V.5, N .1, FEV.2012 - ISSN 1984-3577

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V.5, N .1, FEV.2012 - ISSN 1984-3577
V.5, N.1, FEV.2012 - ISSN 1984-3577
ISSN 1984-3577
São Paulo, v. 5, n. 1, fev. 2012
 2012 Intertox
Periódico científico de acesso aberto, quadrimestral e arbitrado
meses: (2) fevereiro, (6) junho e (10) outubro.
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Revista
Intertox
de
Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade. / InterTox uma empresa do
conhecimento. – v. 5, n. 1, (fev. 2012).- São Paulo: Intertox. 2012.
Quadrimestral
ISSN: 1984-3577
1. Ciências Toxicológicas. 2. Risco Químico. 3. Sustentabilidade
Socioambiental. I. InterTox uma empresa do conhecimento.
Biblioteca InterTox II. Título.
1. Ciências Toxicológicas. 2. Risco Químico. 3. Sustentabilidade
Socioambiental. I. InterTox uma empresa do conhecimento.
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RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 07-169, fev. 2012
Expediente
Editor(a)
Maurea Nicoletti Flynn
Doutora em Oceanografia (USP)
Com Especialização Ecologia
Comitê Científico (2011-2013)
Irene Videira Lima
Doutora em Toxicologia (USP), Perita Criminal
Toxicologista do IML-SP por 22 anos.
Marcus E. M. da Matta
Doutor em Ciência pela Faculdade de Medicina
USP. Especialista em Gestão Ambiental (USP).
Engenheiro Ambiental e Turismólogo.
Moysés Chasin
Farmacêutico-bioquímico
pela
UNESP-SP
especializado em Laboratório de Análises
Clínicas e Toxicológicas e de Saúde Pública.
Ex-Perito Criminal Toxicologista de classe
especial e Diretor no Serviço Técnico de
Toxicologia Forense do Instituto Médico Legal
da SSP/São Paulo. Diretor executivo da
InterTox desde 1999.
Ricardo Baroud
Farmacêutico-Bioquímico Toxicólogo, Editor
Científico
da
PLURAIS
Revista
Multidisciplinar da UNEB e da TECBAHIA
Revista Baiana de Tecnologia.
Conselho Editorial Científico (2011-2013)
Alice A. da Matta Chasin
Doutora em Toxicologia (USP)
Eduardo Athayde
Coordenador no Brasil do WWI - World Watch
Institute
Eustáquio Linhares Borges
Mestre em Toxicologia (USP), ex-Presidente da
Sociedade Brasileira de Toxicologia, exProfessor Adjunto de Toxicologia da UFBA.
Fausto Antonio de Azevedo
Mestre em Toxicologia USP, ex-Diretor Geral
do Centro de Recursos Ambientais do CRA-BA,
ex-Presidente do CEPED-BA, ex-Subsecretário
do Planejamento, Ciência e Tecnologia do
Estado da Bahia.
Isarita Martins
Doutora e Mestre em Toxicologia e Análises
Toxicológicas
(USP),
Pós-doutorado
em
Química Analítica (UNICAMP), FarmacêuticaBioquímica Universidade Federal de Alfenas
MG.
João S. Furtado
Doutor em Ciências (USP), Pós-doutorado
(Universidade da Carolina do Norte, Chapel
Hill, NC, EUA).
José Armando-Jr
Doutor em Ciências (Biologia Vegetal) (USP),
Mestre (UNICAMP), Biólogo (USF).
Sylvio de Queiroz Mattoso
Doutor em Engenharia (USP), ex-Presidente do
CEPED-BA.
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RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 07-169, fev. 2012
Sumário
TOXICOLOGIA
Armas Químicas de Guerra – Parte II. Aspectos Toxicológicos
7
Abordagem integrada de testes em Toxicologia baseada em evidências
48
Risco Ecotoxicológicos do Metamidofós
62
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em
Salvador
77
Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico
62
ECOLOGIA DO ESTRESSE / ECOTOXICOLOGIA
Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade
incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo
103
Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da
ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande.
115
Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio JaguariMirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP.
128
Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das
Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João
da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a
comunidade fitoplanctônica
140
SOCIEDADE
O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II
154
SUSTENTABILIDADE
Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram
(cientificamente falando)
162
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RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 07-171, fev. 2012
Editorial
Atualmente, convivemos com uma crise ambiental de tal maneira evidente que
desperta o interesse de toda a sociedade. Historicamente, o agravamento da
situação ambiental iniciou-se no final do século XVIII, com a Revolução
Industrial. A melhoria das condições de vida na sociedade, então verificada
contribuiu para o crescimento populacional, gerando a necessidade de
investimento em novas técnicas de produção, voltadas ao atendimento da
demanda, cada vez maior, por bens e serviços. Tal fato resultou na intensificação
da exploração dos recursos naturais e, conseqüentemente, no aumento da
produção de resíduos poluentes.
Os sinais de crise mais evidentes aparecem em problemas como: desertificação e
perda da qualidade do solo causando a redução da produtividade de vastas áreas
de terra; mau uso e poluição das águas, oceânicas e continentais; mudança
gradual dos climas regionais como resultado das atividades urbanas e das
técnicas agrícolas; extinção de espécies da fauna e flora silvestres e alteração dos
sistemas naturais; e proliferação de organismos transmissores de doenças e
epidemias. No contexto do agravamento da crise ambiental, a Ecologia,
tradicionalmente definida como o ramo da Biologia que estuda as interações
entre os organismos e seu ambiente natural, torna-se a "ciência do estresse”.
A Revinter tem investido no debate amplo da crise ambiental, abordando temas
pertinentes à toxicologia e ecologia. Neste número (que inaugura o volume 5,
conduzindo a Revista ao importante marco de meia década de publicações)
trazemos artigos de atualização relacionados ao peso da evidência em toxicologia
e a estratégia integrada de testes, aos aspectos toxicológicos de armas químicas
de guerra, e aos riscos ecotoxicológicos do metamidofós; ensaio sobre o encontro
da Ecologia, Economia e Sociologia; e artigos originais que abordam o uso de
biocritérios na avaliação de impactos causados por danos ambientais.
Desejamos a todos uma boa leitura e convidamos a publicar e debater conosco
encaminhando contribuições para [email protected]
Maurea Nicoletti Flynn
Editora
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RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 7-169, fev. 2012
Revisão
Armas Químicas de Guerra – Parte II.
Aspectos Toxicológicos.
Camilla Gomes Colasso
Farmacêutica e bioquímica, formada pela Universidade Paulista,
Mestre em Análises Toxicológicas pela Universidade de São Paulo
(USP/FCF). Cursos de Análises Toxicológicas de fármacos/drogas
de abuso pela Universidade de São Paulo – (USP/FCF); Curso de
Avaliação Qualitativa de Riscos Químicos – International Chemical
Control Toolkit, Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo
de Segurança e Medicina do Trabalho). Conhecimentos de técnicas
analíticas como HPLV/UV; GC/NPD; CG/MS, em técnicas de
preparo de amostras toxicológicas; monitorização biológica de
exposição aos BTX. Analista de Risco Toxicológico da Intertox Ltda.
E-mail: [email protected]
Fausto Antonio de Azevedo
Farmacêutico-Bioquímico, USP; Especialista em Saúde Pública,
USP; Mestre em Análises Toxicológicas USP; ex-Coordenador de
Toxicologia da CETESB-SP; ex-Professor Titular de Toxicologia da
PUC-Campinas;
ex-Diretor
Geral
do
Centro
de
Recursos
Ambientais CRA-BA; ex-Gerente de Vigilância Sanitária da
Secretaria da Saúde-BA; ex-Presidente do CEPED-BA, exSubsecretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da
Bahia, ex-Superintendente de Planejamento Estratégico do Estado
da Bahia. Professor e co-Coordenador do curso de pós-graduação
em Ciências Toxicológicas das Faculdades Oswaldo Cruz, São
Paulo. Diretor da Intertox Ltda.
E-mail: [email protected]
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
7
Revisão
Resumo
Armas de guerra química são definidas como qualquer substância química cujas
propriedades tóxicas são utilizadas com a finalidade de matar, ferir ou
incapacitar algum inimigo na guerra ou em operações militares. Diversos países
possuem arsenal de agentes químicos, a despeito do esforço do mundo na
tentativa de bani-los, sob a Convenção de Armas Químicas que entrou em vigor
no ano de 1997. No entanto, a fabricação desses agentes não pode ser totalmente
proibida, pois alguns têm potencial uso industrial. Além disso, apesar de medidas
de correção tomadas até o momento e da condenação de sua utilização, há uma
grande facilidade na fabricação dos mesmos. Os agentes químicos de guerra são
classificados de acordo com o mecanismo de ação tóxica nos seres humanos, como
(i) agentes neurotóxicos (ex. sarin, tabun, agente VX), (ii) agentes vesicantes e
levisita (ex. gás mostarda, fosgênio oxima) (iii) agentes sanguíneos (ex. cloreto de
cianogênio, cianeto de hidrogênio), (iv) agentes sufocantes (ex. fosgênio, cloro) e
(v) toxinas (ex. ricina, saxitoxina). Neste artigo aspectos da toxicidade desses
diferentes agentes são enfocados.
Palavras-chave: Guerra Química. Agentes Químicos.
Abstract
War chemical weapons are defined as any chemical whose toxic properties are
used in order to kill, injure or incapacitate an enemy in war or military
operations. Several countries have an arsenal of chemical agents, despite the
efforts of the world in an attempt to ban them, under the Chemical Weapons
Convention entered into force in 1997. However, the manufacture of these agents
cannot be forbidden totally, some of them are used in chemical industries. The
chemical warfare agents are classified according to the mechanism of toxic action
in humans, such as (i) nerve agents (eg. sarin, tabun, VX agent); (ii) vesicant
agents and lewisite (eg. mustard gas, phosgene oxime); (iii) blood agents (eg.
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
8
Revisão
cyanogens chlorine, hydrogen cyanide); (iv) choking agents (eg. phosgene,
chlorine) and (v) toxins (eg. ricin, saxitoxin). In this paper different aspects of the
toxicity of these agents are focused.
Key-words: Chemical War. Warfare Agents.
Introdução
Os agentes químicos de guerra são definidos como qualquer substância
química cujas propriedades tóxicas são utilizadas com a finalidade de matar, ferir
ou incapacitar algum inimigo na guerra ou associado a operações militares
(SMART, 1997).
Conforme visto em publicação anterior estas substâncias têm sido
utilizadas nas guerras desde tempos remotos, por exemplo, em 600 a.C. os
atenienses envenenavam as águas de um rio com raiz de Heléboro, os inimigos
consumiam a água e apresentavam intensa diarréia. Mas foi a partir da Primeira
Guerra Mundial que estas armas ganharam a conotação de armas de destruição
em massa, pois foram amplamente utilizadas com a finalidade de provocar
injúrias e/ou mortes (COLASSO e AZEVEDO, 2011).
Na Segunda Guerra Mundial algumas substâncias foram empregadas
pelos alemães nas câmaras de gás com a finalidade de exterminar civis e
militares. Na Guerra do Vietnã empregou-se o desfolhante conhecido como
Agente Laranja, que devastou a floresta vietnamita, além do emprego do Napalm
– uma mistura de ácido naftênico e ácido palmítico com característica
incendiária, diversas foram as vítimas deste agente. Na Guerra Irã-Iraque foi
amplamente empregado o agente mostarda e os agentes neurotóxicos, provocando
mais de 45.000 vítimas.
Em 1994 ocorreram ataques com gás sarin no metrô de Tóquio, e em 2002
uma substância conhecida como BZ (3-quinonuclidinil-benzilato) foi empregada
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão
pelas forças russas para libertar reféns, o que provocou a morte de mais de 100
pessoas.
Diversos países possuem arsenal de agentes químicos, a despeito do esforço
legislativo do mundo para seu banimento, sob a Convenção de Armas Químicas,
que entrou em vigor no ano de 1997. No entanto, a fabricação desses agentes não
pode ser totalmente proibida, pois alguns têm potencial uso industrial. Além
disso, apesar de medidas de correção tomadas até o momento e a condenação de
sua utilização no mundo, há uma grande facilidade na sua fabricação (COLASSO
e AZEVEDO, 2011).
Os agentes químicos de guerra são classificados de acordo com o
mecanismo de ação tóxica nos seres humanos, como (i) agentes neurotóxicos (ex.
sarin, tabun, agente VX), (ii) agentes vesicantes e levisita (ex. gás mostarda,
fosgênio oxima) (iii) agentes sanguíneos (ex. cloreto de cianogênio, cianeto de
hidrogênio), (iv) agentes sufocantes (ex. fosgênio, cloro) e (v) toxinas (ex. ricina,
saxitoxina).
Os agentes químicos devem apresentar algumas características para que
sejam considerados agentes químicos de guerra, dentre essas características, as
principais são:
•
serem efetivos em baixas concentrações;
•
possuírem volatilidade;
•
terem estado de agregação apropriado;
•
terem estabilidade à estocagem;
•
penetrarem no organismo por várias vias: respiratória, dérmica e
ocular.
Agentes neurotóxicos
Os agentes neurotóxicos são os compostos organofosforados, que atuam
inibindo a enzima acetilcolinesterase, têm sido utilizados no controle de pragas,
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão
retardantes de chama, plastificantes, e mais notoriamente como potenciais
agentes químicos de guerra e armas de terrorismo. São conhecidos como os
agentes mais mortais das armas químicas de guerra (MARTIN e LOBERT, 2003;
SIDELL et al, 2008).
O primeiro registro de uso de inibidores da colinesterase foi em tribos
nativas da África, que utilizavam feijão-de-Calabar, cujo princípio ativo é a
fisostigmina (CHAUHAN et al, 2008).
Em 1854, foi sintetizado o primeiro composto organofosforado – conhecido
como TEPP, tetratilpirofosfato. Em 1937, foi desenvolvida a fórmula geral dos
organofosforados e sintetizado GB e GA, bem como houve o desenvolvimento de
outros agentes neurotóxicos (SIDELL et al, 2008; CHAUHAN et al, 2008).
Estima-se que a Alemanha tenha fabricado cerca de 12 mil toneladas
destes agentes na II Guerra Mundial. Apresentam o nome químico, e duas letras
do código OTAN – agentes da série G (Germany) e série V (“venomous” –
venenosos) (SMART, 1997).
Os principais representantes desta classe são: Tabun (GA); Sarin (GB);
Soman (GD) e o agente XV. As propriedades físico-químicas dos agentes
neurotóxicos (GA, GB, GD e XV) estão descritos na Tabela 1.
Em 1937, Gerhard Schard desenvolveu a fórmula geral dos compostos
organofosforados, ocorreu neste período à fabricação do GA (Tabun) e GB (Sarin).
Estes compostos foram empregados primeiramente durante a Guerra do Golfo
Pérsico pelo Iraque contra os rebeldes curtos. Os compostos organofosforados,
além, de serem sido empregados como agentes químicos de guerra, atualmente
alguns
organofosforados
são
amplamente
utilizados
como
praguicidas
(inseticidas) (SZINICZ, 2005).
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão
Tabela 1. Propriedades físico-químicas dos agentes neurotóxicos. Fonte: SIDELL et al, 2008.
PROPRIEDADES
TABUN (GA)
SARIN (GB)
SOMAN (GD)
VX
Químicas e físicas
Ponto de ebulição
230° C
158°C
198°C
298°C
Pressão de vapor
0,037 mmHg 20°C
2,1 mmHg 20°C
0,40 mmHg 20°C
0,0007 mmHg 20°C
Densidade
Vapor (ar = 1)
5,6
4,86
6,3
9,2
Líquido
1,08 g/mL 25°C
1,10 g/mL 20°C
1,02 g/mL 25°C
1,008 g/mL 20°C
Volatilidade
610 mg/m3 25°C
22.000 mg/m3 25°C
3.900 mg/m3 25°C
10,5 mg/m3 25°C
Aparência
Líquido incolor a
marrom
Líquido incolor
Líquido incolor
Líquido incolor a
cor de palha
Odor
Fruta
inodoro
Fruta; óleo de
cânfora
inodoro
Solubilidade
Em água
9,8g/100g a 25°C
Miscível
2,1g/100g a 20°C
Miscível <9,4°C
Em outros solventes
Solúvel na maioria
dos solventes
Solúvel em todos os
solventes
Solúvel em alguns
solventes
Solúvel em todos os
solventes
Relativamente
persistente
2-6 dias
Persistência
No solo
Meia-vida 1-1,5 dias
2-24 horas a 5°C –
25°C
A acetilcolina (ACh) é o mediador químico necessário para a transmissão
do impulso nervoso em todas as fibras pré-ganglionares do sistema nervoso
autônomo, em todas as fibras simpáticas pós-ganglionares parassimpáticas e em
algumas
fibras
simpáticas
pós-ganglionares,
que
inervam
as
glândulas
sudoríparas e os vasos sanguíneos musculares (KANDEL et al, 1995). Além disso,
a ACh é o transmissor neuro-humoral do nervo motor do músculo estriado (placa
mioneural) e de algumas sinapses interneuronais no sistema nervoso central
(LOTTI, 1995; WILSON, 2001).
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão
A transmissão do impulso nervoso requer que a ACh seja liberada no
espaço intersináptico ou entre a fibra nervosa e a célula efetora. Depois, a ACh se
liga a um receptor colinérgico nicotínico ou muscarínico, gerando um potencial
pós-sináptico e a propagação do impulso nervoso. A seguir, a ACh é
imediatamente liberada e hidrolisada pela AChE (BOSGRA et al, 2009).
A ACh une-se aos sítios aniônico e esterásico da acetilcolinesterase
(AChE) através de forças como a de van der Waals, dando lugar ao complexo
enzima-substrato; em seguida, é liberada a colina, e a enzima fica acetilada. A
enzima acetilada reage com água para regenerar a enzima, liberando ácido
acético.
Os compostos organofosforados se ligam de forma bastante estável ao
centro esterásico da enzima acetilcolinesterase inibindo sua ação. Desta forma, a
acetilcolinesterase não consegue se ligar a acetilcolina, que por sua vez acumulase nas fendas sinápticas, promovendo os vários sinais característicos da
intoxicação (LARINI,
1999).
Os efeitos anticolinesterásicos dos
agentes
neurotóxicos podem ser caracterizados como sendo efeitos muscarínicos,
nicotínicos, e no sistema nervoso central (SNC) (LARINI, 1999).
Os efeitos muscarínicos ocorrem no sistema parassimpático (brônquios,
coração, pupilas dos olhos, glândulas salivares, lacrimais e sudoríparas) e podem
resultar em sinais de edema pulmonar, bradicardia, miose, lacrimejamento e
sudorese (SIDELL et al, 2008).
Os efeitos nicotínicos ocorrem no sistema somático (esquelético e motor), e
no sistema simpático, resultando em fasciculações musculares, fraqueza
muscular, taquicardia e diarréia (SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT,
2003) .
Os efeitos sobre o SNC se manifestam como ansiedade, tontura, labilidade
emocional, ataxia, confusão e depressão. Embora a inibição da colinesterase
dentro junções neuro-efetora ou efetora em si é pensado ser responsável pelos
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão
principais efeitos tóxicos de agentes organofosforados, estes compostos podem,
aparentemente, afetar a transmissão de impulsos nervosos, por processos mais
direto também. Efeito direto pode ocorrer em tecidos excitáveis, receptores e
canais iônicos (SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003).
A Tabela 2 demonstra os principais efeitos provocados pelos agentes
neurotóxicos em humanos.
Tabela 2. Efeitos dos agentes neurotóxicos em humanos. Fonte: SIDELL et al, 2008.
ÓRGÃO OU SISTEMA
EFEITOS
Olhos
Miose (unilateral ou bilateral); hiperemia da conjuntiva; dor ou ardor; visão
escura ou turva
Nariz
Rinorréia
Boca
Salivação
Trato pulmonar
Broncoconstrição e secreção, tosse, queixas de aperto no peito, falta de ar, sibilo,
estertores
Trato gastrointestinal
Náusea, vômito, diarréia, aumento de secreções e motilidade; câimbras
abdominais e dor
Pele e glândulas
sudoríparas
Sudorese
Muscular
Fasciculações locais ou generalizada; espasmos musculares; fraqueza muscular
Cardiovascular
Diminuição ou aumento da frequência cardíaca; normalmente aumento da pressão
arterial
Sistema nervoso central
Efeitos aguda da exposição severa: perda de consciência, convulsão, depressão do
centro respiratório;
Efeitos agudos da exposição leve ou moderada ou efeitos prolongados de qualquer
exposição: esquecimento, irritabilidade, dificuldade de raciocínio, tensão ou malestar; depressão, insônia, dificuldade de expressão, compreensão diminuída
Para
casos
de
intoxicação
aguda
por
agentes
neurotóxicos
são
administrados dois antídotos específicos, a atropina e a prolidoxima (SZINICK,
2005; SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003). A atropina é um
antagonista competitivo das ações da acetilcolina e atua bloqueando os efeitos
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
14
Revisão
muscarínicos da estimulação colinérgica. A atropina compete com a acetilcolina
por um local de ligação comum no receptor muscarínico, assim, diminuindo a
crise colinérgica provocada pelos compostos neurotóxicos (SIDELL et al, 2008;
MARTIN e LOBERT, 2003).
A prolidoxima promove a reativação da enzima acetilcolinesterase através
da remoção do grupo fosforil ligado ao grupo éster da enzima, assim restaurando
a função normal da acetilcolinesterase. Nesta reação agentes neurotóxicos e a
pralidoxima são mutuamente inativados. Estes produtos são submetidos a um
rápido metabolismo, levando à remoção dos organofosforados (SIDELL et al,
2008; MARTIN e LOBERT, 2003).
B
A
Figura 5. A – Antídoto para ser administrado em casos de intoxicação dos soldados em campos de
batalha (2,1 mg de atropina e 600 mg de prolidoxima). Os medicamentos estão em
compartimentos separados no interior do dispositivo, e são administradas a partir de uma única
agulha. A tampa cinzenta no lado direito do injetor é a tampa de segurança. B – Kit Mark I,
contendo dois auto-injetores, um injetor contendo 2 mg de atropina e o outro contendo 600 mg de
prolidoxima). O número indica qual medicamento deve ser administrado primeiramente. O clipe
de plástico mantém os injetores unidos e serve como dispositivo de segurança (SIDELL et al.,
2008)
Agentes vesicantes e levisita
Os agentes vesicantes são um grupo de princípios químicos que em contato
com a pele induzem a formação de bolhas, e podem também ser absorvidos pela
via respiratória, produzindo efeitos sistêmicos (PITA e VIDAL-ASENSI, 2010).
Estes compostos não são extremamente letais, porém, incapacitam o
inimigo nos combates. Os principais representantes desta classe são: mostarda de
enxofre, levisita e fosgênio oxima (SALADI et al, 2005). As propriedades físicoquímicas dos agentes vesicantes e da levisita encontram-se na Tabela 3.
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
15
Revisão
Tabela 3. Propriedades físico-químicas dos agentes vesicantes e levisita. Fonte: HURST et al.,
2008; SALADI et al., 2005; GHABILI, 2011).
PROPRIEDADES
MOSTARDA DE
ENXOFRE
(IMPURA) (H)
MOSTARDA DE
ENXOFRE
DESTILADA (HD)
FOSGÊNIO
OXIMA (CX)
LEVISITA (L)
Ponto ebulição
Vários
227°C
128°C
190°C
Pressão vapor
Depende da pureza
0,072 mm Hg 20°C
11,2 mm Hg 25°C
sólido
13 mm Hg 40°C
Líquido
0,39 mm Hg 20°C
Densidade
Vapor
~ 5,5
5,4
<3,9
7,1
Líquido
~ 1,24 g/mL 25°C
1,27 g/mL 20°C
ND
1,89 g/mL 20°C
Sólido
NA
Cristal 1,37 g/mL°C
NA
NA
Volatilidade
~ 920 mg/m3 25°C
610 mg/m3 20°C
1.800 mg/m3 20°C
4.480 mg/m3 20°C
Aparência
Líquido amarelo
pálido-castanho
escuro
Líquido amarelo
pálido-castanho
escuro
Incolor, sólido
cristalino ou
líquido
Puro: incolor,
líquido oleoso;
Como agente:
líquido âmbar a
castanho escuro
Odor
Alho ou mostarda
Alho ou mostarda
Intenso, irritante
Gerânio
Solubilidade
Em água
0,092 g/100 g 22°C
0,092 g/100 g 22°C
70%
Levemente solúvel
Em outros
solventes
Completamente
solúvel em CCl4,
acetona, outros
solventes orgânicos
Completamente
solúvel em CCl4,
acetona, outros
solventes orgânicos
Muito solúvel na
maioria dos
solventes
orgânicos
Solúvel nos mais
comuns solventes
orgânicos
Persistência
No solo
Persistente
2 semanas – 3 anos
2 horas
Dias
Em material
Depende da
temperatura; horas
a dias
Depende da
temperatura; horas a
dias
Não persistente
Depende da
temperatura; horas
a dias
Quantidade biologicamente eficaz
Vapor (mg min/m3)
CL50 – 1.500
CL50 – 1.500 (inalado)
CL50 – 10.000
(máscara)
Líquido
DL 50 – ~100 mg/kg
DL 50 – ~100 mg/kg
CL50 – 3.200
(estimado)
Olhos: <30
Pele: ~200
CL50 – 1.200 – 1.500
(inalado)
CL50 – 100.000
(máscara)
Não estimado
DL 50 – 40 – 50
mg/kg
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
16
Revisão
O agente mostarda recebeu esse nome devido supostamente ao cheiro ou
gosto (cebola, alho ou mostarda) e coloração (SZINICZ, 2005).
A primeira utilização ocorreu em 12 de junho de 1917, em um ataque
alemão contra as tropas britânicas nas trincheiras de Ypres, Bélgica, e assim, a
mostarda também ficou conhecida como Iperita. Alguns meses após o primeiro
ataque, ambos os lados estavam utilizando o agente mostarda. Sua introdução
ocorreu no último ano da I Guerra e provocou 70% da vitimização por armas
químicas, os outros 30% foram causadas por cloro e fosgênio (SZINICZ, 2005).
Foram 180.983 os soldados britânicos vítimas da guerra química, dos quais
160.970 (88,5%) devido à exposição ao agente mostarda e, destes, 4.167 (2,65%)
morreram. Entre os soldados americanos, 36.765 foram vitimados devido à
exposição aos agentes químicos de guerra, 27.771 (75%) o foram devido à
exposição ao agente mostarda (SZINICZ, 2005; CHAUHAN et al, 2008).
Durante a II Guerra Mundial não ocorreu o emprego do agente mostarda,
no entanto, em dezembro 1943, ocorreu um ataque alemão a um navio americano
carregado de agente mostarda, produzindo 617 vítimas. Durante a Guerra IrãIraque, estima-se que o agente mostarda tenha ocasionado em torno de 45.000
vítimas (SZINICZ, 2005; CHAUHAN et al, 2008).
O agente mostarda foi amplamente empregado como arma química de
guerra, porém, atualmente não tem emprego industrial (SZINICZ, 2005).
O exato mecanismo de ação tóxica do agente mostarda não está
completamente elucidado, porém, propõem-se algumas hipóteses, conforme
elucida a Figura 7.
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
17
Revisão
Figura 7. Possível toxicodinâmica do agente mostarda (Adaptado: HURST, et al, 2008).
Os principais efeitos clínicos provocados pelo agente mostarda estão
descritos na Tabela 4.
Tabela 4. Efeitos clínicos da exposição ao agente mostarda. Fonte: HURST et al, 2008; SALADI
et al, 2005; GHABILI, K. 2011.
ÓRGÃO
SEVERIDADE
EFEITOS
INÍCIO DOS
EFEITOS
Olhos
Suave
Moderado
Severo
Dilaceração , prurido , queimadura, sensação arenosa
Efeitos acima, mais:
Vermelhidão , edema nas pálpebras , dor moderada
Edema acentuado pálpebra, possível dano na córnea,
dor severa
4 – 12h
3 – 6h
1 – 2h
Vias
aéreas
Suave
Severo
Rinorréia, espirros, epistaxe, rouquidão, tosse seca
Efeitos acima, mais: tosse produtiva, dispnéia de leve
a grave
6 – 24
2 – 6h
Pele
Suave
Severo
Eritema
Vesicação
2 – 24h
4 – 12h
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Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
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18
Revisão
A levisita foi primeiramente sintetizada no início do século 20, porém,
nunca foi empregada no campo de batalha. Supõe-se que o Japão a possa ter
utilizado na guerra contra a China (GOLISZEK, 2004). Tem ação sobre a pele
(forma bolhas), olhos, vias aéreas respiratórias. Difere-se das mostardas, pois os
efeitos clínicos aparecem dentro de segundos após a exposição. A toxicidade da
levisita é muito semelhante à das mostardas (HURST et al, 2008).
A levisita é mais volátil e persistente em climas mais frios do que as
mostardas. O gás tóxico permanece mais fluido a temperaturas mais baixas, o
que o torna perfeito para a dispersão no inverno (SZINICZ, 2005).
Foi inicialmente empregada como agente anti-congelante para o gás
mostarda ou em situações especiais nos EUA, devido a sua capacidade de
penetrar em vestimentas de proteção. Entretanto seu uso foi considerado obsoleto
após 1950 e não tem emprego industrial atualmente (SZINICZ, 2005).
O possível mecanismo de ação da levisita está ilustrado na Figura 9.
Figura 9. Possível toxicodinâmica do agente levisita (Adaptado: HURST et al, 2008).
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19
Revisão
O tratamento para casos de exposição aguda à levisita consiste na
administração
de
2,3-dimercaptopropanol
(BAL)
ou
2,3-dimercapto-1-
propanosulfaonato por via oral ou intravenosa (HURST et al, 2008).
O fosgênio oxima não é um composto vesicante verdadeiro, porém, é
considerado um agente urticante, ou seja, provoca eritema, pápulas e urticária
(HURST et al, 2008).
O fosgênio oxima foi sintetizado pela primeira vez em 1929. O fosgênio
oxima afeta a pele, olhos e pulmões e provoca dor ou irritação imediata nestes
locais. Os efeitos são quase instantâneos, seguido por necrose tecidual, e faz com
que este dano tecidual seja mais grave que o de outros vesicantes (HURST et al,
2008).
O fosgênio oxima foi empregado como agente químico de guerra e para uso
militar. O fosgênio oxima foi desenvolvido como potencial agente químico de
guerra, porém, nunca foi empregado em batalhas ou em guerras (SZINICZ, 2005).
O mecanismo de ação do fosgênio oxima está elucidado na Figura 11, o
agente apresenta mecanismo de ação direto e indireto.
Figura 11. Possível toxicodinâmica do agente fosgênio oxima (Adaptado: HURST et al., 2008).
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20
Revisão
Agentes sanguíneos
Os agentes sanguíneos são substâncias que, absorvidas, danificam células
sanguíneas, impedindo o transporte de oxigênio e produzindo sufocação. São
classificados como simples ou químicos (SCHECTER et al, 2005).
Os asfixiantes simples são metano e nitrogênio, entre outros, e agem
deslocando fisicamente o oxigênio do ar. Os asfixiantes químicos (cianetos)
interferem no transporte de oxigênio a nível celular, causando hipóxia tecidual
(BASKIN et al, 2008).
