Apostila em formato A4

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Apostila em formato A4
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pastoreio
Um guia para cristãos dispostos a compreender
e cumprir o mandato discipulador de Jesus
Misael Nascimento
Discipulado integral
(Série discipulado integral)
Misael Nascimento
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1ª edição – 2014
NASCIMENTO, Misael Batista.
Discipulado integral / Misael Nascimento.
São José do Rio Preto: Misael Nascimento, 2014.
(Série discipulado integral).
116p. : 23 cm
ISBN 978-85-901803-9-5
1. Religião 2. Bíblia 3. Experiência cristã 4. Vida cristã
5. Missões 6. Educação cristã I. Título
Dedico estes estudos a Deus, que pacientemente me
discipula todos os dias, diretamente e por meio de
meus queridos irmãos e irmãs, membros preciosos
da igreja visível de Cristo.
Índice
Lista de abreviaturas.......................................................................................................vii
Prefácio do autor...............................................................................................................ix
1 O mandato cristão do discipulado................................................................................. 1
1.1 Interfaces do discipulado...................................................................................... 1
1.2Discipulado no judaísmo....................................................................................... 2
1.3O discipulado de Jesus.......................................................................................... 4
1.4Discipulado e imitação.......................................................................................... 9
1.5Discipulado e integralidade................................................................................10
2 Gente que discipulou gente.........................................................................................12
2.1 Um recorte de discipulado em Gregório Magno.................................................12
2.2Contribuições da Reforma ao discipulado..........................................................15
2.3A herança de Baxter............................................................................................20
2.4O ardor evangelístico de Bonar e Spurgeon.......................................................22
2.5O discipulado integral e o avivamento................................................................ 27
2.6O discipulado comprometido de Dietrich Bonhoeffer.........................................29
2.7Mudanças recentes no discipulado....................................................................30
3 O novo discipulado e seu falso dilema........................................................................33
3.1 Sementes da mudança no 18º século................................................................33
3.2O Segundo Grande Despertamento e o legado de Finney..................................34
3.3Fitafuso, Finney e o novo discipulado.................................................................36
3.4Um falso dilema no discipulado..........................................................................40
4 Amarrações finais do discipulado integral..................................................................42
4.1 O mau uso da analogia da igreja-hospital..........................................................42
4.2Discípulos de quem?...........................................................................................43
4.3O iDiscipulado e as “novas” habilidades pastorais............................................44
4.4Planejamento e execução do discipulado na igreja............................................ 47
5 Concluindo: Vai dar certo.............................................................................................59
5.1 Os pequenos processos transformadores do reino............................................59
5.2A recuperação do primeiro som do discipulado integral....................................60
Apêndice 1. Discipulado exige purificação.....................................................................62
A1.1 Precisamos ser defendidos..............................................................................63
A1.2 Precisamos ser purificados..............................................................................64
A1.3 Precisamos ser santificados............................................................................64
A1CNotas finais do apêndice 1.................................................................................65
Apêndice 2: A igreja discipuladora..................................................................................67
A2.1 Quatro aspectos do desenvolvimento da igreja...............................................67
A2.2 Um modelo bíblico de acompanhamento.........................................................68
A2.2.Passos práticos.................................................................................................70
A2CNotas finais do apêndice 2.................................................................................72
Referências bibliográficas...............................................................................................73
Lista de abreviaturas
Definições de termos e de abreviações
ARA. Bíblia Sagrada, Tradução de Almeida, revista e atualizada.
ARC. Bíblia Sagrada, Tradução de Almeida, revista e corrigida.
AT. Antigo Testamento.
CFW. Confissão de Fé de Westminster.
BEG2. Bíblia de Estudo de Genebra. Segunda edição de 2009.
NT. Novo Testamento.
NTLH. Bíblia Sagrada, Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
NVI. Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional.
Prefácio do autor
Escrevi este material para um curso de especialização em Teologia (à distância) do Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
O objetivo inicial era simplesmente compilar anotações pertinentes ao discipulado, a
fim de fornecer aos alunos material fiel às Sagradas Escrituras, honestamente documentado e edificante. Conforme as semanas foram passando, em decorrência da interação com
a classe, fui motivado a pesquisar e escrever mais do que pretendia. No fim das contas
vi-me de joelhos, maravilhado diante de Cristo e seu mandato discipulador! Dito de outro
modo, o texto alcançou primeiro meu coração, e daí, derramou-se para os alunos. Recebi
retornos muito positivos, confirmando que o estudo é útil.
Trata-se de um conteúdo singular. Pelo que sei, este é o primeiro livro que reflete sobre o discipulado dentro da moldura bíblica pactual. A Grande Comissão de Mateus 28.1820 é interpretada corretamente e norteia todos os desdobramentos da reflexão. Especialmente, considera-se o discipulado integral, oriundo de sã exegese da Palavra de Deus, não
o discipulado como modismo ou slogan raso de campanhas ministeriais.
Para os que querem receitas prontas, indico outro livro. Aqui, somos desafiados a nos
colocar diante de Deus, implementando um discipulado dependente dele, ad infinitum.
Para quem deseja um material para ponderar, orar e trabalhar duro, eis o livro!
Minha oração é que Deus demonstre que erraram todos os que disseram que só a
geração passada comprometia-se com discipulado. Meu desejo é ver o coração da geração
atual incendiado com o fogo ardente do discipulado integral! É o que humildemente suplico, para glória única do Ressurreto que nos criou, redimiu e vocacionou para discipular.
Misael Nascimento.
Junho de 2014.
1 O mandato cristão do discipulado
Perdidit antiquum litera prima sonum: “As primeiras letras perderam seus primitivos sons”
ou “perdeu-se, desde a Antiguidade, o som da primeira letra”. 1 A etimologia demonstra
que os significados de alguns vocábulos mudam com o passar do tempo. Os cristãos compreendem isso muito bem. “Justiça”; “amor” e “verdade” são exemplos de termos cujos
sentidos atuais são opostos aos atribuídos em outras épocas. Sendo assim, a batalha diligente “pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3), exige cavar o sentido
inicial ou bíblico de quase toda palavra de nosso vocabulário comum.
Sendo assim, o que é discipulado? A resposta a esta pergunta exige a consideração de
algumas questões preliminares.
1.1 I nterfaces
do discipulado
Na Teologia, o discipulado é tradicionalmente abordado no departamento de Teologia
Pastoral ou Prática, geralmente nas disciplinas Poimênica, que estuda a prática pastoral;
Liderança, como ferramenta de multiplicação de líderes; Teologia de Missões, Evangelização, Plantação e Revitalização de Igrejas, Dons e Ministérios, Missões Urbanas e até Planejamento Estratégico e Gestão Eclesiástica, como estratégia de crescimento de igrejas; e ainda
Educação Cristã e Prática de Ensino, considerando sua relação com ensino e aprendizado
da Bíblia.
Estas relações não são exaustivas. O estudo do discipulado toca em questões da Teologia Sistemática (Soteriologia ou Doutrina da Salvação), Teologia Exegética (especialmente
a Teologia Bíblica ou História da Revelação) e Teologia Histórica (o desenvolvimento das
ideias e práticas pertinentes à formação religiosa — figura 01).
Discipulado é uma palavra relativamente recente. Seus primeiros usos datam do 19º
século.2 O vocábulo, porém, remete a uma prática antiga. “Discípulo” é um aluno que
aprende aos pés de um professor; discipulado corresponde a aprendizado.3 Desta maneira
ampla, não seria incorreto enxergar “discipulado” no paganismo, e.g., no vínculo entre
Sócrates e seus alunos Xenofonte e Platão.4
Teologia
Exegética
Teologia Pastoral ou Prática
Evangelização
Missões
Urbanas
Poimênica
Educação
Cristã
Prática
de Ensino
Teologia
de Missões
Discipulado
Dons e
Ministérios
Gestão
Eclesiástica
Teologia
Sistemática
Plant/Revital.
de Igrejas
Liderança
Planejamento
Estratégico
Teologia
Histórica
Figura 01. Algumas inter faces do discipulado
1 POE, Edgar Allan. Assassinatos na Rua Morgue e Outras Histórias. São Paulo: L&PM Editores, 2011, e-Book
Kindle, posição 1195. (L&PM Pocket).
2 CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Lexikon, 2010, p. 222.
3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Discipulado. In: Dicionário Aurélio Eletrônico 7.0, doravante denominado Dic. Aurélio. Curitiba: Editora Positivo, 2009. CD-ROM; CUNHA, op. cit., loc. cit.
4 MARÍAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 45.
|1|
Discipulado integral |
1.2Discipulado
no judaísmo
Nas Sagradas Escrituras (foco de nosso estudo), é plausível entender como “discipulado”
as tratativas entre Moisés e Josué (Êx 17.9, 14; 24.13; 32.17; 33.11; Nm 13.16), 5 ou Elias e Eliseu
(1Rs 19.19-21). No relato pós-exílico da organização dos cantores de Jerusalém (1Cr 25.8),
lemos que foram designados “os deveres, [...] tanto do mestre como do discípulo” (tǎl·mîḏ,
“aprendiz”).6
Um salto qualitativo se dá com o estabelecimento das sinagogas. Após a dispersão
judaica, “a sinagoga, e não o Templo, é a instituição central da adoração [...] para a grande
maioria dos judeus”.7 O termo grego synagōgē significa “reunião”8 — um ajuntamento de
crentes centrado em “estudo e aprendizagem”.9 Suas raízes são encontradas nos grupos
que se congregavam para ouvir os levitas ou profetas, no período pré-exílico10 e nas reuniões em lares durante o exílio (Ez 8.1). A sinagoga foi importante para preservar a fé,
estabelecendo uma malha de comunhão e devoção dentro e fora do território palestino.11
Sua formatação definitiva se deu no período interbíblico (entre Malaquias e Mateus).
No NT ela é descrita como lugar de adoração sabatina, frequentado pelo Senhor Jesus
(Mc 1.21-28; 3.1-6; 6.2-3; Mt 4.23; Lc 4.15; 16.30-31, 44; 6.6; 13.10; Jo 6.59; 18.20) e pelo apóstolo Paulo (At 13.5; 14.1; 17.1, 10, 17; 18.4, 19).12 Pelo menos até o final do 1º século, não
há evidência de qualquer manual litúrgico para suas reuniões. A adoração era despojada,
constituindo-se de oração (especialmente as Dezoito Bênçãos), confissão de fé (o Shemá),
louvor (cânticos e recitação de salmos) e instrução bíblica (leitura, explicação e aplicação
da Torá), seguidos de uma bênção.13 Uma ordem provável seria a seguinte:
Leitura bíblica (Torá; os Profetas). Homilia [explicação e aplicação da Torá ou Profetas], seguida de discussão. Cântico de Salmos. A Kedusha, “Santo, Santo, Santo” (Is 6.3). Orações (A
Yotzer e a Ahabah, enfatizando os atos criadores de Deus e seu amor pelo seu povo, terminando com o Shemá — “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor” etc., uma
declaração de fé e uma bênção alegre, de Dt 6.4-9; 11.13-21; Nm 15.37-41). As Dezoito Bênçãos
(expressões de louvor, petições de bênçãos materiais e espirituais e intercessões por muitas
pessoas, encerrada com um “amém” em conjunto).14
5 Cf. BITTENCOURT, Ebenézer. Um Exemplo de Discipulado. Disponível em: <http://haggai.com.br/videos/
121--um-exemplo-de-discipulado>. Acesso em 21 abr. 2014. (Lições de Guardanapo).
6 Grifo nosso. A Nova Tradução na Linguagem de Hoje, doravante denominada NTLH, traduz tǎl·mîḏ
como “principiantes”, uma possibilidade legítima do ponto de vista linguístico, mas inadequada à luz da
ideia bíblica de formação religiosa. Biblicamente, o aprendizado na piedade é ininterrupto e não reservado
apenas para os “principiantes”. “Discípulo” é a melhor opção de tradução; cf. Tradução Brasileira (TB), Almeida Revista e Atualizada (ARA), Almeida Revista e Corrigida (ARC) e Nova Versão Internacional (NVI).
7 SCOTT, J. B. Sinagoga. In: TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã,
2008, p. 635. v. 5 (Q—Z).
8 HURTADO, Larry W. As Origens da Adoração Cristã. O Caráter da Adoração no Ambiente da Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 47.
9 DI SANTE, Carmine. Liturgia Judaica: Fontes, Estrutura, Orações e Festas. São Paulo: Paulus, 2004, p. 23.
10 BRIGHT, apud TASSIN, Claude. O Judaísmo do Exílio ao Tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 4849. (Série Cadernos Bíblicos — 46).
11 HURTADO, op. cit., p. 46: “Para a maior parte dos judeus, a expressão e a prática coletivas da religião,
mais comuns para eles, ocorriam em suas sinagogas e famílias”. Os judeus espalhados, denominados “da
Diáspora”, precisavam preservar sua identidade religiosa e cultural. Para isso produziram a Septuaginta
(LXX), uma tradução do AT para o idioma grego (iniciada no 2º século a.C.). A LXX “foi um dos principais
veículos de sua propaganda religiosa”; cf. GONZALEZ, Justo L. A Era dos Mártires. 3. ed. Reimp. 1991. São
Paulo: Vida Nova, 1986, p. 20. v. 1. (E Até os Confins da Terra: Uma História Ilustrada do Cristianismo).
12 MARTIN, Ralph P. Adoração na Igreja Primitiva. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 34.
13 MARTIN, op. cit., p. 34-38; HURTADO, op. cit., p. 47-49. O texto completo das Dezoito Bênçãos ou tefillah pode ser conferido em DI SANTE, op. cit., p. 99-122.
14 HUSTAD, Donald. Jubilate! A Música na Igreja. São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 92. Cf. MARTIN, op. cit.,
loc. cit., a Ahabah se ocupa da adoração a Deus por seus atos de benignidade; o Shemá é uma confissão de
fé e uma bênção alegre ao mesmo tempo.
|2|
| O mandato cristão do discipulado
Sabe-se que “pelo fato de os sacrifícios tradicionais só poderem ser feitos no templo,
as ofertas de animais e de cereais foram substituídas por ‘sacrifícios de louvor e oração’”.15
Ao favorecer uma “liturgia da Palavra”,16 a sinagoga deu destaque ao rabi ou mestre. Muito
tempo antes das sinagogas, crentes estudiosos da Torá eram reconhecidos como professores leigos designados respeitosamente de rabinos, mas “à medida que a maioria dos judeus
se movia, em gerações sucessivas, para a área da Galileia, o sistema rabínico surgiu”,17 assumindo primazia nas sinagogas como ministério ordenado.18 A relação entre o aluno da
Torá e seu professor (no judaísmo pós-exílico) é esclarecida por Blendinger:
O aluno (tǎl·mîḏ), que escolhe subordinar-se a um rabino segue-o em todo lugar onde este
anda, aprendendo dele e, sobretudo, servindo a ele. A obrigação do aluno para servir é uma
parte essencial da aprendizagem da Lei. O alvo de toda a sua aprendizagem e treinamento
é um conhecimento da Torá, e a capacidade de praticá-la em toda e qualquer situação. Sem
isto, a verdadeira piedade dificilmente é considerada possível.19
Esta prática, que prepara o terreno para o discipulado cristão, envolve três coisas:
1. Relacionamento voluntário (uma pessoa disponível para ensinar e outra disposta
a aprender servindo).
2. Conteúdo pedagógico (a Torá).
3. Transformação por meio da Escritura explicada e exemplificada (pelo professor) e
aplicada no coração e experiência (prática) do aluno.
Daí encontrarmos, no 1º século, uma estrutura de formação religiosa que contempla
escolas rabínicas com diferentes leituras do AT. A questão levada a Jesus e registrada em
Mateus 19.3 — “é lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” —, e.g., é
geralmente ligada à disputa entre as escolas ou partidos de Hillel, mais permissivo quanto
ao divórcio, e Shamai, mais restritivo.20
No contexto deste rabinado são mencionados os “mestres da Lei” e os fariseus21 (Lc
15 HUSTAD, op. cit., loc. cit.
16 KIRST, Nelson. Nossa Liturgia: Das Origens Até Hoje. 3. ed. Revista e Atualizada. São Leopoldo: Sinodal,
2003, p. 24-25. (Série Colmeia).
17 SCOTT, op. cit., p. 646.
18 Ibid., loc. cit.
19 BLENDINGER, C. Discípulo. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. (Ed.). Dicionário Internacional de
Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 579. v. 1 (A — M).
20 HENDRIKSEN, William. Mateus. São Paulo: Cultura Cristã, 2001a, p. 299. v. 2. (Comentário do Novo
Testamento); KENT JR., Homer A. Mateus. In: HARRISON, Everett F. (Ed.). Comentário Bíblico Moody. São
Paulo: Editora Batista Regular do Brasil, 2010, p. 52-53. v. 2; Daniel-Rops menciona também a posição do
rabino Akkiba, alinhada ao liberalismo de Hillel (cf. DANIEL-ROPS, Henri. A Vida Diária Nos Tempos de
Jesus. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.152-157); HOVESTOL, Tom. A Neurose da Religião: O Desastre do
Extremismo Religioso. São Paulo: Hagnos, 2009, p. 40-42.
21 Dentre as explicações sobre o significado original do título “fariseu”, propõem-se os sentidos de “‘dividir’
ou ‘interpretar’. De acordo com isso, a sugestão é que, o que quer que ‘fariseu’ veio a significar posteriormente, seu significado inicial era ‘intérprete’ e referia-se ‘as habilidades exegéticas excepcionais desses homens” (HAGNER,, D. A. Fariseus. In: TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura
Cristã, 2008, p. 754. v. 2. D—G). O próprio Hagner (op. cit., loc. cit.) não considera esta uma boa explicação
e escolhe outra que, na opinião do autor deste trabalho, é muito menos plausível (a de que o vocábulo “fariseu” derive de um verbo proveniente do Zoroastrismo!). O retrato do fariseu como um mestre especializado
na Lei se coaduna com o testemunho dos Evangelhos. “Os fariseus, liderados por Johannan ben Zakkai”,
assumiram o “controle exclusivo” do judaísmo nas últimas décadas do 1º século (cf. BOSCH, David J. Missão
Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal; Faculdades
EST, 2009, p. 83). Naquela ocasião “o culto sinagogal foi regulamentado e parcialmente estruturado com
base no culto do templo agora extinto. O rabinado foi introduzido como intérprete autoritativo da lei”
(BOSCH, op. cit., loc. cit.). Incomodam em Bosch algumas aplicações ecumênicas de sua teologia, bem
como o uso genérico do artigo feminino (o “leitor” é tratado o tempo todo como “leitora”; por isso tomamos a liberdade de transcrever as citações utilizando o artigo masculino). Apesar destes entreveros, reconhece-se naquele autor o mérito de um trabalho exegético cuidadoso e algumas percepções fieis à Bíblia e,
portanto, pertinentes e necessárias para uma compreensão amadurecida da missiologia.
|3|
Discipulado integral |
5.17). Daí emerge o apóstolo Paulo, “hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu” (Fp 3.5), “instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei” (At 22.3). O zelo pela lei traduz-se
em uma identidade mosaica, de modo que tais líderes consideram-se mathētēs, “seguidores” (NTLH) ou “discípulos” não de Jesus, mas “de Moisés” (Jo 9.28-29). Nosso Senhor
nos informa que, longe de serem “teólogos de gabinete”, eles esforçam-se para ganhar e
discipular adeptos, rodeando “o mar e a terra” a fim de “fazer um prosélito”, formatando-o
conforme suas crenças e práticas (Mt 23.15).
É sobre este pano de fundo que o Redentor menciona o discipulado.
1.3O
discipulado de
Jesus
Em Lucas 6.40 Jesus afirma que “o discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele,
porém, que for bem instruído será como o seu mestre”. Como vimos, esta declaração encaixa-se perfeitamente no ideário do rabinado daquele tempo, mas sugere uma novidade.
“Discípulo”, mathētēs, não quer mais dizer o aluno de qualquer mestre, mas “alguém que
ouviu a chamada de Jesus e se torna seu seguidor”.22 “Mestre”, que traduz didaskalos, uma
pessoa dedicada ao ensino,23 a partir de agora é o próprio Senhor, em clara ressonância de
seu convite registrado em Mateus 11.29: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim”.
Na literatura judaica, um “jugo” representa a soma total de obrigações que, segundo o ensino
dos rabinos, uma pessoa deve assumir. [...] Já ficou demonstrado que, em decorrência das suas
interpretações, alterações e acréscimos da santa lei de Deus, o jugo que os mestres de Israel
impunham sobre os ombros do povo consistiam num legalismo totalmente sem fundamento. [...] Jesus coloca seu próprio ensino em oposição àqueles que o povo ficara acostumado.24
Retornando a Lucas 6.40, em razão do bom trabalho realizado pelo mestre, o discípulo se torna “bem instruído” (katartizō; “treinado para ser completo” ou “perfeito”, ARC).
Este verbo transmuta-se em substantivo em Efésios 4.12, traduzido como “aperfeiçoamento” (ARA, ARC) ou “preparação” (NTLH; NVI). Isso nos ajuda a compreender a tarefa dos
pastores (o tópico discutido neste trecho da carta aos Efésios) como uma extensão do
discipulado mencionado nos Evangelhos.
A finalidade última da instrução, de acordo com Lucas 6.40 é: “[...] será como o seu
mestre”. Trocando em miúdos, não se trata apenas de apreender conteúdos; o resultado
do discipulado cristão é vida modificada.
Mais uma distinção do discipulado cristão é que o ato de “seguir” (akoloutheō), típico
da relação entre professor e aluno do AT, passa a indicar “a ação de um homem que responde à chamada de Jesus, e cuja vida recebe novas diretrizes em obediência”.25 As ocorrências desta palavra sugerem sua proximidade do ambiente rabínico de Jesus; “56 vezes
nos Sinóticos e 14 vezes em João; somente três vezes em Atos, uma vez em Paulo e seis
vezes no Apocalipse”.26
E o que Jesus faz em seu discipulado? Ele constitui a comunidade do reino. Daí sua
insistência em chamar “doze” (Mc 3.13-19). Tal “gesto demonstrativo, [...] foi comentado e
gravado na memória”,27 porque o número doze aponta para as tribos de Israel (Gn 35.22;
22 BLENDINGER, op. cit., p. 578.
23 LOUW, Johannes P.; NIDA, Eugene Albert. Greek-English Lexicon of The New Testament: Based on Semantic Domains. New York: United Bible Societies, 1996, p. 415.
24 HENDRIKSEN, William. Mateus. São Paulo: Cultura Cristã, 2001b, p. 714-715. v. 1. (Comentário do Novo
Testamento). Eis o ponto: “A boa-nova do reino de Deus coloca nos ombros dos homens fardos pesados,
ou sai do reino de Deus uma fascinação que tira o fardo e o peso de todas as exigências que traz consigo?”
(LOHFINK, Gehrard. Como Jesus Queria as Comunidades: A Dimensão Social da Fé Cristã. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 87).
25 BLENDINGER, op. cit., loc. cit.
26 Ibid., p. 579.
27 LOHFINK, op. cit., p. 21.
|4|
| O mandato cristão do discipulado
Êx 24.4; 39.14; Dt 1.23; Js 3.12; 4.2; Ez 47.13).28
Jesus cumpre a profecia de restauração da “honra de Deus”, registrada em Ezequiel
36.19-38. Complexidades textuais e exegéticas desta passagem são listadas, analisadas e
satisfatoriamente respondidas por Block.29 No entanto, parece seguro afirmar que o espalhamento do povo entre as nações (apontado em Ez 36.19), constitui motivo de “crise de
honra do Senhor”.30 Comentando o v. 19, Block afirma que “a violência de Israel se encontra com a fúria divina, e sua traição contra o Senhor se defronta com a dispersão para as
terras pagãs, onde o povo podia seguir seus caminhos idólatras no interesse de seus corações (cf. Dt 4.27, 28; 28.64; Am 7.17)”.31 Quanto ao modo de profanação, “os estrangeiros
puderam concluir ou que o Senhor havia voluntariamente abandonado seu povo, ou que
ele era incapaz de defendê-lo contra o poder superior de Marduque, o deus da Babilônia”.32
Exatamente por isso, a reunificação do povo (mencionada em Ez 36.24) é uma das
ações necessárias “para a santificação do nome do Senhor”.33 Daí a ênfase dada por Ezequiel ao “novo Êxodo”, mencionado dez vezes em seu livro.34 Block sugere que Ezequiel
alude à promessa de Deuteronômio 30.4, garantindo “que o próprio Senhor vai demonstrar tanta fidelidade ao seu povo e à sua terra, como competência para cumprir suas responsabilidades de protetor, conforme é entendido pelas nações”.35 As ações seguintes,
mencionadas em Ezequiel 36.25-28, ligam a profecia de Ezequiel ao anúncio da “nova
aliança”, de Jeremias 31.31-40.36 No NT, esta “nova aliança” é selada por Jesus Cristo (Lc
22.20). Sendo assim, na época de Jesus, esperava-se para os tempos do fim “a restauração
completa do povo das doze tribos”.37 Estas, outrora divididas, seriam novamente reunidas
em torno do Messias.38
Dito de outro modo, o chamado de Jesus Cristo para o discipulado é para uma relação
com ele e também com sua igreja. Isso nos coloca diante do Evangelho de Mateus.
Mateus é o único Evangelho no qual nosso Senhor menciona a palavra ekklēsia, “igreja”
(Mt 16.18; 18.17).39 Isso combina com a sugestão de que ele escreve para leitores de origem
judaica.40 Marshall entende que neste Evangelho “Jesus e sua missão são compreendidos
dentro de um contexto judaico e em relação ao judaísmo”.41 Esta singularidade de Mateus
28 Jesus ratifica esta colagem do número doze com as tribos de Israel (Mt 19.28; Lc 22.30). O povo que presta adoração a Deus é assim representado no Apocalipse: “Ao redor do trono, há também vinte e quatro tronos, e assentados neles, vinte e quatro anciãos vestidos de branco, em cujas cabeças estão coroas de ouro”
(Ap 4.4). Teríamos aqui um indicativo de doze anciãos do AT (as tribos de Israel) e doze do NT (os apóstolos)? Para Kistemaker “os vinte e quatro anciãos representam os santos redimidos e, com os anjos e todos os
seres viventes, estes anciãos rendem louvores, honra e glória ao Cordeiro (5.12)”, cf. KISTEMAKER, Simon.
Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 248. (Comentário do Novo Testamento).
29 BLOCK, Daniel I. Ezequiel. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 314-320. v. 2. (Comentários do Antigo Testamento).
30 BLOCK, op. cit., p. 320. Onde Block escreveu Yahweh, transcrevemos Senhor, considerando o público a
que se destina este estudo.
31 Ibid., p. 323.
32 Ibid., p. 323-324.
33 Ibid., p. 320.
34 Ibid., p. 329.
35 Ibid., loc. cit.
36 Ibid., p. 329-332.
37 LOHFINK, op. cit., p. 21.
38 VAN GRONINGEN, Gerard. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 319-321. v. 2.
39 BOSCH, op. cit., p. 84.
40 Ibid., p. 83-85. Atkinson registra que Papias e Irineu (2º século), Orígenes (3º século) e Eusébio (4º século), concordam que o Evangelho de Mateus “foi escrito [...] para cristãos hebreus, na língua hebraica”; cf.
ATKINSON, Basil F. C. Mateus. In: DAVIDSON, F. (Ed.). O Novo Comentário da Bíblia. Reimp. 1985. São
Paulo: Vida Nova, 1963, p. 945. v. 2. Mesmo havendo significativa concordância acerca da origem e destino
judaicos de Mateus, a hipótese da escrita original em língua hebraica não é aceita por alguns estudiosos, cf.
KENT JR., op. cit., p. 1-2.
41 MARSHALL, I. Howard. Teologia do Novo Testamento: Diversos Testemunhos, Um Só Evangelho. São Pau-
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Discipulado integral |
é destacada ainda por France:
Mateus é corretamente visto como o mais judaico dos livros do NT, com seu foco no cumprimento do AT, suas frequentes referências a temas de debates rabínicos, sua pressuposição
de que os leitores conhecem questões relativas aos rituais judaicos, sua utilização de terminologia judaica (“reino dos céus”, “Filho de Davi”) e, ocasionalmente, utilização de palavras
aramaicas não traduzidas. É somente no Evangelho de Mateus que a missão de Jesus e de seus
discípulos é limitada às “ovelhas perdidas da casa de Israel” (10.6; 15.24) e a autoridade dos
mestres da lei é levada a sério (23.3, 23).42
É impossível, portanto, compreender adequadamente “igreja”, em Mateus, dissociada da ideia e experiência da sinagoga judaica, positivamente, como instância de culto e
instrução bíblica, e negativamente, como ambiente de rejeição do evangelho, substituído
pela congregação cristã. Especialmente à luz da crescente rejeição e descrença dos judeus,
contrastada com aceitação e fé dos gentios (Mt 11.16-24; 12.38-45; 21.28-32, exclusiva de
Mateus; 21.33-46; 22.1-14; 23.29-39), Mateus sublinha “o tema da substituição de Israel por
um novo povo da aliança, um tema que, de fato, está presente sob a superfície em todo o
seu Evangelho”.43 A reunião do povo em torno do Messias, simbolizada pela escolha dos
doze, vai além das esperanças judaicas; judeus crentes em Jesus e gentios constituem a
nova “nação” a quem é confiado o reino de Deus.44
A culminação desta revelação encontra-se na Grande Comissão, uma das passagens
mais citadas quando se fala sobre discipulado:
Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.
Ide, portanto, fazei discípulos de [a ARC traz “ensinai a”] todas as nações, batizando-os em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos
tenho ordenado [ARC, “mandado”]. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação
do século (Mt 28.18-20).
Nem sempre este texto é compreendido ou utilizado corretamente.
É inadmissível isolar estas palavras do Evangelho de Mateus, por assim dizer, dar-lhes uma
vida própria e entendê-las sem fazer qualquer referência ao contexto no qual apareceram
pela primeira vez. Onde isso acontece, a “Grande Comissão” é facilmente degradada à condição de mero slogan, ou usada como pretexto para o que decidimos antecipadamente, talvez
de modo inconsciente, que ela deveria significar. [...] Então, contudo, corremos o risco de
fazer violência ao texto e à sua intenção. Uma coisa sobre a qual pesquisadores contemporâneos concordam é que Mateus 28.18-20 tem de ser interpretado sobre o pano de fundo do
Evangelho de Mateus como um todo e, a menos que tenhamos isso em mente, vamos deixar
de entendê-lo. Nenhuma exegese da “Grande Comissão” divorciada de seu ancoradouro nesse
evangelho pode ser válida.45
O autor deste estudo convida o leitor a compulsar artigos, livros e manuais de missiologia, evangelização, discipulado ou grupos pequenos. Será que sempre que a Grande
Comissão é usada para sustentar uma ideia ou programa ministerial, seu significado correto é considerado?
A essência da missão para Mateus é “fazer discípulos, batizar, ensinar”.46 Ainda que
“proclamar” ou “pregar” sejam palavras importantes para Mateus, conectando-se ao
“evangelho do reino” a fim de alcançar os “de fora” (Mt 10.7; 24.14; 26.13), Mateus insiste
lo: Vida Nova, 2007, p. 105.
42 FRANCE, R. T. Mateus. In: CARSON, D. A. et al. (Ed.). Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida
Nova, 2009, p. 1359.
43 BOSCH, op. cit., p. 88.
44 Ibid., loc. cit.
45 Ibid., p. 82. Grifo do autor. No restante desta seção, a exposição de Bosch é assumida como fio condutor
de leitura da Grande Comissão.
46 Ibid., p. 92.
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| O mandato cristão do discipulado
em utilizar didaskō, “ensino”, em sua Grande Comissão (v. 20).47 O leitor atual, influenciado por outra moldura filosófica e cultural, talvez entenda “ensino” como uma atividade
meramente intelectual, mas este não é o caso de Mateus.
O ensino de Jesus é um apelo à vontade de seus ouvintes, e não primordialmente a seu intelecto; é uma conclamação a uma decisão concreta de segui-lo e submeter-se à vontade de
Deus [...]. Além disso, o ensino não implica meramente a inculcação dos preceitos da Lei e a
obediência a eles, como o judaísmo contemporâneo o interpretava [...]. Não, o que os apóstolos deveriam “ensinar” [...], de acordo com Mateus 28.20, é submeter-se à vontade de Deus
revelada no ministério e ensino de Jesus. Não há evangelho que possa distanciar-se, num
entusiasmo do Espírito, do Jesus terreno. Suas instruções permanecem válidas e autoritativas, também para o futuro. É preciso manter a continuidade entre o Jesus terreno e o Cristo
exaltado. As pessoas tornadas discípulas e batizadas pelos mensageiros de Cristo devem seguir Jesus da mesma maneira como os onze o fizeram [...]. Ele próprio é agora o conteúdo de
seu próprio ensinamento anterior, a corporificação do reinado de Deus, o evangelho. [...] O
discipulado é determinado pela relação com o próprio Cristo, não pela conformidade com
uma ordenança impessoal. O contexto disso não é a sala de aula (onde o “ensino” geralmente
tem lugar), nem mesmo a igreja, e sim o mundo.48
O que consta neste discipulado? Como vimos, “Cristo mesmo”. Mais especificamente,
a “vontade do Pai” (Mt 6.10; 7.21; 18.14; 21.28-31).49 Se no judaísmo esta se revela na Torá,
em Mateus, ei-la em cinco discursos (que alguns denominam “pentateuco” de Mateus): O
Sermão do Monte (Mt 5—7); a Missão Apostólica (Mt 10); Como o Reino Vem (Mt 13); A
Disciplina na Igreja (Mt 18) e Os Falsos Mestres e o Fim (Mt 23—25).50
Este conteúdo é dado aos que são inseridos formalmente na igreja; batizados “em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). Isso não apenas ratifica a ênfase
comunitária do discipulado de Jesus, como também expõe outro de seus traços distintivos.
