MÉDIO ORIENTE Bibi refém dos seus parceiros

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MÉDIO ORIENTE Bibi refém dos seus parceiros
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Expresso, 9 de maio de 2015
PRIMEIRO CADERNO
MÉDIO ORIENTE
BREVES
Bibi refém dos seus parceiros
Bastião houthi
bombardeado
Netanyahu conseguiu formar Governo em Israel, mas fica vulnerável a ‘extorsões políticas’
Quando cantou vitória nas legislativas de 17 de março, após
quase todas as sondagens o colocarem no papel de perdedor,
Benjamin Netanyahu nunca esperaria que a formação de Governo lhe desse tantas dores de
cabeça. As negociações esgotaram os 42 dias previstos por
lei. Quarta-feira, a 90 minutos
do fim do prazo, o primeiro-ministro garantiu finalmente uma
maioria.
“Comparado com o Governo anterior, o novo executivo
é, ideológica e politicamente
mais coerente. Está mais ancorado na direita conservadora
e religiosa do espetro político
israelita”, comenta ao Expresso
Bruno Oliveira Martins, ex-analista político da delegação da
União Europeia em Telavive.
“À partida, questões como os
subsídios à população haredim
(ultraortodoxa), o papel da religião no Estado ou o carácter
judaico de Israel estão no topo
da agenda.”
Governo a cinco
Cinco partidos integram a coligação governamental: o Likud
(direita), do primeiro-ministro; o Kulanu (centro-direita),
centrado nas questões económicas; dois partidos religiosos
ultraortodoxos, o Shah e o
Judaismo da Torah Unida; e a
Casa Judaica, liderada pelo ultranacionalista Naftali Bennett,
apoiante do movimento de colonos no território palestiniano
da Cisjordânia. No Knesset, o
Executivo será apoiado por 61
dos 120 deputados. “O Gover-
O primeiro-ministro de Israel tem o apoio de 61 dos 120 deputados FOTO RONEN ZVULUN/REUTERS
no irá estar permanentemente
refém das posições dos parceiros da coligação para qualquer
decisão importante, o que pode
levar a chantagens e ‘extorsões
políticas’. A forma como Bennett encostou Netanyahu à
parede nos últimos dias deixa
antecipar isso mesmo.”
Na reta final do processo
negocial, Netanyahu perdeu
o apoio de um aliado, Avigdor
Lieberman, seu ministro dos
Negócios Estrangeiros e líder
do ultranacionalista Yisrael
Beitenu (extrema-direita). E
viu-se forçado a chegar a acordo com a Casa Judaica, de
Bennett, que exigiu para o seu
partido as pastas dos Negócios
Estrangeiros e da Justiça. Por
fim, acabou por ficar com as
pastas da Justiça, entregue à
engenheira Ayelet Shaked, de
39 anos, e da Educação, que
ficará para Bennett.
Neste cenário de instabilidade, Bruno Oliveira Martins,
professor auxiliar na Universidade de Aarhus, da Dinamarca,
antecipa duas questões dominantes: “A subida dos temas
religiosos ao topo da agenda
política e o carácter decisivo
que questões judiciais vão ter
nas próximas semanas. O princípio da separação de poderes
está seriamente ameaçado por
reformas que Netanyahu tem
tentado introduzir na composição e funcionamento do Supremo Tribunal, de forma a limitar
o controlo judicial destes sobre o sistema político”. As duas
tendências, diz o analista, estão
relacionadas. “O Supremo Tribunal é visto pela direita como
expressão do esquerdismo liberal e, sobretudo, secularista,
que pretende combater.”
Como fica a Palestina?
Durante a campanha eleitoral,
as questões que mais interessam à comunidade internacional estiveram ausentes da
discussão, desde logo o conflito
israelo-palestiniano, só referido já com as eleições à vista.
Pressionado por sondagens
adversas, Netanyahu prometeu que, caso vencesse, jamais
existiria uma Palestina independente.
“A solução de dois Estados,
neste momento e na prática,
não existe. Desde o colapso
das negociações com os palestinianos, lideradas pelo secretário de Estado dos EUA, John
Kerry, nada tem acontecido,
nem nos bastidores”, diz Bruno
Oliveira Martins. “As relações
entre Telavive e Washington
deterioram-se no último ano e
não é impensável admitir que
a Administração Obama, em
final de mandato e sem a pressão da reeleição, possa dar sinais concretos de impaciência,
que já se revela na retórica de
Obama, mas que ainda não se
materializou em mais do que
isso. Ainda assim, este tipo de
atitude seria sempre uma pesada herança para o futuro Presidente e, nesta fase de pré-campanha, poderia causar danos na
candidatura de Hillary Clinton,
o que não é irrelevante.”