Os asfixiantes mais importantes empregados como agentes de guerra
incluem: cloreto de cianogênio e cianeto de hidrogênio.
As civilizações antigas utilizavam plantas que continham cianeto com a
finalidade de matar, dentre elas, as amêndoas amargas e folhas de louro cereja.
Porém, foi a partir da I Guerra Mundial, no final de 1915 e início de 1916, que a
substância foi produzida expressamente para ferir e/ou matar (BASKIN et al,
2008).
A França começou o uso em larga escala do cianeto como arma química,
produzindo cerca de 8 milhões de quilos de HCN, mesmo o cianeto sendo mais
leve que o ar e ficando poucos minutos ao ar livre (SZINICZ, 2005).
Entretanto, as concentrações suficientes para matar ou incapacitar o
inimigo não foram atingidas, e os alemães conseguiram máscara capazes de
filtrar o gás.
Em setembro de 1916, a França produziu o cloreto de cianogênio (CK),
mais pesado e menos volátil que o HCN. O CK tem toxicidade semelhante ao
HCN, porém, provocava, em concentrações baixas, irritação dos olhos e pulmões.
A França também produziu o brometo de cianogênio que tem forte efeito irritante
sobre a conjuntiva e mucosa do pulmão, porém, corroía metais e era instável ao
armazenamento, então não foi empregado como agente químico de guerra
(BASKIN et al, 2008; SCHECTER et al, 2005; RILEY, 2003).
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21
Revisão
Durante a II Guerra Mundial, os nazistas empregaram o cianeto de
hidrogênio (Zyklon B) para exterminar milhões de civis e militares nas câmaras
de gás. Há rumores de que tenha sido empregado pelo Japão contra a China
antes e durante a guerra. Também há relatos de que tenha sido utilizado durante
a Guerra Irã-Iraque (BASKIN et al, 2008; SCHECTER et al, 2005; RILEY, 2003).
Além de ações militares, os compostos a base de cianeto têm sido
empregados em atos terroristas. Entre os agentes químicos de guerra, estes
compostos são os menos tóxicos.
O cloreto de cianogênio é empregado na indústria para a síntese de
herbicidas, refino de minério e como limpador de metal.
O cianeto de hidrogênio é empregado como precursor em síntese de muitos
compostos químicos, o que varia de polímeros a plásticos. Também é empregado
na indústria farmacêutica e para fumigação em navios e edifícios (CHAUHAN et
al., 2008; SZINICZ, 2005).
A Tabela 5 indica as propriedades físico-químicas do cianeto de hidrogênio
e cloreto de cianogênio.
O cianeto interfere com a respiração aeróbica em um nível celular
formando um complexo reversível com enzimas do sistema citocromoxidase. Estas
enzimas são responsáveis pela utilização do oxigênio na respiração celular. A
inibição resultante da interação do cianeto com as enzimas incapacita a utilização
do oxigênio e acúmulo de ácido láctico promovendo uma anóxia tecidual e
conseqüentemente morte celular.
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22
Revisão
Tabela 5. Propriedades físico-químicas dos agentes sanguíneos. Fonte: BASKIN et al, 2008;
SCHECTER et al, 2005; RILEY, 2003.
PROPRIEDADES
CIANETO DE HIDROGÊNIO (AC)
CLORETO DE CIANOGÊNIO (CK)
Químicas e Físicas
Ponto ebulição
25,7°C
12,9°C
Pressão Vapor
740 mm Hg
1.000 mg Hg
Densidade
Vapor
Líquido
Sólido
0,99 a 20°C
0,68 g/mL a 25°C
NA
2,1
1,18 g/mL a 20°C
Cristal: 0,93 g/mL a -40°C
Volatilidade
1,1 x 106 mg/m3 a 25°C
2,6 x 106 mg/m3 a 12,9°C
Aparência e odor
Gás: odor de amêndoas amargas ou
pêssego
Cheio de amêndoas amargas; gás incolor ou
líquido; irritante para vias áreas, olhos
Solubilidade
Em água
Em outros solventes
Completa a 25°C
Completamente miscível em quase
todos os solventes orgânicos
6,9 g/100 mL a 20°C
Na maioria dos solventes orgânicos (misturas
são instáveis)
Persistência
No solo
Em materiais
<1h
Baixo
Não persistente
Não persistente
Quantidade biologicamente eficaz
Vapor (mg min/m3)
CL50: 2.500 – 5.000 (depende tempo)
CL50: 11.000
Líquido (mg/kg)
DL50 (dérmica): 100
DL50 (dérmica):100
.
A Figura 14 ilustra a ação do cianeto com diversos órgãos (BASKIN, et al.,
2008).
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23
Revisão
Figura 14. O cianeto por afetar a função vascular, visual, pulmonar, sistema nervoso central,
sistema cardíaco, sistema endócrino, sistema autônomo e metabolismo. O efeito da toxicodinâmica
do cianeto pode variar dependendo da dose, via e velocidade de administração, forma química
(gás, líquido ou sólido), e outros como sexo, idade peso corporal, nível de estresse, condições físicas
do indivíduo (Adaptado: BASKIN et al, 2008).
Em casos de intoxicação aguda ao cloreto de cianogênio, administram-se
nitrato de sódio ou tiossulfato de sódio (nitratos), edetato de dicobalto e
hidroxicobalamina (BASKIN et al., 2008).
Agentes sufocantes
Os agentes sufocantes são substâncias que, absorvidas pelos pulmões,
induzem a alta secreção de fluidos pelos alvéolos, impedindo, assim, a respiração,
por mecanismo de afogamento.
Os principais agentes sufocantes são: fosgênio; dloro; dloropicrina.
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24
Revisão
O cloro foi descoberto em 1774 pelo químico sueco Scheele Carl Wilhelm, e
o nome atual foi dado em 1810 (SMITH, 1997).
A Alemanha foi a primeira a empregar o cloro durante a I Guerra Mundial,
devido à falta de munição. O emprego de tal agente abriu caminhos para a
fabricação em grande escala de agentes químicos de guerra, tanto pela Alemanha
como pelos países aliados (SMITH, 1997).
O gás cloro é pressurizado e resfriado de modo a ser armazenado na forma
líquida. Quando liberado, rapidamente se transforma em gás verde-amarelo com
odor irritante (TUORINSKY e SCIUTO, 2008).
Imediatamente após a exposição ao gás, ocorre a sensação de aperto no
peito, de ardor no nariz, garganta e olhos, vermelhidão e bolhas na pele
semelhante a congelamento, falta de ar; lesão pulmonar aguda ocorre dentro de 2
horas após a exposição; também provoca edema pulmonar (TUORINSKY,
SCIUTO, 2008; BJARNASON, 2004).
Atualmente o cloro tem uso considerável na indústria. É comumente
empregado como agente de branqueamento na indústria de papel e tecidos.
Também é empregado na produção de praguicidas, borracha e solventes.
Utilizado para tratamento de água potável como agente desinfetante, além do uso
residencial para tratamento de água em piscinas. O cloro também tem emprego
para o tratamento de resíduos industriais e esgotos (SZINICZ, 2005;
TUORINSKY e SCIUTO, 2008).
A cloropicrina foi empregada na I Guerra Mundial como agente de guerra
com diferentes nomes, os britânicos os chamavam de PS; os franceses de
Aquinite, os alemães de Klop (cruz-verde). É um vapor altamente tóxico quando
inalado (SZINICZ, 2005).
É um líquido oleoso, incolor ou amarelo fraco, que se decompõe a 112°C
produzindo fosgênio e cloreto de nitrosilo, sendo mais tóxico que o cloro e menos
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25
Revisão
que o fosgênio. Provoca irritação (entre 2 – 5h) e desenvolvimento de edema
pulmonar (TUORINSKY, SCIUTO, 2008; BJARNASON, 2004).
A clorpicrina é emprega em indústrias, em síntese orgânica, na produção
de fumigantes e inseticidas, e para extermínio de ratos. Também é empregada na
fumigação e esterilização de solos e sementes (SZINICZ, 2005).
O fosgênio foi sintetizado pela primeira vez em 1812, pelo químico alemão
Haber, como agente químico de guerra. É mais letal que o cloro, foi utilizado pela
Alemanha na I Guerra Mundial resultando em 1.069 feridos e 120 mortes.
É armazenado como um líquido incolor sob baixas temperaturas e pressão,
com ponto de ebulição de 8,2°C. Em temperatura ambiente é um gás tóxico, forma
uma nuvem branca a amarelo pálido com odor agradável de feno; em
concentrações elevadas tem odor ofensivo. Após a exposição, provoca tosse,
sensação de ardor na garganta e olhos, provoca falta de ar e sensação de
sufocamento,
provoca
lesão
pulmonar
(TUORINSKY
e
SCIUTO,
2008;
BJARNASON, 2004).
Estes compostos (cloro, fosgênio e cloropicrina) podem produzir efeitos a
longo prazo, tais como: fibrose, bronquiolite, doença pulmonar obstrutiva,
alveolite, anormalidades na função pulmonar (TUORINSKY, SCIUTO, 2008;
BJARNASON, 2004).
O fosgênio é amplamente utilizado em indústrias químicas, em produtos
farmacêuticos, corantes, praguicidas e na fabricação de poliuretano (SZINICZ,
2005). Na Tabela 6 estão apontadas as propriedades físico-químicas do agente
cloro, fosgênio e cloropicrina.
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26
Revisão
Tabela 6. Propriedades físico-químicas dos agentes sufocantes. Fontes: TUORINSKY e SCIUTO,
2008; BJARNASON, 2004; HSDB; CHEMIPLUS.
Propriedades
CLORO
FOSGÊNIO
CLORPICRINA
Ponto de ebulição
- 34,04°C
8,2°C a 760 mmHg
112°C a 757 mmHg
Pressão de vapor
5,83 x 10³ mmHg a
25°C
1420 mmHg a 25°C
3,2 kPa (24 mmHg) a 25°C
Densidade
2,898 g/L
Vapor = 3,4 (ar = 1)
água = 1,3719 a 25°C
1,6448
Aparência
Gás amareloesverdeado
Gás incolor
Gás amarelo fraco ou incolor
Odor
Irritante
Sufocante
Intensamente irritante
Solubilidade em
água
0,7 g/100 mL a
20°C
Ligeiramente solúvel em água
0,19 g/100 mL água a 20°C
Em outros solventes
-
Solúvel em benzeno, tolueno,
ácido acético glacial e outros
Miscível na maioria dos
solventes orgânicos (ex.
acetona, benzeno, etanol,
metanol e outros)
Toxinas
Toxinas são definidas como material tóxico produzido por plantas, animais,
microrganismos,
vírus,
fungos
ou
substância
infecciosa
ou
molécula
recombinante, qualquer que seja sua origem ou método de produção, incluindo:
(a) qualquer substância venenosa ou produto biológico produzido que podem ser
projetados como resultado da biotecnologia produzida por um organismo vivo; ou
(b) qualquer isômero venenoso ou produto biológico homólogo ou derivado de uma
substância (WHO, 2004)
As duas principais toxinas empregadas como armas de guerra são a
saxitoxina e a ricina.
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27
Revisão
A saxitoxina tornou-se conhecida após casos de intoxicação devido ao
consumo de mariscos contaminados. Provoca envenenamento paralisante, o que
era conhecido desde o século XIX (BISMUTH, 2004).
Foi primeiramente isolada durante a II Guerra mundial pelos EUA, no
âmbito do programa americano de Guerra Biológica (BISMUTH, 2004).
A saxitoxina é produzida por cianofíceas (algas), como a Gonyaulax
catanella, e provoca envenenamento paralítico ou diarréico. A saxitoxina é uma
potente neurotoxina que tem alta afinidade com os canais de sódio nas
membranas celulares e atua bloqueando o fluxo de sódio através dos canais de
sódio presentes nas células nervosas, estimulando as células musculares. Os
impulsos inibitórios dos axônios podem levar a paralisia muscular, podendo
ocorrer a morte por insuficiência respiratória.
A saxitoxina é solúvel em água e é estável, a dispersão na forma de
aerossol é viável. Mortes em adultos foram relatadas após a ingestão de 0,5 a 12,4
mg. Doses letais mínimas em crianças foram estimadas em 25 µg/kg. Em ratos a
DL50
reo, intraperitoneal, e de 263 µg/kg
por via oral (BISMUTH, 2004; WHO, 2004).
Após ingestão de saxitoxina, o início dos sintomas geralmente ocorre entre
10 a 60 minutos, com aparecimento de dormência ou formigamento dos lábios e
língua, que se espalha para o rosto e pescoço, seguido por uma sensação de
formigamento nos dedos das mãos e dos pés. Exposição moderada ou severa – a
parestesia, se espalha para os braços e pernas, a atividade motora é reduzida, o
discurso torna-se incoerente e a respiração torna-se difícil. O estágio terminal
pode ocorrer dentro de 2 a 12 horas após a exposição (WHO, 2004).
Nenhum caso de exposição por inalação foi relatado na literatura, mas
experiências com animais demonstram aparecimento de síndrome respiratória e
morte em poucos minutos (WHO, 2004).
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28
Revisão
Não existem antídotos específicos para a intoxicação por saxitoxina, o
tratamento é sintomático. A toxina normalmente é eliminada do organismo
rapidamente, através da urina, e os indivíduos se recuperam dentro de 24 horas.
A saxitoxina mantém sua atividade em água aquecida a 120°C (WHO, 2004).
A ricina foi identificada como um sub-produto perigoso na produção do óleo
de rícino desde o século XIX. Durante a I Guerra Mundial foi intensamente
testada pelos EUA, Canadá, Grã-Bretanha e França. Na II Guerra Mundial os
EUA realizaram testes de campo com a ricina (SZINICZ, 2005).
A ricina é uma glicoproteína altamente tóxica, de aproximadamente 65
kDa, que ocorre naturalmente na semente da mamona, Ricinus communis. É
composta por duas cadeias de proteínas, a cadeia maior, cadeia B (34 kDa),
facilita a entrada de receptores de superfície celular e a entrada da cadeia menor
A (32 kDa), afeta a atividade ribossomal celular. A ricina inibe a síntese de
proteínas em células eucarióticas, é tóxica por todas as vias, incluindo a inalação
(WHO, 2004).
Os cavalos são os animais mais suscetíveis à ricina, bovinos e suínos menos
suscetíveis, assim como patos e galinhas. Em camundongos, a DL50 é estimada
em 2,7 µg/kg. A ricina pode ser fatal para humanos em doses de 5 mg/Kg via oral
(WHO, 2004).
A ricina pode ser extraída com relativa facilidade a partir do óleo de
mamona. Cerca de 1 milhão de toneladas são utilizadas por ano para produzir o
óleo de rícino (WHO, 2004).
As manifestações tóxicas apresentam um período de latência de horas, às
vezes dias, após a exposição (WHO, 2004).
A inalação da ricina provoca significativa patologia pulmonar, com
aumento de concentração de citocinas, inflamação acentuada e edema pulmonar
(WHO, 2004).
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29
Revisão
A ingestão de ricina provoca grave gastrenterite, frequentemente
hemorrágica. Pode ocorrer o desenvolvimento de convulsões, choque e
insuficiência renal. A ricina afeta o coração, células nervosas e o baço. A
exposição ao pó de ricina provoca irritação dos olhos, nariz e garganta (WHO,
2004).
Não há antídotos específicos para o tratamento de intoxicação por ricina. A
ricina é solúvel em água, a solução é menos estável do que a ricina em pó. Na
forma de pó é estável em temperatura ambiente, mas é desnaturada a
temperaturas elevadas e a sua estabilidade diminui com o aumento do teor de
umidade (WHO, 2004).
Outros agentes
Os gases lacrimogêneos não são considerados como agentes químicos de
guerra, mas empregados para alegados fins de segurança pública, para conter
tumultos internos (SALEM et al, 2008).
Estes compostos foram desenvolvidos para apresentarem alta margem de
segurança, porém, podem provocar ferimentos e até a morte quando empregados
em espaços sem ventilação adequada e por períodos prolongados.
Os principais gases lacrimogêneos são: 1-cloroacetofenona (CN) e Oclorobenzilideno malononitrila (CS). As propriedades físico-químicas dos gases
lacrimogêneos estão apontadas na Tabela 7.
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Revisão
Tabela 7. Propriedades físico-químicas dos gases lacrimogêneos. Fonte: SALEM et al., 2008.
PROPRIEDADES
CN
CS
Fórmula
molecular
C8H7ClO
C10H5ClN2
Forma/uso
Gás guerra/ Ag. Segurança Pública
Agente Segurança Pública
Estado físico
Incolor a cinza, sólido cristalino
Sólido branco cristalino
Odor
Perfumado. Fragrância de maçã
Similar a pimenta
Ponto fusão
57°C
95°C – 96°C
Pressão vapor
0,0041 – 0,005 mm Hg a 0°C
0,00034 mm Hg a 20°C
Densidade
Vapor (relativo
ar)
Líquido
Sólido
5,3 mais pesado que ar
1,187 g/mL a ~ 20°C
1,318 g/cm3 a ~ 20°C
6,5 mais pesado que ar (calculado)
Massa: 0,24 – 0,26 g/cm3
Cristal: 1,04 g/cm³
Solubilidade
Em água
Em outros
solventes
Relativamente insolúvel; hidrólise lenta; 1,64
g/100mL a 25°C
Solúvel em dissulfeto carbono, éter e benzeno
Insolúvel em água
Moderado em álcool, solúvel em
acetona, clorofórmio, etil acetato,
benzeno
Persistência
No solo
Em materiais
Curta
Curta
Variável
Variável
Os efeitos provocados pela exposição aos gases lacrimogêneos estão
elucidados na Tabela 8.
Tabela 8. Efeitos provocados pelos gases lacrimogêneos. Fonte: SALEM et al., 2008.
EFEITOS
CN
CS
Pele e olhos
Principalmente eritema cutâneo mediado pela
bradicinina e agudo. Pode desenvolver bolhas e
queimadura em tecidos úmidos devido
formação HCl. Lacrimejamento forte com
conjuntivite, dor nos olhos, e blefaroespasmo
(contração involuntária das pálpebras) . Altas
doses pode produzir queimadura química nos
olhos
Irritante da pele, ardor e eritema; pode
causar dermatite de contato alérgico e
bolhas. Queimação e irritação nos olhos
com lacrimejamento acompanhado de
blefaroespasmo
Respiratório
Irritação das vias respiratórias superiores,
tosse, dispnéia. Também pode produzir
queimaduras dos tecidos das vias respiratórias
e lesões pulmonares se a dose for significante
Secreção, tosse, engasgo, aperto no
peito. Pode causar síndrome de doença
das vias áreas que quererem
intervenção médica
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Revisão
Em 600 a.C., os soldados do Rei grego Solon, envenenaram córregos com
raiz de Heléboro, visando provocar diarréia nos soldados inimigos e os
incapacitando para o combate. Atualmente, os pesquisadores buscam novas
armas não-letais, conhecidas como substâncias incapacitantes, com o objetivo de
enfraquecer/incapacitar o inimigo sem provocar a morte (SZINICZ, 2005;
KETCHM et al., 2008).
O termo agente incapacitante tornou-se aceito para designar armas
militares não convencionais. Segundo o Departamento de Defesa dos EUA,
agentes químicos incapacitantes são consideradas como armas não letais
explicitamente concebidas e empregadas para incapacitar pessoas ou materiais,
minimizar mortes e provocar lesões a pessoas, e, danos indesejáveis a
propriedades e meio ambiente. Ao contrário das armas letais que destroem seus
alvos principalmente através de explosões e penetração de fragmentos, as armas
não-letais empregam outros meios que não a destruição física e bruta (KETCHM
et al., 2008).
As armas não-letais devem apresentar as seguintes características: (i) ter
efeito relativamente reversível em pessoas ou materiais e (ii) afetar de forma
diferente os objetos dentro da sua área de influência (KETCHM et al., 2008).
Algumas substâncias estudadas para determinar ação incapacitante.
Dentre as drogas estudadas o LSD, conhecido como droga psicodélica, termo
proposto por Humphry Osmond em 1957, e significa “manifestação mente”, e
refere-se à expansão alegada da consciência que os primeiros usuários de LSD
relataram. A capacidade do LSD de trazer memórias reprimidas, medos e
fantasias fizeram com que fosse ensaiado como um complemento à tradicional
psicanálise, embora poucosespecialistas se sentissem confortáveis em empregálas na prática. O uso de LSD provocava uma inundação incontrolável de idéias,
imagens e emoções, e a pessoa sob influência de doses de LSD tornava-se
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Revisão
impossibilitada de realizar tarefas complexas (KETCHM et al., 2008; CHAUHAN
et al., 2008).
Outra droga estudada foi a mescalina, uma substância derivada do cactus
peyote. Empregada em cerimônias de tribos indígenas americanos por conta de
suas propriedades psicodélicas, porém, sem muita relevância para empregar-se
como agente incapacitante (KETCHM et al., 2008).
Os canabinóides, durante um curto período de tempo, tornaram-se
interessantes para que o Corpo Químico dos EUA estudasse o óleo vermelho
extraído da maconha. Porém, não se chegou a nenhum agente incapacitante
eficaz (KETCHM et al., 2008).
As
drogas
estimulantes,
tais
como,
cocaína,
cafeína,
nicotina
e
anfetaminas, foram pesquisadas na tentativa de se descobrir um agente
incapacitante, mas sem grande sucesso. Outras drogas analisadas foram a
estricnina e o metrazol (KETCHM et al., 2008).
Os opióides, originalmente substâncias derivadas da papoula, a morfina
sendo o protótipo das demais drogas, passaram, recentemente, a interessar
pesquisadores
em
sua
avaliação
como
possíveis
agentes
incapacitantes
(KETCHM et al., 2008).
Medicamentos antipsicóticos mais potentes foram previamente chamados
de tranqüilizantes maiores ou neurolépticos. Essas drogas foram avaliadas pelo
efeito sedativo e pela capacidade de reduzirem a hiperatividade psicótica
(KETCHM et al., 2008).
As drogas conhecidas como delirantes anticolinérgicos foram e continuam a
ser a categoria mais susceptível de ser considerada como agente incapacitante.
Anticolinérgico é o termo comumente empregado para se referir às drogas que
tem como principal ação o bloqueio dos receptores muscarínicos (CHAUHAN et
al., 2008).
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Revisão
Dentre os compostos estudados, o único considerado como agente químico
incapacitante foi o 3-quinonuclidinil-benzilato, um composto anticolinérgico,
conhecido como BZ. Relatos informam que há grandes quantidades armazenadas
pelo Iraque com o codinome de Agente 15 (CHAUHAN et al., 2008).
O BZ é um gás inodoro, pode persistir por 3 a 4 semanas no ar úmido, é
extremamente persistente em solo e água. Atua como um inibidor competitivo do
neurotransmissor acetilcolina. Os órgãos afetados pelo BZ são principalmente os
de inervação parassimpática, incluindo Sistema Nervoso Central (SNC), coração,
sistema respiratório, trato gastrintestinal (CHAUHAN et al., 2008).
Os efeitos provocados ao ser humano incluem: agitação, alucinações,
confusão, tremor, ataxia, dilatação da pupila e fotofobia, náuseas, vômitos, rubor,
secura da boca, retenção urinária, hipertermia, delírios e paranóia (CHAUHAN
et al., 2008).
Proibição das armas químicas de guerra
Atualmente, em escala mundial, há um intenso esforço de dezenas de
países para produção de armas químicas, a despeito dos protocolos formais de
combate a tal. Segundo a CIA, mais de 20 países estão desenvolvendo ou já
possuem armas químicas de guerra (ADLER, 2006).
Entre os países que possuem arsenal de armas químicas, tem-se: China,
Coréia do Norte, Japão, Rússia, França, Inglaterra, Cuba, Estados Unidos, Índia,
Irã, Iraque, Paquistão, Síria, Egito, entre outros (OPAQ, 2011).
Os agentes químicos de guerra não exigem uma infra-estrutura de
produção muito sofisticada, os agentes químicos e biológicos letais, são meios
bélicos acessíveis aos países em desenvolvimento.
Sua periculosidade, efeitos generalizados sobre o meio ambiente e a
facilidade de fabricação fazem com que mereçam tratamento específico nas
políticas de controle internacional de armas.
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Revisão
Entre 6 e 23 de maio de 1997, durante a Primeira Conferência dos Estados
Partes da Convenção para a Proibição de armas químicas (CPAQ), realizada em
Haia, Holanda, com 167 países signatários, inclusive o Brasil, foi criada a
Organização para a Proibição de armas químicas (CPAQ, 2011).
A organização para a Proibição de Armas Químicas tem sede em Haia e
seu objetivo é proibir o desenvolvimento, produção, estocagem e emprego de
armas químicas, bem como o uso de gases tóxicos e métodos biológicos em guerra.
A exceção é a utilização de gás lacrimogêneo para conter revoltas e tumultos,
medida considerada pacificadora (CPAQ, 2011).
Atualmente, 188 estados são signatários da CPAQ; 5 estados não
signatários (Angola, Egito, Coréia do Norte, Somália e Síria) e 2 estados não
ratificaram a Convenção (Israel e Mianmar) (OPAQ, 2010).
Existem 71.194 toneladas de agentes químicos de guerra em estoques
declarados no mundo, e apenas 44.131 toneladas (61,99%) foram destruídas. Em
29 de abril de 2012 expira-se o prazo dado pela Convenção para a destruição dos
arsenais químicos mundiais. A Tabela 9 elucida os agentes químicos e as
quantidades a serem destruídas (OPAQ, 2010).
O Congresso Nacional aprovou o texto da CPAQ, através do Decreto
Legislativo nº 9, de 29 de fevereiro de 1996. O presidente da república, através do
decreto nº 2.977, de 01 de março de 1999, promulgou a CPAQ, assinada em Paris,
em 13 de janeiro de 1993. O Brasil não possui armas químicas em estoque e nem
fábricas das mesmas (CPAQ, 2011).
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Revisão
Tabela 9. Armas Químicas declaradas e destruídas a 31 de dezembro de 2009. Fonte: OPAQ,
2010.
Nome comum da substância
Quantidade em toneladas
Quantidade em toneladas
química
métricas declaradas
métricas destruídas
Categoria 1
GB (SARIN)
15.047,039
8.556,331
GD (SOMAN)
9.057,203
0,016
GA (TABUN)
2,283
0,3797
AGENTE VX
19.586,722
13.354,301
MOSTARDA DE ENXOFRE (GÁS
MOSTARDA)
17.418,515
9.288,658
MISTURA DE GÁS MOSTARDA E LEVISITA
344.679
214.527
LEVISITA
6.746,876
6.605,852
EA 1699
0,002
0
DF
443,965
443,637
QL
46,174
45,779
OPA
730,545
730,545
DESCONHECIDO
3,125
2,898
RESÍDUOS TÓXICOS
1,705
1,705
Total categoria 1
69.428,833
39.244,629
Categoria 2
ADAMSITA
0,350
0,350
CN
0,989
0,989
CNS
0,010
0,010
CLOROETANOL
319,535
301,300
TIOGLICOL
50,960
50,960
FOSGÊNIO
10,616
10,616
ISOPROPANOL
114,103
0
TRICLORETO DE FÓSFORO
166,331
0
ÁLCOOL PINACOLYL
19,257
0
CLORETO DE TIONILA
292,570
0
CLORETO DE SÓDIO
246,625
246,625
FLUORETO DE SÓDIO
304,725
304,725
TRIBUTILAMINA
240,012
0
Total categoria 2
1.766,083
915,575
Total geral
71.194,916
40.160,204
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Revisão
Destruição das armas químicas
Segundo a Convenção, todas as armas químicas devem ser destruídas,
porém isto representa um grande desafio, além de elevado custo, segurança das
pessoas envolvidas, da população ao redor, e há também fatores ambientais,
jurídicos e políticos arrolados (CHAUHAN et al., 2005).
Anteriormente, os métodos de eliminação eram enterro, descarregamento
em mares e queima a céu aberto, todos ameaçando o meio ambiente e a saúde da
população residente nas proximidades (CHAUHAN et al., 2005; RABER, 2001).
Apesar de proibida, a utilização destes agentes continua sendo uma
ameaça. Esses agentes são produzidos facilmente e são capazes de causar
morbidades e mortalidades significativas (CHAUHAN et al., 2005).
Foram amplamente utilizados em guerras e atualmente continuam sendo
utilizados em atos terroristas e de defesa.
O conhecimento destes agentes é fundamental para:
 planejar resposta em casos de ataques;
 executar medidas necessárias para retirada das pessoas expostas, e
redução de mortalidade e morbidade;
 controlar de maneira segura os já existentes.
Conclusões
1. As substâncias químicas por suas toxicidades intrínsecas têm sido
empregadas com propósitos bélicos ou de morticínio desde os mais remotos
tempos.
2. Tal prática, ainda que condenável sob qualquer aspecto filosófico, religioso,
político, humano, moral ou ético, prossegue sendo mantida, ainda em
nossos dias, em maior ou menor escala, assim como seguem sendo feitas
pesquisas e testes nesse campo.
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37
Revisão
3. Esforços mundiais de países e seus organismos coletivos, em tempos de
paz, não têm sido suficientes para banir por definitivo esta prática.
4. O alerta para o banimento real e por completo, seja dos estoques de armas
químicas,
seja
da
sua
filosofia
de
uso,
precisa
ser
mantido
contundentemente e estar em destaque nas políticas nacionais e
transnacionais.
5. A Toxicologia, como ciência de produção de conhecimento ético e para fins
humanitários, não pode ser confundida com uma alternativa menor de
causação de dor e sofrimento, posto que nada, em tempo algum, justificará
tal fato.
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ANEXOS
TABUN – GA
Fórmula estrutural do Tabun
Fórmula molecular: C5H11N2O2P
Peso molecular: 162,13
Nome químico: Dimethylphosphoramidocyanidic acid, ethyl ester
Sinonímia:
Dimethylamidoethoxyphosphoryl
cyanide;
dimethylphosphoramidocyanidate; GA; Tabun.
No. CAS: 77-81-6
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
Ethyl
N,N-
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Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
41
Revisão
SARIN – GB
Fórmula estrutural do Sarin
Fórmula molecular: C4H10FO2P
Peso molecular: 140,09
Nome químico: Phosphonofluoridic acid, P-methyl-, 1-methylethyl ester
Sinonímia: Isopropoxymethylphoshoryl fluoride; Phosphine oxide, fluoroisopropoxymethyl; sarin
No. CAS: 107-44-8
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
SOMAN – GD
Fórmula estrutural do Soman
Fórmula molecular: C7H16FO2P
Peso molecular: 182,17
Nome químico: Phosphonofluoridic acid, methyl-, 1,2,2-trimethylpropyl ester
Sinonímia: 1,2,2-Trimethylpropyl methylphosphonofluoridate
1,2,2-Trimethylpropylester kyseliny methylfluorfosfonove
1,2,2-Trimethylpropylester kyseliny methylfluorfosfonove; GD; Soman.
