quem é quem?” C: Apontando da esquerda para a direita - “Essa é a mãe, essa é a avó, esse é o vô, esse é o pai, esse tio, essa é a tia, essa é a outra avó e essa é a filha”. D: “E nesse, o que eles estão fazendo?” C: “Comendo”. D: “Quem está comendo?” C: “Todo mundo”. D: “O que eles estão pensando?” C: “Eles estão pensando em ir pra algum lugar”. D: “E o que acontece?” C: “Aí eles foram...pro clube”. D: “Quem foi”. C: “A mãe, o pai, o tio e a tia. E a filha”. D: “E aí, como é no clube?” C: “Tem piscina, tem natação, tem parquinho, tem escorregador pra escorregar na água, tem o túnel pra você cair na água. Eu já fui num clube, no clube Tiete, que lá tem isso”. D: “É, gostoso né?” C: “É, mas eu nunca fui lá, só fui no escorregador”. D: “E aí, quem vai na piscina, no escorregador do clube?” C: “A filha. E a mãe, o pai, e o tio e a tia ficam tomando sol”. D: “E depois, como termina a historia?” C: “Eles vão pra casa”. D: “E aí como foi esse dia pra eles?” C: “Foi bom”. D: “Mais alguma coisa?’ C: “Não”. 74 Entrevista com a mãe de Cassia: D: “Você chegou a morar com o pai de sua filha?” M: “Morei, deixa eu ver quanto tempo.Cinco, quase seis anos”. D: “Quantos anos ela tinha quando vocês se separaram?” M: “Quatro”. D: “Hoje ela está com seis?” M: “Hoje ela está com seis. Vai fazer sete”. D: “E hoje, como é o contato com ele. Você colocou na autorização ‘sempre que possível e dois finais de semana por mês’.” M: “É, o que a gente estabeleceu de acordo foi que eu ficasse um final de semana e ele ficasse outro, mas ele pega quando ele quer. O dia que ele fala que está com saudades dela pergunta se pode dormir com ela eu nunca pus nenhum impecilho, ele sempre pode”. D: “As visitas foram estabelecidas por juiz ou foi um acordo entre vocês?” M: “Não, foi a gente que estabeleceu esse acordo entre a gente. Quando ele não podia ele falava que não podia, mas ele sempre procurou ficar com ela”. D: “Ela é filha única?” M: “Ela é filha única minha. Dele ela é a primogênita, ele tem mais um”. D: “Ele casou novamente?” M: “Ele casou de novo, tem uma menininha de dez meses. Eu tenho um bom relacionamento com a esposa dele e a gente não tem problema nenhum, temos um acordo legal entre nós”. D: “E você namora alguém ou chegou a casar novamente?” M: “Eu namoro. Fiquei noiva do meu atual namorado. A gente brigou e resolveu ficar só namorado, mas já faz dois anos”. D: “Como é o relacionamento da Cassia com o padrasto e madrasta?” M: “Com a madrasta ela se dá bem. Isso é o que eu percebo porque a gente conversa bastante, eu não tenho esse problema de ex. eu vejo que a menina gosta muito dela, não tem medo de ir com ela, gosta de ficar com ela, mas tem muito ciúme do meu namorado, de mim. Do pai ela não tem tanto, mas de mim”. D: “Mesmo com o nascimento da irmã ela não ficou...” M: “Ela não sentiu, eu acho que o pai dela, até conversando com a atual esposa dele, ela também acha que ele tem uma ligação muito forte com ela, ela acha que é o contrário, que talvez ele proteja mais a Cassia do que a pequenininha, eu acho que o ciúme é mais dela. Ele sempre foi um pai muito participativo, trocou fralda, deu banho, fazia dormir, acordava de madrugada, nunca foi um pai ausente, pelo menos no meu ponto de vista sempre foi muito participativo”. D: “E como vocês fazem com reuniões escolares, festas de aniversários?” M: “Olha, o aniversário dela, no ano passado eu preferi que ele não fosse. Eu conversei com ele e com a esposa dele por causa do meu namorado. Ficaria um clima meio chato porque meu namorado é muito ciumento, mas comigo não tem nenhum problema, então nós fizemos duas festas, separado. Ele não questionou e entendeu numa boa. Natal e ano novo cada um faz a sua festa”. D: “E nas questões escolares, vocês participam os dois?” M: “Quando dá, com eu viajo bastante eu falo quando tem festa na escola se ele quer levar a Cassia, mas também se viéssemos os dois não teria nenhum problema. Na natação teve campeonato e ele foi e eu também, não tem isso de não poder estar no mesmo lugar que e o outro”. 75 D: “Como foi a notícia da separação?” M: “Eu peguei a Cassia e falei que a mamãe não namora mais o papai, eu falei – ele é seu pai, vai ser sempre seu pai mas a gente não namora mais, você pode ir com ele quando você quiser mas a gente não namora. Ela entendeu e sentiu quando eu comecei a namorar, porque tinha um ciúme muito grande. Ela tem um pouco ainda mas é mais velado, ela controla mais. Ela se dá bem com ele, brinca, beija, vai no colo, mas enquanto ele não está perto de mim. Não é em relação a pessoa dele, é comigo”. D: “Você percebe se ela faz isso com outras pessoas em relação a você?” M: “Com outra criança ela tem ciúme, mas com adulto não, nem com meu irmão ou meus pais”. D: “Ela mora com quem?” M: “Comigo, e eu moro com meus pais”. D: “Você acredita que ela tenha criado uma relação forte com outra figura masculina, como o seu pai, em função de não morar com o pai?” M: “Eu acho que não, talvez pela boa relação que ela tem com o pai. Eu nunca impedi a relação dos dois, eu tinha que preservar a figura dele, independente do que aconteceu com a gente, ele é o pai dela. Ele pode não ter sido um bom marido mas ele é um bom pai e continua sendo preocupado, participativo. Não tem porque eu barrar a relação entre eles, então eu acho que ela não substituiu. Ela sabe bem quem é pai dela, o lugar dele na vida dela”. D: “Isso parece ser tranqüilo para ela”. M: “Talvez no começo tenha sido mais difícil porque ela estava acostumada com a convivência”. D: “Você já morava com seus pais ou não?” M: “Não , eu voltei. Eu acho que ele era mais ausente quando a gente estava casado do que quando separou. Agora ele é mais presente, talvez pelo fato de conviver todos os dias e ter sentido falta. Ele é um bom pai, participativo. Agora que vai precisar mudar de escola a gente conversa, que perfil de escola a gente acha melhor. A gente está discutindo isso porque ela não é minha filha, ela é minha filha e filha dele. Eu acho que isso ficou bom na cabecinha dela, acho que ela não tem nenhum conflito”. M: “A gente tem que optar como quer separar. Se você quer separar com mágoa e fica remoendo essa mágoa pro resto da vida ou se é para