Na relação pedagógica do paganismo ou discipulado judaico, uma pessoa podia identificar-se como “discípula” de um filósofo (cultura grega) ou de Hillel, Shamai ou mesmo
de Gamaliel (cultura judaica). No discipulado cristão a pessoa é selada em nome da Trindade, ou seja, pertence somente a Deus. Neste ponto a Grande Comissão aplica o último
discurso de Mateus, no qual lemos:
Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois
irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que
está nos céus. Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. Mas o maior
dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo
se humilhar será exaltado (Mt 23.8-12).
Na prática, isso significa que nenhum cristão deve identificar-se como “discípulo do
mestre ou pastor fulano de tal”, e sim unicamente como pertencente ao Deus Triúno, ou,
usando a terminologia dos Evangelhos, discípulo de Jesus Cristo. Mais do que isso é, na
melhor das hipóteses, impertinência.
Observe-se ainda que o mandato da Grande Comissão é dado especificamente em
Mateus 28.19 e início do v. 20. Antes disso há um pequeno bloco narrativo (v. 16-17) seguido de uma sentença introdutória (v. 18). O dito de Jesus encerra-se com uma promessa
(v. 20). Tal estrutura denota uma construção teológica cuidadosamente inspirada pelo
Espírito Santo.
Os versículos iniciais (16-17) cumprem uma função dupla, primeiramente destacando
a divindade de Jesus. Na Galileia os seguidores de Jesus o “adoram”. O verbo traduzido por
“adoraram”, proskyneō, “é um termo favorito de Mateus. Ele o usa nada menos de 13 vezes
47 Ibid., p. 92-93.
48 Ibid., p. 93.
49 Ibid., p. 94.
50 Ibid., p. 94-101.
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Discipulado integral |
(em comparação com duas vezes em Marcos e duas em Lucas). [...] O verbo refere-se a um
gesto que deveria ser reservado para expressar submissão a Deus tão-somente”.51 Isso significa que “Jesus é, para Mateus, claramente muito mais do que alguém a ser imitado. Ele
é, no sentido último da palavra, o Senhor”.52
A passagem também lança luz sobre a fragilidade dos discípulos; “alguns “duvidaram”
(v. 17). A dificuldade em conciliar esta dúvida com a dignidade e segurança da fé apostólica
levou alguns comentaristas a sugerir que talvez, além dos onze, houvessem outros discípulos ali (quem sabe, os “mais de quinhentos irmãos”, mencionados por Paulo em 1Co
15.6).53 É possível ainda ponderar que a “dúvida” não tinha relação com a ressurreição e
sim com a adoração ou “prostração” devidas a Cristo. Eles estavam certos de que o Senhor
ressuscitara, mas será que ele devia ser adorado como Deus?54 Ainda que tal ilação seja
interessante, admitamos que extrapola o que está escrito no Evangelho. Consta no texto,
laconicamente, que “alguns duvidaram”. É digno de nota que o verbo distazō, traduzido
como “duvidaram”, é usado somente por Mateus e só aparece outra vez em 14.31, apontando para a fé dúbia de Pedro, em sua tentativa de caminhar sobre as águas.55 O melhor
é enxergar neste relato “um surpreendente, mas honesto comentário dos fatos”.56 Temos
aqui o Senhor Glorioso e, em seu corpo de seguidores, homens de fé frágil.
Como Jesus interage com seus discípulos imperfeitos? Ele se aproxima deles e diz:
“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Com tal sentença ele não
apenas lhes assegura de que é, de fato, digno de toda adoração, mas também sela em definitivo o que fora iniciado em Mateus 4.8-10.
Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a
glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. Então, Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás
culto.
O diabo oferece a Cristo todas as riquezas “pelo preço de uma só genuflexão”.57 Em
tal tentação sugere-se a possibilidade de “obter a coroa sem suportar a cruz”.58 E não apenas
isso:
Permanece um mistério, como Satanás, depois das duas recusas iniciais, pôde alimentar
qualquer esperança séria de sucesso nessa instância. Se, porém, psicologicamente falando, a
tentativa parece absurda, deve-se reconhecer que a terceira tentação era mais fundamental
no sentido de que ela expunha a questão última em torno da qual as coisas estavam girando
51 Ibid., p. 103.
52 Ibid., loc. cit. Bosch documenta que, em Mateus, os discípulos de Jesus nunca o chamam de “rabi” ou
“mestre”, mas sempre de Kyrios, “Senhor” (ibid., p. 103-104). Somente Judas se dirige a Jesus como “rabi”, no
contexto da traição (Mt 26.25, 48).
53 WIERSBE, Warren W. The Bible Exposition Commentary. Wheaton, IL: Victor Books, 1996, p. 107. v. 1;
UTLEY, Robert James. The First Christian Primer: Matthew. Marshall, TX: Bible Lessons International, 2000,
p. 237. v. 9. (Study Guide Commentary Series); HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento:
Mateus a João. Edição Completa. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2010, p. 398. v. 5.
54 LANGE, John Peter; SCHAFF, Philip Schaff. A Commentary on The Holy Scriptures: Matthew. Bellingham,
WA: Logos Bible Software, 2008, p. 556; TURNER, David; BOCK, Darrell L. Cornerstone Biblical Commentary: Matthew and Mark. Carol Stream, IL: Tyndale House Publishers, 2005, p. 375. v. 11.
55 TURNER; BOCK, op. cit., loc. cit.
56 KENT JR., op. cit., p. 86. Calvino sublinha que, mesmo depois da ressurreição, os apóstolos demonstraram “restos de [...] terror”, bem como “hesitação”. Ele argumenta que “quando Cristo apareceu, eles ficaram
impressionados com medo e espanto, até retomarem a razão e se acostumarem com sua presença”. Sendo
assim, Mateus 28.17 pode indicar que “alguns a princípio hesitaram, até que Cristo abordou-os de modo
mais próximo e familiar; e quando eles o reconheceram indubitavelmente, diante do esplendor de sua glória divina, então o adoraram” (CALVIN; John. Commentary on a Harmony of the Evangelists Matthew, Mark,
and Luke. Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010, p. 381. v. 3; tradução nossa). Entendimento semelhante pode ser conferido em HENRY, op. cit., loc. cit.
57 HENDRIKSEN, 2001b, p. 325.
58 Ibid., p. 327. Grifo do autor.
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| O mandato cristão do discipulado
desde o início. O que estava em jogo era se Deus deveria ser Deus, ou Satanás deveria ser
deus, e analogamente, se o Messias deveria ser o Messias de Deus ou de Satanás.59
Talvez seja por isso que Bonhoeffer intitule a última investida de Satanás em Mateus
4.9 como “tentação total”.60 E prossegue:
Assim permanecem, na tentação de Jesus, realmente nada mais que a palavra e a promessa de
Deus, não a força própria nem a disposição para a luta contra o mal, mas a força e a vitória de
Deus, o qual [...] faz com que a Palavra prive Satanás de seu poder. Somente através da Palavra
de Deus é que a tentação é vencida.61
Este passo para trás, da Grande Comissão à tentação de Jesus no deserto, conduz a outro ponto. O leitor de origem judaica do Evangelho de Mateus podia retornar ao primeiro
livro da Bíblia, ao pacto da criação, no qual Deus deu ao homem mandatos e o constituiu
seu agente histórico, ao fracasso do homem que, ao invés de fiar-se exclusivamente na
Palavra de Deus, acedeu às mentiras da serpente, bem como ao pacto da redenção, revelado em Gênesis 3.15. Destarte, pulsava no coração do leitor israelita a expectativa do reino
messiânico, a vinda do Messias que, com suprema autoridade, pisaria a cabeça da serpente
e colocaria todas as coisas “debaixo de seus pés” (1Rs 5.3; Hb 2.8; cf. Lc 20.41-44; Hb 10.1213; 1Co 15.24-28; Ef 1.15-23).
Agora tudo se cumpre. Jesus, que negou-se a receber de Satanás “os reinos do mundo
e a glória deles” (Mt 4.10), recebe-os após a ressurreição das mãos de Deus o Pai: “Toda a
autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18).
O v. 20 sela o Evangelho com uma promessa: “E eis que estou convosco todos os dias até
à consumação do século”. Os servos de Deus podem olhar esperançosamente para o futuro.
Este aiōn, “século”, “era” ou “mundo” como o conhecemos, prossegue para sua “consumação”. O reino inaugurado por Jesus abrangerá todas as coisas (cf. 1Co 15.20-28). Mas não
apenas isso. Além de conhecer seu futuro, os seguidores de Jesus podem estar certos de
que o Ressurreto permanece com eles, hoje.
E o que fazer no presente? Cumprir o mandato do discipulado. Relacionar-se redentivamente com os homens, como servos de Jesus e sua Palavra, ministrando a outros na
dependência do poder que é só dele, para honra devida somente a ele.
Aqui reside a força da promessa de Mateus 28.20. Ainda que diferentes na forma, tais
palavras assemelham-se na essência a outras manifestações de incentivo divino, dadas
aos crentes antes destes realizarem tarefas importantes para Deus (cf. Gn 15.1; 26.24; 46.3;
Dt 1.21; 31.7-8, 23; Js 1.6, 7, 9; 1Cr 28.20; Dn 10.19; Ag 2.4). Os discípulos são fortalecidos e
animados. Deus, por meio de Jesus, não abandonou, nem jamais abandonará o seu povo.
Jesus venceu Satanás e todos os ídolos. Agora, o reino de Jesus será expandido por meio
da implementação de uma estratégia simples, garantida pela autoridade e poder do Rei.
Os cristãos podem e devem cumprir o mandato do discipulado sob a égide do Cristo plenipotente.
1.4Discipulado
e imitação
Ainda que a terminologia dos Evangelhos (“rabi”, “discípulo” etc.) torne-se rara no restante do NT, algumas expressões ligadas ao discipulado estão presentes e merecem nossa
atenção. Paulo diz aos tessalonicenses que convém “imitá-lo” (mimeomai; 2Ts 3.7,9). Uma
admoestação semelhante é dirigida aos crentes de Corinto (mimētēs; 1Co 4.16; 11.1) e Filipos (symmimētēs; Fp 3.17). A igreja de Tessalônica é beneficiada por “imitar” (mimētēs) as
da Judeia (1Ts 2.14). Os leitores da carta aos Hebreus devem “imitar” a fé de seus líderes e
59 VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 409.
60 BONHOEFFER, Dietrich. Tentação. 8. ed. rev. São Leopoldo: Sinodal; Faculdades EST, 2010, p. 31-33.
Grifo nosso.
61 BONHOEFFER, op. cit., p. 32-33.
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Discipulado integral |
os da 3ª carta de João, “não imitar” o que é mau (Hb 13.7; 3Jo 11; mais uma vez, mimeomai).
Para não tornar-se indolentes os crentes precisam ser “imitadores daqueles que, pela fé e
pela longanimidade, herdam as promessas” (Hb 6.12; de novo mimētēs). “Todas estas palavras se empregam como um alvo ético-imperativo, e se vinculam com obrigações a um
tipo específico de conduta”.62
Em outro lugar Paulo se vê como um hypotypōsis, “modelo” (ARA) ou “exemplo” (ARC;
NTLH; NVI) para aqueles que crerão no Senhor (1Tm 1.16). A formação de líderes, neste
enquadramento, dá-se por meio da transmissão “a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar outros” as palavras que Timóteo ouviu de Paulo “na presença de muitas testemunhas” (2Tm 2.2; NVI). Pedro, por sua vez, exorta os presbíteros a tornarem-se typos,
“modelos do rebanho” (1Pe 5.3).
Subjaz a ideia de educação por meio de um “modelo” ou “exemplo”. Mas não se trata
simplesmente de olhar para os cristãos ou os que lideram em nome de Jesus, mas copiá-los
naquilo que eles imitam ao próprio Senhor.
Paulo nunca pretende vincular à sua própria pessoa a exigência da imitação. Em última análise, a imitação é sempre daquele que ele próprio segue. Em duas ocasiões, menciona Cristo
[...] como o “tipo” a ser imitado na exortação à autocorreção.63
Demonstrando compreensão dos Evangelhos, os apóstolos e escritores do NT dedicam-se a fazer discípulos não se si mesmos, mas de Jesus Cristo.
1.5Discipulado
e integralidade
Chegamos, finalmente ao clímax do discipulado: Sermos feitos pessoas inteiras (integrais
ou íntegras) como Jesus Cristo. O que isso significa?
O Redentor assumiu seu ministério somente após atingir a idade adulta. Na cultura
judaica, isso acontecia aos trinta anos (Lc 3.23).64 O NT o intitula “varão” que “tem a primazia” (Jo 1.30), “varão aprovado por Deus” (At 2.22) e “varão” destinado a julgar o mundo (At
17.31). Nestas ocorrências o substantivo anēr, traduzido como “varão”, mais do que indicar
gênero, “homem”, sinaliza um adulto em distinção a um menino.65 Daí lermos em Efésios
4.13 que Jesus é “varão perfeito” (ARC) ou, como diz a ARA, possui “perfeita varonilidade”
(ERA).
Ainda em Efésios 4.13, o adjetivo teleioō, “perfeito”, assegura o sentido de “genuíno”,
“completo” ou “maduro”.66 Na carta aos Hebreus Jesus é o adulto que amadurece, ou seja,
é “aperfeiçoado” (teleioō) pelo “sofrimento” (ARA; NTLH; NVI) ou “aflições” (ARC).
Resumindo, o alvo do discipulado é ser “inteiro”, “íntegro” ou “maduro” como Cristo.
Somos predestinados por Deus Pai para sermos “conformes à imagem de seu Filho” (Rm
8.29). Este é outro modo de dizer que Deus nos quer adultos e amadurecendo.
Assim nós anunciamos Cristo a todas as pessoas. Com toda a sabedoria possível, aconselhamos e ensinamos cada pessoa, a fim de levar todos à presença de Deus como pessoas espiritualmente adultas e unidas com Cristo (Cl 2.28; NTLH).
Esta terminologia remonta a uma das coisas que Jesus “ordenou” (Mt 28.20; no caso,
ao Sermão do Monte): “Portanto, sede vós perfeitos — teleios — como perfeito — teleios —
é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48). O homem “adulto”, Jesus Cristo, nos convida a crescer de
modo a, como ele, demonstrarmos uma “maturidade” ou “perfeição” existente em Deus
Pai. É a experiência de Levítico 20.7 no âmbito da “nova aliança” de Jeremias 31.31-34 (cf.
62 BAUDER, W. Discípulo. In: COENEN; BROWN, op. cit., p. 588.
63 BAUDER, op. cit., loc. cit.
64 MORRIS, Leon L. Lucas: Introdução e Comentário. Reimp. 1986. São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão,
1983, p. 97. (Série Cultura Bíblica).
65 LOUW; NIDA, op. cit., p. 103.
66 Ibid., p. 752-753.
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| O mandato cristão do discipulado
1Pe 1.16). É assumir as ordenanças ou mandatos da criação original no poder da redenção
que produz nova criação (Gn 2.15-17; 2Co 5.17). Os cristãos se purificam com esta esperança e o ministério da igreja deve fomentar este amadurecimento (1Jo 3.2-3; cf. Ef 4.12-16;
1Co 14.20; 2Pe 3.18).
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2 Gente que discipulou gente
No capítulo anterior, vimos que o discipulado cristão é diferente do pagão e judaico por
ter Cristo como sua origem, finalidade e centro. Discipular, do ponto de vista do NT, é
fazer discípulos somente de Cristo. Ademais, os crentes são designados agentes históricos
do Cristo redivivo, de modo que discipular é fazer discípulos por meio de discípulos.
Simples e não tão simples assim. Reunindo-se com líderes cristãos, o autor destes
estudos ouviu as seguintes observações:
• Na formação de líderes cristãos é urgente uma integração de excelência acadêmica com piedade. Os pastores e evangelistas devem unir vida com Deus, com boa
formação teológica e compromisso prático com a igreja.
• Nossos paradigmas estão morrendo ou já morreram. Onde estão ou quem são os
modelos cristãos desta geração?
• A partir dos exemplos de liderança atuais, o indivíduo sai do seminário pensando
em discipular ou em assumir uma “boa” igreja?
• Algumas igrejas estão reclamando do excesso de academicismo de seus pastores,
levantando a bandeira “Nós não queremos um Doutor e sim um Pastor!”.
• O que os seminários fazem para motivar e capacitar para o discipulado? Parece
que o preparo teológico não está se refletindo no discipulado do povo.67
Como isso é possível? Eis-nos ajudados por García Márquez:
Foi como penetrar no âmbito de outra época, porque o ar era mais tênue nos poços de escombros da vasta guarida do poder, e o silêncio era mais antigo, e as coisas eram arduamente
visíveis na luz decrépita. Na extensão do primeiro pátio, cujas lajotas haviam cedido à pressão
subterrânea do mato, vimos [...] as armas abandonadas nos armários, [...] vimos o galpão em
penumbra, onde estiveram os escritórios civis, os fungos coloridos e os lírios pálidos entre os
memoriais não atendidos cujo curso ordinário havia sido mais lento que as vidas mais áridas,
vimos no centro do pátio a pia batismal onde foram cristianizadas com sacramentos marciais
mais de cinco gerações [...].68
A tese apresentada neste estudo é que os “primeiros sons” se perderam. A pujante
igreja discipuladora de outrora modificou-se gradualmente. As boas “armas” cristãs foram
“abandonadas nos armários”. A igreja “antiga” — a velha “pia batismal” que prestou bom
serviço no passado — que discipulava do jeito “antigo”, atualizou-se, sofisticou estrutura
e métodos e se afastou do discipulado vivo e simples do NT.
Verificaremos se a tese se sustenta observando alguns exemplos extraídos da história
da igreja. “A história cristã é uma fonte rica de informações sobre os mais variados aspectos da vida, convicções, práticas e atividades da igreja”.69 Isso se aplica ao discipulado.
2.1Um
recorte de discipulado em
Gregório M agno
Suffert nos informa que do 2º ao 6º séculos “a evangelização prosseguiu mais ou menos
sem interrupção”.70 A expansão do cristianismo se dá “a partir do nascimento de comunidades cristãs dentro das cidades. [...] alguns crentes se reúnem para orar juntos; logo sentem necessidade de ter um início de organização”.71 Esta demanda organizacional conduz
67 Tais observações foram anotadas durante uma reunião de líderes ligados à educação teológica.
68 MÁRQUEZ, Gabriel García. O Outono do Patriarca. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 1975, p. 7-8.
69 MATOS, Alderi Souza de. A Caminhada Cristã na História: A Bíblia, a Igreja e a Sociedade Ontem e Hoje.
Viçosa: Ultimato, 2005, p. 12.
70 SUFFERT, Georges. Tu És Pedro: Santos, Papas, Profetas, Mártires, Guerreiros, Bandidos: A História dos
Primeiros 20 Séculos da Igreja Fundada por Jesus Cristo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 111.
71 SUFFERT, op. cit., loc. cit.
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| Gente que discipulou gente
ao estabelecimento de bispos incumbidos de presidir a assembleia, batizar os novos convertidos, distribuir a comunhão, designar outros líderes da igreja e pregar.72 Com o tempo,
o bispo torna-se um líder de várias paróquias de determinada região. “O bispo da cidade
mais importante dispõe de uma preeminência sobre seus colegas. É em sua residência que
se reúnem os sínodos locais. [...] os egípcios [...] inventam uma outra noção: A de diocese
(do grego dioikēsis: ‘administração’)”.73
As comunidades cristãs não são homogêneas. Seus membros “vêm de todas as classes
da sociedade romana. Há artesãos, vendedores e funcionários — muitas vezes, soldados
e oficiais”.74 Ademais, “tudo se passa como se a cristianização progressiva fosse primeiramente local: é em torno de uma comunidade, situada numa cidade ou num grande burgo,
que as conversões se multiplicam”.75 Até o 5º século, “a maioria dos bárbaros que penetram
no Ocidente [...] é cristã”.76
Entre o 5º e o 6º séculos, a península italiana é tumultuada por hordas de invasores: O
rei visigodo Alarico I, em 410, o rei vândalo Genserico, em 455, o suevo Ricimero, em 472,
Odoacro, líder de tribos dos germanos, em 476, os ostrogodos liderados por Teodorico em
489, godos e bizantinos, nas duas décadas seguintes e, finalmente, a partir de 568, os furiosos lombardos.77 Em 589, inundações seguidas de peste bubônica fazem sofrer e diminuir
ainda mais a população de Roma. Neste ano, acometido pela peste, morre o Papa Pelágio
II. Seu sucessor é Gregório (540—12/03/604), denominado pela igreja Gregório Magno ou
Gregório, o Grande.78
Qual é a importância de Gregório? Por variadas razões, ele é tido como “um dos maiores papas de todos os tempos”.79 Liturgicamente, marca a história como organizador do
canto gregoriano.80 Como reformador, por seu exemplo e em sua Magna Moralia (um
comentário alegórico de Jó), ele convoca os líderes da igreja à santidade e simplicidade
radicais.81 “Os luxos a que alguns tinham de acostumado foram proibidos, assim como
pagamentos excessivos que alguns clérigos recebiam por seus serviços”.82 Como administrador, ele torna “o episcopado de Roma um dos mais ricos da igreja de seu tempo”.83 Shelley entende que “nenhum outro homem ou mulher representa melhor o início da Idade
Média”.84 Como nos informa Cairns:
Esse homem [...] foi um dos mais nobres líderes da Igreja Romana. Sua renúncia à grande
riqueza impressionou a sua geração. Humilde, via-se como “o servo dos servos de Deus”.
Missionário zeloso, foi um instrumento na conquista dos ingleses para o cristianismo. Sua
formação jurídica, sua habilidade e seu bom senso fizeram dele um dos administradores mais
competentes da Igreja Romana na Idade Média.85
72 Ibid., p. 111-112.
73 Ibid., p. 112.
74 Ibid., p. 113.
75 Ibid., p. 114.
76 Ibid., p. 115. Suffert rotula de “cristãos” os godos convertidos ao arianismo de Ulfila (ibid., loc. cit.). Neste
tempo são arianos também os visigodos, os burgúndios e os ostrogodos de Teodorico, bem como 80% da
Gália (ibidem).
77 ARAUTOS DO EVANGELHO. São Gregório Magno: Papa e Doutor da Igreja. Disponível em: <http://www.arautos.org/especial/7918/Sao-Gregorio-Magno--Papa-e-Doutor-da-Igreja.html>. Acesso em: 30 abr. 2014.
78 ARAUTOS DO EVANGELHO, op. cit., loc. cit.
79 GONZALEZ, Justo L. A Era das Trevas. Reimp. 1991. São Paulo: Vida Nova, 1981, p. 69. v. 3. (E Até os Confins da Terra: Uma História Ilustrada do Cristianismo).
80 CAIRNS, Earle Edwin. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. 2. ed. São Paulo:
Vida Nova, 2008, p. 146.
81 CAIRNS, op. cit., p. 147.
82 GONZALEZ, 1981, p. 73.
83 Ibid., p. 146.
84 SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo Ao Alcance de Todos: Uma Narrativa do Desenvolvimento da
Igreja Cristã Através dos Séculos. São Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 187.
85 CAIRNS, op. cit., p. 145.
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Discipulado integral |
Importam-nos seu zelo missionário e contribuição para o discipulado. Ao ver meninos do condado de Yorkshire sendo vendidos em Roma, Gregório resolve livrar os anglos
do juízo divino “através da obra missionária”.86 Seu emissário, Agostinho (que não deve
ser confundido com Agostinho de Hipona), recebe a incumbência de “ir à Bretanha e levar
o evangelho aos bretões. Agostinho chegou à Inglaterra em 597 e logo converteu o rei de
Kent ao cristianismo”.87 Agostinho foi nomeado mais tarde Arcebispo de Cantuária e, “segundo narram as crônicas, batizou mais de 10 mil neófitos no dia de Pentecostes de 597.
Sem dúvida, a conversão deste povo constitui o episódio culminante da obra evangelizadora de [...] Gregório”.88
Neste contexto de efervescência missionária, reforma moral e demandas de pregação
e doutrinação, Gregório escreve a Regra Pastoral.89 Esta obra aborda “os pré-requisitos para
o ministério, as virtudes indispensáveis a um pastor e o valor da introspecção”.90 A parte
III da Regra, intitulada Como o Pastor Que Vive Com Coerência Deve Instruir e Exortar Os
Seus Fieis?,91 é útil para este estudo sobre o discipulado. Gregório entende que:
Não a todos convém uma única e mesma exortação, pois nem todos estão sujeitos aos mesmos hábitos de vida. [...] Portanto, a palavra dos mestres deve ter presente a condição dos seus
ouvintes, de modo que se adapte às necessidades de cada um, todavia, sem jamais renunciar à
arte de edificar uma comunidade. [...] Assim, um mestre, para edificar a todos na única virtude da caridade, deve tocar o coração dos seus ouvintes com a mesma doutrina, mas não com
um único e idêntico modo de exortar.92
O autor dedica-se, a partir deste ponto, a enumerar diferentes tipos de personalidades, como segue:
É preciso admoestar de modo diferente: Os homens e as mulheres; os jovens e os idosos; os
pobres e os ricos; os tipos joviais e os melancólicos; os súditos e os superiores; os servos e os
patrões; os sábios deste mundo e os incultos; os atrevidos e os tímidos; os pretensiosos e os
pusilânimes; os impacientes e os pacientes; os benévolos e os invejosos; as pessoas sinceras e
as pessoas mentirosas; quem tem saúde e quem é doente; aqueles que, por medo do castigo
vivem sem fazer o mal e aqueles que são de tal modo endurecidos no mal que nem mesmo o
castigo os pode corrigir; os taciturnos e tagarelas; os preguiçosos e os impulsivos; os mansos
e os coléricos; os humildes e os orgulhosos; os obstinados e os inconstantes; os gulosos e os
temperantes; aqueles que, sensíveis aos pobres, doam de seus bens e aqueles que, sem desejar
o bem dos outros, não distribuem dos seus, e aqueles que doam daquilo que possuem, mas
sem deixar de roubar do que é dos outros; os briguentos e os pacíficos; os semeadores de
discórdia e os artesãos de paz.93
A lista continua e, após finalizada, cada item é desenvolvido com descrição e sugestões de pastoreio pertinentes a cada situação. Revela-se, destarte, um líder de igreja que,
apesar de ocupadíssimo, enxerga os cristãos não como uma massa indistinta, mas como
indivíduos peculiares, dignos de atenção personalizada. Até o leitor mais apressado da
Regra constatará que sua aplicação exige investir tempo e energia em gente.
Os dados estatísticos permitem dizem que a prática missionária, bem como a estratégia de discipulado de Gregório foram bem-sucedidas. Retomando o relato de Suffert:
Eis aí em que o papel de Gregório foi importante. Ele administra onde não existe poder civil; prega onde não há muitos padres; escreve onde os textos tornaram-se raros; finalmente,
mantém em grande medida sua autoridade. Transige com os bárbaros; e envia missões para
retomar a evangelização interrompida um ou dois séculos antes. De alguma forma, a igreja
86 Ibid., p. 146.
87 Ibid., loc. cit.
88 ARAUTOS DO EVANGELHO, op. cit., loc. cit.
89 GREGÓRIO MAGNO. Regra Pastoral. São Paulo: Paulus, 2010. (Coleção Patrística).
90 CAIRNS, op. cit., p. 147.
91 GREGÓRIO MAGNO, op. cit., p. 107-246.
92 Ibid., Prólogo, p. 107.
93 Ibid., Capítulo 1.23, p. 107-108.
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sobreviveu às invasões dos bárbaros.94
Sucesso? Cumprimento da missão? Discipulado bíblico? Nem tanto.
Encontramos em Gregório Magno um reformador, um líder missional, um agente social,
um pastor, discipulador e estrategista aparentemente bem-sucedido. No entanto, apesar
de sua boa vontade e indiscutível sinceridade, Gregório é um místico heterodoxo.
Quanto ao seu misticismo, Shelley menciona que ele “morreu [..] exausto após trinta
anos de orações nas montanhas e milagres nas cidades”.95 Cairns diz que Gregório “era
injustificadamente supersticioso e crédulo”.96
Conta-se que quando Gregório ainda era abade de Santo André ficou sabendo que um dos
seus monges, que estava à beira da morte, tinha escondido algumas moedas de ouro. A sentença do abade foi dura: O monge pecador morreria sem escutar uma palavra de perdão ou
consolo, e seria enterrado em um monte de esterco, junto com seu ouro. Depois de cumprida
esta sentença, e para salvação da alma de Justo (este era o nome do monge), Gregório ordenou
que durante os próximos trinta dias a missa do mosteiro fosse lida em memória a ele. Findado este período o abade declarou que, de acordo com uma visão que o monge Copioso, irmão
carnal do falecido, tivera, a alma de Justo tinha saído do purgatório e estava agora na glória.97
Quanto à heterodoxia:
Gregório [...] deformou e até transformou os ensinos de Agostinho. [...] dedicou sua atenção
à questão de como podemos oferecer a Deus uma satisfação pelos pecados que cometemos.
[...] Os que morrem na fé e em comunhão com a igreja, mas não fizeram suficiente penitência
por seus pecados, vão para o purgatório, onde passam algum tempo antes de ir para o céu.
Uma das maneiras de os vivos ajudarem os mortos a saírem do purgatório é oferecer missas
em seu nome.98
Cairns afirma ainda que ele:
Sustentava a inspiração verbal da Bíblia, mas, estranhamente, dava à tradição o mesmo papel
da Bíblia. O Cânone da Missa, que ele modificou parcialmente, era amplamente usado em
sua época e revelava a tendência crescente de considerar a ceia um sacrifício do corpo e do
sangue de Cristo que se repetia todas as vezes que era celebrada. Gregório ensinava as boas
obras e a invocação dos santos para conseguir sua ajuda. Pode-se dizer com segurança que a
teologia medieval trazia as marcas do pensamento de Gregório.99
O que aprendemos aqui? É possível um “sucesso” em termos de desenvolvimento institucional (a igreja se torna uma grande estrutura), aumento numérico (muitas pessoas
batizadas e agregadas à igreja) e até aparente aprovação divina do ministério por meio
de efusão de experiências sobrenaturais. Tudo isso sem fidelidade ao evangelho verdadeiramente bíblico. Nesses termos, “ganham-se” pessoas e formam-se “discípulos” que não são
instruídos em “todas as coisas” ensinadas por Jesus (Mt 28.20).
2.2Contribuições
da
Reforma
ao discipulado
É possível encontrar subsídios para o discipulado cristão na Reforma Protestante do 16º
século? Entendemos que sim e listamos breves notas sobre contribuições de três reformadores ilustres: Lutero, Bucer e Calvino.
2.2.1 A teologia e as conversas à mesa de Lutero
A Reforma capitaneada por Martinho Lutero (10/11/1483—18/02/1546) restabeleceu três
94 SUFFERT, op. cit., p. 121.
95 SHELLEY, op. cit., p. 186. Grifo nosso.
96 CAIRNS, op. cit., p. 145. Grifo nosso.
97 GONZALEZ, 1981, p. 76.
98 Ibid., loc. cit.
99 CAIRNS, op. cit., p. 147.
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Discipulado integral |
pilares bíblicos necessários para o verdadeiro discipulado:
A doutrina da justificação pela fé (sola fide) e a sola scriptura, a ideia segundo a qual as Escrituras são a única autoridade para o pecador procurar a salvação, e o princípio de sola sacerdos, o
sacerdócio dos crentes, passaram a ser os pontos principais de seu sistema teológico.100
A eclesiologia (doutrina da igreja) esposada por Lutero reflete este triplo pilar. Quanto
à doutrina da justificação pela fé, a verdadeira igreja não deve ser entendida como Kirche,
mera “construção” ou “instituição”, e sim como “povo de Deus” e “comunidade dos cristãos”101 estabelecida pelo evangelho. “Lutero sustentava que o evangelho constituía a igreja, não o contrário”.102 Uma vez que a Igreja de Roma pervertera a mensagem simples do
evangelho de Cristo, Lutero “se referiu ao Papa Paulo III como ‘Vossa Diabolicíssima’”.103
Quanto ao postulado sola scriptura:
A pregação pública da Palavra de Deus é um meio de graça indispensável e sinal infalível da
verdadeira igreja. Nas palavras do pregador, a viva voz do evangelho (viva vox evangelii) é ouvida. Para Lutero, a igreja não era uma “casa de escrita”, mas uma “casa da fala”.104
Tal convicção depreende-se dos Evangelhos, como segue:
É a maneira do Novo Testamento e do evangelho que este seja pregado e realizado pela palavra da boca e de viva voz. O próprio Cristo não escreveu nada, nem ordenou que nada fosse
escrito, mas sim que se pregasse pela palavra falada.105
Mais do que declarar a necessidade de crenças e práticas lastreadas na Escritura, Lutero também a traduz para o alemão, dando ao povo o acesso direto à fonte da verdade
evangélica.106 “Como sempre, trabalha dia e noite. No castelo de Wartburg, onde o recolheram, ele traduz em dez semanas o Novo Testamento para o alemão, depois mergulha
na tradução do Antigo. Esta segunda tarefa vai lhe tomar 12 anos”.107
Quanto ao sola sacerdos, Lutero ensina que cada crente, como sacerdote de Deus,
pode interpretar as Escrituras.108 Ademais, “todo cristão é sacerdote de alguém, e somos
todos sacerdotes uns dos outros”,109 de modo que “cada um de nós [...] pode ir perante
Deus e interceder pelo outro [...]”.110 Tais declarações contêm uma importante implicação:
“Ninguém pode ser um cristão sozinho. Assim como não podemos nascer de nós mesmos,
ou batizar a nós mesmos, da mesma forma não podemos servir a Deus sozinhos”.111 Contrariando a crendice popular de seu tempo, que considerava “santos” apenas as figuras
canonizadas pela Igreja Romana, Lutero admoesta:
Quando desejar fazer alguma coisa pelos santos, volte sua atenção para os vivos, não para os
mortos. O santo vivo é seu próximo, o nu, o faminto, o sedento, o pobre que tem esposa e
filhos e sofre humilhações. Dirija sua ajuda a eles, comece seu trabalho aqui.112
Daí a conclusão de George: “Uma comunidade de intercessores, um sacerdócio de
amigos que se ajudam, uma família em que as cargas são compartilhadas e suportadas mutuamente — essa é a communio sanctorum”, a “comunhão dos santos” do Credo Apostólico
proposta por Lutero.