No. CAS: 96-64-0
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
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Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
42
Revisão
AGENTE VX
Fórmula estrutural do Agente VX
Fórmula molecular: C11H26NO2PS
Peso molecular: 267,37
Nome químico: Phosphonothioic acid, methyl-, S-(2-(bis(1methylethyl)amino)ethyl) O-ethyl ester
Sinonímia: Ethyl S-2-diisopropylaminoethyl methylphosphonothiolate
Ethyl S-dimethylaminoethyl methylphosphonothiolate; VX
No. CAS: 50782-69-9
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
MOSTARDA DE ENXOFRE
Fórmula estrutural do agente mostarda
Fórmula molecular: C4H8Cl2S
Peso molecular: 159,08
Nome químico: Bis(2-chloroethyl)sulfide
Sinonímia: Agent HD; 2,2'-Dichlorodiethyl sulfide; Mustard HD; Mustard gas ; Mustard vapor ;
Mustard, sulfur; S-Yperite
No. CAS: 505-60-2
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
43
Revisão
LEVISITA
Fórmula estrutural do agente químico levisita
Fórmula molecular: C2H2AsCl3
Peso molecular: 207,32
Nome químico: Dichloro(2-chlorovinyl)arsine
Sinonímia: Arsine, (2-chlorovinyl) dichloro; Chlorovinyl dichloroarsine; Chlorovinylarsine
dichloride; Lewisite;
No. CAS: 541-25-3
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
FOSGÊNIO OXIMA
Fórmula estrutural do agente químico Fosgênio oxima
Fórmula molecular: CHCl2NO
Peso molecular: 113,9
Nome químico: Dichloroformoxine
Sinonímia: CX; Dichloroformaldehyde oxime; Dichloroformaldoxime; Dichloroformossina;
Phosgene oxime
No. CAS: 1794-86-1
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CLORETO DE CIANOGÊNIO
Fórmula estrutural do Cloreto de cianogênio
Fórmula molecular: C-Cl-N
Peso molecular: 61,47
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
44
Revisão
Nome químico: Cyanogen chloride
Sinonímia: Chlorocyan; Chlorocyanide; Chlorocyanogen; CK
No. CAS: 506-77-4
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CIANETO DE HIDROGÊNIO
Fórmula estrutural do Cianeto de hidrogênio
Fórmula molecular: CH-N
Peso molecular: 27,03
Nome químico: Hydrogen cyanide
Sinonímia: Cyclon; Cyclone B; Hydrocyanic acid; Zyklon B
No. CAS: 74-90-8
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CLORO
Fórmula estrutural do Cloro
Fórmula molecular: Cl2
Peso molecular: 70,905
Nome químico: Chlorine
Sinonímia: Chlor, Bertholite /warfare gás; Bertholite
No. CAS: 7782-50-5
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CLORPICRINA
Fórmula estrutural da Clorpicrina
Fórmula molecular: CCl3NO2
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
45
Revisão
Peso molecular: 164,38
Nome químico: Chloropicrin
Sinonímia: Acquinite; KLOP; Nitrochloroform; PS; Picride; Profume A; Trichloronitromethane
No. CAS: 76-06-2
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
FOSGÊNIO
Fórmula estrutural do Fosgênio
Fórmula molecular: CCl2O
Peso molecular: 98,92
Nome químico: Carbonic dichloride
Sinonímia: CG; Carbon dichloride oxide; Carbon oxychloride; Phosgene
No. CAS: 75-44-5
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
SAXITOXINA
Fórmula estrutural da Saxitoxina
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
46
Revisão
1-CLOROACETOFENONA (CN)
Fórmula estrutural do 1-cloroacetofenona
Fórmula molecular: C8H7ClO
Peso molecular: 154,60
Nome químico: 1-cloroacetofenona
Sinonímia: 2-Chloro-1-phenylethanone; 2-Chloroacetophenone; omega-Chloroacetophenone
N° CAS: 532-27-4
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
o-CLOROBENZILIDENO MALONONITRILA (CS)
Fórmula estrutural do o-clorobenzilideno malononitrila
Fórmula molecular: C10H5ClN2
Peso molecular: 188,62
Nome químico: O-clorobenzilideno malononitrila
Sinonímia: (2-Chloro-phenyl)methylene)propanenitrile; (o-Chlorobenzal)malononitrile
N° CAS: 2698-41-1
(CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II –
Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
47
Ensaio
Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes
Carlos E. Matos dos Santos
Farmacêutico e Toxicólogo. Analista de gerenciamento de risco
toxicológico
da
Intertox.
Experiência
em
Toxicologia
Computacional & In Silico, Toxicologia Ambiental, e assuntos
regulatórios.
E-mail: [email protected]
André L. T. Ribeiro
Farmacêutico-Bioquímico,
Universidade
Paulista,
Mestre
em
Toxicologia e Análises Toxicológicas, FCF/USP, Doutorando em
Toxicologia
e
Análises
Toxicológicas
FCF/USP,
estudos
de
marcadores moleculares de oxidação de DNA e avaliação de
mutagenicidade e carcinogenicidade.
E-mail: [email protected]
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
48
Ensaio
Resumo
O presente artigo tem como objetivo a discussão sobre o julgamento do peso da
evidência em Toxicologia, e, por conseguinte, apresentar as mais recentes
discussões sobre a Estratégia Integrada de Testes (EIT), como componente
essencial do processo de construção da evidência de toxicidade. Nesse contexto,
dá-se ênfase à importância do correto julgamento de informações toxicológicas
para fins de classificação de perigo de acordo com guias nacionais e
internacionais, incluindo a opinião de autores quanto à sistematização do
processo de julgamento como objeto da Toxicologia Baseada em Evidências (TBE).
Faz-se uma discussão sobre a importância de se notar as mudanças de paradigma
na Toxicologia, já que se constituem novos avanços e novas visões que a tornam
uma ciência cada vez mais madura, tecnológica, custo-efetiva e conclusiva.
Palavras – chave: Estratégias Integradas de Testes. Peso de Evidências.
Toxicologia Baseada em Evidências.
Abstract
This paper aims to discuss the judgment of the weight of evidence in toxicology,
therefore, to present the latest discussions on the Integrated Testing Strategies
(ITS), as an essential component of the process of building the evidence of
toxicity. In this context, giving emphasis on the importance of correct judgment of
toxicological information for the purpose of hazard classification according to
national and international guidelines, including the opinion of different authors
on the systematization of the judgment process as an object of Evidence-based
Toxicology (EBT). A discussion on the importance of noting the paradigm shifts in
toxicology, since they constitute new advances and new visions that make it a
science increasingly mature, technological, cost-effective and conclusive.
Key-words: Evidence-based Toxicology. Integrated Testing Strategies. Weight of
evidence.
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
49
Ensaio
Introdução
A utilização das evidências na tomada de decisão é essencial para a
efetividade de intervenções/ações, seja no contexto diagnóstico, terapêutico ou
toxicológico. Em Toxicologia, o julgamento especializado das evidências (“expert
judgement”) depende de profundo conhecimento técnico, perícia e criteriosa
busca/avaliação de informações, sendo que tal abordagem já é citada em guias e
normas internacionais e nacionais.
A evidência, caracterizada como a última (e máxima) essência passível de
ser extraída de resultados toxicológicos, exige investigação com busca de dados
disponíveis; e na ausência de dados, demanda a realização de testes e outros
estudos (epidemiológicos, relatos de caso etc.), todavia, sem contrariar a atual
perspectiva mundial de racionalização da utilização animal. Assim, a construção
da evidência exige a definição de abordagens de investigação, através das quais
seja possível obter o máximo de informação para atribuição ao peso das
evidências (“weight of evidence”) sobre determinado perigo, sem utilização
indiscriminada de animais.
A integração de diferentes metodologias, incluindo os mais recentes
avanços em testes (in silico e in vitro), é objeto de discussão das chamadas
Estratégias Integradas de Testes (BENFENATI, 2010; NETZEVA, 2007).
A capacidade de se obter e interpretar informações toxicológicas quanto à
confiabilidade, consistência, relevância e a sua contribuição relativa (em peso de
evidência) para a resposta de uma determinada questão, é elementar para a
tomada de decisões efetivas, já que são necessárias decisões corretas em um
contexto considerado crítico, que envolve riscos de conseqüências que podem ser
graves e ou prevalecer por gerações.
O presente trabalho tem como objetivo, discutir a importância dos aspectos
relacionados à construção e julgamento do peso das evidências em Toxicologia,
suas perspectivas de aplicação, e os atuais desafios dos paradigmas de
investigação e tomada de decisão no contexto dos riscos toxicológicos.
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
50
Ensaio
Julgamento especializado e o peso de evidências na classificação
de perigos pelo GHS
Um exemplo da importância do julgamento do peso de evidências em
Toxicologia é o sistema GHS (Globally Harmonized System of Classification and
Labelling of Chemicals), uma iniciativa da Organização da Ações Unidas (ONU)
para a harmonização da comunicação de perigos no mundo. No Brasil, o GHS foi
adotado como sistema de classificação, pela norma ABNT NBR 14725-Parte 2,
contemplando os perigos físico-químicos, à saúde humana e ao meio-ambiente
(ABNT, 2009; NAÇÕES UNIDAS, 2011).
Para determinadas classes de perigo do GHS, alguns dados toxicológicos
servem automaticamente para a classificação pelo sistema, quando estes
satisfazem seus critérios. No entanto, para certos efeitos, a classificação demanda
uma avaliação mais extensiva das informações existentes, com julgamento de
especialistas (ABNT, 2009).
O Livro Púrpura estabelece que a avaliação das informações sobre os
perigos à saúde humana deve ser feita com base no julgamento especializado do
peso
das
evidências.
Para
efeitos
críticos,
tais
quais: mutagenicidade,
carcinogenicidade, toxicidade reprodutiva, entre outros; os resultados de estudos
com animais e humanos são freqüentemente conflitantes, o que justifica a grande
ênfase dada nos guias quanto à necessidade do julgamento especializado do peso
total de evidências, ou seja, de toda informação disponível, incluindo dados de
estudos in vitro; dados de estudos com animais; estudos epidemiológicos, relatos
de caso e observações clínicas com humanos; entre outros (NAÇÕES UNIDAS,
2011).
No julgamento especializado das evidências, a avaliação crítica de aspectos
metodológicos (ex: Boas Práticas de Laboratório, incertezas do método, validação
estatística, espécie utilizada nos testes, etc) e dos resultados (confiança,
relevância, contribuição relativa para o peso total das evidências), bem como a
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
51
Ensaio
correta interpretação de resultados conflitantes em relação a uma determinada
substância; demanda profundo conhecimento em Toxicologia.
Não é surpresa a obtenção/utilização indiscriminada de dados aleatórios no
julgamento de questões (sem critério ou julgamento) complexas na elaboração de
documentos de segurança, o que pode resultar em riscos desconhecidos e/ou
descontrolados em muitas organizações.
Toxicologia Baseada em Evidências
A sistematização do processo de avaliação de evidências já é discutida no
mundo em alguns contextos, como ponto de vista de alguns autores. Sabe-se que o
volume da produção científica pode impulsionar a busca de novas práticas em
uma ciência. Na área médica, a Medicina Baseada em Evidências (MBE) surgiu
da necessidade de um método para lidar com o grande número de informações na
medicina, para a avaliação das evidências de maneira objetiva e sistemática,
visando a melhor decisão clínica entre o imenso número de alternativas. Nas
ciências toxicológicas não o é diferente e alguns autores consideram a adequada a
abordagem da Toxicologia Baseada em Evidências (TBE). Diferente do
julgamento especializado do peso das evidências (mais subjetivo), a TBE propõe
abordagens mais sistemáticas (como a metanálise) e utilização de recursos
matemáticos para a conclusão de determinadas questões toxicológicas, assunto
que sob nosso conhecimento é pouquíssimo discutido no Brasil.
Muitos profissionais toxicólogos enfrentam o desafio de encontrar a melhor
evidência para uma determinada questão no imenso número de informações
existentes. Como exemplo, a avaliação de resultados de avaliação de
carcinogenicidade é bastante laboriosa, já que há geralmente estudos com
resultados conflitantes (positivos, negativos e/ou ambíguos), com vieses, com
diferentes níveis de detalhamento/qualidade, e/ou com diferentes interpretações
por parte dos autores.
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
52
Ensaio
Embora não tenha sido estabelecida uma definição formal da Toxicologia
Baseada em Evidências, entre os componentes definidores da TBE selecionados
no primeiro Fórum Internacional sobre Toxicologia Baseada em Evidências
EBTOX, realizado em 2007, destacam-se:
 a característica da TBE em promover o uso consistente de processos
sistemáticos e transparentes para alcançar o julgamento sensato e
conclusões robustas;
 promove a integração do julgamento especializado com a melhor evidência
possível;
 Abrange todos aspectos da prática toxicológica, e todos os tipos de
evidência usadas na identificação do perigo, avaliação de risco, e análise
retrospectiva da causalidade;
 inclui todos os ramos das ciências toxicológicas
(Modificado de HARTUNG, 2009)
A aplicação da TBE ainda não possui campo de aplicação bem definido. A
utilidade parece ser transversal, mas com campos específicos mais adequados, já
que os autores destacam que a sistemática da busca evidência pode ter ênfase na
área clínica e diagnóstica (diagnóstico de intoxicações e avaliação das melhores
opções terapêuticas baseada em evidências); na Avaliação do Risco Toxicológico
(combinação quantitativa na avaliação de informações existentes
etapa de
identificação de perigo de substâncias); na investigação da causalidade
(investigações causa-efeito, ex: fumo vs. câncer de pulmão) (HARTUNG, 2009).
Além da sistemática de busca de dados e tratamento matemático dos
resultados, a abordagem enfatiza o julgamento especializado de revisões com
informações de alta qualidade, ao invés de se utilizar opiniões de individuais de
autores e se fazer buscas de pequena extensão, as quais podem estar afetadas por
vieses, conflitos de interesse e opiniões pessoais, como resultado da avaliação
pessoal de muitos autores (HARTUNG, 2009).
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
53
Ensaio
Estratégias Integradas de Testes (Integrated Testing Strategies) e
a construção da evidência
A produção extensiva de novos produtos químicos foi força motriz para a
mudança no modelo de avaliação de substâncias, já que experimentação animal
isolada não é um modelo capaz de acompanhar o ritmo de produção da indústria,
com inadequações econômicas (longo tempo para análise e altos custos) e mesmo
filosóficas (Filosofia 3R) (SANTOS, 2011a; 2011b).
Já há disponível uma base de dados nos Estados Unidos (United States
National Library of Medicine), que reúne bibliografia especial sobre métodos
alternativos ao uso de animais, tais quais modelagens computacionais, testes in
vivo, e outras abordagens. A ALTBIB (Bibliography on Alternatives to Animal
Testing)1.
A combinação de diferentes métodos de avaliação (in silico, in vitro e in
vivo) tem sido considerada o modelo mais adequado no atual contexto de
produção. A chamada Estratégia Integrada de Testes (Integrated Testing
Strategies - ITS) proporciona a utilização de métodos de fronteira (modelos
computacionais e in vitro) agregada à utilização racional de animais.
Alguns autores têm sugerido a avaliação preliminar com modelos in silico
como primeira etapa, devido à rapidez e baixo custo, e, por conseguinte, a
realização de estudos in vitro e in vivo, conforme seja necessário (BENFENATI,
2010; NETZEVA, 2007; SANTOS, 2011a; 2011b).
No Brasil, ainda existe a necessidade de elaborar guias com Estratégias
Integrada de Testes para perigos à saúde e ao meio ambiente, considerando a
capacidade preditiva de cada modelo (in silico, in vitro e in vivo) em relação à um
United States National Library of Medicine. Base de dados ALTBIB. Disponível em:
<http://toxnet.nlm.nih.gov/altbib.html> acesso em 12 de fev. 2012.
1
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
54
Ensaio
determinado efeito, visando facilitar a avaliação de produtos de maneira custoefetiva, tendo a vista a segurança da saúde humana e do meio ambiente.
Existem muitos produtos com fichas de informação toxicológica com
ausência de dados devido ao fato de que muitos produtos produzidos no território
brasileiro não foram devidamente avaliados. Em países desenvolvidos há
programas de segurança que organizam inventários locais com a lista das
substâncias existentes no território, com requisitos mínimos de informação de
acordo com o perfil dos produtos (de produção ou perfil toxicológico mediante
triagem), e definição de substâncias prioritárias para avaliação. Como exemplo a
lista DSL (Domestic Substance List), programa dos Ministérios da Saúde e Meio
Ambiente do Canadá2, previamente avaliada com modelos in silico; e, o programa
HPV (High Production Volume)3, nos Estados Unidos.
Fatos sobre o Bisphenol-A e a importância da aplicação da
Toxicologia Baseada em Evidências nas investigações toxicológicas
O julgamento especializado das evidências traz uma nova visão sobre a
avaliação de informações na avaliação de risco, possibilitando ao toxicólogo uma
visão mais crítica em relação à avaliação do risco. Trata-se do hábito de avaliar
criteriosamente e sistematicamente a divergência de dados da literatura.
Foi notável a problemática da avaliação do Bisfenol A (BPA), um agente
químico sintetizado pela primeira vez em 1891, tornando-se, em 1957,
largamente utilizado para fins comerciais, com produção estimada de cerca de
700 a 865 toneladas por ano, tendo como a principal empregabilidade industrial a
produção de plásticos. (EDMONDS et al., 2004; DOERGE et al., 2010;
LOGANATHAN & KANNAN, 2011).
Environment Canada. Domestic Substances List Categorization and Screening
Program. Disponível em: <http://www.hc-sc.gc.ca/ewhsemt/contaminants/existsub/categor/approach-approche-eng.php> acesso em 12 de fev. 2012.
3 USEPA - United States Environmental Protection Agency. High Production Volume (HPV)
Challenge. Disponível em: <http://www.epa.gov/hpv/> acesso em 12 de fev. 2012.
2
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio
Devido às varias aplicações do BPA o ser humano e o meio ambiente estão
expostos constantemente, através de exposição ocupacional, ou por meio do
consumo de alimentos que possam estar contaminados, ou ainda através meio do
ambiente, devido à liberação do BPA em rios, solo e ar.
Dentre as vias de exposição apresentadas, a alimentar é a que gera maior
preocupação, pois esta exposição atinge uma gama muito grande de indivíduos
que variam em faixa etária, atividade laboral, estilo de vida, raça e sexo,
dificultando a determinação de um padrão de exposição, consequentemente
dificultando um estudo aprofundado de limites de exposição. Além disso, o
problema se agrava, pois a exposição ao BPA por via alimentar, somado as outras
vias, leva a crer que o tempo de exposição seja muito longo, possivelmente por
toda a vida.
Agências regulamentadoras de exposição a agentes químicos como a
Environmental Protection Agency (EPA) e a European Food Safety Authority
(EFSA) preconizaram que a quantidade de ingestão diária tolerável (TDI) para o
BPA é de 50 e 25 µg/kg/dia, respectivamente, bem como o NOAEL (No Observed
Effect Level) 50 mg/kg, contudo estes valores já são contestados por
pesquisadores forçando a Food and Drug Administration (FDA) a retomar o
estudos, para a obtenção de novos limites de exposição.
Os níveis de exposição estimados pela literatura mostram que um
indivíduo pode ingerir de 1,7 a 2,7 µg de BPA por dia, procedente de alimentos
contaminados por acondicionamento ou cultivo, sem levar em consideração os
valores de BPA presente na poeira, que o indivíduo pode deglutir juntamente com
os alimentos, apresentando concentrações que variam de 0,008 a 0,014 µg por dia.
A estes valores, ainda, podem ser somados os valores de BPA contido em
refrigerantes enlatados e em garrafas de água, que apresentam valores de 0,0045
a 4,5 µg por litro e 0,1 a 0,7 g por litro respectivamente. (DEKANT & VOLKEL,
2008; EHLERT et al., 2008; CAO et al., 2009; LOGANATHAN & KANNAN,
2011).
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
56
Ensaio
Estes valores estão nitidamente abaixo dos valores estimados pela EPA e
pela EFSA, contudo o ser humano está exposto às concentrações citadas
anteriormente de forma crônica, e que pode provocar efeitos tóxicos em longo
prazo.
A controvérsia dos níveis permitidos de BPA para o ser humano geraram
muitas discussões e levaram a FDA promover novos estudos com relação a ação
deletéria do BPA, pois vários estudos mostraram a atividade estrogênica deste
composto, com concentrações muito inferiores as atualmente preconizadas como
seguras pelas agências regulamentadoras (LOGANATHAN & KANNAN, 2011).
Devido ao conhecimento da atividade estrogênica do BPA, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) através da RDC 41 de 16 de setembro
de 2011, proibiu a produção e comercialização de mamadeiras com BPA na sua
composição.
Atualmente, com o conhecimento de outras fontes de exposição ao BPA,
comunidade científica tem conduzido pesquisas com foco nas evidências de que
pequenas concentrações de BPA no organismo poderiam alterar frações
moleculares, estas evidências direcionam as investigações para a avaliação da
capacidade genotóxica e mutagênica devido à exposição crônica.
Discussão
A
mudança
de
paradigmas
de
uma
ciência
faz
parte
de
seu
amadurecimento, frente aos desafios das evoluções humana, científica e
tecnológica. Em se tratando da Toxicologia, quando segmentamos dessa forma,
apontamos que (i) o modelo de vida humano e suas respectivas demandas, (ii) os
avanços nas diferentes ciências e a expansão das possibilidades nas suas
interfaces (ex: ciências computacionais vs. Toxicologia), e os (iii) avanços
tecnológicos
(surgimento
de
softwares
de
Toxicologia
Computacional,
desenvolvimento de sistemas de avaliação da toxicidade in vitro usando-se a
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
57
Ensaio
robótica4, etc.); impulsionaram novos paradigmas para a Toxicologia, inclusive a
possibilidade de se obter antecipadamente (na fase de planejamento) informações
sobre uma determinada molécula, campo da Toxicologia Preditiva (Predictive
Toxicology).
A
transição
de
paradigma
em
uma
Ciência
faz
parte
de
seu
desenvolvimento, sendo que para a nossa amadurecida Toxicologia, não o é
diferente. As ciências interagem entre si, numa dinâmica de mútua troca de
avanços e quebra de paradigmas, desde mudanças em metodologias consideradas
mais adequadas para avaliar-se conhecer alvos moleculares e celulares, como na
forma com que podem ser tratadas informações sobre toxicidade, e ainda, nas
diferentes interpretações que podemos ter diante de um resultado toxicológico.
Chegamos ao nível de atribuir “peso às evidências”, tornamos importante a
atualização e informatização dos dados toxicológicos, e a robustez das bases de
dados toxicológicos tornou-se essencial para a Toxicologia que conhecemos hoje.
THOMAS KUHN (1990) em sua obra chamada “A estrutura das revoluções
científicas”, segmenta a ciência em dois diferentes momentos, a ciência normal e
a ciência em crise. A ciência normal tem um paradigma estabelecido, a partir do
qual acredita-se encontrar a resposta e solução dos problemas, mas que
geralmente a deixa limitada a não descobrir fatos novos ou aumentar seu
espectro. Trata-se de uma promessa fantasiosa de que todos os problemas são
passíveis de serem resolvidos com o paradigma proposto, muitas vezes tentandose até forçar a realidade a encaixar-se dentro dos limites do paradigma, mazela a
qual sofrem muitas áreas científicas.
Quando um paradigma perde sustentação em uma ciência, surge então a
ciência em crise, ponto-chave para a mudança de paradigma. Kuhn afirma no
capítulo VI de sua obra que: “o significado das crises consiste exatamente no fato
USEPA - United States Environmental Protection Agency. Programa Tox21- Colaboração entre o National Institutes of
Environmental Health Sciences (NIEHS), National Toxicology Program(NTP), National Institutes of Health/National
Human Genome Research Institute , NIH Chemical Genomics Center (NCGC) and the Food and Drug Administration
(FDA) e EPA (Environmental Protection Agency). Disponível em: <http://epa.gov/ncct/Tox21/>
4
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
58
Ensaio
de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos”. Para
Kuhn, a crise e as conseqüentes mudanças de paradigmas por meio de revoluções
científicas são sinais de uma ciência amadurecida.
Conforme visto, sob nosso ponto de vista, a crise paradigmática da
Toxicologia para avaliação de substâncias se deu devido a um conjunto de fatores
intra e extra ciência. No cenário atual, são notáveis algumas “forças motrizes”
que têm incitado a transformação da Toxicologia Moderna:
(i)
Avanços
nas
subáreas
da
Toxicologia
(Toxicologia
Molecular,
Experimental, Computacional, entre outras) e ciências correlacionadas
(as –ômicas, química computacional, bioinformática, Inteligência
artificial, robótica aplicada em ensaios automatizados, entre outras);
(ii)
O conhecimento de que uma substância-alvo pode dar origens a
metabólitos e produtos de degradação com toxicidade distinta, o que
multiplica a lacuna de conhecimento sobre a toxicidade de uma dada
entidade química, e portanto, exige uma abordagem racional e mais
abrangente de testes (também chamada de abordagem integrada);
(iii)
O atual modelo regulatório no mercado internacional de produtos
químicos, que pressiona a indústria para avaliação dos riscos e que
exige a entrada no mercado de produtos com perfil cada vez menos
preocupante para a saúde e para o meio ambiente, o que demanda a
existência
de
abordagens
preditivas
no
Planejamento
e
Desenvolvimento (P&D) de substâncias, considerando metodologias
praticáveis, custo-efetivas e que tenham em vista a redução de animais
em testes;
(iv) O atual modelo de mercado, em que a preocupação com a saúde humana e
com o meio ambiente exigem políticas responsáveis (que tornam-se
vantagens competitivas), entre as quais, a possibilidade de se prever
antecipadamente
a
toxicidade
e
comportamento
ambiental
de
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e
Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
59
Ensaio
moléculas, escolhendo-se aquelas que forem consideradas de menor
preocupação.
(v) A frágil capacidade da sociedade de apoderar-se politicamente e de
perceber os riscos químicos na dimensão em que se estendem.
Conclusão
As políticas de segurança de segurança toxicológica do país devem estar
alinhadas aos avanços e mudanças de paradigma da Toxicologia, que consideram
a construção e o julgamento das evidências como pontos-chave para a saúde
humana e meio ambiente. Se fazem necessárias novas discussões quanto (i) à
aplicação das Estratégias Integradas de Testes para avaliação de efeitos
(eco)toxicológicos de maneira custo-efetiva; (ii) ao criterioso julgamento
especializado do peso das evidências; (iii) à criação de programas de avaliação de
substâncias produzidas no território brasileiro, com a construção de inventários
locais (municipais, estaduais e federais) e plano de avaliação com estratégias
apropriadas; (iv) a disponibilização de informações em sistemas de informações
de segurança e emergências toxicológicas.
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61
Ensaio
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Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Revisão
RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO
METAMIDOFÓS.
Michelle Broglia Diaz
Farmacêutica com Habilitação na área industrial pelo Centro
Universitário São Camilo em 2003 (Campus Ipiranga em São
Paulo/SP). Especializada em Homeopatia pela FACIS-IBEHE em
2009 (São Paulo/SP). Técnica em Química pelo Colégio Benjamin
Constant em 1998. (São Paulo/SP). Experiência profissional
através de estágios e trabalhos efetivos em hospitais, clínicas,
drogarias, farmácias com manipulação, consultoria em toxicologia.
Estágio em produção industrial e assistência farmacêutica pelo
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo.
E-mail: [email protected]
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
Resumo
O metamidofós é amplamente utilizado em vários países e a quantidade de
resíduos gerados pelo seu uso excede frequentemente a capacidade de
autodepuração dos solos. Apesar de diferentes processos de degradação que pode
sofrer, o uso intenso do produto é capaz de impactar o solo, impossibilitando sua
autopurificação e detoxicação, uma vez que a toxicidade e a biodisponibilidade do
inseticida são elevadas. A adsorção de praguicidas em solos pode destruir a
composição e a estrutura originais das comunidades de microrganismos naturais
em diferentes níveis, resultando em declínio da atividade ecológica e diversidades
funcionais e metabólicas naturais do sistema. O metamidofós, por sua atuação
como inibidor da AChE, causa efeitos significativos a biota que não constitui alvo
intencional do praguicida, incluindo seres humanos, outros vertebrados e
invertebrados, resultando em sérios impactos.
Palavras-chave: Metamidofós. Risco Ecotoxicológico. Risco a Biota.
Abstract
Metamidofós is still widely used in some countries and the amount of residues
generated by its use exceeds frequently the soil natural depuration capacity.
Although the product may undergo different processes of degradation, its intense
use is capable of disturbing the soil system and disabling its depuration and
detoxication ability. Due to the insecticide high bioavailability, the biota is ready
affected. The product adsorption by the soil can destroy the original composition
and structure of natural microorganisms communities, resulting in a decline of
the ecological activity and natural functional, as well as the system metabolic
diversity. Metamidofós, as an AChE inhibitor, significantly affects unintentional
targets, a wide variety of life forms including human beings, other vertebrates
and invertebrates, thus resulting in serious damage.
Key-words; Metamidofós. Ecotoxicological Risk. Biota Risk.
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
Introdução: Processos de degradação do metamidofós, impactos e
risco ecotoxicológico causados ao solo
O metamidofós é amplamente utilizado em vários países e a quantidade de
resíduos gerados pelo seu uso excede frequentemente a capacidade de
autodepuração dos solos (GARCÍA DE LA PARRA et al, 2006). O uso intenso do
praguicida, resultando na presença deste em altas concentrações no ambiente,
está relacionado a efeitos adversos diretos e potenciais em sistemas naturais (LI
et al, 2005; WANG et al, 2008). Como exemplo, pode-se citar a presença de altas
em altas concentrações de metamidofós em plantas (LI et al, 2005).
A degradação de praguicidas no solo está relacionada a várias interações
complexas que envolvem processos químicos, físicos e biológicos. Exemplos dos
diferentes processos de degradação do metamidofós no solo incluem:

Sob condições aeróbicas, no escuro e em solo arenosos apresenta meia vida
de 14 horas; sob condições semelhantes, porém em ausência de oxigênio,
apresenta meia vida de 4 dias. Sua rápida hidrólise no meio ambiente
sugere que tem baixa tendência a sofrer lixiviação (EPA, 2005);

Sorção aumenta com o aumento do pH, podendo atingir seu máximo
(100%) em solos com o pH em torno de 11,5 e com baixas concentrações de
minerais tais óxidos de alumínio e ferro (KOLELI et al, 2006). Esse
comportamento se deve, provavelmente, a presença de grupos funcionais
reativos que faz com que o praguicida se ligue à matéria orgânica e/ou às
superfícies minerais dos solos (SINGH et al, 1998);

Adsorção aumenta com o aumento da temperatura em solos tropicais:
quantidades de 20, 40, 60, e 100 µg ml-1 do produto em 5 g de solo a 30°C
apresentaram alta adsorção, cerca de 70% (YEN et al, 2000);

Dissipação rápida já foi atribuída a macropóros, à umidade elevada (CHAI
et al, 2009) e a microrganismos presentes no solo. Uma linhagem de
microrganismos (Hyphomicrobium sp.) foi capaz de utilizar o metamidofós
como única fonte de carbono, nitrogênio e fósforo, contribuindo para a
completa eliminação do inseticida no local (WANG et al, 2010). A secreção
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
da minhoca (Eisenia fetida) também parece contribuir com a sua
degradação (ZHOU et al, 2008).
Apesar dos processos de degradação mencionados, não se pode descartar
que o uso intenso deste produto é capaz de impactar o solo, impossibilitando sua
autopurificação e detoxicação (ZHOU, 2006), uma vez que a toxicidade e a
biodisponibilidade desse inseticida são elevadas (WOREK et al, 2007). O solo
assim degradado pode prejudicar a diversidade e a atividade das comunidades de
microrganismos colonizadores, indicadores da qualidade deste sistema (WANG et
al, 2008).