viver uma outra vida. Eu acho que não dá pra refletir essa frustração para os filhos, porque ela tem a vida dela, é um ser independente de mim e vai fazer as escolhas dela. Não é porque não deu certo que ele é uma pessoa horrível, não é por aí. Ele tem todo direito porque ama na mesma intensidade que eu, é uma boa pessoa independente de não ter dado certo”. Análise do desenho de família de Cássia: Analisando os dois desenhos, pudemos perceber uma mudança na representação da figura materna. No primeiro, a mãe é representada de forma singela, com vestido, aparentando feminilidade. Já no segundo, a mãe está desenhada com traços fortes, mais agressivos e de certa forma perde o aspecto feminino. Nos dois desenhos, a figura materna aparece em tamanho maior do que 76 a figura do pai, e é sempre a primeira figura a ser representada, o que pode indicar que esta é a figura de maior importância para a criança. O que pudemos observar foi que a Cássia esqueceu de se representar nos dois desenhos, fazendo a filha por último, já quando tinha sinalizado o término do desenho. No segundo desenho, se justifica dizendo que sempre esquece de fazer “isso”. Talvez para a criança seja difícil se representar num contexto familiar padrão, pois ela mora com a mãe e com os avós. O fato dela esquecer de si pode ainda indicar que se sente esquecida pelos pais, talvez pelo fato do pai ter outra família e a mãe viajar muito. Apesar da mãe dizer durante a entrevista que ela e a filha se relacionam bem com a nova família do pai da menina, e que a separação é algo tranqüilo para Cássia, podemos supor, pela história do desenho da própria família, que há um desejo da menina em reunir os pais, pois esse parece passeando no clube com a filha e a mãe num domingo. O normal para a criança, já que ela passa finais de semana alternados com o pai, é que estivesse com um ou com outro, e não com ambos. 77 78 79 4.1.6. Giulia Idade: 5 anos e 1 mês Data de nascimento: 17/08/1997 Escolaridade: cursando o jardim da infância A criança mora com a mãe, a avó materna e o padrasto da mãe. Mantém contato com o pai dois finais de semana por mês. Data de aplicação: 17/09/2002 Genetograma: pai mãe filha Desenho de uma família qualquer: Giulia desenhou três figuras humanas. Começou pela figura do lado esquerdo, a qual identificou como sendo sua mãe. Logo após, fez a segunda figura (meio), identificada como sendo o tio Dani e logo após fez a terceira figura (direita), identificada como sendo sua avó. Cada figura foi desenhada de cima para baixo, na seqüência: cabeça, tronco, pernas, pés, braços e mãos. Giulia coloriu cada figura logo após desenhada. A figura maior à esquerda possui cabeça, tronco, braços, mãos, pernas e pés. A figura do meio possui braços e mãos grandes, desproporcionais ao tamanho do tronco que aparece representado por duas linhas verticais e paralelas; essa figura não possui pernas e pés. A 3ª figura (direita) é menor, possui cabeça, tronco, braços e pernas, mas não possui mãos e pés. O desenho foi feito centralizado no alto da folha e não apresenta linha de solo. Durante a confecção do desenho, Giulia falou do tio Dani, que é um gigante, que é maior do que sua avó, maior do que ela e maior que sua mãe. Giulia disse que antes não tinha um tio, agora tem porque a avó se casou de novo. Ela fez todos os desenhos com lápis grafite e foi colorindo à medida que ia fazendo cada desenho. C: “Você pode contar uma história sobre o desenho que você fez?” G: “Inventando?” C: “Uma história sobre o desenho que você fez.” 80 G: “Eu vim aqui pra escola e fui no parque da Mônica, no outro dia com a minha amiga Bruninha, e a mãe da Bruninha. E tinha que ir descalça, senão ia quebrar todos os brinquedos e a minha tia, a mãe da Bruninha, ela foi descalça e a minha mãe não. Eu fui de sandália. Aí né, eu vim pra escola outro dia e almocei aqui na escolinha. Aí eu não queria mais porque a minha barriga já estava enchida e aí então, só.” C: “E sobre o desenho que você fez? Que história você tem para contar?” G: “Já contei, ué!” C: “Mas você não falou dessas pessoas que você desenhou.” G: “Aqui, minha avó mandou tchau pra mim. Minha mãe estava trabalhando; ela estava lá trabalhando e depois ela indo lá na escola dela, com o meu tio. E só.” C: “Ela estava indo na escola com seu tio?” G: “Depois ela ia, ela começou às 8 na escola dela. E aí, só.” C: “O que mais você quer contar da história?” G: “Só isso.” Entrevista com a mãe de Giulia: C: “Com quem a Giulia mora?” M: “Com a mãe, a avó e o meu padrasto, que ela chama de tio.” C: “E o relacionamento dela com o pai, como é?” M: “É muito bom.” C: “De quanto em quanto tempo eles se vêem?” M: “De quinze em quinze dias, às vezes menos.” C: “E ela, conversa muito com o pai dela?” M: “Conversa, brinca, tem bom relacionamento com ele.” C: “E nas festas de aniversário, Natal, ele é presente?” M: “As festas que são em conjunto, festas da escola, ele participa. Natal, ele fica com a família dele, e ela fica Natal ou Ano Novo com ele. E assim a outra data também é minha.” C: “Como é a preocupação dele com ela, como por exemplo, quando ela está doente?” M: “Tem épocas que estamos nos dando bem e épocas em que a gente não pode se falar. Então ele não aceita muito o que eu falo pra ele. Ele acha que é uma afronta, então é meio complicado. Mas o relacionamento dele com ela é bom.” C: “Ela tem outra figura masculina muito presente na vida dela?” M: “O meu padrasto que é como se fosse um avó. Aquela pessoa que mima, que dá comida, que brinca. Então ele é como um avô e não como um pai. Quando parentes ela sai com o pai, ela fica muito próxima aos parentes do pai, mas com meus irmãos não porque um mora em Salvador e outro mora em Portugal. Ela não tem contato com meus irmãos, só com os tios da parte do pai.” C: “Quem é o tio Dani?” M: “O tio Dani, que é o meu padrasto. Como ele é aposentado, fica o tempo todo em casa. E a minha mãe também, como não é aposentada, mas é do lar, então ficam os dois em casa; é com eles que ela tem mais contato. É o tio Dani que traz ela pra escola, que leva. Eu fico meia hora por dia com ela, que é no caminho pra minha faculdade, pois eu trabalho e estudo. O meu padrasto me leva pra faculdade e leva ela junto também pra que possa ficar um pouco comigo. No Sábado eu trabalho meio período e no Domingo eu passo o dia inteiro com ela, então são eles que têm o papel de educar e dar limites.” 