100 Ibid., p. 260.
101 GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 88.
102 GEORGE, op. cit., p. 89.
103 Ibid., loc. cit.
104 Ibid., p. 91.
105 WA 10/1, p. 48, apud GEORGE, op. cit., loc. cit.
106 CAIRNS, op. cit., p. 263-264.
107 SUFFERT, op. cit., p. 257-258.
108 CAIRNS, op. cit., p. 262.
109 GEORGE, op. cit., p. 96.
110 Ibid., p. 97.
111 Ibid., loc. cit.
112 Ibidem.
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Toda esta fundamentação teológica é carregada de significado e utilidade para o discipulado cristão, mas Lutero não permaneceu apenas no terreno das lucubrações. Além
de ensinar Teologia em um contexto formal — uma sala de aula na Universidade de Wittenberg; atividade que desenvolveu até sua morte —,113 Lutero investiu tempo ensinando
“as coisas” ordenadas ou mandadas por Jesus informalmente, em volta de sua mesa de refeições.
Lutero [...] sempre achou ter agido corretamente [casando-se com Catarina de Bora, em 1525],
tendo conhecido muitas alegrias em sua vida familiar. Seus seis filhos, e os inúmeros estudantes convidados enchiam tanto sua mesa que, em algumas vezes, a sua “Kátia” tinha dificuldade em arranjar o alimento necessário.114
Trechos dessas conversações, compilados por seus alunos e colaboradores, estão preservados no livro Conversas à Mesa (Tischreden, em alemão). “A primeira edição das Tischreden foi publicada por Johann Aurifaber, em 1566, vinte anos após a morte de Lutero. A
edição completa, porém, só foi publicada em 1836”.115
O que aprendemos aqui? Lutero não implementou um “programa formal de discipulado”, mas estabeleceu um pilar triplo útil para o cumprimento da ordenança de Jesus.
Discipulado relaciona-se com evangelização. A doutrina da justificação pela graça mediante a fé somente é vital; pessoas devem conhecer Cristo nos termos do evangelho.
E onde está o evangelho? Na Escritura — e somente lá. Portanto, formam-se discípulos
instruídos unicamente no ensino de Cristo. E quem discipula? O crente que é sacerdote e
agente de Cristo, por ele capacitado para compreender a Bíblia e repassar o ensino. Enfim,
onde e como discipular? Em contextos formais e informais (na pregação do culto, em sala
de aula, em um pequeno grupo ou em qualquer outro lugar, por meio de conversação
pública ou particular).
Dito isto, olhemos para Bucer.
2.2.2 O discipulado de Mar tin Bucer
Martin Bucer (11/11/1491—28/02/1551) é mostrado pelos historiadores ligado ao pensamento de Lutero,116 dirigindo a Reforma e ensinando Teologia em Estrasburgo.117 John
Milton denomina Bucer de “o pastor das nações”.118
Bucer e João Calvino influenciam-se mutuamente. Aquele faz uso de ideias deste: “Os
salmos eram cantados, a instrução nos catecismos era obrigatória para os jovens e somente os fieis devotados, comprometidos, tinham permissão para participar da celebração da
comunhão”.119 O jovem Calvino, com 29 anos, é edificado pela piedade e prática pastoral
amadurecida de Bucer.120 Este último “era quase da mesma idade de Farel, mas era um paladino de paz e cooperação”.121 Em uma fase de aperto financeiro, Calvino reside na casa de
113 CAIRNS, op. cit., p. 260.
114 Ibid., p. 265.
115 PORTAL LUTERANO. Conversas à Mesa. Disponível em:<http://www.portal-luterano.org.br/index.php/
extensions/martinho-lutero/conversas-a-mesa-tischreden-introducao>. Acesso em 30 abr. 2014.
116 Cairns (op. cit., p. 261) sugere que talvez Bucer tenha sido atraído às ideias de Lutero no debate de Heidelberg, em 1518. Gonzalez nos informa que Bucer participou do Colóquio de Marburg, juntamente com
Lutero e Melanchton (de Wittenberg), Ecolampádio (da Basileia) e Zuínglio (Suíça), no outono de 1529. Cf.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 69. v. 6. (E Até os Confins da
Terra: Uma História Ilustrada do Cristianismo).
117 CAIRNS, op. cit., p. 282.
118 PURVES, Andrew. Pastoral Theology in The Classical Tradition. Louisville; London: Westminster John
Knox Press, 2001, p. 76. (tradução nossa).
119 MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 123.
120 MCGRATH, op. cit., p. 122-124; VAN HALSEMA, Thea B. João Calvino Era Assim. São Paulo: Editora
Vida Evangélica, 1968, p. 99.
121 VAN HALSEMA, op. cit. loc. cit.
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Discipulado integral |
Bucer.122 Depois, estando Calvino em melhor situação, Bucer lhe recomenda que se case
com a viúva Idelette de Bure. Calvino a desposa em 1540.123
Estas interações edificantes de Bucer com seus colegas, líderes e cristãos de Estrasburgo são melhor entendidas quando olhamos para suas convicções, condensadas no livro
Von Der Waren Seelsorge (Sobre o Verdadeiro Cuidado Pastoral). Pouco conhecida, esta obra
é listada como “o principal texto da Reforma sobre Teologia Pastoral”.124 Analisando-a em
detalhes, Purves conclui:
O coração evangélico da teologia de Bucer leva-o a ver o evangelismo como um traço primário do cuidado pastoral, um evangelismo dirigido tanto aos que ainda não ouviram falar ou
responderam à palavra de Cristo, quanto aos que se afastaram. Não apenas a ovelha extraviada, mas também a ovelha que ficou devem ser restaurados. Deste modo, de acordo com
Bucer, o cuidado pastoral deve responsabilizar-se primariamente com a salvação do pecador
perdido e do desviado que ainda são os eleitos de Deus.125
O que isso significa? Bucer não traça uma linha rígida entre tarefa evangelística e
pastoral. Toda interação pastoral envolve “ensinar o que Jesus ordenou”, aproximando
as pessoas de Deus. Evangelizar, ensinar ou pastorear? Para Bucer cada uma destas três
coisas corresponde a uma faceta indispensável do ministério. E isso ocorre em todas as
instâncias da vida da igreja e da vida cristã. Destarte, ele se empenha em apresentar Cristo
aos que não o conhecem, bem como em socorrer e ajudar um jovem banido de Genebra
a encontrar sua animação, lugar de ministério e equilíbrio pessoal. Isso é discipulado integral.
2.2.3 João Calvino, um discipulador
Em seu sumário da vida cristã, João Calvino (10/07/1509—27/05/1564) fala de discipulado
explicando a renúncia pessoal:
E assim certamente convém que o homem cristão esteja disposto e preparado, que reflita
sobre o que tem a ver com Deus em toda a vida. [...] Ora, aquele que aprendeu a olhar para
Deus em tudo o que tiver de ser feito, que se aparte ao mesmo tempo de toda cogitação vã.
Esta é aquela negação de nós mesmos que, desde o início do discipulado, com tão grande diligência Cristo inculca a seus discípulos [Mt 16.24; Mc 8.34; Lc 9.23], negação que, onde uma
vez haja prevalecido no ânimo, não deixa lugar algum, primeiramente ao orgulho, também
ao envaidecimento, ou à ostentação, então tampouco à avareza, ou à devassidão, ou à luxúria,
ou ao efeminismo, ou a outros males que são gerados do amor egoístico.126
E como as pessoas devem ser discipuladas? Primeiro, reconhecendo e respeitando sua
singularidade e privacidade (o seu “véu de mistério”).127
O véu de mistério que cerca a vida de cada ser humano diante de Deus e que, de maneira
especial cobre a vida do cristão em Cristo, não pode ser penetrado por outros. Sob nenhum
pretexto, ninguém deve procurar violar esse santuário escondido da pessoa pelo exercício de
pressão social deliberada.128
122 Ibid., p. 103.
123 MCGRATH, op. cit., p. 124.
124 PURVES, op. cit., loc. cit. (tradução nossa).
125 Ibid., p. 88. (tradução nossa).
126 CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, III.VII.2 (p. 162). v.
3. Grifo nosso. Este foi o único uso do vocábulo “discipulado”, encontrado por este autor, nesta tradução da
Cultura Cristã das Institutas. A edição latina de 1559 não contém “discipulado” e traz apenas difcipulis fuis,
“seus discípulos” (cf. CALVIN, Jean. Institutio Christianae Religionis. Genevae: Oliua Roberti Stephani, 1559,
openlibrary.org. Disponível em: <https://archive.org/details/institutiochrist1559calv>. Acesso em: 18 abr.
2014). Em outra tradução contemporânea lemos “nisso consiste aquela renúncia de si que Cristo com tanta
diligência ordena a seus discípulos (Mt 16.24), desde o começo de seu aprendizado” (cf. CALVINO, João. A
Instituição da Religião Cristã. Tomo II, Livros III e IV. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 159. Grifo nosso).
127 WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 142.
128 WALLACE, op. cit. loc. cit.
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Na prática, isso significa que “nenhuma forma de força invasiva, psicológica ou de
qualquer outro tipo deve ser usada para fazer com que a pessoa se conforme aos padrões
de pensamento ou aos julgamentos finais de qualquer norma externa”.129 Essa liberdade
cristã, diz Calvino, é uma aplicação direta da doutrina da justificação pela fé.130 “Nossa
liberdade” — diz ele — “deve ceder à ignorância dos irmãos fracos, de maneira alguma ao
rigor dos fariseus”.131 Nesses termos, ele cuida para que não seja exigido dos membros de
sua igreja nenhum dever não prescrito nas Sagradas Escrituras.
A prática de discipulado de Calvino começa no púlpito, com a pregação expositiva.
Como nos informa Lawson:
Calvino acreditava que não precisava tornar a Bíblia relevante — ela era relevante. Revelar seu
poder que transforma vidas e convencer seus ouvintes sobre isso era seu mandato.
Na função de pregador, Calvino era determinado em cumprir esta tarefa através de cada
meio ordenado por Deus — encorajamento, motivação, repreensão, reprovação, correção,
consolo, desafio, e assim por diante. Ele sabia que “simplesmente transmitir a sã doutrina ou
a exegese correta não é pregar”. […]
Assim, enquanto respondia às aberrações de outros teólogos, Calvino não falava além do que
seu povo podia compreender. Ele não fez uso do púlpito para refutar seus numerosos críticos.
Em vez disso, permaneceu concentrado em cultivar o crescimento espiritual de seu povo. Em
primeiro lugar, ele pregava para edificar e encorajar a congregação que Deus lhe confiara. Em
resumo, pregava a fim de que houvesse mudança de vida.132
O zelo pela pregação de Calvino é acompanhado de pastoreio cuidadoso.
Nós o encontramos [...] frequentemente dirigindo seu ministério ao indivíduo, com uma
preocupação especial em demonstrar cuidado pastoral e pessoal e orientação onde havia perplexidade de coração, dúvida ou trevas espirituais. Como Thurneysen ressaltou: A própria
Reforma foi um movimento de cuidado pastoral, tendo se originado diretamente do cuidado
pela salvação da alma.133
Nesses termos, Calvino não descuida das interações pessoais e da visitação:
“O que quer que os outros pensem”, Calvino escreveu, “não consideramos nosso cargo como
algo dentro de limites tão estreitos como se, quando o sermão estiver terminado, pudéssemos descansar como se nossa tarefa tivesse terminada. Aqueles, cujo sangue será requerido
de nós se os perdermos por causa de nossa preguiça, devem ser cuidados mais de perto e de
modo mais vigilante”.
Calvino preocupava-se com o fato de que o trabalho de púlpito, mesmo o do pregador mais
bem disposto, podia frequentemente falhar em levar as almas a Cristo. “Sempre acontece
que aquele que ouve promessas gerais que são dirigidas à congregação de fé como um todo
permanece com alguma dúvida, e ainda fique perturbado em sua mente como se ainda não
tivesse recebido perdão”. Portanto, afirmou ele, a pregação requer frequentemente ser suplementada com uma entrevista pastoral. “Não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine
todas as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de acordo com
a necessidade e com as circunstâncias específicas de cada caso”.134
Tais convicções o levam a lamentar por alguns pastores de sua época que “eram preguiçosos demais para visitar os lares daqueles que os ouviam dos bancos da igreja”.135
É dentro desta moldura de convicções e prática pastoral que devemos enxergar seus
escritos. As Institutas, hoje tidas como literatura teológica sofisticada, foram escritas com
a finalidade de instruir novos convertidos.
O propósito básico das Institutas [...] era catequético. Desde a época de sua conversão, Calvi129 Ibid., loc. cit.
130 CALVINO, op. cit., III.XIX.1 (p. 302).
131 Ibid., III.XIX,11 (p. 311).
132 LAWNSON, Steven J. A Arte Expositiva de João Calvino. São José dos Campos: Editora Fiel, 2008, p. 98.
133 WALLACE, op. cit., p. 143.
134 Ibid., p. 146.
135 Ibid., loc. cit.
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Discipulado integral |
no fora pressionado a atuar como professor daqueles que estavam famintos pela fé verdadeira. Ainda hoje se pode ver uma caverna perto da cidade de Poitiers onde se diz que Calvino
havia ministrado aos necessitados de uma congregação (literalmente!) subterrânea. Ele sabia,
de primeira mão, a necessidade urgente de um manual de instrução claramente escrito, que
apresentasse os rudimentos de uma teologia bíblica e levasse os jovens cristãos a uma maior
compreensão da fé.136
J. H. Merle D´Aubigné resume assim a agenda do reformador:
Aos domingos, [Calvino] liderava o culto e também realizava cultos diários em semanas alternadas. Ele dedicava três horas por semana ao ensino de teologia; visitava os doentes e administrava exortação individual. Hospedava pessoas; nas quintas, comparecia ao Consistório
para dirigir as deliberações; nas sextas, estava presente na conferência bíblica que era chamada de congregação. Durante essas conferências, depois que o ministro responsável apresentava suas considerações sobre determinada passagem das Escrituras, e após os comentários
dos demais pastores, Calvino adicionava suas observações, as quais se assemelhavam a uma
preleção. Na semana que ele não pregava, preenchia o tempo com ocupações de todo tipo.
Particularmente, ele dava muita atenção aos refugiados que afluíam para Genebra devido à
perseguição que ocorria na França e na Itália. Ele ensinava, exortava e consolava, por meio de
cartas, “aqueles que estavam nas garras do leão”, além de interceder por eles. Em seus estudos, elucidou escritos sagrados através de admiráveis comentários, e refutou os escritos dos
inimigos do evangelho.137
O que temos aqui? Uma pessoa reconciliada com Deus trabalhando pela salvação e
santificação de outras pessoas (2Co 5.18-20). Conexão e pessoalidade. Discipulado integral.
2.3A
herança de
B axter
Em seu prefácio ao livro de Ryken sobre os puritanos, o Dr. J. I. Packer descreve aparentes
perdedores que são, de fato, “mais que vencedores”.
Os puritanos perderam, em certa medida, toda batalha pública em que lutaram. Aqueles que
ficaram na Inglaterra não mudaram a Igreja da Inglaterra como esperavam fazer, nem reavivaram mais do que a minoria dos seus partidários, e eventualmente foram conduzidos para fora
do anglicanismo por meio de calculada pressão sobre suas consciências. Aqueles que atravessaram o Atlântico falharam em estabelecer a Nova Jerusalém na Nova Inglaterra. Durante os
primeiros cinquenta anos, suas pequenas colônias mal sobreviveram, segurando-se por um
fio. Mas a vitória moral e espiritual que os puritanos conquistaram permanecendo dóceis,
pacíficos, pacientes, obedientes e esperançosos, sob contínuas e aparentemente intoleráveis
pressões e frustrações, dá-lhes lugar de honra no “hall” de fama dos crentes, onde Hebreus 11
é a primeira galeria. Foi desta constante experiência no forno que se forjou sua maturidade e
sua sabedoria relativa ao discipulado foi refinada.138
Note a referência ao discipulado puritano: Sabedoria refinada. Packer prossegue apresentando-nos Richard Baxter (1615-1691). Ele esclarece que, “para Baxter, um pastor ‘reformado’ não era alguém que fazia campanha pelo calvinismo, mas alguém cujo ministério
como pregador, professor, catequista e modelo para o seu povo demonstrasse ser ele, como
se diria, ‘reavivado’ ou ‘renovado’”.139 Isso nos conduz ao ideal puritano de comunidade
cristã: “os puritanos visualizavam a ‘reforma’ em nível congregacional vindo de modo disciplinado pela pregação, catequismo e fiel trabalho espiritual da parte do pastor.140
136 GEORGE, op. cit., p. 178.
137 D´AUBIGNÉ, J. H. Merle. History of Reformation in Europe in Time of Calvin. Harrisonburg, VA:
Sprinkle Publications, 1880, 2000, p. 82. v. 7, apud LAWNSON, op. cit., p. 16-17.
138 RYKEN, Leland. Santos no Mundo: Os Puritanos Como Realmente Eram. 2. ed. São José dos Campos: Fiel,
2013, p. 11-12. Grifos nossos.
139 RYKEN, op. cit., p. 17. Grifos nossos.
140 Ibid., p. 17-18.
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| Gente que discipulou gente
Ainda que este alto ideal do pastorado prejudicasse a iniciativa leiga,141 contrariando a
ênfase de Lutero no sacerdócio dos santos (cf. seção 2.2.1), o legado de Baxter ao discipulado merece ser mencionado. Tanto “pregador”, “professor”, “catequista” e “modelo” remetem à pessoa e ministério de Jesus Cristo e, no ideal puritano, identificam o pastorado e
ministério da igreja em todo tempo. O trabalho de Baxter como pastor da Igreja Anglicana
em Kidderminster, Worcestershire, ilustra isso muito bem.
James Houston nos informa que Baxter não foi bem-sucedido em política eclesiástica,
mas produziu frutos abençoados como pastor de ovelhas.
Como estadista, Baxter foi um fracasso. Recusou um bispado quando este lhe foi oferecido.
E, embora sendo o principal porta-voz dos não conformistas durante vinte anos, era demasiado fraco para liderá-los politicamente. Conquanto seu coração desejasse a paz para sanar
o cisma, ele era sempre demasiadamente duro, direto e franco, o que lhe impossibilitava a
construção de pontes.
Mas como pastor, Richard Baxter era incomparável. [...] O que ele deixou feito e registrado
em Kidderminster é talvez uma das maiores realizações pastorais na história da igreja. Ele ensinava individualmente os membros da igreja por meio de aconselhamento pastoral, e os catequizava sistematicamente (isto é, ensinava-os pelo método de pergunta e resposta) no cristianismo básico. O que Baxter ensina [...] ele de fato pôs em prática em seu próprio ministério.142
Packer descreve Kidderminster: “O vilarejo tinha uns 800 lares, quase duas mil pessoas. Era ‘um povo ignorante, rude e dado à folia’ quando Baxter chegou, o que, entretanto, foi mudado de forma dramática”.143 O que acontece em seguida é descrito pelo próprio
Baxter:
Quando iniciei meu trabalho, podia cuidar especialmente de cada um que se humilhava,
reformava ou convertia; mas, depois de um tempo de trabalho, foi do agrado de Deus que os
convertidos fossem tantos que eu não tinha mais tempo para escrever observações particulares sobre cada um [...] famílias e números consideráveis vinham de uma vez [...] entravam e
cresciam de maneira como eu mal podia entender. O local de congregação geralmente estava
cheio (cabia até mil pessoas) e tivemos de construir cinco galerias [...] No Dia do Senhor [...]
poder-se-ia ouvir cem famílias cantando salmos e repetindo sermões ao passar pelas ruas [...]
quando cheguei, havia apenas uma família em outra rua, que adorava a Deus e clamava pelo
seu nome; mas, quando saí, havia ruas em que não passava nenhuma família que não fosse de
adoradores, professando séria piedade, dando-nos esperança de sua sinceridade.144
Baxter é expulso de sua igreja pelo Decreto da Uniformidade de 1662. Vive em Londres após a Lei de Tolerância de 1672. Como puritano inconformista que luta pela não-subjugação da igreja ao Estado, ele é condenado à prisão em 1685.145 Um registro tocante
daquele período é fornecido pela Biblioteca Ethereal:
Entre 1662 e 1688 (quando [o rei] Tiago II foi deposto), ele foi [...] preso por 18 meses e forçado
a vender duas bibliotecas extensas. Ainda assim, ele continuou a pregar: “Eu preguei na incerteza de talvez nunca mais pregar novamente”, ele escreveu, “como um homem morrendo
a outros homens também morrendo”.146
Deus chama Baxter à sua presença em Shropshire, tendo este 76 anos. Cinquenta e
dois anos depois de sua morte, em 1743, George Whitefield visita Kidderminster e escreve
“a um amigo: ‘Fui grandemente reconfortado ao encontrar um doce perfume da doutrina
141 Ibid., loc. cit.
142 BAXTER, Richard. O Pastor Aprovado. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 10-11.
Grifo nosso.
143 BAXTER, Richard. Manual Pastoral de Discipulado. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 9.
144 BAXTER, Richard. Reliquiae Baxterianae (RB), Parte I, p. 84 et seq., apud BAXTER, 2008, p. 9-10.
145 BAXTER, 1989, p. 10.
146 CHRISTIAN CLASSICS ETHEREAL LIBRARY. Richard Baxter: English Puritan, Church Leader, Poet,
Hymn-Writer, Theologian and Controversialist. Disponível : <http://www.ccel.org/ccel/baxter>. Acesso em:
02 mai. 2014. (tradução nossa).
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Discipulado integral |
do bom Sr. Baxter, cujas obras e disciplina permaneceram até hoje’”.147
Como Baxter discipula? Ele prega dois sermões por semana (um no domingo e outro
na quinta).148 Nestes, investe tempo considerável expondo as “bases do Cristianismo”.149
A exposição da verdade e o método proveitoso do Credo (ou doutrina da fé), da Oração do Senhor (ou questões sobre nossos desejos) e dos Dez Mandamentos (ou da lei prática) oferecem
muita matéria para acrescentar ao conhecimento da maioria dos que professam a religião,
e toma grande tempo. Uma vez feito isso, os crentes precisam ser conduzidos adiante [...]
sem deixar os mais fracos para trás; deverão ser realmente servos dos grandes pontos da fé,
esperança e amor, em santidade e unidade, ensinos esses que precisam ser constantemente
inculcados, como o início e o final de todas as coisas.150
Baxter abre sua casa nas noites de quinta-feira. Nesta reunião os crentes discutem um
sermão e oram.151 Em seu gabinete e de casa em casa, ele aconselha e instrui os cristãos
individualmente.152
Também catequizava membros da igreja dois dias por semana. Ele ia de casa em casa, com
um ajudante, falando uma hora com cada família, e dando a cada uma delas um ou dois livros
edificantes, usualmente escritos por ele mesmo. A respeito das visitas ele disse: “Poucas famílias se despediam de mim sem algumas lágrimas, ou sem fazerem promessas aparentemente
sérias [de lutarem] por uma vida piedosa”. E acrescentou: “Algumas pessoas ignorantes, que
por muito tempo foram ouvintes inaproveitáveis, obtiveram mais conhecimento e preocupação de consciência em meia hora de exposição concentrada do que em dez anos de pregação
pública”.153
O livro O Pastor Reformado é um texto lido por ocasião de uma reunião de pastores
realizada em 4 de dezembro de 1655 em Worcester, destinada a ato público de arrependimento e “adoção da política da catequese sistemática de suas igrejas, segundo seu projeto
básico”.154 Na introdução da edição resumida deste manual, Richard Halverson alude à
Grande Comissão de Mateus 28.18-20, registrando, com pertinência, que “seja o que mais
for que Baxter realizou como pastor, uma coisa é certa — ele discipulava as pessoas. Numa
época em que a condição da igreja era deploravelmente corrupta, Richard Baxter indefectivelmente discipulava o rebanho”.155
O que aprendemos? Baxter cumpre o mandato discipulador de Jesus. Não permite
que o crescimento numérico de sua igreja o afaste do cuidado pessoal de cada membro;
estabelece uma rotina (que podemos considerar um “sistema” ou “programa”) de discipulado que envolve pregação no culto, reuniões em sua casa, aconselhamento e visitação-ensino nos lares). Ao fazer isso ele é tido como “modelo”, motivando outros líderes e igrejas
cristãs.
2.4O
ardor evangelístico de
B onar
e
S purgeon
É impossível prosseguir sem mencionar duas personagens do 19º século. Uma delas brilha
no presbiterianismo escocês; a outra na fé batista calvinista, em Londres.
2.4.1 A crítica de Horatius Bonar ao ministério “morno”
O pastor presbiteriano escocês Horatius A. Bonar (1808-1889) é mais conhecido por seus
147 BAXTER, 2008, p. 10.
148 Ibid., loc. cit.
149 Ibidem. Cada sermão durava cerca de uma hora. Tempo significativo era investido na preparação.
150 BAXTER, RB, Parte I, p. 93 et seq., apud BAXTER, 2008, p. 10-11. Grifo nosso.
151 Ibid., p. 11.
152 Ibid., loc. cit.
153 BAXTER, RB, 1:83 et seq., apud BEEKE, Joel R.; PEDERSON, Randall J. (Ed.). Paixão Pela Pureza: Conheça
Os Puritanos. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2010, p. 127.
154 BAXTER, 2008, loc. cit.
155 BAXTER, 1989, p. 20-21.
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| Gente que discipulou gente
hinos, dentre os quais, o belíssimo A Voz de Jesus:
Ouvi o Salvador dizer: “Vem descansar em mim
E confiante receber conforto e paz sem fim”.
Fui a Jesus e lhe entreguei meu triste coração!
Abrigo e paz eu nele achei,
Achei consolação!156
Além dos hinos de Bonar, não pode ser desprezado seu livreto Um Recado Para Ganhadores de Almas.157 Eis o que se lê na quarta capa desta obra:
Alguém que o conhecia bem disse certa vez: “Muitos chegavam a Edimburgo e queriam conhecê-lo, atraídos por sua fama como autor de hinos inefáveis. Porém, ao conhecer o pregador, logo se esqueciam de suas habilidades poéticas. Suas orações os conduziam à presença
de Deus e todos ouviam, extasiados, suas sábias palavras, que falavam de um amor mais forte
do que a morte e de como viver uma vida verdadeiramente cristã”.158
Bonar inicia seu escrito referindo-se a Baxter como exemplo de “sinceridade ardente”
no ganho de almas.159 E “ganhar almas” deve ser a prioridade do ministério cristão; este é
o foco do Recado de Bonar.
Muitas vezes, fazemos pouco do fato de que o objetivo do ministério cristão é levar pecadores
ao arrependimento e edificar o Corpo de Cristo. Não pode existir fidelidade na vida de um ministro cujo padrão esteja em falta quanto ao objetivo maior. Aplausos, fama, popularidade,
honra e riquezas — tudo isso é vão. Se não se ganham vidas, se os santos não amadurecem,
nosso ministério é um fracasso.
A questão, portanto, que cada um de nós tem de responder a si mesmo é esta: “Este é o objetivo do meu ministério? O desejo do meu coração é salvar o perdido e guiar aquele que já
está salvo? Este é o meu objetivo em todo sermão que prego, em toda visita que faço? Será
que, continuamente, vivo, ando e falo sob a influência dessa convicção? É por isso que oro,
e trabalho, e jejuo, e choro? É por isso que me consumo e me deixo consumir? E considero
minha maior alegria, depois da salvação de minha alma, ser o instrumento para salvar outros?
Esta é a razão pela qual existo? Daria a minha vida com alegria, caso fosse necessário para a
realização desse objetivo?”160
E arremata: “Nada menos que o trabalho árduo, mas bem-sucedido, pode satisfazer
um verdadeiro ministro de Cristo”.161 Esta ideia central se repete página após página de
seu Recado. Após o chamado ao ministério vivo, no capítulo inicial, ele propõe um padrão
para a vida do ministro, como lidar com falhas do passado e termina convidando o leitor
à confissão e busca de autêntico avivamento.
Mais do que propor um teoria, Bonar vive o que ensina. Após o término de sua faculdade, dedica-se ao “trabalho missionário em uma área chamada Leith, um bairro pobre e
miserável da cidade”.162 Sua hinologia decorre de seu amor pelas crianças que “não gostavam de cantar os Salmos métricos usados na Igreja da Escócia naqueles dias, o que o levou
a escrever seus próprios hinos”.163 Quanto ao restante de sua biografia:
O seu trabalho pastoral e pregação nunca foram negligenciados e depois de quase vinte anos
de trabalho na imediações de Kelso, Bonar retornou para Edimburgo em 1866, para pastorear
a Chalmers Memorial Chapel (hoje St. Catherine’s Argyle Church). Ele continuou seu ministério por mais vinte anos; ajudou a organizar a reunião com Moody em Edimburgo, em 1873,
156 BONAR, Horatius. Hino 250. A Voz de Jesus. In: NOVO CÂNTICO. 15. ed. Reimp. 2007. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 224.
157 BONAR, Horatius A. Um Recado Para Ganhadores de Almas. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2007.
158 BONAR, 2007, quarta capa.
159 Ibid., p. 9-11.
160 Ibid., p. 12-13. Grifo do autor.
161 Ibid., p. 13.
162 BESSA, Jorge. Horatius Bonar (1808-1889) — Biografia. In: Reforma e Razão. Disponível em: <http://
www.reformaerazao.com/2010/02/horatius-bonar-1808-1889-biografia.html>. Acesso em: 02 mai. 2014.
163 BESSA, op. cit., loc. cit.
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Discipulado integral |
e foi moderador da Igreja Livre dez anos depois. Sua saúde declinou em 1887, mas ele tinha
quase oitenta anos ao pregar em sua igreja pela última vez.164
O que isso diz ao discipulado integral? Ainda que conceitos ou programas de discipulado sequer sejam mencionados, Bonar coloca o dedo em uma ferida ao atacar o ministério “morno”.165 A mornidão quanto ao evangelismo e discipulado ou o engano acerca
de prioridades ministeriais, diz-nos Bonar, não são inofensivos. Trata-se de infidelidade
a Deus (1Co 4.1-2). Como afirma Lee Csorba, “liderança é caráter em movimento”.166 É
perfeitamente possível (e os exemplos de Isaías, Jeremias e Jesus comprovam isso) ser fiel a
Deus enquanto o número de crentes diminui, mas constitui falha de caráter acomodar-se
sem lamentar, chorar e trabalhar diante da falta de frutos.167 Isso deveria fazer “corar de
vergonha” os que, sem qualquer preocupação pelo cumprimento do mandato discipulador de Jesus, racionalizam a ausência de conversões utilizando a doutrina da soberania de
Deus (“Deus determinou poucas conversões em meu campo”) ou argumentos sociológicos
ou antropológicos (“o lugar em que ministro possui uma cultura resistente ao evangelho;
por isso, o baixo número de convertidos é ‘normal” e eu não devo esperar mais do que isso”
ou pior: “A cultura desta igreja é voltada para manutenção; devo respeitar isso, sem ‘forçar’
qualquer mudança ou um foco maior em evangelização e discipulado”).
Isso nos deixa prontos para Charles Spurgeon, contemporâneo de Bonar.
2.4.2 O pastorado abençoado de Charles Spurgeon
Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) é “o mais proeminente pregador da Inglaterra
de meados do século 19”.168 Um aumento contínuo fazem-no transferir-se para templos
maiores até que, em 1861, ele se muda “para o seu Tabernáculo Metropolitano, com 4700
assentos”.169 Até 1891, cerca de 15 mil pessoas são recebidas em sua igreja. Em sua escola de
pastores, até o tempo de sua morte, são formados aproximadamente 900 pregadores.170 Se
Baxter é pastor de uma grande igreja, Spurgeon lidera uma megaigreja.