Os microrganismos são componentes importantes dos solos, uma vez que
participam da ciclagem natural de vários nutrientes, desempenhando papel
importante na manutenção da qualidade do sistema (WANG et al, 2008). A
adsorção de praguicidas em solos pode destruir a composição e a estrutura
originais das comunidades de microrganismos naturais em diferentes níveis,
resultando em declínio da atividade ecológica e diversidades funcionais e
metabólicas dos solos (IBEKWE et al, 2001).
Estudos demonstram que algumas espécies, como por exemplo, o ácaro
(Tetranychus urticae), possuem mutações em genes que codificam a enzima
AChE, o que conferem resistência a praguicidas organofosforados (KHAJEHALI
et al, 2010; KWON et al, 2010). Por outro lado, outros habitantes do solo parecem
mais suscetíveis. A Tabela 1 lista alguns dos estudos que mostram impactos
causados pelo metamidofós em organismos do solo.
Tabela 1. Estudos sobre o impacto do metamidofós em organismos do solo .
Organismo
Concentração
Efeito
Referência
Minhoca (Capitella sp
Y)
0,008 e 0,26 mg/g-1
Afetou na alimentação de uma espécie
MÉNDEZ et al., 2008
Fungo
250 mg/kg-1
Aumento da população de fungos e fungos
patogênicos
LI et al., 2008
Microrganismos
2,38 e 23,8 mg/kg-1
Reduziu a biomassa, aumentou as atividades
catabólicas e diminuiu a diversidade genética
WANG et al., 2008
Microrganismos no
solo
150 e 250 mg/kg-1
Afetou o conjunto de genes funcionais
ZHEN-CHENG et al., 2007
O risco ecotoxicológico conceitual do uso do metamidofós em campos
agrícolas, mostrando as vias de contaminação, as fontes de exposição, os
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
organismos receptores e os efeitos que esse inseticida pode causar no solo esta
esquematizado na Figura 1. A avaliação do volume de resíduos de metamidofós
no ambiente pode ser feita através da quantidade de anticorpos (expressos pelo
gene scFv) produzidos pela levedura Pichia pastoris (LI et al, 2008), o que pode
dar suporte para a caracterização dos danos que o metamidofós possa causar aos
microrganismos do solo.
Figura 1 - Risco ecológico conceitual para metamidofós (adaptado de EPA, 2008).
Riscos a biota
O metamidofós, por sua atuação como inibidor da AChE, causa efeitos
significativos a biota que não constitui alvo intencional do praguicida, incluindo
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
seres humanos, outros vertebrados e invertebrados, resultando em sérios
impactos ao meio ambiente (WHO, 1986).
Os ambientes aquáticos cobrem dois terços do planeta e são habitados pela
maioria das espécies existentes nos diferentes nichos ecológicos (JHA, 2004). A
água é frequentemente usada para transportar produtos residuais para longe do
local de produção e descarga. Esses produtos residuais transportados são
geralmente tóxicos e sua presença pode degradar seriamente o ambiente de rios,
lagos ou riachos receptores (WHITE; RASMUSSEN, 1998), contribuindo para a
redução da qualidade ambiental e comprometendo a saúde dos seres que vivem
nesses ecossistemas (CAJARAVILLE et al, 2000). Desta maneira o metamidofós,
amplamente utilizado em áreas agrícolas em todo o mundo, atinge os corpos
d’água (ZHANG et al, 2002), e ai se dilui, por possui alta solubilidade em água (>
2000 g L-1 a 25°C) (YEN, 2000).
Para peixes estuarinos e marinhos o metamidofós é moderadamente tóxico
em exposição aguda; e para invertebrados aquáticos estuarinos e marinhos, este
inseticida é moderado a altamente tóxico (EPA, 2006). Estudos sobre a toxicidade
aguda do metamidofós em invertebrados aquáticos estão listados na Tabela 2, e a
outros animais aquáticos, na Tabela 3.
Tabela 2 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós para invertebrados
aquáticos. DL, dose letal para 50% da população estudada
Espécie
DL50 (mg/kg) Categoria de toxicidade
Oral Aguda (Dose única via gavagem)
Pato Real
8,48
Codorna do norte
8
Pássaro preto (Common Grackle)
6,7
Pássaro de olhos pretos (Junco)
8
Altamente tóxico
Dieta Subaguda (Cinco dias de tratamento com ração)
Pato real
847,7
Moderadamente tóxico
Codorna do norte
42
Altamente tóxico
Fonte: Adaptada EPA, 2006
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
Tabela 3 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós para vertebrados
aquáticos. Legenda: CE,concentração efetiva para 50% da população estudada; ppb, partes
por bilhão; a.i., ingrediente ativo.
Espécie
CE50 (ppb ai)
48 h
96 h
Categoria de Toxicidade
Animal de Água Doce
Pulga d'água
0,026
/
Altamente tóxico
Animal Marinho/Estuarino
Ostra
/
39
Levemente tóxico
Camarão azul
/
0,00016
Altamente tóxico
5,6
Moderadamente tóxico
Camarão mysid
/
Fonte: Adaptado do EPA, 2006
Estudos de toxicidade aguda mostram que o metamidofós é ligeiramente
tóxico para peixe de água doce e é altamente tóxico para invertebrados de água
doce. Por exemplo, as larvas de crustáceos são extremamente sensíveis ao
produto, uma dose de aproximadamente 2,2 x 10-7 mg L-1 é letal (LIMA et al,
2001). Para a estrela do mar Tetrapygus niger, a CI50 (Concentração Inibitória) de
1 h para metamidofós é 1423 e 608 mg a.i. L-1 respectivamente (IANNACOONE
et al, 2007). Uma listagem de estudos relevantes sobre concentrações inibitórias
do metamidofós para invertebrados aquáticos e insetos está na Tabela 4.
Vários inseticidas usados extensivamente em diferentes tipos de cultura
mostram-se extremamente tóxicos para aves, ocasionando, na maioria das vezes,
a morte desses animais. Para aves expostas a 2200 g ia/há (ingrediente ativo por
hectare) de metamidofós, a DH5 (dose de risco para 5% das espécies da
distribuição da dose letal) é de 129 kg de ave por m2 e expostas a 150 g ia/ha a
DH5 é de 8,83 kg de ave por m2 (PARSONS et al, 2010).
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
Tabela 4 - Estudos sobre concentrações inibitórias do metamidofós para organismos aquáticos e
insetos. Legenda: i.a., ingediente ativo; µg/frasco, micrograma por frasco; CL, concentração letal
para 50% da população estudada.
Espécie
Nome Popular
CL50
Referência
Paracheirodon
Peixe Neon
innesi
Verdadeiro
Oncorhynchus
Peixe truta
mykis
arco-íris
Cyprinodon
Peixe Vairão
variegatus
Oreochromis
Peixe Tilápia do
niloticus
Nilo
Hypophthalmich
Peixe Carpa
thys molitrix
Prateada
Lepomis
Peixe Brânquia
macrochirus
Azul
Litopenaeus
vannamei
Camarão
branco
Oncorhynchus
mykis
Oncorhynchus
mykis
Litopenaeus
vannamei
Poecilia
reticulata
Cyprinus Carpio
Penaeus
stylirostris
Carassius
auratus
Peixe truta
arco-íris
Peixe truta
arco-íris
Juvenis de
camarão cinza
Lygus lineolaris
Capitella sp. Y
Chironomus
calligraphus
Tisbe monozota
Animais Aquáticos
10,13 - 20,56 mg/ia/L-1 (96
h)
IANNACONE et al., 2007
19,12 mg/ia/L-1 (96 h)
5,6 mg L-1 (96 h)
29,20 mg L-1 (96 h)
158,5 mg L-1 (48 h)
31 mg L-1 (96 h)
2,34 mg/L-1 (72 h)
1,46
mg/L-1
(96 h)
DILEANIS et al., 1996 apud
IANNACONE et al, 2007
WU et al., 1984 apud
IANNACONE et al, 2007
USEPA, 1998 apud
IANNACONE et al, 2007
GARCÍA-DE LA PARRA et al.,
2006
25-51 mg/L-1 (96 h)
TOMIN, 1994 apud HUNG et
al., 2002
25-51 mg/L-1 (96 h)
apud HUNG et al, 2002
1,67 mg/L-1 (96 h)
BAUTISTA, 2001
Barrigudinho
46 mg/l-1
Carpa
100 mg/L-1
Camarão azul
0,16 mg/L-1 (24 h)
JUÁREZ E SÁNCHEZ, 1989
Gold fish
100 mg/L-1 (96 h)
WHO, 1993
Palisot de
Beauvois
ALLEN et al, 2009
Poliqueta
Insetos
2,11 µg/frasco (3 h) primeiro estágio larval
5,15 µg/frasco (3 h) segundo estágio larval
6,54 µg/frasco (3 h) terceiro estágio larval
10,16 µg/frasco (3 h) quarto estágio larval
15,69 µg/frasco (3 h) quinto estágio larval
6,85 µg/frasco (3 h) adulto
0,54 mg/g (16 d)
MÉNDES et al, 2008
Díptero
1,32 - 4,5 mg/ia/L-1 (48 h)
IANNACONE et al, 2007
Copépode
0,0069 mg/g (24 h)
LEYVA-COTA, 2004
apud LIMA et al., 2001
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão
A Tabela 5 apresenta uma revisão de dados da literatura sobre a toxicidade em
aves, mostrando que o metamidofós é extremamente tóxico na exposição aguda
oral e ligeiramente a altamente tóxico na exposição alimentar subaguda (EPA,
2005).
Tabela 5 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós em aves.
DL, dose letal para 50% da população
Espécie
DL50 (mg/kg)
Categoria de toxicidade
Oral Aguda (Dose única via gavagem)
Pato Real
8,48
Codorna do norte
8
Pássaro preto (Common Grackle)
6,7
Pássaro de olhos pretos (Junco)
8
Altamente tóxico
Dieta Subaguda (Cinco dias de tratamento com ração)
Pato real
Codorna do norte
Fonte: Adaptada EPA, 2006
847,7
Moderadamente tóxico
42
Altamente tóxico
Segundo o EPA (2006), não são necessários testes com mamíferos silvestres
para avaliação do risco do metamidofós. Os dados de toxicidade aguda e crônica
com ratos são relevantes para demonstrar os efeitos ecológicos, e demostram a
alta toxicidade do produto para mamíferos de pequeno porte, em teste de
toxicidade aguda oral e dérmica.
Apesar de não ser uma exigência a realização de testes com animais
silvestres, um estudo verificou a toxicidade de metamidofós em búfalos e concluiu
que 10 ppm do inseticida, após 72 h de exposição, aumentam a produção de
progesterona nas células do corpo lúteo e que 10, 50 e 100 ppm resultam em
vacuolização citoplasmática, degeneração hidrópica, tumefação, ruptura e
encolhimento da membrana citoplasmática, além alterações nucleares, tais como
condensação, necrose e vacuolização (GILL et al, 2011).
O metamidofós é utilizado para combater lagartas da soja, besouros e
percevejos em várias áreas produtoras de soja e arroz, entre outras culturas (LI
et al, 2008; SÓSA-GOMES e SILVA, 2010). Esse inseticida, além de atuar na
inibição da acetilcolinesterase, interfere também nos canais iônicos da membrana
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox
de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
70
Revisão
celular desses organismos (NAHRASHI et al, 2000). A Tabela 6 apresenta alguns
estudos de insetos expostos ao metamidofós.
Tabela 6 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós para insetos
Nome
Espécie
Concentração
Efeito
Popular
Lipaphis
Inibiu a formação de casulo e a
Pulgão
204 mg/L-1
erysimi
emergência de adultos
Monochamus
alternatus
Larvas de
nematóide
64,6 mg/L-1
Diminuição da taxa de resistência
desta população e letalidade
Monochamus
alternatus
Larvas de
nematóide
100 µmol/L-1
Inibiu a fosforilação de proteínas
Referência
WU et al.,
2009
LIU et al.,
2008
As abelhas são bons indicadores biológicos porque mostram os prejuízos
que um produto químico pode causar. No caso dos praguicidas, esse fato pode ser
percebido através de dois sinais: a alta mortalidade desses animais e a presença
de resíduos em seu corpo (CELLI, 1994 apud PORRINI et al, 2003). Estudos
apontaram o metamidofós como altamente tóxico para abelhas, Apis mellifera
(SANFORD, 2003), sendo nelas encontrado resíduos (29 μg kg-1 de metamidofós)
quando coletadas em campos agrícolas (ORANTES-BERMEJO et al, 2010).
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Artigo Original
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em
alimentos cárneos comercializados em Salvador.
Renata de Souza Guerreiro
Graduanda em Farmácia, UNIME - Salvador; Analista do
Laboratório de Físico-Química de
Alimentos, SENAI-CETIND.
Endereço: Cabula VI, Bloco 45, Ap 201, 41181045 - Salvador- BA.
E-mail: [email protected]
Matheus Santos de Sá
Farmacêutico, UFBA; Doutor em Biotecnologia em Saúde e
Medicina Investigativa, FIOCRUZ; Docente das disciplinas de
Toxicologia e Farmacologia, UNIME, EBMSP e ESTÁCIO.
Letícia de Alencar Pereira Rodrigues
Engenheira de Alimentos, UNICAMP; Mestre em Ciência de
Alimentos, UFBA; Coordenadora do Laboratório de Físico-Química
e Microbiologia de Alimentos, SENAI-CETIND.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original
Resumo
Os sais de nitrito e nitrato são substâncias adicionadas intencionalmente aos
alimentos cárneos com a finalidade de inibir o crescimento de microrganismos e
conferir características sensoriais específicas destes produtos. No entanto, o
excesso destes aditivos preocupa a comunidade científica em função dos riscos
toxicológicos à saúde humana, como indução à metahemoglobinemia e formação
de compostos cancerígenos. Visando o controlar os níveis destes sais, a legislação
brasileira estabeleceu limites máximos de concentrações permitidas nestes
produtos. Com o objetivo de avaliar o teor desses aditivos em alimentos cárneos
comercializados na cidade de Salvador, foram analisadas 18 amostras por meio
da técnica espectrofotométrica. No presente estudo, apenas uma amostra
apresentou resultado superior ao preconizado pela legislação. Para garantir a
confiabilidade dos resultados gerados neste trabalho, o método analítico utilizado
foi validado através dos parâmetros de limite de detecção e quantificação,
linearidade, exatidão e precisão. A faixa linear de trabalho do método foi de
0.000008 a 1.300 µg/g, o limite de quantificação para o nitrito e nitrato foi de
0,080 mg/kg e 0,30 mg/kg, respectivamente. A recuperação média foi de 90,5 e 104
% para o nitrito e nitrato, respectivamente. O método proposto mostrou-se
adequado para análise de nitrito e nitrato em alimentos cárneos.
Palavras-chave: Nitrito. Nitrato. Cárneos. Toxicidade. Espectrofotometria.
Abstract
The salts of nitrite and nitrate are substances added to food meat in order to
inhibit the growth of microorganisms and give their specific sensory
characteristics. However, these additives concern over the scientific community
on the basis of toxicological risks to human health, such as induction of
methemoglobinemia and formation of carcinogenic compounds. In order to control
the levels of these salts, the Brazilian legislation has established maximum
concentrations allowed in these products. In order to evaluate the content of
these food additives in meat sold in the city of Salvador, 18 samples were
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original
analyzed by spectrophotometric method. In this study, only one sample showed
better result than recommended by law. To ensure reliability of results generated
in this work, the analytical method used was validated through the parameters
of the limit of detection and quantification, linearity, accuracy and precision. The
linear working range of the method was 0.000008 to 1.300 µg / g, the limit of
quantification of nitrite and nitrate was 0.080 mg/kg and 0.30 mg/kg,
respectively. The average recovery was 90.5 and 104% for nitrite and nitrate,
respectively. The proposed method was suitable for analysis of nitrite and nitrate
in meat foods.
Key-words: Nitrite. Nitrate. Meat. Toxicities. Spectrophotometry.
Introdução
Os compostos nitrogenados são encontrados em grande quantidade na
natureza e participam da maioria dos processos biológicos. Em vegetais, o nitrato
se encontra naturalmente presente, visto que a planta o absorve como fonte de
nitrogênio para seu crescimento (MOREAL e SIQUEIRA, 2008). A sua presença
em alimentos cárneos se deve a adição intencional dos sais de nitrito/nitrato de
sódio ou potássio durante o seu processamento (MARTINS e GRANER, 2011).
A principal justificativa do uso desses aditivos, além dos aspectos de sabor e
cor, é a sua ação preventiva na germinação e proliferação de esporos de algumas
bactérias (ORDÓNEZ, 2005), especialmente Clostridium botulinum, responsáveis
pela produção de neurotoxinas causadora do quadro de botulismo (PÉREZ et al.,
1996).
Apesar dos benefícios que esses aditivos trazem para a tecnologia de
alimentos, o uso de xenobiótiocos em alimentos, é motivo de preocupação para a
comunidade científica, devido às possibilidades de reações tóxicas ao organismo,
que estão relacionadas à quantidade ingerida.
O mais importante efeito tóxico agudo decorrente da ingestão de nitrito e/ou
nitrato é a metahemoglobinemia (DUARTE, 2010). Essa síndrome clínica é
causada pelo aumento da concentração de metahemoglobina no sangue (UDEH et
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original
al., 2001), que ocorre tanto por alterações congênitas na síntese ou no
metabolismo da hemoglobina, como em situações agudas de desequilíbrio nas
reações
de
redução
e
oxidação
induzidas
pela
exposição
a
agentes
metemoglobinizantes, como por exemplo, os nitritos e nitratos. (YANG et al., 2005
apud NASCIMENTO et al., 2008). O Nitrito interage com a Hemoglobina (Hb)
oxidando-a a metahemoglobina (MeHb). Nessa reação, o átomo de ferro (II) do
grupo heme é oxidado a ferro (III). Como a MeHb não se liga de forma reversível
ao oxigênio, como acontece com Hb, ocorre uma redução no transporte de oxigênio
dos alvéolos pulmonares para os tecidos. (MOREAL; SIQUERA, 2008). A
toxicidade do nitrato é atribuível à sua redução enzimática e/ou microbiana a
nitrito (DUARTE, 2010).
Níveis altos MeHb resultam em pigmentação acinzentada, tontura, cefaléia,
dispnéia, sintomas de baixo débito cardíaco e sonolência (NASCIMENTO et al.,
2008). Lactentes, são mais susceptíveis a metahemoglobinemia do que adultos,
por apresentarem deficiência fisiológica transitória da MeHb redutase ou de seu
co-fator NADH (MOREAL e SIQUERA, 2008) e por possuírem baixa acidez
estomacal, o que os tornam mais susceptíveis a ação das bactérias redutoras de
nitrato (MCKNIGHAT et al., 1999).
O excesso destes íons também pode levar a um aumento da incidência de
câncer de estômago em seres humanos. O problema reside no fato de que os
nitritos podem reagir com aminas para formar N-nitrosaminas, compostos
conhecidos pelo seu potencial carcinogênico e por sua ação teratogênica em
animais (WHO, 1995).
Em resposta a esse problema, a legislação brasileira, de acordo com a
Portaria nº. 1004/1998, atribuiu um limite máximo do teor desses conservantes
nos produtos acabados a serem consumidos de 150 mg/kg (de nitrito de sódio ou
potássio) e 300 mg/kg (de nitrato de sódio ou de potássio). A referida portaria
permite a mescla de nitrito e nitrato, desde que a soma das suas concentrações
não seja superior a 150 mg/kg. (BRASIL, 1998).
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original
Avaliando a importância industrial e os possíveis aspectos toxicológicos
causados por esses aditivos, é essencial que seja executado o monitoramento do
seu teor, evitando dessa forma, riscos a saúde da população. A principal
ferramenta para assegurar que esses produtos estejam enquadrados nas
determinações legais é através da determinação quantitativa desses compostos.
A técnica analítica mais amplamente utilizada para a determinação de
nitrito e nitrato, pela sua simplicidade, é a espectrofotometria, (XIMENES et al.,
2000). Porém várias outras têm sido empregadas, entre as quais, a cromatografia
líquida de alta eficiência com detectores UV-Vis, fluorescência, cromatografia de
íons, quimiluminescência e potenciometria (MOORCROFT e DAVIS, 2001).
Antes da aplicação de qualquer metodologia analítica é importante definir se
o método de ensaio está adequado à aplicação que se propõe, e para isso é
necessário realizar a sua validação. A validação de métodos é um dos requisitos
técnicos para a garantia da qualidade de resultados analíticos (EURACHEM,
2009; ABNT, 2005). Segundo o INMETRO (2011), o laboratório ao empregar
métodos normalizados não precisa validá-los por completo, entretanto, necessita
demonstrar que tem condições de operá-los de maneira adequada. A validação de
um método normalizado pode incluir parâmetros como, a linearidade, precisão,
exatidão, limite de detecção e limite de quantificação.
Considerando que a quantificação destes compostos é de fundamental
importância na preservação da saúde pública, o objetivo deste trabalho foi avaliar
o teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador,
através da comparação dos teores encontrados com os valores permitidos pela
legislação, bem como validar o método analítico utilizado a fim de garantir a
confiabilidade dos resultados encontrados.
Material e métodos
Foram analisadas 18 amostras aleatórias de três produtos cárneos
adquiridas em supermercados na cidade Salvador. Dessas amostras, seis foram de
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Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
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Artigo Original
mortadela, seis de presunto e seis de salsicha de diferentes marcas comerciais
cadastradas no Serviço de Inspeção Federal (SIF).
Para a realização deste experimento, utilizou-se o espectrofotômetro UV-Vis
(Varian Cary 50, Austrália), balança analítica (Ohaus Adventure, USA), banho
maria com agitador magnético (Fisatom, Brasil), micropipetas de volume variável
de 1000 µL e 5000 µL (Brand, Alemanha), processador (Walita master, Brasil).
Todos os reagentes e padrões empregados foram de pureza analítica e a água foi
obtida a partir de um deionizador (Permution, Brasil).
O método foi validado conforme descrito pelo Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). Uma vez que o
método utilizado neste artigo é clássico e derivado do método normalizado
descrito na AOAC (2005), os parâmetros avaliados foram: Precisão (através da
repetitividade), exatidão (através da recuperação), linearidade, e os Limites de
Detecção e Quantificação do Método - LDM e LQM.
Para avaliar a exatidão e precisão, foram preparadas e analisadas dez
replicatas de uma amostra de salsicha contendo adição de padrão em
concentrações conhecidas de nitrito e nitrato de sódio - 40 mg/kg de amostra. As
soluções padrões foram adicionadas à amostra após a pesagem, antes de ser
iniciado o processo de extração. Todas as replicatas foram analisadas por um
mesmo analista, em um curto espaço de tempo e utilizando os mesmos
equipamentos.
Avaliou-se a linearidade através da construção de uma curva analítica no
espectrofotômetro UV-Vis, com padrões de nitrito de sódio em sete níveis de
concentração, na faixa de 0,00 g/mL a 1,28 g/mL. Utilizou-se o método de
regressão linear para obter a equação da reta no formato y = ax + b e o coeficiente
de correlação.
A determinação do LDM e do LQM foi realizada através da análise de dez
replicatas de ensaios em branco, utilizando-se água deionizada isenta de nitrito e
nitrato.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original
Os dados relativos à exatidão, precisão, linearidade, LDM e LQM foram
lançados no software LABWIN-LIMS para cálculo e obtenção dos resultados
apresentados neste trabalho. O software em questão utiliza as equações e
métodos de cálculo descritos pelo INMETRO.
Para a realização do ensaio, executou-se o método descrito nas normas
analíticas do Instituto Adolf Lutz (BRASIL, 2005), cujo principio consiste na
reação do nitrito com uma amina primária aromática em meio ácido para formar
um sal diazônio, que por sua vez reage com um composto aromático formando um
azo-composto de coloração rósea - Reação de Griess- Ilosvay. Este composto
absorve na região do visível do espectro eletromagnético a 540 nm. O íon Nitrato
é determinado como íon nitrito após redução em coluna de cádmio esponjoso.
A técnica da análise envolve duas fases: A primeira visando extrair os
analitos da amostra e a segunda quantificar, conforme esquematizado na
FIGURA 1.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original
FIGURA I: Fluxograma esquematizado do processo de extração e quantificação de
nitrito/nitrato em alimentos cárneos.
Resultados e discussão
Na quantificação de xenobiótiocos em amostras de alimentos, é relevante a
aplicação de métodos adequados, de modo que neste trabalho a validação do
método tornou-se necessária. Os resultados referentes à validação do método
estão apresentados na TABELA I.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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TABELA I - Resultados da Validação
Parâmetros
Nitrito (NaNO2)
Nitrato (NaNO3)
4,2 %
7,0%
Repetitividade (%CV)
Recuperação
90,5 %
104,0 %
LDM
0,033 mg/kg
0,11 mg/kg
LQM
0,080 mg/kg
0,30 mg/kg
Linearidade
Até=1.3 µg/g
Sensibilidade
0.8906 (Abs./ µg/g)
0,9997
Coeficiente de correlação “r”
0,000008 a 1,300(µg/g)
Faixa de trabalho
O método avaliado apresentou limites de detecção de 0,033 mg/kg e 0,11
mg/kg e limites de quantificação de 0,080 mg/kg e 0,30 mg/kg de nitrito e nitrato
respectivamente. Estes valores foram bem inferiores aos limites máximos
permitidos pela legislação, demonstrando assim, a eficiência do método em
detectar e quantificar esses compostos. O Instituto Adolf Lutz (BRASIL, 2005)
apresenta o LDM para nitrito de 0,032 mg/kg, o que demonstra concordância
entre os resultados.
De acordo com Diretiva 657 das Comunidades Européias (2002), o coeficiente
de variação para a precisão em condições de repetitividade deve ser inferior a
10,7%. Para a exatidão, a recuperação deve está na faixa de 80 a 110%. Esses
limites estabelecidos pela diretiva estão relacionados com o nível de concentração
do analito na amostra.
Os resultados encontrados da repetitividade e recuperação, demonstrados na
TABELA 1, ficaram dentro dos padrões estabelecidos pela diretiva 657 das
Comunidades Européias (2002), evidenciando que o método pode ser considerado
preciso e exato.
Os
resultados
encontrados
para
a
avaliação
da
linearidade
estão
demonstrados no GRÁFICO 1.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
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GRÁFICO 1 - Curva analítica para Nitrito de sódio e os respectivos parâmetros
analíticos
Curva Analítica de Nitrito de sódio
1,4
1,2
Abs.
1
0,8
0,6
y = 0,8906x + 0,0099
r = 0,9997
0,4
0,2
0
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
Nitrito de sódio µg/mL
O coeficiente de correlação linear foi igual a 0, 9997, superior ao usualmente
requerido, proposto por CHASIN et al., 1988, onde preconiza como satisfatório o
coeficiente de determinação > 0,98.
O que demonstra que o método possui a
capacidade de produzir resultados diretamente proporcionais à concentração dos
analitos na amostra.
Após a comprovação da confiabilidade do método através da sua validação,
as amostras de mortadela, presunto e salsicha comercializadas em Salvador
foram analisadas pela metodologia proposta. A TABELA II apresenta os
resultados obtidos.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
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TABELA II - Resultados das análises de nitrito e nitrato de sódio em produtos cárneos
Produto
cárneo
Mortadela
Amostra nº.
*
m1
m2
m3
m4
m5
m6
Média ±
s***
Variação
Presunto
p1
p2
p3
p4
p5
p6
Média ± s
Variação
Salsicha
s1
s2
s3
s4
s5
s6
Média ± s
Variação
NaNO2 (mg/kg) ** NaNO3 (mg/kg)
**
NaNO2 + NaNO3 (mg/kg)
**
60,0
55,0
39,0
74,0
58,0
63,8
12,2
47,9
46,3
12,2
38,2
61,2
72,2
102,9
85,3
86,2
96,2
124,9
58,0 ± 11,5
39,0 – 74,0
36,3 ± 20,1
12,2– 61,2
94,6 ± 18,2
72,2–124,9
26,3
4,00
10,01
30,04
12,14
31,12
30,5
8,1
32,5
32,5
17,9
32,7
56,8
12,1
42,5
62,5
30,1
63,9
18,94 ± 11,5
4,00–31,12
25,7± 10,3
8,1–32,7
44,6 ± 20,6
12,1–63,9
60,0
38,0
80,0
51,1
74,0
64,2
71,5
44,7
117,8
61,9
51,8
52,4
131,5
82,7
197,8
113,0
125,8
116,6
61,22 ± 15,3
38,0–80,0
66,7 ± 26,7
44,7–117,8
128 ± 38,2
82,7–197,8
* Cada número de amostra representa uma determinada marca comercial.
** Limite máximo permitido: Portaria nº. 1004 (BRASIL, 1998):
- NaNO2: 150 mg/ kg
- NaNO3 (Expresso em NaNO2): 300 mg/ kg.
- NaNO2 + NaNO3 (Expresso em NaNO2): 150 mg/kg
*** s: Desvio padrão.
Neste estudo foram quantificados nitrito e nitrato de sódio (NaNO2 e
NaNO3) em todas as amostras analisadas. Por conta disso, além de avaliar a
concentração individual desses compostos, foi considerado também a soma das
suas concentrações.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
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Artigo Original
Para as amostras de mortadela, observou-se que as concentrações variaram
entre 39,0 a 74,0 mg/kg e 12,2 a 61,2 mg/kg de NaNO 2 e NaNO3 respectivamente,
e 72,2 a 124,9 mg/kg na soma dos dois compostos. Verificou-se que o presunto foi
o produto que apresentou um menor teor dos analitos avaliados, estando entre
4,00 a 31,12 mg/kg de NaNO2, 8,1 a 32,7 mg/kg de NaNO3, e 12,1 a 63,9 mg/kg na
soma de NaNO2 e NaNO3. Em contrapartida, as amostras de salsicha foram as
que apresentaram um maior teor dos analitos estudados. A concentração variou
entre 38,0 a 80 mg/kg e 44,7 a 117,8 mg/kg de NaNO2 e NaNO3 respectivamente.
A soma das suas concentrações teve uma variação entre 82,7 a 197,8 mg/kg.
Com base nos dados avaliados, foi possível constatar que dentre as amostras
analisadas, apenas a marca nº 3 de salsicha (s3) não está em conformidade com
legislação brasileira (BRASIL, 2008), visto que a soma das concentrações de
NaNO2 e NaNO3 -197,8 mg/kg, ultrapassa o limite máximo de 150 mg/kg,
caracterizando risco a saúde pública.
As demais amostras apresentaram teores inferiores aos limites máximos
estabelecidos pela legislação brasileira o que assegura o atendimento às
recomendações legais.
Estes resultados apresentam uma evolução positiva quanto às boas práticas
de fabricação dos produtos comercializados em Salvador quando comparados aos
resultados obtidos por ANDRADE e TRIGUEIRO (2008).
Os autores ao
analisarem 27 amostras de salsichas de ave comercializadas em Salvador
concluíram que 44,44% destas continham teor de nitrito acima do permitido pela
legislação.