81 C: “Como ela é em casa? É quieta ou fala bastante?” M: “Ela é muito faladeira, conversa pra caramba.” C: “Ela desenhou a avó pequena, isso corresponde à realidade?” M: “A avó é pequena e ela diz que o nome da avó é pequeno. A avó é baixinha e o meu padrasto é bem alto.” C: “Ela tem muita afinidade com seu padrasto?” M: “Sim. É porque ele apareceu e a minha mãe já foi casada com ele uns dez anos e também ficaram separados uns dez anos. E ele retornou e então eles se acertaram e ele voltou pra minha casa. Então ela não conviveu com ele antes. Pra ela, ele é o namorado da avó, que casou com a avó e pronto. E aí ela não gostou muito porque foi justamente numa época em que eu tinha me separado do meu marido. E então ele passou a ser a imagem paterna dela.” C: “Quanto tempo ela viveu com os pais juntos?” M: “Tem dois anos que eu estou separada. Ela conviveu três anos com o pai e comigo juntos.” C: “Ela fala a respeito da separação?” M: “Ela fala: ‘por que você não volta a namorar com o meu pai? Como você conheceu o meu pai? Como você namorava com meu pai?’ Sempre fala nisso. Ela sente falta dele. Ela escutou uma história que ele vai embora para Campinas. Pra ela Campinas é fora do país, então ela vai ficar sem ver o pai dela. Aí ela começou a ficar assim, ligava todo o dia pro pai dela, pra ver se ele estava lá, e a gente veio descobrir que era isso, que ela estava desconfiada que ele ia embora do país. Então eu perguntei pra ela e ela disse que o pai ia embora do país. Então eu perguntei pra ele se ele ia embora do pais e ele disse que não, que ele só disse que ia embora pra Campinas. Então ela entendeu que era fora do país, e entrou nessa viagem. Para ela é muito longe e ela não sabe. Como tem um avô que mora fora do país, ela associou. O meu pai mora em Portugal. Aí ela pergunta porque eu não namoro com o pai dela, aí ele não vai embora. Ficou com medo dele ir embora. Agora eu pergunto: Ela não queixou nada? Não falou nada do pai? De nenhum ressentimento? Porque eu fico muito preocupada porque ela acabou presenciando discussões minhas com ele. Porque eu faço tudo pra não discutir, então ele fala, fala, fala e eu fico quieta. Mas ela viu muitas vezes ele discutindo e depois ele pede desculpas para ela. Isso não é legal para ela e eu fico preocupada.” C: Não, ela não comentou nada sobre isso. Mas como é o pai dela hoje? Mais presente ou mais ausente do que era quando morava junto com você e a filha?” M: “Quando nós morávamos juntos, ele ficava um pouquinho com ela, mas logo achava um jeito de levar ela pra casa da minha mãe, pra assistir o jornal ou o jogo, sem ser interrompido. Quando ele estava presente, estava mais ausente do que agora que separamos. Quando ele encontra ela, ele sabe que o tempo pra ficar com ela é menor e tem que dar atenção naquele tempo. Então ele melhorou; dá muito mais carinho, mais atenção, brinca mais com ela do que antes, quando morava junto.” M: “Ela não falou do pai?” C: “Não, somente quando falou que o pai mora longe.” M: “Sabe, eu até tenho um namorado agora, mas eu não apresentei a ela. Ela até conhece ele, mas só fala oi e só. Eu quero que o pai dela arrume uma namorada e fique fixo com ela. Ela é muito ciumenta. Ela já falou uma vez que ia dar na cara da namorada do pai e na cara dele. Expliquei e ela começou a aceitar e o pai brigou com a namorada, que eu achava até que era uma boa pessoa para ser 82 madrasta da minha filha. Eu falo de arrumar namorado, ela não liga, mas o pai dela, ela não quer que arrume. Ela é muito ciumenta e muito teimosa. Tem uma personalidade forte, acho que é porque ela é do signo de Leão.” Análise do desenho de família de Giulia O desenho da criança apresenta três figuras humanas as quais identifica como sendo sua mãe, seu tio Dani e sua avó. Todos estão representados com traços primitivos, no topo da folha, sem linha de solo, dados estes inda aceitáveis para crianças dessa faixa etária. O que nos chama a atenção no desenho da criança são as mãos do tio Dani, desenhadas em forma de flor, em tamanho desproporcional ao do corpo. Esse dado nos leva a pensar que o tio Dani é uma figura bastante afetiva para a menina. Tal fato se confirma durante a entrevista com a mãe, onde esta conta que o tio Dani é seu padrasto, e exerce a função de avô para sua filha (“aquele que mima, dá comida e brinca”). Em virtude de Giulia não representar o pai no desenho de família e também não citá-lo na história pode indicar que é o tio Dani a referência masculina que a criança possui, pois a mãe fala, durante a entrevista, que é ele e sua mãe que cuidam da menina diariamente, e então “educam e dão limites”. Em outro momento da entrevista, a mãe explica que seu padrasto apareceu justamente na época de sua separação, e ele então passou a ser a imagem paterna de sua filha. O pai parece ser uma figura distante para Giulia, tanto que a única vez que fala dele na aplicação do teste, o cita como alguém que mora longe, o que pode indicar que exista um distanciamento não só físico, mas também afetivo. No desenho, a mãe aparece com flores nos pés e nas mãos, o que mostra que esta é alguém com quem Giulia mantém uma relação afetiva, porém mais distanciada do que com o tio Dani. Ela cita, na história sobre o desenho, que sua mãe a levou ao parque mas não tirou os sapatos para brincar, como a mãe da amiga fez. Talvez essa fala revele uma certa carência afetiva em relação a mãe. O tio Dani surge então como uma figura importante pois a menina o cita como quem a leva para ter um contato diário com a mãe, durante o percurso de casa para a faculdade. A avó aparece como alguém desvalorizada, pois a Giulia a desenha em tamanho menor do que as demais figuras, além de ser a única que não possui 83 mãos nem pés. No discurso da criança, a avó é “pequenininha e anãzinha”. A mãe também a desvaloriza quando, na entrevista, disse que ela é “uma do lar”. Todos esse dados nos levam a crer que é o tio Dani quem centraliza o poder da família, lembrando ainda que, durante a confecção do desenho, Giulia disse que o tio Dani é um gigante. 