O discipulado integral, como vimos, implica em ser um exemplo de compromisso com
Cristo e seu evangelho. Spurgeon é modelo de piedade e prática ministerial que transcende seu tempo. Dos líderes cristãos citados neste capítulo, com exceção de Lutero e Calvino, Spurgeon talvez seja o mais conhecido aos leitores de nosso idioma. A quantidade
de obras de Spurgeon publicadas no Brasil é significativa, e em várias delas encontram-se
subsídios pertinentes ao discipulado.171
O Tabernáculo Metropolitano cresce não apenas por causa da pregação de Spurgeon,
mas, também, porque ele incentiva os crentes a ganhar almas. Falando aos seus obreiros
ele levanta uma questão, “como conseguir que os membros da igreja se tornem conquistadores de almas?”172 É importante que os pastores não semeiem sozinhos, mas sejam ajudados por “uma equipe de auxiliares [...] com o que uma área ainda mais extensa poderá ser
cultivada para o Senhor da seara”.173 Spurgeon entende que formar uma igreja assim — de
164 CHRISTIAN CLASSICS ETHEREAL LIBRARY. Horatius Bonar: Scottish Churchman and Poet. Disponível : <http://www.ccel.org/ccel/bonar>. Acesso em: 02 mai. 2014. (tradução nossa).
165 BONAR, 2007, p. 9-10.
166 BRADY, Chris; Woodward, Orrin. Os Cinco Níveis de Influência: Um Plano de Cinco Etapas Para Criar e
Manter Uma Sólida Liderança nas Organizações. Rio de Janeiro: Campus, 2008, p. 9.
167 BONAR, 2007, p. 25-28.
168 CAIRNS, op. cit., p. 436.
169 Ibid., loc. cit.
170 Ibidem.
171 O autor deste estudo recomenda os três volumes de Lições aos Meus Alunos: Homilética e Teologia Pastoral, disponibilizados por Publicações Evangélicas Selecionadas.
172 SPURGEON, Charles H. O Conquistador de Almas. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,
1986.
173 SPURGEON, op. cit., p. 89.
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| Gente que discipulou gente
crentes evangelistas — não é tarefa fácil, muito menos rápida. Pelo contrário, “é labor que
requer tempo. Não esperem obter no primeiro ano de pastorado aquele resultado que é a
recompensa de vinte anos de esforço continuado no mesmo lugar”.174
Formar uma igreja que evangeliza exige, portanto, disposição para trabalhar sozinho
no início: “Entrem no ministério sem esperar da parte dos crentes muito apoio para a
obra de conquistar almas. Prepare-se antecipadamente [...] para fazer tudo, e para fazê-lo
sozinho”.175 Ademais, formar uma igreja que evangeliza exige uma busca por avivamento
paciente e determinada:
Os avivamentos, quando genuínos, nem sempre ocorrem só porque assobiamos chamando-os. Chamem assim o vento, e vejam se ele vem. Grandes chuvas foram dadas em resposta às
orações de Elias. Mas não da primeira vez que orou. Nós também temos que orar e orar, vez
após vez, e afinal aparecerá uma nuvem e dela cairá a chuva. Aguardem algum tempo, trabalhem, lutem, orem e, no devido tempo a bênção virá e vocês verão a igreja acompanhar-vos
em busca dos vossos ideais.176
A partir destes princípios gerais, Spurgeon fornece instruções específicas. Primeiramente, não trabalhar preso “a uma regra fixa. Sim, porque aquilo que daria certo numa ocasião, noutra poderia ser imprudente, e o que poderia ser o melhor num lugar, não seria tão
bom noutro”.177 Nesses termos, se depois de, sem sucesso, tentar admoestar todo o povo a
assumir o trabalho de evangelização, é recomendável trabalhar com uma ou duas pessoas
e a partir delas, motivar as demais.178 Tudo isso sem afobação:
Tenho visto alguns colegas correrem tão velozmente no início que logo ficaram como cavalos
anulados pela exaustão, o que é um lamentável espetáculo. Portanto, irmãos, deem tempo.
Não queiram obter num instante tudo o que desejam.179
A segunda dica específica para formar uma igreja que ganha almas é “manter as reuniões de oração”.180 Isso deve ser assim porque, de acordo com Spurgeon, as reuniões de
oração “estão ligadas à verdadeira fonte de poder com Deus e com os homens”.181 Daí suas
ferventes admoestações para a realização de reuniões de oração bem preparadas e animadas.
Façam o possível para que ela [a reunião de oração] seja tal que não haja outra igual num raio
de sete mil quilômetros. [...] E se os participantes parecem estar entorpecidos e desanimados,
façam-nos cantar hinos populares. Depois, quando já os estejam cantando de cor, façam-nos
retornar ao hinário da igreja.
Mantenham a reunião de oração, ainda que tudo mais fraqueje.182
A importância da oração para Spurgeon é tão grande que, se as pessoas não quiserem
reunir-se para orar, devemos ir até elas para fazer isso em suas casas:
E se não puderem induzi-las a frequentarem as reuniões, vão às suas casas e digam-lhes: “Vou
fazer uma reunião de oração em tua sala de visitas”. “Meu caro, minha mulher ficará daquele
jeito!” “Não, não. Diga-lhe que não se apoquente, pois, podemos usar a cocheira, ou o jardim,
ou qualquer outro canto; mas temos de fazer uma reunião de oração aqui”. Se não vêm à
reunião, temos de ir a eles.183
Spurgeon fornece a terceira dica: Servir nós mesmos de “ardoroso exemplo”, ou seja,
174 Ibid., loc. cit.
175 Ibid., p. 90.
176 Ibid., p. 91.
177 Ibid., loc. cit.
178 Ibid., p. 91-93.
179 Ibid., p. 93.
180 Ibid., loc. cit.
181 Ibid., p. 95.
182 Ibid., p. 94.
183 Ibid., p. 95.
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Discipulado integral |
não sermos apáticos ou preguiçosos. “Um homem indiferente, que faz o seu trabalho com
indolência não deve esperar reunir em torno de si pessoas preocupadas com a salvação
de almas”.184 Nesses termos, Spurgeon lamenta por uma ocasião em que sua igreja recebe
somente catorze pessoas, sendo que estão “acostumados a receber quarenta ou cinquenta
por mês.185
Quarta dica: Rodear-se “de cristãos desejosos de fazer tudo que puderem para cooperar conosco na obra de ganhar almas para Cristo”.186 Isso equivale a identificar, no seio da
igreja, aquele irmão “que pressiona pessoas — sabem o que quero dizer. É coisa boa pegar
um amigo pelo cabelo ou pela gola do casaco para o fim que buscamos. [...] Assim, tratem
de agarrar os pecadores, de chegar bem junto deles”.187 Na oração pedimos por obreiros para
a seara; no dia-a-dia da igreja, os identificamos.
À identificação, segue-se um treinamento ou capacitação:
É preciso haver na igreja de Cristo um grupo de atiradores bem treinados que atinjam os indivíduos um por um, e que estejam sempre alertas, vigiando a todos os que entram no local,
não para aborrecê-los, mas para garantir que não saiam dali sem receber uma advertência
pessoal, um convite pessoal e uma exortação pessoal para que venham a Cristo. Desejamos
treinar a todos os nossos irmãos para este serviço, de modo que se tornem verdadeiros exércitos de
salvação.188
O leitor pode imaginar isso sendo praticado por qualquer igreja? É possível compreender melhor o crescimento do Tabernáculo de Spurgeon.
Exatamente isso conduz ao item seguinte (quinta dica), qual seja, “teremos certeza de
obter a bênção que buscamos quando toda a atmosfera em que vivemos for favorável à conquista de almas para Deus”.189 Spurgeon não está falando de mera “cultura evangelística”
ou “de discipulado”, formatada com ferramentas da Psicologia ou Sociologia, mas de uma
“influência favorável [...] na esfera espiritual”,190 e continua:
Já observei muitas vezes que, quando Deus abençoa o meu ministério numa extensão fora do
comum, os irmãos em geral estão predispostos para a oração. É maravilhoso pregar num ambiente cheio do orvalho do Espírito. Sei o que é pregar com isto. E, infelizmente, sei também
o que é pregar sem isto.191
Comparando a pregação bem-sucedida hoje com a experiência de Pedro no Pentecostes, Spurgeon assevera:
Nunca se havia pregado melhor sermão — mensagem clara e pessoal, própria para convencer
o povo do pecado cometido mediante seu tratamento de Cristo, o qual o levou à morte. Mas
não atribuo as conversões ali ocorridas somente às palavras do apóstolo, pois havia nuvens
ao redor, e a atmosfera estava carregada de umidade. [...] Não tinham os discípulos estado em
paciente e continuada oração pela descida do Espírito? E, porventura o Espírito Santo não
descera sobre cada um dos que estavam reunidos, bem como sobre Pedro? Na plenitude do
tempo, a bênção de Pentecoste foi derramada copiosamente. Sempre que uma igreja fica nas
mesmas condições em que estavam os apóstolos e os demais discípulos naquela memorável
ocasião, toda a energia do céu se concentra naquele ponto particular do tempo e do espaço. Entretanto, vocês se lembram, nem mesmo Cristo pôde realizar muitas obras poderosas em alguns
lugares, por causa da incredulidade do povo. Estou certo de que todos os seus servos zelosos
encontrarão às vezes o mesmo impedimento. Temo que alguns dos nossos irmãos aqui presentes
tenham a seu cuidado igrejas compostas de pessoas mundanas e sem Cristo.192
184 Ibid., loc. cit.
185 Ibid., p. 96. Grifo nosso.
186 Ibid., loc. cit.
187 Ibidem. Grifo nosso.
188 Ibidem. Grifo nosso.
189 Ibid., p. 97.
190 Ibid., loc. cit.
191 Ibidem.
192 Ibid., p. 98-99. Grifos nossos.
| 26 |
| Gente que discipulou gente
Spurgeon afirma ainda que “não podemos fazer nada sem Deus, pois quem tem que
ver com o ambiente é ele; somente ele pode criá-lo e mantê-lo. Portanto, é preciso que os
nossos olhos estejam sempre elevados para ele, de onde nos vem todo o socorro”.193
Para arrematar seu argumento, Spurgeon resume:
[...] não deixem de pregar, mas diga cada um a si mesmo: “Devo procurar reunir ao
meu redor um grupo de pessoas que orem comigo e por mim, que falem com seus amigos a respeito das coisas de Deus, e que vivam e trabalhem de modo tal que o Senhor derrame benditas chuvas de bênçãos da sua graça. E estas bênçãos vêm porque todas as circunstâncias lhes são propícias, ajudando o seu derramamento.
Ouvi alguns ministros dizerem que quando pregaram em nosso Tabernáculo, algo presente na igreja reunida exerceu um efeito maravilhosamente poderoso sobre eles. Creio que
é porque temos boas reuniões de oração, porque um fervoroso espírito de oração permeia
os crentes, e porque muitos deles velam pelas almas. Há especialmente um irmão que está
sempre à procura de ouvintes que se mostrem impressionados. Chamo-o meu cão de caça.
Está sempre pronto para levantar as aves que atinjo para trazê-las a mim. Eu o tenho visto
à espreita de uma após outra para poder trazê-las a Jesus. E me alegro porque tenho outros
amigos desta espécie.194
O que nos ensina Spurgeon? Que o discipulado requer esforço para multiplicar evangelistas em um ministério fiel, perseverante no esforço discipulador e de longo prazo. E esta
multiplicação acontece em um processo de cinco passos:
1. Sozinho (nosso trabalho duro, fiel e paciente).
2. Com outros, orando sempre.
3. Influenciando outros, como exemplos de empenho e ardor pela conversão de vidas.
4. Identificando outros evangelistas, treinando-os e a toda a igreja.
5. A igreja predisposta à oração é permeada por uma atmosfera propícia ao ganho
de vidas.
Se isso é assim, o discipulado integral tem relação estreita com avivamento.
2.5O
discipulado integral e o avivamento
O que é avivamento e por que Spurgeon o enfatiza tanto? Em um avivamento “os crentes
são despertados e os não-cristãos são introduzidos no reino em grande número, cada um
com o senso individual de pecado e necessidade, mas no contexto de um amplo senso da
presença e poder do Espírito Santo”.195
O século anterior a Spurgeon testemunha um derramamento do Espírito denominado Grande Despertamento, cujas figuras centrais são George Whitefield, John Wesley e
Jonathan Edwards. George Whitefield (1714—1770) começa a pregar na Inglaterra, aos dezessete anos de idade e é considerado “o maior pregador desde os tempos apostólicos”.196
Ele rompe com os costumes da Igreja Anglicana ao pregar ao ar-livre. Entre 1739 e 1741 ele
visita as colônias da América do Norte, e Deus abençoa suas pregações com resultados
estrondosos. Em 1740, fala para multidões de até oito mil pessoas durante um mês, quase
todos os dias. Entre 25 a 50 mil pessoas se convertem e entram para as igrejas, sem contar
os convertidos que já são membros.197
Whitefield influencia John Wesley (1703—1791) a pregar fora das quatro paredes, e
este também anuncia o evangelho tanto na Inglaterra quanto nas colônias norte-americanas. Ademais, Wesley funda a Igreja Metodista.
193 Ibid., p. 100.
194 Ibid., loc. cit.
195 FERGUSON, Sinclair R. O Espírito Santo. São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 120.
196 FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: Uma Análise Histórica, Bíblica e Apologética
Para o Contexto Atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 848.
197 FERREIRA; MYATT, op. cit., loc. cit.
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Discipulado integral |
Quando John Wesley morreu, havia, na Inglaterra, 77 mil metodistas e 470 casas de pregação.
Wesley viajou cerca de 400 mil quilômetros, tendo pregado cerca de 40 mil sermões, numa
média de mais de dois sermões por dia, embora tenha sido banido de muitos púlpitos. Wesley
literalmente viveu tendo “o mundo como sua paróquia”.198
Jonathan Edwards (1703-1758) pastoreia a Igreja Congregacional em Northampton, no
Estado de Massachussets, Nova Inglaterra — uma cidade de dois mil habitantes.199 Entre
1735 e 1738, Deus visita poderosamente sua cidade e congregação:
Primeiro, [...] eles abandonaram as suas práticas pecaminosas [...]. Depois que o Espírito de
Deus começou a ser derramado tão maravilhosamente de maneira geral sobre a vila, pessoas
logo deixaram as suas velhas brigas, discussões, e interferências nos assuntos dos outros. A
taverna logo ficou vazia, e as pessoas ficavam em casa; ninguém se afastava a não ser para
negócios necessários ou por causa de algum motivo religioso, e todos os dias pareciam, em
muitos sentidos, com o dia de domingo. Segundo, eles começaram a aplicar os meios de salvação: leitura, oração, meditação, as ordenanças pessoais; seu clamor era: “o que devo fazer
para ser salvo?”.200
Edwards procura explicar biblicamente as experiências do avivamento. Seus escritos têm grande valor para o entendimento da pessoa e obra do Espírito Santo, lançando
luz sobre uma questão importante: Dentre os diversos fenômenos psicológicos e físicos
oriundos do avivamento, como discernir o que, de fato, é obra do Espírito?201
Esse avivamento bíblico e desejável finca raízes profundas tanto nos Estados Unidos
quanto na Inglaterra e outros países. Eis suas principais características:202
• Apelo à suficiência e supremacia da Bíblia.
• Afirmação da total corrupção da natureza humana e de que a morte de Cristo na
cruz é o único meio de expiação para o pecado.
• Vital doutrina da justificação pela graça por meio da fé.
• Necessidade de conversão do coração como renovação da imagem de Deus operada pelo Espírito Santo.
• Ligação inseparável entre a verdadeira fé e a santidade pessoal.
• Wesley, Whitefield e Edwards criam que avivamentos não podiam ser fabricados;
somente esperados em Deus.
A soberania divina no avivamento é mencionada por Packer:
Avivamento é inteiramente obra da graça, pois sobrevem a igrejas e cristãos que merecem
apenas julgamento; e Deus o faz acontecer de maneira a mostrar que sua graça foi decisiva
nele. Os homens podem organizar convenções e campanhas e buscar a bênção de Deus sobre
elas, mas o único organizador de avivamentos é Deus, o Espírito Santo. Repetidas vezes, o
avivamento tem vindo de maneira súbita, irrompendo frequentemente em lugares obscuros,
através do ministério de homens também obscuros. Na verdade, ele vem em resposta à oração,
e onde ninguém orou é provável que também ninguém seja avivado; entretanto, a maneira pela
qual a oração é respondida será de forma a enfatizar a soberania de Deus como única fonte de
avivamento, mostrando que todo o louvor e toda a glória precisam ser dados somente a ele.203
Tudo isso é condensado no conceito sugerido por Ferguson.
Avivamento são as energias ininterruptas e incontidas do Espírito de Deus demolindo os diques que foram erguidos contra o seu ministério de convencer e converter pessoas em todas
as comunidades de indivíduos, como aconteceu no Pentecostes e nos “despertamentos” que
198 Ibid., loc. cit.
199 Ibid., p. 847.
200 EDWARDS, Jonathan. Faithful Narrative On The Surprising Work Of God. In: The Works Of Jonathan
Edwards, v. 1, p. 350-351, apud FERREIRA; MYATT, op. cit., loc. cit.
201 Cf. EDWARDS, Jonathan. A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais de Autenticidade. 2. ed. revisada. São Paulo: Vida Nova, 2010.
202 Adaptado de FERREIRA; MYATT, op. cit., p. 848-849.
203 PACKER, J. I. Na Dinâmica do Espírito: Uma Avaliação das Práticas e Doutrinas. São Paulo: Vida Nova,
2010, p. 250. Grifo nosso.
| 28 |
| Gente que discipulou gente
têm ocorrido.204
A partir do 18º século, muitos crentes passam a orar por um avivamento. Sob esta
égide trabalha Horatius Bonar. O Tabernáculo de Spurgeon exemplifica uma comunidade
cristã que ora e trabalha na expectativa do avivamento, para ganhar e discipular vidas.
2.6O
discipulado comprometido de
Dietrich B onhoeffer
O uso destacado do vocábulo “discipulado”, no século 20, pode ser atribuído a Dietrich Bonhoeffer, um teólogo luterano que escreveu na efervescência da Segunda Grande
Guerra.205 Para ele, o discipulado é a solução única para uma igreja que desvaloriza a graça
salvadora.
A graça barata é a inimiga mortal da nossa igreja. A nossa luta hoje é pela graça de preço
elevado.
A graça barata significa a graça como item de liquidação, perdão com taxa reduzida, conforto
e sacramento com desconto; graça como despensa inesgotável da igreja, repartida por mãos
descuidadas, sem hesitação ou limite. É a graça sem preço, sem custo. Diz-se que a essência
da graça é que a conta foi paga antecipada e eternamente. A conta foi paga, então tudo pode
ser obtido gratuitamente ou como cortesia. Uma vez que o preço pago é infinitamente grande, assim são suas possibilidades de usufruto e esbanjamento. Como a graça seria graça, se
não fosse barata?
[...] Nesta igreja [que participa da graça] o mundo encontra um encobrimento sem qualquer
custo por seus pecados, pelos quais ela não mostra nenhum remorso e dos quais não deseja
ver-se livre. A graça barata é, portanto, a negação da Palavra Viva de Deus, a negação da encarnação da Palavra de Deus.206
Comentando Marcos 2.14, Bonhoeffer afirma que discipulado é a resposta obediente
ao chamado de Jesus. E isso não porque este seja um Mestre ou Modelo, mas porque ele é
o Cristo, o Filho de Deus que possui autoridade suprema.
O chamado é proferido, e imediatamente obedecido por aquele que foi chamado. A resposta do
discípulo não é um mero discurso sobre a fé em Jesus. Em vez disso, é ação obediente. Como
é possível essa relação direta entre o chamado e a obediência? Isso ofende a razão natural,
que é impelida a rejeitar tal resposta abrupta. Ela busca mediar isso com uma explicação, seja
ela psicológica ou histórica. Alguns perguntam tolamente se o coletor de impostos conhecia
Jesus anteriormente e, portanto, estava preparado para seguir seu chamado, mas o texto é
teimosamente silencioso sobre isso. Nele, tudo depende do chamado e da ação voltados diretamente um ao outro. O texto não se interessa em fornecer explicações psicológicas para as
decisões fiéis de uma pessoa. Por que não? Porque só há uma boa razão para a proximidade
entre o chamado e a ação: O próprio Jesus Cristo. É ele quem chama. Por isso, o cobrador
de impostos o segue. Este encontro dá testemunho da autoridade incondicional, imediata
e inexplicável de Jesus. Nada a precede, e nada a segue exceto a obediência. Porque Jesus é
o Cristo, ele tem autoridade para convocar e exigir obediência à sua Palavra. Jesus chama
ao discipulado, não como um professor e um modelo, mas como o Cristo, o Filho de Deus.
Assim, neste texto curto Jesus Cristo e sua reivindicação sobre as pessoas são proclamados,
e nada mais. Nenhum louvor recai sobre o discípulo ou o Cristianismo por ele esposado. A
atenção não deve recair sobre ele, mas só em quem chama e sua autoridade. Não [...] há outro
caminho para a fé além da obediência ao chamado de Jesus.207
A experiência cotidiana do discipulado é a cruz ou o sofrimento cristão. Expondo
Marcos 8.31-38, Bonhoeffer argumenta que o sofrimento não precisa ser procurado, mas
Deus tem uma medida preparada para cada um de nós:
204 FERGUSON, op. cit., p. 121.
205 BONHOEFFER, Dietrich. Discipleship. In: KUSKE, Martin et al. (Ed.). Dietrich Bonhoeffer Works. Minneapolis, MN: Fortress Press, 2003. v. 4.
206 BONHOEFFER, 2003, p. 43 (tradução nossa).
207 Ibid., 57—58 (grifos e tradução nossos).
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Discipulado integral |
Todos eles devem suportar o sofrimento e rejeição medidos para cada um. Todo mundo recebe uma quantidade diferente. Deus honra alguns com grande sofrimento e lhes concede a
graça do martírio, enquanto outros não são tentados além de suas forças. Mas em todos os
casos, trata-se de uma única cruz.208
Isso é absoluto, como nos esclarece o Teólogo:
O sofrimento é, pois, a característica dos seguidores de Cristo. O discípulo não está acima
de seu mestre. O discipulado é passio passiva, sofrimento obrigatório. [...] Aqueles que não
querem tomar a sua cruz, que não desejam dar suas vidas em sofrimento e serem rejeitados
pelas pessoas, perdem a comunhão com Cristo e não são seus discípulos.209
O quinto capítulo de Discipulado trata da responsabilidade humana na santificação. O
chamado do discipulado rompe o “ambiente naturalmente dado em que a pessoa vive”210 e
a coloca na trilha de “um crescimento ininterrupto, uma série de passos lentos e santificadores”.211 Sob esta ótica, discipulado é um processo vital, iniciado na regeneração e conversão (quando ouvimos e acolhemos o chamado de Cristo) e que progride até a glorificação.
Nesse intervalo, o discípulo prossegue sendo graciosa e eficazmente amoldado ao padrão
estabelecido por Cristo no Sermão do Monte (capítulo 6).212
Em um escrito posterior, Bonhoeffer registra sua preocupação com alguns dos postulados registrados em seu Discipulado.213 Isso, porém, não retira a biblicidade de seu argumento; discipulado, nos termos do NT, é caminhar com Cristo e ser graciosamente
tornado semelhante a Cristo.
2.7Mudanças
recentes no discipulado
Quatro décadas depois de Bonhoeffer, alguma coisa mudou. Apenas como exemplo, Waylon B. Moore escreve um livro de boa repercussão no meio batista, ligando o discipulado
ao crescimento de igrejas.214 Moore é saudado como integrante “do moderno movimento
de discipulado”.215 O primeiro capítulo de sua obra revela sua convicção de que cada leitor
“pode começar a se multiplicar espiritualmente hoje, e começar um processo dinâmico
que alcance além de sua geração, que chegue até o próximo século”.216 Sugere-se, a partir
de então, um método para a multiplicação discípulos.217
Percebamos a mudança. Até então discipulado tinha a ver com Deus e pessoas. A partir
de então, discipulado tem a ver com um método (ainda que se argumente que tal método
é estabelecido em obediência a Deus para o alcance de pessoas). E isso ligado ao crescimento numérico da igreja. Destarte, “fazer discípulos” corresponde, a partir de então, a
“ganhar vidas rapidamente”, promovendo um crescimento “explosivo” no número de crentes.218 Desde então, pesquisadores vinculam o bem-estar igreja ao seu desempenho evangelístico e aumento numérico.
No ano de 2005, o renomado pesquisador Thom Rainer conduziu o projeto de pesqui208 Ibid., p. 87 (grifo e tradução nossos).
209 Ibid., p. 89 (tradução nossa).
210 Ibid., p. 93 (tradução nossa).
211 Ibid., loc. cit. (tradução nossa).
212 Ibid., p. 100-182.
213 BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão. 2. ed. Rio de Janeiro; Rio Grande do Sul: Paz e Terra;
Sinodal, 1980, p. 178.
214 MOORE, WAYLON B. Multiplicando Discípulos: O Método Neotestamentário Para o Crescimento da Igreja. 3. ed. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1990.
215 MOORE, op. cit., p. 3. Grifo nosso.
216 Ibid., p. 15.
217 Especialmente a partir da 2ª parte do livro; cf. ibid., p. 21-131.
218 Cf. KENNEDY, D. James. Revolução na Evangelização. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1978. A proposta de
Kennedy é conhecida, literalmente, como Evangelismo Explosivo. Cf. EVANGELISMO EXPLOSIVO INTERNACIONAL NO BRASIL. Disponível em: <http://www.eebrasil.org.br/>. Acesso em 19 abr. 2014.
| 30 |
| Gente que discipulou gente
sa que mais tarde originou o livro Breakout Churches (Igreja sobreviventes), no qual descreve as principais características de igrejas que conseguiram romper o estágio de estagnação
e recobrar a vitalidade em suas atividades. Em sua investigação, Rainer analisou mais de
50.000 igrejas, mas encontrou apenas treze que atenderam aos critérios de seleção. Dentre os critérios estavam: (1) igrejas saudáveis são aquelas que alcançam, no mínimo, uma
pessoa com o evangelho a cada duas semanas; (2) igrejas que têm, no mínimo um batismo
por ano em relação a cada vinte membros; (3) igrejas que mantêm esse crescimento por
um longo período, ao invés de experimentarem apenas uma “bênção esporádica”, e (4)
igrejas que tenham causado um impacto significativo na sociedade desde sua revitalização.219
Não há problema no uso correto de “métodos” na liderança ou gestão eclesiástica.220
O discipulado, como veremos na seção 4.4.3, deve ser programático. O ponto é que se o
discipulado não passa de um programa, deixa de ser discipulado bíblico. “Método” se torna
problema na moldura do pragmatismo, a “crença de que o significado de uma doutrina é
idêntico aos efeitos práticos que resultam de sua adoção”.221 De acordo com esta perspectiva, “quase todas as crenças poderão ser respeitáveis, e até mesmo verdadeiras, desde que
funcionem”.222
Ademais, podemos assumir inadvertidamente um paradigma tecnocrático, a falsa noção de que santidade e bom desempenho evangelístico podem ser efetivados por meio de
técnicas. Schwarz sugere acertadamente que admitir esta “tecnocracia de edificação da
igreja” equivale a tentar “empurrar” e “puxar” um “carro com as nossas forças”.223
A nova ênfase na técnica é esboçada em uma palestra proferida em 1959 por Lloyd-Jones.224 Falando da mudança na igreja ele diz:
Agora chegamos ao chocante fato de que houve uma mudança na perspectiva das pessoas
sobre toda esta matéria, depois de cerca de 1860 ou 1870. Parece existir uma espécie de linha
divisória naquela conjuntura histórica. [...] Antes de 1860 era uma coisa instintiva pensar em
avivamento. Se havia um período de aridez espiritual, se as coisas não iam bem na igreja, a
primeira coisa em que pensar era esta — “Não deveríamos ter um período de confissão, humilhação e oração a Deus para que nos visite de novo?” Faziam isso quase instintivamente.
No entanto, nós não fazemos isso. Por quê? Qual a explicação desta mudança que parece ter
penetrado no pensamento da igreja?225
Recapitulando, temos a igreja assumindo padrões não bíblicos em sua prática de
219 SANTOS, Valdeci. Antes de Continuar Falando Sobre Revitalização de Igrejas: Discussão Preliminar, in
Fides Reformata, v. 18, n. 1 (2013), p. 45.
220 Esta foi a tese defendida por este autor em seu projeto final de Doutoramento em Ministério; cf. NASCIMENTO, Misael Batista do. Métodos Gerenciais na Igreja: Verificação da Biblicidade e Pertinência da Administração Estratégica no Âmbito da Igreja Presbiteriana do Brasil. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 2008. Originalmente apresentada como tese de doutorado em ministério, Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. Foi em torno da ideia de método que surgiu o “Metodismo” com ênfases bem-intencionadas em disciplinas espirituais e vida santa. Nenhum cristão de mente sã é
contrário à busca de Deus e purificação do coração. Infelizmente, o Movimento de Santidade (Holiness), no
qual insere-se o Metodismo, possui fragilidades teológicas que turvam o entendimento e prática bíblica da
santidade (cf. BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 32).
221 BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1997, p. 307.
222 BLACKBURN, op. cit., loc. cit. Grifo nosso.
223 SCHWARZ, Christian A. O Desenvolvimento Natural da Igrejas: Guia Prático Para Cristãos e Igrejas Que Se
Decepcionaram Com Receitas Mirabolantes de Crescimento. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1996, p.
6-7. Infelizmente ele termina assumindo o paradigma tecnocrático ao informar que sua proposta de “desenvolvimento natural da igreja” exige o uso de um software proprietário, produzido por sua equipe de especialistas e pesquisadores. Cf. SCHWARZ, Christian A.; SCHALK, Christoph. A Prática do Desenvolvimento
Natural da Igreja. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1998, p. 15-17.
224 LLOYD-JONES, D. M. Os Puritanos: Suas Origens e Seus Sucessores. São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1993a, p. 15-36.
225 LLOYD-JONES, 1993a, p. 18-19.
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Discipulado integral |
evangelização e discipulado, nos tempos de Gregório Magno. A igreja retoma crenças e
práticas pertinentes à evangelização e discipulado na Reforma Protestante e seus desenvolvimentos posteriores. Agora surgem novos postulados que, vistos pelo crivo do mandato discipulador de Jesus, são na melhor das hipóteses, dignos de exame cauteloso.
No próximo capítulo retornaremos às perguntas de Lloyd-Jones e nos prepararemos
para formular e assumir uma prática do discipulado integral.
| 32 |
3 O novo discipulado
e seu falso dilema
Por que os “primeiros sons” do discipulado foram alterados? O objetivo deste estudo é
sugerir algumas respostas a esta pergunta. No esboço anterior lemos sobre o impacto
abençoador do Grande Despertamento do 18º século. Retornaremos rapidamente àquele
momento da história. Aqui pedimos sua paciência, querido leitor. Inicialmente parecerá
que isso tem pouco a ver com o discipulado. Nossa convicção, porém, é que é impossível
entender as mudanças entre o discipulado de Jesus e as propostas atuais de discipulado
sem esta breve retrospectiva. Sendo assim, prossigamos.
3.1S ementes
da mudança no
18º
século
O Grande Despertamento dá origem a uma nova terminologia. Até aquele ponto os cristãos se identificavam com base em suas denominações: Luteranos, reformados, anglicanos, batistas, ou, de modo mais geral, protestantes, em contraposição aos católicos papistas. O avivamento do século 18 lança as raízes do “movimento evangélico”.
Eis as principais características do evangelicalismo:
Este movimento adotava o estilo de pregação reavivalista e punha ênfase na conversão pessoal (o “novo nascimento”). Por ser movimento de renovação dentro da igreja, sua meta não
era tanto converter os não-crentes quanto estimular a fé subjetiva nas verdades do evangelho.
O protestantismo clássico que se originou na Reforma definiu a vida cristã em termos de
participação na adoração e na liturgia corporativa da igreja. Esta expressava sua autoridade
por meio de confissões e credos mantidos pela autoridade do ofício clerical. Mas o movimento reavivalista pôs de lado grande parte disso. Ele destacava o acesso direto do indivíduo a
Deus independentemente da igreja; definia a vida cristã em termos de devoção e santidade
individual. A retórica reavivalista tendia a ter um caráter antiautoritário e antitradicionalista,
denunciando a liturgia e as cerimônias.226
Um historiador afirma que “todo protestante que enfatiza os aspectos subjetivos e
éticos do Cristianismo, em vez de ressaltar suas características oficiais e eclesiásticas, é
evangélico”.227 A pesquisadora Nancy Pearcey afirma que “para o bem ou para o mal, durante um período de mais de duzentos anos de história americana, o evangelicalismo populista triunfou sobre as igrejas confessionais”.228 Isso não é diferente no Brasil, nem no
restante do mundo. Os grupos cristãos que mais crescem exibem as características desse
evangelicalismo populista.229 Uma análise de dados das denominações norte-americanas
entre 1776 e 1850 revela que os grupos que participaram do primeiro e segundo grandes
despertamentos obtiveram maior crescimento numérico.230 Enquanto isso, as igrejas estabelecidas entraram num processo de declínio lento.231
O Grande Despertamento do século 18, com todas as suas boas contribuições, carrega
as sementes de problemas que surgem no futuro. Assim como um corpo saudável con226 PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p.