Em outras regiões do Brasil, também é possível observar a preocupação das
indústrias de alimentos nestes aspectos com base nos estudos de PETRUCI
(2009). O autor, para comprovar a aplicação de um novo método por eletroforese
capilar, analisou o teor de NaNO2 e NaNO3 em amostras de diferentes produtos
cárneos comercializados em Araraquara-São Paulo, constatando que todos os
produtos analisados atendiam à legislação.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
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Artigo Original
Do mesmo modo que LIRA, et al. (2003), ao avaliar os teores de NaNO2 em
produtos cárneos comercializados em Maceió-AL, demonstrou que 100% dos
produtos cárneos estavam abaixo do limite máximo residual permitido pela
legislação brasileira.
Conclusão
Com base nos resultados obtidos nesta pesquisa, o método avaliado
apresentou-se adequado à análise de nitrito e nitrato em produtos cárneos, pois
apresenta
exatidão,
precisão,
linearidade
e
capacidade
de
detecção
e
quantificação satisfatórias. Dessa forma, é possível afirmar que apenas uma
amostra apresentou teor de nitrito e nitrato superior ao limite estabelecido pela
legislação brasileira.
Estudos como este, reforçam a importância da fiscalização quanto ao uso
destes aditivos e o monitoramento das suas concentrações, como um meio de
garantir a disponibilidade de alimentos seguros à população.
Agradecimentos
Ao SENAI-CETIND, pela excelente estrutura disponibilizada e pelo apoio
de toda a equipe. Em especial, ao engenheiro químico Antonio Luís S. Costa e a
farmacêutica bioquímica de alimentos Gisele V. T. A. Monteiro.
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GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira.
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista
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Artigo Original
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Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
92
ENSAIO
Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico
Talita Chinellato dos Santos
Farmacêutica formada pela Universidade Estadual de
Campinas - Unicamp. Experiência em indústria farmacêutica
na área de controle de qualidade microbiológico,
desenvolvimento analítico e equivalência farmacêutica.
Elaboração de projetos de pesquisa na área de toxicologia
social. Experiência na classificação de perigo de produtos
químicos (sistemas GHS, Comunidade Européia, Diagrama de
Hommel, transporte, etc) e elaboração de documentos de
Segurança (Ficha de Informações de Segurança de Produtos
Químicos -FISPQ, Ficha de Emergência, e rótulo).
Email: [email protected]
Vitória Profito Olivato
Cursando Farmácia e Bioquímica pelas Faculdades Oswaldo
Cruz. Experiência na classificação de perigo de produtos
químicos (sistemas GHS, Comunidade Européia, Diagrama de
Hommel, transporte, etc) e elaboração de documentos de
Segurança (Ficha de Informações de Segurança de Produtos
Químicos-FISPQ-, Ficha de Emergência e rótulo).
Email: [email protected]
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
92
ENSAIO
Resumo
O abuso de drogas é um problema mundial e, mais recentemente, passou a
ser relacionado também com efeitos nocivos sobre o sistema imune. Algumas
drogas de abuso possuem comprovadamente a capacidade de causar
alterações no sistema imune. A 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) é
uma droga ‘recreativa’ amplamente utilizada pelos seus efeitos estimulantes
e comportamentais semelhantes aos das anfetaminas e alucinógenos, e seu
uso é muitas vezes associado a outras drogas. As alterações no sistema
imune podem resultar em imunossupressão, aumentando a susceptibilidade
a infecções, ou também em imunoestimulação, causando hipersensibilidade
e ou doenças auto-imunes. Além disso, esta droga pode causar efeitos em
curto prazo e longo prazo. O MDMA demonstrou ter potencial para interagir
com o sistema imunológico em estudos, tanto na imunidade inata como na
adaptativa.
Portanto,
fazem-se
necessários
mais
estudos
para
a
comprovação desses efeitos e a conscientização da população usuária da
droga quanto a sua repercussão imunotoxicológica.
Palavras-chave:
Abuso de Drogas. Sistema Imune.
Abstract
Drug abuse is a global problem and recently has been associated with
harmfull effects on the immune system. Some abusive drugs have
demonstrated the ability to cause immune system changes. The 3,4methylenedioxymethamphetamine (MDMA) is a recreational drug widely
used,
because
of
its
stimulant and behavioral
effects
similar
to
amphetamines and hallucinogens and their use is often associated with
other drugs. The changes that may occur in the immune system can result
in immunosuppression; increasing susceptibility to infections, or also in
immunostimulation, causing hypersensitivity and autoimmune diseases,
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
93
ENSAIO
besides, this drug may cause short-term and long-term effects. MDMA
demonstrated to have the potential to interact with the immune system in
some studies, in the innate or adaptive immunity. Therefore, it is necessary
a greater number of studies to prove these effects and possible
conscientization to the users of the drug about its immunotoxicological
repercussion.
Key-words: Drug Abuse. Immune System.
Introdução
O abuso de drogas é um problema mundial que afeta os países social e
economicamente, trazendo diversos efeitos nocivos à saúde da população
usuária. Nos últimos anos, o uso de drogas tem sido relacionado com efeitos
no sistema imune. Algumas drogas, como cocaína, canabinóides, opióides e
anfetaminas, demonstraram a capacidade de causar alterações no sistema
imune tanto direta como indiretamente (CONNOR, 2004).
O sistema imune é altamente regulado por moduladores que podem
ocasionar sua supressão ou estimulação (HOUSE et al, 1995). As drogas são
capazes de causar imunossupressão e, conseqüentemente, aumentam o
número de doenças e infecções nos usuários, podendo estar associadas à
maior susceptibilidade a diversos tipos de vírus como, por exemplo, o HIV
(CONNOR, 2004).
O
conhecida
4-metilenodioximetanfetamina,
como
Ecstasy,
é
uma
ou
droga
MDMA,
derivada
popularmente
da
anfetamina.
Foi sintetizada em 1914, porém sua utilização para fins terapêuticos só teve
início nos anos 80. Apesar do MDMA ser amplamente utilizado (legal
e ilegalmente) ao longo dos anos, não existe estudos suficientemente
conclusivos sobre os efeitos tóxicos da droga no sistema imune em humanos
(HOUSE et al, 1995).
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
94
ENSAIO
A droga e o sistema imune
A 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) é uma droga recreativa
amplamente utilizada pelos seus efeitos estimulantes e comportamentais
semelhantes aos efeitos de anfetaminas e alucinógenos (PACIFICI et al.,
2000).
O Ecstasy foi primeiramente sintetizado em 1914, pelo laboratório
alemão Merck, com o intuito de ser um supressor alimentar (COSTA, 2004),
só passando a ser utilizado terapeuticamente e abusivamente a partir de
1980 (HOUSE et al, 1995).
A ingestão de MDMA pode provocar vários
sintomas, como euforia, aumento da auto-estima, empatia, mas também
efeitos indesejados tais quais, bruxismo, dor de cabeça, náuseas, sudorese,
dores musculares, fadiga e insônia.
Complicações
hipertensão,
médicas
arritmias,
agudas
convulsões,
incluem
hipertermia
hemorragia
cerebral,
maligna,
hepatite,
rabdomiólise, coagulação intravascular e falência renal aguda. A grande
preocupação sobre essa droga recreacional é que há casos de intoxicações
graves, e até mesmo o óbito, após abuso (PACIFICI et al, 2000).
Estudos sobre padrões de consumo do MDMA pelos usuários
demonstram que o uso recreativo inclui a administração por compulsão, ou
seja, são administrados vários comprimidos de uma só vez, ou a droga pode
ser utilizada também durante longos períodos. Além disso, o uso do MDMA
é muitas vezes associado a outras drogas, como álcool, maconha, etc.
(PACIFICI et al, 2002).
O MDMA tem
capacidade de causar alterações no sistema
imunológico dos usuários de forma direta, interferindo nas próprias células
do sistema imune, como também indiretamente, levando as alterações
imunológicas através da modulação do sistema nervoso central (CONNOR,
2004).
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO
A
farmacodinâmica
do
MDMA
consiste
na
liberação
do
neurotransmissor serotonina (5-HT) na fenda sináptica, aumentando a
atividade cerebral, principalmente através de uma interação com o local de
absorção de serotonina. A droga também causa a liberação de dopamina e
norepinefrina
(PACIFICI
et
al,
2004).
A
serotonina
é
um
dos
neurotransmissores mais estudados do sistema nervoso central, no entanto
ela está presente em diversos tecidos periféricos, inclusive no sistema imune
(MÖSSNER e LESCH, 1998).
A ligação da serotonina com o sistema imune e os receptores
presentes em suas células, como linfócitos, macrófagos, entre outras, só
começou a ser estudada a partir do ano de 1980. Os receptores e canais de 5HT são amplamente distribuídos em células do sistema imunológico. Em
concentrações fisiológicas ou em processos patológicos a serotonina possui
papéis funcionais importantes no sistema imune. É necessária para
melhorar a função de células do sistema, como macrófagos, células natural
killer e células T; e para início do processo de hipersensibilidade tardia,
como hipersensibilidade de contato, resistência a tumores e auto-imunidade;
também induz a produção de vários mediadores da resposta imune, como
interleucinas, sendo para a função de imunidade inata, realizada pelos
macrófagos (MÖSSNER e LESCH, 1998).
Em estudos com voluntários foi possível observar que a taxa de
eliminação do MDMA da circulação diminui com o aumento da dose.
Estudos in vitro sugerem que os produtos de biotransformação da droga são
capazes de se ligar e provocar a inativação da enzima CYP2D6, além de
saturar rapidamente enzimas envolvidas neste processo. Como resultado
desta ligação enzimática, doses maiores de MDMA resultam em uma maior
inativação/saturação de enzimas, diminuindo a quantidade disponível para
biotransformar
a
droga,
resultando
em
farmacocinética
não-linear.
Conseqüentemente, quando a dose é aumentada, ocorre um aumento
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO
desproporcional das concentrações sanguíneas e cerebrais do MDMA. Por
esta razão, um pequeno aumento na dose oral de MDMA pode produzir
dramática elevação nos níveis plasmáticos do agente circulante (COSTA,
2004).
Em animais, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina
(ISRS), tais como a fluoxetina e o citalopram, podem ser utilizados para
bloquear a liberação de serotonina induzida pelo MDMA (Pacifici et al,
2004).
A fluoxetina é capaz de impedir os efeitos neurotóxicos do MDMA, em
longo prazo, sobre os neurônios de serotonina. O citalopram demonstrou
reduzir efeitos psicológicos e cardiovasculares do MDMA em voluntários
saudáveis.
Outro agente bloqueador do MDMA é a paroxetina, que
consegue inibir quase por completo a ação do MDMA sobre a serotonina
(PACIFICI et al, 2004).
O sistema imune é um sistema de órgãos altamente regulado e, como
tal, apresenta uma variedade de alvos potenciais para a modulação (HOUSE
et al, 1995). Esta modulação pode resultar em imunossupressão, causando
uma maior susceptibilidade a infecções, porém pode também resultar em
imunoestimulação, causando hipersensibilidade (alergia) ou doenças autoimunes (PACIFICI et al, 2000).
O MDMA tem sido associado com alterações do sistema imune e
neurotoxicidade em indivíduos após uso agudo e uso crônico (PACIFICI et
al., 2002). A neurotoxicidade é relacionada aos danos causados aos
neurônios ligados à serotonina, ocasionando cronicamente distúrbios
neurofisiológicos como paranóia e psicose (HOUSE et al., 1995).
O abuso de MDMA causa alterações permanentes na homeostase
imunológica
que
pode
resultar
em
comprometimento
da
saúde
e
subsequente aumento da susceptibilidade às infecções relacionadas aos
transtornos do sistema imunológico. O seu uso pode causar alterações
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO
neurológicas, comportamentais e endócrinas, semelhantes às produzidas por
exposição ao estresse agudo, o que sugere que a droga age através de um
estresse químico no organismo (PACIFICI et al, 2000).
Os estímulos causados pelo estresse no organismo podem produzir
depressão da função imune e alteração na distribuição das células imunes
(PACIFICI et al, 2000). Os efeitos agudos do MDMA sobre o sistema
imunológico baseiam-se principalmente na sua interação com o transporte
de serotonina e posterior liberação de serotonina e uma possível participação
de outros sistemas reguladores neuroendócrinos (PACIFICI et al, 2004).
O MDMA tem efeito tanto na imunidade inata como na adaptativa. A
imunidade inata consiste na ação dos neutrófilos, células fagocíticas,
que desempenham
um
papel chave
nesse
tipo
de
resposta
do
organismo. Após o processo de fagocitose ocorre ativação dos neutrófilos
através de uma explosão oxidativa que é capaz de produzir espécies reativas
de oxigênio, e com isso, destruir patógenos (CONNOR, 2004).
Na imunidade inata o MDMA inibe o processo de fagocitose realizada
pelos neutrófilos. Outras células da imunidade inata, como macrófagos e
células dendríticas, também são afetadas pela droga. Essas células
produzem
citocinas
inflamatórias
em
resposta
a
lipopolissacarídeos
provenientes de bactérias, porém a administração de MDMA suprime a
produção dessas citocinas como, por exemplo, IL-1β e TNF-α. O efeito na
citocina TNF-α pode persistir por longos períodos. Além disso, a droga
aumenta a produção da interleucina IL-10 que age como imunossupressor,
aumentando o efeito relacionado com as outras citocinas (CONNOR, 2004).
A resposta imune adaptativa é mediada pelos linfócitos, que podem
agir diretamente ou na produção de anticorpos (CONNOR, 2004). A
administração de MDMA demonstrou diminuir a produção dos anticorpos
pelos linfócitos, ocasionando simultaneamente uma diminuição significativa
de células T CD4 (T-helper: Th1 e Th2) com aumento das células Natural
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
98
ENSAIO
Killers (NK) e diminuição na capacidade de resposta funcional de linfócitos à
estimulação mitogênica (PACIFICI et al, 2002).
Em indivíduos que têm metabolização mais lenta da droga, ocorre a
acumulação de MDMA no corpo, induzindo maior efeito imunomodulador,
ocasionando diferenças significativas na função das células NK, em
comparação com indivíduos que metabolizam mais rapidamente a droga
(PACIFICI et al, 2002).
O MDMA não demonstrou produzir alterações na função ou
concentração de linfócitos B, porém demonstra efeitos significativos em
outras células do sistema imune (HOUSE et al., 1995). O MDMA
demonstrou efeitos nos linfócitos T, estimulando ou diminuindo a produção
de interleucinas, mediadoras da resposta imunológica. Os linfócitos Th1, que
produzem a interleucina 2 (IL-2), são modulados pelo MDMA e em
concentrações baixas da droga ocorre uma estimulação das células Th1,
aumentando a produção de IL-2; porém, em altas concentrações, a droga
inibe a produção de IL-2 pelas células Th1, causando baixas concentrações
dessa interleucina. Os linfócitos Th2, que produzem a interleucina 4 (IL-4),
não sofrem alteração pela ação do MDMA (HOUSE et al, 1995).
Estudos sugerem que há uma alteração no sistema monoaminérgico
com a liberação de corticotropina e posterior ativação do eixo composto pelas
glândulas hipotálamo, hipófise e adrenal. Há uma recuperação do sistema
imunológico em até 24 horas da administração aguda de MDMA, porém com
o uso crônico há uma tendência de redução no número de linfócitos, assim
como o número de células NK (PACIFICI et al, 2004).
Considerações finais
O MDMA é uma droga ilícita, amplamente abusada pela população
jovem mundial e que causa muitos problemas, tanto no âmbito social como
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
99
ENSAIO
no econômico, além de resultar em efeitos que degradam a saúde dos
usuários, provocando problemas que, em curto prazo e em longo prazo,
podem comprometer o funcionamento do organismo. É demonstrado que o
MDMA pode causar alterações imunológicas pela ação direta ou indireta.
Portanto, podemos observar que a administração aguda de MDMA
produz
uma
variedade
de
alterações
endócrinas,
neuroquímicas
e
imunológicas, atuando como um agente causador de estresse químico.
Os resultados de estudos evidenciam que em adição aos efeitos tóxicos
neurológicos, uma única administração de MDMA induz uma rápida
supressão imunológica. Essas descobertas resultam em uma nova dimensão
dos efeitos tóxicos do agente, implicando que os usuários podem ter uma
imunocompetência reduzida e uma maior suscetibilidade para infecções,
doenças auto-imunes e neoplasias.
É possível também que o ambiente em que o MDMA é utilizado, e/ou
os efeitos psicoativos induzidos por ele, possam contribuir com os efeitos
imunossupressores da droga, resultando em aumento da susceptibilidade a
doenças infecciosas. Por exemplo, o MDMA é tradicionalmente associado à
raves e ambientes populosos, e esses ambientes são propícios à transmissão
de doenças infecciosas pelo ar entre os indivíduos. Além disso, estudos
recentes indicam que o abuso do MDMA está fortemente associado a
comportamento sexual de alto risco (relações sexuais sem o uso de proteção).
Portanto, combinando-se
esses
fatores
ambientais
e
sociais com o
efeito imunossupressor do MDMA, é possível sugerir que os usuários de
MDMA
tenham
um
maior
risco de
desenvolver
doenças infecciosas
(CONNOR, 2004).
No entanto, não existem estudos clínicos disponíveis que comparem os
parâmetros imunológicos em usuários de MDMA e, consequentemente, não é
possível concluir que doses de MDMA administradas para fins recreativos
possuam a capacidade de produzir toxicidade no sistema imune (CONNOR
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
100
ENSAIO
et al, 1998), o que demonstra a necessidade de maiores estudos e
comprovações sobre esse efeito, para que se possa realizar a conscientização
dos usuários da droga.
REFERÊNCIAS
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stressor on the immune system. Immunology, v. 111, p 357–367, 2004.
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CONNOR, T.J., et al. 3,4-Methylenedioxymethamphetamine (MDMA;
Ecstasy) Administration Produces Dose-Dependent Neurochemical,
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in
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- Universidade de São Paulo - Faculdade de Ciências Farmacêuticas].
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dopamine: agony or ecstasy?. Trends in immunology, v. 24, n. 8, 438–443,
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HOUSE, R.V., THOMAS, P.T., BHARGAVA, H.N. Selective modulation of
immune
function
resulting
from
in
vitro
exposure
to
methylenedioxymethamphetamine (Ecstasy). Toxicology, v. 96, p. 59–69,
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ENSAIO
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SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no
Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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Artigo Original
Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em
painéis artificiais em terminal da Petrobrás,
Canal de São Sebastião, São Paulo.
Maurea Nicoletti Flynn
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia
Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em
ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do
CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de
Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das
Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em
Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem
experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental,
Dinâmica Populacional e Biodiversidade.
E-mail: [email protected]
Maria Teresa Valério-Berardo
Possui graduação no Instituto de Biociências pela Universidade de
São Paulo, mestrado e doutorado em Oceanografia (Oceanografia
Biológica) pela Universidade de São Paulo. Foi Professor Titular da
Universidade
Presbiteriana
Mackenzie.
Revisor
de
vários
periódicos como a Nauplius, Iheringia, Revista Biota Neotropical,
Journal of the Marine Biological Association of the United
Kingdom. Tem experiência na área de Taxionomia e Ecologia de
Amphipoda.
E-mail: [email protected]
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
103
Artigo Original
Resumo
O presente estudo, usando placas de substrato artificial, funciona como ensaio
de toxicidade in situ com abordagem a nível de comunidade. As placas
fundeadas a três níveis de profundidade diferentes (superfície, meia-água e
fundo) e avaliadas bimestralmente, totalizando 17 meses de imersão, servem
para verificar se em decorrência do emissário instalado há variações na taxa e
no padrão temporal de recrutamento larval e no subseqüente desenvolvimento
das associações biológicas. As mudanças na composição específica com o tempo
de imersão do substrato artificial são acompanhadas por um aumento na
diversidade e diminuição da dominância de espécies. Poluição cria grandes
modificações na estrutura de comunidades incrustantes de maneira que os
organismos são usados para monitorar e medir seu efeito. A rápida colonização
das placas experimentais expostas refletiu o rápido recrutamento e exploração
do espaço disponível típico de espécies oportunistas como os hidrozoários
Ectopleura ralphi, Obelia dichotoma, Clytia gracilis e Bougainvillia sp e os
anfípodes Photis longicaudata, Ampithoe ramondi, Jassa sleutery, Ericthonius
brasiliensis e Podocerus fissipes. As larvas aportaram e se desenvolveram
igualmente nas placas colocadas no píer do TEBAR. Após 10 a 12 meses de
imersão prolongada pode-se já notar nas placas investigadas uma diminuição
nas alterações dos valores de diversidade, se mantendo estes oscilando em
tornos de valores mais elevados devido à estabilização das populações as placas
o que acarreta um equilíbrio das espécies competitivamente mais fortes.
Palavras-chave: Placas de Incrustação. Ensaio de Toxicidade in situ.
Recrutamento Larval.
Abstract
This study, with plates of artificial substrate, acts as a community approach
test
of
toxicity
levels (surface,
in
situ. The
half-water
plates, anchored at
and bottom)
and
three different depth
evaluated
bimonthly
for
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
104
Artigo Original
total immersion period of 17 months, are used to assess variations, due to
outfall effect, in larval recruitment rate and temporal pattern. Changes
in species
composition along
increase in
diversity and
immersion time
a
are
decreased in
accompanied by
species
an
dominance.
Pollution creates major changes in fouling community structure so that
incrusting organisms are used to assess its effects. The rapid colonization of
experimental plates reflected the
rapid recruitment
and space
exploitation
typical of opportunistic species such as the hydrozoans Ectopleura ralphi,
Obelia dichotoma, Clytia gracillis and the amphipods Bouganvillia sp, Photis
longicaudata, Ampithoe ramondi, Jassa sleutery, Ericthonius brasiliensis and
Podocerus fissiparous. After 10 to 12 months of prolonged immersion, an
increase in diversity occurs in the investigated plates communities due to the
incrusting
populations’
stabilization which
brings
a balance among
competitively stronger species.
Key-words: Incrustation Panels. Toxicity in situ. Larval Recruitment.
Introdução
Todos os materiais artificiais imersos no ambiente marinho estão expostos
à colonização por organismos bentônicos. Este processo se denomina incrustação,
ele é complexo e depende da habilidade das larvas de escolher um substrato,
invadirem um substrato já ocupado, dispersar na coluna de água e obter
alimento. Organismos incrustantes primários incluem grupos sésseis como
hidróides e anfipodes. A presença de formas vágeis secundárias faz com que a
comunidade se torne mais complexa. As mudanças de composição específica com o
tempo de imersão do substrato artificial são acompanhadas por um aumento na
diversidade e diminuição da dominância de espécies. Poluição também cria
grandes alterações na estrutura das comunidades incrustantes de maneira que os
organismos estabelecidos são usados para monitorar e medir seu efeito.
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
105
Artigo Original
O Projeto “Análise dos Aspectos Biológicos e de Oceanografia Física e
Corpo Receptor do Canal de São Sebastião do DTCS/GEBAST, FUNDESPA” tem
por objetivo monitorar o controle da qualidade ambiental considerando os
aspectos biológicos e de oceanografia física do Canal de São Sebastião, corpo
receptor e área de influência do Emissário Submarino. O presente estudo, usando
placas de substrato artificial, funciona como ensaio de toxicidade in situ com
abordagem a nível de comunidade, e considera as associações de hidróides e
anfípodes. As placas fundeadas em três níveis de profundidade diferentes
(superfície, meia-água e fundo) e avaliadas a cada 2 meses de imersão, servem
para verificar se há variações na taxa e no padrão temporal de recrutamento
larval e no subseqüente desenvolvimento das associações instaladas, em
decorrência do emissário instalado.
Material e Métodos
Foram estabelecidas três estações de coleta: Estação Sul, localizada entre o
dolfim D e a margem do canal, a cerca de 500 m do orifício mais ao sul do difusor
1 do emissário submarino, coordenadas 2348,7’S e 4523,3’W; Estação Centro,
localizada próxima ao emissário submarino, em frente aos difusores 1 e 2 do
emissário submarino, coordenadas 2348,35’S e 4523,1’W; e, Estação Norte,
localizada entre o dolfim D e o centro do canal, a cerca de 500 m do orifício mais
ao norte do difusor 2 do emissário submarino, coordenadas 2348,1’S e 4522,9’W.
Em cada uma das três estações estabelecidas foram fundeadas linhas de placas
experimentais. Cada linha foi composta por uma placa experimental de superfície
(1 metro abaixo do nível do mar), placa de meia água, placa de fundo (1 metro
acima do fundo), e um pedaço de corrente unindo o cabo de poliamida a um
conjunto de poita e âncora (com aproximadamente 35 kg). Cada placa é de
plástico branco, com dimensão 30 X 30 cm, sendo presa a um tubo plástico com
braçadeiras também plásticas. O cabo de poliamida passa através de cada tubo
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
106
Artigo Original
fazendo com que cada placa estivesse livre no cabo principal, orientando-se com a
corrente local (Figura 1).
A
tl
an
t
ic
O
ce
an
São Sebastião
Island
23°48’S
o
Is
la
n
d
Oil terminal
S
ão
S
eb
as
tiã
S ão Sebastião Channel
23°54’S
45°30’W
45°22’W
Figura 1 – Local de estudo no Canal São Sebastião, São Paulo.
Após dezessete meses de imersão (de outubro de 2000 a março de 2002),
cada uma das placas das três linhas fundeadas foi içada e colocada
bimestralmente em caixas plásticas com água do mar. As três placas de cada
linha tiveram então seus dois lados fotografados; e, em seguida uma sub-amostra
de 150 cm2 foi retirada de um dos lados da placa, sendo as placas fundeadas
novamente. Todo o material foi colocado em recipientes com solução de formol a 4
% para transporte ao laboratório, sendo então transferido para álcool 70%
neutralizados.
Os organismos incrustantes e a fauna vágil acompanhante foram triados
quantitativamente em categorias de grandes grupos taxonômicos. Aqui serão
apresentados os resultados relativos à identificação dos anfípodes e hidrozoários.
A estrutura das comunidades biológicas instaladas em cada placa foi avaliada
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
107
Artigo Original
pelo número total de indivíduos (N), riqueza por grupo (S), o índice de diversidade
de Shannon (H´) e o índice de equitatividade de Pielou (J).
Resultados
Em relação às espécies de hidrozoários, Ectopleura ralphi foi o principal
hidrozoário incrustante em outubro/2000, e novamente no período de agosto e
novembro de 2001. Os hidrozoários dominantes nos períodos de novembro de
2000 a maio de 2001, ou seja, que permaneceram imersos nos meses de
novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março, abril e maio foram Obelia
dichotoma, Clytia gracilis e Bougainvillia sp. No período de maio de 2001 a
agosto 2001 Ectopleura ralphi volta a dominar acompanhado de Obelia
dichotoma e Clytia gracilis. No período de novembro 2001 a março 2002, houve
novamente um aumento do número das espécies Obelia dichotoma, Clytia gracilis
e Bougainvillia sp.
Em relação aos anfípodes, os tubículas foram os mais freqüentes no período
inicial de recrutamento (de outubro a dezembro) quando perfizeram quase que
100% da fauna de gamarídeos representados por Photis longicaudata, Ampithoe
ramondi, Jassa sleutery, Ericthonius brasiliensis e Podocerus fissipes. Já no
período subseqüente de ocupação de janeiro a março, o número de espécies
colonizadoras incluiu as de vida livre como Dulichiella appendiculatta,
Elasmopus pectinicrus e Stenothoe valida, além de caprelídios, não identificados a
nível específico. No período de março em diante a riqueza específica de anfípode
continuou constante.
Pode-se perceber que os valores de diversidade por grupo das placas da
estação sul (Figura 2) sofrem um decréscimo em janeiro nas placas de meia-água
e fundo voltando a crescer em março. A placa superficial mantém um aumento de
diversidade até o período de janeiro, com leve decréscimo deste índice em março.
No período de março a abril os valores de diversidade voltam a cair
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original
principalmente nas associações de placas de meia-água e fundo. No período de
maio a agosto a diversidade aumenta em todas as placas. No período de agosto a
novembro e daí a março, manteve-se a tendência de um aumento nos valores de
diversidade com exceção da placa de superfície que mostrou uma ligeira queda.
diversidade est.5
1,6
1,4
1,2
1
diver
S
0,8
M
F
0,6
0,4
0,2
0
out
jan
mar
mai
ago
nov
mar
meses
Figura 2. Variação temporal dos valores de diversidades das placas da estação sul
(S-placa superficial; M-placa de meia-água e F-placa de fundo).
Na estação centro (Figura 3), placas de superfície e meia-água apresentam
um aumento marcante nos valores de diversidade de outubro a janeiro, mantendo
um aumento mais discreto até março, já a placa de fundo se comporta como a
placa de fundo da estação Sul, apresentando um decréscimo acentuado na
diversidade de outubro a janeiro e aumento de janeiro a março. De março a maio
há queda dos valores de diversidade nas associações das três placas. De maio a
agosto os valores de diversidade se mantêm quase constantes nas placas de
superfície e meia-água e sofrem um aumento na placa de fundo. No período de
agosto a novembro manteve-se a tendência de aumento de valores de diversidade
para todas as placas. Deste período a março, a tendência de aumento continuou
com exceção de um declínio na placa de superfície.
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original
diversidade est.7
1,8
1,6
1,4
1,2
diver.
S
1
M
0,8
F
0,6
0,4
0,2
0
out
jan
mar
mai
ago
nov
mar
meses
Figura 3. Variação temporal dos valores de diversidades das placas da estação
centro (S-placa superficial; M-placa de meia-água e F-placa de fundo).
Na estação norte (figura 4) os valores de diversidade caem no período de
outubro a janeiro nas três placas, voltando a crescer nas placas de superfície e
meia-água e continuando a decrescer na de profundidade. No período de março a
maio, os valores de diversidade aumentam nas associações das placas de
superfície e fundo e continuam a cair na de meia-água. No período de maio a
agosto os valores de diversidade aumentam nas placas de superfície e meia-água
e apresentam uma leve queda na placa de fundo. A mesma tendência das outras
estações é mantida para o período de agosto a novembro com um aumento de
diversidade em quase todas as placas com exceção da placa de fundo. Do período
de novembro a março, a mesma tendência verificada nas outras estações é
mantida, ou seja, um declínio pequeno nos valores de diversidade da placa
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
110
Artigo Original
superficial.
diversidade est.9
2,5
2
1,5
diver.
S
M
F
1
0,5
0
out
jan
mar
mai
ago
nov
mar
meses
Figura 4. Variação temporal dos valores de diversidades das placas da estação
norte (S-placa superficial; M-placa de meia-água e F-placa de fundo).