84 85 4.1.7. Luis Idade: 6 anos e 5 meses Data de nascimento: 07/04/1996 Escolaridade: Pré-primário – Escola particular A criança mora com a mãe, o pai e os dois irmãos Data de aplicação: 24/09/2002 Genetograma: pai filha mãe Fi lho fil ho Desenho de uma família qualquer: Luis desenhou na seqüência: um portão, uma figura masculina, uma figura feminina, um objeto que explicou ser uma máquina de lavar e, por último, desenhou um sol. Ele fez os desenhos com lápis grafite e pintou na mesma ordem na qual desenhou. Fez o desenho com lápis grafite. Ele não pintou o portão. O desenho não apresenta linha de solo e as figuras humanas não possuem mãos. C: “Você me conta uma história sobre esse desenho? Quem são essas pessoas?” L: “Sou eu e a minha irmã.” C: “E o que vocês estão fazendo?” L: “Brincando e só.” C: “E o que é isso que você desenhou?” L: “O portão da minha casa.” C: “E aqui o que você desenhou?” L: “A máquina de lavar. Ela está desligada. Não funciona.” C: “Você gostaria que ela estivesse funcionando?” L: “Sim.” C: “Por quê?” L: “Não sei.” C: “O que você e a sua irmã estão fazendo no desenho?” L: “De esconde-esconde.” C: “Quantos anos ela tem?” L: “Dezoito.” C: “Como é o nome dela?” L: “Vânia.” C: “O que mais acontece nessa casa?” L: “Só.” 86 C: “Não mora mais ninguém aí nessa casa?” L: “Minha mãe, meu irmão e meu pai.” C: “O que eles fazem?” L: “O meu irmão trabalha, o meu pai também e a minha mãe fica fazendo comida.” C: “Como é o seu pai?” L: “Ele tem bigode, toma café, corta a barba, corta cabelo, só isso.” C: “E a sua irmã, o que faz?” L: “Fica arrumando a casa.” C: “E você fica fazendo o quê?” L: “Jogando futebol.” C: “E a sua mãe?” L: “Cozinha.” C: “Onde você costuma passear com seu pai?” L: “Empinar pipa, comprar salgadinho, andar de bicicleta e ver os carros.” C: “De quem você mais gosta na sua casa?” L: “Da minha mãe e do meu irmão Fabiano.” C: “Por que você gosta mais deles?” L: “Porque eles não são chatos. Minha irmã e o meu pai ficam reclamando. Meu pai reclama de tudo.” C: “Por que eles reclamam?” L: “Porque eu fico deitado no chão.” Entrevista com a mãe de Luis: D: “Quem mora com ele?” M: “Eu, os dois irmãos e o meu marido; são cinco.” C: “E como ele é em casa? É falador ou é quieto?” M: “É a mesma coisa. Em casa ainda é pior.” D: “E como é? É mais apegado com você ou com o pai?” M: “Comigo. Ele é apegado muito comigo e com o irmão. Pra brincar gosta mais do irmão do que de mim. Ele é grudado também com o pai, mas não é tanto. Acho que é por causa que ele vive 24 horas junto comigo, né? Comecei a trazer ele pra cá, estava com 4 meses, praticamente cresceu pra lá e pra cá. Eu disse pra ele, que ele cresceu dentro do ônibus e ele disse: ‘Quer dizer que eu nasci dentro do ônibus?’ E eu disse: ‘Não, você começou a crescer no ônibus.’” Risos. C: “E com o pai ele conversa?” M: “Conversa, conversa sim.” D: “Como é aniversário, Natal? O pai participa? A senhora faz festinha aqui na escola?” M: “Eu faço aqui; aliás eu nunca tinha feito festa pro Luis aqui. Em casa, eu sempre faço, nunca deixo de fazer. Sempre tem um bolinho para comemorar. Mas nunca deixei de fazer.” D: “Ele convidou as pessoas? O pai veio?” M: “Só quem veio foi o irmão, porque a minha filha estava trabalhando, o pai estava trabalhando; só quem veio foi o meu menino, o irmão. Veio só as criançadas e as tias para participar com ele. Para ele foi uma riqueza. Ele me cobrava, sabe? ‘Por que você nunca faz o meu aniversário no Petita?’ Em casa vai mais adulto.” D: “Como ele é aqui na escola?” 87 M: “A professora de computação disse que ele é o máximo no computador. Disse que ele faz aquilo de olho fechado. Disse que é excelente, mas tem defeito na língua; fala muito, como o irmão.” D: “E de final de semana, o que ele faz? Com quem ele costuma brincar?” M: “Sozinho. Não tem amiguinhos, onde eu moro não tem uma criança. O dia todo fica em casa brincando. Liga a televisão na hora que se levanta, aí vê desenho o dia todo. É doido por jogo de futebol. Espalha os brinquedos pela casa, aí a irmã faz a brigaria pra ele ajuntar, pra ela arrumar a casa. Eu digo: ‘Deixa o menino brincar, ele passa o dia na escola e só chega em casa à noite, só pra tomar banho, jantar e dormir.’ Ele espalha os brinquedos no sofá, faz fileiras de brinquedos no braço do sofá.” D: “Alguém de vocês costuma brincar com ele?” M: “Quem costuma brincar com ele é Fabiano. De joguinho, de quebra-cabeça, várias coisas. Então Fabiano tem que brincar com ele, senão ele chora. Ela já chegou até a ir no tanque. Às vezes eu estou no tanque, lavando roupa e ele chega dizendo: ‘Ninguém quer brincar comigo.’ Já cheguei até a parar e disse: ‘Agora vou brincar com você , ninguém quer brincar.’ Mas o irmão dele dá muita atenção pra ele. Se preocupa com ele. Outro dia ele já estava dormindo e o irmão chegou e foi ver o menino. Disse que ele estava com frio, pra eu colocar outro cobertor em cima dele. Disse que o irmão estava com o nariz entupido e que era pra eu colocar remédio no nariz dele. Pro Fabiano parece que foi uma riqueza que apareceu em casa. Todo o dia ele traz alguma coisa pro irmão. Parece até o pai. Já a Vânia é mais seca. O pai já está com 59 anos, o ano que vem faz 60. Então, quando apareceu um menino, com aquela idade, ficou abestalhado, ficou bobo.” Análise do desenho de família de Luis: O primeiro ponto a destacar no desenho é que as figuras estão “voando”, já que não há linha de solo. Já no primeiro desenho pedido, Luis desenha sua própria família, representando a si e à irmã. A criança inicia a representação da irmã tentando fazer um desenho um pouco maior do que a figura que o representa, mas logo em seguida apaga e a figura da irmã, 12 anos mais velha que ele, fica praticamente do mesmo tamanho. O fato de não haver linha de solo pode indicar que o menino possui certa dificuldade no contato com a realidade, o que ainda pode ser observado no fato das figuras humanas não possuírem mãos, o que também é apagado após ser representado na irmã. É possível que haja uma dificuldade na troca de afetos dessa família. Isso pode também estar representado no portão que ele desenhou, já que um portão pode indicar que há uma porta para que essa relação ocorra, uma necessidade de comunicação do interno e externo. A falta de relação também pode estar representada na distância entre ele e a irmã, no desenho no qual estariam brincando de escondeesconde. 