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TESTEMUNHOS DA HOSPITALIDADE Milagros Setuain Rubio Irmã Hospitaleira. Viceprovincia de Argentina Nasci no dia 3 de fevereiro de 1943, num dia muito frio de Inverno e com neve, em Zadaleri, uma povoação muito pequena de Navarra (Espanha). Fui a primeira de três irmãs e, nesse mesmo dia, fui batizada. Desenvolvimento da sua infância e juventude Pouco tempo depois do meu nascimento, a minha família mudou-se para Torres, uma pequena aldeia agrícola, pouco distante de Zadaleri. Ali cresci num ambiente muito singelo; eram tempos em que se sentia a pobreza como consequência da guerra civil, que poucos anos antes Espanha tinha vivido. Aos cinco anos comecei a ir à escola e dizem que era uma aluna muito aplicada, com boas notas. Dois anos mais tarde, fiz a primeira comunhão e conheci Jesus e, embora parecesse distante, Ele estava comigo, era meu confidente para o bem e também das minhas traquinices, desejos, sonhos… enfim, de tudo o que havia dentro de mim. Desde muito pequena quis ser religiosa, o meu sonho era ser mestra e poder realizar missões. Conheci muitas religiosas, mas não gostava de nenhuma, até que encontrei as Irmãs Hospitaleiras. Como, quando e onde conheceu as Irmãs Hospitaleiras? Uma das minhas primas estudava no Colégio Apostólico das Irmãs hospitaleiras em Pamplona, e por meio dela consegui contatar com a encarregada, Irmã Juana Pardo, para que me admitisse e no dia 7 de setembro de 1956, com 13 anos de idade, comecei a estudar ali como interna. O que representou esse primeiro encontro? No colégio, com o acompanhamento sempre atento das irmãs e dos sacerdotes, fui crescendo, à medida que passavam os anos, em maturidade pessoal, fé, formação humana e sobretudo no meu despertar vocacional. Quando tinha possibilidade, dava assistência às doentes que estavam internadas na Clínica, todas mulheres com doença mental; custava-me muito vê-las sofrer, tristes, sem poder fazer nada, só queriam estar 1 deitadas; mas quando ficavam bem eram outras pessoas, animavam-se, iam à cidade, deslocavam-se de forma independente, e foi nesse momento que pensei: “se não fosse a clínica e as irmãs essas mulheres não estariam assim”. Chamou-me a atenção a frase “… o que fazeis a uma destas crianças, a mim o fazeis…”, não entendia como Jesus podia encarnar nestes “seres” que não pareciam pessoas. O meu crescimento foi forte na fé, ao descobrir que o Ressuscitado não tem corpo; Obrigado Senhor por este encontro contigo! Obrigado por me teres chamado! Desde quando faz parte da Congregação? O que a motivou a seguir a vocação hospitaleira? Em 24 de outubro de 1960 iniciei a preparação em Ciempozuelos, e em 24 de abril recebi o hábito e a mudança de nome, chamando-me “Milagros del Sagrado Corazón de Jesús”. Os 6 meses de preparação foram passados no pavilhão São Rafael, onde estavam as doentes que chamávamos “agitadas”. Eram muitas e bastante difíceis, sobretudo alguma delas nos momentos de crise; só as irmãs frequentavam o pavilhão. Não havia nada com que me deparasse que não me atrevesse a enfrentar, aprendi muito nesses meses. Entre os anos 61 e 62 fiz o noviciado, o primeiro dedicado mais à formação espiritual, muitas leituras, constituições, cartas do fundador, conversas com a mestra (Juana del Niño Jesús). O contato com as doentes, foi no pavilhão de Santo António. Durante este ano dava de comer à mesma pessoa, Naty, uma mulher jovem, que estava prostrada e tinha que lhe dar de comer à boca; com ela aprendi o que é a paciência e questionavame sobre esse Jesus silencioso na cama. Foi um ano feliz, sem preocupações, podia entrar no meu interior e descobri a beleza do chamado à Hospitalidade, não apenas servir, mas algo mais profundo, descobrir Jesus que usa as minhas mãos, todo o meu ser, para ajudar o outro que também é Jesus vestido de doente. Graças aos doentes, crianças e adultos, consegui atender e encontrar Jesus de muitas formas! O segundo ano de noviciado passei-o a fazer turnos de noite no Pavilhão São Rafael, que alegria ver as doentes a dormir, a descansar, e se alguma não o conseguia fazer, sentava-se na sua cama até que conciliasse o sono. Posteriormente, estive três meses em preparação e recolhimento absoluto, e em 24 de abril de 1963, ofereci ao Senhor os meus primeiros votos (é impossível exprimir o que senti), nunca o esquecerei. Embora a entrega fosse por um ano, dentro de mim era para sempre; Obrigado Senhor pela tua Fidelidade em mim! Como foi a sua vida como Irmã Hospitaleira até agora? Que cargos desempenhou? E