285. Quanto ao estilo de pregação, o sermão reavivalista era, além de emotivo, “simples e informal” (op. cit.,
p. 295).
227 HART, D. G. That Old-Time Religion In Modern America: Evangelical Protestantism In: The Twentieth
Century. Chicago: Ivan R. Dee, 2002, p. 9, apud PEARCEY, op. cit., loc. cit.
228 Ibid., p. 286.
229 JENKINS, Philip. The Next Christendom: the Coming of Global Christianity. Oxford: Oxford University Press, 2002, passim, apud PEARCEY, op. cit., loc. cit.
230 Ibid., p. 289.
231 Ibid., p. 295. Essa análise da realidade norte-americana é parcialmente aplicável às igrejas brasileiras.
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Discipulado integral |
tém o potencial de enfermidades — por exemplo, uma célula boa que pode sofrer uma
mutação — as bases para qualquer deformação, não apenas no que diz respeito aos avivamentos, mas a qualquer evento ou movimento inicialmente bom, estão normalmente
presentes na própria origem autêntica.
Analisemos, e.g., a pregação de George Whitefield.
Tendo sido ator quando criança, Whitefield sempre teve uma queda pelo talento dramático,
que agora empregava em sua paixão de construir o Reino de Deus. Certo biógrafo até intitula
seu livro de The Divine Dramatist (O Dramaturgo Divino), e diz que Whitefield abriu o caminho a um novo estilo de pregação: “O ator-pregador em oposição ao estudioso-pregador”. Ele
levantava os braços, batia os pés com força, representava as histórias bíblicas e chorava em
voz alta. [...] Foram os reavivalistas que abriram caminho à pregação improvisada, objetivando evocar uma resposta emocional e mudança nos corações.232
Ou seja, até Whitefield, o pregador é um estudante da Palavra de Deus. A partir dele, o
bom pregador passa a ser o orador que cativa as multidões.
Um segundo aspecto a ser considerado é a relação entre razão e fé.
Os oponentes do despertamento tratavam a vida cristã como crescimento gradual na fé e santidade. Denominavam este método “alimentação cristã”, ocasionada pela participação nos rituais e
ensinos da igreja. Segundo insistiam, era um crescimento totalmente racional no conhecimento.
[...] Os reavivalistas não buscavam converter as pessoas ao cristianismo tanto quanto ao que eles chamavam de “religião experimental” — a ideia de
que a verdade religiosa não deve ser crida, mas também experimentada. [...]
[...] Poderíamos dizer que o protestantismo estava sendo dividido em dois pavimentos: Os
reavivalistas promovendo as conversões emocionais [...] e seus oponentes defendendo a religião racional.233
Tais sementes são fertilizadas no século seguinte.
3.2O S egundo Grande Despertamento
e o legado de
Finney
O Segundo Grande Despertamento ocorre entre 1825 e 1831 (três anos antes do nascimento de Spurgeon), e tem como personagem destacada o pastor congregacional Charles G.
Finney (1792-1875). Este movimento produz um impacto profundo e de longo prazo no
evangelicalismo. Ele se assemelha ao despertamento anterior, mas as diferenças são notórias (tabela 01).
Grande Despertamento — Século 18
2º Grande Despertamento — Séc. 19
Ênfase na soberania de Deus. Avivamento
como ato soberano divino. Deus visita seu
povo quando e como quer.
Ênfase na capacidade de escolha
humana. Avivamento como resultado
de métodos. O uso de procedimentos
adequados produz o avivamento.
Pregação doutrinária, ainda que
emocional.
Pregação como forma de levar o ouvinte a
tomar uma decisão.
Tabela 01. Diferenças entre os avivamentos dos séculos 18 e 19. 234
Enquanto Wesley (parcialmente) e especialmente Whitefield e Edwards são cuidadosos na pregação bíblica, Finney lança por terra muitos dos ensinos da Escritura. Ademais,
surge uma nova ênfase em “métodos aferidores e facilitadores da conversão”.
Para Finney [...] o novo nascimento não é uma regeneração interior do coração, mas simplesmente uma [...] escolha. Em outras palavras, o pecador regenera-se a si mesmo, sendo
que a palavra de Deus mostra-lhe como fazer isso. O pecador converte-se a si mesmo, mas
o Espírito Santo o persuade a fazê-lo. Suas campanhas de evangelização e de reavivamento
232 Ibid., p. 297.
233 Ibid., p. 299, 300, 301. Grifos nossos.
234 Adaptado de ibid., p. 849.
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| O novo discipulado e seu falso dilema
tinham um propósito: Levar os pecadores a fazer uma escolha imediata de seguir a Cristo.
Com isso, Finney introduziu novos métodos nos cultos, como o “banco de misericórdia”; a
prática de fazer apelos e convidar pessoas “para irem à frente”, no final da mensagem; além
de práticas que provocassem um estado emocional propício ao pecador para escolher a Deus,
o que incluía apelos dramáticos e denúncias terríveis do pecado e do juízo [...]. Mas, como
Lloyd-Jones nota, “um dos erros cardeais de Finney foi confundir campanha evangelística
com avivamento”.235
Lloyd-Jones entende que a igreja deixou de lado a busca por um avivamento bíblico e
pertinente ao discipulado, dentre outras coisas, devido ao ocaso da teologia reformada e
influência de Charles Finney.
Qual a explicação desta mudança que parece ter penetrado no pensamento da igreja?
O primeiro: Fora de toda dúvida, é o declínio da teologia reformada. Todo o movimento
modernista que começou na década de quarenta do século passado, ganhou grande ímpeto
na década de sessenta. Cresceu com alarmante velocidade, e particularmente a teologia reformada foi pra trás. [...] A mudança deu-se com muita rapidez, e os que conhecem a vida de
Charles Haddon Spurgeon sabem como ele não somente viu o fato, porém quão profundamente o sentiu e lamentou.
O segundo: Havia a influência dos escritos de Charles G. Finney. [...] Toda a perspectiva de
Finney parece ter-se tornado um fator determinante da perspectiva da igreja. Isso levou à
ideia do que hoje denominamos “campanhas evangelísticas”. [...] As pessoas agora, em vez
de pensarem em buscar a Deus e orar por avivamento quando veem que a igreja desfalece,
resolvem antes encarregar uma comissão de organizar uma campanha evangelística, e de elaborar um plano e um programa de propaganda para “lançar” a campanha, como dizem. Toda a
perspectiva e mentalidade mudou.236
Ainda que, no curto prazo, pareça que Finney conquiste multidões, o resultado de sua
obra no médio e longo prazos é trágico.
Como resultado dessas campanhas, a fé evangélica virtualmente desapareceu da região ocidental de Nova York, já durante a vida de Finney. A maior parte da vasta região da Nova Inglaterra, aonde ele conduziu as campanhas de reavivamento, caiu em permanente frieza espiritual
durante sua vida e, mais de cem anos depois, a situação ainda não mudou. Isso ocorreu por
influência direta do tipo de pregação promovida por Finney. A região ocidental de Nova York
tornou-se conhecida como “o distrito destruído pelo fogo”.237
Um companheiro de Finney, Asa Mahan, testemunha o seguinte:
As pessoas foram deixadas como um carvão apagado que não poderia ser reaceso. [...] Mesmo
depois de uma geração ter passado, essas crianças queimadas não tinham gosto pelo fogo.238
O que Charles Finney deixa para as futuras gerações? Eis um resumo:
Seus sucessores têm perpetuado estes métodos e mantido as características do fundador: O
apelo por decisões imediatas, baseadas na vontade humana; o estímulo das emoções como
alvo do culto; o desprezo pela doutrina; e a ênfase que se dá na pregação a se fazer uma escolha, em vez da ênfase às grandes doutrinas da graça. As igrejas evangélicas de hoje, influenciadas pela teologia e pelos métodos de Finney, [...] têm adotado táticas e práticas em que
as pessoas são vistas como clientes, e que promovem a mentalidade consumista nas igrejas
evangélicas.239
O Grande Despertamento do século 18, bíblico e pertinente, abre espaço para o Segundo Grande Despertamento. Neste, não apenas as sementes do avivamento do século
anterior são regadas, mas, adicionam-se elementos cada vez mais estranhos às Sagradas Es235 FERREIRA; MYATT, op. cit., p. 849-850. Grifos nossos.
236 LLOYD-JONES, 1993a, p. 19. Grifos nossos.
237 Ibid., p. 850. Grifos nossos.
238 WARFIELD, B. B. Studies In Perfeccionism. Oxford: 1932, v. 2, p. 26-28, apud ibid., loc. cit. Grifos nossos.
239 LOPES, Augustus Nicodemus. Adoradores ou Consumidores? O Outro Lado da Herança de Charles
Finney, p. 26-27, apud FERREIRA; MYATT, ibid., loc. cit.
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Discipulado integral |
crituras. Ao invés de contribuir para o discipulado integral, ele enfatiza a experiência em
detrimento do conhecimento da Bíblia e, nesses termos, denigre o modo (“ensinando-os”)
e descarta o conteúdo do discipulado (“todas as coisas que vos tenho ordenado”).240 São
misturados semipelagianismo, pragmatismo e iluminismo, e tudo isso é apresentado por
Charles G. Finney como sendo “estratégia evangelística cristã”.241
3.3Fitafuso, Finney
e o novo discipulado
Em mais uma de suas instigantes obras de ficção, C. S. Lewis relata a instrução de Fitafuso,
um “diabo” experiente, a Vermebile, seu sobrinho e “diabo” aprendiz.
O verdadeiro problema dessas pessoas com quem o seu paciente está convivendo é que elas
são simplesmente Cristãs. Todas possuem seus interesses particulares, é claro, mas o laço que
as une continua a ser o cristianismo. O que nós desejamos, se não houver mesmo jeito e os
homens tiverem de tornar-se Cristãos, é mantê-los num estado de espírito que eu chamo de
“Cristianismo e alguma outra coisa”. Você sabe — Cristianismo e a Crise, Cristianismo e a
Nova Psicologia, Cristianismo e a Nova Ordem, Cristianismo e a Cura Pela Fé, Cristianismo
e Pesquisa Psíquica, Cristianismo e Vegetarianismo, Cristianismo e Reforma Orográfica. Se
não houver saída e eles se tornarem Cristãos, deixe-os ao menos serem Cristãos com um diferencial. Substitua a fé em si por alguma Moda com colorido Cristão. Faça com que tenham horror
da Mesma Coisa de Sempre.242
Considerar os “primeiros sons” arcaicos. Deixar a simplicidade e partir para elaborações desnecessariamente complexas. Coisa de gente confundida por Fitafuso. Antes bastava dizer “eu sou cristão” ou esta é a “igreja”. “Cristão” e “igreja” possuíam significados
quanto ao discipulado. Dizer-se “cristão” equivalia a afirmar “eu sou uma testemunha de
Cristo; eu sou um discipulador”. Simples assim. Os seguidores de Jesus são chamados
“cristãos”, pela primeira vez, em um contexto de testemunho. Crentes “espalhados” pela
perseguição anunciam o evangelho aos gentios; muitos se convertem ao Senhor e primeiro Barnabé, depois Saulo, são enviados para pastoreá-los na cidade de Antioquia; então as
pessoas começam a comentar: “Eis os cristãos!” (cf. At 11.19-26). Estes cumprem o mandato discipulador de Cristo. Semelhantemente, quando se falava em “igreja” dizia-se apenas
“esta é uma igreja” ou, quando muito, “esta é uma igreja cristã”.
Hoje não é mais assim. Não podemos mais dizer “cristão”, e sim, “cristão discipulador”
ou “cristão evangelista” porque imagina-se, despropositadamente, que seja biblicamente possível ser cristão sem ser evangelista ou discipulador (um problema decorrente da
Teologia semipelagiana-arminiana de Finney). A mesma coisa quanto à igreja. Temos de
dizer “igreja missionária” ou “igreja discipuladora” (procure por estes adjetivos na Bíblia;
eles não estão lá), porque assumimos que seja possível a uma agremiação de religiosos ser
“igreja” sem ser testemunha obediente ao mandato discipulador de Jesus (outra deficiência teológica grave). Biblicamente, “igreja” é usada por Jesus para descrever uma estrutura
que, centrada na gloriosa declaração do seu senhorio, pressiona e derruba as portas infernais (Mt 16.18). Inevitavelmente “igreja” é, no NT, uma “comunidade discipuladora”, o
240 PEARCEY, op. cit., p. 285-286.
241 Além do grande avivamento do século 18 podemos citar outros: “O avivamento espiritual por toda a
terra na década de 1850 e novamente de 1900; e os movimentos posteriores como o reavivamento da África
oriental, que começou em 1930 e ainda continua” (PACKER, op. cit., p. 240. Aqui deve ser incluído o avivamento de 1859 na Irlanda, Estados Unidos, País de Gales e Inglaterra, tão apreciado por LLOYD-JONES, D.
Martin. Avivamento. 2. ed. São Paulo: Publicações evangélicas Selecionadas, 1993b, passim). É possível mencionar ainda o avivamento na Coreia, que lançou as bases para o estupendo crescimento da Coreia do Sul
(CF. BLAIR, William; HUNT, Bruce. O Pentecoste Coreano. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, passim). Todos
esses, diferentemente do movimento influenciado por Finney, são bíblicos e abençoadores. Graças a tais
intervenções divinas, a igreja foi sustentada e revitalizada.
242 LEWIS, C. S. Cartas De Um Diabo a Seu Aprendiz. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 126-127. Os grifos
das últimas duas linhas da citação são nossos.
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| O novo discipulado e seu falso dilema
ajuntamento daqueles que seguem a Cristo, ou seja, obedecem aos seus mandatos (Jo 14.21;
1Jo 5.1-5).
Lewis atribui o “horror da Mesma Coisa de Sempre” às artimanhas de Fitafuso. Alguns
pesquisadores que analisam as consequências das crenças e práticas assumidas pela igreja
a partir do 19º século, atribuem o apreço por modismos a Finney.243 Jesus fala desta insatisfação perturbadora em Mateus 11.16-19. O fato é que, especialmente a partir de Finney,
ocorre uma secularização da mentalidade e modus operandi do discipulado. Ademais, sugere-se uma iniciativa estranha de discipulado descolado da igreja.
3.3.1 O discipulado secularizado e tecnocrático
Na seção 2.7 afirmamos que um “moderno movimento do discipulado”, iniciado na segunda metade do século passado, enfatiza o discipulado como “método para a multiplicação
de discípulos”. Tal modo de enxergar a igreja — como fenômeno a ser estudado e gerido
por meio de instrumentos antropológicos, sociológicos e administrativos — encontra-se
explicitado ou nas entrelinhas dos livros publicados entre 1980 e 2000, escritos por autores entusiastas do Movimento de Crescimento de Igrejas, ligados a Donald McGavran e o
Fuller Theological Seminary.244 E prossegue nas igrejas multiministeriais,245 nas igrejas em
células, no movimento neoapostólico e, nos círculos mais tradicionais, em alguns debates
sobre plantação e revitalização de igrejas.246
Observemos a tendência: Somos tentados a crer que a igreja “cresce” meramente pelo
uso de artifícios humanos.247 O discipulado vai sendo gradativamente distanciado da proposta simples de Jesus Cristo, tornando-se dependente da engenhosidade e argúcia do
“presente século”. Uma vez que o discipulado bíblico exige, dentre outras coisas, a aplicação de Romanos 12.1-2248 sob a convicção de que só Deus converte e santifica (Jr 31.18; Jo
8.34-36; 15.1-5; Gl 5.17-26), a proposta de “discipulado” atual deve ser entendida como uma
afronta ao verdadeiro discipulado.
Intimidade, relacionamento transformador; caráter forjado pela obediência e sofrimento; fruto produzido em médio e longo prazos; plantio e rega pacientes; espera dependente de Deus, à vezes tranquila e outras vezes angustiada — tudo isso vai sendo relido,
alterado ou descartado. Tais coisas são sutilmente substituídas por uma proposta diferente. Se em três anos Cristo formou doze discípulos, hoje deseja-se no mesmo tempo
estabelecer uma igreja. E a chave são “métodos de discipulado” que revelam-se mais como
estratégias de agregação do que como discipulado bíblico.249
Não há erro no anseio por multiplicação. Como vimos, os pais reformados insistiam
que devemos orar, chorar e trabalhar para que vidas sejam alcançadas pelo evangelho. O
problema está na ideia de multiplicação rápida. É impossível formatar caráter em uma se243 SOUSA, Jadiel Martins. Charles Finney e a Secularização da Igreja. São Paulo: Edições Parakletos, 2002.
244 Cf. MACGAVRAN, Donald. Compreendendo o Crescimento da Igreja. São Paulo: SEPAL, 2001; WAGNER,
Peter. Estratégias Para o Crescimento da Igreja. São Paulo: SEPAL, 1991; MIRANDA, Juan Carlos. Manual
de Crescimento da Igreja. Reimp. 1991. São Paulo: Vida Nova, 1989; TIPPETT, Alan R. A Palavra de Deus e o
Crescimento da Igreja: Base Bíblica do Ponto de Vista do Crescimento da Igreja. São Paulo: Vida Nova, 1983 (um
bom livreto, mas que carrega nas tintas especialmente em seu 3º capítulo); GERBER, Vergil. Sua Igreja Precisa Crescer. 4. ed. São Paulo: Vida Nova, 1983.
245 WARREN, Rick. Uma Igreja Com Propósitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Vida, 2008.
246 Cf. a excelente leitura sugerida por WELLS, David F. Coragem Para Ser Protestante. São Paulo: Cultura
Cristã, 2010.
247 Outro exemplo: BARNA, George: O Marketing na Igreja: O Que Nunca Lhe Disseram Sobre o Crescimento
da Igreja. Rio de Janeiro: JUERP, 1993.
248 O presente aiōn, “século” ou “mundo” é rejeitado. Calvino identifica o termo com “o caráter e a conduta
do ser humano”. Cf. CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura: Romanos. 2. ed. São Paulo: Parakletos,
2001, p. 436.
249 DRISCOLL, Mark. Confissões de Um Pastor da Reformissão: Duras Lições de Uma Igreja Emergente Missional. Niterói: Tempo da Colheita, 2009.
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Discipulado integral |
mana ou um ano. Para desenvolver algumas coisas no caráter de suas filhas, o autor deste
estudo teve de semear por mais de duas décadas. É normal que seja assim. No entanto, o
paradigma vigente de discipulado é o de formação instantânea.
Notemos como isso se assemelha ao mundo dos negócios. Imaginemos um evento
para capacitação de uma equipe de trabalho. Reserva-se um centro de convenções, a fim
de apresentar a campanha da empresa para o próximo trimestre. Na ocasião será conhecido o produto matador da concorrência, o novíssimo iClone 6. Inicia-se o evento com um
vídeo motivador, seguido de uma apresentação muitíssimo bem elaborada e ensaiada. Um
comunicador descolado e de barba rala, especialista em neurolinguística, utilizando alta
tecnologia, faz a plateia rir e chorar. Depois realizam-se dinâmicas de grupo. Os participantes são vendados e entram em uma sala estourando balões. Terminada a manhã todos
almoçam salmão grelhado e conhecem as metas de vendas — e o quanto ganharão se as
atingirem. A pessoa mais animada é premiada ali mesmo com uma caneta Montblanc. Finalmente, todos dão as mãos e fecham os olhos ao som de uma música New Age, ouvindo
frases de autoajuda. Então, ainda de mãos dadas, agora elevadas, eles esbravejam o “grito
de guerra” da empresa. Na segunda-feira seguinte o clima do escritório está eletrizado;
todos demonstram elevada motivação; “a equipe”, dizem, “foi transformada”.
Formação instantânea. “Transformação” em um fim de semana.
Acrescente-se a isso a ideia do discipulado que mescla linha de produção e currículo
escolar. Quem visita a igreja pela primeira vez é rotulado como Alfa Zero e deve, forçosamente, frequentar a “Classe Zero Um”. Feito isto, ele se torna uma Beta Um, encaminhado à “Classe Zero Dois”. Devidamente capacitado, ele é intitulado Gama Dois”, aluno da
“Classe Zero Três”. Finalmente, como Delta Três, ele integra a “Classe Zero Quatro”, e é
incumbido de conduzir outras pessoas desde o primeiro estágio (figura 02).
Alfa zero
Classe Zero Um
Delta três
Beta um
Classe Zero Quatro
Classe Zero Dois
Gama dois
Classe Zero Três
Figura 02. O discipulado de linha de produção e currículo escolar.
Um exemplo deste tipo de proposta pode ser conferido em Uma Igreja Com Propósitos,
de Rick Warren.250 Há quatro coisas positivas nesta perspectiva:
1. Desde o início o indivíduo é conscientizado de que a vida cristã não é estática e envol250 WARREN, op. cit., p. 117. Os diagramas de Warren foram publicados primeiramente “na revista Discipler
[Discipulador], em 1977. Desde então, foram adotados por milhares de igrejas e reimpressos em muitos livros”
(op. cit., loc. cit.). Acerca deste livro, eis o que afirma Ary Velloso: “Depois de Atos, aqui está o melhor, mais
prático e o mais rico ensino sobre o crescimento da igreja” (ibid., capa). Grifos nossos.
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| O novo discipulado e seu falso dilema
ve capacitação para a produção de frutos (Jo 15.16; Cl 1.10).
2. Há uma progressão na formação; a pessoa pode dizer objetivamente (ao invés de
basear-se em sentimentos) que passou da etapa “a” para a etapa “b” (2Pe 3.18).
3. Há aumento gradativo de responsabilização (quanto mais o crente é capacitado,
mais incumbências ele recebe; Tg 3.1).
4. Preconiza-se o envolvimento na busca de outras pessoas, a fim de replicar o processo (Lc 14.21-24; 24.45-49).
Nem tudo, porém, são flores. O autor deste estudo, que adotou um “sistema” semelhante durante quase uma década, relutou para admitir que tal perspectiva — ainda que
bem-intencionada e com potencial “produtivo” — não corresponde ao discipulado de Jesus, por algumas razões. Primeiro, como vimos, pela utopia da reprodução rápida.
Segundo, corre-se o risco de formatar seguidores de uma “visão”, ao invés de seguidores de Jesus. Abraçar uma “visão ministerial” não equivale, necessariamente, a conhecer
Jesus e praticar o que ele “ordenou”. Ademais, pessoas são “usadas” para o alcance da visão,
quando o correto é que uma visão seja útil para alcançar pessoas.
Terceiro, o indivíduo é tratado como uma “peça” em uma esteira, manuseada até tornar-se “produto final”. Mais uma vez, o perigo é criar autômatos sujeitos ao controle de
um líder ou instituição, em lugar de discípulos de Cristo biblicamente inteligentes e moral-espiritualmente responsáveis.
Quarto, é possível, com a melhor das intenções, exigir dos cristãos a sujeição a “programas” que não são ordenados biblicamente. O alinhamento de uma equipe — no caso,
toda a igreja submissa a um programa, eliminando-se toda dissonância — aumenta a produtividade (este é um paradigma da Administração Estratégica).251 Nesse caso, é sábio alinhar-se ao princípio regulador fornecido pela Confissão de Fé de Westminster:
Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para
a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser, lógica e claramente, deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por
novas revelações do Espírito nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser
necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas
reveladas na Palavra e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo
da igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da
natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas.
Referências Bíblicas: 2Tm 3.15-17; Gl 1.8; 2Ts 2.2; Jo 6.45; 1Co 2.9,10,12; 1Co 11.13,14.252
Dito de outro modo, igrejas que eliminam dissonâncias e executam obediente e sistematicamente um programa produzem resultado rápido. O ponto é: “Este desenvolvimento é baseado em uma ordenança clara da Palavra de Deus?”
Em quinto lugar, neste “discipulado” moderno, há o risco do trato impessoal e da despersonalização. Jesus Cristo, ao contrário, interage com pessoas utilizando abordagens
distintas. Ele apresenta um discurso sofisticado ao Teólogo Nicodemos (Jo 3.1-21). Fala de
água a uma mulher junto a um poço (Jo 4.1-30). Cura um cego em duas etapas, aplicando
saliva em seus olhos (Mc 8.22-26). Outro cego é curado instantaneamente (Lc 18.35-43). A
uns ele trata e fala com dureza; a outros, com gentileza (Jo 2.13-22; 8.10-11; ). Quem discipula sabe que indivíduos aprendem de modos e em ritmos diferentes. A abordagem de
251 Bossidy e Charan chamam isso de “sincronização” (cf. BOSSIDY, Larry; CHARAN, Ram. Execução: A
Disciplina Para Atingir Resultados. 12. ed. São Paulo: Editora Campus, 2005, p. 214-222). Esta eliminação da
dissonância consta na pauta de planejamento e controle da gestão estratégica (MINTZBERG, Henry. Criando Organizações Eficazes: Estruturas em Cinco Configurações. 2. ed. Reimp. 2006. São Paulo: Editora Atlas,
2003, p. 89-111). A “unidade” de pensamento e ação, em uma organização secular, é assegurada por meio de
um “sistema de recompensas e punições” (TAVARES. Mauro Calixta. Gestão Estratégica. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 212-215). Grifos nossos.
252 ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER. A Confissão de Fé de Westminster, doravante denominada CFW,
I.VI. In: BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA, doravante denominada BEG2. 2. ed. revisada e ampliada. Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil e Cultura Cristã, 2009, p. 1787. Grifos nossos.
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Discipulado integral |
discipulado apenas programática, neste caso, pode funcionar como rolo compressor sobre
a singularidade e consciência individual (cf. seção 2.2.3).
Em sexto e último lugar, este modelo pode incitar um aprendizado formal em dois
sentidos. Quanto ao contexto, entende-se que discipulado é uma aula ministrada em uma
sala da igreja. Quanto ao resultado, o indivíduo “passa” por determinada classe apenas
para “cumprir a formalidade” exigida pela liderança da igreja. Para ser diácono é preciso
cursar a “Classe Zero Três”. O objetivo não é mais aprender e praticar o ensino de Jesus.
O candidato ao diaconato submete-se à classe só para obter um “Certificado”. Tal medida,
ainda que zelosa e, quem sabe, bem-intencionada, distancia-se do discipulado do NT.
Observe-se que, em todos os pontos, os perigos são mencionados como possibilidades. Se o leitor participa de uma igreja em que o discipulado secularizado e tecnocrático é
implementado mantendo-se fidelidade ao mandato de Jesus, desconsidere os parágrafos
acima. O que se deseja estabelecer aqui é que discipulado é o que Deus faz. Deus lida conosco
pessoalmente e por toda a nossa vida. E mais: Não é incorreto dizer que Jesus investiu em
seus discípulos durante três anos, mas este entendimento é muito limitado. O Redentor
nunca se desliga de seus discípulos (Mt 28.20). Pelo contrário, seu propósito é que estes
estejam para sempre com ele (Jo 14.1-3). Sendo assim, discipulado não é mero programa
curricular de vinculação rápida — “essa é minha classe de discipulado de 2007”. O discipulado integral une corações e destinos, nesta vida e por toda a eternidade.
3.3.2 O discipulado descolado da igreja
Surge ainda, nas fileiras da igreja, para depois tornar-se paralelo à igreja (paraeclesiástico
ou intereclesiástico), um “movimento de discipulado” bem-intencionado, mas tímida ou
superficialmente bíblico. Em determinadas instâncias, este “movimento” se metamorfoseia em algo à parte da igreja, alardeando que o importante é ligar as pessoas a Jesus e não
à igreja (quem sabe o leitor já tenha ouvido algo semelhante: “Devemos levar as pessoas a
Cristo e não à igreja”). Resultado: Pessoas vinculam-se a uma estrutura de “evangelismo
relevante” ou “movimento de discipulado contextualizado”, afastadas da comunhão de
uma igreja local. Isso é, no mínimo, lamentável.
Independentemente de sinceridade ou boas intenções, tal ímpeto destoa por completo de Mateus 28.18-20 que ordena e não apenas sugere que os novos discípulos sejam
batizados em nome da Trindade, o que equivale a assumir “compromisso formal” com o
Senhor e com um corpo de crentes de determinada localidade (cf. At 2.37-41). Trocando
em miúdos, é biblicamente impossível discipular à parte da igreja.
3.4Um
falso dilema no discipulado
Cristãos atuais são confundidos e seduzidos por um falso dilema. Em outras palavras, separa-se o que Cristo uniu. Que falso dilema é esse? São contrapostas as caricaturas de “Nhô
Evangelista” e “Teologicus Viajantus in Maionesis”. Dizem que temos de escolher entre fervor evangelístico ou inteligência teológica.
Nhô Evangelista é o herói da missão que desbrava campos, ganha almas aos montões
e é recordista em plantação de igrejas. Homem simples, agregador e que não “perde tempo” com doutrina. “Teologia”, resmunga Nhô Evangelista, “é pra pastor de gabinete”. Em
sua estante (se ele tiver estante) há poucos livros.
Teologicus Viajantus in Maionesis é o oposto. Homem da literatura e devorador de
páginas. Conhecedor das últimas tendências teológicas. Pensador com várias graduações.
Sua estante de livros é rica. Escritor. Conferencista. Envolvido em uma dezena de cargos
denominacionais e em outras instituições. Exegeta competente que sabe o significado
exato de cada palavra do mandato discipulador de Jesus, mas, como tem muito o que
fazer, não sobra tempo para evangelizar. Entende que contribui influenciando seus ouvin| 40 |
| O novo discipulado e seu falso dilema
tes. No entanto, estes que o ouvem assumem, em um processo de imitação natural, que a
suma da vida cristã é teologar e abstrair, sem evangelizar e discipular.
Uma igreja pode levar esta sofisticação para seu “discipulado”, substituindo a simplicidade do mandato de Jesus por uma ideia de igreja-seminário. Isso não acontece imediatamente. Primeiro assume-se um currículo. Gradativamente são sugeridos acréscimos. Reportando-nos à seção 3.3.1, alguém pode considerar inaceitável que um crente Delta Três
não saiba isso e aquilo. O currículo aumenta e sofistica-se. As pessoas passam a confundir
a igreja local com uma Faculdade de Teologia.
Não é consistente com a sã doutrina que a igreja seja reduzida a “sala de aula” ou instância de “reflexão”, desconsiderando a ação discipuladora simples. Assim como na academia os “Mestres” mais brilhantes tornam-se celebridades, os crentes mencionam uns aos
outros o quanto são maravilhosas as explanações em Teologia Sistemática do Professor
Tal e criam grupos de fãs nas redes sociais. O corpo de “crentes” decorrente possui enorme
cabeça, pernas e braços finos e pele sem qualquer sinal de queimadura de sol (o bronzeado
típico do “Semeador”), simplesmente porque “estuda” muito e trabalha pouco. Conhece sutilezas filosóficas e teológicas em suas discussões sobre apologética, mas não chora
pelos perdidos, nem evangeliza, nem discipula. Tal ambiente não propicia o discipulado
integral propugnado por Jesus.
Por outro lado, é problema grave quando uma igreja torna-se rasa em sua doutrina. Jesus, o modelo perfeito de evangelização, ensina e ordena que ensinemos. Paulo, plantador
de igrejas, é teólogo doutrinador. A igreja em Atos cresce por meio de prática do mandato
discipulador. Lucas descreve o trabalho evangelístico de Paulo utilizando o verbo peithō,
“convencer usando argumentos”; “comover”; “influenciar por palavras ou motivos” (At
17.4; 18.4; 19.8, 26; 26.28). Outros vocábulos importantes são dialegomai, “arrazoar”, “discutir” ou “lutar com palavras” (At 17.3,17; 18.4,19; 19.8,9; 20.7,9; 24.12,25); dianoigō, “expor”,
“abrir” ou “explicar” (At 17.3; cf. At 16.14); paratithēmi, “demonstrar” ou “distribuir” (At 17.3)
e ektithēmi, “expor”, “apresentar”, “declarar” ou “explicar” (At 11.4; 18.26; 28.23). Indiscutivelmente, evangelização em Atos corresponde a concatenar e esclarecer doutrina, em
interação pessoal que alcança razão, emoção e vontade.
Evangelista ou doutrinador? O mandato de Jesus exige os dois. O discipulado integral
estuda a Bíblia e não teme pronunciar a palavra “Teologia”. Afinal de contas, trata-se de
buscar o entendimento compartilhado de “todas as coisas” ensinadas por Jesus, ligando
teoria e prática, reflexão e ação.
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4 Amarrações finais
do discipulado integral
Desde o início dizemos que perdeu-se, desde a Antiguidade, o som primevo do discipulado integral. Se isso é assim, o que cabe a nós realizar? Simplesmente lamentar a perda?
Mergulhar em saudosismo paralisante?
A convicção deste autor é que cada um de nós é agente da aliança para a presente geração. Todo agente da aliança é, também agente de mudança. E isso enseja colocar em prática
a fé em Deus. Por fé, no século 14, Wyclife traduziu as Escrituras para o inglês. Entre os
séculos 14 e 15, a fé incendiou o coração de John Huss e Jerônimo Savanarola. Por fé Lutero capitaneou a Reforma no 16º século; semelhantemente, seus contemporâneos Ulrico
Zuínglio, Calvino e John Knox. Tais homens caminharam na mesma confiança que impulsionou os patriarcas, os conquistadores de Canaã, os reis fiéis, os profetas, os apóstolos e
todos os santos usados por Deus para impactar suas gerações.