88 A criança não desenha sua mãe, pai e irmão, mas ele os cita na história do desenho. O pai é citado como alguém que vive reclamando de tudo e de todos, inclusive das brincadeiras do menino. Esse pai parece ter pouco relacionamento afetivo com o filho, já que o menino relaciona a figura paterna com “possuir bigode, tomar café, empinar pipa, comprar salgadinho e andar de bicicleta”. A fala da criança indica certo distanciamento, pois mesmo atividades conjuntas (bicicleta, pipa) são colocadas no mesmo patamar de tomar café e cortar cabelo. De acordo com a mãe, na entrevista, é o irmão do menino a figura masculina de referência, mas isso não pode ser percebido no desenho. A mãe é citada como alguém de quem ele gosta e que fica cozinhando (esta é a sua profissão). Na entrevista com a mãe, esta comenta que quando está lavando roupas, precisa parar porque o filho chora querendo companhia para brincar; no desenho, Luis representa uma máquina de lavar, que está desligada e não funciona, o que nos leva a supor que essa máquina representa a figura materna, e que haja uma demanda de uma mãe que esteja mais presente, que “funcione”. Ainda pela fala da mãe e do menino, podemos levantar a hipótese de que se essa máquina estivesse funcionando, talvez a mãe pudesse dar mais atenção para Luis. 89 90 4.1.8. Marcos Idade: 5 anos e 10 meses Data de nascimento: 13/12/1996 Escolaridade: cursando pré-primário A criança mora com o pai, a mãe e irmã Data da aplicação: 08/10/2002 Genetograma: pai Fi lho mãe filha Desenho de uma família qualquer: Marcos desenhou primeiramente uma figura humana maior que, posteriormente, identificou como sendo sua mãe. Desenhou uma outra figura à esquerda da mãe, a qual identificou como sendo seu pai. Logo após, desenhou outra figura à esquerda do pai, que disse ser sua irmã. Em seguida, desenhou a si mesmo à direita da mãe. E, logo após, desenhou mais dezenove figuras, as quais identificou como sendo seus familiares e amigos da igreja. Desenhou um sol, duas nuvens e dois cachorros. Por último, desenhou algo abaixo da figura do pai, que explicou ser algo para subir, uma escada. Usou lápis grafite e não coloriu o desenho. Não desenhou mãos em nenhuma figura. C: “Quem são essas pessoas que você desenhou?” M: “A grande é a minha mãe, depois vem o meu pai (à esquerda da mãe), Raquel, a minha irmã (à esquerda do pai), eu (à direita da mãe), a minha vó, a minha tia, minha outra vó, meu irmão que eu não sei o nome, meu vô, a vovó Lúcia (figura pequena), os amigos da igreja, a Bel, o pai da Bel, a mãe da Bel, o Rodolfo que mora na casa da Bel, o Nei, a Marli, namorada do Nei e o menino que foi para a Bahia. O último é o tio Dé que mora nos Estados Unidos e veio correndo chamar eles. O tio Dé tá chamando pra ir pra casa dele. Vou desenhar os cachorros também, a Salsicha e a Pretinha, lá da casa da minha vó. Ele tem bebê: um é preto e branco, o outro é preto e branco e o outro é branco. Ele não come comida, só leite. Esse é o sol e essas são as nuvens.” C: “Com quem você fica na sua casa? Quem mora com você?” M: “Em apartamento. O meu pai, a minha mãe e a Raquel.” C: “A sua mãe trabalha?” 91 M: “Trabalha. Hoje eu fui com o meu pai, a minha irmã e eu assistir ‘Scooby Doo’ no cinema.” C: “E a vovó e o vovô?” M: “Eu gosto mais da vovó Lúcia porque ela tem espaço pra brincar, futebol. A outra é a vovó Zulmira, só pode brincar de casinha. Na minha casa, gosto de brincar de pega-pega, mas não dá, a minha mãe briga. Minha mãe tem varinha pra dar no bumbum.” C: “O que é varinha?” M: “Meu vô corta umas madeiras e depois dá pra minha mãe para bater no bumbum. Eu corro e quando a Raquel pega a varinha, a minha mãe briga.” C: “Qual é o nome do vovô?” M: “Não sei.” C: “De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe?” M: “Da mamãe.” C: “O que ela faz que você gosta?” M: “Ela faz comida.” C: “Agora me diz o que é isso aqui no desenho?” M: “É um negócio de subir, é uma escada.” C: “E o que é isso aqui?” M: “O sol. As nuvens.” C: “Onde estão estas pessoas?” M: “Indo pra os Estados Unidos. O tio Dé está na casa dele.” C: “Vocês vão lá na casa dele?” M: “Não sei.” C: “O que mais você gostaria de contar da história?” M: “Só isso.” Entrevista com a mãe de Marcos: C: “Como é o relacionamento dele com o pai?” M: “Eles se dão bem. Ele tem, às vezes, um pouco de receio. Não sei se com outras crianças acontece, mas eu vejo que ele se abre mais comigo. É que, normalmente, tudo é a mãe, tá com dor, é a mãe. Mas eu acho que é importante a presença do pai, ainda mais agora que ele começou a fazer faculdade no meio do ano. Então, Marcos sente sua falta. Ele pergunta aonde o pai foi, se ele vai demorar e eu explico que o pai está na escolinha, assim como ele. Às vezes ele quer esperar, eu percebo que a figura do pai é muito importante, tipo, às vezes, ele vai fazer alguma coisa e diz que vai fazer igual ao pai. Ele diz que quer se vestir igual ao pai, com a calça igual, com a gravata igual.” C: “O pai é presente nas festas, como a de aniversário por exemplo?” M: “Ah sim. Aqui na escola, eles não deixam os pais participarem. Eu fiz a festa de quatro anos dele aqui, aí as professoras comentaram que a gente podia mandar máquina, mas que os pais não poderiam vir. Quando a gente faz em casa, o pai procura sempre estar. Na Segunda-feira passada, ele não trabalhou porque ele é funcionário público e eu trabalhei. Então eu pedi para ele levar as crianças ao cinema, porque eu tenho uma menor. Ele levou eles ao cinema. Às vezes eu falo para ele dar mais carinho, um colinho. Ele procura estar sempre presente. Às vezes precisa não só sair, mas estar perto deles.” C: “Na casa de vocês moram quantas pessoas?” M: “Só nós quatro.” 