UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Transcrição

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
TRABALHO DE CONCLUSÃO EM SOCIOLOGIA
Dênis Roberto da Silva Petuco
NO MIOLO DO BAGULHO
Os desdobramentos da acumulação flexível no trabalho
em saúde: o caso dos redutores de danos
Orientadora
Professora Marilis Lemos de Almeida
Porto Alegre
2007
Dênis Roberto da Silva Petuco
NO MIOLO DO BAGULHO
Os desdobramentos da acumulação flexível no trabalho
em saúde: o caso dos redutores de danos
Trabalho
apresentado
como
requisito
à
obtenção do grau de Bacharel em Ciências
Sociais junto à Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Orientadora: Prof. Marilis Lemos de Almeida
Porto Alegre
2007
2
Agradecimentos
Ao nosso pequeno clã: Jussara da Silva Petuco, minha mãe, e Sadi Petuco, meu
pai. Ao meu irmão, Matheus Petuco. A Francisco Carlos da Silva Petuco, in memorian.
De modo especial, a Flávia Fernando Lima Silva, companheira, amada, amiga e
parceira de reflexões sobre vida, saúde e academia.
A todos habitantes do Espaço Si, e aos amigos do Edifício Clara Produções, pelo
auxílio luxuoso de livros, revistas e afetos.
A Marilis Lemos de Almeida, pela orientação solidária e afetiva, pela
compreensão, e pela capacidade de adaptação.
A Cornélia Eckert e Caleb Farias, por mostrarem como um professor universitário
se comporta quando acredita nas potencialidades transgressoras da educação. A Marcelo
Kunrath e Soraya Côrtes, pela delicadeza em aceitarem compor a banca de avaliação.
A Sérgio Arouca e Paulo Freire, por suas contribuições para o desenvolvimento de
tecnologias sociais que possibilitam a intervenção política, com vistas à transformação
social. Suas vidas e obras são exemplo e inspiração
A professores e professoras, colegas, trabalhadores e trabalhadoras do IFCH.
Graças a vocês, este período de minha vida será inesquecível, pleno de boas lembranças.
À Márcia Colombo, pelo companheirismo ao longo do tempo, e pela colaboração
para a realização desta pesquisa.
Por fim, às redutoras e redutores de danos do Brasil. Em especial, à Fátima
Machado e Tonico, exemplos para o SUS e para a Saúde Coletiva.
3
Arruinar um pobre só depende de um fiozinho.
Boisguilbert, citado por Robert Castel (século XVIII)
Enxugando gelo: sua realidade segura por um fio de cabelo!
Frase pixada em um muro de Porto Alegre (século XXI)
4
RESUMO
O presente estudo, de caráter qualitativo, busca analisar os efeitos dos processos de
reestruturação produtiva sobre os trabalhadores e o trabalho no campo da saúde, a partir do
estudo do caso dos redutores de danos. Para tanto, foram levadas em considerações
dimensões como: cotidiano de trabalho; vínculos que possibilitam a realização desta
atividade; renda e sustentabilidade; condições de trabalho; stress, saúde e ambiente. Por
meio de entrevistas em profundidade, foi possível compreender os sentidos e significados
atribuídos pelos próprios redutores a estas dimensões, contribuindo para a reflexão quanto
ao impacto da acumulação flexível no âmbito da Saúde Coletiva.
Palavras Chaves:
1. Trabalho em saúde; 2. Precarização; 3. Redução de danos
ABSTRACT
This study, qualitative in nature, seeks to analyze the effects of restructuring processes
productive on the workers and labor in the field of health, from the study of the case of
harm reductors. For that, were taken into consideration aspects such as: the daily work; ties
that enable the realization of this activity, income and sustainability; working conditions,
stress, health and environment. Through in-depth interviews, it was possible to understand
the directions and meanings assigned by reducing themselves to these dimensions,
contributing to the collective conversation about the impact of restructuring processes
productive in the context of Health Collective.
Keywords:
1. Work in health; 2. Restructuring productive, 3. Harm reduction
5
LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABORDA – Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos
ACS – Agente Comunitário de Saúde
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
APTA – Associação para Prevenção e Tratamento da Aids
CAPS – Centro de Atenção Psico-Social
CAPS-ad – Centro de Atenção Psico-Social especializado em Álcool e Drogas
CETAD - Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CLS – Conselho Local de Saúde
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CONASEMS – Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde
CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CQT - Círculos de Qualidade Total
CRRD - Centro de Referência em Redução de Danos
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DEGERTS - Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde
DIESAT - Departamento Intersindical de Estudos sobre Saúde e Ambientes de Trabalho
ENONG – Encontro Nacional de ONG’s de Aids
ESP - Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul
FAURGS - Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
6
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
LER - Lesão por Esforço Repetitivo
MNNPS - Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS
NASCA - Núcleo de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente
ONG – Organização Não-Governamental
OMS – Organização Mundial de Saúde
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PAM – Plano de Ações e Metas
PNH – Política Nacional de Humanização
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PN Aids – Programa Nacional de DST e Aids
PRD – Programa de Redução de Danos
PSF – Programa de Saúde da Família
REDUC - Rede de Redução de Danos e Direitos Humanos
RD – Redução de Danos
RMPA – Região Metropolitana de Porto Alegre
SEGETES - Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
SUDS – Sistema Único e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 09
2. REFERENCIAIS TEÓRICOS ........................................................................................ 11
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................................. 15
4. UMA CONTEXTUALIZAÇÃO – SAÚDE ................................................................... 17
4.1 Políticas de Saúde: uma história ....................................................................... 17
4.2 Políticas de Saúde no Brasil .............................................................................. 19
4.3 A Reforma Sanitária e o SUS ............................................................................ 23
4.4 Da redução de danos à Redução de Danos: drogas e saúde na história ............ 28
4.5 Redução de Danos no Brasil ............................................................................. 36
5. OUTRA CONTEXTUALIZAÇÃO - TRABALHO ....................................................... 39
5.1 Acumulação flexível e trabalho precário ........................................................... 39
5.2 Precarização do trabalho em saúde no Brasil .................................................... 43
6. NO MIOLO DO BAGULHO .......................................................................................... 47
6.1 O trabalho e o trabalhador da Redução de Danos ............................................. 47
6.2 Condições de trabalho ....................................................................................... 50
6.3 Gestão e organização do trabalho ...................................................................... 55
6.4 Vínculos e direitos trabalhistas .......................................................................... 59
6.5 Saúde do trabalhador ......................................................................................... 64
6.6 Renda e reconhecimento ................................................................................... 68
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 74
8. REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 79
9. ANEXOS ......................................................................................................................... 86
8
1. INTRODUÇÃO
A opção pelo curso de Ciências Sociais como local para estudar o fenômeno das
drogas na contemporaneidade foi consciente. Não que naquele momento não houvesse de
minha parte o desejo por outros cursos, como Psicologia, ou mesmo Medicina com vistas à
especialização em Psiquiatria. Mas o fetiche em torno da Antropologia, como espaço
privilegiado para o estudo das relações simbólicas dos sujeitos com as drogas, seduzia.
Foi com este foco que iniciei minha caminhada acadêmica, em 2003. Desde então,
muita coisa aconteceu. Minha opção pela Saúde Coletiva consolidou-se, e mais
especificamente pela Sociologia da Saúde, em detrimento da Antropologia. Não obstante, a
quase que total ausência de pesquisadores desta área no curso de Ciências Sociais da
UFRGS obrigou-me a um mergulho em outros campos, produzindo articulações por vezes
difíceis, mas sempre enriquecedoras.
Esta monografia de conclusão de curso articula dois temas complexos que se
encontram na ordem do dia, não só da Sociologia, mas da sociedade como um todo: as
políticas públicas dirigidas às pessoas que usam drogas, e a precarização das relações de
trabalho na contemporaneidade. O possível estranhamento diante da exótica articulação de
temas tão díspares talvez diminua diante da explicação: trata-se de uma monografia sobre
os trabalhadores conhecidos como redutores de danos.
Trabalhador de saúde, educador social, militante, voluntário, eufemismo político
para nomeação de pessoas que usam drogas, alçadas à condição de sujeitos políticos... É
difícil definir um redutor de danos. Talvez a melhor forma de fazê-lo seja justamente pela
descrição de suas atividades cotidianas. Os redutores de danos surgem no Brasil, no cenário
da Saúde Coletiva, num contexto de combate à epidemia de HIV/Aids, a partir de um
amplo processo de inclusão, na elaboração de políticas públicas de atenção em saúde, de
populações que eram definidas, à época, como “grupos de risco 1 ”.
1
Os “grupos de risco” eram basicamente três: pessoas que usavam drogas injetáveis, homossexuais
masculinos e portadores de hemofilia. Esta noção contribuiu em muito para a manutenção e até ampliação dos
preconceitos a que estes grupos já se viam submetidos. Atualmente, trabalha-se com a noção de
“vulnerabilidade” (DOMANICO, 2006).
9
Um dos redutores de danos entrevistados relatou uma reunião de equipe em que se
discutia uma situação de tensão vivida em uma região perigosa. Em um dado momento,
uma pessoa ligada à coordenação do PRD disse que os redutores vão no miolo do bagulho.
Elegi a expressão como título deste trabalho. Sim, os redutores de danos vão
mesmo no miolo do bagulho. Diante das dificuldades para que uma pessoa adepta de
práticas sociais criminalizadas busque os serviços de saúde pública, ele vai no miolo do
bagulho; diante do nomadismo urbano 2 dos moradores de rua, ele vai no miolo do bagulho;
diante da burocratização do trabalho em saúde, que se deixa capturar por noções duras de
território, ele vai no miolo do bagulho; diante de uma perspectiva normativa, que vê saúde
como ausência de doença, ele vai, mais uma vez, no miolo do bagulho, e propõe um
conceito de saúde que é processual, dinâmico e transgressor. Como a vida.
Mas pode-se ampliar o foco do olhar, e perceber outras nuances. Pelo olho de uma
Sociologia da Saúde, podem-se perceber as relações entre os modos de operar dos redutores
de danos e a resistência aos processos de burocratização do fazer em saúde no interior do
Sistema Único de Saúde (SUS). Mas se estamos problematizando o trabalho e suas
transformações, podemos perceber que a flexibilidade é uma das características centrais da
acumulação flexível, forma adotada pelo capitalismo na contemporaneidade.
Antes de aprofundar os aspectos específicos da atividade e dos vínculos dos
redutores de danos, este trabalho traz uma história das políticas de atenção em saúde no
contexto europeu. Num segundo momento, há um resgate da história destas políticas no
Brasil, até o surgimento do SUS e das políticas de combate à epidemia de Aids. Em
seguida, é apresentada uma história das tecnologias de cuidado orientadas às pessoas que
usam drogas, numa linha de tempo que se encerra no próprio surgimento da Redução de
Danos.
Finalmente, e depois de uma breve reflexão sobre as transformações do mundo do
trabalho na contemporaneidade, é que se inicia uma problematização do tema deste
trabalho: os impactos dos processos de reestruturação produtiva sobre trabalho e
trabalhadores de saúde, a partir do estudo do caso dos redutores de danos.
2
Referência à tese de Cláudia Turra Magni (1994).
10
2. REFERENCIAIS REFLEXIVOS
Segundo Castel (2003), a sociedade salarial emergente no âmbito do Welfare
State apontava para um caminho em que era possível nutrir esperança e crença em um
progresso indefinido, pelo menos na Europa:
Essa trajetória é que foi interrompida. Quem, hoje,
afirmaria que vamos para uma sociedade mais acolhedora,
mais aberta, trabalhando para reduzir desigualdades e para
maximizar as proteções? A própria idéia de progresso
perdeu sua coesão. (CASTEL, 2003, p. 493)
Observar os efeitos da acumulação flexível sobre os trabalhadores de saúde,
principalmente quanto a aspectos relacionados ao processo de precarização das relações de
trabalho. É este o mote deste trabalho. Não obstante, é preciso diferenciar precarização do
trabalho e trabalho precário. Precarização é um conceito que possibilita a análise de
processos de deterioração de direitos e condições de trabalho ao longo de um determinado
período de tempo. É, portanto, uma categoria diacrônica. Pode-se falar de precarização do
trabalho em saúde se observarmos processos de deterioração de direitos e condições de
trabalho no conjunto dos trabalhadores deste campo em sua regularidade, ocorrendo de
modo perceptível ao longo do tempo. Com relação aos trabalhadores da Redução de Danos,
entretanto, a noção de precarização apresenta alguns problemas. Nunca houve entre os
redutores uma condição formal de trabalho, com respeito a direitos trabalhistas. Não se
pode observar a deterioração de direitos, porque os redutores de danos jamais tiveram
direitos que pudessem se deteriorar.
É realmente complicado falar em processo de precarização quando não se tem
nem mesmo o reconhecimento de uma determinada atividade junto às profissões/ocupações
regulamentadas. Para Bourdieu, entretanto, esta fragilidade apresenta algumas vantagens:
Esta dialética nunca se mostra tão bem,
paradoxalmente, como no caso das posições situadas em
zonas de incerteza do espaço social e das profissões pouco
“profissionalizadas”, quer dizer, ainda mal definidas em
relação tanto às condições de acesso como às condições de
exercício: estes postos, a fazer mais propriamente do que
feitos – feitos para serem feitos – são feitos para aqueles que
são e se sentem feitos para fazerem seu posto, que não se
sentem feitos para os postos já feitos e que, entre as velhas
alternativas, escolhem contra o já feito e por o que se faz,
contra o fechado e pelo aberto. A definição destes postos
mal definidos, mal delimitados, mal garantidos, reside,
11
paradoxalmente, na liberdade que consentem seus ocupantes
de os definir e de os delimitar introduzindo-lhes os seus
limites, a sua definição, toda a necessidade que é
constitutiva do seu habitus. Estes postos serão o que são os
seus ocupantes ou, pelo menos, aqueles que, nas lutas
internas da “profissão” e nas confrontações com as
profissões afins e concorrentes, consigam impor a definição
profissional mais favorável àquilo que eles são
(BOURDIEU, 2006, p. 90 – 91).
Não existe, no cenário brasileiro das profissões legitimadas, a profissão ou
ocupação de redutor de danos. Isto é um fato. Outro fato, porém, é que há mais de dez anos
estes sujeitos atuam no cotidiano das políticas de Aids e das redes de serviços de atenção a
pessoas que usam drogas, em diversas cidades brasileiras. Neste sentido, o modelo proposto
por Bourdieu apresenta-se como extremamente fértil: em casos como este, são os próprios
trabalhadores que irão definir os contornos de sua profissão/ocupação, no confronto com
profissões/ocupações afins: semelhantes por serem de um mesmo campo, mas distintas por
suas atribuições. E o paradoxo: é justamente nesta fragilidade que reside a potência destas
categorias, que são feitas para serem feitas.
Não obstante, este processo dá-se num contexto de luta não só pela constituição
de um campo no sentido profissional, mas mesmo no sentido epistemológico. Se for
possível falar de um campo da Redução de Danos, também será possível falar de um campo
dos cuidados em saúde dirigidos às pessoas que usam drogas, no qual inscrevem-se aqueles
que defendem a Redução de Danos como tecnologia de promoção de saúde junto às pessoas
que usam drogas. As lutas em defesa deste campo confundem-se com as lutas em defesa
dos direitos das populações acessadas, e mesmo dos direitos dos redutores de danos,
entendidos como trabalhadores de saúde. É nesta rede de sentidos que o redutor de danos
constitui a sua experiência de si (RIGONI, 2006).
Quanto ao tema central deste trabalho – o impacto dos processos de
reestruturação produtiva sobre o mundo do trabalho – há um sem número de autores que
constituem o problema de diferentes maneiras. Nenhum, porém, pareceu mais fértil para o
estudo do caso específico do que Castel (2003), com suas reflexões sobre as metamorfoses
da questão social. Do sociólogo francês, tomamos a definição de trabalho precário como
aquele que se apresenta incapaz de garantir não só as condições de vida do trabalhador, mas
mesmo a simples certeza de que ele não será um miserável na próxima semana. Segundo
12
Castel, a Revolução Industrial produziu uma situação na qual as pessoas, mesmo inscritas
no mundo do trabalho, não estavam livres do ingresso em bolsões de miséria diante de uma
eventual doença ou demissão. O Pacto Fordista apresenta-se como saída para esta
problemática, e por algumas décadas, o Welfare State consegue articular crescimento
econômico e qualidade de vida. É o chamado “círculo virtuoso do capitalismo”.
Com o avanço do neoliberalismo, o Pacto Fordista é rompido, e vê-se a
emergência de um novo ideário. A noção de segurança cede espaço ao elogio da
flexibilidade, que tem estatuto de palavra de ordem na contemporaneidade. Diante desta
nova realidade, Castel (2003) afirma a urgência de um novo pacto, capaz de oferecer
garantias mínimas quanto a políticas de suporte aos desfiliados 3 .
Ainda em Castel (2003), encontramos uma profunda reflexão sobre efeitos
objetivos do processo de reestruturação produtiva. A deterioração da seguridade social, do
pleno emprego, dos contratos de trabalho por tempo indeterminado 4 , a flexibilização das
relações de trabalho, tanto interna quanto externa 5 , a terceirização, a exigência cada vez
maior de qualificação, e o próprio desaparecimento de postos de trabalho, todas são
problematizadas por Castel, nas definições assumidas no contexto deste trabalho.
Convém salientar ainda a utilização de conceitos criados e operados por Campos
(2005). A escolha da expressão “coletivo” para designar os grupos de redutores de danos,
independente de sua condição governamental ou não governamental, vem da noção de
“Coletivos Organizados para a Produção”, entendidos como [...] agrupamentos que têm
como objetivo e como tarefa a produção de algum bem ou serviço (CAMPOS, 2005, p. 35).
Além disto, é também de Campos que tomamos a noção de que o trabalho em saúde é uma
3
Castel (2003, p. 26) critica o conceito de exclusão: “A exclusão é estanque. Designa um estado, ou melhor,
estados de privação. Mas a constatação de carências não permite recuperar os processos que engendram estas
situações”. Em sua substituição, propõe a noção de desfiliação: “A noção pertence ao mesmo campo
semântico que a dissociação, a desqualificação ou a invalidação social. Desfiliado, dissociado, invalidado,
desqualificado em relação a quê? O problema é exatamente esse”.
4
Segundo Castel (2003, p. 515), nas empresas francesas com mais de cinqüenta funcionários, três quartos dos
jovens com menos de vinte e cinco anos são admitidos por meio de contratos temporários.
5
Por flexibilidade interna, Castel (2003, p. 517) define a exigência de adaptação a múltiplas atividades; já a
flexibilidade externa designa toda uma gama de diferentes formas de contratação e subcontratação presentes
na contemporaneidade.
13
atividade produtiva, expressa no conceito, de uma tradição notadamente marxista, de
“Produção de Valor de Uso”. Segundo Campos:
O resultado do trabalho são produtos, em geral, com
algum valor presumido. Com capacidade potencial para
preencher o gosto ou o desejo do público. Confundir valor
de uso com desejo automático de necessidades sociais é uma
armadilha tecnocrática ou mercantil, que dificulta, à maioria,
analisar de modo crítico a produção de valores de uso.
(CAMPOS, 2005, p. 49)
O trabalho, além de produzir valores de troca e de uso, produz subjetividade.
Campos (2005) afirma que os Coletivos Organizados para a Produção terminam por
produzir não só valores de troca e de uso, mas também sujeitos. Partindo deste pressuposto,
Campos defende que estes processos de subjetivação devem ser explicitados, possibilitando
e reflexão, e no limite, a intervenção.
Por fim, para a análise das diretrizes dos financiadores internacionais para o
setor saúde no Brasil, e aspectos relacionados à realidade cotidiana dos redutores de danos,
faz-se aqui uso das perspectivas de Rizzotto (2000), Rigoni (2006) e Domanico (2006).
Rizzotto demonstra que o Banco Mundial repassou não só recursos, mas toda uma agenda
política, por meio de projetos específicos. Dentre estes, situam-se as três grandes linhas de
financiamento das políticas de Aids, de 1993 até hoje. Domanico (2006), ao analisar
projetos de Redução de Danos para pessoas que usam crack, diz que a forma como os
financiamentos aconteceram afetaram diretamente na execução dos projetos, e atribui tal
fenômeno ao que chama de “ditadura dos projetos”. (DOMANICO, 2006, p. 195).
O processo de análise das entrevistas foi construído a partir do diálogo com os
escritos de RIGONI (2006) sobre trabalhadores em Redução de Danos da região
metropolitana de Porto Alegre. A dissertação oferece uma fonte permanente de diálogo,
especialmente no momento da análise das entrevistas; as dimensões aqui tomadas para
análise da precariedade do trabalho dos redutores de danos dialogam com as dimensões
presentes em seu trabalho, especialmente no que diz respeito aos impactos da acumulação
flexível sobre o trabalho e a saúde dos trabalhadores em Redução de Danos 6 .
6
Defendida junto ao Departamento de Psicologia Social da UFRGS, a dissertação dialoga com a sociologia
do trabalho, e utiliza em muito os mesmos referenciais inscritos nesta monografia.
14
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Em fevereiro de 2007, a Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos
(ABORDA) firmou convênio com o Programa Nacional de DST e Aids (PN Aids), para
execução do projeto RoDa Brasil. O projeto produziu um levantamento situacional a partir
de visitas a todos os coletivos de Redução de Danos do país 7 , permitindo a organização de
um banco de dados a partir de 557 entrevistados, distribuídos em cerca de 100 coletivos 8 .
A partir da análise destes dados, foi ficando cada vez mais claro qual poderia ser o
desenho metodológico do estudo aqui apresentado: o mergulho nas narrativas dos redutores
de danos, especialmente com respeito ao modo pelo qual significam determinados aspectos
de seu trabalho cotidiano, possibilitando o aprofundamento das reflexões levantadas pelos
números e tabelas do Levantamento Situacional do Projeto RoDa Brasil, em caráter
qualitativo. As categorias de análise giram em das seguintes dimensões: salário e
sustentabilidade; stress, saúde e ambiente; natureza do vínculo do trabalho; organização do
trabalho; condições de trabalho; a Redução de Danos; o redutor de danos.
Para tanto, foram realizadas nove entrevistas com cerca de uma hora de duração,
com utilização de roteiro aberto, semi-estruturado, registradas com auxílio de gravador,
durante o Seminário Estadual de Articulação das Ações de Redução de Danos 9 . Destas
entrevistas, uma foi descartada durante a análise, e outra por problemas técnicos. Os
redutores foram escolhidos por critérios que levaram em conta o tempo de atuação no
campo, e a importância, no cenário estadual da Redução de Danos, do coletivo ao qual o
redutor está vinculado 10 .
7
Estas visitas foram realizadas pelos mobilizadores. Dentro da estrutura do projeto RoDa Brasil, os
mobilizadores são redutores de danos espalhados em todo território nacional, operando como elos de ligação
entre as dinâmicas locais e os debates nacionais.