Discussão
As espécies identificadas de hidrozoários são residentes comuns do Canal
de São Sebastião (MIGOTTO, 1996). Estas espécies são cosmopolitas ou
apresentam ampla distribuição. E. ralphi, o principal hidrozoário incrustante em
outubro/2000, e novamente no período de agosto e novembro de 2001, parece se
encontrar no limite norte de sua distribuição, já que aparece somente em
substratos artificiais (MIGOTTO et al, 2001). Os hidrozoários dominantes nos
períodos de novembro a abril, O. dichotoma, C. gracilis e Bougainvillia sp são
consideradas por Calder (1990) e Migotto et al (2001) como espécies de águas
quentes que se reproduzem nos meses mais quentes do ano. No período de maio a
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
111
Artigo Original
agosto E. ralphi volta a dominar as placas acompanhado de O. dichotoma e C.
gracilis. A comunidade de hidrozoários na área averiguada seguiu o padrão
normal de recrutamento e estabelecimento para a região já anteriormente
investigado (MIGOTTO et al, 2001)
Em relação aos anfípodes, as construções de tubos foram as mais
freqüentes no período inicial de recrutamento (de outubro a dezembro) quando
perfizeram quase que 100% da fauna de gamarídeos. Estes organismos parecem
ser constantes e comuns em placas de recrutamento da região. Após o período
inicial o número de espécies colonizadoras aumentou bastante passando de 9 no
período inicial para 17, pois além de encontrarmos espécies tubículas mais
abundantes como P. longicaudata, A. ramondi, J. sleutery, E. brasiliensis e P.
fissipes, há um aumento gradual de espécies de vida livre como D.
appendiculatta, E. pectinicrus e S. valida, além dos caprelídios. Também para a
comunidade de anfípodes pode-se constatar um padrão normal de recrutamento e
assentamento, com a diversidade aumentando inicialmente e se mantendo mais
alta e constante a partir dos 10 meses de colocação das placas (FLYNN e
VALÉRIO-BERARDO, 2009).
O assentamento e crescimento dos hidrozoários coletados nas placas
artificiais são típicos de espécies oportunistas e é comum em muitas espécies de
hidrozoários (HUGHES, 1987). Este comportamento se reflete no estabelecimento
rápido, na baixa persistência de colônias estabelecidas, e no declínio abrupto da
maioria das colônias no período seguinte de observação.
Com os anfípodes,
principalmente espécies tubículas, verifica-se flutuações abruptas em suas
densidades populacionais (FRANZ, 1989), assim as flutuações irregulares nos
índices de diversidade evidenciadas podem ser parcialmente explicadas pela
instabilidade nas populações de espécies oportunísticas que se instalam e são
substituídas por competidores mais eficientes ao longo do tempo.
A rápida colonização das placas experimentais expostas refletiu o rápido
recrutamento e exploração do espaço disponível típico de espécies oportunistas.
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
112
Artigo Original
As larvas aportaram e se desenvolveram igualmente nas placas colocadas no píer
do TEBAR. Após 10 a 12 meses de imersão prolongada pode-se já notar nas
placas investigadas uma diminuição nas alterações dos valores de diversidade, se
mantendo estes oscilando em tornos de valores mais elevados devido à
estabilização das populações das placas o que acarreta um equilíbrio das espécies
competitivamente mais fortes. A partir deste ponto grandes blocos de organismos
começam a se despregar das placas devido à morte por sobreposição de
organismos
incrustantes
primários,
tornando
difícil
uma
investigação
quantitativa.
REFERÊNCIAS
CALDER, D.R. Seasonal cycles of activity and inactivity in some hydroids from
Virginia and South Carolina. U.S.A. Can. J. Zool., 68(3):442-450. 1990.
FRANZ, D.R. Population density and demography of a fouling community
amphipod. J. Exp. Mar. Ecol., 125:117-136. 1989.
HUGHES, T. Succession of sessile organisms on experimental plates immersed in
Nabeta Bay, Izu Penisula, Japan.II. Succession of invertebrates. Mar. Ecol.
Prog. Ser.38:25-35. 1987.
MIGOTTO, A.E. Benthic shallow-water hydroids (Cnidaria, Hydrozoa) of the
coast of São Sebastião, SP, Brazil, including a checklist of Brazilian hydroids.
Zool. Verh., 306:1-125. 1996.
MIGOTTO, A.E.; MARQUES, A .C. & FLYNN, M.N. Seasonal recruitment of
hydroid
(Cnidaria)
on
experimental
panels
at
São
Sebastião
channel,
southeastern Brazil. Bull. Mar. Biol., 68 (2):287-298. 2001.
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
113
Artigo Original
FLYNN, M.N & VALÉRIO-BERARDO, M.T. Depth-associated patterns in the
development of Amphipoda (Crustacea) assemblages on artificial substrata in the
São Sebastião Channel, Southeastern Brazil. Nauplius 17(2): 127-134. 2009.
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do
recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São
Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5,
n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
114
Artigo Original
Composição específica, comportamento
migratório e capacidade natatória da ictiofauna
coletada na Bacia do Rio Grande.
Lucas Alegretti
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor técnico do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando
principalmente nos temas: Pequenas Centrais Hidrelétricas,
Ictiofauna, Herpetofauna, Monitoramento Biológico em ambientes
aquáticos.
E-mail: [email protected]
Guilherme Lessa Ferreira
Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor
técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos temas: Biocritérios na Avaliação da
Integridade Ambiental, Fauna Silvestre.
E-mail: [email protected]
Bruno Assanuma Burstin
Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor
técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos seguintes temas: Pequenas Centrais
Hidrelétricas, Plâncton, Monitoramento Biológico.
E-mail: [email protected]
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
115
Artigo Original
William Roberto Luiz Pereira
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Biomatemática. Tem
interesse na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia Teórica,
Dinâmica Populacional e Índices Biológicos, tendo preferência aos
seguintes temas: Alometria, Modelos Matemáticos Aplicados a
Ecologia, Ecotoxicologia. Consultor do Instituto Inteligência para
Sustentabilidade – I2S.
E-mail: [email protected]
Maurea Nicoletti Flynn
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia
Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em
ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do
CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de
Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das
Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em
Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem
experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental,
Dinâmica Populacional e Biodiversidade.
E-mail: [email protected]
Resumo
O presente artigo se refere à análise da ictiofauna coletada na Bacia do Rio
Grande, região sudeste, em termos da composição específica, comportamento
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
116
Artigo Original
migratório e capacidade natatória das espécies. O cálculo de capacidade natatória
e tempo de resistência de nado são importantes, pois a partir dos seus valores é
possível estimar se peixes conseguem ou não ultrapassar barreiras nos rios, tanto
naturais como artificiais, e fornecer subsídios para a construção de mecanismos
de transposição em reservatórios. Os peixes, coletados em setembro de 2011 em
ribeirões da Bacia do Rio Grande, foram separados em grupos por família/gênero
e para cada exemplar, foram obtidos o comprimento total e furcal e a massa
corpórea total. Dentre as três ordens coletadas, a de maior importância foi
Characiformes, representada por seis diferentes espécies: Astyanax fasciatus,
Astyanax bimaculatus, Hoplias malabaricus, Leporinus obtusidens, Leporinus sp
e Salminus hilarii. A segunda mais importante foi Siluriformes, representada por
duas espécies Hypostomus sp e Rhamdia quelen, seguida de Perciformes,
representada por uma única espécie coletada Geophagus brasiliensis. Para as
espécies de piracema, Salminus hilarii e Liporinus sp, foi calculada a capacidade
natatória, sendo estimados as velocidades prolongadas críticas e o tempo de
resistência. Para temperaturas de 18°C, a velocidade crítica e o tempo de
resistência variaram para Leporinus sp entre 2,46 a 4,94 m/s e 1,11 a 23,29 s,
dependendo do tamanho do exemplar e para Salminus hilarii, entre 3,31 a
6,24m/s e 4 a 68,73 s.
Palavras-chave: Ictiofauna. Peixes Migradores. Capacidade Natatória.
Abstract
The article refers to the analysis of the ictiofauna sampled in Rio Grande Basin,
Southeastern Brazil, taking in account species composition, migratory behavior
and swimming performance of migratory species. The calculation of swimming
performance and endurance time are important, because from their values it
is possible to estimate whether or not fish can overcome barriers in rivers, both
natural and artificial, and provide subsidies for the construction of fish ways
in reservoirs. Fish were collected in September 2011 in various streams of Rio
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
117
Artigo Original
Grande Basin. The fish were separated into groups by morfotype and for each
specimen fork length and total body mass were obtained. Among the three
orders collected,
the most
by six different
important was Characiformes,
species: Astyanax fasciatus,
represented
Astyanax bimaculatus,
Hoplias
malabaricus, Leporinus obtusidens, Leporinus sp and Salminus hilarii. The
second most important was Siluriformes, represented by two species Hypostomus
quelen and Rhamdia sp, followed by Perciformes, represented by a single species
Geophagus
brasiliensis. For the
Liporinus sp, swimming
migratory
performance was
the critical speed and extended endurance
of 18 °C, the
critical
time
speed and endurance
species
Salminus hilarii and
calculated
estimated. At
time for
and
temperatures
Leporinus
sp
ranged between 2.46 to 4.94 m / s and from 1.11 to 23.29 s, depending on the
size of the specimen, and for Salminus hilarii between 3 , 31 to 6.24 m / s and
from 4 to 68.73 s.
Key-words: Ictiofauna. Migratory Fish. Swimming Capacity.
Introdução
A ictiofauna neotropical de água doce é considerada uma das mais
diversificadas e ricas do mundo, já contando com mais de 2400 espécies descritas
(LOWE-MCCONNELL, 1999). Makrakis e colegas (2007) descreveram o padrão
apresentado pela América do Sul como o de predominância de peixes das Ordens
Characiformes e Siluriformes. Com relação à estratégia de vida, a maioria das
espécies que compõem a ictiofauna das bacias hidrográficas das regiões Sul e
Sudeste do Brasil é considerada sedentária e de pequeno porte. Entretanto, as
espécies migradoras, de médio e de grande porte, historicamente vêm
sustentando as modalidades de pescarias de subsistência, comerciais e
recreativas (AGOSTINHO et al, 2007)
Há fatores naturais ou resultantes de ações antrópicas que acarretam na
progressiva diminuição das populações de peixes fluviais no Brasil. As ações
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
118
Artigo Original
antrópicas se referem principalmente ao represamento de rios, desmatamento
ciliar, destruição de lagoas e alagados marginais, poluição, introdução de espécies
exóticas, e sobrepesca. Os impactos negativos decorrentes da construção de
barragens são resultantes da construção de uma barreira transversal que retém
água, sendo na maioria das vezes intransponível pela fauna aquática, em
particular pelos peixes. Constituem por isso obstáculo à livre circulação da
ictiofauna e podem até comprometer a continuidade de certas espécies, uma vez
que impedem o acesso dos peixes a locais essenciais para o desempenho de
determinadas funções biológicas, como por exemplo, a reprodução (SANTO,
2005).
Para este fim é mais usual o emprego da velocidade prolongada (SANTOS,
2007; KATOPODIS, 2005), definida como a velocidade mantida por um período
que varia de 20 segundos a 200 minutos, podendo acarretar em fadiga muscular.
Esse modo permite medir, mais precisamente, a habilidade do peixe em nadar
durante um determinado tempo numa dada velocidade. Sua principal
subcategoria é a velocidade prolongada crítica, correspondendo à velocidade
máxima que o peixe pode manter em escoamento com velocidade aumentada em
certo período de tempo. A velocidade crítica é uma poderosa ferramenta para
comparação da capacidade natatória entre as espécies (HAMMER, 1995). A
capacidade natatória é expressa em termos de velocidade de natação e
resistência, o período de tempo durante o qual o peixe consegue manter uma
determinada velocidade. Está relacionada ao comprimento, peso, sexo, e às
condições de saúde do indivíduo (condicionantes do próprio peixe), bem como a
fatores externos como temperatura, principalmente (BEAMISH, 1978). Esse
cálculo é muito importante, pois a partir dos valores da capacidade, é possível
calcular se os peixes conseguem ou não passar barreiras, tanto naturais como
artificiais, nos rios, bem como a vazão necessária na construção de mecanismos
de transposição em aproveitamentos hidrelétricos.
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original
O presente artigo se refere à análise da ictiofauna coletada na Bacia do
Rio Grande, região sudeste, em termos da composição específica, comportamento
migratório das espécies e capacidade natatória.
Métodos
Os peixes foram coletados em setembro de 2011 em ribeirões da Bacia do
Rio Grande, na região sudeste. Para tanto, foram invariavelmente realizados
cinco lances de tarrafa em cada local de coleta, adotando-se esse padrão como
esforço de pesca uniformizado. O petrecho utilizado foi uma tarrafa padrão, que
tem como malhagem 30 mm entrenós. Em complementação à operação das
tarrafas, foram também utilizadas redes de espera, medindo 3m de largura e
1,5m de altura, e malhagens de 30 mm e 50 mm entre nós. A colocação das redes
de espera foi feita sempre no final da tarde, sendo estas retiradas no dia seguinte,
aproximadamente entre as 07h e 11h.
Retirados do aparelho de pesca, os peixes, ainda vivos, foram triados e
fotografados. Durante a triagem biológica, os animais foram inicialmente
separados em grupos por família/gênero e para cada um, foram obtidos o
comprimento total e furcal, com o uso de uma fita métrica (com escala em mm) e
a massa corpórea total (g), com a utilização de uma balança eletrônica semianalítica com precisão de 0,1g. Após este procedimento, os exemplares foram
devolvidos, ainda vivos, ao rio. A identificação taxonômica de cada exemplar foi
realizada através da utilização de bibliografia especializada, chaves de
identificação específicas e levantamentos de fauna de regiões adjacentes, além de
consultas ao Fishbase (www.fishbase.org).
A velocidade máxima de nado foi calculada com base no comprimento do
peixe e da temperatura da água, segundo a fórmula de Wardle (YINGQI, 1982),
que considera a distância viajada por um peixe em cada ondulação de corpo como
sendo de aproximadamente 0,7 de seu comprimento.
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
120
Artigo Original
Onde:
L – comprimento do peixe
t – tempo entre duas ondulações
O comprimento máximo e médio de cada espécie foi obtido no banco de
dados Fishbase, que disponibiliza uma série de informações morfométrica,
comportamentais e reprodutivas. O comprimento mínimo foi definido como o
comprimento da malha de pesca usada na captura.
O cálculo do tempo de contração muscular (função do comprimento e da
temperatura) foi feito através da fórmula descrita em Yingqi (1982). Os
intervalos de comprimentos definidos alimentam essa equação. As temperaturas
de contração foram simuladas postulando que a temperatura ambiente mínima e
máxima seja diretamente ligada à temperatura muscular. As temperaturas
ambientais, mínima e máxima, foram estimadas pela localização georreferencial
do ponto. Para cada comprimento L foi encontrado o valor de t pela fórmula,
Os valores então foram inseridos na fórmula de Wardle, em função de uma
mesma temperatura. O mesmo processo é feito novamente para outras
temperaturas, abrangendo a variação da temperatura da água local. As curvas
foram plotadas para cada espécie migradora analisada. O algoritmo para o
cálculo das curvas de velocidade máxima de nado foi implementado em Excel.
Resultados
Foram coletados peixes de três diferentes ordens, Characiformes,
Siluriformes e Perciformes perfazendo um total de sete diferentes espécies além
de exemplares identificados até o nível de gênero (tabela 1). Dentre as três ordens
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
121
Artigo Original
a de maior importância foi Characiformes, representada por seis diferentes
espécies: Astyanax fasciatus, Astyanax bimaculatus, Hoplias malabaricus,
Leporinus obtusidens, Leporinus sp e Salminus hilarii. A segunda mais
importante foi Siluriformes, representada por duas espécies Hypostomus sp e
Rhamdia quelen, seguida de Perciformes, representada por uma única espécie
coletada Geophagus brasiliensis.
Os grupos taxonômicos identificados na coleta são grupos de espécies
popularmente conhecidas como: piaparas ou piaus, tabaranas, traíras, lambaris
ou tambiú, acará, cascudos e bagres, e reconhecidamente comuns aos padrões de
fauna de estreitos e rios da Bacia do Rio Grande.
Tabela 1 – Lista das espécies de peixes coletados
ORDEM
FAMÍLIA
Characiformes
Anostomidae
Characiformes
Anostomidae
GÊNERO/ESPÉCIE
Leporinus
obtusidens
(Valenciennes, 1836)
Leporinus sp
Characiformes
Characidae
Astyanax fasciatus
Characiformes
Characiformes
Characiformes
Siluriformes
Siluriformes
Perciformes
Characidae
Characidae
Erythrinidae
Loricariidae
Heptaptridae
Cichlidae
Astyanax bimaculatus
Salminus hilarii
Hoplias malabaricus
Hypostomus sp
Rhamdia quelen
Geophagus brasiliensis
NOME POP.
Piapara
Rajadinha
Lambari-derabo-vermelho
Tambiú
Tubarana
Traíra
Cascudo
Bagre
Acará
Considerando o total de capturas, a figura 1 mostra o número de
morfotipos taxonômicos por ordem, representado por frequência relativa.
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
122
Artigo Original
Figura 1 – Frequência relativa de morfotipos taxonômicos por ordens
Quando relacionados os totais de exemplares capturados por ordem
taxonômica (Figura 2), novamente a ordem Characiformes é a mais importante,
representada por 69 exemplares de peixes, seguida dos Siluriformes com cinco
exemplares e apenas três indivíduos pertencentes à ordem Perciformes.
Figura 2 – Frequência relativa em porcentagem do número de exemplares de peixes
capturados por espécies.
Para as espécies de piracema, Salminus hilarii, Liporinus sp e Leporinus
obtudens, foi calculada a capacidade natatória, necessária para adequação de
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
123
Artigo Original
sistemas de transposição, sendo estimados as velocidades prolongadas críticas e o
tempo de resistência.
Na tabela 2 estão apresentados os valores referentes às velocidades
prolongadas críticas referentes aos dados médios de comprimento de espécimes
coletados (Vc campo), aos dados de comprimento médio bibliográfico (Vc média) e
comprimento máximo bibliográfico (Vc máxima) tendo como fonte o Fishbase.
Tabela 2 – Valores estimados de velocidade (m/s) prolongada crítica para temperaturas da água
entre 16 e 20 °C das espécies Salminus hilarii das duas espécies do gênero Leporinus
considerando a média de comprimento dos indivíduos coletados em campo (Vc campo), o
comprimento médio (Vc média) e máximo (Vc máximo) reportado para a espécie.
Espécies
T °C
16
17
18
19
20
Leporinus sp
Vc
Vc
campo
média
2,26
3,68
2,36
3,85
2,46
4,02
2,57
4,2
2,60
4,39
Vc
máxima
4,3
4,72
4,94
5,17
5,4
Salminus hilarii
Vc campo
Vc
média
3,03
3,97
3,17
4,11
3,31
4,34
3,46
4,54
3,61
4,75
Vc
máxima
5,68
5,96
6,24
6,53
6,83
Na tabela 3 estão apresentados os valores referentes ao tempo de
resistência em segundos para a velocidade máxima de nado em função da
temperatura e comprimento.
Tabela 3 – Valores estimados do tempo de resistência (s) para temperaturas da água entre 16 e 20
°C na manutenção da velocidade prolongada crítica das espécies Salminus hilarii e das duas
espécies do gênero Leporinus considerando a média de comprimento dos indivíduos coletados em
campo (Tr campo), o comprimento médio (Tr média) e máximo (Tr máximo) reportado para a
espécie.
Leporinus sp
Salminus hilarii
Tr
T °C
Tr campo
médio
Tr máximo
Tr campo
Tr médio
Tr máximo
16
1,40
11,94
30,08
5,07
16,82
91,04
17
1,25
10,55
26,44
4,50
14,84
78,94
18
1,11
9,34
23,29
4,00
13,12
68,73
19
1,00
8,29
20,56
3,56
11,62
60,03
20
0,89
7,36
18,18
3,17
10,31
52,57
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
124
Artigo Original
Discussão
Na América do Sul, a geração hidráulica é a principal fonte de energia
elétrica, sendo que no Brasil, a oferta corresponde a 77,1% da produção de
energia elétrica (BRASIL, 2006). Uma característica em comum de boa parte
dessas usinas é a necessidade de obstrução do escoamento natural dos rios,
causando a interrupção da rota migratória das espécies de peixes migradores
(SANTOS et al, 2007). Para atenuar o efeito dessa interrupção sobre as
populações das espécies migradoras, iniciou-se nos Brasil a construção das
passagens para peixes. Portanto, o conhecimento do comportamento migratório e
da capacidade natatória dos peixes neotropicais constitui um aspecto primordial
para estabelecer diretrizes no dimensionamento de mecanismos de transposição.
Quanto à estratégia de vida, a maioria das espécies que compõem a
ictiofauna do sudeste brasileiro é de pequeno porte e não migratória. A ictiofauna
dos diversos ribeirões que compõem o sistema analisado é similar apresentando
predominância do gênero Astyanax, peixes potamódromos, que não são
considerados peixes de piracema já que não realizam migrações de longas
distâncias. Entretanto, as espécies encontradas Salminus hilarii, Leporinus sp e
Leporinus obtudens, são de piracema, ou seja, realizam entre outubro e fevereiro
migração reprodutiva.
Verificou-se que as espécies Pimelodus maculatus (mandi-amarelo),
Leporinus octofasciatus (piau-flamengo) e Prochilodus lineatus (curimba) são as
espécies que mais utilizam mecanismo de transposição na UHE Igarapava
(VONO et al, 2004). O estabelecimento das velocidades sustentáveis, que são
aquelas desenvolvidas entre 20 segundos e 200 minutos, parece o mais
aconselhável e corresponde aos valores geralmente verificados para a travessia de
um mecanismo de transposição, (SANTOS et al, 2007). A partir das curvas de
velocidade crítica chega-se que, neste modo de natação e para a primeira
maturação, o piau nada 1,32 m/s, o mandi nada 1,47 m/s e a curimba, 1,23 m/s.
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
125
Artigo Original
As fórmulas aqui usadas para cálculo da velocidade máxima de nado e
tempo necessário para executá-lo, supõem uma relação existente entre a
velocidade máxima de nado e tempo de resistência com os diferentes tamanhos de
peixes submetidos a diferentes temperaturas. Assume-se, portanto, que peixe de
qualquer espécie desenvolverá velocidade máxima e terá tempo de resistência
unicamente em função do seu comprimento e temperatura muscular, sem levar
em conta as particularidades fisiológicas de cada espécie. O cálculo de todos os
parâmetros e variáveis envolvidas nesse fenômeno, apesar de partirem de
premissas gerais, carece de particularidades características da espécie (relação
peso-comprimento e capacidade de retirada de 02), o que acarretaria em erro na
estimativa da capacidade natatória e tempo de resistência.
Portanto, ensaios laboratoriais para obtenção das velocidades de nado de
espécies neotropicais, ainda escassos no Brasil, seriam essenciais para
refinamento destes modelos.
REFERÊNCIAS
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natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
126
Artigo Original
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ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William
Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade
natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original
Índice biótico BMWP’ na avaliação da
integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no
entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de
São Joaquim e São José, município de São João
da Boa Vista, SP.
Guilherme Lessa Ferreira
Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor
técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos temas: Biocritérios na Avaliação da
Integridade Ambiental, Fauna Silvestre.
E-mail: [email protected]
Maurea Nicoletti Flynn
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia
Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em
ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do
CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de
Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das
Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em
Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem
experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental,
Dinâmica Populacional e Biodiversidade.
E-mail: [email protected]
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
128
Artigo Original
Resumo
Os índices bióticos são importantes ferramentas para o monitoramento de corpos
hídricos continentais. Os organismos utilizados para o cálculo desses índices, os
indicadores biológicos, constituem importante ferramenta para a avaliação da
qualidade da água, pois respondem a diferentes alterações e impactos no meio em
que vivem. Os macroinvertebrados bentônicos são amplamente utilizados com
essa finalidade através de índices bióticos como o BMWP’ (Biological Monitoring
Working Party), o mais utilizado no Brasil. Sete pontos de amostragem no Rio
Jaguari-Mirim foram estabelecidos, no entorno das PCHs (Pequenas Centrais
Hidrelétricas) de São Joaquim e São José, e o substrato coletado nos meses de
setembro de 2008 e março de 2009. A comunidade bentônica existente em cada
uma das amostras foi triada e identificada até o nível taxonômico de família,
quando possível. No total foram identificados 2.341 indivíduos, sendo 1.262 no
período de estiagem (setembro) e 1.079 no período de chuvas (março). A qualidade
da água de cada ponto amostral foi classificada em boa, aceitável, duvidosa,
crítica ou muito crítica pelos resultados da aplicação do índice BMWP’. A maioria
dos pontos obteve a classificação duvidosa para qualidade da água. Conclui-se,
portanto, que a comunidade bentônica local se encontra impactada.
Palavras-chave: Critério biológico. Bentos. Rio Jaguari-Mirim.
Abstract
Biotic indexes are important tools for the assessment of continental water.
Organisms used for index calculation, the so called biological indicators,
constitute important tool for the evaluation of continental water quality, because
they respond for alterations and impacts occurring in their environment. Benthic
macro invertebrates are widely used for this purpose, including assessment by
the BMWP' index (Biological Monitoring Working Party), the most used in Brazil.
Seven sampling sites in Jaguari-Mirim River were established, around the São
Joaquim and São Jose PCHs (Small Power Plants). At each sampling site
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
129
Artigo Original
sediment was collected in September, 2008 and March, 2009. The local benthic
community at each site was sieved and identified to family level, when possible.
A total of 2,341 individuals, 1,262 in the dry period (September) and 1,079 in the
wet period (March) were counted and identified. Water quality for each sampling
point was classified as good, acceptable, doubtful, critical or very critical in
accordance to BMWP' index values. The majority of the sites attained the
classification doubtful for water quality. It was concluded that the local benthic
community was considered disturbed.
Key-words: Biological criteria. Benthos. Jaguari-Mirim River.
Introdução
O termo integridade biótica de um sistema hídrico se refere à capacidade
deste de manter uma comunidade com riqueza de espécies, composição e
organização funcional comparáveis à de sistemas não perturbados por atividades
humanas. Atividades antrópicas têm exercido uma profunda e, frequentemente,
negativa influência na qualidade ambiental de sistemas continentais, desde os
menores córregos aos maiores rios. Alguns efeitos negativos são devidos à
introdução de poluentes, enquanto outros estão associados às mudanças na
hidrologia da bacia, modificações no hábitat e alterações das fontes de energia,
das quais depende a biota aquática (ARAÚJO, 1998). Um ponto-chave para a
gestão integrada dos recursos hídricos é a adoção de critérios adequados e
rigorosos de monitoramento da qualidade da água para diagnosticar a
integridade ou saúde destes. A partir desta avaliação, quando necessário, é
possível delinear as intervenções necessárias, a fim de recuperar o equilíbrio
original do ambiente.
Com o argumento de que a capacidade de sustentar uma biota balanceada é
um dos melhores indicadores de “saúde” e, portanto, de potencialidade de uso da
água pelo ser humano, surgiram esforços para mensurar a integridade biótica dos
corpos hídricos através de critérios biológicos. A lógica desta abordagem,
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
130
Artigo Original
chamada de monitoramento biológico ou biomonitoramento, baseia-se nas
respostas dos organismos ao meio onde vivem, pois a biota aquática é capaz de
responder a uma série de distúrbios (naturais ou antropogênicos), sintetizando a
história recente das condições locais.
A comunidade bentônica presente nos sistemas lóticos é fortemente afetada
pela alteração na qualidade do habitat, principalmente perda da vegetação
marginal e da qualidade física e química de água e sedimento (GALDEAN et al,
2000). Estas alterações provocam mudanças na composição, abundância e riqueza
da fauna bêntica, o que traz prejuízo para todo o ecossistema aquático (REICE &
WOHLENBERG, 1993). Para se utilizar mais eficientemente o macrobentos de
um rio como bioindicador da qualidade da água é necessário a formulação de
critérios biológicos, sendo um dos mais utilizados o BMWP (Biological Monitoring
Working Party). O índice BMWP baseia-se no somatório de valores de tolerância
(sensibilidade a poluentes orgânicos) atribuídos a cada grupo de macro
invertebrado de acordo com sua capacidade de sobreviver em diferentes situações
de qualidade de água. Este é um índice qualitativo e leva em conta a presença ou
ausência de famílias (BISPO et al, 2006; FERNANDES, 2007).
O presente trabalho tem por objetivos analisar a estrutura das comunidades
bênticas e monitorar suas variações, através da aplicação do Índice Biótico
BMWP’, ao longo do rio Jaguari-Mirim, município de São João da Boa Vista, São
Paulo, com o intuito de oferecer ferramentas para o monitoramento de
funcionamento de duas centrais hidrelétricas, ora em processo de reativação.
Metodologia
As coletas foram realizadas em setembro de 2008 e março de 2009 em sete
pontos amostrais ao longo do trecho do Rio Jaguari-Mirim entre duas Pequenas
Centrais Hidrelétricas, as PCHs de São José e São Joaquim. Os pontos amostrais
1, 2 e 3 (Figura 1) são referentes à montante, à área da PCH e à jusante da PCH
São José, respectivamente. Os pontos amostrais 5, 6 e 7 (Figura 2) são pontos
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
131
Artigo Original
referentes à montante, à área da PCH e a jusante da PCH São Joaquim. O ponto
4 é o ponto entre as duas Centrais Hidrelétricas.
Figura 1 – Ponto 1, à montante da PCH São José; ponto 2, na área da PCH de São José; e
ponto 3, à jusante da PCH de São José.
Figura 2 – Ponto 5, à montante da PCH de São Joaquim; ponto 6, na área do barramento e da
escadaria da PCH de São Joaquim; e ponto 7, à jusante da PCH de São Joaquim.
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
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Artigo Original
A metodologia adotada na coleta, identificação e contagem da comunidade
bentônica na Área de Influência das PCHs São Joaquim e São José tem como
base a Normatização Técnica - CETESB L5. 309 - Determinações de Bentos de
Água
Doce - Macro invertebrados Bentônicos
- Método
Qualitativo e
Quantitativo, (CETESB, 2003). Em cada ponto de amostragem foram feitas
coletas de organismos do sedimento (zoobentos) com pegador. Após a coleta, o
sedimento foi acondicionado em sacos plásticos apropriados e preservado com
formalina neutra a 4%. No laboratório da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
o material foi conservado em álcool 70º GL e corado com rosa de Bengala.
As comunidades zoobentônicas foram analisadas em termos de Composição
Taxonômica, Densidade Numérica e pelo índice biótico BMWP’. O índice biótico
BMWP’ é uma adaptação feita por ALBA-TERCEDOR (1996) do índice original
BMWP. As pontuações para os organismos bentônicos deste índice adaptado, que
foram utilizadas para este trabalho, estão apresentadas na tabela 1.
Tabela 1 – Valores de tolerância a poluentes atribuídos aos taxa, proposto por ALBA-TERCEDOR
(1996).
FAMÍLIAS
Siphlonuridae, Heptageniidae, Leptophlebiidae, Potamanthidae, Ephemeridae, Taeniopterygidae,
Leuctridae, Capniidae, Perlodidae, Perlidae, Chloroperlidae, Aphelocheiridae, Phryganeidae,
Molannidae, Beraeidae, Odontoceridae, Leptoceridae, Goeridae, Lepidostomatidae, Brachycentridae,
Sericostomatidae, Calamoceratidae, Helicopsychidae,
Megapodagrionidae,
Athericidae, Blephariceridae.
Astacidae, Lestidae, Calopterygidae, Gomphidae, Cordulegastridae, Aeshnidae, Corduliidae,
Libellulidae, Psychomyiidae, Philopotamidae, Glossosomatidae.
Ephemerellidae , Prosopistomatidae,
Nemouridae,
Gripopterygidae,
Rhyacophilidae,
Polycentropodidae, Limnephelidae, Ecnomidae, Hydrobiosidae, Pyralidae, Psephenidae.
Neritidae, Viviparidae, Ancylidae, Thiaridae, Hydroptilidae, Unionidae, Mycetopodidae , Hyriidae,
Corophilidae, Gammaridae, Hyalellidae, Atyidae, Palaemonidae, Trichodactylidae, Platycnemididae,
Coenagrionidae, Leptohyphidae.