92 C: “Como é o relacionamento dele com a imã menor?” M: “Ele protege muito ela. Eles brigam demais e se pegam em casa, mas aqui, principalmente com ele, ele se põe na frente e se preocupa demais com ela. Se ela não ganhou uma coisa, ele vai e pega uma pra ela também. Ele tem muito cuidado. Ela é muito arisca e geniosa. Às vezes ela bate nele e ele é mais sossegado.” C: “Ele falou do tio Dé, quem é?” M: “É meu irmão. Eles sempre foram muito apegados e meu irmão faz dois anos que foi para os Estados Unidos, eu não sei se ele falou. Então ontem mesmo o meu irmão ligou que era para falar pelo dia das crianças, que ele estava com muitas saudades e a gente tem se falado muito pelo telefone mas, quando o meu irmão foi, ele tinha três anos, ele lembra muito de quando eles saíam. O meu irmão fazia de tudo, eu acho que foi uma figura muito marcante, que ele lembra bem.” C: “Marcos falou da avó Lúcia que mora numa casa onde ele tem mais espaço para brincar e da casa da outra avó que não tem espaço. Quais seriam essas avós?” M: “Tem a minha mãe que mora num sítio com meu pai, e tem a avó do meu marido, que ele chama de avó também, e que mora num apartamento. A avó Lúcia é minha mãe que mora num sítio e onde tem cachorros. Ele põe o tempo todo os cachorrinhos que nasceram para mamar.” C: “Ele fala várias vezes no tio Dé, durante o tempo em que faz o desenho. Você poderia falar um pouco mais a respeito do relacionamento do seu irmão com o Marcos?” M: “Desde os dois anos, o meu irmão sempre levou ele no shopping, prá passear. Sabe aquele tio de pendurar, de levar no carro? O pai não é muito brincalhão. Às vezes eu falo prá ele brincar mais com os filhos. O meu irmão é daqueles que se tiver que deitar no chão, ele deita. Já o pai, ele é aquela figura mais séria; de responsabilidade, que impõe limites.” C: “Ele falou de um avô que ele não sabe o nome, quem é esse avô?” M: “Deve ser o pai do meu marido. É que é uma confusão porque a mãe do meu marido faleceu quando ele tinha de nove para dez anos, e quem cuidou dele foi a mãe dela. O pai dele foi embora, mudou para o sul, não cuidou muito, não participou mais. Marcos já o viu duas vezes, mas não tem aquela relação com ele.” C: “Ele contou que o avô dele tem uma madeirinha que ele te dá para bater no bumbum dele. Isso é verdade?” M: “Esse é o meu pai. Sabe varetinha de árvore, fininha? Eu tenho para ameaçar ele. É galhinho só para mostrar, que já assusta. Serve mais como efeito psicológico. Eu digo pra ele que ele vai apanhar ‘porque você fez isso e a mamãe não gosta’. Eu falo: ‘se brigar os dois, apanham os dois’.” C: “Ele contou que o avô, de uma madeira, fez várias madeirinhas para você bater nele. É essa a fantasia que ele tem.” M: “Eu acho então, quando eu for pra casa do meu pai de novo, eu vou mostrar pra ele. Vou tirar um pedaço de galho para mostrar pra ele de onde é.” C.: “Você acha o seu marido um pouco fechado com os filhos? A que atribui?” M: “Até com a gente ele é muito fechado. Eu sou mais de abraçar e ele. Às vezes é mais importante um abraço do que um presente. Às vezes eu digo ‘dá um beijo neles, um abraço’, e ele não teve isso. Então eu acho que uma pessoa que não passou por isso, é complicado. Eu vejo assim, eu sempre tive carinho, 93 principalmente da minha mãe, que é de agarrar e de beijar. Ele não tem como dar o que não teve. A minha mãe, por exemplo, é do tipo que tem todo mundo embaixo dos seus braços. Então eu e meu irmão já somos diferentes. O meu marido, não dá para culpar, pois a mãe dele faleceu cedo. Eu tento ajudar o máximo que eu posso. O meu marido é mais fechado para o lado do coração. Ele é muito inteligente mas, para contato, é difícil. Ele está querendo começar a fazer terapia, porque tem coisas que eu não posso ajudar. Mas a gente vai levando.” Análise do desenho de família de Marcos: No desenho de Marcos, o que nos chama a atenção é o grande número de figuras humanas representadas, as quais ele identifica como pessoas de sua família e amigos da igreja, o que nos leva a acreditar que o menino indiferencia o núcleo social do familiar, talvez pela crença religiosa que a família freqüenta. Apesar dessa não diferenciação, há uma tentativa de diferenciar a família, pois percebemos que os olhos das pessoas que ele identifica como o pai, a mãe a irmã e a si são maiores, vazados; além desses personagens serem desenhados pela criança em primeiro lugar. Pelo desenho, o menino se coloca ao lado da mãe, e a irmã ao lado do pai, de forma que o casal fique ao centro. Isso pode indicar que é com a mãe que a criança possui maior afinidade, já que ela fala na historia que gosta mais da mãe porque é quem faz a comida. O “fazer a comida” pode indicar que é mãe quem satisfaz as necessidades básicas do filho. Isso é ainda reforçado pela fala da mãe, quando ela disse que o filho se abre mais com ela, pois apesar de se dar bem com o pai, tem receio dele. Essa hipótese pode ainda ser identificada pela representação da cachorra que teve “bebês que tomam leite”. A mãe cita, durante a entrevista, que o filho insiste em que os filhotes fiquem mamando, colocando-os o tempo todo embaixo da mãe. A ordem em que coloca os membros da família pode ainda demonstrar o complexo edípico, pois ele se coloca ao lado da mãe, e deixa o pai ao lado da irmã. O pai, em cima da escada, seria uma forma de mostrar que percebe o pai como alguém superior, na psicanálise, aquele que tem o poder, a autoridade, o falo. O desenho da escada embaixo do pai pode sugerir que o pai está em outro patamar, acima, inacessível. Isso pode ser justificado pela entrevista com a mãe, onde ela disse que pede várias vezes para que o pai abrace os filhos e dê mais atenção a eles, justificando essa falta de afeto com o fato do marido ter perdido a mãe muito cedo e ter sido criado pela avó materna, não tendo quase nenhum contato com o pai. Dessa forma, ele não teria como dar o afeto que não recebeu. 94 O tio aparece na história como uma figura idealizada, mas distante. É possível que a mudança de país desse tio, com quem a criança possuía um vínculo, trouxe não só uma distância física, mas também emocional, pois parece que a quebra desse vínculo não foi elaborada adequadamente pelo menino, já que ele cita, na história, um desejo de ver o tio. Na entrevista com a mãe, esta cita o tio como alguém que dava carinho e atenção ao menino, mostrando-se espantada do filho lembrar de alguém com quem teve contato aos três anos. Isso nos faz supor que a figura do tio aparece suprindo a falta emocional que ele sente em relação ao pai, falta essa reforçada pela fala da mãe. O menino também dá indícios dessa falta quando relata ter ido ao cinema com o pai, mostrando a importância desse contato. 