Retomando a metáfora, o primeiro som do discipulado integral pode ser recuperado.
Como assim? Este texto sugere respostas amarrando algumas pontas soltas, abordando,
expandindo e aplicando tópicos mencionados antes.
4.1O
mau uso da analogia da igreja - hospital
No primeiro episódio do seriado The Walking Dead, o policial Rick Grimes acorda de um
coma em um quarto de hospital e percebe que está absolutamente sozinho. Após livrar-se
dos fios e tubos que o prendem ele constata, chocado, que as dependências do hospital e
suas cercanias estão atulhadas de cadáveres. Algo muito errado aconteceu; ele precisa sair
dali, imediatamente.253
Um hospital com doentes sendo cuidados por médicos, enfermeiros, assistentes sociais e
voluntários. Isso é normal. Um hospital em que todos são doentes é uma anomalia.
Ao buscar na web a frase “a igreja é um hospital” o autor deste estudo recebeu, em 0,54
segundos, cerca de 7.150 mil resultados. Um deles carrega a frase atribuída a Abigail Van
Ruben: “Uma igreja é um hospital para pecadores, não um museu para santos”.254
Analisemos as versões da Grande Comissão nos Evangelhos (Mt 28.18-20; Mc 16.14-18;
Lc 24.44-49; Jo 20.19-23). Nenhuma delas fornece base para a analogia da igreja-hospital.
Um texto normalmente associado a este paradigma é Lucas 5.32-32: “Os sãos não precisam
de médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” (Lc 5.31-32). Nesta passagem, o Redentor responde aos “fariseus e outros escribas” que
questionam o fato dos discípulos comerem e beberem com “pecadores” (Lc 5.29-30). Jesus
chama “pecadores ao arrependimento”. Os que se consideram “sãos” (os fariseus e escribas
cheios de justiça própria) não recebem cura (perdão de pecados e mudança de vida). A partir disso, infere-se — indevidamente — que a igreja é composta de pecadores no sentido de
nela não haver ninguém saudável. A igreja, dizem, é um ajuntamento de doentes.
O autor destes estudos já levantou a bandeira da igreja-hospital, denominando-a comunidade terapêutica. Depois reconsiderou sua opinião, entendendo que a analogia prejudica muito mais do que ajuda. Um amontoado de doentes em um mesmo lugar produz, no
253 THE WALKING DEAD. Produção de Scott M. Gimple; Robert Kirkman; Gale Anne Hurd; David Alpert;
Tom Luse; Greg Nicotero. Local: Estados Unidos, 2010, 1ª temporada, 1º episódio, “Days Gone Bye”.
254 Abigail Van Ruben é pseudônimo de Pauline Friedman, radialista cristã estadunidense. Cf. BEM-DITO:
FRASES BEM-DITAS DE PENSADORES CRISTÃOS. Disponível em: < http://bem-dito.rede1news.com/
uma-igreja-e-um-hospital-para-pecadores-nao-um-museu-para-santos-abigail-van-ruben/>. Acesso em: 14
mai. 2014.
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| Amarrações finais do discipulado integral
máximo, uma epidemia. Esta proposição da assembleia de adoradores como um grande
ambulatório corresponde a uma versão gospel de The Walking Dead.
Saint-Exupéry, o autor famoso de O Pequeno Príncipe (em uma obra menos conhecida), descreve de modo realista uma condição soturna do coração humano.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas
úlceras. Até chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longínqua unguentos derivados do ouro, que têm a virtude de
voltar a compor a pele sobre a carne. Procedi assim até descobrir que eles tinham como artigo
de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com fezes aquelas pústulas,
como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de púrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridão e gabavam-se das esmolas recebidas. Aquele que mais
ganhara comparava-se a si próprio ao sumo sacerdote que expõe o ídolo mais prendado. Se
consentiam em consultar o meu médico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilência e pelas proporções. Chegavam a empregar os cotos para conquistar um
lugar no mundo. Daí também o aceitarem os cuidados como uma homenagem e oferecerem
os membros a abluções bajuladoras. Mas, apenas o mal os deixava, descobriam-se sem importância. Já nada alimentavam que fosse deles próprios, davam-se por inúteis. O único remédio
era ressuscitar de novo essa úlcera que vivia à custa deles. E, uma vez envoltos de novo no seu
mal, gloriosos e vãos, pegavam na escudela e tornavam a empreender o caminho das caravanas. Voltavam a espoliar os viajantes em nome dos seus sórdidos deuses.255
O que temos aqui? Doentes que insistem em permanecer doentes. Talvez você já tenha visto algo semelhante. Líderes infinitamente absorvidos no cuidado de “crentes” que
insistem em permanecer enfermos. A relação deixa de ser de discipulado e assume-se terapêutica. No fim das contas, não ocorre capacitação para o testemunho e serviço; o crente
“atendido” é sempre um “paciente” e nunca se torna um discipulador.
Um detalhe do dito de Jesus (Lc 5.29-32) é esquecido. O Redentor é o médico que cura e
isso tem relação com “arrependimento” (v. 32). Na comissão de Lucas os crentes testemunham em nome de Jesus, pregando “arrependimento para remissão de pecados a todas as
nações” (v. 47). Resumindo, há cura no arrependimento e acolhimento do evangelho (cf.
Mc 1.15; Lc 4.16-21). Os curados pelo evangelho são feitos testemunhas.
Por este ângulo, a igreja não é meramente uma comunidade de doentes, mas uma
comunidade de pessoas transformadas pelo evangelho — transformadas e transformadoras. Discipuladoras porque o desfrute do evangelho atualiza a experiência de Davi: “Ele
é quem perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as tuas enfermidades; quem da
cova redime a tua vida e te coroa de graça e misericórdia; quem farta de bens a tua velhice,
de sorte que a tua mocidade se renova como a da águia” (Sl 103.3-5 — grifo nosso).
Líderes discipuladores devem ajudar os crentes a caminhar por fé. Quando estes últimos começam a assumir-se como “doentes”, aqueles devem mostrar-lhes que, em Cristo, são eles eleitos, redimidos, santos, sacerdotes e testemunhas, ou seja, resgatados para
cumprirem o mandato discipulador de Jesus (1Pe 1.1-2; 2.9-10).
4.2Discípulos
de quem ?
No início deste livro, baseados em Mateus 28.19 — “batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo” — afirmamos que somos comissionados a fazer discípulos de Jesus e não nossos. A importância disso não pode ser exagerada, considerando a propagação
de uma proposta de discipulado cada vez mais antropocêntrica. Explicando, torna-se cada
vez mais comum ouvir líderes afirmando “fulano de tal é meu discípulo” ou pensarmos
nós mesmos, “beltrano é discípulo de sicrano”. O perigo devastador desta perspectiva é o
seguinte: Discípulos de Jesus Cristo são salvos; discípulos de homens são condenados. Nossos
discípulos estão em uma situação de insegurança e fragilidade espiritual. Os discípulos de
255 SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. Cidadela. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 7.
| 43 |
Discipulado integral |
Jesus estão eternamente seguros (Jo 10.27-30).
Paulo incentiva Timóteo a passar a outros o que aprendeu dele “através de muitas testemunhas” (2Tm 2.2). Mas, o que Timóteo aprendeu de Paulo? A fortificar-se “na graça que
está em Cristo Jesus” e a participar dos sofrimentos de Paulo “como bom soldado de Cristo
Jesus” (2Tm 2.1, 3 — grifos nossos). Em outro lugar, Paulo convida seus leitores e serem
seus imitadores na medida em que ele imita a Cristo (1Co 11.1). Paulo, humanamente falando (separado da graça de Deus), é um exemplo muito pobre a ser imitado. Sem Cristo ele
é um “blasfemo”, “perseguidor” e “insolente” (1Tm 1.13). Ele é modelo de pecador salvo pela
graça (1Tm 1.15-16). Sem Jesus, sua performance é vergonhosa; cheio de dignidade religiosa, fariseu e discípulo de Gamaliel. Tudo isso ele considera “refugo” (Fp 3.2-11). Atualiza-se,
portanto, o dito apostólico:
Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular. E não
há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado
entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos (At 4.11-12).
Se fizermos discípulos “nossos”, construiremos uma congregação de perdidos. Os discípulos são de Jesus, nos termos de Salmos 23.1: “O Senhor é o meu pastor”. Nossa tarefa é
colocar os crentes sob o pastoreio de Jesus (Jo 10.11). Como João Batista, dizemos “convém
que ele [Jesus] cresça e que eu diminua” (Jo 3.30). Visto por este ângulo, todo pastor ou
líder bíblico é pastor-auxiliar. O pastor, líder cristão ou discipulador é sempre subpastor
do Supremo Pastor (1Pe 5.1-4). Discipulado integral tem a ver com Jesus — alinhar-se ao
padrão de Cristo. É falso discipulado seguir Hybels, ou Warren, ou Castellanos, ou quem
quer que seja. Só Cristo dá vida eterna (Jo 5.24). Qualquer líder cristão, à parte da graça de
Cristo, é muito fraco e não se sustenta.
4.3O iDiscipulado
e as
“novas ”
habilidades pastorais
No século 20, Marshall McLuhan anuncia: “Já se criou um ambiente totalmente novo. O
‘conteúdo’ deste novo ambiente é o velho ambiente mecanizado da era industrial”,256 no qual
as tecnologias tornam-se extensões do próprio homem.
O prognóstico de McLuhan ganha corpo no computador pessoal. A partir dele surge
o ciberespaço — o locus digital — fomentador de uma nova cultura:
Em termos simples, [...] vivemos numa sociedade cada vez mais moldada por eventos que se
produzem no ciberespaço, e apesar disso o ciberespaço continua [...] invisível, fora de nossa
apreensão perceptiva.257
Esta nova cultura tem nome: Cibercultura. Como nos informa Lévy:
[Eis] o “verdadeiro” uso [...] do computador pessoal: O ciberespaço como prática de comunicação interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária, o ciberespaço como horizonte
de mundo virtual vivo, heterogêneo e intotalizável no qual cada ser humano pode participar e
contribuir.258
Nossa interação neste ambiente digital cresce diuturnamente. Confiramos um apanhado do crescimento do uso da internet, de 2000 até 2012 (tabela 02).259
256 MCLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix, 1996, p.
11-12.
257 JOHNSON, Steven. Cultura da Interface: Como o Computador Transforma Nossa Maneira de Criar e Comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 20.
258 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 126.
259 INTERNET WORLD STATS. Internet Usage Statistics. Disponível em: <http://www.internetworldstats.
com/stats.htm>. Acesso em: 15 mai. 2014.
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| Amarrações finais do discipulado integral
Uso da internet no mundo (números brutos)
População 2012
(Est.)
Região
África
1.073.380.925
Ásia
Usuários
31/12/2000
Usuários
30/06/2012
4.514.400
167.335.676
3.922.066.987
114.304.000
1.076.681.059
Europa
820.918.446
105.096.093
518.512.109
Oriente Médio
223.608.203
3.284.800
90.000.455
América do Norte
348.280.154
108.096.800
273.785.413
Am. Latina e Caribe
593.688.638
18.068.919
254.915.745
Oceania e Austrália
Total Mundial
35.903.569
7.620.480
24.287.919
7.017.846.922
360.985.492
2.405.518.376
Uso da internet no mundo (dados percentuais)
Região
% População
% Aumento
2000-2012
% Total
África
15,6
3.606,7
7
Ásia
27,5
841,9
44,8
Europa
63,2
393,4
21,5
Oriente Médio
40,2
2.639,9
3,7
América do Norte
78,6
153,3
11,4
Am. Latina e Caribe
42,9
1.310,8
10,6
Oceania e Austrália
67,6
218,7
1
Total Mundial
34,3
566,4
100
Tabela 02. Uso da internet no mundo em 2012.
Dados divulgados em 2013 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
reportam crescimento de 143,8% no uso da Internet entre a população com 10 anos ou
mais, de 2005 a 2011. Em 2005, 20,9% da população brasileira tinha acesso à internet. Em
2013 o percentual subiu para 46,5%.260
Quanto à renda e faixa etária dos usuários:
Entre os que têm renda mais alta há uma presença muito forte de pessoas com 50 anos ou
mais, que em muitos casos não tiveram essa inclusão durante o período escolar [...].
[...]
A pesquisa também mostrou que os jovens são os que acessam a internet. Os maiores percentuais foram dos grupos com idade de 15 a 17 anos (74,1%) e de 18 ou 19 anos (71,8%).261
Neste ambiente proliferam as redes sociais. Somente o Facebook divulgou, em fevereiro de 2014, ter “1,23 bilhão de usuários mundiais”.262 O acesso às redes ocorre diariamente,
não apenas por meio de computadores de mesa ou laptops, mas também por dispositivos
móveis: “76,8% se conecta através de um aparelho móvel, como um ‘smartphone’, e 61,5%
acessam a rede todos os dias”.263 Nesse contexto, o Brasil se destaca:
Os Estados Unidos é o país com o maior número de usuários (146,8 milhões no final de 2013),
seguido por Índia (84,9 milhões), Brasil (61,2 milhões) e Indonésia (60,5 milhões), de acordo
com a consultoria eMarketer. Outras estimativas para os Estados Unidos falam de até 180
milhões de usuários.264
260 FOLHA UOL. Acesso à Internet no Brasil Cresce, Mas 53% da População Ainda Não usa a Rede. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/05/1279552-acesso-a-internet-no-brasil-cresce-mas-53-da-populacao-ainda-nao-usa-a-rede.shtml>. Acesso em: 15 mai. 2014.
261 FOLHA UOL, op. cit., loc. cit.
262 TECNOLOGIA UOL. Facebook Tem 1,23 Bilhão de Usuários Mundiais; 61,2 Milhões São do Brasil. Disponível em: <http://tecnologia.uol.com.br/noticias/afp/2014/02/03/facebook-em-numeros.htm>. Acesso em: 15
mai. 2014.
263 TECNOLOGIA UOL, op. cit., loc. cit.
264 Ibid., loc. cit.
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Discipulado integral |
Surge o Homo Zappiens, quem cresce usando múltiplos recursos: O controle remoto
da TV, o smartphone e outros aparelhos digitais.265 O Homo Zappiens mescla realidades
virtuais e reais, bem como comunica-se e colabora em rede.266 Ele não apenas utiliza novas
tecnologias; seu modo de pensar e articular as coisas é moldado por elas.
O ciberespaço desafia o discipulado de diversos modos, primeiramente pela necessidade de verificação de legitimidade de uso da própria tecnologia (e.g., o autor deste estudo conhece pastores que são absolutamente contrários ao uso de Bíblias em tablets ou
smartphones). Tais dispositivos facilitam ou atrapalham o discipulado? E quanto às redes
sociais? Será bíblico e, portanto, pertinente, utilizá-las para o discipulado?
Algumas dicas para uso das redes sociais no discipulado integral
•
•
•
•
•
Evite expor sua opinião desrespeitando terceiros ou sendo ofensivo a grupos.
Cuidado com erros grosseiros na escrita.
Não digite em CAIXA ALTA. Isso significa que você está GRITANDO.
Não abuse de abreviações e dialetos desnecessários.
O comportamento virtual é muito semelhante ao comportamento na vida real. Aja com coerência e
bom senso.267
• Ao constatar que uma pessoa que você discipula publicou algo inadequado (ou que exige intervenção bíblica) em uma rede social, não aborde o assunto on-line. O melhor é tratar da questão
pessoalmente.
Uma primeira coisa a fazer é não entusiasmar-se demasiadamente. William Powers
demonstra que as gerações que viveram antes de nós também foram fascinadas por novas
tecnologias, mas estas não são capazes de produzir o desfrute da vida em profundidade.
Se corrermos o tempo todo atrás das novidades, seremos superficiais porque estas coisas
não produzem ganho.268
Uma segunda coisa a fazer é utilizar tais recursos à “luz da natureza [...] [e] prudência
cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas”.269 Isso leva a considerar os recursos de modo correto — como subsídios conectivos e portas para o pastoreio
de vidas.
Terceiro, saibamos que nenhuma tecnologia é neutra. A interconexão pode camuflar a autonomia e isolamento do indivíduo. O espaço de autopublicação pode tornar-se
vitrine de superexposição e autopromoção.270 A porta aberta da rede pode trazer para o
dispositivo e, por conseguinte, a experiência do cristão, coisas anticristãs. A cibercultura
pode, explícita ou subliminarmente, confrontar a cosmovisão bíblica. Daí a atualidade do
parecer de Comenius:
Se alguém me disser que o abuso não deve ser imputado às coisas, mas às pessoas, [...] respondo com as palavras do Apóstolo: “Que essa liberdade não seja de alguma maneira escândalo
para os fracos” (1Co 8.4, 7, 9).271
Dito de outro modo, a tecnologia pode levar ao abuso, ou seja, é preciso usar a internet de modo santo e edificante.
Rick Warren diz que o pastor contemporâneo precisa de novas habilidades, que não
eram exigidas dos pastores antigos.
265 VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo Zappiens: Educando na Era Digital. Porto Alegre: Artmed, 2009,
passim.
266 VEEN; VRAKKING, op. cit., p. 12. Grifo nosso.
267 Os primeiros cinco pontos são extraídos de PORTAL EDUCAÇÃO. Como Fazer o Bom Uso das Redes
Sociais. Disponível em: <http://www.portaleducacao.com.br/informatica/artigos/48368/como-fazer-o-bom-uso-das-redes-sociais>. Acesso em: 15 mai. 2014. Os últimos pontos são nossos.
268 POWERS, William. O Blackberry de Hamlet: Filosofia Prática Para Viver Bem Na Era Digital. São Paulo: Alaúde Editorial Ltda., 2012.
269 CFW, I.VI. In: BEG2, p. 1787.
270 Cf. KEEN, Andrew. O Culto do Amador: Como Blogs, MySpace, YouTube e a Pirataria Digital Estão Destruindo Nossa Economia, Cultura e Valores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2009.
271 COMENIUS. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 297.
| 46 |
| Amarrações finais do discipulado integral
Hoje, o ministério pastoral é centena de vezes mais complexo que na geração passada. Até
nas melhores circunstâncias, o trabalho é extremamente difícil. Mas há também vários recursos que não existiam antes, e temos de fazer uso deles. A chave é nunca parar de aprender.272
Concordamos parcialmente, pois, ainda que hajam tecnologias e saberes novos, a demanda ainda é antiga, qual seja, fazer discípulos ensinando-os a guardar todas as coisas
que Jesus ordenou. O pastor ou discipulador atual precisa também das habilidades dos
discipuladores do passado. As novas habilidades são acréscimos e não substituições. A
ideia central continua a mesma: Discipulado é pastoreio. Ainda que você não seja um
pastor ou obreiro ordenado, é preciso encaminhar tudo o que diz respeito ao discipulado
de uma perspectiva pastoral.
O discipulador desta era digital é desafiado a ser, simultaneamente, atualizado tecnologicamente e piedoso. A utilizar quaisquer tecnologias com discernimento e sabedoria.
Em todo esse processo ele não deve perder o foco. Ele sempre interage com outras pessoas
como mentor, amigo e discipulador.
4.4Planejamento
e execução do discipulado na igreja
É possível olhar para o discipulado com ceticismo ou cinismo eclesiástico. “Essas coisas
são interessantes, mas não dão certo em nossa igreja”. O pastor de uma igreja de porte médio propôs uma iniciativa de discipulado aos seus líderes e ouviu de um dos presbíteros:
“Nossa igreja não tem uma cultura de evangelização e discipulado; isso não vai funcionar
aqui” (e não funcionou mesmo). Os conceitos do discipulado podem ainda ser celebrados,
mas relegados à esfera da mera abstração, sem prática. Ambas as situações denotam uma
baixa expectativa do discipulado integral.
Outro extremo é mergulhar em redesenho ministerial, busca e implementação de estratégias e modelos de discipulado; depois imaginar que a mera alteração de estruturas —
a montagem de um esqueleto curricular ou metodológico — produz ímpeto discipulador.
Esta é a expectativa ingênua do discipulado integral. O engajamento de toda uma igreja
em discipulado envolve algo simultaneamente mais simples e mais complexo do que isso.
A prática do discipulado na igreja ordena três coisas: Uma motivação fundamentada
em Deus, a consolidação dos ensinos bíblicos sobre a missão, o mandato cultural e o sacerdócio universal, e, finalmente, formulação e execução de um programa.
4.4.1 Motivação fundamentada em Deus
A implementação do discipulado integral exige, antes de tudo, motivação correta. Há uma
grande diferença entre as ideias humanista e bíblica de motivação. No primeiro caso, especialmente a Psicologia estuda os mecanismos internos e externos que motivam indivíduos e grupos. As corporações se esforçam para inspirar seus executivos e equipes de
trabalho. No ideário popular, motivação é às vezes confundida com otimismo. Tais concepções desconsideram a revelação bíblica sobre o ser e a ação de Deus.
O fato é que algumas palavras ligadas à motivação têm origem teológica. “Ânimo”,
por exemplo, é “vida da alma”;273 “entusiasmo” é sinônimo de arrebatamento espiritual274
e “inspiração” é, literalmente, “sopro do Espírito” (2Tm 3.16). As Escrituras retratam motivação como algo que vem de Deus, uma intervenção divina no coração humano (cf. Sl
144.1-2; Pv 21.1; Fp 2.13).
Isso é enfatizado na quinta visão de Zacarias (Zc 4.1-14). O profeta é como que despertado de um sono e vê um “candelabro todo de ouro e um vaso de azeite em cima com
as suas sete lâmpadas e sete tubos, um para cada uma das lâmpadas que estão em cima do
272 WARREN, op. cit., p. 21. Grifo nosso.
273 Ânimo. In: Dic. Aurélio.
274 Entusiasmo. In: Ibid.
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Discipulado integral |
candelabro” (v. 1-2). Ele contempla ainda “duas oliveiras, uma à direita do vaso de azeite,
e outra à sua esquerda” (v. 3). O v. 4 contém uma pergunta sobre o significado da visão:
“Então, perguntei ao anjo que falava comigo: Meu senhor, que é isto?”.
Depois de uma rápida interação (v. 5), é fornecida uma resposta no v. 6: “Prosseguiu
ele e me disse: Esta é a palavra do Senhor a Zorobabel: Não por força nem por poder, mas
pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos”. O vocábulo hayil, traduzido por “força”,
pode ser entendido como “bravura ou proeza humana”.275 Dito de outro modo, o que é necessário a Judá não será implementado por “força”, muito menos por “poder” de homens,
mas de Deus. Nada será realizado sem a intervenção divina.
A história da salvação não é resultado de proeza humana, muito menos a Bíblia é o registro dos heróis da fé. O que lemos na Palavra de Deus é o Altíssimo operando maravilhas
a cada geração, levando adiante seu propósito apesar dos pecados e fraquezas dos homens.
É o Espírito Santo quem opera o novo nascimento e a conversão (Jo 3.5-8; 8.7-11). Ele reveste os crentes para o testemunho e, em seguida, os chama e capacita para o serviço (At
1.8; 1Co 12.4-6, 11). A igreja é obra do Espírito; cultuamos ajudados pelo Espírito; oramos
a Deus Pai em nome de Deus Filho no poder de Deus Espírito Santo (At 9.31; Ef 5.18-20;
Jo 14.13-14; Rm 8.26-27). Quanto ouvimos uma pregação ou estudo bíblico, estes só fazem
sentido se o Espírito iluminar nosso entendimento (2Co 4.6; cf. 1Co 2.12). Tanto a salvação quanto a santificação, dizem respeito ao ministério do Espírito (Gl 5.5; 1 Jo 3.24). Dito
isto, conclui-se que a natureza da obra cristã exige a completa dependência desta motivação e
atuação do Espírito (Fp 2.13). Como afirma Baldwin, “somente quando seu Espírito governa
cada detalhe o serviço pode glorificá-lo”.276
Tal princípio é importante para a liderança cristã. Ao relatar o resultado de uma reunião, Tiago escreve: “Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At 15.28). O mesmo deve
ser dito de cada decisão ou iniciativa ministerial. A igreja tem de caminhar sob a liderança
do Espírito Santo.
Zorobabel, o agente da aliança daquela época, precisava de motivação do Espírito. Por
isso, tanto ele quanto Josué são chamados de “ungidos”, literalmente “filhos do óleo” (v.
14).277 O que eles farão tem a ver com o revestimento do Espírito Santo sobre suas vidas.
O Espírito agindo no discipulador produz motivação correta e santificada. Zorobabel
e Josué receberam ajuda para enfrentar obstáculos: O “grande monte” se transformaria
em “campina” (v. 7). Será que Zorobabel, o líder que lançara os fundamentos do templo
há tantos anos e ainda não levantara as paredes, era apto para a tarefa? Capacitado pelo
Espírito, ele vislumbrou os festejos da inauguração do novo templo (v. 7, 9).
É fácil fazer uma lista das fragilidades da igreja e criticá-la. Sem que percebamos, colaboramos com o desânimo. Enxergando as coisas sob a ótica do Espírito, não nos abatemos
com os “humildes começos” (v. 10). O grupo de crentes em torno de Zorobabel é mirrado
e pobre. Então Deus diz: “Não despreze esta obra porque ela parece modesta”. O Espírito
Santo consolida o desejo de prosseguir a despeito das circunstâncias.
4.4.2 A missão, o mandato cultural e o sacerdócio universal
Um segundo passo para implementação do discipulado integral é saturar a igreja (por
meio de pregações, devocionais e estudos) dos chamados à evangelização, ao cumprimento do mandato cultural e da doutrina do sacerdócio universal dos crentes.
4.4.2.1 O chamado para a missão
Todos os crentes são chamados à missão. Cristo convoca Pedro e André para serem
275 BALDWIN, J. C. Ageu, Zacarias e Malaquias: Introdução e Comentário. 1. ed. Reimp 2008. São Paulo:
Vida Nova, 1982, p. 74. (Série Cultura Bíblica).
276 BALDWIN, op. cit., p. 97. Grifo nosso.
277 Ibid., p. 100.
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| Amarrações finais do discipulado integral
“pescadores de homens” (Mt 4.18-19). Após a ressurreição ele os incumbe de pregar o evangelho e fazer discípulos na dependência do Espírito Santo (Lc 24.48; Jo 20.21-22; Mt 28.1820; At 1.8). Paulo recebe uma vocação semelhante, ao ponto de considerar a evangelização
como “obrigação” (At 26.12-18; 1Co 9.16-18). Os demais apóstolos e as igrejas de Filipos e
Tessalônica entendem o chamado e cumprem a tarefa (Fp 1.5; 1Ts 1.8).
Além do esforço dos apóstolos e evangelistas, a força vital para a evangelização reside
no testemunho dos crentes em suas esferas de influência. Levi convida seus colegas de
trabalho para uma refeição (Mc 2.14-15). O geraseno é enviado à sua casa (Mc 5.19). Pedro
conhece Jesus através de seu irmão André (Jo 1.41). Natanael, por meio de Felipe (Jo 1.45).
Na cura do filho do “oficial do rei”, creem “ele e toda a sua casa” (Jo 4.53). Cornélio ouve
a pregação de Pedro juntamente com “seus parentes e amigos íntimos” (At 10.24). Lídia é
batizada juntamente com “toda a sua casa” (At 16.15). De modo semelhante o carcereiro de
Filipos (At 16.30-34). A evangelização não é mero programa, mas o transbordamento da vida
espiritual dos crentes para aqueles à sua volta.
Uma pesquisa realizada décadas atrás demonstra que “uma maioria esmagadora dos
cristãos atualmente ativos (76%) têm suas raízes espirituais no relacionamento com um
amigo ou parente, por meio do qual veio a Jesus e à igreja”.278 Os pesquisadores chamam
isso de “fator oikos”, “casa” e apresentam a experiência de Michael Lehfeldt.
Oikos é a palavra grega para “casa”. Na cultura greco-romana o termo “oikos” não se referia
somente à família direta com a qual a pessoa morava, mas também incluía escravos, amigos e
até colegas de trabalho. “Oikos” descrevia a esfera de influência de uma pessoa, a rede de seus
relacionamentos.279
Lehfeldt era pedreiro em Hamburgo.280 Ele conheceu a graça de Deus aos 24 anos
de idade, em setembro de 1978. Daí ele testemunhou à sua irmã, Florence Krohn. A semente do evangelho continuou dando frutos de modo que, até 1990, outras 15 pessoas
haviam sido trazidas para o conhecimento de Cristo.281 Ainda que tenha havido diferença
nos eventos e métodos empregados, o princípio que une todas as iniciativas é o relacionamento que abre a porta para o testemunho.
Isso se aplica a nós. Não há um cristão sequer que não seja chamado para a missão.
Pensemos no ladrão pregado na cruz ao lado de Jesus e que creu no Senhor. Ele não teve
tempo de realizar qualquer ação missionária, mas até hoje sua vida é um testemunho (Lc
23.39-43). Não há desculpa para negligenciarmos a evangelização. O chamado para a missão não é uma opção.
4.4.2.2 O chamado para o cumprimento do mandato cultural
Por fim, nós somos chamados para cumprir o mandato cultural — glorificar a Deus
no desempenho de nossa carreira ou trabalho. Esta camada do chamado foi destacada por
Martinho Lutero. Ele aplicou a expressão alemã beruf, “vocação”, às profissões em geral.
Um sapateiro, um ferreiro, lavrador, cada um tem o ofício e a ocupação próprios de seu trabalho. [...] cada qual deve ser útil e prestativo aos outros com seu ofício ou ocupação, de forma
que múltiplas ocupações estão todas voltadas para uma comunidade, para promover corpo e
alma, da mesma forma com que os membros do corpo servem todos um ao outro.282
278 SCHWARZ, Christian. Evangelização Básica: Uma Maneira Agradável de Ensinar as Boas Novas. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2003, p. 25. Grifo nosso.
279 SCHWARZ, op. cit., p. 27.
280 Lehfeldt foi um dentre os vários cristãos pesquisados por Schwarz. Cf. op. cit., p. 29-31.
281 Até 1993, mais seis pessoas haviam sido acrescentadas à lista. Ibid., p. 30.
282 LUTERO, Martinho. À Nobreza Cristã da Nação Alemã, p. 81, apud BOBSIN, Oneide. Luteranos na Ética Protestante, in Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola
Superior de Teologia, v. 6, jan.-abr. de 2005, p. 12. Disponível em: <http://www3.10 est.edu.br/nepp>. Acesso
em: 22 out. 2012.
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Discipulado integral |
Este chamado é uma aplicação de Colossenses 3.17, 22-25. Tudo o que fazemos deve
ser para Deus e em nome do Senhor Jesus Cristo. Isso estabelece um link com o mandato
da missão ou discipulador (quem assume fazer tudo em nome de Jesus se torna, naturalmente, testemunha viva do evangelho). E isso é para todos os crentes, ou seja, a convocação divina para o cumprimento do mandato cultural não é uma opção.
É imprescindível ajudar os crentes a compreender o perigo da desobediência à vontade de Deus revelada na Bíblia. Alguns se dizem cristãos aceitando parte da doutrina da
salvação e descartando os chamados à missão e submissão ao senhorio de Cristo — uma
postura biblicamente inviável (Jo 14.21). E o quadro se agrava quando as pessoas da igreja
desconhecem ou não compreendem o ensino da Bíblia sobre o sacerdócio universal.
4.4.2.3 A impor tância do ensino e aplicação da doutrina do sacerdócio universal
Considera-se normal Deus ter chamado Abraão ou Gideão no passado, mas entende-se que hoje as coisas são diferentes. O “chamado” é para missionários ou pastores, mas
não para os crentes em geral. A ideia comum é que os crentes são separados em duas categorias: Os clérigos (especialistas) e leigos (cristãos comuns — tabela 03).
Os clérigos — o clero
Os leigos — o laicato
Únicos chamados para o serviço
sacerdotal. Especialistas em Teologia
Chamados para sustentar a igreja e os
clérigos. Desconhecedores ou alheios à
Teologia
Serviço remunerado
Serviço voluntário esporádico
Tabela 03. Cristãos clérigos e leigos.
Esse modo de enxergar as coisas é antibíblico. No NT klēros significa “uma parte” —
um pedaço ou porção (At 1.17). Nos primeiros dias da igreja os cristãos se autodenominavam “clero” por entender que eram “escolhidos para serem de Deus, a ‘parte’ [ou porção]
do Senhor (como em Dt 32.9)”.283 Menos de dois séculos depois, “já nos tempos de Tertuliano [klēros] era usada em referência aos oficiais ordenados, ou seja: Bispos, sacerdotes e
diáconos”.284 O termo “clérigo” passou a identificar o indivíduo “chamado por Deus” e que
pertence à classe eclesiástica; o sacerdote, pastor ou obreiro remunerado da igreja.
Os leigos são chamados “laicato” por causa da palavra grega laos, “povo” (laikos, laico ou leigo, é o que provém do laos).285 O dicionário define “leigo” como alguém “que é
estranho ou alheio a um assunto; desconhecedor”.286 Na igreja, trata-se da pessoa que não
se ocupa da Teologia, ou seja, quem não é chamado para o ministério. O que cabe a este é
sustentar a igreja com seus dízimos e ofertas, além de frequentar esporadicamente as reuniões. Alguns “leigos” podem até ajudar como voluntários, mas esse não é o procedimento
padrão, uma vez que o trabalho de Deus deve ser feito pelos clérigos.