8
Foram cinco questionários. Um deles, respondido por cada um dos 557 redutores de danos entrevistados; os
outros quatro questionários foram respondidos pelos coletivos de redutores, a partir do debate sobre cada
questão. O objetivo da ABORDA, com o projeto, era produzir momentos de construção de conhecimento,
para além do mero preenchimento de formulários.
9
O seminário ocorreu em 29, 30 e 31 de outubro de 2007, no Hotel Everest, Porto Alegre, com a presença de
mais de 250 pessoas, entre gestores, trabalhadores da saúde e redutores de danos. Foi organizado pela Seção
Estadual de Controle das DST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, em parceira com
o Centro de Referência em Redução de Danos da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul.
10
Para chegar a este recorte, foram levadas em consideração questões como população do município, tempo
de existências do coletivo e continuidade das ações de Redução de Danos ao longo do tempo.
15
No momento das entrevistas, os redutores de danos foram informados de que seu
sigilo seria preservado. Mais do que uma mera formalidade acadêmica, a garantia
apresenta-se como fundamental frente o teor de algumas das respostas formuladas pelos
entrevistados, diante de perguntas nas quais se lhes solicitado que falassem sobre aspectos
relacionados a contratos, empregabilidade, condições de trabalho, salários e situações
vividas no cotidiano dos serviços. Ao longo das entrevistas, apareceram algumas críticas a
autoridades e gestores públicos, bem como a coordenadores de ONG’s. Por esta razão,
abrimos mão de uma descrição dos entrevistados que lhes expusesse em um perfil mais
nítido. Se por um lado esta opção poderia demonstrar com mais clareza os contornos de
cada informante (o que tem alguma relevância para a descrição de nossas opções quanto ao
recorte do universo a ser pesquisado), por outro os deixaria muito expostos em um campo
tão pequeno no qual todos se conhecem, ainda mais quando a maioria das entrevistas
(especialmente com os redutores do interior do estado), foi realizada durante um evento
bastante específico. Neste sentido, a descrição dos entrevistados será feita de modo
genérico, com vista a impedir que pessoas próximas ao campo da Redução de Danos no Rio
Grande do Sul possam reconhecê-los, o que poderia eventualmente trazer algum tipo de
prejuízo aos mesmos.
Sendo assim, podemos dizer que os redutores de danos chamados a contribuir
com esta pesquisa distribuem-se da seguinte forma: são duas mulheres e cinco homens,
todos situados na faixa etária que vai dos 27 aos 37 anos. Quanto à distribuição geográfica,
quatro atuam no interior do estado, um na região metropolitana e dois na capital. No que
diz respeito ao tempo de início das atividades de Redução de Danos de cada um dos
entrevistados, três deles atuam há mais de cinco anos, dois há mais de três anos, e dois são
redutores de danos há apenas um ano. Quanto à natureza institucional do coletivo ao qual
cada um dos entrevistados está vinculado, são três ONG’s e quatro programas ligados a
prefeituras (sendo três subordinados às políticas de controle da Aids, e um às políticas de
Saúde Mental). Destes coletivos, pode-se ainda dizer que dois deles mantém atividades há
mais de dez anos, três há mais de cinco anos, e dois deles a menos de três anos; isto
possibilita diferentes recortes quanto à inserção de cada um destes coletivos, tanto no
campo da Redução de Danos, quanto nas redes de cuidado e de articulação políticas
existentes nas suas cidades de origem.
16
4. UMA CONTEXTUALIZAÇÃO - SAÚDE
4.1 Políticas de Saúde: uma história
O ponto de partida que tomo 11 para construir uma história das políticas e práticas
coletivas de cuidado em saúde associa-se às reflexões de Robert Castel (2003) sobre as
práticas sociais dirigidas àqueles que, por distintas razões, demandam alguma forma de
proteção por parte de suas comunidades. O sociólogo francês revitaliza a noção
durkheimiana de solidariedade para explicar que a constituição de políticas de cuidado
(inicialmente por parte da Igreja Católica, posteriormente pelo Estado), deu-se em face do
esgotamento de laços de “sociabilidade primária”, definida pelo autor como:
[...] sistemas de regras que ligam diretamente os
membros de um grupo a partir de seu pertencimento
familiar, da vizinhança, do trabalho e que tecem
interdependência sem a mediação de instituições específicas.
(CASTEL, 2003, p.48)
Estas estratégias comunitárias foram capazes de dar conta de vulnerabilidades
específicas em contextos nos quais ainda não havia ocorrido a emergência daquilo que o
autor define como questão social 12 . Com o tempo, as ações individuais de compaixão
tornaram-se insuficientes para dar conta do número de pessoas que demandavam atenção,
bem como da complexidade da atenção demandada. Constitui-se, então, aquilo que Castel
vai chamar de “sociabilidade secundária”, que são:
[...] sistemas relacionais deslocados em relação aos
grupos de pertencimento familiar, de vizinhança, de
trabalho. A partir desse desatrelamento, vão se desenvolver
montagens cada vez mais complexas que dão origem a
estruturas de atendimento assistencial cada vez mais
sofisticadas. (CASTEL, 2003, p.57)
É a partir deste processo histórico que veremos surgir uma série de tecnologias de
cuidado, que também podem ser entendidas como tecnologias de controle. Castel (2003)
fala dos debates que acompanharam a constituição destas tecnologias, enfatizando o esforço
11
Parte-se aqui da premissa ontológica de que não existe uma verdade quanto à história das políticas de
Saúde. A objetivação de qualquer tese acerca das condições de emergência e das trajetórias de determinadas
práticas coletivas e institucionais de cuidado estará sempre ligada às perspectivas e escolhas do autor.
12
Para Castel (2003, p. 30), “A ‘questão social’ é uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade
experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. É um desafio que interroga, põe
em questão a capacidade de uma sociedade (o que, em termos políticos, se chama uma nação) para existir
como um conjunto ligado por relações de interdependência”.
17
em separar as pessoas que mereciam ajuda daquelas que deveriam ser desconsideradas em
suas demandas. De um modo geral, eram merecedoras de cuidados todas as pessoas que
fossem comprovadamente inválidas, viúvas com muitos filhos, loucos, crianças. Os homens
adultos julgados aptos ao trabalho eram considerados vagabundos, e não poderiam se
beneficiar das políticas de cuidado. Foucault, por seu turno, vai dedicar inúmeros estudos 13
à descrição dos dispositivos de esquadrinhamento, controle e disciplinamento que
produziram as condições de emergência para um conjunto bastante específico de políticas
de saúde e assistência na Modernidade. A partir de alguns regimes de verdade, constituídos
em (e também constitutivos de) um determinado campo de saber, produz-se enunciados
com estatuto de verdade acerca de determinados objetos. É justamente este saber que
permite produzir efeitos de poder sobre os objetos: ao mesmo que tempo que se pode dizer
a verdade sobre os objetos (ou, como no caso das ciências humanas, fazer o próprio objeto
falar a verdade sobre si mesmo), pode-se dizer de que modo devemos operar controle e
disciplinamento dos mesmos.
Segundo Foucault (2004a; 2005; 2002), os dispositivos constituídos na
organização das políticas de saúde e assistência social agiram de modo positivo no processo
de subjetivação do sujeito moderno, que passa a ser esquadrinhado em suas práticas,
desvios, características, sexo, doenças, costumes, crenças. Há uma produção de identidades
à revelia dos sujeitos, definindo procedimentos de cuidado, assistência ou punição, entre os
quais, não raro, é difícil definir a diferença.
A partir deste arcabouço conceitual, Foucault ainda vai se dedicar a uma história
da Medicina Social. No artigo sobre o tema, publicado em “Microfísica do Poder” (2004a),
o filósofo francês nos apresenta uma genealogia da constituição das condições de
emergência do campo em solo europeu, a partir de uma articulação das experiências alemã
(Medicina de Estado), francesa (Medicina Urbana) e inglesa (Medicina do Trabalho). A
primeira (alemã), voltada para a gestão dos cuidados no âmbito do Estado e a organização
de um corpo técnico legitimado para atuar no cuidado da população; a segunda (francesa),
voltada à gestão da cidade e dos fluxos urbanos, como lixo, esgoto e a administração dos
13
Vigiar e Punir (2004b), A História da Loucura (2004c), O Nascimento da Clínica (2004d), apenas para
citar alguns.
18
cadáveres; a terceira (inglesa), emergente em meio à Revolução Industrial, está preocupada
com a gestão das pessoas, das populações, das forças produtivas.
A Revolução Industrial traz à tona um grande conjunto de transformações na
organização do trabalho, e por conseqüência, na vida cotidiana dos trabalhadores. Castel
(2003) mostra toda a riqueza e paixão dos debates que dominaram a sociedade européia na
passagem do século XIX para o XX, acerca do tema. Se antes era preciso todo um conjunto
de políticas sociais dirigidas ao enfrentamento das vulnerabilidades das pessoas que não
conseguiam inserção no mundo do trabalho, o que se vê a partir do processo acelerado de
industrialização na Europa – em especial na Inglaterra – é uma realidade totalmente
diferente, qual seja: pela primeira vez, a vulnerabilidade social atinge às pessoas que estão
trabalhando! Em um dos discursos apresentados por Castel (2003, p. 222), é possível ver
um alto funcionário do governo francês durante o século XVII dizer que arruinar um pobre
só depende de um fiozinho.
4.2 Políticas de Saúde no Brasil
Os primeiros relatos 14 referentes a questões relacionadas à saúde em terras
brasileiras estão na carta de Pero Vaz de Caminha. Em seu relato, o escriba enaltece os
atributos do novo domínio português com relação às propriedades terapêuticas do Novo
Mundo, em oposição à Europa da época, assolada por todo o tipo de epidemias. Anchieta
diz que a temperatura e a variedade de comidas resulta em saúde para os nativos, e também
para os portugueses que ali se achegavam.
Este paraíso terapêutico dos trópicos, no entanto, não durou muito tempo. Ainda
dentro do século XVI, os portugueses começaram a perceber que havia algo mais que saúde
nas barrigas dos nativos, atacados por verminoses das mais diversas. Além disto, os
indígenas não possuíam um sistema imunológico forjado por séculos de epidemias, e
doenças que na Europa não representavam um problema sério, dizimavam populações
inteiras entre os nativos do Novo Mundo.
14
Estes primeiros parágrafos, que descrevem as práticas e idéias de cuidado, e também às políticas de saúde
antes do século XX, têm como base o artigo da sanitarista Letícia Sabatela Morgado intitulado “A História
das Políticas de Saúde no Brasil”, produzido como contribuição ao curso de formação de sanitaristas da
Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Não se trata de texto publicado.
19
Chamado para dirigir o Serviço de Saúde Pública, a principal tarefa do sanitarista
Osvaldo Cruz era a higienização da cidade do Rio de Janeiro, constantemente bombardeada
por uma série de epidemias 15 , e com um porto inadequado às ambições exportadoras de
parte das elites nacionais. Percebendo que os dois problemas eram na verdade o mesmo,
Cruz organizou campanhas de desinsetização e desratização, de limpeza, desinfecção e de
vacinação obrigatória (SMEKE & OLIVEIRA, 2001).
Ao lado desta política sanitária, estava a política urbana do engenheiro Pereira
Passos, que foi nomeado prefeito do Rio, com o projeto de uma Paris tropical. Para tanto,
derrubou algo em torno de 640 prédios. Era como abrir o ventre da velha cidade, no dizer
de José Murilo de Carvalho (2002, p. 93). Os prédios derrubados eram em sua imensa
maioria cortiços e casas de cômodo nos quais morava a parcela mais pobre da população,
bem como os prostíbulos e bares freqüentados situados nesta mesma região da Capital
Federal, à época.
Com Osvaldo Cruz e Pereira Passos, o presidente Rodrigues Alves fechava dois
pontos-chave (Saúde e Planejamento Urbano) para a implementação de uma política que
articulava interesses econômicos, por conta do imperativo higiênico imposto à cidade do
Rio de Janeiro para agradar às exigências do mercado internacional quanto às suas
condições de cidade-entreposto dos produtos de exportação; interesses morais, pois
preconizava a eliminação dos cortiços, botequins e prostíbulos mais pobres do centro da
cidade; interesses políticos, pois estes espaços eram utilizados por anarquistas e intelectuais
simpáticos ao socialismo (SMEKE & OLIVEIRA, 2001).
A resistência às políticas de Cruz e Passos foi intensa. Sevcenko (1984) nos traz
um relato apaixonado da Revolta da Vacina, colocando bastante ênfase nas críticas ao
modo como as políticas sanitárias e de reordenamento urbanístico foram impostas,
enquanto Carvalho (2002) descreve as estratégias de apropriação da revolta popular contra
a vacina por parte dos diferentes grupos políticos que tentavam tanto insuflar quanto tirar
proveito das agitações. No entanto, é Chalhoub (1996) quem traz elementos que nos
ajudam a pensar na importância da revolta para a história das políticas sanitárias brasileiras,
para além da fixação da figura de Osvaldo Cruz como um mito de origem do sanitarismo no
15
Febre amarela, varíola e peste bubônica (CARVALHO, 2002).
20
Brasil. O historiador da Unicamp perguntou-se porque a vacinação obrigatória disparou a
revolta, se a remoção das casas é, aparentemente, algo muito mais sério. As respostas para
tal questão apontam não apenas para o moralismo que se assustava com homens
perscrutando o dorso nu de senhoras casadas e filhas de boa família (Carvalho, 2002), mas
também para a força das crenças que grande parte da população devotava a sistemas
tradicionais de cuidado em oposição à medicina, que surgia como saber ainda não
hegemônico, e à própria vacina, vista por muitos com desconfiança.
Ainda que tenham ocorrido ações pontuais de saneamento e vacinação, a
institucionalização de um sistema de gestão e planejamento em Saúde estava longe.
Bertucci (2004) debruça-se sobre a gripe espanhola de 1918, observando os embates
políticos e científicos em meio ao desastre que pôs fim à vida de mais de oito mil pessoas
em São Paulo 16 em apenas um ano, demonstrando esta descentralização da gestão das
políticas de saúde, organizadas a partir do nível estadual, e informadas por uma medicina
que ainda buscava afirmação como saber dominante.
As políticas de saúde não mudaram muito até a Revolução de 30. A partir daquele
momento (CARVALHO, 2004), as políticas públicas passaram a articular um projeto
nacional com contornos mais precisos. No campo da educação, por exemplo, havia um
conjunto de diretrizes que apontavam no sentido de um investimento na formação de mãode-obra qualificada para a emergente indústria nacional, coerente com o Nacional
Desenvolvimentismo inaugurado no período. Em 1937, é criado o Ministério da Saúde.
A administração dos conflitos entre capital e trabalho era uma preocupação central
no governo de Getúlio Vargas. Suas políticas sociais, que até certo ponto reproduziam
aspectos do Pacto Fordista, articulavam Seguridade, Assistência Social e Saúde, mas
estendidos apenas aos trabalhadores urbanos. Tornaram-se cada vez mais comuns as caixas
de pensão. Os sindicatos, extremamente fortes do ponto de vista social, mas esvaziados de
sua combatividade, ofereciam uma série de serviços aos trabalhadores, dentre os quais
destacava-se a atenção em saúde (CARVALHO, 2004).
Carvalho (2004) nos fala de um mesmo modelo de desenvolvimento que vai da
Revolução de 30 até o início do governo de Collor de Melo. Pode-se dizer que o modelo de
16
No mundo, foram cerca de vinte milhões de pessoas em apenas um ano.
21
organização das políticas de saúde, neste período, não vai sofrer grandes alterações até a
constituição do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990. O Nacional Desenvolvimentismo
segue dando a tônica durante todo o período que se instaura após o golpe militar de 1964,
destituído do verniz democrático e popular dos anos posteriores à era Vargas. A condição
de acesso aos serviços de saúde e assistência social permanece ligada ao contrato de
trabalho registrado em carteira, ou seja: só têm direito à assistência em saúde os
trabalhadores formais e seus dependentes, desde que devidamente reconhecidos e
registrados. Em linhas gerais, as semelhanças entre os anos de Vargas e os da Ditadura
Militar são muito grandes:
Como em 1937, o rápido aumento da
participação política levou em 1964 a uma reação
defensiva e à imposição de um regime ditatorial em que
os direitos civis e políticos foram restringidos pela
violência. Os dois períodos se assemelham ainda pela
ênfase dada aos direitos sociais, agora estendidos aos
trabalhadores rurais, e pela forte atuação do Estado na
promoção do desenvolvimento econômico. Pelo lado
político, a diferença entre eles foi a manutenção do
funcionamento do Congresso e da realização das
eleições no regime implantado em 1964 (CARVALHO,
2004, p. 157).
Existe, porém, uma dimensão que, por sua especificidade, não foi explorada por
Carvalho, e que corrobora os escritos do autor com relação à cidadania no período de João
Goulart. Observando a história das conferências nacionais de saúde, é possível constatar um
processo de democratização e descentralização em curso no momento pré-ditadura, do
mesmo como verificado em diversos outros campos de organização das políticas públicas.
Dentre as inovações que apareciam nos debates da 5ª Conferência Nacional de Saúde,
realizada em 1963, destacam-se a defesa do processo de descentralização das ações de
saúde, e a municipalização de serviços e investimentos organizados em Atenção Básica.
Com o golpe militar de 1964, entretanto, estes processos foram congelados, e houve o
recrudescimento das políticas centralizadoras. Sintomaticamente, os debates centrais na 6ª
Conferência Nacional de Saúde giravam em torno de questões como a política de atenção à
gravidez e à criança. Debates estruturais, como o da descentralização e municipalização,
tiveram de esperar até 1986 para retornar à agenda das políticas sanitárias.
22
4.3 A Reforma Sanitária e o SUS
A Constituição de 1988 inclui, do artigo 196 ao 200, as bases daquilo que depois
irá se tornar o Sistema Único de Saúde (SUS). Está ali, garantida, a saúde como direito de
todos e dever do Estado, em contrapartida à realidade do sistema anterior, que vinculava o
acesso à saúde pública à contribuição com o Instituto Nacional de Assistência Médica e
Previdência Social (INAMPS) 17 . O termo “sistema único” já aparece, e ficam estabelecidas
algumas das bases que farão do SUS uma política inovadora: regionalização e
hierarquização constituindo um sistema, descentralização, atendimento integral com
prioridade à prevenção, e um grande salto em termos políticos: a participação da
comunidade, inscrita textualmente no inciso III do artigo 198. Além disto, o futuro sistema
ainda incluirá dentre suas atribuições às vigilâncias epidemiológica e sanitária 18 , a
formulação da política de saneamento básico, a formação de recursos humanos, o
financiamento de pesquisas, a fiscalização da produção e circulação de produtos radioativos
e psicoativos e a colaboração com o meio ambiente, incluindo aquele ligado ao trabalho
(saúde do trabalhador).
O Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti, que teve papel destacado neste processo
devido à sua experiência de implementação do Sistema Unificado e Descentralizado de
Saúde (SUDS) em São Paulo, durante a administração de Quércia, diz que o SUS nasceu
entre os anos 40 e 50, a partir da insatisfação daqueles a quem chama de “pensadores da
saúde” 19 (PINOTTI apud FARIA e JATENE, 1995, p. 25). José Carvalheiro (2003)
concorda, mas defende a centralidade da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que
constituiu a Comissão Nacional de Reforma Sanitária, responsável por levar o debate sobre
saúde para dentro da Assembléia Nacional Constituinte. A legitimação nascente de um
processo do qual participaram mais de cinco mil delegados, num contexto de
17
O INAMPS dava conta, até 1988, da previdência social e do atendimento à saúde da população. Foi
substituído pelo SUS e pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
18
É discurso comum entre os defensores da saúde pública, quando interpelados por pessoas que se dizem não
usuárias do sistema em face de possuírem planos privados de saúde, a lembrança de que o controle sanitário
de restaurantes, bares, hotéis, supermercados, bem como o ordenamento de todo o sistema de controle de
epidemias, estão subordinados ao SUS.
19
Pinotti, por exemplo, é membro da Academia Brasileira de Medicina, e ex-Reitor da Unicamp.
23
democratização, fazia com que as propostas da comissão chegassem à assembléia com peso
especial, possibilitando o diálogo propositivo com o “Centrão” 20 .
Com relação à participação dos trabalhadores, convém lembrar um momento
interessante, anterior à grande divisão do movimento sindical brasileiro em CUT e CGT.
Em 1980, foi criado o Departamento Intersindical de estudos e Pesquisas de Saúde e dos
Ambientes de trabalho (DIESAT). Este departamento foi responsável por disparar um
amplo debate sobre a saúde do trabalhador (FARIA e JATENE, 1995).
Desta mesma época (1979), data o primeiro Conselho Local de Saúde (CLS),
eleito com expressivos 8.146 votos, na cidade de São Paulo, mais precisamente no Jardim
Noroeste. Mas seria incorreto dizer que os movimentos populares envolvidos com a luta
por um sistema de saúde voltado às necessidades da população surgem apenas neste
momento. Desde os anos sessenta, eclodem distintas formas de mobilização, com destaque
para os abaixo-assinados. As associações de moradores e os movimentos de luta contra a
carestia já incluíam, em suas pautas, bandeiras ligadas ao tema da saúde (FARIA e
JATENE, 1995). E se concordarmos com Chalhoub (1996) quanto à existência de questões
ligadas ao pensamento popular sobre saúde dentre as motivações para a revolta da vacina,
vamos ter de admitir que o envolvimento popular com o tema é realmente histórico no
Brasil.
Sérgio Arouca, um dos mais importantes médicos sanitaristas do Brasil, militante
histórico do PCB e presidente da Fundação Oswaldo Cruz por muitos anos, traz uma
dimensão de resistência quanto às origens políticas do SUS. Afirma Arouca que:
O movimento da Reforma Sanitária nasceu dentro da
perspectiva da luta contra a ditadura, da frente democrática,
de realizar trabalhos onde existiam espaços institucionais.
Na área da saúde, existia a idéia clara de que não
poderíamos fazer disso uma esquizofrenia, ser médico e
lutar contra a ditadura. Era preciso integrar essas duas
dimensões. [...] No PCB, havia uma dinâmica para o debate
sobre saúde. Quando a Ditadura chegou ao seu esgotamento,
o movimento já tinha propostas. Não só criou quadros, mas
também meios de comunicação, espaço acadêmico
consolidado, movimento sindical estruturado e muitas
20
“Centrão” foi o nome pelo qual ficou conhecido o grupo hegemônico na Assembléia Nacional Constituinte
de 1988. O nome faz menção tanto à perspectiva políticas dos deputados, quanto à localização objetiva dos
mesmos, no centro do plenário da Câmara de Deputados.