95 96 4.2. Discussão dos casos De todas as análises realizadas, é importante destacarmos os aspectos comuns entre crianças filhas de pais separados e de crianças que moram com ambos os pais. Em se tratando dos filhos de pais separados, pudemos perceber mais nitidamente que a ausência física do pai traz um sentimento de desamparo e abandono. Este fato foi percebido em todos os desenhos destas crianças; quando Alice intitula sua história de “Pela rua vou caminhando” e se coloca sozinha no primeiro desenho, aliado a sua não representação na própria família. A Carla demonstrou nos dois desenhos a necessidade de conhecer sua origem e de tentar juntar os pais, transformando a madrasta como visita esporádica, papel exercido pela criança na relação com o pai. A criança representou sua própria família sem expressão facial, o que indica o desejo de que a família idealizada possa se concretizar. No caso de Cássia, o sentimento de desamparo está representado quando a menina se esquece de fazer “isso”, o que traz uma desvalorização de si. Giulia também não se representa no desenho de sua própria família, e pode estar indicando a sensação de abandono quando cita que o pai está longe, única referência que faz a esta figura durante a aplicação. No referencial teórico estudado, Silva (2001) afirma que o tempo da criança é diferente do tempo do adulto, e o contato esporádico com o pai em casos de separação gera um sentimento de medo e abandono, e conseqüente desapego. Para Zimerman (1999) uma das funções do pai é promover estabilidade e segurança à mãe na tarefa de educar e promover o crescimento adequado do filho, o que conseqüentemente gera estabilidade para a criança. Aberastury e Sallas (1991) colocam que a presença do pai no período inicial do complexo edípico é de fundamental importância no processo de separação da mãe e do bebê. Zimerman e Dolto (1989) também enfatizam a importância da presença paterna para romper essa díade. Nos desenhos analisados, foi percebido que em três casos, de Alice, Cássia e Carla, essa díade ainda não foi rompida, pois na fala e no desenho das crianças, o pai não aparece e a relação de simbiose com a mãe é percebida de alguma forma. No caso de Alice, a representação da figura feminina vendendo pipocas na rua onde a menina está sozinha. Na análise de Carla, onde os bebês pensaram que os pais não 97 haviam se casado e em Cássia, o pai aparece diminuído e a mãe é a figura dominante, ora representada de forma singela e ora representada de forma agressiva. Além dos dados dos desenhos, todas essas mães, de alguma forma, relataram nas entrevistas que suas filhas sentem ciúmes delas. Para Martinez (1999) o que ocorre no divórcio é o afastamento abrupto ou paulatino do pai com os filhos, pois o contato destes passa a ser mediado pela mãe, o que freqüentemente traz uma desautorização da figura paterna e que conduz a uma anulação deste papel. Vale lembrar que Alice desvaloriza a figura masculina em sua história e desenho, e Giulia substitui a figura paterna pela do tio Dani, que exerce o papel de avô, transferindo essa função. Nestes casos de separação, o que é necessário é que a criança tenha conhecimento da situação para que elas não vivam um sonho de que o casal é inseparável e, desta forma, não passem a vida tentando juntar os pais. A realidade da família deve se tornar consciente para que a criança não viva idealizando suas fantasias. (Dolto, 1989). Nas análises dos desenhos, ficou bastante expressa a necessidade das crianças em juntarem os pais. Para Aberastury e Sallas (1991) a estabilidade que o casal promove propicia o clima necessário para que ser humano se desenvolva normalmente. Quando isso não é possível, a criança deve ser esclarecida sobre a real situação dos pais, pois esse esclarecimento trará segurança interna e o equilíbrio de angústias para o desenvolvimento de um indivíduo saudável. Alguns aspectos já identificados nas análises dos desenhos de crianças filhas de pais casados merecem ser destacados. No caso dos meninos, surge a identificação com o pai, como no caso de André, que a mãe comenta o fato do filho querer vestir as mesmas roupas e fazer as mesmas coisas do pai. Este aspecto também foi abordado pela mãe de Marcos durante a entrevista. Em sua obra, Nasio (1999) afirma que durante o complexo edípico reconhece-se dois tipos de ligação afetiva nos meninos. Um apego desejante pela mãe e um apego ao pai como modelo a ser imitado. No desenho de Marcos, o menino se coloca ao lado da mãe e a irmã ao lado do pai, exemplificando este apego desejante, acrescentando a fala do menino de que gosta da mãe porque é quem faz comida, podendo indicar que é ela quem supre a carência de afeto. Nas palavras da mãe, o pai é a figura temida, o que pode querer demonstrar, na psicanálise, que é a figura de poder, aquele que tem o falo. De acordo com Zimerman (1999), o 98 menino sente a figura do pai como aquela que coloca os limites, proporcionando adequadas frustrações que promovem a passagem do princípio do prazer desprazer para o da realidade, estimulando as funções do ego da criança, especialmente a formação da capacidade do pensar. No caso de Bianca, ela se coloca no desenho e no discurso ao lado do pai e no lugar da mãe, confundindo-se com esta por duas vezes. Aqui também podemos observar que a criança está em busca da elaboração do complexo edípico, pois cita na história que os pais deram a filha, como se admitisse que precisa sair da relação do casal. Pode-se perceber que, através dos desenhos, busca uma diferenciação do masculino e feminino, onde revela a identificação com a mãe como modelo a ser imitado, o que, para Nasio (1999), faz parte da resolução sadia do complexo edípico. De acordo com o autor, a tendência é de que a menina queira substituir a mãe junto ao pai, o que acabará em uma identificação com a mãe como mulher do pai. Também percebemos, nas análises destes desenhos, que