Esse entendimento errôneo da igreja como clero e laicato é chamado de clericalismo.
Larry Richards propõe um esquema do clericalismo, como segue:
Em primeiro lugar, a igreja é o pastor. (Quantas vezes falamos de uma igreja local nestes ter283 MORRIS, L. Clérigos. In: ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã.
São Paulo: Vida Nova. 1988, p. 290-291. v. 1 (A—D).
284 MORRIS, op. cit., p. 291. Grifo nosso.
285 Na cultura ocidental, “leigo” é o oposto de religioso. A Bíblia usa laos para referir-se a povo em geral,
mas insiste em qualificar os crentes como povo especial de Deus. “Deus tomou dentre os ethnē [grupos étnicos ou nações] um laos para o seu nome (At 15.14)” (BIETENHARD, H. Povo. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. (Ed.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova,
2000, p. 1743. v. 2 (N — Z). Cf. ainda: NASCIMENTO FILHO, Antonio José do. O Laicato na Teologia e Ensino dos Reformadores. Disponível em: <http://www.thirdmill.org/files/portuguese/31822~9_18_01_3-22-31_
PM~laicato.htm>. Acesso em: 21 fev. 2013.
286 Leigo. In: Dic. Aurélio.
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| Amarrações finais do discipulado integral
mos: “A igreja do pastor tal, no centro”?) Em segundo lugar, visualiza-se os membros leigos
da igreja assim, como normalmente estão, sentados em fileiras, encarando o pastor, prontos
para serem servidos. Depois podemos imaginar os líderes leigos de um lado, porque são invisíveis para a congregação que nem sabe para que eles existem, a não ser quando se reúnem
em diretoria uma vez por mês ou servem a ceia.287
Observemos os detalhes: “O pastor — o que serve. Os leigos — não servem, mas são
servidos. Líderes [e voluntários] leigos — presentes, mas com função incerta”.288
O clericalismo não é assumido por má fé. O problema é que, ao colocar o ministério
sob responsabilidade exclusiva do pastor ordenado, trava-se a prática do discipulado integral. Todo o trabalho é centralizado no pastor e os leigos são colaboradores que vivem em
sua órbita. Ele é não apenas o clérigo vocacionado, mas também, remunerado. Os crentes,
sem perceber, assumem o papel de clientes que cobram o bom serviço pastoral sem engajar-se
diretamente no discipulado e outros serviços da igreja.
O papel do líder é apresentar “todo homem perfeito em Cristo” (Cl 1.28). Isso implica
em treinar os crentes para que estes sirvam em suas áreas de chamado, ou seja, investir
nos crentes que querem trabalhar, capacitando-os para o desempenho do seu serviço (Ef
4.11-12). O clericalismo, no entanto, produz igrejas acomodadas e pastores que se encaixam na descrição sugerida por Kyle Hasselden:
“Escoteiro agradável, sempre prestativo, sempre pronto para ajudar; como o querido das senhoras idosas e como suficientemente reservado com as mais jovens; como a imagem paternal para os moços e companheiro para os homens solitários; como o cordial recepcionista
afável nos chás e nos almoços dos clubes cívicos”. Se isto, de algum modo, retrata a realidade,
mesmo que as pessoas gostem do pregador, certamente não irão respeitá-lo.289
Isso é corrigido pelo sacerdócio universal dos crentes. No AT o sacerdote era o mediador entre Deus e Israel. Jesus assumiu o ofício de sumo sacerdote dos cristãos (Hb 5.5-10).
Em seguida, por seu sangue, ele “nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai”
(Ap 1.6). Isso quer dizer, em primeiro lugar, que não há mais uma classe sacerdotal distinta
da igreja como um todo; todos os crentes podem achegar-se a Deus oferecendo “sacrifício de
louvor” aceitável por meio de Cristo (Hb 13.15; cf. Rm 12.1-2).
O serviço a Deus, que no AT era restrito aos sacerdotes e levitas, agora é atribuído a
cada um dos crentes, de modo que a igreja-serva é estabelecida como bênção de Cristo ao
mundo (Lc 24.48; Jo 17.20-23; At 1.8; Ef 3.10-12 — figura 03).
Antigo Testamento
Deus
Sacerdote
Povo
Novo Testamento
A igreja-serva
Deus
Cristo
Cristo
Igreja
Igreja
Mundo
Figura 03. A prática do sacerdócio de todos os crentes.
Sendo assim:
Permanece, no entanto, um sacerdócio que pertence àqueles que, pela fé, foram unidos com Cristo. Costuma-se chamá-lo “o sacerdócio de todos os crentes”. [...] É por
isso que somos exortados a “apresentar os nossos corpos”, isto é, a nós mesmos,
287 RICHARDS, Lawrence O. Teologia da Educação Cristã. 3. ed. Reimp. 2008. São Paulo: Vida Nova, 1996, p.
107.
288 RICHARDS, op. cit., loc. cit.
289 HADELSEN, Kyle. The Urgency of Preaching, p. 88-89, apud ROBINSON, Haddon W. Pregação Bíblica: O Desenvolvimento e a Entrega de Sermões Expositivos. 1. ed. Atualizada e Ampliada. Reimp. 2011. São
Paulo: Vida Nova, 2002, p. 17-18.
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Discipulado integral |
“por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”(Rm 12.1); e, ao nos sacrificarmos de
boa vontade, expressamos o nosso sacerdócio espiritual nos atos de louvor e gratidão, e no serviço altruísta ao nosso próximo, quando ministramos às suas necessidades.[...]
[O reino de Cristo], acima de tudo, não possui nenhum sistema sacerdotal. Não interpõe nenhuma tribo ou classe sacerdotal entre Deus e o homem, por cujo exclusivo intermédio Deus
é reconciliado e o homem perdoado. Cada membro individual tem comunhão pessoal com a
Cabeça Divina. A pessoa tem responsabilidade imediata diante dele, e é diretamente dele que
ela obtém perdão e adquire força.290
O que isso nos diz? Nós somos um corpo de sacerdotes (1Pe 2.9-10). Deus nos chama
para o serviço que ele “de antemão preparou” para nós (Ef 2.10; Jr 1.4-5; Gl 1.15-17). Sendo
assim, podemos declarar como o autor do Catecismo de Heidelberg: “Como sacerdote, ofereço minha vida a ele como sacrifício vivo de gratidão”.291
4.4.3 Votos, resoluções e programas de discipulado integral
Na seção 2.7 afirmamos que se o discipulado não passa de um programa, deixa de ser discipulado bíblico. Argumentamos ainda (na seção 4.4.2.1) que a evangelização não é mero
programa. Eis o paradoxo necessário: Um terceiro passo para implementação do discipulado integral é estabelecer um programa.
“Programa”, pelo menos neste estudo, não significa planejamento estratégico complicado, mas, simplesmente, “um plano, intento” ou “projeto”.292 Nesses termos, assemelha-se a um “voto”. No AT, fazer votos é dever de todo adorador e votos são como dívidas
assumidas para com Deus (Sl 76.11; Ec 5.4-5). Cumpri-los é a terceira resposta do crente
aos “benefícios” divinos (as duas primeiras são “tomar o cálice da salvação” e “invocar o
nome do Senhor”; Sl 116.12-14). Eles são, ao mesmo tempo, privados e públicos; o crente
os assume privativamente e os cumpre publicamente (Sl 22.25). Em uma ocasião de angústia, o salmista promete oferecer holocaustos; agora, aliviado, ele cumprirá sua promessa
na casa de Deus. Destarte, cumprir um voto a Deus equivale a oferecer-lhe sacrifícios de
ações de graças (Sl 66.10-14; cf. 50.14; 56.12). Isso deve acontecer em um contexto de adoração sincera (Sl 61.8).
O NT não elimina ou desautoriza o estabelecimento de votos. Apenas o qualifica.
“Sacrifícios de louvor” (no AT ligados aos holocaustos), agora são oferecidos em nome de
Cristo (Hb 13.15). Baseado nas “misericórdias de Deus”, ou seja, na pessoa e obra de Jesus,
o cristão se consagra inteira e diariamente como “sacrifício vivo” e “culto racional” a Deus
(Rm 12.1-2). Ele não torna solene seus votos por meio de juramentos empolados, mas os
sela com um simples “sim” ou “não” (Mt 5.33-37).
Em uma seção que divide o Evangelho de Lucas, Jesus manifesta “no semblante, a
intrépida resolução de ir para Jerusalém” (Lc 9.51; grifo nosso). Este é um modo semítico
de dizer que nosso Senhor tomou uma decisão necessária para atingir uma meta. Sua resolução denota uma mente convicta. Ele decidiu por uma coisa e não mudou de ideia.293
O mesmo autor escreve, acerca de Paulo, que ele “resolveu, no seu espírito, ir a Jerusalém”
(At 19.21). O vocábulo tithēmi, “resolveu” (ARA) ou “propôs” (ARC), designa um engajamento da mente e coração no processo decisório. O restante de Atos registra as consequências desta decisão.
O que quer dizer isso? Os crentes do AT fizeram votos; Jesus e Paulo tomaram decisões (ou resoluções). Suas crenças determinaram suas decisões e, consequentemente, nortearam suas ações. Dito de outra maneira, eles transformaram a doutrina em programa
(um plano, intento ou projeto).
290 HUGHES, P. E. Sacerdócio. In: ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja
Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 329. v. 3 (N—Z). Grifo nosso.
291 CATECISMO DE HEIDELBERG, pergunta 32. In: BEG2, p. 1763. Grifo nosso.
292 Programa. In: Dic. Aurélio.
293 LOUW; NIDA, op. cit., p. 359.
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| Amarrações finais do discipulado integral
Os crentes do passado levavam isso a sério. Eles não apenas declaravam emotivamente “eu quero ser santo”, mas escreviam diários e resoluções e as colocavam em prática.294
Eles redefiniam prioridades, mudavam agenda e alteravam hábitos a fim de cumprir as
ordenanças de Deus.
Calvino assumiu uma rotina que propiciava cumprir o mandato discipulador. Baxter
estabeleceu um sistema de visitação e estudo nos lares. Spurgeon firmou um processo de
três etapas (primeiro, trabalhar sozinho até firmar o exemplo, segundo, fortalecer reuniões
de oração, terceiro, buscar e treinar evangelistas entre os crentes). E assim aconteceu com
todos os que, na história, entenderam que o mandato discipulador não é mera teoria.
Resumindo, nós não sairemos da abstração enquanto não estabelecermos uma disciplina, agenda e recursos tangíveis para a prática sistemática do discipulado.
Se, como vimos, o discipulado envolve evangelização e educação cristã, somos beneficiados ao compará-lo à educação de filhos. Crianças são educadas em contextos diversificados, informalmente, no convívio familiar (cf. Êx 12.25-27; Dt 6.4-9; Pv 22.6; 2Tm 3.14-15),
com os amigos e colegas da vizinhança e formalmente, na sala de aula ou ambiente acadêmico. Pais cuidadosos planejam a educação de seus filhos. Escolas eficientes desenvolvem
projetos pedagógicos com a finalidade de capacitar os alunos a atender às demandas da
sociedade e mercado de trabalho. Todo esse esforço (administrativo) objetiva beneficiar
vidas. Na ponta de tudo está uma pessoa, o menino João ou a menina Maria.
4.4.3.1 Discipulado integral, gradual e curricular
Estabelece-se um programa ou currículo. O indivíduo deve aprender determinadas
coisas em uma etapa, a fim de qualificar-se para a etapa seguinte (e.g., ninguém estuda
Química Avançada sem aprender a Tabela Periódica). Isso prossegue até o fim da educação
formal, mas as habilidades adquiridas nesta fase continuam sendo úteis em outros contextos, após a graduação ou pós-graduação.
Graduar significa exatamente “dispor por graus” ou “marcar [...] graus divisórios”.295 A
Bíblia sugere que deve haver progresso ou saudável graduação em nosso aprendizado das
coisas de Deus. No NT, “leite” identifica as verdades elementares que devem ser absorvidas pelas “crianças em Cristo” (1Co 3.1-2; Hb 5.12-13; 1Pe 2.1-3). Por outro lado, a ausência
de incremento do conhecimento bíblico após determinado “tempo decorrido”, configura
infantilismo e retardo (Hb 5.11-14).
O termo infantilismo designa, “num adulto, manifestação de características físicas ou
psíquicas próprias da criança, quando deveriam ter desaparecido. O infantilismo psíquico ou
puerilismo consiste na presença de certos atrasos intelectuais ou afetivos”.296 Infantilização
pode ser resumida em uma ideia pueril e, ao mesmo tempo danosa, de que é possível fazer
“escolhas sem consequências”.297 O infantilismo não é espiritualmente neutro. Aprender
sempre sem “jamais [...] chegar ao conhecimento da verdade” caracteriza falsa conversão
(2Tm 3.7). O infantilismo é o “ismo” menos considerado pela igreja — e o mais perigoso.
Ele danifica a igreja e o cristão. Discipulado integral corresponde à substituição gradativa
do infantilismo por maturidade. Daí a necessidade de um programa ou currículo.
4.4.3.2 O crescimento diminutivo do discipulado integral
Um currículo auxilia o discípulo a ir do ponto “A” até o ponto “B”. Ele pode olhar para
294 Cf. EDWARDS, Jonathan. As Firmes Resoluções de Jonathan Edwards. Reimp. 2012. São José dos Campos: Editora Fiel, 2010.
295 Graduar. In: Dic. Aurélio.
296 PUJOL, M. Infantilismo. In: DORON, Roland; PAROT, Françoise. (Coord.). Dicionário de Psicologia.
Lisboa: Climepsi Editores, 2001. Grifos nossos.
297 BARBER, Benjamim R. Consumido: Como o Mercado Corrompe Crianças, Infantiliza Adultos e Engole
Cidadãos. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 43.
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Discipulado integral |
trás e afirmar “eu percorri este caminho; eu avancei”. Aqui reside uma “pegadinha”. O
autor destes estudos já foi enganado por ela. Da perspectiva do discipulado integral, esta
progressão é diferente da oferecida por um currículo de graduação secular ou mesmo de
um Seminário de Teologia. Neste tipo de grade curricular, disciplinas são agregadas ao
“edifício do conhecimento”, em um esquema piramidal (figura 04).
4º ano:
Disciplinas
finais
O graduando
3º ano: Disciplinas
necessárias ao 4º ano
O aluno de meio de curso
2º ano: Disciplinas
necessárias ao 3º ano
O calouro
1º ano: Disciplinas introdutórias
(pré-requisitos para ano 2)
Figura 04. Um esquema de graduação secular.
A graduação do discipulado integral é para trás, para baixo e para cima, e isso ininterruptamente, até a glória (pra ser sincero, este autor pensa que será assim eternamente
— figura 05).
O que significa isso? Que tudo começa com Cristo e sua obra (por isso a Grande Comissão é precedida pela crucificação, morte e ressurreição). Uma das experiências deste
momento é a do duplo arrependimento. O indivíduo arrepende-se tanto de suas transgressões da lei (os pecados francamente reconhecidos como tais) quanto de sua justiça
própria (a ideia de que ele é justo em decorrência de suas boas obras, autoidolatria; cf. Ef
2.1-10). Impulsionado pelo influxo da cruz, ele torna-se discípulo de Jesus Cristo.
Isso o empurra pra baixo. Ele é conformado à humilhação de Cristo (Fp 2.5-8). Daí ele
recorre novamente à cruz e nela encontra provisão que o nutre e reposiciona. Isso prossegue até a glorificação, às vezes de modo irregular, mas infalivelmente.
Glorificação
Da cruz (de Cristo) para o cristão
O cristão recorrendo à cruz (aprendendo-desfrutando de Cristo)
Influxos da cruz (Cristo empurrando pra baixo — para a obediência; Fp 2.5-8)
O trajeto teológico do cristão, da humilhação à glorificação
Figura 05. O crescimento para trás, para baixo e para cima do discipulado integral.
O que se encontra no início deste currículo? Jesus Cristo como “Primeiro”. E no final?
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| Amarrações finais do discipulado integral
Jesus Cristo como “Último” (Ap 2.8). Em que sentido o discípulo “cresce”, desde o início
de sua trajetória? Ele cresce “na graça e no conhecimento” de seu “Senhor e Salvador Jesus
Cristo”. Daí, rende a ele “a glória, tanto agora como no dia eterno” (2Pe 3.18). Em suma,
ele cresce diminuindo. Nesta escola do discipulado, o graduado é menor do que o calouro.
Isso não equivale a mesmice curricular. Em cada nova etapa do currículo, o discípulo
enxerga novas nuances e ângulos de Jesus. Uma riqueza temática inesgotável é colocada à
sua disposição. O detalhe é que, em cada novo tema, ressoa a cruz. A cada aprofundamento doutrinário, mais perto de Deus estamos, e por isso, mais perto uns dos outros e dispostos a cumprir o mandato discipulador. Mais crentes, mais humildes e mais frutíferos a
cada nova disciplina. Ano após ano, mais parecidos com Jesus.
Retornando à seção 1.3, deve constar neste currículo “Cristo mesmo” e a “vontade do
Pai” (Mt 6.10; 7.21; 18.14; 21.28-31). Para ser fiel à Grande Comissão de Mateus 28.18-20,
devem ser obrigatoriamente estudado o “pentateuco” de Mateus: O Sermão do Monte (Mt
5—7); a Missão Apostólica (Mt 10); Como o Reino Vem (Mt 13); A Disciplina na Igreja (Mt
18) e Os Falsos Mestres e o Fim (Mt 23—25). A partir daí outras matérias podem ser adicionadas com o tempo, sempre em círculos concêntricos, em torno destas coisas “ordenadas”
por Jesus.
É nesse sentido que, quando dizemos que o discipulado integral exige um programa,
não basta qualquer programa. Como nos adverte Richards:
Fixar o propósito de discipular para a educação cristã [...] significa que temos de procurar
estratégias de educação que facilitem o crescer-se à semelhança. Não podemos nos contentar
com o que temos [...].
Não precisamos e não podemos renunciar a uma visão elevada da inspiração e da autoridade
da Escritura.
Porém a Escritura não precisa ser ensinada como tem sido! [...] Nós tentamos mudar pessoas
contatando-as em uma área da personalidade (a cognitiva), e pelo simples expediente de lhes
dar (revelar) novas informações. [...] Em grande parte a razão pela qual as pessoas digerem
o conteúdo da fé como o fazem é que a Bíblia foi ensinada neste sistema de escola que fez
os que aprendiam entender que o conteúdo deve ser intelectualizado, separado do corpo e
emoções, e das ações.298
Isso nos desafia a planejar e implementar um currículo para salas de aula, e também
para todas as instâncias da vida da igreja. Nele consta, obrigatoriamente, responsabilização e capacitação dos oficiais, moldando-os como líderes de pastoreio.299 Por meio dele,
os discípulos de Jesus migram da fase de “conhecer a Cristo”, para “crescer em Cristo”, daí
para “perto de Cristo” (orientados diariamente por ele) e, por fim para “centrado em Cristo”.300 Este programa amplo de discipulado fomenta uma igreja discipuladora.
4.4.3.3 Discípulos de Cristo em uma igreja discipuladora
Em uma igreja discipuladora, o discipulado integral é promovido na pregação, na educação cristã, nos departamentos e ministérios, nas relações informais e em toda a cultura
da igreja (figura 06).
298 RICHARDS, op. cit., p. 57.
299 SITTEMA, John. Coração de Pastor: Resgatando a Responsabilidade Pastoral do Presbítero. 2. ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2008.
300 HAWKINS, Greg L.; PARKINSON, Cally. Siga-me: O Que Vem a Seguir? São Paulo: Vida, 2009, p. 13-56.
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Discipulado integral |
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Figura 06. Uma possível estrutura de igreja discipuladora
Em seu centro encontra-se o mandato de Jesus. Em torno dele, tudo o mais (pastores,
educação cristã, oficiais, serviços de suporte e equipes de evangelização e discipulado, provenientes dos departamentos ou ministérios). Cada divisão da estrutura possui aberturas,
influenciando a anterior e posterior. Há inter-relação entre as diversas partes da igreja e
desta com a sociedade e a totalidade da criação (o reino cósmico de Cristo).
Não há igreja discipuladora sem treinamento. Já mencionamos isso anteriormente.
Agora olhamos para a experiência da SaRang Community Church (http://english.sarang.
org), visitada pelo autor deste estudo em setembro de 2013. Aquela igreja foi iniciada “na
segunda metade da década de 70”301 e seu fundador, Pastor John Oak, assumiu desde cedo
quatro princípios favoráveis ao discipulado integral. Primeiro, eles nutrem a fé e desafiam o cristão a assumir responsabilidades na comunidade. Em seguida, eles equipam os
crentes para o ministério (sacerdócio universal). Terceiro, eles capacitam a nova geração.
Quarto, eles reformam a igreja constantemente, adaptando estrutura e programas a fim
de cumprir as ordenanças bíblicas (figura 07).
s
En
o
in
da
ig
re
ja
Sa
úd
Os santos
são chamados
e
da
ig
re
ja
Igreja
SaRang
Os discípulos
são enviados
Testemunho
da igreja
Preparar para a nova geração
Nutrir a fé e assumir responsabilidade
na comunidade
Equipar o leigo para o ministério
Reformar a igreja constantemente
Figura 07. Princípios ministeriais da Igreja SaRang. 302
O Pr. Oak dedica sua vida à consolidação de uma igreja discipuladora. Suas convicções refletem este compromisso prioritário com o mandato discipulador de Jesus:
301 OAK, John Han Hum. Chamado Para Acordar o Leigo. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 183.
302 Adaptado de slide fotografado pelo autor. (tradução nossa).
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| Amarrações finais do discipulado integral
Quando o sucesso do ministério é medido, tendemos a medi-lo pelo seu tamanho, o que
pode ser enganoso. [...]
Para Deus uma alma é mais preciosa que o mundo inteiro. O verdadeiro avivamento começa
quando aceitamos esta verdade. Não podemos esquecer que a verdadeira igreja não é determinada pelo seu tamanho.303
O ministério deve focalizar não o crescimento rápido, mas o discipulado integral:
Infelizmente, há muitos entre nós que são infectados com o vírus da inferioridade. Esta infecção é produzida pela comparação de uma igreja com a outra. [...] Jesus, que é a cabeça da
igreja, não mede a sua igreja pelo tamanho! Por que nós esquecemos o fato de que ele não
está interessado no tamanho de nossa igreja, mas na qualidade do povo? [...]
Precisamos saber que o mundo verá que o reino de Deus está próximo por meio da pequena
igreja local que nós servimos. Quando há um modelo transformado em como nós vemos o
nosso campo ministerial, seremos capazes de dedicar com entusiasmo as nossas vidas para
fazer de uma alma um discípulo de Jesus. Um pastor que está sempre desejando uma grande
igreja nunca será capaz de fazer discípulos.304
Dito isto, Oak propõe a seguinte definição de igreja:
A igreja visível de Cristo é a comunidade do povo de Deus chamada para fora do mundo, e
enviada ao mundo como discípulos de Cristo.305
Grande esforço foi — e continua sendo — dedicado ao evangelismo e treinamento
dos crentes, sempre na dependência de Deus. O autor deste trabalho enxergou portas enfileiradas em um dos prédios, e perguntou se eram salas de aula (figura 08). Foi informado
tratar-se de quartos de oração. A igreja planejava realizar um avanço evangelístico no mês
seguinte. Sendo assim, os crentes se revezavam vinte e quatro horas por dia, durante trinta dias, pedindo a Deus que abençoasse aquela investida evangelística.
Figura 08. Os quar tos de oração da Igreja SaRang.
Trinta dias de oração ininterrupta, antes de uma atividade de evangelização.
Qual o resultado dessa prática diuturna, por mais de quatro décadas? Em setembro de
2013, a SaRang contava com 99.208 membros, 144 pastores (sendo 116 dedicados em tempo
integral) e 252 outros obreiros e funcionários (figura 09).
303 OAK, op. cit., p. 18.
304 Ibid., p. 48. Grifos nossos.
305 Ibid., p. 49.
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Discipulado integral |
Figura 09. Dados estatísticos da Igreja Sarang (set. 2013). 306
O discipulado integrado à visão ministerial recoloca a igreja nos trilhos da obediência.
Abrem-se, a partir de então, interessantes possibilidades abençoadoras.
306 Slide fotografado pelo autor em auditório da Igreja SaRang.
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5 Concluindo: Vai dar certo
Visitar uma igreja coreana com quase 100 mil membros é empolgante, mas nem sempre a
vida cotidiana da igreja corresponde ao ideal do discipulado integral.
Jovens cristãos empolgaram-se com o discipulado integral, reuniram-se para orar e ler
sobre o assunto, pensaram na bênção que seria ver aquilo implementado em sua igreja e encaminharam o assunto ao seu pastor. Não ouviram nenhuma palavra negativa ou repreensão, mas, ao mesmo tempo, a liderança da igreja não animou-se com a possibilidade de uma
igreja discipuladora. É possível que o leitor se veja em situação semelhante, desejoso de obedecer ao mandato de Jesus em um ambiente seco, e sem influência sobre o governo da igreja.
O que fazer diante disso?
5.1Os
pequenos processos transformadores do reino
Jesus fala sobre isso na Parábola da Semente (Mc 4.26-29). A semente germina e cresce misteriosamente: “Não sabendo ele como”; “por si mesma frutifica” (v. 27, 28). Haverá
uma “ceifa”, ideia vinculada, em Mateus 13.39, ao fim dos tempos (v. 29). Há um elemento
escatológico neste reino. Ele inicia com o ministério terreno de Jesus e só se completa
com o seu retorno em glória. O intervalo de tempo entre a primeira e segunda vindas de
Jesus deve ser dedicado ao plantio esperançoso (haverá resultado!). Na parábola seguinte,
do Grão de Mostarda (Mc 4.30-32), Jesus fala de algo que começa pequeno, aparentemente
banal e quase imperceptível (v. 31). Depois cresce e se torna maior do que tudo, abrigando
“as aves do céu”.
O que o Senhor está dizendo? “Prestem atenção! Esta obra produzirá resultado na
consumação. Ocorrerá a ceifa. A semente chegará à maturidade e realizará o propósito
estabelecido por Deus Pai. Observem! É uma semente pequena, imperceptível e desvalorizada, mas se tornará uma grande árvore — o reino que abrigará todas as nações!”
Dá-se com o reino de Deus o que Dickinson descreve poeticamente:
Uma sépala, uma pétala, um espinho
Numa simples manhã de verão...
Um frasco de Orvalho... Uma Abelha ou duas...
Uma Brisa... Um bulício nas árvores...
E eis-me Rosa!307
Os jovens daquele igreja passaram a reunir-se nas tardes de domingo, assumindo uma
pauta simples. Dedicavam os primeiros minutos para ler as Escrituras, orar e conversar.
Depois, munidos com folhetos e um violão, saíam pelas ruas distribuindo literatura. Ao
encontrarem um ajuntamento, posicionavam-se em um lugar estratégico e cantavam animadamente. Se alguém parasse para ouvir, um deles pregava uma mensagem evangelística simples.
Meses depois, um deles informou ao grupo que iniciava-se um novo bairro na cidade,
onde poderia haver oportunidades de evangelização. Eles visitaram o local e fizeram a
mesma coisa: Distribuíram folhetos, cantaram e pregaram. Uma pessoa entregou a vida a
Jesus e convidou-os a reunir-se em sua casa. Outras pessoas foram crendo e integrando-se
ao grupo. Tempos depois, plantou-se ali uma igreja. E o processo se repetiu em outro bairro, de modo que aqueles moços foram usados por Deus para iniciar duas igrejas.
Não desanimemos diante do aparente fracasso de nossas iniciativas anteriores de discipulado. Talvez ele tenha sido necessário ao nosso amadurecimento. Pelo contrário, lide307 DICKINSON, Emily, [título não fornecido], apud CALVINO, Ítalo. Seis Propostas Para o Próximo Milênio:
Lições Americanas. 2. ed. Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 29.
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Discipulado integral |
mos com as desventuras com humildade, como recomenda a poetisa:
Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura,
numa terra sedenta
e num telhado velho.
Que eu possa agradecer a vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.308
Invistamos em microprocessos transformadores — iniciativas pequenas ancoradas no
mandato discipulador de Jesus. Elas produzem fruto que permanece. Deus mesmo assegura o sucesso do discipulado integral. Mas, e se o sucesso não aparecer? Façamos como o
lavrador temente a Deus:
O lavrador e sua fala econômica:
— Se Deus quisé.
— A Deus querê.
— Graças a Deus.
Repostando tudo a Deus —
quando lucra.
Quando perde:
— Seja feita a vontade de Deus.309
5.2A
recuperação do primeiro som do discipulado integral
Abraham Zvi Idelsohn (1882-1938), considerado “o pai da musicologia moderna”, pesquisou melodias tradicionais da música hebraica em todo o mundo e encontrou “motivos
recorrentes e progressões” distintas de “qualquer outra música nacional”. Ele sugeriu, a
partir disso, “uma origem comum para essas frases musicais que remonta a Israel ou à
Palestina do 1º século cristão, antes da destruição do segundo templo pelos romanos e
do exílio judaico”. Olhando mais de perto, Idelsohn distinguiu três centros tonais, como
segue:
Três diferentes centros tonais, que correspondiam aos modos dório, frígio e lídio dos gregos
antigos. [...] O modo dório tetracorde foi utilizado para textos de natureza elevada e inspirada, o frígio para textos sentimentais — os surtos humanos de muito sentimento, tanto de
308 CORALINA, Cora. Humildade. In: CORALINA, Cora. Meu Livro de Cordel. São Paulo: Global, 1987, p. 55.
309 CORALINA, Cora. Misticismos. In: CORALINA, op. cit., p. 56.
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| Concluindo: Vai dar certo
alegria e de luto, e o lídio, em composições para os textos de lamentações e confissões dos
pecados.310
O resultado interessante do estudo de Idelsohn, convertido em música, pode ser conferido em um CD (disponível também para download na iTunes Store).311 O que isso tem a
ver com o discipulado integral? Idelsohn recuperou o canto dos Salmos do tempo de Jesus,
da Jerusalém do segundo templo. E daí? Os sons primitivos podem ser restaurados.
Coloquemos de outro modo. Talvez o leitor pergunte: “Como restabelecer o discipulado integral aqui e hoje?” Este livro não fornece uma receita pronta. Cada um deve meditar nas Escrituras, nos exemplos da história, nas peculiaridades de seu povo e contexto
e, sem dúvida, em sua própria configuração pessoal, a fim de servir a Deus do seu jeito.
Como sugerido antes, nós raciocinamos em termos de linha de montagem de uma
fábrica. Peças são manipuladas em uma esteira e no final temos um produto montado que
é colocado ao lado de uma centena ou de milhares de outros produtos exatamente iguais.
Deus não faz assim. Ele é oleiro: “Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai, nós somos o barro,
e tu, o nosso oleiro; e todos nós, obra das tuas mãos” (Is 64.8). Ele é também um tecelão:
“tu me teceste no seio de minha mãe” (“entreteceste-me”, ARC; Sl 139.13).
Isso significa que ele molda cada um de um jeito. Ele tem um plano para cada um.
Sendo assim, mais importante do que pedir “Deus, dá-me sucesso com o uso deste método de discipulado!”, é “Deus ajuda-me a fazer sua vontade; faz-me fiel a ti”, ou, como orou
Calvino, cor meum tibi offero Domine. Prompte et sincere, “meu coração entrego a ti, Senhor,
pronta e honestamente”.
Quando isso ocorre, recupera-se o primitivo som do discipulado integral. Vidas são
alcançadas, a igreja é edificada e Deus recebe toda glória.
310 SAN ANTONIO VOCAL ARTS ENSEMBLE — SAVAE. Rediscovering Music & Chant of Middle Eastern
Spirituality (Redescobrindo a Música e o Canto da Espiritualidade da Idade Média). Disponível em: <http://
www.savae.org/echoes1.html>. Acesso em: 4 abr. 2012.
311 SAVAE. Ancient Echoes: Music From The Time of Jesus and Jerusalem’s Second Temple. World Library Publication, 2002. 1 CD.
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Apêndice 1. Discipulado
exige purificação
Há uma tempestade dentro de nós. [...] Uma queimação. Um rio. Um percurso. Um desejo
implacável de se colocar no extremo, mais do que qualquer um pensaria ser possível. Forçando-nos em cantos frios e escuros. Onde as coisas más vivem. Onde as coisas más lutam.
Queremos essa luta em sua maior proporção. Uma briga estrondosa. A mais alta, fria, escura
e desagradável luta.312
O relacionamento de um casal deteriorou ao ponto da agressão; os filhos estavam desnorteados e os cônjuges consideravam a possibilidade do divórcio. Uma colega de trabalho da
esposa convidou-os para participarem de uma reunião cristã e eles compareceram. Depois
de algumas semanas, Deus lhes deu a graça de conhecerem Cristo como único e suficiente
Salvador e Senhor de suas vidas. Consequentemente, mudou o modo como tratavam um
ao outro e educavam os filhos. Meses depois, em uma reunião de grupo familiar, o esposo
compartilhou que procurara a igreja pensando em melhorar seu casamento, mas, com o
tempo, viu que sua necessidade real era de perdão dos pecados, comunhão com Deus e
santificação.