24
práticas. Assim, esse movimento conseguiu se articular em
um documento chamado “Saúde e Democracia”, que foi um
grande marco, e enviá-lo para aprovação do Legislativo. Nós
queríamos conquistar a democracia para então começar a
mudar o sistema de saúde, porque tínhamos muito claro que
ditadura e saúde são incompatíveis. Nosso primeiro
movimento era, portanto, no sentido de derrubar a ditadura,
e não de melhorar a saúde. Tudo isso aconteceu antes da
constituinte. (NORONHA et al, 2002. p. 19)
Tais dimensões não são excludentes, mas complementares. Intelectuais,
trabalhadores da saúde, movimentos populares ligados a associações de moradores e de
donas de casa, a mobilização em determinados momentos específicos, bem como as
orientações construídas a partir da Organização Mundial de Saúde (OMS) à época,
apregoando aos quatro ventos o lema “Saúde para Todos”: cada uma destas dimensões
contribuiu de maneira muito especial para a consolidação do SUS. Privilegiar o papel de
um ou outros destes setores, ou um ou outro aspecto conjuntural, seria injusto e irreal.
Injusto seria entender este processo orientado por diretrizes internacionais e por um
conjunto de intelectuais; irreal seria acreditar que houve uma primazia dos movimentos
popular e sindical diante dos processos internacionais que alavancaram a construção do
SUS como modelo semelhante ao que se verificava em diversos países do mundo, naquele
momento.
A partir do SUS, ocorrem importantes transformações no campo da saúde no
Brasil. A Lei 8.080/90, conhecida como “Lei do SUS”, aponta os princípios e diretrizes do
Sistema Único de Saúde (dentre os quais está expresso o princípio da participação popular).
A Lei 8.142/90 21 , por seu turno, regulamenta o Controle Social 22 no âmbito da saúde,
definindo um complexo sistema de instâncias que vão desde o âmbito local, ligado às
comunidades e serviços, passando por níveis municipais e estaduais, até chegar ao
Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os conselhos, em maior ou menor grau, são
compostos por representantes de categorias profissionais, prestadores de serviços, governo,
21
Inicialmente, a regulamentação do Controle Social estava inscrita na própria Lei 8.080/90 (Lei do SUS),
cujo capítulo foi totalmente vetado pelo presidente Collor. Segundo Faleiros et all (2006, p. 112), “Esse veto à
lei coloca o ‘bloco na rua’, relança o movimento sanitário e pressiona o poder legislativo para uma tomada de
posição, no que seria logo traduzido na nº Lei 8.142/90 [...]”.
22
Assumimos aqui a definição de Maria Valéria Costa Correia (2000, p. 53), que diz que “[...] controle social
envolve a capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado
e os gastos estatais na direção dos interesses da coletividade. Conseqüentemente, implica o controle social
sobre o gasto público”.
25
movimentos sociais, sindicatos e usuários dos serviços. Misoczky (2002) nos fala da
produção social do campo da atenção em saúde, ocorrendo de modo diferenciado após a
Assembléia Constituinte de 1988, com a emergência de novos atores políticos (sindicatos,
associações de bairro, estudantes, profissionais não médicos), e intensas transformações nos
papéis de atores já instituídos (médicos sanitaristas e gestores).
Interessa-nos refletir sobre as tensões produzidas pela inscrição, no âmbito do
SUS, de diversas demandas do movimento de Reforma Sanitária. Por um lado, a aprovação
das Leis 8.080/90 e 8,142/90; por outro, a eleição de Fernando Collor de Mello, que marca
o fim do ciclo desenvolvimentista e o ingresso no período neoliberal. O SUS cristaliza uma
série de pontos bastante distanciados da agenda neoliberal, como a “preeminência do setor
público e inclusão apenas complementar do setor privado” (FALEIROS et all, 2006, p.
116), e o modelo participativo de caráter popular, em oposição ao modelo autoritário e
tecnocrático proposto pelos setores conservadores.
Estas contradições aprofundaram-se durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso, para quem o Estado devia criar condições para competitividade em escala
global 23 . Tal projeto foi levado a cabo por meio de políticas de ajuste fiscal que
privilegiaram lógicas monetaristas em detrimento de políticas sociais e direitos
constitucionais. Para Soares (2000), o período FHC foi marcado pela diminuição do Estado,
aprofundando o projeto iniciado no governo de Collor de Mello. Neste sentido, pode-se
dizer que a “dinâmica de consolidação do SUS seguiu um caminho de Estado, e não de
governo” (FALEIROS et all, 2006, p. 165).
Em 1992, o PN Aids inicia negociações com o Banco Mundial 24 , que vão resultar
na assinatura do primeiro convênio em 1994 (DOMANICO, 2006). Juntamente com
recursos, o Banco Mundial também busca repassar elementos de sua agenda política, que
defende questões como a não universalidade dos serviços de saúde, o investimento
exclusivo nas políticas preventivas e serviços de Atenção Básica, e a flexibilização das
relações de trabalho no âmbito da saúde:
23
Como dito em seu discurso de posse.
24
O PN Aids foi criado em 1986, mas seguiu marginal dentro da estrutura do Ministério da Saúde até o início
destas grandes linhas de financiamento externo.
26
Inicialmente, é bom salientar que a participação do
Banco Mundial, no setor de saúde brasileiro, tem se
traduzido muito mais na apresentação de diretrizes e
orientações para as políticas nacionais, com o objetivo de
promover importantes reformas no setor, do que,
efetivamente, no financiamento de projeto ou programas que
possam ampliar quantitativa ou qualitativamente os serviços
de saúde em nível nacional. No documento “Brasil: novo
desafio à saúde do adulto”, está expresso que “os
empréstimos do Banco Mundial para o setor saúde no Brasil
equivalem a menos de 1% da despesa nacional total em
saúde”, contudo, este quantitativo não impediria ao Banco
de pensar formas de aplicação do outro montante, afirmando
que “é imperativo que o Banco Mundial também apóie os
esforços brasileiros no sentido de que os outros 99% da
despesa sejam aplicados com mais eficiência”. (RIZZOTTO,
2000, p. 153)
Rizzotto consegue mostrar que há algo além de uma preocupação com a qualidade
das ações em saúde dirigidas às pessoas que usam drogas, a indicar a utilização de contratos
de trabalho precarizados no âmbito do SUS. O Brasil está submetido às políticas de ajuste
do FMI, sabidamente contrárias ao aumento de gastos públicos. Estas políticas vêm
provocando sérios problemas no setor saúde, como a impossibilidade de contratação de
mais trabalhadores. Neste sentido, as propostas do Banco Mundial para o setor saúde no
Brasil vão todas no sentido de uma adequação dos desejos à realidade financeira:
O problema principal do setor saúde no Brasil não é,
porém, a falta de dinheiro, e sim a aplicação iníqua,
ineficiente e ineficaz dos adequados recursos disponíveis. É
iníqua, porque a proporção dos recursos públicos destinados
aos abastados é demasiada. É ineficiente por se gastar
demais em “bens privados” [...] e por não se gastar o
suficiente com os “bens públicos” [...] é ineficaz no sentido
de que, virtualmente em todos os níveis, os sistemas de
administração e recursos humanos são antiquados e
improdutivos. (BANCO MUNDIAL apud RIZZOTTO,
2000, p, 157-158)
De 1993 até 2007, o Brasil foi contemplado com três grandes linhas de
financiamentos específicos para o combate da epidemia de Aids (DOMANICO, 2006). Em
todos eles, o incentivo à contratação de ONG’s para a realização de projetos em parceira
com o Estado, visando à prevenção da transmissão do HIV, por meio de projetos para os
quais é fundamental a participação de voluntários, ou de trabalhadores já descritos nos
documentos oficiais do Banco Mundial para a América Latina em 1975:
27
Las reformas de los sistemas de salud orientadas a
extender la cobertura de éstos a las comunidades rurales y a
los pobres de las zonas urbanas deben hacer hincapié en las
medidas ambientales y preventivas destinadas a controlar la
incidencia de las enfermedades, combinándolas con el uso
de medicamentos estándar y procedimientos simples para el
tratamiento de las enfermedades. La puesta en práctica de un
plan semejante requiere adoptar un nuevo enfoque en cuanto
a la formación del personal ya a la organización de los
sistemas de atención en salud. (BANCO MUNDIAL apud
RIZZOTTO, 2000)
Segundo o texto, a garantia de implementação deste tipo de plano depende de um
novo enfoque, não só no que diz respeito à formação dos trabalhadores, mas também
quanto à organização dos sistemas de atenção em saúde. E a organização de um sistema de
saúde capaz de acolher trabalhadores como os descritos no texto, se for preciso, deve
pensar estratégias de flexibilização dos contratos de trabalho, realidade que se verifica tanto
com agentes comunitários, quanto com redutores de danos.
4.4 Da redução de danos à Redução de Danos: drogas e saúde na história
Primum num nocere 25
Hipócrates
Antes de falar dos redutores de danos, no entanto, é preciso explicar de que modo
a Redução de Danos, entendida como um conjunto de princípios e tecnologias de cuidado
dirigidas às pessoas que usam drogas, surge no cenário da saúde. Os primeiros relatos de
preocupações sanitárias com respeito ao uso de álcool e outras drogas estão em Galeno,
segundo grande pensador da Medicina (130 – 200 D.C.), precedido apenas por Hipócrates.
Seu conteúdo gira em torno de orientações sobre como utilizar estas substâncias –
notadamente vinho e ópio – de modo a não sofrer nenhum tipo de reação ou efeito
desconfortável e indesejado (PESSOTTI, 1999). Neste sentido, poder-se-ia dizer que os
primeiros ditos e escritos da Medicina sobre álcool e outras drogas falam da possibilidade
(ou mesmo, da necessidade), de se reduzir danos. Não obstante, não podemos dizer que o
nascimento da perspectiva está nestes pensadores; enquanto conceito, a Redução de Danos
nasce do conflito com concepções higienistas. Ou seja: só é possível olhar para o passado e
25
Primeiro não cause danos.
28
identificar as práticas gregas como práticas de Redução de Danos a partir de um arcabouço
conceitual que é nosso, de nosso tempo. Para os gregos, não se tratavam de práticas
diferenciadas, mas do exercício de uma certa forma de pensar a saúde e os cuidados que
resultava em um certo modo de ser e estar no mundo. Por isto o trocadilho do título: temos
ali práticas que buscavam, efetivamente, reduzir os danos decorrentes de determinadas
práticas sociais; mas estas práticas não estavam relacionadas, como na contemporaneidade,
a um determinado arcabouço conceitual diferenciado dentro do campo da saúde. A
Redução de Danos, com letras maiúsculas, designando um conjunto de práticas ligadas por
um construto teórico, ético e estético, só vai surgir no século XX.
Isto posto, voltemos à história.
Michel Foucault (2006), ao nos falar sobre como os gregos lidavam com o
exercício da sexualidade, vai nos mostrar como a noção de abstinência não lhes fazia
sentido, pois o trabalho da medicina será justamente a instrução dos cidadãos quanto a uma
dietética dos prazeres:
Na doutrina cristã da carne, a força excessiva do prazer
encontra seu princípio na queda e na falta que marca desde
então a natureza humana. Para o pensamento grego clássico
essa força é por natureza virtualmente excessiva e a questão
moral consistirá em saber de que maneira enfrentar essa
força, de que maneira dominá-la e garantir a economia
conveniente dessa mesma força. (FOUCAULT, 2004, p. 48)
O prazer, para os gregos, não era algo visto como imoral. O cidadão considerado
como exemplo a ser seguido não era casto, frugal ou abstinente, mas aquele que possuía
domínio sobre seus prazeres. Nunca um domínio que viesse a impedir o uso dos prazeres.
“A virtude na ordem dos prazeres não é concebida como um estado de integridade, mas
como uma relação de dominação, uma relação de domínio” (FOUCAULT, 2006, p. 66). A
abstinência era o refúgio daqueles que não possuíam este domínio, e a virilidade,
compreendida não como o uso desenfreado dos prazeres, mas justamente como esta
capacidade de exercer o cuidado de si (FOUCAULT, 2006). Num contexto como este, cabe
à Medicina o estudo dos perigos relacionados às práticas prazerosas, e a orientação dos
cidadãos quanto ao uso dos prazeres.
Na Idade Média, Hipócrates e Galeno cedem lugar a Agostinho e Tomás de
Aquino, que ligam os distúrbios (tanto físicos quanto psíquicos) à ação do demônio
29
(PESSOTI, 1999). O uso do álcool é tolerado, e o uso abusivo é visto como exagero
eventual ou freqüente, não se constituindo em prova de ação demoníaca, mas mera fraqueza
moral. Já outras drogas são consideradas como elos de ligação da pessoa com o Mal, e
prova de bruxaria, numa visão que irá perdurar até o Renascimento (CARNEIRO, 1994).
Ao que tudo indica, os primeiros indícios de uma medicalização dos problemas
ligados ao uso indevido de substâncias psicoativas datam do século XVII, período que
marca o retorno das concepções gregas à medicina. Destacam-se as teorias de Felix Plater,
que estuda as patologias de ordem psíquica, incluindo o uso de substâncias como causa
externa de distúrbios mentais (PESSOTI, 1999). Talvez a referência mais antiga de que se
tenha notícia seja a de um estudo sobre o ópio, realizado por um Doutor John Jones (século
XVII), no qual há um capítulo sobre os efeitos da parada súbita no uso de ópio, depois de
um uso longo e abusivo. Com relação ao álcool, podemos citar um trecho escrito pelo
pesquisador John Coakley Lettsom (século XVIII):
[...] aqueles de hábito leve, que tentaram superar sua
fragilidade nervosa através da ajuda da bebida alcoólica,
muitos deles começaram a usar este tóxico, por convicção de
sua utilidade e não por uma questão de gosto; porém, como
o alívio é temporário, o uso freqüente, para manter seus
efeitos, conduz à mesma ilusão até que, finalmente, o que
era obtido por compulsão torna-se apego à bebida e um
pequeno gole de brandy ou de gin com água torna-se tão
necessário quanto o alimento; o sexo feminino, por sua
natural fragilidade, adquire esse costume gradativamente, e
o tóxico, ingerido em pequenas doses, apesar de lento em
sua ação, não é menos doloroso em seus efeitos. (LETTSON
apud BERRIDGE, 1994, p. 15)
Ainda que as bases para um desenvolvimento de um olhar da medicina sobre os
problemas relacionados ao uso indevido de álcool e drogas já estivessem presentes no
século dezoito, este processo irá realmente ganhar corpo – e conhecer as primeiras
polêmicas - no século dezenove. Para estes pioneiros, os problemas com álcool e drogas,
até então tratados na esfera religiosa e moralista, deveriam encontrar seu devido lugar sob o
olhar criterioso da medicina. Na Europa, emergem idéias como a de que a embriaguez seria
decorrência de disfunções no sistema nervoso central, e as primeiras considerações sobre
“degeneração hereditária”. Exemplos especialmente significativos de toda esta
efervescência criativa em meio científico, Esquirol e Prichard descreviam a insanidade
moral como paralisia da vontade:
30
A cura significa a volta às afeições morais dentro dos
seus justos limites, o desejo de rever seus amigos, seus
filhos, as lágrimas de sensibilidade, a necessidade de abrir
seu coração, de estar com sua família, de retomar seus
hábitos. (ESQUIROL apud FOUCAULT, 2003, p. 65)
No século XIX, surgem as teorias da adicção. O termo adicto vem do inglês,
“addiction”, e significa “dedicação total”, mas tem raiz no latim “adictum”, termo utilizado
na Roma Antiga para descrever àqueles que, por dívida, tornavam-se escravos de seus
credores. Tais definições não resultaram em mudanças substanciais no modo de se lidar
com o uso de álcool e outras drogas no cotidiano dos nascentes serviços de atenção em
saúde dirigidos a estas pessoas; o tratamento para os bebedores de classes desfavorecidas –
a internação compulsória – em pouco ou nada se diferenciava dos modelos punitivos de
reclusão. A mudança foi muito mais quanto à elegância dos argumentos, a partir de então
dotados de um verniz científico (FOUCAULT, 2004c).
No que concerne às teorias de orientação genética, a noção de “predisposição
hereditária” surgia com extrema força à época. Vistos de nosso tempo, os escritos da época
estão longe da sofisticação das cadeias de DNA da genética contemporânea. Observadas a
partir de uma perspectiva contemporânea, nos soam até mesmo engraçadas, como neste
trecho de George Harley (1884):
(...) a insanidade hereditária deve-se à
transmissão de pai para filho, não de pensamentos
anormais, mas sim do próprio tecido cerebral mórbido,
onde originam-se tais pensamentos. De maneira similar,
o bebedor não transmite a sua prole o desejo intenso
pelo álcool, mas sim o tecido corporal orgânico
anormal, que dá origem a este desejo. (HARLEY apud
BERRIDGE, 1994, p. 18)
As neuroses dos ex-combatentes da I Guerra Mundial abalaram às concepções de
degeneração hereditária e de uma psiquiatria biologicista, fortalecendo uma vertente até
então desprestigiada: a psicanálise. Este ambiente permite a emergência das primeiras
experiências de substituição de drogas “pesadas” por outras menos danosas, como apoio no
tratamento de dependentes de morfina (BRASIL, 2001) 26 .
26
Para muitos pesquisadores e militantes, este momento marca o nascimento da Redução de Danos. Outros,
entretanto, vão se fixar no surgimento dos primeiros programas de troca de seringas surgidos na Holanda, em
1984. A diferença reside no fato de que, no segundo caso, houve intensa participação das pessoas que usam
drogas na elaboração da proposta.
31
Ao mesmo tempo em que a Europa observa a emergência de um olhar mais
próximo das teorias psicanalíticas na problematização do uso abusivo e problemático de
álcool e outras drogas, os Estados Unidos vêem nascer, em 1919, a Lei Seca. A 18ª emenda
ofereceu grandes possibilidades de negócios à máfia, que recém se organizava em solo
americano. Pouco tempo depois da revogação da Lei, em 1933, é criada a Irmandade de
Alcoólicos Anônimos (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 1994).
Após a II Guerra Mundial, as discussões sobre os problemas relacionados ao uso
abusivo e problemático de álcool e outras drogas alcançam escala global, resultando na
criação dos “Expert Committees on Alcoholism and on Drugs Liable to Produce
Addiction 27 ”, vinculados à Organização Mundial de Saúde (OMS). O álcool mantinha-se
numa zona intermediária entre as drogas de hábito e de dependência. Quanto às drogas
ilícitas, não se considerava a possibilidade de um uso recreativo ou eventual; usá-las era
sinônimo de doença. Em 1964, a adoção da noção de “dependência de drogas” reuniu tanto
adicção quanto hábito, não lhes fazendo distinção. As definições levavam em conta,
principalmente, aspectos bioquímicos, sendo de alguma relevância a avaliação psicológica
(BERRIDGE, 1994).
A partir do fim dos anos setenta, busca-se um tipo de definição que atenda aos
interesses médicos, mas que ao mesmo tempo seja capaz de enfrentar as críticas da
sociologia e da psicologia. A saída surge com a elaboração de um conceito extremamente
flexível, que agrada a todos; o alcoolismo, pela definição da OMS, passa a ser registrado
como um conjunto de “problemas relacionados ao álcool”. Como “problemas” podem ser
de qualquer ordem, em qualquer nível, a definição cai no gosto de todos, abrindo espaço
para a conceituação de que não há tanta importância no ato de beber (ou de usar drogas),
mas sim nos problemas que eventualmente possam decorrer deste ato. Outra leitura
possível, porém, é que o aumento da visibilidade do problema “droga” exige ações rápidas;
tratar um “problema” é mais rápido do que uma “doença”, que pode até mesmo ser uma
condição permanente (BERRIDGE, 1994).
27
Em uma tradução livre, algo como “Comitês Especializados em Alcoolismo e em Drogas Capazes de
produzir Adicção”.
32
O surgimento da Aids vai mexer neste debate. Fenômeno social, para além do
biológico, a Aids tornou obrigatório o debate sobre novas políticas e ações de saúde
dirigidas a pessoas que usam drogas, principalmente ilegais e por via injetável (BUCHER,
1996). Não obstante, um dos grandes equívocos com respeito ao surgimento dos programas
de troca de seringas é a crença de que estes nasceram em decorrência da descoberta de que
o HIV poderia ser transmitido pelo compartilhamento de seringas entre pessoas que usavam
drogas injetáveis.
Em 1984, o proprietário de uma farmácia localizada no centro de Amsterdã proibiu
a venda de seringas descartáveis a pessoas que possivelmente usassem drogas (VERSTER,
1998), sem saber que um bom número destas pessoas encontrava-se já organizado em uma
entidade de defesa de seus direitos. Esta associação inicia a luta por um programa de saúde
pública que lhes disponibilizasse seringas esterilizadas como meio de evitar a disseminação
de Hepatites do tipo B. O equivalente à Secretaria Municipal de Saúde da capital holandesa
concordou em colaborar com o programa, exigindo apenas que este fosse organizado a
partir de um sistema de trocas – uma seringa suja por uma seringa limpa:
À época, a questão central era a difusão dos agentes
etiológicos das hepatites virais (basicamente B e C), por
meio de agulhas e seringas compartilhadas. Ainda que a
questão da disseminação do HIV constituísse então um
problema emergente, esta questão ainda não se mostrava tão
evidente para os próprios usuários de drogas injetáveis como
nos anos imediatamente subseqüentes. Residem aí algumas
contradições e paradoxos que acompanham a história dos
programas de troca de seringas desde então. Em primeiro
lugar, os programas têm origem em um conjunto de países
onde a epidemia que dominaria a cena daí em diante – a
epidemia pelo HIV/Aids entre pessoas que usam drogas –
não chegou propriamente a “alçar vôo”, talvez, em parte,
devido à própria implementação precoce desses programas.
(BASTOS, 1998, p. 91)
Poucos anos depois das experiências iniciais com trocas de seringas em Amsterdã,
o mundo toma ciência de que as pessoas que usavam drogas injetáveis constituíam-se em
uma população extremamente vulnerável à infecção pelo HIV. Naqueles dias, ainda se
trabalhava com o conceito de “grupo de risco”, que caracterizava de maneira extremamente
estigmatizante os homossexuais masculinos, os hemofílicos e os usuários de drogas
injetáveis, considerados por muitos como os responsáveis pela disseminação do vírus da
Aids. Não deixa de chamar atenção o fato de que justamente neste período inicial de
33
alastramento da doença, aqueles públicos considerados como vítimas preferenciais
assumiram a tarefa de impedir a propagação do HIV.