aparece a ausência paterna, mas não é tão explicita como a que aparece nos casos de pais separados. No desenho de Luis, o pai não é representado, porém, a criança opta por não representar também o irmão e a mãe. Na entrevista, a mãe relata que ele se identifica com ela e com o irmão mais velho, e que esse irmão é para o menino como se fosse um pai. Essa substituição não é autorizada, talvez em função da presença física do pai, e portanto nenhuma das figuras masculinas aparecem no desenho. Isso poderia sinalizar não a ausência física, mas a ausência psíquica do pai. No caso de Marcos, percebemos uma transferência afetiva do pai para o tio, que mora nos Estados Unidos, mas que não anula a figura do pai como aquele que detém o poder e que é representado em cima de uma escada, num nível superior. Nos desenhos de André, o pai é representado em tamanho muito maior do que as demais, o que sugere a autoridade paterna e a identificação com essa figura. A análise deste desenho nos faz destacar a obra de Zimerman (1999), onde afirma que a presença física e afetiva do pai é fundamental para o processo de separação-individuação da díade mãe-bebê. O menino deixa claro, na história, que já se separou da mãe, e segue a identificação com o pai. Para Aberastury e Salas (1991) é importante que toda a criança tenha a presença de um pai para poder se desprender da mãe, e também necessita de 99 uma dupla “pai e mãe” para satisfazer, por identificação projetiva, sua bissexualidade. Se aceitamos a bissexualidade do ser humano, compreendemos o porquê, no indivíduo edípico, é imprescindível a presença de pai e mãe para um bom desenvolvimento emocional e para satisfazer a necessária identificação da criança com os dois aspectos que oferecem os progenitores. 100 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 101 Ao pensarmos no tema do nosso trabalho, o que nos chamou a atenção foi o crescimento de separações conjugais que ocorrem atualmente no Brasil e o conseqüente aumento do número de lares chefiados por mulheres. Neste cenário, pudemos perceber que um grande número de crianças passou a residir somente com suas mães, visto que o discurso social parece diminuir a importância do pai, delegando a ele somente prover o filho com a pensão alimentícia. Em nossa pesquisa, pudemos perceber que muitos pais hoje lutam pela guarda compartilhada de seus filhos na justiça. Numa separação, pareceu-nos que, tanto a paternidade quanto a maternidade, tornaram-se mais um poder do que uma função, o que coloca a criança no lugar de objeto, esquecendo-se de sua condição de sujeito psicológico. Neste sentido, resolvemos estudar a importância da figura paterna no desenvolvimento psíquico da criança. Ao longo de nossa pesquisa, pudemos compreender que a personalidade do indivíduo se constrói e se diferencia por meio de uma série de identificações. A identificação é o processo pelo qual a pessoa assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo de outra e se transforma, total ou parcialmente, a partir desse modelo. Para chegar a ser idêntico a si mesmo, é preciso ter sido idêntico a outro. A criança se estrutura imitando alguém. Neste sentido, o pai é aquele que ajuda o filho a construir uma estrutura interna. Sua presença vai permitir que a criança, em particular o menino, tenha acesso à agressividade (afirmação de si e capacidade de se defender), à sexualidade, o sentido de exploração, assim como ao logos, compreendido como aptidão para a abstração e a objetivação. Ele facilitará igualmente a passagem do mundo da família para o da sociedade, uma figura, seguramente, em mutação, tanto para a menina como para o menino. No caso da família brasileira, o que pudemos perceber é que existe um modelo idealizado; padrão de família, com pai, mãe e filhos, que atinge toda a criança desde cedo, na infância. Existe uma permanência desse modelo ideal. Outro fator importante também, ao nosso ver, é o fato da mídia valorizar datas comemorativas, o que faz as escolas comemorarem o dia dos pais, por exemplo. Isso traz um certo desconforto para a criança que mora só com a mãe, ou mesmo aquela que não tenha pai. Esses fatores podem ter influenciado diretamente os desenhos e discursos das crianças. A nossa sociedade fomenta, principalmente através da mídia, um modelo de família ideal e cobra por isso o tempo todo. Neste caso, uma pessoa não pode 102 ficar solteira, um casal não pode ficar sem filhos e um filho não pode ficar sem pai, por exemplo, pois eles são o tempo todo questionados por isso. Com um número cada vez mais crescente de lares chefiados por mulheres, não podemos dizer que somente a presença física do pai é imprescindível no desenvolvimento sadio da personalidade da criança. Os resultados indicam que não é somente a questão da presença física que deve ser estudada, mas o papel psicológico que o pai exerce na vida da criança é o importante. Essas questões podem ser percebidas em duas crianças da pesquisa que moram com os pais, mas o tem ausentes psicologicamente. Essa questão, dada a sua relevância, acreditamos que poderia ser mais adequadamente explorada em um novo trabalho. Com o término de nossa pesquisa, pudemos compreender melhor a relação pai e filho, e esperamos ter contribuído, de alguma forma, para que os pais possam, no caso de uma separação, tirar a criança do lugar do objeto de disputa e que os dois possam entender que, mesmo separados, tanto o pai como a mãe, têm sua função e são responsáveis pelo desenvolvimento da criança, no sentido de que esta possa, no futuro, ser um adulto saudável e capaz de conviver harmoniosamente em sociedade. 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABERASTURY, Arminda & SALAS, Eduardo J. (1991). A Paternidade: um enfoque psicanalítico. (M.N. Folberg, trad.). Porto Alegre: Artes médicas (96 p.). ARIÈS, Philippe (1986). História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar (p. 29 – 77). ARIÈS, Philippe. (1991) História da vida privada: da Renascença ao século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras apud/BRUSCHINI, Cristina. (1993) Teoria Crítica da Família. São Paulo: Cortez. Brasil. 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