Este apêndice trata da diferença entre necessidade real e sentida. Deus bondosamente
nos ajuda a enxergar, por detrás da confusão de percepções e sentimentos, nossa carência
espiritual mais profunda. Ele fez isso com os crentes da época do profeta Zacarias:
Deus me mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do Senhor, e Satanás estava à mão direita dele, para se lhe opor. Mas o Senhor disse a Satanás: O Senhor te
repreende, ó Satanás; sim, o Senhor, que escolheu a Jerusalém, te repreende; não é este um
tição tirado do fogo? Ora, Josué, trajado de vestes sujas, estava diante do Anjo. Tomou este
a palavra e disse aos que estavam diante dele: Tirai-lhe as vestes sujas. A Josué disse: Eis que
tenho feito que passe de ti a tua iniquidade e te vestirei de finos trajes. E disse eu: ponham-lhe
um turbante limpo sobre a cabeça. Puseram-lhe, pois, sobre a cabeça um turbante limpo e o
vestiram com trajes próprios; e o Anjo do Senhor estava ali, protestou a Josué e disse: Assim
diz o Senhor dos Exércitos: Se andares nos meus caminhos e observares os meus preceitos,
também tu julgarás a minha casa e guardarás os meus átrios, e te darei livre acesso entre estes
que aqui se encontram. Ouve, pois, Josué, sumo sacerdote, tu e os teus companheiros que se
assentam diante de ti, porque são homens de presságio; eis que eu farei vir o meu servo, o
Renovo. Porque eis aqui a pedra que pus diante de Josué; sobre esta pedra única estão sete
olhos; eis que eu lavrarei a sua escultura, diz o Senhor dos Exércitos, e tirarei a iniquidade
desta terra, num só dia. Naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, cada um de vós convidará
ao seu próximo para debaixo da vide e para debaixo da figueira (Zc 3.1-10).
No contexto da mobilização para a retomada da construção do templo de Jerusalém,
os crentes precisavam ter uma ideia de seu verdadeiro estado. Além disso, era importante
que entendessem que começara uma nova etapa do trato pactual. Os “setenta anos” da
indignação divina passaram e eles tinham de seguir adiante.
As oito visões noturnas de Zacarias giram em torno disso. A primeira visão revela que
Deus fala, governa e restaura (Zc 1.7-17). Na segunda, anuncia-se que os inimigos de Judá
serão vencidos (Zc 1.21). Na terceira, que Jerusalém desfrutará de proteção assegurada pelo
próprio Deus (Zc 2.3-4, 8, 10). Todas estas palavras são “boas” e “consoladoras” (Zc 1.13),
pertinentes a um povo burilado pelo sofrimento.
Olharemos para quarta visão de Zacarias, cujos personagens são, primeiramente, Josué,
312 LONE SURVIVOR. Produção de Peter Berg; Sarah Aubrey; Randall Emmett; Norton Herrick; Barry Spikings; Akiva Goldsman; Mark Wahlberg; Stephen Levinson; Vitaly Grigoriants. Local: Estados Unidos, 2013,
04:59. Baseado na obra de LUTTRELL, Marcus. Lone Survivor: The Eyewitness Account of Operation Redwing and the Lost Heroes of SEAL Team 10. New York; Boston; London: Little, Brown and Company, 2007.
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| Apêndice 1: Discipulado exige purificação
o Anjo do Senhor e Satanás (v. 1), além do próprio Deus, o Senhor (v. 2). São-nos apresentados ainda os “que estavam diante dele” — provavelmente seres angélicos ou espirituais (v.
4) e o profeta: “disse eu” (v. 5). No v. 8 temos os “companheiros” que se assentam diante de
Josué e o “servo, o Renovo”.
Quais são as maiores necessidades de cristão discipulador? Tal pergunta abre espaço
para diversas respostas. Neste trecho do livro de Zacarias, Deus confirma sua aliança destacando três necessidades — todas elas ligadas à restauração. Tais carências são comuns
ao povo de Deus ao longo da história e podemos dizer que somos espiritualmente saudáveis na medida em que as reconhecemos e suplicamos a Deus que as supra para sua glória.
A1.1Precisamos
ser defendidos
A quarta visão de Zacarias revela um homem de Deus precisando de ajuda (v. 1). Afinal
de contas, quem era o sumo sacerdote Josué? Ele é chamado de Jesua em Esdras 2.2. Seu
nome significa Jeová (ou Javé) salva e é encontrado de três formas na Bíblia: Josué (hebraico); Jesua (aramaico) e Jesus (grego). Ele retornou com Zorobabel da Babilônia e recebeu a
incumbência de ajudar a reconstruir a nação de Judá (Ne 7.5-7).
O modo como Esdras 3.2 é redigido dá a entender que ele esteve à frente da retomada
do culto entre os que voltaram do exílio. A expressão “teus companheiros que se assentam
diante de ti” (Zc 3.8) pode indicar que ele, como sumo sacerdote, se reunia com os outros
sacerdotes e os conduzia. Nos termos atuais, não seria despropositado identificarmos Josué
com um cristão discipulador. Esta visão apresenta, portanto, um líder espiritual sob ataque.
Mais do que isso, considerando o ofício de Josué, cabe afirmar que Deus demonstra interesse no bem-estar e restauração do sacerdócio.
Atualmente não temos o sacerdócio nos mesmos moldes do AT. Nosso Senhor Jesus
Cristo exerce com perfeição este ofício “segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 5.1-10).
Entretanto, assim como os judeus tinham Josué como ministro de seu tempo, a igreja
possui uma liderança. Enxergamos aqui o cuidado de Deus com seus líderes em geral. Por
fim, não é impróprio incluir todos os crentes na aplicação desta profecia, uma vez que uma
das funções de Josué como sacerdote era representar o povo que, nos termos da aliança,
era “sacerdócio real” (Êx 19.5-6; 1Pe 2.9-10; Ap 1.6).
O fato disso ser relatado nesta visão demonstra que a garantia da saúde sacerdotal
tinha relação com a restauração de Judá. Isso é verdade tanto para aquela época quanto
para a igreja de hoje.
O texto impressiona ao mostrar o sacerdote diante do Anjo do Senhor sofrendo oposição de Satanás. O que ocorre por detrás da história? Enquanto lutamos no dia-a-dia, qual
é a nossa posição e situação diante de Deus? A profecia responde: Estamos diante de Deus
sofrendo oposição de Satanás. Isso não é novidade na Bíblia. Trata-se de uma atualização da
experiência de Jó (Jó 1.6-12; 2.1-7) e antecipação do quadro mostrado em Apocalipse 12.10.
Precisamos nos lembrar disso: O serviço na casa de Deus precisa ser completado e estamos
sob ataque. Somos alvo de conspiração — ou, nas palavras de Paulo, “maquinações” ou
“ciladas do diabo” (Ef 6.11). Diariamente.
O primeiro ato de Deus nesta cena é repreender a Satanás (v. 2). O Altíssimo defende
os que lhe pertencem. Ele faz isso por causa de seu amor livre e soberano demonstrado no
decreto da eleição. Deus mesmo afirma que “escolheu a Jerusalém” (v. 2; cf. Zc 1.17; 2.12). O
vocábulo hebraico bahar, usado com frequência pelos escritores pós-exílicos, indica que,
a despeito da disciplina divina, os crentes podem estar certos de que Deus não os abandona.
Este povo aparentemente em frangalhos e desvalorizado diante dos homens é eleito de
Deus. Outra ideia recorrente é a de remanescente. Josué é um remanescente, um “tição
tirado do fogo” (v. 2). Deus não permite que seu povo seja destruído; ele sempre preserva
alguns. Em suma, a visão confirma que, assegurados pela eleição, somos defendidos pelo
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Discipulado integral |
todo-poderoso.
Tudo isso ocorre somente pela graça. Qual é a ação de Josué aqui? Qual é a responsabilidade da igreja aqui? Com o que nós contribuímos aqui? Qual é a lição sobre “batalha
espiritual” que temos aqui? Josué não precisou repreender, amarrar ou declarar nada. É bem
possível que ele sequer soubesse do que ocorria nos bastidores. Deus venceu o opositor soberanamente. O que cabe a nós é orar diariamente por proteção. Daí a súplica ensinada por
nosso Redentor: “E não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal” (Mt 6.13). Intercedamos uns pelos outros para que o Deus vivo nos defenda e cubra com assistência graciosa.
A1.2Precisamos
ser purificados
Há uma relação entre a oposição de Satanás e o pecado de Josué. Isso é indicado pela
menção das “vestes sujas” (v. 3) e “iniquidade” (v. 4, 9). O termo ‘āwôn (na Bíblia Hebraica),
traduzido por “iniquidade”, quer dizer “toda a disposição pecaminosa que produz culpa”.
Não apenas a ação, mas a motivação má que precede os atos. Jesus falou sobre isso em
Mateus 5.27-28.
O pecado compromete o sacerdócio e, por conseguinte, o discipulado. O ofício sacerdotal deve ser realizado em santidade (Êx 28.36-38). O pecado ofende a Deus e exige
a morte do ofensor. Por essa razão eram oferecidos os sacrifícios do AT (Lv 1.1—7.21). A
própria cerimônia de consagração do sacerdote destacava a importância da pureza não
apenas ritual, mas espiritual (Lv 8.1-36). O sacerdócio exige purificação.
Josué é mostrado diante de Deus com vestes sujas (v. 3). Um fato estranho, mas, infelizmente, frequente. Trata-se de uma experiência dos eleitos: O desconforto, o senso de
indignidade e a súplica por arrependimento. Ainda assim, diante de Deus. Se somos crentes, reconhecemos que todos os dias fazemos isso. Acordamos dizendo para nós mesmos:
“Hoje é o dia da consagração; hoje vencerei o pecado; hoje, direi ao mundo que sou crente”. Quando a noite chega suplicamos por perdão, certos de nossa indignidade. Nós nos
dobramos diante de Deus, pois esperamos no evangelho (Sl 103.1-5; Rm 8.35-39).
Todos os assegurados pela eleição são purificados por Deus. O Anjo do Senhor ordenou “aos que estavam diante dele” (v. 4), ou seja, provavelmente a outros anjos, que retirassem as vestes sujas e as substituíssem por limpas (v. 4-5 — “o vestiram com trajes próprios”).
O que é “próprio” — adequado ou pertinente — aos crentes? Vestes limpas; pureza (Mt 5.8).
Esta parte da visão nos remete a Isaías 6.6-7 e prepara o terreno para a belíssima parábola
do Pai perdoador que veste o filho indigno com “a melhor roupa” e celebra sua salvação (Lc
15.21-24). Mais: Temos aqui uma antecipação das “bodas do Cordeiro”, quando a igreja vestirá “linho finíssimo”, providenciado pelo amoroso Redentor (Ap 19.6-9).
A purificação ocorre somente pela graça. Josué não participou de nenhuma “campanha”,
muito menos queimou papéis com anotações de seus pecados em uma “fogueira santa” ou
fez boas obras a fim de tornar-se “credor” do perdão divino. Ele recebeu favor imerecido.
Deus é quem purifica. Se Josué e o povo por ele representado possuíam alguma coisa, eram
“vestes sujas”. A constatação disso deve nos motivar a repetir a súplica: “E perdoa-nos as
nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mt 6.12). A saúde de
nossas almas exige o reconhecimento diário de que precisamos ser purificados. Intercedamos uns
pelos outros para que o Deus vivo nos acolha e purifique por graça.
A1.3Precisamos
ser santificados
Além de defendidos e purificados, temos de ser santificados. A maneira como o Anjo do
Senhor dirigiu-se a Josué chama nossa atenção (v. 6). Ele “protestou”, ou seja, mandou e
advertiu solenemente (este é o sentido da palavra utilizada na Bíblia Hebraica). O que vem
a seguir não é mera sugestão ou objeto de negociação; Josué recebeu uma palavra absoluta
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| Apêndice 1: Discipulado exige purificação
(uma ordem inquestionável). As promessas dos v. 7-10 são dadas no contexto desta solene
exortação: o sumo sacerdote tinha de “andar nos caminhos” e “observar os preceitos”, ou
seja, a eleição garante tanto o perdão quanto a santificação (Ef 1.4).
“Andar nos caminhos” equivale a, positivamente, “sujeitar-se ao caráter e intenções de
Deus”, seguir a trilha estabelecida pelo Altíssimo. Negativamente, a instrução implica em
“rejeitar qualquer coisa que coloque em perigo esta sujeição”. Se notamos que determinada prática, hábito ou comportamento faz com que nos desviemos da orientação divina,
temos de rejeitar isso.
Observar os mǐsmereṯ, “preceitos”, tem o sentido de “observar os rituais sacerdotais”,
ou seja, o culto prescrito. Josué precisava adorar a Deus corretamente. Tal advertência pode
soar estranha a alguns que separam a santificação do aspecto formal do culto. Ainda que
seja errado cultuar a Deus apenas cerimonialmente (Is 1.10-17), também o é fazê-lo desconsiderando as sagradas prescrições (2Cr 35.6). A liturgia tem sido abordada como um
método para atrair pessoas, adaptável de modo a tornar-se agradável ao homem. Sem isso,
dizem, a igreja deixa de ser viva, relevante e missional. Nesta profecia de Zacarias, porém,
Deus afirma que os “preceitos” — os regulamentos bíblicos do culto — devem ser observados e isso tem relação com santificação. Nosso Senhor não pode ser adorado segundo os
enganos do coração ou invenções de Satanás.
As ordens divinas são acompanhadas de promessas: Autoridade no templo e acesso
à sublime presença de Deus (v. 7). Josué poderia “julgar” e “guardar” os átrios da casa de
Deus. Ele administraria as coisas do santuário que seria reconstruído (continuaria sendo um líder discipulador). Ademais ele desfrutaria de uma comunhão rica com Deus em
meio aos anjos.
Como isso seria possível? Graças à obra do Messias, o “servo, o Renovo” (v. 8). Apesar
de não existir consenso sobre o significado da parte inicial do v. 9, que fala sobre a “pedra
única” sobre a qual “estão sete olhos”, a parte final do versículo — “tirarei a iniquidade
desta terra, num só dia” — aponta para a obra de Cristo consumada na cruz. Isso garante
tanto o que foi dito no v. 7 quanto a promessa do v. 10: Paz, aprazimento e bênção completa. Aquilo que Deus realiza na vida de Josué, nesta visão, remete a “toda sorte de bênção
espiritual nas regiões celestiais” providenciadas pelo Redentor (Ef 1.3).
A santificação ocorre somente pela graça. Ainda que reconheçamos que Josué foi exortado a santificar-se, precisa ser dito que ele não poderia oferecer a Deus algo que ele possuísse
em si mesmo e sim aquilo que recebera do próprio Deus. Os crentes podem agradar a Deus somente porque desfrutam da obra do “Renovo”. A graça produz uma resposta, ou melhor,
um “fruto” (Gl 5.22-26). Por isso oramos: “Santificado seja o teu nome; venha o teu reino;
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6.9-10). Nossa saúde espiritual
exige o reconhecimento de que precisamos ser santificados e que a única e suficiente fonte
desta santificação é Cristo (1Co 1.30-31). Intercedamos uns pelos outros para que Deus nos
santifique (1Ts 5.23).
A1CN otas
finais do apêndice
1
Deus fala, governa e restaura. E esta restauração implica em sermos defendidos, purificados e santificados.
Isso precisa ser afirmado nestes tempos em que se ouve falar muito de restauração das
finanças ou de outra área qualquer da vida, e muito pouco do evangelho verdadeiro. Em
sua providência, Deus usa problemas para que sejamos despertados (certamente há quem
testemunhe de como veio a Cristo por causa de uma dificuldade). Não percamos de vista,
porém, que, mais que solução de nossos problemas imediatos, o evangelho bíblico propõe
a restauração de nossa comunhão com Deus por meio da pessoa e obra de Cristo. Antes
de retomar a obra de reconstrução do templo, os crentes do 6º século a.C. precisavam ex| 65 |
Discipulado integral |
perimentar isso. O mesmo se aplica aos que desejam assumir o discipulado integral, hoje.
Vejamos ainda que a restauração é iniciada no sacerdócio. Isso aponta para a igreja
como um todo. O que fazemos para Deus deve ser santificado. Quando se esquece disso, a
igreja morre. Por causa do pecado, trabalhos que foram pujantes no passado hoje estão de
portas fechadas. O autor destes estudos crê que o maior obstáculo ao discipulado integral
não é estratégico, nem cultural, mas moral e espiritual. Crentes enredados pelo pecado e
sem vida de oração; discurso doutrinariamente exato, mas destituído de unção. Daí nossa
necessidade de olhar firmemente para Cristo.
Ruge forte, contundente, a guerra do pecado,
Mas os seus clangores vis não podem me afligir.
Sei em quem confio, pois na Rocha estou firmado,
E celestes bênçãos irei fruir.
Coro: Olhando para Cristo, grande autor da salvação,
Prossigo, pois avisto soberano galardão.
De Deus ministro, me revisto do poder do meu Senhor
Para servi-lo com todo ardor.
Vejo ao longe campos vastos, prontos pra colheita:
Multidões, sem luz, sem Deus, aguardam salvação!
Vem, ó Deus, desperta o amor da geração eleita,
Para os teus obreiros concede unção.
Coro.
Desprezando deste mundo as sendas ardilosas,
Volto o meu olhar pra a cruz de quem me resgatou;
Dele tenho na alma, então, as bênçãos mui gloriosas,
E, feliz, com Cristo, cantando vou!
Coro.313
Dito de outro modo, o cristianismo definha quando o ministério não é santo. Judá sabia disso; a nação amargara sete décadas de desterro por causa do pecado. Nesta profecia
de Zacarias Deus convoca seu povo para um novo começo. Sendo assim, reafirmemos que
Deus providencia tudo de que necessitamos para o discipulado — ele nos defende, purifica e santifica. Olhemos para Cristo e experimentemos do evangelho. Consagremo-nos, a
partir de então, ao agrado e serviço de nosso Redentor.
313 Hino 579, “Olhando Para Cristo”, do Cantor Cristão.
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Apêndice 2: A igreja discipuladora
A igreja nada mais deve almejar do que expressar Cristo no mundo. Dietrich Bonhoeffer
expressa isso do seguinte modo:
O mundo sempre precisou da igreja, esta, porém, preocupou-se mais consigo mesma do que
com as necessidades do mundo, ao qual deve servir. O incrédulo sente um desejo ardente
de ser crente também, mas o fanatismo, o orgulho e a falta de alegria observada nos crentes
impeliram-no para outros rumos, aos quais se habituou muito bem.314
Este apêndice baseia-se na premissa de que o discipulado acontece não apenas entre
um crente discipulador e um não-crente ou um novo crente interessados no evangelho.
Discipulado permeia todas as relações entre os membros de uma igreja.
Deus dispensa graça nos relacionamentos. A disciplina, base do discipulado, capacita
para a obediência ao Senhor e compreende toda admoestação, exortação (estímulo) e ação
corretiva em amor. Ela é administrada num contexto de amizade sincera, antes de ser levada à liderança da igreja (Mt 18.15-20). Trata-se da manutenção cotidiana da saúde de um
organismo e não apenas uma penalização dos que infringem regras.
Isso é cuidado mútuo. Os cristãos são responsáveis uns pelos outros. Portanto, devem
amar-se, acolher-se, perdoar-se e cuidar uns dos outros (Mt 28.20; Jo 15.7, 14; Rm 15.7; Gl
5.15, 22-23, 6.1-2; Ef 4.25 a 5-2; Fp 2.1-8; Cl 3.12-17; Hb 10.23-25, 12.4-13). No NT (ARA), a expressão “uns aos outros” ocorre 53 vezes. A intenção do Senhor é formar uma comunidade
de ministração mútua. Igreja é um corpo que se relaciona (Jo 17.21-23).
Como deve ser promovido uma igreja deve ser promovido este acompanhamento e
cuidado mútuo? Eis uma proposta singela.
A2.1Quatro
aspectos do desenvolvimento da igreja
Iniciamos esta seção relembrando as palavras apostólicas:
Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta
é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que
rega são um; e cada um receberá o galardão, segundo o seu trabalho. Porque de Deus somos
cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós (1Co 3.6-9).
Estas afirmações nos ajudam a perceber quatro aspectos fundamentais do desenvolvimento da igreja: O trabalho dos homens, o trabalho de Deus, a relação entre os que
trabalham e a recompensa do trabalho.
Dois outros pontos importantes — o trabalho dos oficiais e o trabalho de todos os
crentes — são destacados na carta aos Efésios:
E ele mesmo estabeleceu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas
e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo [...]. Mas, seguindo a verdade em
amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua
o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor (Ef 4.11-12,15-16).
A2.1.1 O trabalho de Deus
O Senhor é quem faz prosperar o esforço humano. Dele vem o “crescimento” (1Co 3.6-7). A
obra é sempre obra de Deus. Ele é o dono, a origem, o sustento e o garantidor do sucesso
do trabalho. O crescimento da igreja decorre de seu decreto. Isso significa que, ao finalizar
314 BONHOEFFER, 1980, p. 2-3.
| 67 |
Discipulado integral |
um ano eclesiástico é bíblico afirmar, independentemente dos resultados obtidos, que
realizou-se a vontade de Deus.315
A consciência desta fato deve nos mover a mais oração. O desenvolvimento da igreja
exige dependência diária, uma caminhada de joelhos dobrados (Hc 3.2).
A.2.1.2O trabalho dos homens de modo geral
Ao pensar no estabelecimento e consolidação da igreja em Corinto, Paulo refere-se ao
plantio e rega efetuados por ele e Apolo (1Co 3.6). Ele chama a atenção para o fato de ambos não terem de que se orgulhar: “nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega” (1Co
3.7). No entanto, registre-se, pessoas de carne e osso plantaram e regaram. Ainda que não
lhes caibam a glórias pelos resultados, cabe-lhes a responsabilidade de plantar e regar. Os
processos do reino exigem trabalho humano.
A.2.1.2.1
O trabalho dos líderes
O trecho da carta aos Efésios trata dos ofícios ou líderes, dados por Deus à igreja a fim
de governá-la pela Palavra de Deus.316 Sendo assim, a liderança é estabelecida por Cristo
para ajudar os crentes a funcionarem como devem (Ef 4.12). Considerando que o versículo
16 é a culminação deste argumento, é plausível afirmar que o “aumento” aqui descrito
exige o bom desempenho da liderança. Em outras palavras, o desenvolvimento da igreja
depende do trabalho de seus lideres.
A.2.1.2.2
O trabalho de todos os crentes
A estratégia divina para a edificação da igreja é simples: Todos trabalhando (Ef 4.16).
Biblicamente, o pastor não é o único responsável pela edificação. Todos os crentes são apontados como fundamentais na expansão do reino.
A.2.1.3A relação entre os trabalhadores
Os que trabalham na obra “são um”, ou seja, estão ligados entre si pela redenção, possuem
um mesmo Pai e são, portanto, irmãos (1Co 3.8, cf. Mt 23.8-12). As implicações óbvias do
argumento são as seguintes:
Primeiro, não há espaço para competição entre os servos de Deus (uma percepção equivocada dos crentes de Corinto, cf. 1Co 3.4-5; 3.1-5). Os trabalhadores da seara ajudam-se
mutuamente a fim de otimizar os resultados para glória do Altíssimo.
Segundo, o serviço divino é realizado “seguindo a verdade em amor” (cf. Ef 4.15). Há
clareza no trato das coisas celestiais abrindo-se espaço para a admoestação mútua, mas isso
em uma atmosfera de amor incondicional, bom gerenciamento e generosidade no uso dos
bens e dependência do Pai Celestial. A prática disso é exemplificada em Atos. Igrejas fortes
auxiliam igrejas fracas (At 11.27-30).
A.2.1.4A recompensa do trabalho
O grande avaliador e recompensador é Deus (v. 8; cf. 10-17). Nós julgamos superficialmente; Cristo é quem verdadeiramente “conhece”, regula e premia cada igreja (Ap 2.1-3.22).
Caminhamos motivados pela “imarcescível coroa da glória” (1Pe 5.4).
A2.2Um
modelo bíblico de acompanhamento
Dito isto, apresenta-se um modelo bíblico de mútuo acompanhamento (figura FA1).
315 CFW, V.I-VII. In: BEG2, p. 1789.
316 CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, IV.III.4 (p. 67-68). v.
4.
| 68 |
| Apêndice 2: A igreja discipuladora
A2.2.1 Considerações iniciais
Deve ser observado, de modo geral, o plantio e a rega do evangelho (a pergunta central
é: “Como estamos praticando o discipulado integral?”. Em seguida é preciso verificar as
atuações dos líderes (pastores ordenados, líderes oficiais, de departamentos ou ministérios e informais) e dos membros da igreja. Por fim, são considerados os contextos cultural,
geográfico, social e econômico nos quais está inserida a igreja. Tudo isso deve ser assim
pelas seguintes razões.
A partir dos textos apresentados alhures, a igreja como um todo deve funcionar biblicamente, a fim de efetuar “o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor”
(Ef 4.16). No que cabe ao homem, depois da oração — contínua dependência do Deus que
produz crescimento — o principal foco deve ser o do plantio e rega: “A igreja tem consciência de sua missão?”; “a igreja tem se movimentado em iniciativas e atividades relacionadas
ao plantio e rega do evangelho?”
Pastores
ordenados
Membros
Plantar e
Regar
Líderes
Informais
Líderes
Departamentos
Líderes
Oficiais
A localidade
Figura FA1. Modelo bíblico de acompanhamento
As diversas partes do corpo trabalham responsável, harmônica e consistentemente? Uma
igreja pode apresentar resultados fracos tendo um pastor que faz a sua parte e líderes oficiais e de departamentos ou ministérios desleixados ou que operam a partir de modelos
não-bíblicos de liderança; uma igreja pode ter uma parte de sua liderança funcionando
muito bem, enquanto outra é disfuncional. Ou quem sabe, lideranças de determinadas
áreas não acolhem a liderança pastoral ou travam importantes processos de convergência
de atividades em torno da missão. Mais: membros podem achar que “pagam” um ministro
ou mesmo elegem oficiais para trabalhar por eles.
Por fim, boas igrejas podem caminhar com dificuldades em decorrência do contexto
local. Simplesmente comparar uma igreja com outras na mesma cidade é pueril e contraproducente. Singularidades locais estabelecem demandas que nem sempre podem ser
supridas no curto prazo. Uma igreja em um bairro pobre, cuja população apresenta baixa
renda per capita, exige mais membros a fim de manter seus custos fixos e operacionais.
A liderança de uma igreja com vistas ao discipulado integral exige, portanto, uma
leitura abrangente e multifacetada. Não podemos lidar com a questão levantando dados
apenas do pastor ordenado. O ideal é que os líderes oficiais, de departamentos ou informais, assim como os membros em geral discipulem o pastor; que o pastor, os líderes de
departamentos e informais e os membros, discipulem os líderes oficiais; que o pastor, os
líderes oficiais e informais e os membros, discipulem os líderes de departamentos ou de ministérios; que o pastor, os líderes oficiais e de departamentos e os membros, discipulem os
líderes informais; e que, finalmente, os líderes trabalhem em função do discipulado de todos os
membros da igreja (figura FA2).
| 69 |
Discipulado integral |
Líderes oficiais,
de departamentos,
informais e demais
membros
Pastores
ordenados
Pastores, líderes
de departamentos,
informais e demais
membros
Líderes
oficiais
Pastores, líderes
oficiais e informais,
demais membros
Líderes
deptos.
Pastores, líderes
oficiais e de
departamentos e
demais membros
Líderes
informais
Todos os líderes
Membros
Figura FA2. Discipulado integral e mutualidade na igreja
Esta interação deve ser amorosa, como aplicação do evangelho. Nela abrem-se ricas
oportunidades de praticar “todas as coisas” que Jesus “ordenou” (Mt 28.20). Em todo o
tempo, a igreja que deseja viver o discipulado integral lidará com perigos sutis, e.g., um
pastor pode ser antipatizado pelos líderes oficiais e membros da igreja, exatamente porque está corrigindo abusos e forçando-os em uma direção mais fiel aos ensinos de Jesus.
Líderes informais podem ressentir-se dos líderes oficiais, e assim por diante. Uma leitura
final, com sugestão ou mesmo determinação de providências pertinentes à prática do discipulado, cabe sempre ao núcleo pastoral da igreja.
A2.2.Passos
práticos
Tal prática tem uma faceta aparentemente tecnocrática: Formulários para coleta de dados. Um exemplo é fornecido a seguir. Dependendo do tamanho da igreja, seu preenchimento deve levar um tempo considerável. Trata-se, porém, de mera sugestão que pode ser
adaptada ou mesmo desconsiderada. O leitor pode produzir um material que passe pelo
crivo das normas bíblicas de modo a possibilitar uma leitura mais cuidadosa e, portanto,
fidedigna, da prática do discipulado em sua igreja. O importante é que a totalidade da
igreja interaja a fim de edificar-se mutuamente (1Ts 5.11).
Formulário para averiguação do discipulado integral na igreja
Na tabela abaixo, qualifique as afirmações utilizando a seguinte escala:
1 – Muito fraco.
2 – Fraco.
3 – Razoável.
4 – Bom.
5 – Excelente.
Ao final do item, some os pontos e escreva o resultado correspondente na coluna de
total. Cuide para preencher os campos de acordo com as cores a seguir:
Legenda de cores — atribuições de preenchimentos:
Atividades gerais da igreja
Pastores ordenados
Líderes oficiais
| 70 |
| Apêndice 2: A igreja discipuladora
Líderes de departamentos
Líderes informais
Membros
Fraco
Razoável
Bom
Excelente
Contribuições das atividades gerais da igreja para o
discipulado integral
Muito Fraco
1. Discipulado integral nas atividades gerais
1
2
3
4
5
1. Culto dominical
2. Escola dominical
3. Reuniões de oração
T1. Total discipulado integral nas atividades gerais
Total máximo de pontos: 15
Fraco
Razoável
Bom
Excelente
Contribuições do pastor para o discipulado integral
Muito Fraco
2. Discipulado integral do pastor ordenado
1
2
3
4
5
1. Item de verificação relativo ao pastor
2. Item de verificação relativo ao pastor
3. Item de verificação relativo ao pastor
T2. Total discipulado integral do pastor ordenado
Total máximo de pontos: 15
Razoável
Bom
Excelente
1. Item de verificação relativo aos líderes oficiais
Fraco
Contribuições dos líderes oficiais para o discipulado
integral
Muito Fraco
3. Discipulado integral dos líderes oficiais
1
2
3
4
5
2. Item de verificação relativo aos líderes oficiais
3. Item de verificação relativo aos líderes oficiais
T3. Total discipulado integral dos líderes oficiais
Total máximo de pontos: 15
Fraco
Razoável
Bom
Excelente
Contribuições dos líderes de departamentos para o
discipulado integral
Muito Fraco
4. Discipulado integral dos líderes de departamentos
1
2
3
4
5
1. Item de verificação relativo aos líderes de adolescentes
2. Item de verificação relativo aos líderes de jovens
3. Item de verificação relativo aos líderes de mulheres
T4. Total discipulado integral dos líderes de departamentos
Total máximo de pontos: 15
| 71 |
Excelente
Bom
Razoável
Fraco
Contribuições dos líderes informais para o discipulado integral
Muito Fraco
5. Discipulado integral dos líderes informais
Discipulado integral |
1
2
3
4
5
1. Item de verificação relativo aos líderes informais
2. Item de verificação relativo aos líderes informais
3. Item de verificação relativo aos líderes informais
T5. Total discipulado integral dos líderes informais
Total máximo de pontos: 15
Fraco
Razoável
Bom
Excelente
Contribuições dos membros para o discipulado
integral
Muito Fraco
6. Discipulado integral dos membros
1
2
3
4
5
1. Item de verificação relativo aos membros
2. Item de verificação relativo aos membros
3. Item de verificação relativo aos membros
T6. Total discipulado integral dos membros
Total máximo de pontos: 15
Pontuação máxima do formulário: 6 x 15 = 90 pontos. Até 18 pontos (muito fraco). Até 36 pontos
(fraco). Até 54 (razoável). Até 72 (bom). Até 90 (Excelente).
Pontuação geral da igreja SOMA (T1 até T6)
Total geral de pontos: 90
Tabela TA1. Uma possibilidade de formulário para coleta de dados de discipulado.
O formulário pode ser editado conforme a estrutura da igreja. O número de itens de
verificação pode ser aumentado ou diminuído, conforme os requerimentos estabelecidos
pela liderança. O total máximo de pontos de cada seção equivale à multiplicação por cinco da quantidade de itens verificados. O total geral de pontos equivale à multiplicação do
total de pontos de cada seção pela quantidade de seções.
A2CN otas
finais do apêndice
2
Toda esta verificação é realizada com a consciência de que Deus é provedor de vida e
prosperidade para a igreja. Os servos de Deus realizam e “medem o pulso” do discipulado
integral ao mesmo tempo em que oram como Calvino:
Deve-se almejar que aconteça cada dia que de todos os rincões do mundo Deus junte a si
suas igrejas, as propague e as faça aumentar em número, as sature de suas dádivas, estabeleça
nelas ordem legítima; em contraposição, que prostre a todos os inimigos da sã doutrina e
religião, lhes dissipe os conselhos, lance abaixo todos os seus planos.317
Que assim seja, para glória do Altíssimo!
317 CALVINO, Institutas, III.XX.42 (p. 369).
| 72 |
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