O Reino Unido foi o segundo país a implementar um programa de troca de
seringas, em 1986, já em função da identificação do potencial de infecção pelo HIV entre
pessoas que usavam drogas injetáveis, principalmente na cidade de Edimburgo, na Escócia
(STIMSON, 1998). É neste momento que as idéias de Redução de Danos começam a
encontrar os primeiros sinais de oposição à sua implementação. O principal argumento dos
oposicionistas às idéias de Redução de Danos no Reino Unido estava embasado não no
moralismo, mas na experiência qualificada de inúmeros profissionais da área da saúde, e
consistia da afirmação de que as pessoas que usam drogas injetáveis seriam refratárias a
mudanças de comportamento, o que tornaria o trabalho infrutífero. Não obstante, o relatório
da ACMD 28 afirmava que:
A disseminação do HIV representa uma ameaça maior
para a saúde dos indivíduos e para a saúde pública do que o
abuso de drogas. Por essa razão, os serviços que tiverem
como objetivo minimizar os comportamentos de risco para o
HIV, lançando mão de todos os recursos disponíveis,
deverão merecer prioridade dos planos-diretores. (ACMD
apud STIMSON, 1998)
Foi nos Estados Unidos, porém, que a disputa em torno das políticas de Redução
de Danos foi mais acirrada. Já em 1986, alguns poucos programas de troca de seringas
surgiram em território norte-americano, sob a coordenação de ONG’s de apoio à prevenção
da Aids, redundando na prisão de pelo menos trinta e cinco pessoas neste período (LURIE,
1998). Importante lembrar que poucos anos antes, em 1981, o Presidente Reagan utilizou
seu discurso de posse para declarar início da War on Drugs. Tal discurso, juntamente com o
combate ao terrorismo, irá servir como coadjuvante no processo de legitimação da
retomada do papel hegemônico dos Estados Unidos no cenário internacional, como será
possível ver nos anos subseqüentes (SANTANA, 1999). O combate às drogas e ao
terrorismo ocupa o lugar antes ocupado pela paranóia anticomunista (COIMBRA, 2003).
28
Advisory Council on the Misuse of Drugs. Em tradução livre, algo como “Conselho Consultivo para o Uso
Indevido de Drogas”. Trata-se de um comitê assessor interministerial composto por um conjunto de notáveis
designados pela Casa Civil. A publicação de seus relatórios sempre influenciou em muito a elaboração das
políticas britânicas de drogas.
34
A primeira pesquisa norte-americana sobre troca de seringas aconteceu entre 1992
e 1993, na Universidade da Califórnia. De forma alguma seria possível considerar que tal
estudo ocorreu em um ambiente de tranqüilidade política. Ainda em 1992 – antes, portanto,
que a pesquisa encomendada pelo governo fosse concluída -, o ONDCP 29 publica um artigo
intitulado “Programas de Troca de Seringas: São eles Efetivos?”, assumindo publicamente
uma posição contrária a qualquer estratégia de Redução de Danos que incluísse troca de
seringas para pessoas que usassem drogas injetáveis: “não resta dúvida de que a
distribuição de seringas favorece o consumo de drogas e solapa a credibilidade da
mensagem endereçada à sociedade de que consumir drogas constitui um ato ilegal e
moralmente condenável” (ONDCP apud LURIE, 1998).
O Relatório da Universidade da Califórnia foi apresentado em setembro de 1993,
e indicava que os programas de troca de seringas, muito possivelmente, constituíam-se em
instrumentos reais de prevenção à Aids e à hepatite B, além de não haver sido constatado
um incremento no uso de drogas nas regiões estudadas. Por fim, o relatório recomendava a
suspensão da proibição federal para o financiamento de programas de troca de seringas.
Hoje, diferentes tipos de tecnologias de Redução de Danos são operados
cotidianamente em dezenas de países em todo o mundo, adaptadas a distintas realidades,
com o objetivo de reduzir eventuais danos e riscos decorrentes do uso de diferentes drogas.
No início de 2006, foi realizada a 3ª Conferência Mundial de Álcool e Redução de Danos,
na África do Sul, indicando que a Redução de Danos, compreendida como tecnologia de
cuidado, possui contribuições para além das simples trocas de seringas. Já na 18ª
Conferência Mundial de Redução de Danos, realizada na cidade de Varsóvia, ocorreram
problemas com alguns pacientes dependentes de opiáceos vitimados por crises de
abstinência 30 , pois a Polônia, ao contrário de alguns países da Comunidade Européia, não
possui programas de distribuição de metadona em substituição à heroína. As polêmicas,
como se vê, resistem...
29
Office of National Drug Control Policy. Em tradução livre, algo como “Escritório Nacional de Políticas
Contra as Drogas”.
30
Segundo relatos de militantes brasileiros presentes ao evento.
35
Num contexto de criminalização das relações de produção, distribuição e consumo
de algumas drogas, a Redução de Danos apresenta-se não só como tecnologia de cuidado,
mas também como movimento social. Neste sentido, a Conferência Mundial das Nações
Unidas para o Realinhamento das Políticas de Drogas, que deve tratar da resposta global da
ONU com respeito às drogas ilegais, agendada para 2009, em Viena, é considerada
estratégica pelos militantes, que já buscam articulações internacionais com vistas ao evento,
pressionando seus países a defenderem não só à Redução de Danos, mas políticas mais
tolerantes para com o uso de drogas, inclusive do ponto de vista do penal 31 .
4.5 Redução de Danos no Brasil
A Redução de Danos aportou no Brasil em 1989. “Aportou” é um verbo
apropriado, já que o pioneirismo esteve a cargo da cidade portuária de Santos, que tinha
como secretário de saúde o sanitarista David Capistrano, militante das reformas psiquiátrica
e sanitária. Capistrano, diante de uma epidemia de HIV entre pessoas que usavam drogas
injetáveis, buscou a implementação do primeiro programa de troca de seringas no Brasil. A
reação foi forte: os coordenadores do serviço foram autuados e processados por crime de
facilitação do uso de drogas, inscrito no mesmo código utilizado para enquadrar traficantes
(FILHO, 1997; MESQUITA, 1994).
As primeiras tentativas de implementação de ações de Redução de Danos estavam
lotadas em serviços de saúde ligados ao controle da Aids e a unidades de saúde localizadas
em áreas de intenso comércio e consumo de drogas (BUENO, 1998). Acreditava-se que os
interessados em atenção e insumos (especialmente agulhas e seringas esterilizadas, água
destilada e swabs com álcool), buscariam estes serviços e solicitariam ajuda aos
trabalhadores de saúde. Depois de algum tempo, percebeu-se o quão difícil é quebrar
preconceitos arraigados entre os profissionais de saúde, formados dentro de uma lógica
higienista e normativa e, por outro lado, romper com a relação de desconfiança que as
pessoas que usam drogas nutrem pelos serviços sanitários (SIQUEIRA, 1998).
31
É discurso corrente, dentro do movimento brasileiro de Redução de Danos, que se morre muito mais em
função das dinâmicas de violência relacionadas ao processo de criminalização das relações de produção e
distribuição de drogas, do que em função de agravos à saúde decorrentes do uso de drogas. Não existem,
entretanto, estudos que comprovem ou refutem tal assertiva.
36
Em 1994, a Associação para Prevenção e Tratamento da Aids (APTA) desenvolve
ações de Redução de Danos com apoio da Secretaria Estadual de Saúde (DOMANICO,
2001). Em 1995, iniciam as ações em Salvador, vinculadas ao Centro de Estudos e Terapia
do Abuso de Drogas (CETAD) da Universidade Federal da Bahia. Em ambiente acadêmico,
a Redução de Danos pode desenvolver-se com mais liberdade (DOMANICO, 2006).
A partir de 1996, com apoio do PN Aids, começam a aparecer Programas de
Redução de Danos (PRD’s) em outras cidades brasileiras. Redutores de danos, entendidos
como pessoas que operam a Redução de Danos diretamente no território de uso de drogas,
começam a surgir neste momento. As dificuldades com relação a sistemas que permitissem
ao Estado a contratação destes trabalhadores já apareciam naquele momento, ainda que os
debates sobre regulamentação sejam extremamente recentes 32 .
Em 1997, foi criada a Associação Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA),
num processo de discussão que envolveu redutores de danos de diversos estados brasileiros,
em pelo menos dois encontros nacionais: o primeiro na cidade de São Paulo, e o segundo
em Brasília, onde ocorreu a assembléia de fundação. Apesar das mudanças no tempo, seus
objetivos seguem basicamente os mesmos, dez anos depois: a defesa dos direitos humanos
das pessoas que usam drogas, da Redução de Danos como política pública, e da dignidade
dos redutores de danos. Além da ABORDA, existe uma outra organização de caráter
nacional: a Rede de Redução de Danos e Direitos Humanos (REDUC). A separar as duas,
está o debate sobre as diferenças entre técnicos e redutores de danos: diz-se da ABORDA
que é uma organização de redutores e redutoras de danos, ao passo que a REDUC seria
uma organização formada por pesquisadores e técnicos com nível superior 33 . Durante
alguns anos, o diálogo entre as duas organizações esteve estremecido, mas a partir de 2006,
32
Um dia antes do início do último Congresso de Prevenção da Aids, realizado em Belo Horizonte, o PN Aids
organizou um seminário de Redução de Danos. Os presentes ao evento pautaram a constituição de um grupo
de trabalho interministerial para discutir a regulamentação da ocupação de redutor de danos. Antes disto, o
tema havia sido debatido no 5º Encontro Nacional de Redutores de Danos, em 2005, na cidade de Campo
Grande.
33
Situar esta divisão a partir da formação acadêmica dos membros das duas organizações não condiz com a
verdade. Em um último levantamento sobre os quase 600 sócios da ABORDA, verificou-se que mais de 80%
possui nível superior. A diferença reside, parece-nos, na idéia de que a ABORDA seria a rede de redutores e
redutoras, ao passo que REDUC seria uma rede formada por não redutores que apóiam à como tecnologia de
cuidado. Seriam, pois, complementares, e não opostas.
37
houve uma retomada das articulações, resultando inclusive em documentos conjuntos
assinados pelas duas entidades.
Ao longo do ano de 2007, a ABORDA desenvolveu um projeto de articulação
política chamado RoDa Brasil, a partir do qual elaborou um amplo levantamento, com o
objetivo de desvelar o Estado da Arte da Redução de Danos no Brasil 34 . Segundo números
produzidos neste processo, 60,6% dos trabalhadores em Redução de Danos recebem menos
de um salário mínimo, sendo que 33% não recebem nada. Ao isolarmos apenas os redutores
de danos deste universo de trabalhadores, o número se amplia: 70,3% recebem menos de
um salário mínimo, sendo que 29,5 não recebem nada.
Diante desta realidade, 58,6% dos trabalhadores recorrem a alguma outra
atividade, para além da Redução de Danos. Com relação aos vínculos que regulamentam
esta atividade, 47,1% das organizações formam seus coletivos de trabalhadores a partir do
trabalho voluntário, no que há uma distorção quando se pensa no tempo dedicado ao
trabalho: em 52,8% dos casos, trabalha-se mais de 30 horas por semana, o que soa como
contraditório à noção de voluntariado. Com respeito à saúde do trabalhador, 51,9% das
equipes não disponibiliza nenhum tipo de recurso mais sistemático em termos de “cuidado
do cuidador”, e apenas 11,5% dos coletivos disponibilizam momentos de escuta individual
aos redutores de danos.
Além de questões dirigidas aos redutores de danos por meio de questionário
individual, houve a preocupação de produzir questões a serem respondidos junto aos
coletivos, e não individualmente. Quando se pensa em direitos trabalhistas básicos, apenas
31,2% dos coletivos garantem férias remuneradas aos redutores, sendo esta a mesma
porcentagem com relação ao 13º salário; carteira de trabalho assinada é um direito
garantido por apenas 24,4% dos coletivos, assim como apenas 22,1% dos grupos são
formados por trabalhadores que recebem depósitos em Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço. Com relação ao Vale-Transporte, 54,5% estendem o direito aos trabalhadores.
34
A metodologia de construção do levantamento situacional do projeto RoDa Brasil já foi descrita no capítulo
destinado aos procedimentos metodológicos.
38
5. OUTRA CONTEXTUALIZAÇÃO - TRABALHO
5.1 Acumulação flexível e trabalho precário
Há entre diversos autores um consenso de que o Pacto Fordista começa a
apresentar claros sinais de esgotamento entre os anos 60 e 70 (CASTEL, 2003; LIPIETZ &
LEBORGNE, 1988; HARVEY, 1993). O pleno emprego e a seguridade social, bases do
Welfare State, vão pouco a pouco perder espaço para sistemas diferenciados, com contratos
temporários sem garantia de direitos trabalhistas, flexibilização de carga horária e do
repertório de atividades às quais cada trabalhador deve dedicar-se.
Para Castel (2003), a noção de flexibilidade está relacionada tanto ao domínio de
múltiplas competências no cotidiano do trabalho (flexibilidade interna), quanto às distintas
formas de contratação (flexibilidade externa). Tomada como palavra de ordem deste
período histórico, a expressão Acumulação Flexível passa a designar justamente este
momento histórico marcado por um confronto direto com a rigidez do modelo
Taylorista/Fordista:
Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho,
dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de
consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores da
produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial. (HARVEY, 1993, p. 140)
Os efeitos dos processos de acumulação flexível sobre trabalho e trabalhadores é
tema central na sociologia contemporânea, e em especial para a Sociologia do Trabalho.
Diversos autores têm se debruçado sobre o tema, propondo distintos recortes e leituras.
Para Castells (1999), o aprofundamento dos lucros, o aumento da produtividade e
globalização da produção, bem como o fortalecimento dos processos competitivos em
detrimento dos mecanismos de compensação voltados ao amortecimento dos efeitos sociais
destes processos, foram os objetivos centrais que motivaram a adoção de novas formas de
gestão do trabalho no período de acumulação flexível. André Gorz (1987), diz que a
abolição do trabalho é um projeto dos não-trabalhadores, para os quais o trabalho não se
apresenta como definidor de uma identidade desejada, mas sim uma contingência. Para
Claus Offe (1989), seria mesmo o fim da centralidade da categoria trabalho para a
39
sociologia, diante de um sem número de manifestações de emergência de distintas
expressões culturais arredias ou mesmo descoladas do mundo do trabalho.
Para Robert Castel (2003), a questão social na contemporaneidade é a questão
salarial. Não há um fim do emprego, e o trabalho segue sendo uma categoria central:
O trabalho, como se verificou ao longo deste percurso, é
mais que emprego, e portanto, o não-trabalho é mais que
desemprego, o que não é dizer pouco. Também a
característica mais perturbadora da situação atual é, sem
dúvida, o reaparecimento de um perfil de “trabalhadores
sem trabalho” que Hannah Arendt evocava, os quais,
literalmente, ocupam na sociedade um lugar de
supranumerários, de “inúteis para o mundo”. (CASTEL,
2003, p. 496)
Castel não está dourando pílula. O trabalho segue uma categoria central, não
porque sua condição siga com o mesmo estatuto que teve ao longo do Pacto Fordista, mas
justamente pelo valor que adquire um produto que se torna escasso no mercado. Em sua
crônica do salário, o sociólogo francês demonstra o quanto o emprego é não só uma forma
de se garantir a sobrevivência, mas mesmo uma forma de existir socialmente. Do mesmo
modo, o desemprego não significa tão somente a impossibilidade de sustentar-se por seus
próprios meios; diante do desaparecimento de políticas de compensação, estar
desempregado significa emergir como público-alvo de políticas de controle que inscrevem
o sujeito numa outra condição, num outro estatuto social:
Para essas novas populações, as políticas de inserção
vão precisar inventar novas tecnologias de intervenção. Vão
situar-se aquém das ambições das políticas integradoras
universalistas, mas também são distintas das ações
particularistas com objetivo reparador, corretivo e
assistencial da ajuda clássica. Aparecem numa conjuntura
específica em que, no fim dos anos 70, começa a se abrir
uma zona de turbulência na sociedade salarial. Será que
estão a altura desta perturbação? (CASTEL, 2003, p. 542)
Castel lança uma pergunta, que encontra diferentes respostas. Para muitos, trata-se
de garantir a universalização das políticas públicas capazes de oferecer suporte aos
supranumerários; para outros, é mais interessante que se reeditem os debates seculares
(acerca dos quais Foucault tanto escreveu), em torno da definição do público-alvo das
políticas sociais. Quem é o pobre que merece o benefício das políticas de saúde, renda
40
mínima e assistência social, e qual o outro, que deve ser alvo das políticas repressivas, de
controle e disciplinamento?
Esta é a situação vivida pelos supranumerários que compõe a massa de
desempregados estruturais, o que vale dizer: fazem parte de um contingente de
trabalhadores que não estão numa situação intermediária entre a demissão e o emprego
seguinte. Mattoso (1995) nos fala da crescente massa de trabalhadores que perde seus
direitos, e que não consegue inserção competitiva no mundo do trabalho, constituindo
formas de trabalho precárias e não-padronizadas. Diante destas transformações, alguns
autores têm questionado a pertinência da categoria desemprego (DEMAZIÈRE, 2006;
SINGER, 1996), que teria perdido muito de sua capacidade explicativa em um contexto
onde o emprego, como constituído ao longo da sociedade salarial, deixa de existir (ou
torna-se cada vez mais raro). Castel, do mesmo modo, diz que o aumento dos níveis de
desemprego estrutural não é a única transformação pela qual passa o capitalismo na
contemporaneidade:
A precarização do trabalho constitui-lhe uma outra
característica, menos espetacular porém mais importante,
sem dúvida. O contrato de trabalho por tempo
indeterminado está em via de perder sua hegemonia. Esta
forma, que é a forma mais estável de emprego, que atingiu o
apogeu em 1975 e concernia, então, a cerca de 80% da
população ativa, caiu hoje para menos de 65%. As “formas
particulares de emprego” que se desenvolveram recobrem
uma infinidade de situações heterogêneas, contratos de
trabalho por tempo determinado, interinidade, trabalho de
tempo parcial e diferentes formas de “empregos ajudados”
isto é, mantidos pelos poderes públicos no quadro da luta
contra o desemprego. (CASTEL, 2003, p. 514)
É preciso situar que Castel está falando do impacto dos processos de
reestruturação produtiva no âmbito da sociedade francesa, com uma realidade bastante
distinta da vivida nos contextos brasileiro e latino-americano. Não obstante, as reflexões
que se seguem daí podem ser universalizadas. A questão social emergente neste contexto
diz respeito tanto aos supranumerários, quanto à miríade de situações intermediárias por
meio das quais a acumulação flexível se expressa, produzindo àquilo que Castel vai chamar
de “vulnerabilidade de massa”, ligada a um “individualismo de massa”. Assim como no fim
do século XIX, a linha divisória entre um trabalhador e um miserável torna-se cada vez
mais tênue:
41
Vê-se desenvolver-se hoje um outro individualismo,
desta vez de massa, , e que aparece como uma metamorfose
do individualismo “negativo”, desenvolvido nos interstícios
da sociedade pré-industrial. Metamorfose e de modo algum
reprodução, porque é o produto do enfraquecimento ou da
perda das regulações coletivas, não de sua extrema rigidez.
Porém, conserva o traço fundamental de ser um
individualismo por falta de referências, e não por excesso de
investimentos subjetivos. (CASTEL, 2003, p. 603)
No Brasil, esta nova configuração macroeconômica produziu impactos
significativos. Pero (2006) destaca que outros fatores relevantes vão somar-se aos processos
de reestruturação produtiva, como a demanda de consumo interno por produtos importados.
Ainda que o Welfare State nunca tenha se efetivado em sua totalidade, é possível perceber
uma série de transformações a partir da década de 80, caracterizadas pela desaceleração da
indústria e pela desarticulação do modelo vigente desde os anos 50:
Este padrão, até então comandado pela articulação
solidária dos interesses do capital externo, do Estado e do
capital privado nacional em uma economia industrializada e
internacionalizada, é rompida pela emergência da Terceira
Revolução Industrial e pelos novos interesses de
investimento do capital internacional nos centros avançados
do capitalismo mundial. (MATTOSO, 1995, p. 135)
Diante desta desaceleração da economia, a flexibilização das relações de trabalho
é apresentada como estratégia de enfretamento do desemprego. As empresas, liberadas de
algumas de suas obrigações em termos de impostos e outras obrigações trabalhistas,
poderiam reinvestir parte destes recursos na contratação de mais trabalhadores. Não
obstante, o que vem sendo observado por alguns pesquisadores é que estas propostas, ao
invés de contribuir para a inclusão social dos desfiliados da acumulação flexível, “parecem
contribuir muito mais para provocar a precarização das condições e relações de trabalho”
(DEDECCA, 1996; PICCININI, OLIVEIRA e RÜBENICH, 2006, p. 100). Entretanto,
estar desempregado, se não significa exatamente estar sem trabalho, determina perdas:
A flexibilização do contrato de trabalho, representada
pelo assalariamento sem carteira de trabalho assinada,
parece influenciar não apenas os níveis de rendimento, mas
também o acesso aos outros benefícios considerados. Entre
os assalariados com carteira assinada, 63,7% recebiam
benefícios de alimentação, 53,7% de transporte e 51,9%
tinham convênio de assistência à saúde pago pela empresa,
enquanto, em média, somente um quinto dos assalariados
sem carteira de trabalho assinada dispunham de algum tipo
de benefício. (BRAGLIA, 1996, p. 49)
42
Em tal contexto, as políticas de proteção social reverberam as concepções de
Estado inscritas nos diferentes projetos em disputa na contemporaneidade. Ou bem
expressam um desejo de resguardar o que ainda existe do Welfare State quanto a alguma
política de proteção, ou apontam no rumo do neoliberalismo desfiliante, que aposta na
responsabilidade social do empresariado nacional. Ou ainda se pode ter a exibição pública
das contradições internas dos Estados, expressas na contratação, por meio de contratos
devidamente alinhados às perspectivas de flexibilização, de trabalhadores sociais que têm
por objetivo central o cuidado de sujeitos em situação de extrema vulnerabilidade social.
Trabalhadores sociais precarizados, chamados a cuidar de populações vulneráveis.
5.2 Acumulação flexível e o trabalho em saúde no Brasil
O movimento de Reforma Sanitária, como já descrito anteriormente, investiu os
princípios e diretrizes do SUS com uma perspectiva oposta aos rumos tomados pelo Brasil
e pela maioria dos países da América Latina, no que tange ao ordenamento das políticas
sociais em um contexto neoliberal (FALEIROS et all, 2006). É em meio à nova abertura
dos portos às nações amigas proposta pelo então presidente Fernando Collor, que a
sociedade brasileira opta por um sistema nacional de regulação do setor saúde que aposta
no fortalecimento do Estado.
Não obstante, este ambiente normativo não homogeneíza as distintas perspectivas
quanto ao ordenamento e a gestão do modelo de atenção em saúde no Brasil. Estas disputas
se expressam nas instâncias de Controle Social (CORTES, 1999), e também no cotidiano
dos serviços de saúde, nos limites do modelo (e mesmo dos trabalhadores) diante das
demandas 35 . Expressam-se nos embates entre pacientes de doenças crônicas e os grandes
laboratórios farmacêuticos 36 ; em todo o campo da saúde (MISOCZKY, 2002).