Oligoneuridae, Polymitarcyidae, Dryopidae, Elmidae, Helophoridae, Hydrochidae, Hydraenidae,
Clambidae, Hydropsychidae, Tipulidae, Simuliidae, Planariidae, Dendrocoelidae, Dugesiidae.
Aeglidae, Baetidae, Caenidae, Haliplidae, Curculionidae, Chrysomelidae, Tabanidae, Stratyiomyidae,
Empididae, Dolichopodidae, Dixidae, Ceratopogonidae, Anthomyidae, Limoniidae,
Psychodidae, Sciomyzidae, Rhagionidae, Sialidae, Corydalidae, Piscicolidae, Hydracarina.
Mesoveliidae, Hydrometridae, Gerridae, Nepidae, Naucoridae (Limnocoridae), Pleidae,
Notonectidae, Corixidae, Veliidae, Helodidae, Hydrophilidae, Hygrobiidae, Dytiscidae, Gyrinidae,
Valvatidae, Hydrobiidae, Lymnaeidae, Physidae, Planorbidae, Bithyniidae, Bythinellidae, Sphaeridae,
Glossiphonidae, Hirudidae, Erpobdellidae, Asellidae, Ostracoda.
Chironomidae, Culicidae, Ephydridae, Thaumaleidae.
Oligochaeta (toda a classe), Syrphidae.
PONTUAÇÃO
10
8
7
6
5
4
3
2
1
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
133
Artigo Original
Foi realizada a atribuição dos valores da tabela acima aos organismos
encontrados nos sete pontos de amostragem do rio Jaguari – Mirim, nos dois
períodos de coletas (setembro/2008 e março/2009), sendo estes posteriormente
somados. Para a interpretação das pontuações totais do índice BMWP’, foi
utilizada a tabela de valores, propostos por ALBA-TERCEDOR (1996),
correlacionando estes valores a cinco graus diferenciados de contaminação da
água e respectivas cores estipulada (Tabela 2).
Tabela 2 – Interpretação das pontuações totais dos organismos encontrados em um determinado
ponto de coleta e as cores correspondentes à qualidade da água, proposto por ALBA-TERCEDOR
(1996).
Classe
Qualidade
Valor
Significado
Cor
I
BOA
101 – 120
e
>120
AZUL
II
ACEITÁVEL
61 - 100
III
DUVIDOSA
36 - 60
IV
CRÍTICA
16 - 35
V
MUITO
CRÍTICA
< 16
• Águas muito limpas
(águas prístinas)
• Águas não poluídas ou
sistema perceptivelmente
não alterado
• São evidentes efeitos
moderados de poluição
• Águas poluídas (sistema
alterado)
• Águas muito poluídas
(sistema muito alterado)
• Águas fortemente
poluídas (sistema
fortemente alterado)
VERDE
AMARELO
LARANJA
VERMELHO
Como não se chegou ao nível de família em todos os grupos taxonômicos
considerados, foi aplicada uma constante de ajuste de valor, ou seja, as
pontuações do BMWP’ totais de cada ponto amostral foram multiplicadas por 2.
Este procedimento foi adotado para contabilizar mais realisticamente os níveis
taxonômicos de ordem e classe.
Resultados
Nos dois períodos de amostragem, em setembro de 2008 (fim da época de
estiagem) e março de 2009 (fim da época de chuva), foram coletados organismos
pertencentes a 30 taxa, divididos nas seguintes classes: Oligochaeta, Hirudinea,
Bivalvia, Gastropoda, Insecta, Crustacea e Aracnoidea. Os grupos mais
abundantes foram Oligochaeta, os insetos da ordem Díptera (especialmente a
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
134
Artigo Original
família Chironomidae), e a Classe Bivalvia. Foram coletados aproximadamente
2.341 exemplares no total, sendo que 1.262 indivíduos na campanha de setembro
e 1.079 na campanha de março. A maior parte dos indivíduos foi identificada no
nível de ordem, seguidos por família e classe.
A Tabela 3 apresenta a lista dos taxa coletados nos pontos de amostragem
em setembro e em março e o número de indivíduos coletados por táxon e por
ponto amostral.
Tabela 3 - Lista dos grupos de indivíduos coletados em setembro/ 2008 e em março/2009 e número
de indivíduos por ponto amostrado.
Pt 1
Pt 2
Pt 3
Pt 4
Pt 5
Pt 6
Pt 7
Totais
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Classe OLIGOCHAETA
Classe HIRUDÍNEA
Glossiphoniidae
Classe BIVALVIA
40
154
59
3
0
135
3
9
42
96
27
111
41
11
212
519
0
9
1
2
0
2
0
0
1
0
0
1
0
0
2
14
79
26
212
22
100
325
2
17
84
3
7
13
3
2
487
408
Classe GASTROPODA
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
Ordem Collembola
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
Ordem Ephemeroptera
0
2
0
1
1
3
0
1
0
0
1
0
0
0
2
7
Baetidae
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
1
1
Ordem Odonata
2
0
3
0
0
3
0
1
0
0
1
0
0
0
6
4
Gomphidae
0
4
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
1
4
2
8
Ordem Coleoptera
0
0
1
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
2
0
CLASSE INSECTA
Ordem Diptera
2
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
2
3
3
Chironomidae
71
17
34
12
1
33
13
9
21
4
14
2
5
12
159
89
Ceratopogonidae
0
2
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
Ordem Hemíptera
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
8
0
9
Ordem Trichoptera
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
1
0
0
0
2
Ordem Plecoptera
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
1
Ostracoda
0
2
3
0
0
0
0
0
6
0
0
1
0
0
9
3
Tanaidacea
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
Amphipoda
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
1
Copepoda
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
1
0
2
0
Cumacea/Nebaliacea
Classe ARACNOIDE
Hidrocarina
2
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
0
0
0
0
0
174
0
0
0
0
0
0
0
0
0
174
0
TOTAIS
232
218
461
41
277
503
19
38
155
103
51
135
67
41
1262
1079
Classe CRUSTACEA
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
135
Artigo Original
No mês de setembro os principais taxa coletados foram Bivalvia,
Oligochaeta, Díptera (Chironomidae), Cladocera e Hidrocarina. O Ponto 2
apresentou maior abundância de indivíduos nas coletas dessa época, seguido dos
pontos 3, 5 e 1. Os pontos com menor abundância de indivíduos foram os pontos
6, 7 e 4 em ordem decrescente. Os principais táxons coletados em março de 2009
foram Oligochaeta, Bivalvia e Díptera (Chironomidade). O ponto 3 apresentou
maior abundância de indivíduos. Os Pontos 5, 6, 1, 7, 4 e 2 estão listados em
ordem decrescente de abundância de indivíduos.
A Tabela 4 apresenta a somatória das pontuações atribuídas aos indivíduos
coletados, de acordo com o índice biológico BMWP’, por ponto amostral, dos meses
de setembro e março, e também apresenta a cor que representa a qualidade da
água em cada ponto e sua interpretação, segundo o índice proposto por ALBATERCEDOR (1996).
Tabela 4 – Soma dos valores do índice BMWP’ atribuídos aos organismos coletados por ponto
amostral na campanha de setembro de 2008 e março de 2009 e a interpretação da qualidade da
água segundo ALBA-TERCEDOR (1996). Duv: Duvidosa; Ace: Aceitável; Cri: Critica.
Pt 1
Pontuação
BMWP’
Qualidade
da Água
Pt 2
Pt 3
Pt 4
Pt 5
Pt 6
Pt 7
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
48
66
52
44
38
68
36
58
46
18
58
48
62
64
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Ace
Ace
Duv
Ace
Ace
Cri
Discussão
Os macroinvertebrados bentônicos apresentam diferentes respostas frente a
poluentes e impactos, por isso mesmo são usados como indicadores de qualidade
ambiental. Entretanto, segundo autores (TUNDISI & MATSUMURA, 2008),
diferentes variáveis podem estar envolvidas na resposta dos macrobentos, além
dos poluentes. Dessa forma, a diversidade da fauna pode estar relacionada a
múltiplos fatores, tanto bióticos (predação, competição) como abióticos (oxigênio
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
136
Artigo Original
dissolvido, pH, velocidade de corrente), entre outros (ANDRADE, 2009), sendo
importantes métricas na avaliação da integridade do sistema. O índice biótico
BMWP’, amplamente empregado no Brasil, atribui valores aos diferentes grupos
de macrobentos, levando em consideração apenas a presença/ausência de famílias
e sua sensibilidade ou tolerância aos impactos no ambiente limnológico. Dessa
forma é possível mensurar a qualidade da água em um determinado ponto de um
corpo hídrico com a utilização destes indivíduos.
Aparentemente a diferença no número de exemplares coletados entre o
período chuvoso e de estiagem (menor na época chuvosa), se deve justamente pelo
aumento
da
pluviosidade.
Segundo
alguns
autores,
o
ciclo
hidrológico
desempenha forte influência sobre a fauna bentônica, principalmente em
ambientes lóticos, resultando em uma redução da comunidade bentônica nos
períodos de chuva (TUNDISI & MATSUMURA-TUNDISI, 2008). Isso acontece
porque, nestas épocas, há um grande aumento na velocidade de corrente,
resultando em uma maior lixiviação do solo, dificultando a permanência e a
movimentação dos indivíduos bentônicos no substrato, sendo estes assim,
desprendidos de seu habitat.
Na análise da comunidade macrobentônica de setembro de 2008, podemos
observar a predominância de indivíduos da Classe Bivalvia e em março de 2009,
organismos da Classe Oligocheta. Ambas as classes, em suas respectivas épocas
de dominância, encontradas em todos os pontos amostrais. A classe Oligocheta é
classificada como altamente tolerante a poluentes, enquanto os bivalves
apresentam uma tolerância intermediária (ANDRADE, 2009). Este fato, somado
com a ausência de indivíduos muito sensíveis a poluentes (Ephemeroptera,
Plecoptera, Tricoptera, por exemplo), tanto na época de estiagem como na das
chuvas, nos leva a inferir uma qualidade da água do Rio Jaguari-Mirim mais
baixa no período de chuvas, apesar das chuvas representarem um impacto
natural, não relacionado às ações antrópicas das PCH’s.
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
137
Artigo Original
Entretanto, segundo análise do índice biótico BMWP’ o mês de março (fim
das chuvas) apresenta três pontos com qualidade aceitável da água, enquanto o
mês de setembro (fim de estiagem) apresenta apenas um ponto com qualidade
aceitável da água e todos os outros com qualidade duvidosa. Esta análise
contraria o que afirmam os autores da literatura especializada, que nos períodos
chuvosos a qualidade da água deveria ser mais baixa, considerando o fato de que
a fauna bêntica encontra dificuldades em se manter fixada no substrato e é
levada pela força da corrente da água, que é maios no período chuvoso (TUNDISI
& MATSUMURA-TUNDIDI, 2008). Entretanto, justamente pelo fato de, na época
das coletas, estarem sendo realizadas obras para a reativação das duas PCHs
com intensa atividade de máquinas nas margens do rio e a constante efusão de
conteúdos oriundos das obras na água, de certo o impacto causado sobrepuja o
naturalmente previsto.
REFERÊNCIAS
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ríos. In: IV SIMPOSIO SOBRE EL AGUA EN ANDALUCÍA (SIAGA), II: 203213, Almeria, 1996.
ARAÚJO, F. G. Adaptação do índice de integridade biótica usando a comunidade
de peixes para o rio Paraíba do sul. Revista Brasileira de Biologia, v. 58, n. 4,
p. 547-558, 1998.
ANDRADE, C. C. Macroinvertebrados bentônicos e fatores físicos e
químicos como indicadores de qualidade da água da Bacia do Alto
Jacaré-Guaçu (SP). Dissertação (Mestrado em Ecologia e Recursos Naturais)Universidade Federal de São Carlos, 2009.
BISPO, P. C. Distribuição espacial de insetos aquáticos (Ephemeroptera,
Plecoptera e Trichoptera) em córregos de cerrado do Parque Ecológico de Goiânia,
Estado de Goiás. In: NESSIMIAN, J. L.; CARVALHO, A. L. E. (Ed.). Ecologia
de insetos aquáticos. Rio de Janeiro: PPGE-UFRJ, 1998. cap. 13. (Series
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FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
138
Artigo Original
CETESB,
L5.309:
Determinação
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bentos
de
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doce:
Macroinvertebrados – métodos qualitativo e quantitativo. São Paulo, 14p.
(Norma Técnica). 2003.
FERNANDES, A. C. M. Macroinvertebrados Bentônicos como Indicadores
Biológicos de Qualidade de Água: Proposta para Elaboração de um
Índice de Integridade Biológica. Tese (Doutorado em Ecologia)-Universidade
de Brasília. Brasília-DF, 2007.
GALDEAN, N. Lotic ecosystems of Serra do Cipó, Southeast Brazil: water quality
and a tentative classification based on the benthic macroinvertebrate
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TUNDISI, J.G & MATSUMURA-TUNDISI, T. Limnologia. São Paulo: Oficina
de Textos, 631p. 2008.
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macroinvertebrates and benthic processes: measures for assessment of ecosystem
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FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade
ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São
José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
139
Artigo Original
Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas
Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José,
município de São João da Boa Vista, São Paulo
usando como critério a qualidade da água e a
comunidade fitoplanctônica.
Bruno Assanuma Burstin
Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor
técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos seguintes temas: Pequenas Centrais
Hidrelétricas, Plâncton, Monitoramento Biológico.
E-mail: [email protected]
Maurea Nicoletti Flynn
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia
Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em
ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do
CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de
Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das
Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em
Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev.
2012.
140
Artigo Original
experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental,
Dinâmica Populacional e Biodiversidade da Ambientes Aquáticos.
E-mail: [email protected]
Resumo
Ecossistemas aquáticos, inclusive os brasileiros, vêm apresentando uma
expressiva
queda
de
qualidade
da
água
e
biodiversidade,
ligadas
à
desestruturação do ambiente físico-químico e alteração da dinâmica natural das
comunidades biológicas, consequência de impactos ambientais oriundos de
atividades antrópicas como: construção de barragens e represas, retificação e
desvio do curso natural de rios. O presente trabalho tem por objetivos analisar a
estrutura da comunidade fitoplanctônica e parâmetros físico-químicos da água
para estabelecer as bases de referência que serão utilizadas para monitorar o
impacto causado pelas obras de reativação de duas centrais hidrelétricas
instaladas ao longo do Rio Jaguari-Mirim, entorno do município de São João da
Boa Vista, São Paulo. Amostras de água foram coletas para análise dos
parâmetros físico-químicos e comunidade fitoplanctônica em 7 pontos distribuídos
no entorno das PCHs de São José e São Joaquim. As coletas foram realizadas
durante a estação de seca, setembro 2008. De acordo com a quantidade de fósforo
total encontrada, o Rio Jaguari-Mirim apresenta nível hipereutrófico em todos os
pontos amostrais. A comunidade fitoplanctônica apresentou maior contribuição,
em relação à riqueza especifica, por Bacillariophyceae, organismos unicelulares
ou coloniais que dependem da sílica para sua sobrevivência e para o seu
crescimento e favorecidos por processos de ressuspensão do sedimento nos
ambientes lóticos.
Foram
observadas
células
soltas
de Microcystis
sp.
(Cianobacteria) que apesar de apresentar baixa frequência de ocorrência pode ser
considerada como potencialmente tóxica. A presença de Euglenophyceae indica
que o ambiente continental é rico em matéria orgânica.
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev.
2012.
141
Artigo Original
Palavras-chave:
Qualidade
da
água,
Fitoplâncton,
Pequenas
Centrais
Hidrelétricas, Rio Jaguari-Mirim
Abstract
Aquatic ecosystems worldwide, including the Brazilians, have demonstrated an
expressive decrease in water quality and loss of biodiversity, linked to disruption
of the physical and chemical environment and alteration of the natural dynamics
of biological communities. These impacts arise from human activities such as:
construction of dams and reservoirs and other modifications made along the
natural river beds. Characterization of the environment through physical and
chemical variables linked to biological criteria offer an instant evaluation of the
water quality. The present work proposes to analyze the structure of the
phytoplankton community and water physical and chemical parameters in order
to establish reference basis which will be used to assess the impact caused by the
reactivation of two small hydroelectric power plants installed at Jaguari-Mirim
River, São João da Boa Vista. With this purpose water samples were sampled for
physical and chemical as well as the phytoplankton parameters analysis on 7
stations distributed along São José and São Joaquim power plants region,
realized in September 2008, dry season. According to total phosphorous
concentration obtained, the Jaguari-Mirim River is hypertrophic in all sampled
locations. Bacillariophyceae, unicellular or colonial organisms that depends on
silica in order to grow and survive, is favored by the suspension process in lotic
environments. Some loose cells of Microcystis sp. (Cianobacteria) were also
observed, which despite the low frequency of occurrence may be considered
potentially toxic. The presence of Euglenophyceae indicates a continental
environment rich in organic matter.
Key-words: Water quality, Phytoplankton, Small Hydroelectric Plants, JaguariMirim River
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev.
2012.
142
Artigo Original
Introdução
Ecossistemas aquáticos têm demonstrado uma expressiva queda de
qualidade da água e perda de biodiversidade, ligadas à desestruturação do
ambiente físico-químico e alteração da dinâmica natural das comunidades
biológicas (GOULART e CALLISTO, 2003). As atividades humanas podem
alterar o meio físico, químico ou processo biológico associados aos recursos
hídricos, modificando assim a comunidade biológica residente (KARR, 1991). Os
seres vivos que habitam ambientes lóticos respondem rapidamente a qualquer
alteração abiótica ou biótica no meio aquático (TUNDISI et al, 2010), sendo que
as atividades ou distúrbios que ocorrem em uma localidade afetarão os processos
e organismos rio abaixo (TUNIDISI e MATSUMURA-TUNDISI, 2008).
Técnicas para o uso de comunidades bióticas como indicadoras de
qualidade da água têm evoluído assim como como a compreensão sobre as
interações entre a integridade biológica e a qualidade da água (HILL et al, 2000).
Critérios biológicos suplementam, em vez de excluir, as analises químicas e
toxicológicas. Esses critérios são baseados nas premissas de que a estrutura e
função da comunidade aquática, dentro de um habitat específico, provêm
informações importantes sobre a qualidade destas, aumentando a probabilidade
de detecção da degradação por ação antrópica (KARR, 1991; LAZORCHAK et al,
2002).
No Brasil, agências ambientais públicas classificam as comunidades
fitoplanctônicas, especialmente as diatomáceas, como sendo indicadoras valiosas
das condições ambientais dos ecossistemas aquáticos devido a diversos fatores
(WETZEL, 2002). Hill e colaboradores (2001) destacam suas vantagens: 1) coleta
de amostras relativamente simples; 2) os organismos respondem rápida e
previsivelmente a mudanças na química dos seus habitats; 3) apresentam grande
diversidade taxonômica; 4) curto tempo de regeneração; 5) estão presentes em
todos os habitats, permitindo comparação entre diferentes regiões.
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev.
2012.
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Artigo Original
Este trabalho tem como objetivo analisar a estrutura da comunidade
fitoplanctônica assim como parâmetros físico-químicos da água para estabelecer
as bases de referência que serão utilizadas para monitorar o impacto causado
pelas obras de reativação de duas pequenas centrais hidrelétricas instaladas ao
longo do Rio Jaguari-Mirim no entorno do Município de São João da Boa Vista,
São Paulo.
Metodologia
A campanha de coleta foi realizada durante a estação seca, mês de
setembro, 2008. Foram estabelecidos sete pontos amostrais de coleta (Figura 1).
Em cada ponto anotou-se as coordenadas geográficas, com auxílio de um aparelho
de GPS. Os pontos 1, 2 e 3 são referentes à área a montante da PCH,
reservatório, e a jusante da PCH São José, respectivamente. Os pontos 5, 6 e 7
referentes à área a montante, reservatório, e a jusante da PCH São Joaquim,
respectivamente. O ponto 4 foi estabelecido na área curto-circuítada do rio entre
as duas PCHs, a jusante de São José e a montante de São Joaquim.
Figura 1: Fotos da localização das PCHs São José e São Joaquim e pontos amostrais: P1)
21°56'17.75"S, 46°48'56.1"W - P2) 21°56'1.71"S, 46°48'58.0"W - P3) 21°56'15.36"S, 46°48'77"W - P4)
21°53'18.57"S, 46°51'42.8"W - P5) 21°52'38.48"S, 46°52'58.64"W - P6) 21°52'30.95"S, 46°53'5.93"W - P7)
21°52'28.30"S, 46°53'37.97"W.
As amostras de água coletadas para análise dos parâmetros físico-químicos
(pH, cor, turbidez, sólidos totais, sólidos totais dissolvidos, óleos e graxas,
coliformes, nitrogênio total Kjedahl, anions, DBO, DQO e fósforo total) foram
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev.
2012.
144
Artigo Original
enviadas para o laboratório da BIOAGRI AMBIENTAL.
Os resultados
apresentados serão comparados aos padrões estabelecidos pela Resolução
CONAMA 357/05 quanto à classificação dos corpos de águas continentais e
diretrizes ambientais para o seu enquadramento.
Em todos os pontos amostrais, também foram coletados, através da
filtragem de 10 litros de água por rede de abertura de malha 20μm, amostras
para análise taxonômica da comunidade fitoplanctônica.
A metodologia para
contagem e identificação do fitoplâncton foi realizada utilizando microscópio
invertido Zeiss, modelo Axiovert 25, em aumento de 400 vezes. A contagem foi
realizada em campos distribuídos em transectos horizontais e verticais e o limite
da contagem, número mínimo de campos contados da câmara de sedimentação,
foi determinado através dos critérios: a) o critério de gráfico de espécies, obtido a
partir de espécies novas adicionadas com o número de campos contados e b) o de
espécies mais abundantes, obtido pela contagem de até 100 indivíduos da espécie
mais comum. Cada célula, colônia, cenóbio e filamento foram considerados como
um indivíduo. A partir dos resultados de densidade (org.mL-1) do fitoplâncton, os
seguintes índices foram calculados: Riqueza (R), Diversidade (H’) (bits.ind-1) de
Shannon & Weaver (1963), Uniformidade (U’) de acordo com Lloyd & Ghelardi
(1964), Dominância (DS) de Simpson (1949), Frequência de ocorrência (F). Em
função
de
F,
distinguiram-se
as
seguintes
categorias
para
os
táxons
fitoplanctônicos: Constantes: F > 50%, Comuns: 21% < F < 50% e Raros: F < 20%.
Utilizou-se bibliografia especializada, incluindo floras, revisões e teses, para a
identificação da comunidade fitoplanctônica.
Resultados
Os dados referentes aos parâmetros físico-químicos estão demonstrados na
tabela 1. Os resultados analíticos apresentados foram comparados com os limites
máximos previstos de acordo com a Resolução 357/05 CONAMA, quanto à
classificação de águas continentais. A variação do pH do Rio Jaguari-Mirim está
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev.
2012.
145
Artigo Original
dentro da normalidade (valores entre 6 e 9, para rios de Classe 2) em seis pontos
amostrais, sendo a exceção o ponto 4 que apresentou-se mais alcalino. A cor
ultrapassou o limite máximo estabelecido (75 Pt/Co) em todos os pontos
amostrais. Turbidez, sólidos totais dissolvidos e coliformes fecais apresentaram
valores abaixo do limite estabelecido. Óleos e graxas tiveram valor superior ao
limite estabelecido nos pontos 1, 2 e 7 sendo a concentração maior no ponto 2.
Nitrito e nitrato tiveram valores abaixo do limite em todos os pontos. Porem,
nitrogênio total Kjeldahl apresentou valores abaixo do limite (de 2,18 mg/L) em
todos os pontos com exceção do ponto 6 com concentrações altas. O fósforo total
ficou com valores acima do limite (0,10 mg/L) em todos os pontos amostrais sendo
a maior concentração encontrada no ponto 4. Os valores para DBO apresentaram
dois padrões: os pontos 1, 2, 3, 4, e 7 ficaram acima do limite máximo estabelecido
(5 mg/L) e os pontos 5 e 6 (área da PCH de São Joaquim) apresentaram valor
inferior a 2mg/L, abaixo do limite estabelecido.
Tabela 1: Dados analíticos referentes aos parâmetros físico-químicos da água relativos aos
pontos amostrais.
Pontos de coleta
Parâmetros
Unidades
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
pH ( a 20°C)
---
8,20
8,10
8,17
9,30
8,30
8,00
7,90
Cor
Pt/ Co
85
93
85
82
80
76
89
Turbidez
NTU
6,6
6,8
6,6
6,1
5,8
5,8
6,2
Sólidos Totais Dissolvidos
mg/L
124
101
118
176
140
143
90
Óleos e Graxas
mg/L
2
4
<1
<1
<1
<1
2
Coliformes Fecais
NMP/100mL
2
2
138
980
82
135
148
Nitrogênio Total Kjeldahl
mg/L
0,79
1,3
1,1
1,1
0,69
6,2
1,2
Fósforo Total
mg/L
0,25
0,21
0,29
0,49
0,30
0,16
0,22
Nitrato
mg/L
0,7
0,7
0,8
1,4
1,2
1,3
1,4
Nitrito
mg/L
< 0,02
< 0,02
0,02
0,10
0,06
0,10
0,08
DBO
mg/L
6,8
6,8
6,8
6,8
<2
<2
6,8
Na comunidade fitoplanctônica foram identificados um total de 51 táxons
(Tabela 2), distribuídos em sete classes (Figura 1): Bacillariophyceae com 16
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio
Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
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táxons, Chlorophyceae com 13, Cianobacteria com 11, Euglenophyceae com 7,
Zygnemaphyceae com 2, Chrysophyceae com 1 e Cryptophyceae com 1.
Tabela 2: Lista de ocorrência dos táxons fitoplanctônicos coletados em Setembro de 2008.
Táxons
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
Frequência de
ocorrência
X
X
Comum
Bacillariophyceae
Acanthes sp.
X
Achnanthidium sp.
X
Rara
Amphipleura sp.
X
Amphora sp.
X
Aulacoseira sp.
X
X
Encyonema sp.
X
X
Eunotia sp.
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Melosira sp.
Navicula sp.1
X
X
X
Constante
Rara
X
X
X
X
X
Constante
X
X
X
X
X
Constante
X
X
Navicula sp.2
Comum
X
Navicula sp.3
X
X
Nitzchia sp.
X
Pinnularia sp.
X
Surirella sp.
X
Constante
Comum
X
X
Comum
Comum
X
Fragilaria sp.
Gyrosigma sp.
X
X
Rara
X
Comum
X
X
X
Comum
X
X
X
Comum
X
Constante
Chlorophyceae
Chlorella minutissima
X
X
X
Comum
Chlorella vulgaris
X
X
X
Comum
Coeslastrum astroideum
X
Rara
Crucigenia tetrapedia
X
Didimocystis fina
X
X
Rara
Comum
Monoraphidium contortum
X
Rara
Monoraphidium griffithi
X
Rara
Pandorina sp.
Pediastrum duplex
X
Rara
X
Rara
Pediastrum simplex
X
Rara
Scenedesmus bicaudatus
X
Rara
Scenedesmus opoliensis
X
Rara
Treubaria sp.
X
X
X
Comum
X
X
Comum
X
Comum
Cryptophyceae
Cryptomonas erosa
Chrysophyceae
Ochromonas sp.
X
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Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São
João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica.
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Cianobacteria
Aphanocapsa delicatissima
X
Chroococcus minor
X
Chroococcus minutus
X
X
Comum
X
Constante
X
X
Microcystis sp.
Comum
X
X
Rara
Merismopedia punctata
X
Pseudanabaena mucicola
X
Pseudoanabaena catenata
X
X
X
Rara
Comum
X
Comum
Phormidium sp.
X
X
Comum
Rhabdoderma lineare
X
X
Comum
X
Constante
X
Comum
X
Constante
Synechocystis aquatilis
X
X
Synechococcus elongatus
X
X
X
X
X
Euglenophyceae
Euglena sp.1
X
Euglena sp.2
X
X
X
X
Rara
Euglena velata
X
Lepocinclis acus
X
Rara
X
Phacus curvicauda
Comum
X
Trachelomonas volvicina
X
Trachelomonas volvocinopsis
X
Rara
X
Comum
Rara
Zygnemaphyceae
Mougeotia sp.
X
Rara
Spirogyra sp.
X
4%
14%
Bacillariophyceae
31%
22%
Chlorophyceae
Cryptophyceae
Chrysophyceae
25%
2% 2%
Rara
Cyanobacteria
Euglenophyceae
Figura 1: Frequência relativa das famílias de fitoplâncton, setembro 2008.
Os valores para densidade total, riqueza, diversidade, uniformidade e
dominância estão dispostos na tabela 3. A densidade total variou de 499 org.mL -1,
em P5, a 23.795 org.mL-1, em P3; a riqueza obteve o seu menor valor em P1, com
13 táxons, e o maior em P7 com 24 táxons. A diversidade registrou o menor valor
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em P3 com 1,22 bits.ind-1 e o maior, 2,82 bits.ind-1, em P7. A uniformidade obteve
seu menor valor também em P3 e o maior em P5. Enquanto a dominância variou
entre 0,18 em P7 e 0,62 em P3. Os valores mais altos de diversidade (acima de 2,6
bits.ind-1) refletiram em altos valores de uniformidade (entre 0,7 e 0,8) e em
baixos valores de dominância (entre 0,1 e 0,2).
Tabela 3 - Valores da Densidade Total (org.mL-1), da Riqueza, da Diversidade (bit.ind-1), da
Uniformidade e da Dominância de Simpson da comunidade fitoplanctônica.
P1
P2
P3
P5
P6
P7
Densidade Total
2.527
2.543
23.795
499
2.575
1.502
Riqueza
13
21
18
18
15
24
Diversidade
2,70
2,63
1,22
2,77
1,57
2,82
Uniformidade
0,76
0,73
0,47
0,80
0,61
0,76
Dominância
0,20
0,22
0,62
0,22
0,45
0,18
Discussão
A influência antrópica em ambientes lóticos pode e tem levado a perda da
sustentabilidade da biota, com a completa eliminação dos organismos aquáticos
em ambientes severamente perturbados. Ao longo do trecho estudado do JaguariMirim na área de influência das PCHs da São José e São Joaquim, Flynn et al
(2011) verificaram a diminuição da qualidade da água e a colonização de poucas
espécies dominantes resistentes à poluição. Os valores dos parâmetros físicoquímicos aqui analisados evidenciam alteração da qualidade da água no mesmo
trecho do rio. O pH pode exercer influencia direta sobre a fauna e flora dos
ecossistemas aquáticos, devido a seus efeitos sobre a fisiologia de diversas
espécies. Indiretamente, contribui para a precipitação de elementos tóxicos.
Portanto, o meio alcalino caracterizado no trecho entre as PCHs de São José e
São Joaquim pode constituir um fator limitante aos residentes naturais. Os
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Artigo Original
parâmetros de turbidez e sólidos totais dissolvidos apresentaram valores
satisfatórios quanto à integridade ecológica. Porém, a significante concentração
de óleos e graxas nos pontos 1, 2 e 7 pode ser prejudicial ao ambiente aquático.