onde? Os anos seguintes de votos temporários foram passados na comunidade de Valência, realizando os estudos de magistério, daí voltei a Ciempozuelos, para iniciar a preparação dos votos perpétuos, que realizei em 15 de outubro de 1967. Ciempozuelos tem algo cativante para mim, onde estão os sepulcros dos fundadores, ali sinto a presença de algo vivo, que fala comigo, enquanto os fundadores passeavam 2 por toda a casa, mostrando como é a vida hospitaleira. Para as gerações que não conhecemos pessoalmente, nunca me cansarei de dar graças, por ter recebido da fonte, esta vida hospitaleira. Depois dos votos perpétuos, o meu caminho foi evangelizar a partir da mesma vida hospitaleira: Em Espanha passei por vários centros: Os Colégios Apostólicos de Arévalo (Ávila) e Pamplona, onde trabalhei como professora e diretora. Nos centros de acolhimento de crianças com deficiência mental de Betanzos (Galiza) e Meres (Astúrias), realizando os mesmos serviços. Depois vim para a América, cumprindo o meu terceiro sonho: "missões": Cochabamba (Bolívia), escola com crianças surdo-mudas; Hogar Margarita (Uruguai) com meninas com deficiência; Limache (Chile) La Paz de la Tarde, lar de idosos, Viña del Mar (Chile) com os Irmãos de São J. de Deus; Buenos Aires, Ituzaingó, Santiago do Chile, na Fundação Rostos Novos e REDE de Saúde Mental “San Benito Menni”, onde estou atualmente. A experiência de estar próxima dos doentes e necessitados e de realizar outros serviços como animadora de comunidade, administradora, conselheira, etc., foi tecendo a minha vida hospitaleira. O que destacaria dos seus anos de vida consagrada? Momentos mais felizes e momentos mais complicados Na minha vida consagrada realizei-me como pessoa, como profissional; como consagrada. Foram-se cumprindo os meus ideais e fui crescendo em plenitude, em abertura, em entrega; também no conhecimento e integração noutras culturas, ao conviver com elas. Isto não quer dizer que a vida seja fácil, as responsabilidades custam, ser coerente com a vida não é nada fácil, uma pessoa não se pode evadir e passar como se não existisse, sem ter em conta o outro, as suas necessidades, as suas palavras, as suas exigências, etc., isto é o que para mim continua a custar. Hoje a lealdade está muito desvalorizada; onde encontrou, e encontra, a força para perseverar na sua vocação? Sempre encontrei apoios ao longo da minha vida; gosto muito de ler e isso ajudou-me, encontro-me com pessoas que gostam de mim e nas quais posso confiar, sei que me aconselham bem. A vida em comunidade é uma ferramenta forte na minha vida, o encontro com Jesus na minha pessoa, no outro, na liturgia, na oração, no desvelo da preocupação, foram momentos fortes para mim. O que diria às jovens que sentem o desejo de entregar a sua vida a Deus como Irmã Hospitaleira? E às pessoas que, de uma ou de outra forma, estão vinculadas à Obra Hospitaleira (colaboradores, voluntários, amigos…)? As mudanças que atualmente acontecem no mundo são muito rápidas e, à medida que os anos passam, dou-me conta de que é mais difícil adaptar-me a elas, mas apesar de 3 tudo vejo que a vida hospitaleira também cresce e se adapta ao momento e isto, em parte, deve-se às pessoas que com as Irmãs levam a obra em frente. Sinto um enorme carinho pelos colaboradores, estudantes, voluntários, benfeitores, também eles receberam esta chamada para servir. Fraternalmente diria-lhes que o doente seja sempre o centro do seu trabalho, que acima de tudo está a pessoa carenciada, sobretudo do carinho de mãe e pai que lhes falta; que descubram nesse doente o Jesus sofredor, e que façam tudo por Ele. Isto é uma verdadeira vocação, não é apenas um trabalho. Continuar a manter essa relação fraternal, própria da Hospitalidade, que todos esses valores que descobriram os façam crescer e levá-los para a suas famílias, amizades, lugares a onde forem, que sejam verdadeiros mensageiros de Deus Misericordioso. Jovens que sentis a chamada de Deus a uma consagração definitiva, sede valentes, arrojados, com grandes ideais, entregai-vos com alma e vida a esse desconhecido e não vos arrependereis. Um desejo para o futuro Gostaria muito de ter muitas obras, acolher muitos doentes, que todos os que deambulam pelas ruas tivessem um lugar para viver, que se pudessem reabilitar e voltar à sua vida normal! Queria também que os jovens descobrissem esta vocação e se entregassem sem condições ao Senhor. Gostaria de ver uma família hospitaleira muito numerosa: Religiosas, laicos e talvez, a determinada altura, comunidades mistas. 4