35
Trabalhamos aqui com a noção de “Produção Social da Demanda”, ou seja: não se trata de uma demanda
que emerge naturalmente, expondo a pura necessidade da população, mas de um processo complexo,
construído nas lutas, nos agenciamentos, nas mediações, nas disputas, nos arranjos e nas articulações
(PINHEIRO e MATOS, 2005)
36
A assembléia de abertura do Encontro Nacional de ONGs de Aids (ENONG) de 2005, na cidade de
Curitiba, foi interrompida pelo coro dos mais de 500 presentes, gritando: “Brasil urgente, quebra de patente!”.
Menos de um ano depois, o então Ministro Saraiva Felipo anunciava a quebra da patente do Efavirenz, um
dos medicamentos usados no controle da Aids, no Brasil.
43
A emergência de condições de trabalho precárias no âmbito do SUS é tema de
preocupação do Ministério da Saúde, que constituiu o “Desprecariza SUS”, programa do
Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde (DEGERTS),
subordinando à Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SEGETES). A
cartilha de apresentação do Programa traz referências à noção de Trabalho Decente da OIT,
e diz, já nas páginas iniciais:
Nos últimos anos, a noção de trabalho precário ganhou
destaque nas discussões sobre gestão do trabalho em saúde e
tem sido utilizada, sobretudo, para indicar a ausência dos
direitos sociais de trabalhadores do Sistema Único de Saúde.
(BRASIL, 2006a, p. 5)
Esta cartilha faz uma apresentação detalhada dos mecanismos que constituem o
Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS (DesperecarizaSUS), ligado
ao Comitê Nacional Interinstitucional de Desprecarização do Trabalho no SUS. Há nela
espaço para notas assinadas pela bancada dos trabalhadores do SUS, pela Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), e pelo Conselho Nacional de
Secretários de Saúde (CONASS). A nota oficial do Ministério da Saúde, que situa o início
das dinâmicas de precarização do trabalho em saúde no início dos anos 90, nos informa que
600 mil trabalhadores do campo da saúde são considerados em situação precária, pelo
próprio Governo Federal (BRASIL, 2006).
Não se pode dizer que exista uma definição consensual acerca do que venha a ser,
objetivamente, trabalho precário. A própria definição adotada pelo Ministério da Saúde,
que busca articular a visão de trabalhadores e gestores, aponta a dificuldade:
Segundo entendimento do CONASS e do CONASEMS,
trabalho precário está relacionado aos vínculos de trabalho
no SUS que não garantem os direitos trabalhistas e
previdenciários consagrados em lei, seja por meio de
vínculo direto ou indireto. Ainda segundo o CONASS e o
CONASEMS, mesmo que o vínculo seja indireto, é
necessário garantir o processo seletivo e, sobretudo, uma
relação democrática com os trabalhadores.
Por sua vez, para as Entidades Sindicais que
representam os trabalhadores do SUS, trabalho precário está
caracterizado não apenas como ausência de direitos
trabalhistas e previdenciários consagrados em lei, mas
também como ausência de concurso público ou processo
seletivo público para cargo permanente ou emprego público
no SUS. (BRASIL, 2006a, p. 13)
44
A dificuldade explica-se. O que ocorre é que os processos de reestruturação
produtiva emergentes no período de acumulação flexível expressam-se de distintas
maneiras no campo da Saúde. Dinâmicas que poderiam ser simplesmente taxadas como
terceirização, por exemplo, podem dar conta de processos mais complexos, ligados a
incorporação de tecnologias leves. A incorporação não só dos saberes populares, mas
mesmo do trabalho de novos atores, como no caso dos agentes comunitários de saúde, só
foi possível com a criação destas modalidades de contratação. É o caso dos agentes de
controle da dengue, e também dos redutores de danos, como se verá mais adiante.
Ao longo de todo o ano de 2007, os processos de reestruturação produtiva e seus
efeitos sobre o ordenamento das políticas de saúde foram tema recorrente aos debates
preparatórios para a 13ª Conferência Nacional de Saúde. A regulamentação da Emenda
Constitucional nº 29 (EC-29), busca uma nova equalização do conflito que coloca de um
lado as garantias constitucionais de universalidade e integralidade da atenção em saúde, e
do outro os limites objetivos em termos de financiamento destas políticas, (SANTOS,
2005). Outro importante debate diz respeito às “fundações estatais de direito privado”, que
têm sido apresentadas por seus defensores como uma alternativa que permite extrapolar os
limites da Lei de Responsabilidade Fiscal37 , ao mesmo tempo em que respeita os direitos
dos trabalhadores. Para quem se posiciona contrariamente à idéia, no entanto, trata-se de
uma privatização disfarçada (DOMINGUEZ, 2007).
Cabe ao conjunto da sociedade encontrar melhores
saídas que sejam capazes de garantir a correção da rota para
um caminho onde se resgate a dignidade e o direito à
proteção do trabalho. A supressão de benefícios e de direitos
sociais, fundamentada na desigualdade de sua repartição,
levaria à precarização do precário e à tristonha solução de se
transformar em exótico aquilo que parecia oculto e é tão
óbvio. (BRAGLIA, 1996, p. 52)
37
A Lei de Responsabilidade Fiscal limita os gastos com pessoal em 30% dos recursos da União, Estados e
Municípios, o que significa um entrave à contratação de trabalhadores da saúde, especialmente nos casos de
cidades cuja infra-estrutura encontra-se mais desenvolvida, com menor demanda por obras públicas.
45
6. NO MIOLO DO BAGULHO
Nas próximas páginas, busca-se acompanhar os redutores de danos em suas
narrativas, nas atividades cotidianas, nos seus contratos de trabalho, nas suas angústias,
desejos e perspectivas. As dimensões de análise apresentadas anteriormente serão
observadas aqui em seus desdobramentos, a partir dos discursos dos próprios redutores.
Neste trajeto, teremos a companhia de reflexões produzidas por Rigoni (2006)
para sua dissertação sobre a experiência de si em trabalhadores de Redução de Danos da
região metropolitana de Porto Alegre. As dimensões de precariedade pensadas pela autora
se aproximam das utilizadas aqui, possibilitando um diálogo frutífero entre sociologia do
trabalho (área desta pesquisa) e psicologia social (área da pesquisa de Rigoni).
6.1 O trabalho e o trabalhador da Redução de Danos
No final do capítulo 4.5, apresentou-se alguns dados acerca do redutor de danos, e
também algumas de suas atribuições. Porém, como dito anteriormente, os redutores de
danos podem ser comparados ao modelo produzido por Bourdieu quando de sua descrição
das profissões “feitas para serem feitas” (2006, p. 90 – 91):
Pra mim, redutor de danos é alguém que ajuda os outros
a viverem melhor, e que se ajuda também. Tudo é um viés
de duas mãos. Todos nós temos um lado meio egoísta: tu
ajuda os outros pra se sentir bem. Comigo foi assim: o que
me incomodou é que a epidemia da Aids tava aí, e eu não
tava fazendo nada! Tava me sentindo uma merda. Eu
comecei a fazer o trabalho para eu me sentir bem enquanto
pessoa, enquanto ser humano, entendeu? Porque até então,
eu só olhava para o que estava na volta do meu umbigo.
(Madel) 38
Muito mais do que trabalhar, ele tem de fazer RD na
sua vida, primeiramente. Eu comecei a perceber a RD há
muito pouco tempo. Eu já estou com 8 anos na RD, e a ficha
começou a cair agora, e eu sinto muito por não ter caído
antes, porque é tão legal, é tão massa... Me apaixonei pelo
negócio! (Gastão)
38
Os nomes verdadeiros dos redutores de danos foram substituídos por nomes de importantes sanitaristas
brasileiros: Sônia Fleury, Madel Luz, Chico Bastos, Emerson Mehry, Sérgio Arouca, David Capistrano e
Gastão Wagner Campos.
46
Mas a minha idéia é que a Redução de Danos nunca
termine. Sempre que venha um sucessor atrás de mim. Que
eu consiga deixar um cara que trabalhe... (David)
O que aparece nos excertos é uma dimensão altruística do redutor de danos. Para
Madel, trata-se de estar a serviço de outrem; para Gastão, é como despertar para uma forma
diferente de ver o mundo; para David, uma idéia de missão para qual é preciso um sucessor.
“Assim, há uma mudança no plano individual que acaba agindo como catalisador para uma
forma de maior organização e mobilização no plano social” (RIGONI, 2006, p. 155).
Redutor de danos é aquele que vive a vida real. É o cara
que não se ilude com falsas promessas. É aquele cara que se
dispôs a enfrentar um monstro que é do tamanho de uma
formiga; que é esta coisa que as pessoas vão afermentando,
afermentando, e que na verdade não é difícil assim de lidar.
(Chico)
É que um dia eu tive do outro lado. Eu sei porque isto
não está acontecendo. Antes, eu estava do lado de lá, e
sentia a dor, o sofrimento de não ter o que eu precisava; hoje
eu estou do lado de cá, e sei porque as coisas não andam, e
vejo que às vezes basta um empurrãozinho, uma coisinha
pra coisa andar, pra impedir que apareçam mais vítimas. Às
vezes, o recurso já foi liberado, e basta uma assinatura, e tu
tá ali, perto, envolvido. (Sérgio)
Um indivíduo que se envolve... Não sei... É aquilo: em
movimento. É isto, mas também é aquilo. Porque eu acho
que o redutor é isto: quase 50% é vontade de fazer, de
enxergar melhor. É isto aí. Que aí todo mundo é igual. Todo
redutor é igual nisto aí. Nos outros 50% entra a técnica, a
politização. Ou não? Tô perguntando pra mim mesma...
(Sônia)
Para Chico, o redutor de danos possui uma visão que lhe permite ver o que outros
não vêem (a vida real); Sérgio aponta a capacidade de mediação entre os desejos do
público-alvo e os limites das políticas públicas; Sônia afirma que há uma vontade comum a
todos, mas que só se completa com técnica e politização. Nestas declarações, encontra-se
menos o componente místico, e mais acentuado o papel cotidiano da mediação, da ação que
depende de um conhecimento não formal dominado pelos redutores de danos:
Através da valorização da sua experiência de vida com
as comunidades e com as drogas, o redutor de danos tenta
garantir um espaço próprio de atuação, como o técnico
possui devido à profissão (RIGONI, 2006, p. 126)
47
Para saber o que é Redução de Danos, é preciso ver o que os redutores de danos
estão fazendo 39 . É preciso conhecer seu cotidiano de trabalho, para observar se e de quê
maneiras reproduzem-se aspectos relacionáveis ao trabalho em tempos de acumulação
flexível. Neste sentido, uma das características citadas diz respeito justamente àquilo que
pode parecer exatamente o oposto, ou seja: uma ausência de características, que se expressa
em uma enorme diversidade de atuações possíveis. Esta diversidade, longe de apontar o
exótico, o improvável, fala justamente da compreensão da Redução de Danos como
tecnologia leve, que se adapta às práticas de cuidado, transformando-as:
Não é incomum a gente chegar numa casa e encontrar o
pai, o avô, o filho, todos bebendo. Então, como é que tu vai
chegar falando do álcool? Não se diz isto no primeiro
encontro. Tu tens de chegar por outro lado, falando de
hipertensão, falando de outros assuntos. Porque será que tá
lá, com pressão alta, cardíaco? Será que o uso não tá
abusivo? (Sônia)
Então, nas boates é mais fácil porque a gente ensina
estratégias: substituir bebida, ou o famoso vasinho de planta
perto da mesa. Tem várias estratégias que a gente acaba
tentando sensibilizar os donos de casas. (Madel)
Hoje a gente tem um trabalho muito bonito com as
escolas, por exemplo, não só para fazer oficina, mas também
para conversar com os professores, com os orientadores. Eu
fui chamado pra conversar com a orientadora de uma escola
por causa de uma tal de “salada de fruta” 40 que as meninas
andavam fazendo lá... (Chico)
A diferença do redutor de danos para um trabalhador
outro da saúde, é que o redutor precisa seguir o fluxo de
uma população específica. Ele vai onde as pessoas
estiverem. Então, este é outro tipo de provocação que a
Redução de Danos faz dentro da gestão do trabalho em
saúde. (Emerson)
A ausência de contornos que delimitam com precisão as atribuições de um
determinado trabalhador, condição aparentemente transitória na constituição de uma nova
profissão, é apontada por alguns dos entrevistados como característica da Redução de
Danos (BOURDIEU, 2006). E como não seria? Afinal, falamos de trabalhadores que
surgem em meio a esta nova etapa do capitalismo, na qual a noção de flexibilidade é
39
“[...] os ‘contratos terapêuticos’ firmados em campo entre redutores e usuários vão muito além da simples
troca de seringas ou cachimbos, ou da distribuição de preservativos, que poderia ser entendida como
meramente comportamental”. (RIGONI, 2006, p. 99)
40
Pelo que foi possível captar no momento da entrevista, a salada de frutas era uma brincadeira sensual
realizada por meninas de uma escola da cidade.
48
palavra de ordem. Neste sentido, é interessante retomar as noções de flexibilidade interna e
flexibilidade externa, de Castel (2003), já referenciadas na nota de roda-pé número 4, na
página 13.
A gente se prepara, se prepara pra dar estas oficinas,
mas elas nunca são iguais. Nunca um dia de trabalho é igual
ao outro. A gente prepara os kits, prepara os materiais,
prepara tudo, e sempre tem uma coisa diferente. (Sérgio)
Se o redutor de danos está trabalhando no campo,
seguindo o fluxo, ele precisa admitir que existe um processo
se dando ali, e que este processo não é normatizável. Tu
pode até querer normatizar, mas aí tu vais estar limitando os
teus instrumentos. (Emerson)
Nossa atividade é muito parecida com a profissão de
artista; em certos momentos, tem de improvisar mesmo,
porque senão não tem jeito de tu conseguir chegar naquele
teu objetivo, que é atender, o melhor possível, o usuário. Pra
mim, esta é a principal característica do redutor de danos.
(Chico)
Uma das reflexões que pode ser feita é de que a flexibilidade e a diversidade
exigidas ao redutor de danos (noções claramente alinhadas com aspectos do trabalho na
contemporaneidade), dizem respeito à própria fragilidade das redes de atenção orientadas
ao cuidado de pessoas que usam álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Diante de uma
rede que só tem furo e nó 41 , os redutores acabam assumindo muitas tarefas que deveriam
estar a cargo de outros trabalhadores (oficinas de sexualidade em escolas, monitoramento
da hipertensão, escuta clínica). Voltaremos a isto mais adiante, quando formos falar das
condições de trabalho do redutor de danos.
Outra característica descrita por alguns dos entrevistados ao falar do seu cotidiano
de trabalho diz respeito ao risco implícito nesta atividade. Os redutores de danos buscam
inserção em redes que dependem de sua invisibilidade para sua própria existência. Não são
redes receptivas ao ingresso de pessoas cujos objetivos não sejam o uso ou o comércio de
drogas (especialmente as ilícitas). Neste trânsito, o redutor de danos pode ser confundido
com o policial (aquele que, pela racionalidade repressiva, deve “governar” o traficante e
o usuário de drogas através da prisão ou dos “cascudos”), e também com o traficante e o
usuário (alvos da polícia) (RIGONI, 2006, p. 76):
41
“O que uma rede mais tem é furo e nó”. A frase – uma pérola para quem se dedica à reflexão sobre redes de
atenção em saúde e assistência – é de Carlos Guarnieri, poeta e redutor de danos do PRD da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre.
49
Uma vez a gente foi pra um bairro pesado, perigoso. A
gente andava só com um crachá, e com um monte de
seringas. Era a terceira vez que nós íamos praquela área, e o
pessoal da comunidade não nos conheceu. Aí rolou uma
pressão básica. Depois daquilo ali, ficou tudo tranqüilo, a
gente anda na rua na boa. (Sônia)
O policial me pegou pelo pescoço: “Tem documento aí?
Tem ficha na polícia?”, e insistia para saber porque eu
queria o nome dele. Eu dizia: “pra fazer meu relatório. O
senhor agiu errado: aquele material é dinheiro público, e o
senhor pisou em cima”. E ele dizia: “Olha bem magrão, o
que tu vai fazer! Agora eu sei onde tu mora, e qualquer coisa
eu vou lá na tua casa!” 42 . (Gastão)
Naquele momento, era muito olhar. O motorista queria
dar no pé. Todo mundo tava sentindo o peso. Eles notavam
que a gente tava com muita chegada. Ou é vagabundo, ou é
polícia. Da saúde? Qual é que é? A Anamaria ficou muito
nervosa. Ela sentiu que a gente ia ser metralhado dentro do
carro. (Sérgio)
Apenas estes relatos já poderiam demonstrar o quanto esta atividade é
intrinsecamente perigosa. Convém lembrar, além disto, que grande parte dos redutores de
danos viveu ou vive na própria pele a realidade do uso de drogas. Não é incomum que
tenham passado por situações que podem, a qualquer momento, atravessar o véu do
passado e interpelar o presente. Sendo assim, quando um redutor de danos ouve a frase
“acho que te conheço de algum lugar”, isto pode significar tanto uma possibilidade de
vínculo, quanto uma lembrança que talvez possa trazer problemas.
6.2 Condições de trabalho
As narrativas dos redutores de danos a respeito de sua própria condição e
atividades cotidianas trazem à tona alguns elementos importantes para a análise dos efeitos
da reestruturação produtiva, e principalmente da condição precária de seu trabalho. Porém,
para além de experiência de si dos redutores de danos, é importante capturar um pouco dos
discursos acerca dos meios para a execução deste trabalho no cotidiano. Quando
perguntados sobre suas condições de trabalho, os entrevistados trouxeram relatos
42
Gastão contou que estava uma vez entregando alguns kits com seringas para alguns usuários do serviço de
Redução de Danos, quando a polícia se aproximou. Ele identificou-se como trabalhador da saúde, e pediu que
o policial devolvesse as seringas aos rapazes no final da abordagem. A ver o policial destruir o kit, foi tomar
satisfações. O restante da história é o que está descrito no excerto.
50
envolvendo transporte, insumos, sede, e o que mais chamou atenção: as redes de atenção às
pessoas que usam álcool e outras drogas:
A principal coisa de que se sente falta, pra poder
trabalhar melhor, é uma rede com a qual a gente possa se
relacionar, pra encaminhar os casos que a gente não
consegue dar conta. Para os usuários, seria importante ter
um CAPS-ad, que não funciona na nossa cidade. (Sônia)
Aí a gente chega lá, acessa, traz, e não tem solução, não
tem carro, não tem médico, não tem consulta, não tem
abrigo, não tem leito, não tem agenda, falta bloco, falta
referência, contra-referência. Só não faltam as causas destas
coisas. (Sérgio)
A gente precisa lá na cidade de um lugar que possa
acolher as pessoas que querem parar, que querem dar um
tempo. É isto. A gente tem uma rede, mas ela não é mágica.
No campo, eu faço a minha parte. Mas eu preciso de um
suporte. (David)
Chama a atenção que trabalhadores declarem que a falta de uma rede de atenção
às pessoas atendidas seja uma questão que deteriora suas condições de trabalho. Não se
trata de dizer que faltam insumos, transporte, um bom espaço de trabalho (estas questões
aparecerão logo adiante), mas de considerar como elemento garantidor de boas condições
de trabalho, a boa qualidade (ou mesmo a existência) de serviços outros:
Apesar dos esforços destes trabalhadores, muitos dos
encaminhamentos necessários à população dependem de
outros órgãos, sendo que a falta de reconhecimento do
trabalho por parte dos servidores da saúde, a dificuldade de
marcações de atendimentos (falta de suporte da rede) ou da
complexidade que envolve a resolução de questões
estruturais (saneamento básico, renda mínima, etc.) acabam
causando sofrimento ao trabalhador. (RIGONI, 2006, p.
136)
Esta dimensão de sofrimento, que poderia ser situada no capítulo sobre saúde do
trabalhador, atravessa distintas dimensões do mundo do trabalho. Está relacionada, por
exemplo, a um deslocamento epistemológico que o campo da saúde vem experimentando,
relacionado a um rompimento com os discursos clássicos de distanciamento entre
trabalhadores da saúde e usuários dos serviços. Este ponto será mais aprofundado durante
as considerações finais.
Diante da carência de uma rede de suporte orientada às pessoas que usam álcool e
outras drogas, os redutores de danos acabam açambarcando demandas que seriam de outros
51
trabalhadores de saúde (ou mesmo da assistência social, da educação...). Neste sentido, o
trabalho de campo pode tornar-se insuficiente, não só para os usuários do serviço, mas
mesmo para o redutor:
Eu sinto falta uma sala separada onde a gente vai poder
ficar de noite, depois do campo, pra colocar os dados direto
pra dentro do computador. Mesmo pra gente poder atender o
usuário lá. Muitas vezes ele não quer falar isto lá na
comunidade dele, porque ele não quer que a gurizada, que as
pessoas escutem. Nós temos uma sala, mas ela não opera à
noite, entende? (Chico)
Então, tu vê que existem pessoas que tem um uso
controlado do crack, e que boa parte disto se deve à sede da
ONG. Isto é uma coisa que ocorre de um modo meio que
orgânico, e talvez pudesse acontecer melhor se tivesse um
trabalho mais qualitativo no campo, que é uma coisa que
não tem. (Emerson)
A gente chega e desce do carro, percorre a região e
tenta acessar o pessoal, conversar com o pessoal sobre o kit,
sobre o espaço da sede; a casa é aberta, é um espaço para
eles. (Gastão)
Diante da ausência ou fragilidade de uma rede de atenção às pessoas que usam
álcool e outras drogas, a sede deixa de ser simplesmente o endereço físico da ONG ou do
serviço público, para tornar-se um espaço de acolhimento, de cuidado. É o que se vê nos
relatos de Emerson e Gastão. Já o coletivo no qual Chico trabalha ainda não possui uma
sede que possa servir para este fim; segundo seu relato, é algo que deve mudar em breve.