Substancias como ácidos graxos, gorduras animais, sabões, graxas, óleos vegetais,
ceras e óleos minerais, quando em águas naturais, acumulam-se na superfície e
podem dificultar as trocas gasosas que ocorrem entre a fase líquida e a atmosfera,
podendo trazer sérios problemas ecológicos.
Em relação aos componentes químicos, o fósforo total e nitrogênio total
Kjeldahl são dois nutrientes que quando em altas concentrações conduzem a
processos de eutrofização e consequente depleção do oxigênio do meio. O
nitrogênio total foi encontrado em grandes concentrações, bem acima do limite
estabelecido, no ponto 6, área da PCH São Joaquim podendo ser consequência
direta do canteiro de obras montado para a reforma da casa de maquinas da
PCH. O fósforo total esteve acima do limite estabelecido em todos os pontos
amostrais de coleta. Este parâmetro é base para o calculo do Índice de Estado
Trófico (IET), que permite a classificação dos corpos d’água em diferentes graus
de trofia, neste caso todos os pontos apresentaram um nível hipereutrófico. O
efeito de eutrofização por enriquecimento desses nutrientes tem relação com o
crescimento excessivo das algas. Através dos dados de concentrações dos analitos,
Moraes e Rossi (2011) estabeleceram, Para o Rio Jaguari-Mirim, uma relação
entre a precipitação e as concentrações dos íons, com os ânions fósforo
apresentando valores fora dos limites estabelecidos principalmente no período de
seca.
Outro parâmetro fundamental para o controle da qualidade de água é a
DBO. Este representa a demanda biológica de oxigênio dissolvido que poderá
ocorrer devido à estabilização dos compostos orgânicos biodegradáveis e que pode
trazer os níveis de oxigênio abaixo dos exigido por peixes, levando-os à morte.
Portanto, os trechos do rio correspondente aos pontos 1, 2, 3, 4 e 7, que ficaram
acima do limite estabelecido, demonstram uma baixa qualidade na água.
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Comparando-se as amostras qualitativas de fitoplâncton, uma maior
riqueza de organismos da classe Bacillariophyceae, organismos típicos de
ambientes lóticos, foi observada. Estes organismos são favorecidos por processos
de ressuspensão de material sedimentar, pois dependem da sílica para crescer e
sobreviver. Depois de Bacillariophyceae, Chlorophyceae foi a classe com maior
número médio de táxons por campanha. Os organismos desta classe apresentam
uma grande diversidade morfométrica, desenvolvendo-se em diversos habitats e
em sistemas aquáticos com diferentes graus de trofia. Dessa forma, têm uma
ampla distribuição, variando em composição e densidade de espécies. Foram
observadas células soltas de Microcystis sp., que apesar de apresentar frequência
de ocorrência rara segundo Sant’Anna et. al (2007) pode ser considerada como
potencialmente tóxica, como também as espécies M. aeruginosa, M. botrys, M.
panniformis, M. protocystis e M. wesenbergii. Todas as Cianobacteria são tóxicas
quando apresentam lipopolissacarídeos, componentes da parede celular, que
podem causar irritações na pele e alergias e, se ingeridas, desencadear uma série
de efeitos, que incluem níveis anormais de glicose, trombocitopenia e neuropenia.
Muitas espécies em determinadas condições ambientais, sintetizam também
outros metabólitos tóxicos, as cianotoxinas, que podem ser bioacumuladas ao
longo da cadeia trófica, ou ainda permanecer na água. Em ambientes eutróficos
este grupo de organismos é favorecido podendo formar as florações, crescimento
acelerado de uma ou mais espécies. Dessa forma as analises sobre a identificação
e a densidade destes organismos assume maior relevância, já que as cianotoxinas
representam riscos à saúde pública.
O presente estudo detectou a partir das analises da qualidade da água e da
caracterização da comunidade fitoplanctônica uma condição já deteriorada do
trecho do Rio Jaguari-Mirim no entorno das PCHs de São João e São Joaquim
que poderá ser piorada com as obras para a reativação das duas PCHs instaladas
no Rio Jaguari-Mirim.
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Artigo Original
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Artigo Original
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Ensaio
O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade
dos Torcedores - Parte II.
Ulisses Caballi Filho
Psicólogo
pela
FMU
-
Faculdades
Metropolitanas
Unidas.
Psicanalista em formação pelo CEP - Centro de Estudos
Psicanalíticos de São Paulo.
Resumo
No artigo anterior (CABALLI Fo., 2011) foi possível introduzir conceitos
psicanalíticos para com a formação do sujeito, a partir de uma cena vivenciada
numa maternidade após o nascimento dos primogênitos, Neto e Júnior, cujos pais
Reduf e Gunj nessa ordem, torcedores fanáticos pelos respectivos times Sport
Clube Pégaso e Sociedade Esportiva Quimera, quase se atacaram fisicamente
depois de uma série de ofensas verbais. Todavia, foram acalmados por suas
esposas Lenik e Nana, e rumaram em caminhos distintos para suas residências.
Neste artigo será focalizado como temática a rivalidade a partir do Complexo de
Édipo, desenvolvido pelos filhos dos torcedores fanáticos.
Palavras – chave: Complexo de Édipo. Torcedores. Rivalidade.
Abstract
In the previous chapter it was possible to introduce concepts of psychoanalytic
approaches to formation of the subject, from an experience that happened on a
maternity leave after the birth of their offspring, Neto and Junior, whose parents
Reduf and Gunj in that order, were fanatical supporters of two local football
teams: Sport Clube Pegasus and Sporting Association Chimera,that almost
attack one another physically, after a series of verbal offenses. However, they
were calm down by their wives Lenik and Nana, and then , each one of them took
FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter
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Ensaio
different paths back to their homes. In this edition will be focused how thematic
rivalry from the Oedipus complex angle, is developed by the children of the
fanatical fans.
Key-words: Oedipus Complex. Fans. Rivalry.
Introdução
Por ensejo a proposta inicial sobre o nascimento dos torcedores, insere-se
agora, senão for o principal, deve ser considerado um dos pilares para a formação
do sujeito, ou seja, o complexo de Édipo mencionado por Freud na teoria
inicialmente em 1910. Imagina-se que a rivalidade vivida no Édipo ultrapasse as
relações primarias afetuosas para com os pais de tal modo que originem as
manifestações de violência entre os torcedores na ótica futebolística. Isso poderá
ser identificado na seqüência com a continuação da saga dos torcedores em
formação, Neto e Junior, que tiveram inconscientemente seus próprios pais como
os primeiros rivais na vida.
O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores
Se o inimigo avança rápido, devo estar pronto para a defesa. Se eu
esperar na defensiva, os planos desse homem se triunfarão, e eu
serei derrotado (SOFOCLES, Édipo, pg. 47).
A temporada do torneio nacional estava chegando ao fim, Neto e Júnior
completariam cinco anos uma semana logo após a grande final daquele ano.
Muitos torcedores esperavam que a decisão fosse entre Pégaso e Quimera, que
disputavam ponto a ponto a liderança; quem ficasse em primeiro lugar teria
vantagem no jogo que estava sendo considerado o clássico do século, pois
estávamos entrando no terceiro milênio.
Neto, prestes a fazer seu quinto aniversario, já sabia todos os nomes dos
jogadores de seu time, aprendidos com seu pai Reduf que era um herói para ele.
Apesar disso nos dias de jogos, Neto se esbaldava porque tinha a sua mãe só para
ele, uma vez que seu pai investia todo seu tempo na frente da televisão vendo os
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Ensaio
jogos e não contente assistia todos os programas esportivos depois das rodadas,
mas esse ritual só era executado nas vitorias de seu time Pégaso. Por outro lado,
quando a derrota ocorria Reduf sequer tinha vontade de ir trabalhar no dia
seguinte. Nos momentos de ausência do pai, Neto sentia-se como um substituto,
imaginava-se como um jogador titular, ainda mais que seu pai não queria saber
de nada. Neto deixava a casa de ponta cabeça enquanto sua mãe corria atrás dele
numa brincadeira que eles costumavam fazer, ela contava até dez enquanto ele
tentava se esconder, mas em muitas vezes as brincadeiras eram interrompidas
pelo pai, que solicitava a atenção da mãe, mostrando a quem realmente ela
pertencia.
É nessa visão que (GETTS, 1977) menciona que na pressão destas
experiências sentidas, cruelmente, a criança acaba por modificar a imago
materna que, outrora gratificante, tende a assumir, nesse momento, um papel
castrador.
É ela, tanto quanto o pai, quem, como castradora no plano oral e
anal, inspira grande temor como castradora no plano genital.
(MELANIE KLEIN, Contribuições à Psicanálise pg. 167).
Júnior apesar de muito novo começou a freqüentar os jogos nos estádios
com seu pai, talvez antes de completar um ano. Aos três anos cantarolava o hino
do Quimera, foi quando começou a pedir para o pai levá-lo ao jogo.
Ritualisticamente, Gunj sempre fez isso, desde o primeiro aniversário de seu filho
em quase todos os finais de semana assistia aos jogos do Quimera no estádio com
sua esposa Nana, que também admirava futebol, mas não tanto quanto ele.
Júnior parecia até a mascote do clube quando vestia aquele mini uniforme. Nessa
época, ele exaltava o pai, apesar de ficar sempre nos braços de Nana, enquanto
seu pai se enaltecia com os gritos de gols nas arquibancadas. Ele não sabia, mas
seu pai era mais que um torcedor, era um torcedor fanático que não aceitava ser
contrariado quando o assunto era futebol. Como pôde ser notado na discussão
com aquele outro torcedor na maternidade quando seu filho nascera.
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Ensaio
Nessas idas e vindas dos jogos Júnior aprendeu discriminar as emoções por
meio de seu pai. Tinham dias de glórias, bastava uma vitoria simples que tudo
era motivo de festa, depois dos jogos sempre havia tempo para um sorvete ou um
brinquedo novo para Júnior, enquanto Gunj celebrava mais uma vitoria do
Quimera. Noutras situações, quando a derrota acontecia, era tudo tenebroso,
Júnior sentia-se num pesadelo, não via a hora de acordar e ter a mãe por perto
para o proteger.
Gunj sempre estava metido numa confusão advinda do futebol. Numa
determinada viagem com a família, ao longo da estrada passara por alguns
andarilhos que vestiam camisas de outros times, quase os atropelou mesmo com
Júnior no carro, o pai comentara em voz alta: Não foi engraçado! Nana sempre
questionou essa sua postura quando provocava as pessoas em circunstancias
esporádicas, ainda mais quando Júnior estava presente, ela achava que isso
poderia influenciá-lo de alguma maneira futuramente. Depois desse episódio
Nana começou a notar que as brincadeiras de Júnior estavam mais agressivas e
foi conversar com Gunj sobre o que estava percebendo, ele disse para ela não se
preocupar, porque o filho estava apenas brincando.
Segundo (GETTS, 1977), Junior estaria apresentando um traço de caráter
criminoso cujos instintos se exteriorizam de imediato, por meio das brincadeiras
agressivas mesmo sendo reprimido por sua mãe.
Até que na ultima rodada de classificação em seus respectivos jogos
Quimera e Pégaso empataram. Foi um resultado inesperado para ambos, pois
com esse placar nenhum time teria vantagem no jogo final, sendo que os dois
dividiam a liderança uma vez que, estavam empatados até nos critérios de
desempate. Esse resultado afligia cada vez mais seus torcedores, inclusive Reduf
e Gunj. As mídias esportivas intitulavam que o jogo dá próxima semana seria o
jogo do século, nunca em quase cem anos de história dos clubes acontecera algo
parecido. A decisão estava marcada para o dia 3 de dezembro, Quimera e Pégaso
decidiriam o torneio nacional depois de quase 30 anos. E dessa vez, não poderia
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Ensaio
ser diferente, naquele ano os dois times da capital tinham os melhores elencos e
tudo remetia para um acontecimento histórico. A TRAGÉDIA estava por vir.
Nesse meio tempo, Reduf lembrou que no seu oitavo aniversário tinha
ganhado de seu pai uma partida de futebol de botão e como premiação ele seria
levado ao estádio pela primeira vez, isso aconteceu em meados da década de 60.
Seu time Pégaso na época tentava quebrar um tabu de alguns anos sem títulos
expressivos. Essa talvez seja a lembrança mais marcante de sua infância. Reduf
se emocionou ao rememorar a cena enquanto a contava ao filho Neto. O silêncio
percorria as arquibancadas naquela tarde, até que Édipo saiu do banco de
reservas para marcar o gol do título depois de cinco minutos de sua entrada, na
ocasião ninguém acreditava que ele iria jogar, pois estava se recuperando de uma
lesão no calcanhar direito, mesmo com o pé inchado conseguiu correr mais que o
zagueiro adversário para marcar o gol que deu fim ao tabu. E Reduf com oito anos
presenciou um delírio coletivo, o êxtase em massa pelo lado de sua torcida, que
gritava EI! EI! EI! Édipo é nosso Rei! Já do outro lado, um sentimento totalmente
oposto, ou seja, era uma derrota desprezível, todos se sentiam inferiorizados pela
derrota.
Reduf não pensou duas vezes, quando seu time conseguiu a classificação
para a final contra seu maior rival disse a Lenik que iria levar Neto ao estádio
pela primeira vez, e ela acabou concordando apesar da irritação inicial por não
querer que ele fosse e, principalmente, por querer levar o filho. Após uma
moderada discussão do casal, Neto se aproximou da mãe dizendo “Eu quero ir
com o papai”. Isso mobilizou Lenik que acabara cedendo a pedido do filho. Depois
da autorização, Lenik disse que haveria algumas condições, que eles não
poderiam usar os uniformes do Pegaso e iriam de numerada cativa, Reduf
concordara.
O fato de Neto ter insistido em ir com o pai para o jogo, apresenta uma
característica sádica, ou seja, de controle sobre os seus impulsos. Esta cena pode
ser interpretada como uma típica situação de sujeição e dominação para com os
instintos, em psicanálise esta fase é conhecida como sádica (GETTS, 1977). E
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Ensaio
Neto faz isso, porque imagina que pode ser igual ou melhor que o pai, assim
poderia mostrar para a mãe como ele também é bom.
As funções anais e uretrais são vividas pela criança, na realidade,
não só como prazer de controlar, mas também como meio, muitas
vezes eficaz, de exercer certa pressão sobre os familiares.
(CLAUDE GETTS, Melanie Klein, pg. 48).
E naquela tarde de domingo, após o almoço Reduf partira com Neto,
segurando em sua mão, para o estádio. Tudo estava em perfeitas condições, o
clima era estável, nem frio nem calor, o ingresso na carteira, Neto não pagava
entrada devido à sua idade. O trajeto estava traçado, assim evitariam a torcida
adversária, tudo como havia sido planejado. Porém, nem sempre as coisas
acontecem como se espera, a uns 500 metros do estádio havia um grupo de
torcedores do Quimera e, inocentemente, Neto gritou: Olha pai são eles, os nossos
inimigos!!! Reduf pediu ao filho para ficar quieto, enquanto observava o momento
dos torcedores, quando percebeu que eles estavam vindo para cima, tentou voltar
o mais rápido possível para o carro, só teve tempo de colocar Neto para dentro e
fechar a porta, quando um torcedor se aproximou e fez a seguinte pergunta: Não
se lembra de mim? Esperei todos esses anos para acertar as contas contigo! Reduf
não tinha boa memória para fisionomias, mas aquele torcedor não tinha como
esquecê-lo: era aquele pai que havia discutido na maternidade quando Neto
nasceu. Naquele momento, Gunj foi direto ao assunto, não via a hora de encontrálo, desde daquele ano eu freqüento esse clássico a sua procura, nunca tive tanta
sorte como hoje, porque sempre trazia minha família, mas agora está dando tudo
certo, eles não vieram e pude encontrá-lo e depois vou comemorar mais um título
em cima do seu time. Reduf tentou amenizar a situação dizendo que estava com o
filho que não pretendia discutir naquele momento, mas Gunj sequer deixou Reduf
se manifestar, num instante de segundos estavam eles brigando. Reduf estava se
saindo bem, apesar não querer aquilo, ainda mais que seu filho estava indefeso
dentro do carro, foi quando os demais torcedores, num ato de covardia partiram
para cima de Reduf, corroborando com uma cena brutal. Reduf foi espancado por
FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio
aproximadamente cinco minutos, o tempo que a ronda policial levou para passar
na rua em que a agressão acontecia. Alguns policiais atiraram para o ar,
assustando os agressores que conseguiram fugir. Neto, em estado de choque, mal
se movia quando Reduf ainda teve força para apontar para o carro e dizer que seu
filho estava lá. Na sequência chegara uma ambulância que levou Reduf ao
hospital mais próximo, mas devido à quantidade de hematomas adquiridos das
pancadas recebidas, principalmente na parte da cabeça, foi dado o óbito pelos
médicos 15 minutos depois da entrada ao hospital. Neto estava órfão aos cinco
anos, devido à cena que ficaria marcada pelo resto de sua vida.
Continua...
Breves considerações
Este ensaio propicia uma reflexão sobre o complexo de Édipo, diante da
ótica futebolística, partindo do pressuposto que este seja a gênese dos
sentimentos de rivalidade entre os torcedores. E como principais características
desses sentimentos ocorrem as manifestações violentas entre os torcedores como
pôde ser notado ao longo do ensaio.
Essa rivalidade é precedente às relações secundárias, partindo-se do
pressuposto que Neto e Júnior são filhos de torcedores fanáticos que
apresentaram referenciais simbólicos de grande valia para os filhos, tendo em
vista a identificação com os pais, que cultuavam misticamente seus clubes Sport
Clube Pégaso e Sociedade Esportiva Quimera.
Mais uma vez surge o convite, caros leitores, para acompanharem as novas
edições desta saga, pois este é trabalho imprescindível para o movimento
psicanalítico na atualidade, que tem como papel, observar, interpretar e intervir
sobre o fenômeno da violência que atinge os torcedores.
FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. A
Dissolução do Complexo de Édipo. Vol. XIX, Rio de Janeiro, Imago, 1996.
GEETS, Claude. Melanie Klein. São Paulo, Melhoramentos, 1977.
KLEIN, Melanie. Contribuições à Psicanálise. São Paulo, Editora Mestre Jou.
SÓFOCLES. Édipo. São Paulo, Martin Claret, 2007.
CABALLI FILHO, Ulisses. A Formação do Sujeito: o Nascimento dos Torcedores.
Parte I. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v.
4, n. 3, p. 267-273, out. 2011.
FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio
Ecologia, economia e sociologia: Finalmente
as disciplinas se encontram (cientificamente
falando).
William Roberto Luiz Silva Pereira
Consultor
técnico
do
Instituto
I2S
–
Inteligência
para
Sustentabilidade
Essas três
ciências estão convergindo para
um mesmo enfoque.
Naturalmente elas surgiram em campos bem distintos, com perguntas específicas
e respostas difíceis, e ao longo do tempo desenvolveram epistemologias próprias,
conhecidas por aqueles que as dominam. Por outro lado físicos e matemáticos
desenvolveram maneiras para “acessar” os sistemas físicos e, naturalmente,
essas mesmas ferramentas puderam ser aplicadas para permitir o acesso aos
sistemas ecológicos, econômicos e sociais. Como?
Essas três ciências possuem semelhanças. As partes interagentes que
regulam cada um dos sistemas concorrem entre si de tal maneira que fica
impossível antecipar através de um único modelo ou de uma única teoria o que
poderá ocorrer no tempo seguinte. Assistimos a noticiários e percebemos
facilmente que os fatos que ocorrem na economia e na sociedade são
extremamente dinâmicos. Instabilidade econômica global, onde um país pede
socorro para outro, sendo que alguns se posicionam e outros preferem não
interferir; conflitos sociais disparados por eventos que às vezes são impossíveis
antecipar; e catástrofes naturais, como no caso do Tsunami que colocou o Japão
em pânico, são alguns pouquíssimos eventos que ocorrem e concorrem ao mesmo
tempo e tem conseqüências muitas vezes inesperadas.
Tomamos o caso recente da morte do ditador da Coréia do Norte. Vimos
imagens de vários civis chorando a sua morte e a imagem do póstumo ditador
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encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
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Ensaio
sendo apresentada durante o funeral. A despeito do regime duro que as pessoas
daquela sociedade estão submetidas e das possíveis críticas que poderiam ser
feitas em torno desse fato, se encaramos isso do ponto de vista sistêmico, um nãoespecialista não ousaria dar qualquer palpite no impacto econômico e social que
esse evento causaria naquele país e conseqüentemente na economia global. E os
especialistas seriam bem cautelosos ao predizer qual seria o impacto desse evento
dentro das áreas que possuem competência.
E também assistimos a grande instabilidade econômica que os países do
Euro estão passando. O Brasil participou desse cenário, quando a presidente
Dilma foi à cúpula do G20 para negociar ajuda à Europa. A União Européia
decidiu cortar a ajuda ao desenvolvimento de 19 países emergentes, entre eles
Brasil, China e Argentina, repassando a ajuda para os países mais pobres (Veja,
2012). Um evento inesperado que ocorreu nesses países junto ao cenário
econômico nacional favorável colocou o Brasil nas discussões da solução desse
problema.
Podemos perceber que fatos isolados, às vezes interconectados, às vezes
desconexos, interagem de forma muito dinâmica e as relações de causa e efeito
ficam cada vez menos palpáveis quando as possíveis influências que um evento
pode exercer sobre outro são aumentadas, e ficaria ainda mais impossível saber
como a soma desses eventos acarretaria em alterações no sistema. Porém depois
do fato ocorrido, o especialista consegue montar o “quebra-cabeça” e explicar as
causas e efeitos que armaram aquele cenário.
E onde fica a ecologia? Simplesmente os problemas de ordem social e
econômicos influenciam também os sistemas naturais, tornando os problemas
ecológicos tão ou muito mais complexos que os demais. Os sistemas naturais
“absorvem” de uma maneira ou de outra os impactos de um comportamento social
ou econômico. Facilmente podemos entender que o desenvolvimento de um país,
medido pela Produção Interna Bruta (PIB) tem conseqüências diretas nos
sistemas ecológicos. Um parâmetro sensível que nos permite “medir” a influencia
dos impactos socioeconômicos nos sistemas naturais pode ser o trabalho dos
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encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e
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ambientalistas, que na outra ponta do tripé conseguem entender (algumas vezes
parcialmente) como o sistema socioeconômico afeta o natural.
Tomemos o caso de Belo Monte. O crescimento econômico pelo qual o
Brasil está passando faz a necessidade energética aumentar constantemente e
chegou o momento em que é necessário produzir mais energia para garantir tal
crescimento. As previsões dizem que o consumo do país poderá aumentar em
4,8% até 2020 (EPE, 2011). A construção da usina está sendo um assunto muito
polêmico, com imensa divergência de interesses em torno da sua construção. Está
em pauta também a possível inundação de várias comunidades tradicionais da
bacia
do
Xingu,
com
impactos
socioambientais
irreversíveis,
causando
deslocamento de milhares de pessoas e podendo ameaçar um das regiões de maior
valor de biodiversidade na Amazônia (Observatório Eco, 2011).
Porém físicos e matemáticos encaram tudo isso de uma maneira muito
particular. Primeiramente é preciso definir se o sistema em estudo é aberto ou
fechado. Num sistema fechado o cientista facilmente controla as variáveis
determinantes do sistema e, controlando uma variável é fácil entender o
comportamento da outra, e conseqüentemente, o comportamento do sistema.
Tomemos uma molécula de gás num ambiente fechado. Temos em mãos as
variáveis controladoras do sistema, como temperatura, pressão, etc. (somente um
físico, engenheiro ou químico com conhecimentos em termodinâmica definiria
exatamente essas variáveis). Se colocássemos uma única molécula nesse
ambiente e acompanhássemos sua trajetória e a colocássemos num gráfico, o
histórico desse gráfico facilmente permitiria que antecipássemos o movimento no
instante seguinte. Bastaria definir os parâmetros do sistema e utilizar as
equações da termodinâmica para prever a posição da molécula no tempo que
quiséssemos. Porém, ao aumentar a quantidades de moléculas nesse ambiente as
coisas se complicariam, ao ponto de ficar impossível prever a posição da moléculaalvo, pois essa estaria sofrendo choques constantes e intensos com outras. Ela
manteria o seu movimento retilíneo uniforme (ou outro que desconheço, pois não
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sou físico), mas seu movimento “natural” logo é interrompido ao se chocar com
outra molécula.
Uma bola de sinuca pode ser entendida de maneira análoga, porém agora
estamos diante de um sistema aberto. A bola irá respeitar as leis da mecânica e
as variáveis em jogo seriam as forças envolvidas, a aceleração inicial, o atrito, as
imperfeições da mesa, o humor do jogador, etc. Facilmente conseguiríamos prever
(intuitivamente) a trajetória de uma bola branca depois da tacada inicial e um
físico nos diria exatamente onde a bola estaria localizada, no instante que
quiséssemos, com sua velocidade instantânea. Porém numa mesa com várias
bolas, a bola branca iria sofrer desvios constantes e mesmo que carregando a
informação que ela deve manter seu movimento retilíneo, os constantes impactos
que iria sofrer com as demais bolas fariam a nossa bola-alvo se movimentar
caoticamente, se tornando muito difícil prever sua posição e velocidade
Robert Brown observou o movimento do pólen numa placa de Petri. Brown
já havia descrito o núcleo das células e identificou no seu microscópio várias
formas celulares diferentes e numa de suas observações achou que as partículas
de pólen estavam vivas. Ficou tão maravilhado que publicou um artigo
demonstrando a essência da vida, mas Einstein demonstrou que na verdade o
choque das moléculas da água é que faziam o grão de pólen se movimentar e o
movimento aleatório de um corpo qualquer foi chamado de Movimento
Browniano.
Então a “vivacidade” do movimento do pólen era causada pelo choque das
moléculas que compunham a água, levando a um movimento dito Browniano.
Será que se pudéssemos controlar o número de choques no grão de pólen o
movimento seria “menos browniano”? Nossa molécula de gás ou nossa bola de
sinuca teria um movimento mais browniano ou menos browniano à medida que
colocássemos mais ou menos bolas ou moléculas no sistema? E se levássemos esse
conceito para o mundo real? Será que os inúmeros eventos que estão concorrendo
em torno de um mesmo fato poderiam estar influenciando brownianamente a
nossa variável-alvo?
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Ensaio
Podemos consultar os dados fornecidos por ativos financeiros. Todos
gostariam de obter lucros investindo na Bolsa de Valores (e eu também), e se
descobrissem uma fórmula que pudesse prever se a ação aumentaria ou
diminuiria no dia seguinte, teríamos uma legião de pessoas milionárias. Mas não
é isso o que acontece.
Milhares de pessoas estão comprando e vendendo ações ao mesmo tempo e
os valores dessas ações também sobem e descem em função de diversas variáveis
internas ao sistema somado aos diferentes cenários econômicos que as empresas
detentoras dessas ações estão envolvidas. As decisões que ocorrem internamente
nessas empresas, através dos CEOs e dos sócio-investidores, cujas atitudes
acarretam no aumento/diminuição dos seus lucros também ajudam a regular o
preço dessa mesma ação. Portanto há inúmeras variáveis concorrendo dentro de
um mesmo sistema.
Os investidores alertam que o retorno esperado ao investir no mercado de
ações, de renda variável, só é possível ser obtido no médio e no longo prazo.
Uma maneira de medir a “intensidade” do movimento Browniano foi
fornecida pelo engenheiro hidráulico Harold Edwin Hurst pelo matemático e
estatístico Benoit Mandelbrot. O expoente de Hurst (H) diz que se H = ½, o
movimento de uma série temporal se trata de um Movimento Browniano
Ordinário. Os valores de H podem estar entre 0< H <1, sendo que valores
diferentes de H = 1/2 recebem o nome de Movimento Browniano Fracionário.
Os economistas têm razão. Ao analisar o comportamento da ação da
empresa Natura (gráficos acima), dia-a-dia, podemos ver claramente que ela
subiu ao longo do tempo. Quando aplicamos a Análise R/S para obter o expoente
de Hurst, encontramos H = 1,026. Quando analisamos a taxa de retorno
(N(t+1)/Nt -1)*100% dia-a-dia e calculamos H, encontramos H = 0,549, muito
próximo do Movimento Browniano Ordinário. Ou seja, é impossível obter ganhos
no curto prazo (no dia seguinte), pois o retorno diário de uma ação é tão
browniano quanto o movimento do pólen de Robert Brown (figura 1).
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O próprio Hurst usou sua metodologia para os regimes de chuvas que
ocorriam no Rio Nilo e encontrou H ≈ 0,70, encontrando valores distantes do
Movimento Browniano Ordinário. Esse valor intrigou Hurst e analisando mais
cautelosamente as séries, observou períodos onde momentos de chuva eram
seguidos de momentos de chuva e momentos de seca eram seguidos por
momentos de seca. Ou seja, o regime das chuvas não seguia um Movimento
Browniano Ordinário. Havia momentos em que o regime das chuvas adquiria
certo padrão e então seria possível entender, em partes, o que estava ocorrendo
no sistema.
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Qualquer variável econômica, ambiental ou ecológica pode ter seu expoente
de Hurst medido e o valor encontrado pode revelar como a dinâmica das outras
variáveis está envolvida em torno de uma variável-alvo, mesmo sem sabermos
inicialmente quais variáveis estão envolvidas no sistema e como as variáveis
concorrem.
Essa convergência espetacular de disciplinas (matemática, estatística,
física e biologia) tem utilidade direta sobre os três alicerces que formam o tripé da
sustentabilidade
(desenvolvimento
social,
econômico
e
ambiental)
e
conseqüentemente nas três disciplinas que a sustentam.
Porém ainda a representação dessas três frentes na sociedade é
concorrente (ambientalistas versus empreendedores versus agentes sociais), mas
nas ciências elas naturalmente convergiram para um mesmo foco, onde podemos
estudar os sistemas econômicos, sociais e ecológicos (sistemas abertos),
inicialmente, através de uma interpretação universal (estados do sistema).
Muito desenvolvimento está ocorrendo e já existem disciplinas próprias
alicerçadas pela física (como a sociofísica e a econofísica) nas quais é possível
antecipar
eventos
dentro
de
sistemas,
extremamente
complexos.
E
conseqüentemente mais desenvolvimento ocorrerá na ecologia ao se absorver as
lições fornecidas pela física e pela matemática.
Medir o quão aleatório é uma série temporal é uma maneira muito
interessante de poder vislumbrar qual é o estado do sistema. E em um momento
seguinte, e no outro, e no outro, o estado desse mesmo sistema pode mudar,
saindo de um movimento Browniano Ordinário para valores fracionários ou viceversa. Há também os ciclos periódicos de curta e longa freqüência, caracterizados
como ruído 1/fv, que podem ser revelados pela Análise Espectral.
Na economia Louis Bachelier em 1900 já havia sugerido que o mercado
financeiro segue um movimento Browniano e em 1905, Einstein forneceu os
fundamentos físicos e matemáticos que explicam os movimentos aleatórios dos
corpos que Robert Brown já tinha observado na biologia ao achar que o grão de
pólen estava vivo. O grão de pólen é vivo internamente e Brown infelizmente
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descobriu o núcleo das células sem vislumbrar as descobertas que a genética, a
citogenética e a biologia molecular estavam por revelar, mas seu movimento
externo também é vivaz, como esse imenso mundo browniano que vivemos.
PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se
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