Em que pesem estes relatos sobre a importância da sede, da sala na qual o PRD
pode receber os usuários do serviço, grande parte do trabalho do redutor de danos é feita no
território, compreendido aqui não só como parcela de espaço, mas também de tempo. Ou
seja: é preciso encontrar às pessoas que usam drogas, não apenas nos locais, mas também
nos horários dedicados ao uso de drogas. Para tanto, o deslocamento é fundamental:
Há carro, mas às vezes falta motorista. Agora tem um
motorista que é quase exclusivo para nós, que está ficando
direto por lá... Mas quando ele não está ali, por um problema
de saúde, férias ou alguma outra coisa, pode acontecer
algum problema para a prefeitura ceder outro motorista. “E
aí? Vai vir o motorista”, e eles respondem: “Tá indo, tá
indo...”. (Gastão)
Tem lugares que leva 1 hora e 20 pra chegar. Só pra
chegar no lugar! Chegando na colônia, tem que caminhar 5
km. Vai acessando, vai retomando aquele... Tu sabe que se
tivesse mais tempo, nós poderíamos ir mais vezes, ou
52
mesmo todos os dias. Com um carro, a gente faria este
trabalho muito melhor. (Sônia)
Sempre dá problema: tem carro, mas não tem carro, tem
motorista, mas não tem motorista. Tu chega lá, te olham,
sabem que é toda semana, mas na verdade, só conseguimos
de 15 em 15 dias. A gente se alterna, pega numa semana
numa área, depois em outra... O pessoal tem vínculos
conosco, e topa ir fazer exame, mas não dá pra furar. Aí
falta carro... (Sérgio)
Eventualmente falta carro, mesmo que tenha sido
comprado com verba federal específica do PAM para a
Redução de Danos. Mas tá na boa, porque quando não
tínhamos carro, nós usávamos o da hemodiálise. Quatro
anos usando o carro deles, que já está todo escangalhado, e
agora não vamos botar o nosso na roda? Tem que botar na
roda. (David)
A falta de carro é um problema, tanto para os coletivos que o tem, quanto para os
que não o tem. Dos quatro redutores de quem tomamos excertos, apenas Sônia faz parte de
um coletivo que não tem carro; no entanto, a indisponibilidade do veículo ou de condutor é
relatada por todos os outros três. Não foi possível averiguar se há relação entre os horários
e territórios de atuação, e a falta de condutores para o trabalho. Seria esta falta de
motoristas uma decorrência das situações de perigo vividas no campo, como a descrita por
Sérgio no capítulo anterior?
Um último indicador de condições de trabalho diz respeito aos insumos de
trabalho. É um debate importante ao campo: por insumos, entende-se um repertório de
equipamentos que incluem seringas esterilizadas, swab com álcool, copinhos para a
diluição de cocaína, garrote e água destilada (para pessoas que usam drogas injetáveis);
cachimbo, protetor labial, piteira (para pessoas que usam crack); canudos de silicone ou de
papel (para pessoas que usam drogas aspiradas). No entanto, é bastante comum que os
coletivos incorporem outros equipamentos ao repertório de insumos utilizados:
Agora a gente também adotou como insumo, como
parte do kit, a TV e o vídeo, que a gente adotou como
ferramenta para instigar algumas coisas. A gente traz
conosco, no carro. Aí, se a gente encontra uma galera
reunida, a gente pode provocar; “Olha, a gente tem uma TV
aí. Dá pra passar um filme?”. Se for o caso, a gente tira ela
do carro, leva pra casa de alguém, e passa um filme, e a
partir do filme, a gente instiga o pessoal a falar. (Gastão)
53
Em que pese este exercício de criatividade (que pode ser visto como uma
reprodução das noções de flexibilidade e diversidade, como no capítulo anterior), há um
repertório de insumos, por assim dizer, clássicos, ao trabalho de Redução de Danos:
O cachimbo de taquara, por exemplo: de repente tem
um cara ali que tá dizendo que não usa, aí tu comenta sobre
os cachimbos, mostra pra ele – normalmente a gente leva
dentro de uma sacola – e aí o cara pega aquele troço, enrola
muito rápido com a sacola, e diz que vai levar pra um
amigo. Este cara usa, meu! Dali a pouco ele começa a falar
sobre a droga. Aquilo ali é um dispositivo pra disparar
conversas sobre drogas. Mas eu não sei se a gente tem
acesso a isto, ainda, entendeu? (Emerson)
Além disto, faltam folders também. Eu peço pra outros
serviços, pego lá em casa. Eu imagino que deve ser muita
carga mesmo sobre a coordenação. Mas a falta de um
folder... Na hora de tu falar de onde tu é, tu ter que puxar um
pedaço de papel pra passar teu telefone, é demais, né?
(Sérgio)
Além disto, já fiz campo sem camisinha. Eu achei que
ia ser um Deus-nos-acuda, mas não foi tanto. A pressão foi
quando faltou seringa, uma vez. Ali nós fomos mais
cobrados. Mas se tiver de trabalhar sem seringa, sem
preservativo, sem folder, a gente faz. Atualmente estamos
sem folder; uniforme, nunca tivemos. Tivemos, uma vez,
uma jaqueta. (David)
Emerson traz uma reflexão bastante profunda, segundo a qual o acesso ao insumo
não depende apenas da disponibilidade de um equipamento, mas da capacidade do redutor
em transformá-lo num dispositivo (FOUCAULT, 2004a). Sérgio e David lembram que os
insumos não se resumem aos equipamentos para uso de droga, mas incluem preservativos e
folders, que costumam faltar. Mas o que chama de fato a atenção é o discurso de David; ao
falar do carro, anteriormente, o redutor parece buscar justificativas para sua falta; aqui,
afirma que se tiver que trabalhar sem seringa, sem preservativo, sem folder, a gente faz.
Temos aqui novos desdobramentos para questões referidas anteriormente, e que tornam a
nos conduzir à reflexões sobre a flexibilidade: trabalha-se sem carro, sem folders, sem
preservativos, ou mesmo sem seringas, pois o que importa é trabalhar. Entretanto, nunca é
demais lembrar que, em que pese o caráter simbólico do insumo (BASTOS, 1998), uma
seringa compartilhada pode efetivamente transmitir os vírus da Aids e da hepatite B, e um
protetor labial cicatriza as feridas relacionadas ao uso de crack (DOMANICO, 2006).
54
6.3 Gestão e organização do trabalho
Por organização e gestão do trabalho, estamos pensando num repertório de
mecanismos e dispositivos que organizam o tempo e os modos de trabalhar, que definem o
investimento dos recursos, a divisão do trabalho e a própria composição dos coletivos. Em
tempos de acumulação flexível, os processos de reestruturação incidem não apenas sobre a
produção, mas também sobre a gestão e organização do trabalho, entendidas como
atividades meio para a Produção de Valores de Uso, e ao mesmo tempo atividades fim para
a produção de subjetividades (CAMPOS, 2005).
A gestão do tempo está no centro de todo o debate sobre gestão do trabalho. Os
dispositivos de controle do tempo de trabalho são historicamente constituídos, e falam de
inúmeras características das instituições que deles se utilizam:
Horário tem, tanto que tem até livro ponto. Mas não
existe muito uma cobrança sobre o que eu devo fazer. Aliás,
coisas sobre as quais há uma cobrança são questões que para
mim, são irrelevantes. Eu não levo muito a sério. Não vou
assinar e ponto final. E nem me perguntam se eu vou
assinar. (Emerson)
Segunda e terça são os dias para os redutores de danos
ficarem na sede, pra estudar, pra buscar coisas. Tem reunião
de equipe, pra discutir temas e pra falar das suas angústias, e
também para planejar coisas novas. E procurar outros
espaços também. Os outros dias são de campo. Lá, por ser
institucionalizado, existem várias questões para se fazer o
campo de noite. Então, 14 horas a gente vai pro campo, e
fica até às 18. (Gastão)
Na segunda-feira eu chego um pouco mais cedo. A
gente começa às 14, mas eu chego às 13, porque não tem
recepcionista, e a gente está se revezando pra resolver este
problema. Eu fico lá até às 17. Depois a gente sai, e vai fazer
campo. Na terça, nós fazemos algumas coisas mais
burocráticas, prepara o material, alguma planilha. Às 15
horas a gente tem reunião pra encaminhar algumas coisas
que precisam ser resolvidas, pra melhorar o serviço. (Chico)
Normalmente de manhã é pra fazer relatório. Além
disto, tem os trabalhos permanentes: atendimento na mesa,
digitar projetos, relatórios. Também se tem algum serviço
externo, a gente se reveza: vai no banco, vai no contador...
Mas geralmente na parte da manhã. As intervenções são
mais na parte da tarde e da noite. (Madel)
O ordenamento do tempo é descrito de diferentes formas pelos redutores. Aparece
aqui, mais uma vez, as noções de diversidade e flexibilidade. Os redutores de danos fazem
55
tudo, da gestão à escrita de projetos, do trabalho de campo à recepção. Além disto, ainda
operam o planejamento institucional, e arrumam tempo para refletir sobre seu trabalho.
O discurso mais contundente, por certo, é o de Emerson. Importante lembrar que é
dele a declaração anterior sobre o papel político do redutor de danos no âmbito do SUS,
flexibilizando a noção de território (pág. 45). Há novamente este elogio da flexibilidade
como estratégia de resistência, como dispositivo de resistência aos processos de captura
burocrática. Suas críticas ao próprio coletivo são muito duras, e recorrentes ao longo de
toda a entrevista.
Por razões já explicitadas no capítulo destinado à descrição dos procedimentos
metodológicos, não é possível dizer quais destes discursos são referentes a PRD’s de
governo e de ONG. Entretanto, é possível, sem prejuízo ao compromisso ético assumido
junto aos entrevistados, dizer que há na amostra dois redutores de ONG’s, e dois de PRD’s
governamentais. Porém, as fronteiras entre governo e sociedade civil, no campo da
Redução de Danos, operam segundo lógicas próprias; práticas mais conservadoras não
necessariamente estarão ligadas a estruturas de governo, e lógicas mais ousadas de atuação
e gestão não se vinculam obrigatoriamente a iniciativas de associações civis.
Assim como a gestão do tempo, a divisão do trabalho é igualmente central nos
processos de organização do trabalho. Em tempos de reestruturação produtiva, o imperativo
de flexibilidade exige que os trabalhadores dominem distintas competências, permitindo
que possam ocupar diferentes papéis no jogo:
Tem sempre uns que puxam mais pra um lado. Comigo,
por exemplo: quando eu estou no campo, sempre acontece
de um colega chamar: “Sérgio, dá uma chegadinha aqui, que
tem aqui um cara que passou pelo Sistema Penal”. Ou que tá
foragido, entende? É um trabalho conjunto, nunca é sozinho.
Sempre junto, respeitando o que um domina mais ou menos
que o outro. (Sérgio)
Tem pessoas que não falam muito, e a gente respeita
isto. Eu acho isto muito importante, este respeito. Eu gosto
de falar pra caramba! Aí chega no final da semana, vai ver
quantas fichas de atendimento tem: uns tem 40, outros tem
10. Isto é respeitado, porque eles sabem que eu falo mais, e
que isto não quer dizer que eu estou matando o trabalho.
Tem respeito. (David)
Eu e a Roseni criamos projetos individuais. Eu tenho
um com Hip Hop e Redução de Danos. A Roseni criou o
dela, para dar continuidade ao trabalho de Redução de
56
Danos com profissionais do sexo. A gente sai muito junto,
mas tem estes momentos. É uma divisão que tem a ver com
a personalidade de cada um: é onde nos sentimos mais à
vontade para estarmos trabalhando. (Chico)
Estes discursos correspondem a uma determinada forma de ver a divisão do
trabalho, inscrita em uma dimensão interna ao coletivo de trabalhadores envolvidos mais
diretamente com as ações de redução de danos propriamente dita. Percebe-se neles uma
valorização e um aproveitamento de características e potencialidades pessoais, o que pode
ser lido como resistência a homogeneização e a burocratização do trabalho, ou como
captura das competências do sujeito pelo mundo do trabalho.
Ainda sobre a divisão do trabalho, agora num sentido mais formal:
De um modo geral, a gente tem uma divisão de
trabalho, de tarefas. Tem o financeiro, tem o grupo do
material gráfico, informativo, tudo tem um grupo ou pessoa.
Pra pensar o trabalho com mulheres... (Sônia)
Hoje está mais dividido, até porque estamos acelerando
algumas coisas em relação à documentação, a algumas
coisas que temos de colocar no papel, pra dentro da
máquina, pra apresenta pro gestor. Agora pro fim do ano
tem o lance do PAM, tem de dar conta de formatar as coisas
no IPI-Info. (Chico)
Eu imagino que deve ser muita carga mesmo sobre a
coordenação. Eu noto que quando eu levo problemas, isto
esbarra em outros problemas que já estão por lá. Tá tudo
sempre indo, voltando... Vai em reunião, fica esperando a
fulana que vai pegar o relatório, depois tem de refazer o
relatório, e aí tem de ir noutro dia... (Sérgio)
Enquanto o trabalho de promoção de saúde agencia espaços em que o sujeito pode
inscrever-se de maneira criativa, mais fluida (é onde nos sentimos mais à vontade, diz
Chico), o trabalho administrativo exige uma divisão mais formal, com definição de
responsáveis por determinadas tarefas. Os saberes agenciados são igualmente formais; se
não oriundos de uma formação reconhecida, ainda assim constituem-se como saberes
técnicos.
A divisão do trabalho entre redutores de danos e técnicos é um debate recorrente
no campo. Para abordar este tema, Rigoni reporta-se às informações colhidas ao longo das
entrevistas com redutores de danos:
[...] a divisão entre técnicos e redutores parece ter
“nascido” junto com o movimento de RD: desde o início, no
57
custeio do transporte fornecido pelo MS [Ministério da
Saúde] para a participação em encontros e eventos, havia
uma parcela destinada a “técnicos” e “redutores”. Parece
estar implícita a idéia de que o técnico seria uma pessoa da
coordenação do programa/ação, e redutor seria o trabalhador
“do campo”. (RIGONI, 2006, p. 122)
Esta divisão do trabalho expressa, de certa maneira, uma divisão quanto à própria
valorização de saberes no campo da saúde. Nas atividades de campo, a divisão do trabalho
entre os próprios redutores implica o reconhecimento da diferença; já a divisão do trabalho
entre técnicos e redutores implica desigualdade, reconhecida diante do fato de que os
técnicos têm remuneração mais elevada – e maior reconhecimento 43 - que os redutores de
danos.
Uma parte importante da gestão e da organização do trabalho passa pela reflexão e
pelo planejamento. No caso dos coletivos de Redução de Danos aos quais os entrevistados
estão vinculados, a realização de reuniões semanais é generalizada. Não obstante, esta
participação dos trabalhadores não significa, per se, maior autonomia e democratização:
Tem um problema com o PRD, a gente senta na quartafeira à tarde e discute este problema. Do outro projeto, tem
reunião mensal. No nosso, de Redução de Danos, a gente
não tinha muito o costume de fazer isto. Neste ano a gente
fez mais. (Madel)
Existe uma reunião todas as quintas-feiras. Há os
informes, novidades sobre possíveis projetos, coisas assim.
Depois tem as picuinhas, fofocas... Mas não há nada sobre
pensar estrategicamente as ações. Como se houvesse coisas
muito mais importantes, urgentes e pragmáticas para serem
resolvidas, como questões relacionadas a projetos...
(Emerson)
Nós temos um encontro semanal, na terça-feira,
geralmente das 14 às 17, ou mais, a depender do que cada
um traz, sobre a semana que passou, e também sobre a
semana seguinte: carro, se vai precisar agendar pra algum
evento ou busca ativa, ou acompanhamento. É tudo feito
nesta terça: quem vai, pra onde vai, se alguém vai ter de
cobrir a ausência do outro, eventos, atividades... (Sérgio)
É importante que a gente tenha esta conversa mais
aberta. É uma coisa que a nossa coordenadora e psicóloga,
ela mesma fez uma entrevista com cada um de nós, sempre
pedindo pra gente ser muito aberto. Mas a gente também
fica refletindo em algumas ações nas quais a gente se depara
com coisas que balançam a gente. (Chico)
43
Mesmo nos encontros da ABORDA, é possível perceber que os técnicos ocupam lugares diferenciados: são
convidados a mesas formais, enquanto que os redutores aparecem com mais força nas oficinas.
58
Se o espaço semanal para uma reunião é prática generalizada, os sentidos
atribuídos ao espaço não o são. Chico, por exemplo, aborda mais às dimensões de cuidado,
dizendo que é este o momento em que se pode falar de coisas que balançam a gente; já
Sérgio explica que é no momento da reunião semanal que se faz todo o planejamento da
semana que virá, e no qual se reflete sobre as coisas que ocorreram na semana anterior;
Madel diz que se ocorre algum problema, na quarta-feira se discute, enquanto Emerson nos
faz pensar que a simples existência de um momento semanal não é garantia de reflexão.
6.4 Vínculos e direitos trabalhistas
Como visto no capítulo 5.2, a definição de trabalho precário que o Ministério da
Saúde adota tenta explicitamente articular interesses de gestores e trabalhadores do campo
da saúde. Para CONASS e CONASEMS, trabalho precário diz respeito à ausência de
direitos trabalhistas e previdenciários, seja por meio de vínculo direto ou indireto. Para os
trabalhadores, além disto, há também a referência à necessidade de processo seletivo
público que garanta cargo permanente ou emprego público no SUS (BRASIL, 2006a).
São mais de dez anos de ações de Redução de Danos, e é possível encontrar
redutores de danos que se dedicam a esta atividade desde então. Muitos seguem sem
contratos formais que regularizem seus vínculos de trabalho; são chamados ao exercício do
trabalho cotidiano e à elaboração reflexiva das políticas de atenção às pessoas que usam
álcool e outras drogas, mas o reconhecimento objetivo frente à importância de sua
contribuição é desproporcional.
A constituição de contratos de trabalho pode ser vista como uma forma de
reconhecimento. Vejamos o que os próprios redutores de danos dizem acerca de seus
vínculos empregatícios:
Hoje nós temos carteira de trabalho assinada. Desde
junho deste ano. A gente conseguiu isso através de uma
brecha da lei de convênios do município, que diz que existe
possibilidade de contratação de trabalhadores para atuar
junto ao PSF, PACS e outros programas. Nós conseguimos
nos encaixar nestes “outros programas”, e agora estamos
contratados. E na carteira de trabalho consta “redutor de
danos”. Foi uma exigência da ONG que fez este contrato
59
com a prefeitura, que é quem pega os recurso e repassa pra
gente. (Chico)
Nós somos terceirizados: somos contratados pelo
consórcio, mas trabalhamos para a prefeitura. Temos todos
os direitos trabalhistas respeitados Nós estamos inclusive
vivendo um problema agora: parece que todo o pessoal
cedido pelo consórcio para a prefeitura vai sair fora. São 280
funcionários, e nós estamos no bolo. Isto é praticamente
inevitável. Já está decidido: os contratos pelo consórcio se
encerram, e haverá concurso público. (Gastão)
O vínculo empregatício deixa muito a desejar. O
contrato é feito pra gente assinar depois. É anual. Eu vou
para o meu terceiro contrato. A menos que nossa
coordenação aprenda a falar outras línguas, a comece a
traduzir o que a gente diz, e isto se traduza em vínculos mais
efetivos. (Sérgio)
Como é que um serviço público vai contratar alguém –
e na época eu nem era qualificado – pra recolher material
potencialmente contaminado? Aí eles me qualificaram pra
isto. Aí depois entrou um contrato, que eles tentaram fazer
pela APAE, mas não deu certo... Agora eu tenho um
contrato administrativo nível 13. Este eu assinei, e é o que
os que entraram depois de mim assinaram. (David)
Está se buscando um contrato pra todo mundo que
trabalha ali. E é foda! O motorista vai assinar um contrato de
20 horas, só que ele é o cara que mais trabalha ali dentro. Eu
vou questionar isto aí. Por que o cara está assinando uma
coisa que não está acontecendo na prática? Quem é o inglês
que vai ver isto? Achei muito complicado; vai ter contrato
pra coordenador de projeto, contrato pra redutor de danos,
contrato pra motorista. Eu vi uma versão impressa, e tinha
umas anotações dizendo: “aqui é diferente para fulano, aqui
é diferente para beltrano”. (Emerson)
Os coletivos aos quais Chico e Gastão estão vinculados registram as atividades
dos redutores de danos por meio de contrato em carteira de trabalho. Trata-se de algo raro:
segundo dados disponibilizados pela ABORDA, apenas 25% dos contratos de trabalho
passam por esta modalidade de registro. Não obstante, na opinião dos trabalhadores de
saúde representados na Mesa de Nacional de Negociação Permanente do SUS (MNNPS) 44 ,
mesmo estes redutores encontram-se em situação de precariedade, pois seus contratos são
44
A Mesa Nacional de Negociações foi constituída em 1993, com o objetivo de estabelecer um fórum
permanente de negociação envolvendo representantes dos setores público e privado, e dos trabalhadores de
saúde. Em 1997, houve a reinstalação da mesa, que pela segunda vez caiu em desuso. Em 2003, foi
novamente reinstalada, agora com a inclusão do advérbio “permanente”. Além da representação de diversos
ministérios, do CONASS e CONASEMS e de representantes do setor privado, há uma ampla presença de
representantes dos trabalhadores em saúde, capitaneados pelas confederações nacionais de trabalhadores da
Seguridade Social e Saúde, bem como dos serviços públicos Federal e Municipais (BRASIL, 2006b).
60
intermediados por ONG’s, não apresentando as garantias de estabilidade extensivas a
outros trabalhadores de saúde. Gastão ainda fala de iminência de demissão de 280
trabalhadores de saúde cujos contratos não serão renovados, em face desta problemática 45 ,
e justamente para que sejam realizados concursos públicos, diante do que se recoloca uma
questão recorrente: como realizar concurso público para contratação de um trabalhador
como o redutor de danos?
A fala de Emerson traz uma problematização que aprofunda ainda mais esta
complexidade. Há de sua parte o temor de que os contratos que estão sendo elaborados para
regular as contratações não produzam garantias para os trabalhadores, mas dispositivos de
controle. Diante de um contrato que inscreve atribuições muito distintas daquelas
efetivamente verificadas no cotidiano do serviço (caso do contrato do motorista, que indica
um número de horas inferior ao que ocorre na realidade), Emerson afirma tratar-se de um
contrato para inglês ver, e pergunta: quem é o inglês que vai ver isto?
Sérgio e David trazem questões igualmente pertinentes. Questionam os contratos
que assinaram até aqui (no caso de Sérgio, foram três). David explica que seu contrato já
teve diferentes formatos: chegou a ser intermediado pela APAE, e hoje é um contrato
administrativo de nível 13. Seja lá o que significa tal contrato, a denominação exótica é um
indicativo da complexidade do tema, e das possibilidades burocráticas para legitimação
destes contratos. Além disto, a renovação anual dos contratos indica outro elemento comum
aos processos de reestruturação produtiva, qual seja: a utilização de empresas individuais
como forma de escamotear a precariedade dos vínculos (POCHMANN, 1999). Estas
“empresas” são, na verdade, trabalhadores contratados por empreitada, ou para a prestação
de serviços (caso dos redutores de danos). Como forma de legitimar contratações sem
concurso, e sem o pagamento de direitos trabalhistas, orienta-se o trabalhador à constituição
de uma empresa, que será contratada para a execução de determinadas tarefas:
Vou te contar a história: eu entrei como prestador de
serviço, como coletador de material potencialmente
contaminado. Nunca houve um contrato. Eu recebia por
45
O município de Porto Alegre vem enfrentando problemas semelhantes ao longo do ano de 2007, com
relação às equipes do Programa de Saúde da Família (PSF). Os contratos dos trabalhadores eram
intermediados pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAUFRGS), desde
2000. Com o fim do contrato ente prefeitura e FAUFRGS, revogado diante da ausência de repasses da
prefeitura a fundação, houve a suspensão das atividades de 84 equipes de saúde da família.
61
RPA. Não tinha contrato, e não tem até hoje. Na minha
carteira de trabalho, não há nada. Nem assinada, nem...
(David)
Inicialmente, eu trabalhei 15 ou 20 dias como
voluntário. Depois assinei contrato como autônomo: eu tive
de fazer um alvará para conseguir receber como prestador de
serviços. (Chico)
A contratação de “empresas individuais”, além de não garantir direitos
trabalhistas, produz efeitos sobre a subjetividade; o sujeito pode sentir-se mais próximo de
um empresário em ascensão do que de um trabalhador com vínculos precários. Pode ser
mesmo considerada uma “precarização disfarçada”, pois o sujeito não se sente diminuído, e
sim o oposto. A noção de desfiliação de Robert Castel (2003) apresenta-se extremamente
válida. As transformações pelas quais o sujeito passa neste contexto...
[...] não tem muito a ver com um movimento de
afirmação de si – não é necessariamente o valor do
indivíduo que é prioritariamente motor num processo de
individuação, talvez seja, de fato, a desagregação o
enquadramento coletivo. (GAUCHET apud CASTEL, 2003)
Os problemas com a constituição de vínculos determinam o descumprimento de
uma série de outros direitos trabalhistas. Para quem possui registro em carteira de trabalho,
torna-se possível usufruir direitos constitucionais que cada vez mais se expressam, no
cotidiano, como “privilégios”: seguridade social em caso de doença, renda mínima em caso
de desemprego, recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Mas
para os redutores de danos, com seus contratos temporários de prestação de serviços
renovados anualmente, as coisas ficam bastante difíceis 46 .
Eu passei uma manhã inteira no INSS procurando
nossos depósitos. Me descontam há três anos, e não existe
nenhum. Levaram meu papel lá pra dentro do jurídico, e
sumiram com ele. Imagina a Anamaria, com nove anos de
trabalho. Ela chorava: “Mentira que eles descontam e não
depositam!” Não existem estes depósitos. Ninguém sabe
onde está. (Sérgio)
Mas, em que pese isto, de sermos terceirizados, nós
temos carteira assinada, e todos os direitos trabalhistas:
férias, 13º salário, estas coisas... Neste sentido, nós temos
um certo privilégio em comparação com outros redutores,
né? O único direito que nos falta, e que é comum em
46
Ver página 35.
62
trabalhadores de saúde pública, é a estabilidade no emprego.
Mas o resto... (Gastão)
Sérgio fala de uma situação bastante grave: desde que começou a ser remunerado
por seu trabalho como redutor de danos, que lhe é descontado, mensalmente, uma
determinada porcentagem de seus rendimentos a título de depósito em FGTS. Ao buscar
informações, descobre que não existe conta nem depósito, ainda que os descontos fossem
feitos mensalmente. Gastão, em que pese o sistema de terceirização pelo qual se efetua seu
contrato de trabalho, diz que ele e seus colegas de coletivo gozam de um certo privilégio
em comparação com outros redutores de danos, por terem carteira assinada e todos os
direitos trabalhistas. Ou seja: direitos trabalhistas básicos, quando estendidos a redutores
de danos, transformam-se em privilégios. Falta apenas a estabilidade no emprego 47 :
Eu não vou peitar estas pautas. Não cabe a mim. O que
eu quero é trabalhar. Tá bom assim. Eu acho arriscado, pelo
menos por enquanto. Talvez um dia, algum herdeiro meu
venha a receber isto. Outros trabalhadores fazem este tipo de
pressão porque são concursados, têm estabilidade. Nós não
temos nada disto. (David)
A estabilidade apontada por Gastão como o único direito ao qual os redutores de
danos de seu coletivo não têm acesso, é apenas mais um dos direitos aos quais David e seus
colegas não têm acesso. Não obstante, é dele que se fala diretamente, pois dele depende a
possibilidade de mobilização e organização com vistas a reivindicação dos direitos ora
negados. Enquanto isto não ocorre, é arriscado qualquer tipo de mobilização. Diz que não
lhe cabe, e nisso pode se ler um chamamento à atuação de outros atores políticos:
A possibilidade de profissionalizar o redutor de danos
vem sendo entendida como uma forma de dar maior
visibilidade e reconhecimento à RD e aos trabalhadores,
afirmando uma categoria profissional. Nacionalmente, a
discussão vem sendo estimulada pela ABORDA nos
Encontros Nacionais de Redutores de Danos. Na RMPA, a
profissionalização começa a ser discutida no Fórum
Metropolitano de Redução de Danos [...]. (RIGONI, 2006,
p. 141)
Constituída em 1997, a ABORDA surgiu com o objetivo de defender a dignidade
dos redutores de danos e os direitos das pessoas que usam drogas, mas diante dos
47
Situa-se, portanto, no centro da polêmica entre trabalhadores e gestores do campo da saúde, conforme
descrito na página 56.
63
permanentes ataques à própria idéia de Redução de Danos, foi preciso investir muita
energia na defesa das políticas e da tecnologia de Redução de Danos. Diante disto, o
próprio trabalho cotidiano transforma-se em militância na defesa da política, e os direitos
trabalhistas podem transformar-se em impedimento à realização do trabalho. Uma coisa é
dizer que é preciso contratar trabalhadores, garantir seus direitos trabalhistas, registrar
contrato em carteira de trabalho; outra é afirmar a possibilidade de contratação de uma
ONG de Redução de Danos que vai receber recursos para desenvolver o trabalho. Para um
gestor, a segunda opção costuma ser mais interessante. Talvez isto explique porque o
debate sobre a regulamentação da ocupação de redutor de danos ainda não tenha decolado.
6.5 Saúde do trabalhador
Segundo Dejours (1992), a influência do trabalho na saúde mental dos sujeitos
guarda estrita relação com a capacidade de realização pessoal, de encontrar sentido no
trabalho. Neste sentido, Merlo (2002) aponta aspectos potencialmente positivos da
acumulação flexível sobre a saúde do trabalhador: enriquecimento das tarefas; possibilidade
de obtenção de prazer no trabalho; participação na gestão do trabalho. Os aspectos
negativos são a redução do número de trabalhadores, e conseqüente sobrecarga sem
qualificação efetiva; submissão diante da possibilidade de desemprego. Diante destas
possibilidades, Merlo (2003) observa a efetivação da segunda com mais intensidade que a
primeira, numa ampliação dos casos de Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e de expansão
dos casos de sofrimento psíquico ligado ao trabalho.
Os relatos dos redutores de danos acerca de seu trabalho trazem tanto uma coisa
quanto a outra. Como já observado em alguns pontos do capítulo 6.3, há na atividade
cotidiana destes trabalhadores espaço para a incorporação de inovações impressas pelos
próprios redutores, além de um estímulo à criatividade e à ousadia. Há, portanto, espaço
para a produção do sujeito no trabalho (CAMPOS, 2005).
Assim como outras atividades num contexto de acumulação flexível, verifica-se
uma sobrecarga decorrente da diminuição da força de trabalho. Ou, no caso dos redutores
de danos, do aumento da demanda por cuidados em contraposição à diminuição da rede de
trabalhadores sociais envolvidos no atendimento a estas populações (CASTEL, 2003).
64
Eu tive um envolvimento mais profundo com a mãe de
uma usuária. Ela bebia muito, junto com o companheiro. Se
injetava com uma garrafa de cachaça do lado. A Redução de
Danos com cocaína tava acontecendo, mas o álcool
começou a vencer. Desenvolveu cirrose, e eu acompanhei
todo o processo dela. A casinha era como se fosse um
quadradinho no meio de um monte de prédios. Um vizinho
queria expandir, e eles venderam. Mas naquele negócio de
encontrar outra casa, foi toda grana. Aí tinha este terreno,
área verde, lá perto de casa. Pra ela melhorou, mas pra mim
piorou, porque eu tava mais perto ainda dela. O tempo todo,
todo o sofrimento dela, até ela ir a óbito. (Madel)
Lembro quando morreu o primeiro cara que eu acessei.
Ele tinha hepatites e Aids, e não queria fazer os tratamentos.
Até que um dia ele ligou, dizendo que estava mal, e pediu
ajuda. Levei no serviço, e ele acabou sendo mal atendido.
Ligou depois, cobrando. Eu expliquei que tem profissionais
que não têm afinidade com a profissão, que eu nem sei
porque eles estão aí... Ele acabou ficando em casa. Eu fui
saber que ele tinha falecido uns quatro dias depois. (Gastão)
A Simone é homossexual, tem trinta anos. É HIV
positivo a uns quinze. Tem cerca de um metro e meio, e
menos de quarenta quilos. É bem pobre mesmo. Dali a
pouco chegou a companheira dela, e a mãe da companheira.
E aí começou uma discussão, e da discussão começou a
violência, e nós ali. Depois eu fiquei sabendo que a Simone
nem mora mais lá, porque a mãe da menina conseguiu tirar
ela de lá. São todos pobres, frágeis... (Sônia)
Uma das principais estratégias de promoção de saúde operadas pelos redutores de
danos é a produção de vínculos, pois a criminalização do uso de drogas faz com que o
público-alvo das ações de Redução de Danos seja especialmente desconfiado (GREGIS,
2002; PICCOLO, 2001; DOMANICO, 2006). Não obstante, os vínculos produzidos têm
mão dupla, e afetam tanto usuários do serviço quanto trabalhadores. Ainda mais diante da
ausência de uma rede de atenção capaz de acolher os casos em que a atuação do redutor de
danos é incapaz de dar conta das vulnerabilidades encontradas cotidianamente:
As situações vivenciadas em campo podem acabar
gerando sofrimento para os trabalhadores, que “levam pra
casa” muitos dos problemas encontrados (e não resolvidos)
em campo. Uma das questões aqui parece ser a de se deparar
com um limite de sua própria atuação diante da
complexidade das dificuldades e vulnerabilidades da
população assistida [...]. (RIGONI, 2006, p. 135)
Uma característica específica da Redução de Danos é que parte dos trabalhadores
é formada por pessoas que usam drogas (ou usaram, muitas vezes de modo abusivo). O
65
redutor de danos tem a “[...] possibilidade de reatualizar e desenvolver o cuidado de si,
assumindo um duplo papel de ‘cuidado’ e cuidador” (RIGONI, 2006, p. 119):
Aí eu tive esta recaída, e minha esposa, no desespero,
ligou para psicóloga, porque ela sabia que não tinha
nenhuma ligação com o serviço... Porque uma coisa não tem
nada a ver com a outra, e mesmo que tenha, a gente é
redutor de danos, né? (Sérgio)
Eu tô limpo do álcool desde 2001, e da branca também.
Mas eu passo por um copo de graspa, aquele cheirinho de
destilado... Me faz eu babar. E eu sei que é a bebida que me
leva. Então, é só o meu baseado; quero parar também um
dia. Se não parar, pelo menos diminuir. (David)
Em vários encontros, eu já vi conversas do tipo: “Onde
é que está o fulano?”, e o outro: “Tá louco lá em cima!”. Eu
penso que às vezes esta coisa de negar a abstinência faz com
que tu pense que não tem como ajudar o cara. E na verdade
tem. Tu pode ajudar muito este camarada, pra que ele possa
viver com este uso. A gente deixa isto passar direto, por
diversas razões: por achar que o cara é forte o suficiente, e
que ele está munido dos instrumentos para sobreviver com o
uso, e às vezes ele não está. (Chico)
Vemos que os redutores de danos, assim como outros trabalhadores sociais
(saúde, educação, assistência social...), demandam supervisão e suporte em função do stress
emocional ao qual encontram-se vulneráveis. No caso específico dos redutores de danos
com histórico de uso de drogas, há ainda esta possibilidade de uma demanda específica
com relação ao manejo do uso de drogas. Isto vem ocorrendo?
Uma vez por mês a gente faz um churrasco, alguma
coisa. Além disto, eu sou espírita. O modo como eu dou
conta disto é indo lá, estudando... Tem mais quatro que são
espíritas. Outro prefere tomar uma cerveja de tardezinha.
Isto é uma partezinha, a gente sabe. Mas eu consigo me
centralizar assim. Porque tem horas que a redutora, não tá
tão equilibradinha. A Sônia precisa de cuidados. (Sônia)
O espaço é o da reunião de equipe. Ali a gente expõe as
dificuldades, os problemas. Mas não existe um profissional
pra isto, pra ouvir... De certa forma, acho que isto faz falta.
Porque mexe com a gente. E às vezes apenas este espaço do
grupo não dá conta, especialmente em função da relação que
temos com os usuários, no campo. (Gastão)
Acho que este encontro dá conta sim. Uns 80%.
Também a gente conversa entre si. Tem os parceiros que às
vezes usam demais, abusam, precisam de apoio. Aí tem o
CAPS; se pinta um stress comigo, o pessoal orienta a ir no
CAPS. Mas tem um espaço pra escuta, sim, que é nesta
reunião semanal. Além disto, nossa coordenadora é muito
boa. Ela participa desta reunião. (David)
66
Nota-se nos três excertos os relatos referentes a estratégias pouco ou nada
sistematizadas de cuidado do cuidador. Sônia explica como ela e seus colegas, cada um por
si, garantem alguns cuidados de que necessitam. Gastão aponta a reunião de planejamento
como um possível espaço de cuidado, mas sente que só isto não basta, enquanto David diz
que as reuniões semanais dão conta de uns 80% dos problemas. Seguem abaixo alguns
trechos nos quais são relatadas experiências com um cuidado um pouco mais sistematizado:
Com certeza, um suporte em saúde mental é muito
importante para os redutores de danos. Eu faço psicoterapia.
Tenho a possibilidade de ter acesso a isto. Mas eu nunca
cheguei a falar disto na terapia. É aquela coisa: tu tá falando
sobre outras coisas da tua vida, e de repente estas outras
coisas, se não fossem faladas ali, iam interferir no teu
trabalho. (Emerson)
Teve um momento em que eu tive vontade de usar
cocaína. Por causa desta transição, filha recém-nascida, eu
acabei brigando com minha mãe. Aí eu fui indo lá,
conversando com o pessoal, com a coordenadora. Isto
aconteceu com outros colegas também, de conversar sobre
coisas que incomodavam. Mas hoje dificultou bastante.
(Chico)
Tem uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional que
foram fazer uns trabalhos lá. Se engajaram no trabalho,
foram conversar com as meninas. Uma delas se identificou
com o trabalho, e ficou de voluntária. Então tem ela e a
Jandira, que é estagiária de psicologia. Às vezes eu tô lá, e
ela chega: “E aí Madel? Tá bem hoje? Que é que tu tem?
Quer conversar?”. É uma pessoa bem atenciosa. Eu cheguei
a fazer terapia com ela um tempo. (Madel)
Emerson tem acesso à psicoterapia, mas isto não tem nada a ver com o seu
trabalho em Redução de Danos. Sua declaração a respeito da importância de um suporte em
saúde mental vem com o peso de quem faz uso de uma tecnologia deste tipo, e aprova. De
modo muito semelhante, Chico relata um momento em que o apoio mais cuidadoso foi
importante para a superação de um momento delicado de sua vida, em que o uso de drogas
apresentava-se iminente. Madel descreve de que modo as redutoras ligadas ao coletivo do
qual faz parte beneficiam-se do trabalho voluntário de psicólogas e outros cuidadores que
aproximam-se da equipe com o objetivo de colaborar com o trabalho realizado. Rigoni
também abordou este tema em sua dissertação, e percebeu realidade semelhante:
Apesar de não termos questionado os programas a
respeito do porquê de não haver tal formato de supervisão,
podemos aqui inferir que diante da precariedade do trabalho,
do financiamento insuficiente, mesmo para as ações mais
67
corriqueiras, uma assessoria psicológica seria “um luxo”,
que precisa ser dispensado mesmo que o custo seja alto para
a saúde dos trabalhadores. Neste sentido, uma saída imediata
poderia ser a parceria com universidades na abertura de
estágios, o que poderia proporcionar uma vivência ímpar
para os estudantes em um cuidado necessário para os
trabalhadores. (RIGONI, 2006, p. 137-138)
A colaboração voluntária de profissionais recém formados (ou em formação) pode
ser bastante importante, em diversas áreas de atuação (escrita de projetos, organização de
dados, escrita reflexiva, atendimentos, escuta clínica...). Porém, é preciso algum cuidado,
para que a contribuição não produza efeitos negativos:
Aí eu tive esta recaída, e minha esposa, no desespero,
ligou para psicóloga, porque ela sabia que não tinha
nenhuma ligação com o serviço. Esta psicóloga na mesma
hora ligou pra coordenação: “Bah! O cara tá louco, o cara tá
assim, assado...”. E a coordenação me ligou na hora: “Vai
pro inferno!”. E me mandou pra rua. Estão todos lá,
desesperados: “Pô! Um cara com um baita potencial”.
(Sérgio)
A psicóloga ofereceu-se para atender aos usuários do serviço, e acabou assumindo
a escuta dos próprios redutores, voluntariamente. Envolveu-se, portanto, com o campo da
Saúde do Trabalho. Diante da recaída em uso de álcool por parte de um redutor de danos,
sua atitude afronta a norma mais elementar do código de ética, não só do psicólogo, mas de
qualquer trabalhador da saúde: o sigilo 48 . Ao invés de acolhimento, o redutor é demitido
pela coordenadora, devido a intervenção da psicóloga que deveria cuidá-lo 49 .
6.6 Renda e reconhecimento
Questões como renda, direitos trabalhistas, contratos de trabalho, incidem sobre
dimensões objetivas e subjetivas da experiência humana. Uma política salarial diz respeito
não apenas à garantia de uma existência digna do ponto de vista material, mas também ao
48
Sabidamente, os trabalhadores temem buscar os médicos contratados por seu empregador, justamente em
função de temor a respeito do sigilo.
49
Quando expliquei a Sérgio o foco de minha pesquisa, de pronto ouvi o relato acerca de sua demissão,
ocorrida dois dias antes da entrevista. Estava especialmente sensibilizado com o apoio que recebeu de seus
colegas de equipe. O dia seguinte ao da entrevista, ocorreria a reunião semanal, para a qual anunciavam a
defesa, junto à coordenação do serviço, de seu retorno à equipe.
68
reconhecimento de uma determinada atividade. No caso dos redutores de danos, isto se
torna ainda mais importante, por tratar-se de uma categoria em pleno processo de
constituição, com fronteiras ainda mal delimitadas (BOURDIEU, 2006). Mas este
reconhecimento não está ligado apenas aos rendimentos provenientes da atividade:
A sala dos redutores ficava lá no porão, numa sala bem
no fundo. Quando era a hora do redutor chegar, ele era
expressamente proibido de circular no prédio; tinha de
chegar e ir pra sala. Na outra sede, também tinha a sala do
PRD, numa situação parecida, só que aí era no sótão, e era a
mesma coisa: o redutor de danos tinha de subir pra lá, e ficar
por lá. Não podia ficar circulando. Isto começou a me
angustiar. (Gastão)
Me senti um cu. “Será que meu trabalho é tão ruim
assim? Será que eu sou tão incompetente? Como é que este
pessoal consegue?”. Mas aí, com o tempo eu fui
aprendendo: Redução de Danos é o que eu faço mesmo. A
Redução de Danos é um modo de pensar. O que importa é a
Saúde Coletiva, na verdade. “Vou dizer que distribui 100
seringas porque eu preciso disto”. Não adianta! (Madel)
Na verdade a prefeitura não está dando a mínima para a
Redução de Danos. Uma prova é que o secretário da saúde
nem apareceu aqui hoje, e se absteve na reunião do
Conselho Municipal de Saúde, e na aprovação do PAM
deste ano. Tu estás trabalhando com pessoas que, a partir do
contato com o redutor de danos, passa a ver à vida de uma
outra forma, passa a se respeitar. (Chico)
Falta também, e isto é muito importante, o
reconhecimento, e mais reconhecimento. Não é dizer que
somos os caras; mas saber da importância do que a gente
faz. Saber da ligação que nós fazemos com este público, tão
falado: usuário de drogas, morador de rua, pessoas em
situação de extrema vulnerabilidade. (Sérgio)
Gastão explica os motivos pelos quais solicitou desligamento do coletivo no qual
atuava, durante o ano de 2002: a sala destinada ao serviço, o preconceito, a limitação
quanto à circulação, o deboche, tudo no seu relato grita por reconhecimento. Madel fala de
um outro nível de reconhecimento, não da parte dos gestores, mas dos próprios redutores de
danos de outros coletivos, enquanto Chico exige dos gestores uma postura mais efetiva na
defesa da redução de Danos. Sérgio, por fim, relembra a capacidade dos redutores de danos
em mediar conflitos, discursos, interesses 50 . Por trás destes problemas, pode-se perceber a
influência de estigmas alicerçados em um discurso médico-moral:
50
Como já referido em excerto na página 44.
69
[...] grande parte da dificuldade se localiza na postura
de profissionais da rede que estigmatizam o usuário como
não sendo merecedor de atendimento digno como outros
cidadãos, e que julgam o trabalho da redução de danos como
um incentivo ao uso de drogas, ou ainda como um nãotrabalho. (RIGONI, 2006, p. 91)
A renda, como já dito anteriormente, é também um símbolo de reconhecimento.
Mas, qual a importância da renda recebida pelo trabalho com Redução de Danos?
Eu faço uns bicos, uns biscates, como pintura e coisas
do tipo. E eu ganho mais dinheiro com isto do que com o
PRD. Claro que a grana do PRD é importante, mas...
(Gastão)
Eu cuidava de crianças soropositivo, e morava com a
mãe delas. Então não tinha gasto com alimentação, e não
precisava tomar ônibus. Eu não tinha gastos. Claro que tu
fica privada de algumas coisas, mas mesmo assim... Eu era
sozinha. O que tinha pra comer eu comia, o que tinha pra
vestir eu vestia. (Madel)
Esta grana do PRD é minha única fonte de renda. Muito
raro aparece alguma oficina pela ONG, eventualmente.
(Sérgio)
Quando não vem este, faz falta. Mas o mais importante
é o que eu ganho em outros lugares. Eu não posso dedicar
mais que dois dias por semana para a Redução de Danos,
porque eu tenho que trabalhar em outros lados para me
sustentar. Demanda há. (Sônia)
É curioso ver que Gastão diz amealhar mais dinheiro por meio de biscates, do que
com o trabalho de Redução de Danos. Segundo ele mesmo, isto nunca foi razão para pensar
em desligamento do coletivo com o qual possui vínculos. Sentia-se desrespeitado pelo
tratamento que recebia das pessoas do seu convívio mais direto, mas não se sente assim
diante de uma remuneração que não é capaz de garantir sua subsistência. É o mesmo caso
de Sônia, que também possui outras fontes de renda, e diz que só pode dedicar dois dias por
semana ao trabalho de Redução de Danos, pois precisa dos outros dias para sustentar-se. Já
Madel e Sérgio deixam claro que os recursos oriundos do PRD são sua única fonte de
renda; em algum momento de sua vida, ela dedicou-se ao cuidado de algumas crianças
soropositivos, mas nunca chegou a receber por isto, ao passo que ele afirma que muito
raramente consegue executar alguma oficina por meio de um outro coletivo ao qual está
vinculado.
Eu recebo menos de um salário mínimo. Mas eu não sei
se isto é razoável, porque eu nunca parei pra pensar sobre
70
isto. Às vezes eu acho que o dinheiro é um limitador pra que
eu possa fazer mais coisas. Se fica com a corda no pescoço.
(Madel)
A gente não entrou porque ia ganhar isto. Claro que
seria bom, se fosse regulamentado e tudo. Mas o que a gente
recebe é ajuda de custo, porque todos nós temos outras
fontes de renda. (Sônia)
Eu recebo pelo meu trabalho, mas não acho isto
razoável. Eu recebo 200 pelo PRD, e 200 pelo projeto.
Quanto ao projeto, eu estou feliz; quanto à grana do PRD, eu
me sinto mal de receber, porque eu trabalho uma vez por
semana, e é foda. O PRD é muito superficial, não tem
abordagem qualitativa. Perguntar se o que eu ganho é
razoável, eu acho que é... Pelo tipo de merda que é feito...
Eu não gostaria de receber 500 reais por isto; eu me sentiria
mal. (Emerson)
Madel e Sônia recebem menos de um salário mínimo por suas atividades de
Redução de Danos. Situam-se, portanto, na mesma faixa que 27,6% das pessoas que
trabalham com Redução de Danos no Brasil, contra 33% que não recebem nada. Quando
fazemos um recorte que reúne apenas os redutores de danos, o percentual de trabalhadores
recebendo menos de um salário mínimo sobre para 40,8%, contra 29,5% que não recebem
nada. Ambas não demonstram preocupação com relação a este aspecto. Já Emerson
preocupa-se, mas com a qualidade do serviço pelo qual está sendo pago. Ele recebe duas
remunerações, oriundas de projetos distintos, ambas no mesmo valor, mas explica que se
sente mal por considerar que o trabalho apresentado está aquém do recurso que lhe cabe.
O levantamento situacional produzido pela ABORDA também informa que 47,3%
dos coletivos brasileiros de Redução de Danos operam a partir de redutores de danos
considerados voluntários:
Pensando o trabalho voluntário pela via da
precarização, podemos afirmar que a prioridade de
contratação de pessoas que realizam um período de
voluntariado acaba por estimular a continuidade desta forma
de trabalho. (RIGONI, 2006, p. 149)
Diante da ausência de regulamentação (ou da existência de uma regulação
ineficiente), emerge uma imensa diversidade de diferentes formas de contrato, não só em
diferentes instituições e municípios, mas dentro de uma mesma organização ou cidade. Ao
71
longo do tempo, um mesmo redutor pode ter distintos contratos para garantir vínculos com
um mesmo coletivo 51 . Além disto, as faixas salariais também podem ser diferentes:
Eu vinha mal há tempos, com o salário, tudo, com três
filhos... Minha mulher é babá, e ganha mais do que eu, por
incrível que pareça. O que eu recebo fica na faixa entre um e
dois salários. Tem vale-transporte, mas é outra coisa, porque
ele garante que a gente vá até as atividades, e só. (Sérgio)
Eu tô com 560 reais, mais 60 pelo cartão Refeisul. Já
tive períodos de ganhar 2 salários. Mesmo eu tendo sempre
o mesmo vínculo, o salário vai mudando. Ou seja: mesmo
que a gente venha conquistando alguns direitos, ainda assim
a gente vem recebendo menos do que recebia no início. Faz
3 anos que eu não tenho aumento no básico. (David)
Eu recebo entre 1 e 2 salários mínimos, mais adicional
noturno e insalubridade, e 230 reais em vale-alimentação e
vale-transporte. (Chico)
Sérgio e David recebem entre 1 e 2 salários mínimos. Situam-se, portanto, junto a
outros 23,3% de trabalhadores da Redução de Danos; quando isolados apenas os redutores,
a porcentagem sobe para 26,2%. Chico situa-se junto a 7,6% que recebem entre 2 e 3
salários; quando se isola apenas os redutores que recebem rendimentos nesta faixa,
percebe-se que o caso de Chico é raro: apenas 3,3% estão com ele.
Mas os problemas dos redutores quanto à remuneração por sua atividade não estão
apenas nos baixos valores. Além de parcos, os salários não raro atrasam, resultando em
inúmeros problemas, com os quais os redutores são obrigados a acostumar-se:
Já me aconteceu de ficar dois ou três meses sem
receber. Isto era um problema. Nestes casos, eu tinha de me
virar ainda mais, pra não ficar totalmente sem dinheiro. Isto
é muito frustrante. Eu ficava angustiado. (Gastão)
Já fiquei cinco, seis meses sem receber. Na cidade onde
comecei, em 2001, é assim: janeiro, fevereiro e março, eles
te pagam em abril. Aí depois tu fica mais 3 meses sem
receber. (Madel)
Tanto nos casos de PRD’s governamentais, quanto com ONG’s, a realidade dos
salários que atrasam se repete. O caso das ONG’s relaciona-se a eventuais problemas na
liberação de parcelas de recursos angariados junto a agente financiadores, tanto estatais
51
Como referido por David no excerto da página 57.
72
quanto ligados a outras fontes (fundações internacionais ou recursos oriundos da iniciativa
privada):
Em muitas ocasiões o trabalho voluntário sustenta as
ações de campo durante os períodos de atraso de repasse,
porém, com atrasos prolongados geralmente diminui-se o
número de integrantes nas equipes e, por vezes, o trabalho
tem que parar, já que os trabalhadores têm que conseguir seu
sustento em outros locais. (RIGONI, 2006, p. 130)
O caso dos PRD’s municipais é distinto, pois o problema está relacionado a
períodos de instabilidade política (troca de secretário de saúde ou coordenador das políticas
de Aids), ou nos momentos em que é preciso renovar o contrato de prestação de serviço. Ou
seja: nestes casos, a razão dos atrasos é distinta das ONG’s, e está diretamente relacionada
à fragilidade dos vínculos contratuais entre trabalhadores e município; houvessem contratos
construídos de modo formal, e não haveria esta fragilidade em tempos de transição política.
73
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início do percurso de análise das entrevistas, foi possível perceber uma atitude
altruísta por parte dos redutores de danos, como se sua atividade fosse uma missão. Além
disto, aparecem já no capítulo 6.1 alguns aspectos daquilo que Castel referencia como
flexibilidade interna, ou seja: imperativo contemporâneo para que o trabalhador adapte-se
às mais distintas necessidades em seu cotidiano de trabalho.
Mais adiante, vimos que os redutores de danos consideram à ausência de uma rede
de atenção capaz de acolher às demandas produzidas por seu trabalho como um fator que
compromete suas condições de trabalho. Há um intenso sofrimento resultante desta
fragilidade do SUS, que vai reaparecer no capítulo destinado à saúde do trabalhador.
No trecho em que se analisaram dimensões ligadas à organização e gestão,
percebeu-se que a divisão do trabalho é extremamente flexível quando no trabalho de
campo, novamente nos trazendo aspectos de flexibilidade interna. No entanto, quanto à
divisão administrativa do trabalho, há rigidez e hierarquia, o que também foi verificado por
Rigoni (2006) em sua pesquisa, que se reporta à divisão entre técnicos e redutores.
Quanto aos vínculos, percebe-se toda a heterogeneidade que caracteriza o período
de acumulação flexível: contratos temporários, empresas individuais, ausência absoluta de
vínculos, utilização de ONG’s como empresas de terceirização, prefeituras que buscam
apoio em instituições que anunciam as fundações discutidas no âmbito da 13ª Conferência
Nacional de Saúde 52 . Vemos aqui a validade do conceito de flexibilidade externa, também
de Castel (2003), que designa justamente esta miríade de possibilidades de vínculo
empregatício, num contexto pós-sociedade salarial.
No capítulo destinado à saúde do trabalhador, percebeu-se um extremo sofrimento
psíquico relacionado ao trabalho, o que nos reporta a Dejours (1992), e mais localmente, às
pesquisas de Merlo (2002; 2003). Diante disto, impressiona o quase nenhum investimento
em termos de supervisão ou suporte em saúde mental às equipes; nos raros relatos em que
há suporte, este se dá de modo voluntário, totalmente são sistemático.
52
Conforme referido na página 45.
74
Por fim, a análise da dimensão de reconhecimento e renda nos indica, mais uma
vez, elementos de uma flexibilidade externa (CASTEL, 2003). As modalidades de
regulamentação da remuneração são distintas entre os redutores, e para um mesmo
trabalhador ao longo do tempo. Quanto ao reconhecimento, este demonstra-se nulo, como
já demonstrado na dissertação de Rigoni (2006).
Um estudo como este possui estatuto sempre provisório, por certo. Não obstante,
parece-nos possível semear dúvidas em searas habitadas antes por certezas tão precárias
quanto o trabalho dos redutores de danos. Ao que tudo indica, os modelo de contratação
destes trabalhadores, diferente do que se diz nas conversas informais entre aqueles que se
dedicam ao tema, não é fruto da mera impossibilidade de se garantir a contratação formal
de pessoas com as características desejadas em um redutor de danos, mas de lógicas
expressas nas propostas do Banco Mundial para o setor saúde no Brasil.
Não só os contratos: algumas das características tidas como próprias dos redutores
de danos apresentam-se muito próximas do que se exige de um trabalhador qualquer em
tempos de acumulação flexível: ampliação do repertório de competências, capacidade de ir
além do esperado, ampliação do tempo dedicado ao trabalho sem pagamento de horasextras, sobrecarga de atividades face o desaparecimento de postos de trabalho.
Distintas formas de precariedade do trabalho em saúde podem ser vistas no
cotidiano do SUS. Médicos, enfermeiros, psicólogos, trabalhadores de nível médio, todos
são exigidos à exaustão. Durante os anos de formação, residentes de medicina são expostos
a níveis de pressão extremos, com a justificativa de que é preciso preparar-se para o que
virá. Buscou-se com este trabalho não uma definição dos redutores de danos como os
únicos trabalhadores do campo a viverem tais situações, mas demonstrar de que maneira os
efeitos da acumulação flexível podem sentir-se em casos específicos, como o apresentado.
Diante de um trabalho tão difícil, que envolve tanto sofrimento, precarizado e não
reconhecido, seria de se esperar que os redutores de danos manifestassem desejo por trocar
de atividade. É um discurso recorrente no campo, especialmente entre gestores e
coordenadores de PRD’s, que a Redução de Danos é uma passagem na vida da pessoa, que
75
deverá buscar uma outra ocupação depois de um tempo 53 . Não obstante, encontram-se
redutores com mais de dez anos de atividade, e apenas um dos entrevistados manifestou o
desejo de dedicar-se a alguma outra atividade em um futuro incerto. Diz que vai “plantar
bromélia e criar javali”, diante do que podem ser feitas distintas leituras: pode-se dizer que
o redutor deseja dedicar-se a qualquer coisa, ou que ele busca algo mais ligado a universo
bucólico, campestre... Nada mais distante do miolo do bagulho.
Mas, por que os redutores de danos, mesmo diante de toda a precariedade, de toda
a ausência de reconhecimento, de todas as vulnerabilidades expostas ao longo das páginas
deste trabalho, não desejam abandonar a atividade? A resposta para esta questão, pelo
menos a partir do que foi possível encontrar nas entrevistas, coincide com as respostas
encontradas por Rigoni: o trabalho com Redução de Danos permite uma experiência de si
que é demasiado importante ao sujeito, e que reverbera em uma dimensão de militância que
confere sentido às fragilidades relacionadas à atividade:
Eu sempre fui meio militante. Os redutores têm que se
apropriar, não ficar esperando pelo gestor para fazer política.
Tem que participar da elaboração de projetos, de tudo isto
aí. Dentro de uma ONG, tem de participar na formulação de
projetos; numa OG, tem de pressionar o gestor, ficar em
cima. É isto aí. (Sônia)
É claro que existem redutores e redutores, mas por
menos preocupado que ele esteja em se qualificar para a
militância (seja lá o que se quer dizer com “militância” –
porque às vezes o cara tá fazendo militância, mas nem se dá
conta, ele só tá fazendo...), sempre vai haver ali algo
importante para se refletir sobre o cuidado em saúde. Ele
tem um pressuposto, e vai acessar as pessoas a partir deste
pressuposto. O redutor de danos é um agente heterodoxo no
campo. (Emerson)
Fiz uma capacitação pro pessoal que vai trabalhar no
NASCA [Núcleo de Atenção à Saúde da Criança e do
Adolescente], foram três turmas, em três turnos. Por que
ficar o dia inteiro falando para pessoas de faculdade, que
ganham muito melhor do que eu? Porque eles vão trabalhar
com as pessoas com quem eu trabalho! É daí que vem tanta
vontade de ajudar, de contribuir. Vamos falar o que rola lá, o
que são aquelas crianças, e de que forma se faz. (Sérgio)
53
Em um seminário de articulação do movimento de Redução de Danos, realizado na cidade de São Paulo em
dezembro de 2006, pude ouvir da coordenadora de um PRD paulista que não se pode lutar pela
regulamentação da ocupação de redutor de danos, porque esta atividade é, na verdade, espaço de recuperação
para pessoas com uso problemático de drogas. “Fosse esta a proposta, a RD se resumiria a ‘dar emprego’ a
usuários de drogas, e não é esta a finalidade” (RIGONI, 2006, p. 109-110).
76
Hoje eu não sou uma militante da Redução de Danos;
eu sou uma militante da causa das profissionais do sexo. Eu
incorporei... Porque eu sempre fui uma pessoa muito
preconceituosa com relação às profissionais do sexo. Eu não
sou usuária de drogas, e sou militante; não sou soropositivo,
mas sou militante. E fico louca quando ouço alguém ofender
um soropositivo. É como se fosse comigo. (Madel)
Nos excertos de entrevistas apresentados logo acima, podem ser observados os
diferentes sentidos atribuídos à militância: pressão sobre os gestores, reflexão crítica sobre
o trabalho em saúde, sensibilização da rede de atenção ou a defesa da dignidade do públicoalvo das ações. De modo muito semelhante, Rigoni percebeu que os redutores de danos
conferem à sua atividade sentidos que estão para além da mera troca da força de trabalho
por dinheiro:
Neste contexto, podemos pensar no trabalho como uma
atividade que possui um significado na vida do trabalhador
que vai além de ser um “meio de sobrevivência”. O trabalho
passa a ser considerado como uma atividade que visa à
transformação de condições sociais percebidas como
indignas ou insuficientes a partir de vivências do próprio
trabalhador, que passam de um estatuto privado para uma
luta vinculada a um movimento social. (RIGONI, 2006, p.
153-154)
Neste sentido, há uma reflexão importante que pode reverberar daqui, sem
resposta satisfatória até o momento: este sentimento de militância, muitas vezes ligado a
um projeto emancipatório, não estaria servindo como contra-ponto à precariedade? Este
sentimento que muitas vezes impulsiona a ação política dos trabalhadores, não seria
justamente o que bloqueia a mobilização dos redutores? Numa rede de sentidos que
inscreve a militância como mobilização em defesa do público-alvo, e da própria Redução
de Danos, entendida como tecnologia de cuidado (uma militância epistemológica?), a
defesa dos direitos dos redutores talvez seja compreendida como algo que põe em risco ao
trabalho. Algo para estudos futuros.
Além disto, uma outra questão que suscita curiosidade para estudos futuros, diz
respeito ao impacto da fragilidade da rede de atenção às pessoas que usam drogas na saúde
mental dos redutores de danos. Como referido anteriormente, vive-se um período de intenso
debate epistemológico no campo da saúde acerca da noção de distanciamento. Há tempos a
noção parsoniana que encerrava médicos e pacientes em papéis sociais rígidos não é um
77
consenso no campo da saúde, e os debates a respeito do afecto (compreendido como a
capacidade de deixar-se afetar, e não como sentimento de carinho em seu sentido vulgar)
ocupam espaço cada vez mais relevante, não só em âmbito acadêmico, mas também entre
as políticas de governo 54 . O sofrimento a que trabalhadores de saúde – e não apenas os
redutores de danos – estão sujeitos na contemporaneidade passa a ser atravessado por estas
duas dimensões: uma relacionada aos efeitos da precarização das relações de trabalho, e
outra relacionada a novas formas de ver o trabalho em saúde (DIÓGENES, 2003;
KESSLER, 2005). Diante disto, qual o papel da saúde do trabalhador? Uma clínica política,
no sentido deleuzeano, ou uma clínica fármaco-medicalizada? (PASSOS & BARROS,
2004)
Os redutores de danos têm muitas contribuições a trazer, não só para os usuários
dos serviços e suas redes sociais, mas para o campo da Saúde Coletiva. Suas noções
transgressoras quanto ao modo de pensar o território, no espaço e no tempo, a forma de
reforçar a autonomia do campo da saúde face os atravessamentos das políticas criminais, e
mesmo a desacomodação diante das relações verticais entre trabalhadores e usuários dos
serviços de saúde. Neste sentido, a regulamentação da ocupação de redutor de danos no
âmbito do SUS é importante, não só para os próprios redutores, mas para a reforma da
Reforma defendida por muitos militantes da Reforma Sanitária. Por isto mesmo, as últimas
considerações deste trabalho não serão minhas, mas do redutor a quem chamei de Emerson,
numa homenagem ao sanitarista Emerson Merhy:
A gente tem um certo modo de pensar o trabalho em
nossa sociedade. Se o redutor de danos está trabalhando no
campo, seguindo o fluxo, ele precisa admitir que existe um
processo se dando ali, e que este processo não é
normatizável. Tu pode até querer normatizar, mas aí tu vais
estar limitando os teus instrumentos. Por exemplo, tu podes
decidir que vai na casa das pessoas; quando tu encontrar
pessoas que não tem casa, já perdeu. Estas pessoas tu não
vai acessar. Tem coisas que se precisa sempre estar revendo,
e a Redução de Danos tem muito disto. (Emerson)
54
A Política Nacional de Humanização (PNH) é a própria política de saúde do governo Lula, e opera de modo
transversal a todas as outras políticas e programas do Ministério da Saúde. Dentre os resultados desejados
desta intervenção, destacam-se a garantia de direitos dos usuários, a valorização do trabalho na saúde e a
gestão participativa nos serviços (fonte: folder institucional da PNH).
78
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85
ANEXO 1
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM REDUTORES DE DANOS
86
• DESCREVA SEU TRABALHO NO DIA A DIA:
a.
Este trabalho é individual, ou coletivo?
b.
No campo, é individual ou coletivo? Como é?
c.
Fora do campo, existem momentos coletivos? Como são?
d.
Como é o coletivo do qual você participa?
e.
Existe uma divisão de tarefas no coletivo? Como é esta divisão?
f.
Os redutores participam das decisões que envolvem projetos, impressos, relatórios?
g.
Vocês conseguem parar para refletir sobre o trabalho que estão realizando?
h.
Como são estes momentos?
i.
Você acha estes momentos importantes?
j.
Estes momentos de reflexão são considerados como tempo dedicado ao trabalho?
• COMO É SEU VÍNCULO COM O COLETIVO?
a.
É uma OG ou uma ONG?
b.
São quantos redutores?
c.
Há algum tipo de contrato de trabalho entre vocês e a organização? Como é este contrato?
d.
Além dos redutores, existem outras pessoas que participam do trabalho?
e.
De que modo estas pessoas participam do trabalho?
f.
Há algum tipo de contrato de trabalho entre estas pessoas e a organização?
g.
É um contrato diferente do que existe para os redutores de danos?
h.
Caso seja, em quê eles são diferentes?
• COMO SÃO SUAS FONTES DE RENDA?
a.
Você recebe pelo seu trabalho? Quanto recebe?
b.
Considera esta remuneração razoável pelo seu trabalho?
c.
Qual o papel desta remuneração em sua vida cotidiana?
d.
Há regularidade nesta remuneração? Que regularidade é esta?
e.
Há estabilidade nesta remuneração?
f.
Caso não exista estabilidade, como você se relaciona com isto?
• COMO SÃO SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO?
a.
O que você precisa para desenvolver suas atividades?
b.
Você tem à sua disposição tudo de que necessita para desenvolver sua atividade?
c.
O que costuma faltar? Por que? Tem como resolver? Como?
d.
Como se dá o deslocamento para o campo? Com que recursos?
• COMO É SEU TRABALHO NO COTIDIANO?
a.
Com que tipo de situação você se depara no trabalho cotidiano?
b.
Você já viveu alguma situação estressante, violenta ou perigosa no trabalho?
c.
Você se sente preparado ou apoiado para se deparar com este tipo de situação?
d.
Vocês têm algum tipo de supervisão? Individual? Coletiva? Ambas?
87
• O QUE É UM REDUTOR DE DANOS?
a.
Como você chegou na Redução de Danos?
b.
Como você está hoje?
c.
E o que é que você faz?
d.
Isto é o que todo redutor de danos faz?
e.
Se não for, o que há de diferente em sua atividade, daquilo que todo redutor de danos faz?
f.
O que é que há em sua atividade, que todo redutor de danos faz?
g.
O que é ser um redutor de danos?
h.
Estas definições: em que momentos cada uma delas se manifesta?
• O QUE VOCÊ ENTENDE POR REDUÇÃO DE DANOS?
a.
É uma idéia?
b.
Se for uma idéia, que idéia é esta?
c.
Esta idéia vai para a prática?
d.
Se for, como esta idéia vai para a prática?
e.
É uma política?
f.
Como assim, uma política?
g.
É um jeito de fazer saúde?
h.
Como é este jeito?
i.
É saúde?
j.
Como assim, saúde?
k.
Pode-se dizer que existe algo como o “Campo da Saúde”?
l.
Se for, pode-se dizer que a Redução de Danos é um ator político deste campo?
m. Caso seja, como este ator se posiciona no campo?
DIMENSÕES DE ANÁLISE DA PRECARIZAÇÃO
•
SALÁRIO E SUSTENTABILIDADE
•
STRESS, SAÚDE E AMBIENTE
•
NATUREZA DO VÍNCULO DO TRABALHO
•
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
•
CONDIÇÕES DE TRABALHO
DIMENSÕES DE ANÁLISE DA IDENTIDADE NO TRABALHO
•
A REDUÇÃO DE DANOS
•
O REDUTOR DE DANOS
88
ANEXO 2
INSTRUMENTOS DE LEVANTAMENTO SITUACIONAL – ABORDA
89

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