Com a relação entre Israel e a
UE igualmente degradada — o
Parlamento Europeu aprovou,
em dezembro, o reconhecimento da Palestina —, poderão
mais europeus seguir o exemplo da Suécia e reconhecer a
independência palestiniana ao
nível de governo? “As tensões
políticas entre Bruxelas e Israel
têm-se verificado com crescente frequência e, mesmo que
uma posição forte e comum
da UE não seja o cenário mais
provável, não excluo de todo
que outros Estados sigam o
exemplo da Suécia.”
Margarida Mota
[email protected]
Sítio arqueológico no Vale de Bazyan. Ao centro uma “fatura” com 5000 anos. Os degraus à direita são uma janela estratigráfica CORTESIA PROJETO KANI SHAIE
Lusos escavam em zona
de risco do norte do Iraque
Em paz ou em guerra,
o Iraque é um tesouro
da arqueologia. Cinco
portugueses procuram
artefactos com 5000 anos
André Tomé tem uma certeza.
Se, algures na Síria, se verificar
uma destruição de património
semelhante à que aconteceu há
semanas no Iraque — no Museu
de Mossul e nas cidades históricas de Hatra e Nimrud —, haverá uma indignação global nas
redes sociais e o conflito voltará a ser notícia. “Mas depois
vamos esquecer que, todos os
dias, continuam a morrer pessoas”, quando, no fim, “mais do
que os tijolos e as pedras, o que
interessa são as pessoas”.
As palavras não seriam tão
surpreendentes não fosse André um arqueólogo. Falou ao
Expresso nas vésperas de partir para o Curdistão iraquiano
para escavar, pelo segundo
ano, no Vale de Bazyan, província de Sulaimaniya. Ali chegou
facilmente há uma semana,
num voo da Turkish Airlines
vindo de Istambul. A viagem
de volta a casa está marcada
para 15 de junho. André não
hesitará em antecipá-la se as
condições de segurança se deteriorarem. “Isto não é um Indiana Jones. Ao primeiro sinal
de insegurança, repensaremos
a estratégia e, se for preciso,
voltamos.”
Os combates contra o Daesh
(autodenominado Estado Islâmico) estão a mais de 100 km
do campo de escavação. O facto
de a grande cidade de Kirkuk
estar nas mãos dos curdos tranquiliza-o. “Há mais checkpoints, há mais controlo.”
André, de 28 anos, lidera o
projeto Kani Shaie, juntamente
com outro português, Ricardo Cabral, de 31 anos (ambos
da Universidade de Coimbra),
e com o belga Steve Renette,
da Universidade da Pensilvânia (EUA). Kani Shaie é uma
região atravessada ao longo
da História por grandes rotas
entre oriente e ocidente que
permanece “terra incógnita”,
desconhecida do ponto de vista arqueológico. O objetivo do
projeto é recolher vestígios do
quarto milénio antes de Cristo,
quando se formaram as primeiras cidades da civilização
mesopotâmica.
A missão arrancou em 2013,
com dinheiros portugueses, e
logo confirmou o potencial do
sítio. Entre os achados, André
salienta uma pequena tábua
de argila furada, com imagens
de animais, que funcionaria
como “uma espécie de fatura”
entregue, provavelmente, por
um mercador que transportava
animais ao destinatário.
A descoberta motivou a
equipa para continuar, este
ano com financiamento exclusivamente norte-americano,
no futuro logo se verá. “Não
sabemos o que vai acontecer
ao Curdistão. Agora está bem,
mas imaginemos que o Estado
Islâmico é eliminado, que os
curdos avançam para a independência e que há um conflito entre Bagdade e Erbil...
Que acontecerá a esses sítios?
Temos essa urgência, não de
super-herói, mas de alguém
consciente de que é importante fazer algo.”
Além dos líderes, integram a
equipa mais três portugueses e
uma antropóloga italiana. Dois
arqueólogos curdos acompanham os trabalhos. O projeto
emprega locais e colabora com
a Direção de Antiguidades de
Sulaimaniya, a Universidade e
o museu, onde os achados ficam guardados.
Visitar o sítio com óculos 3D
Além das escavações, a missão
vai recolher imagens do sítio.
“Temos trabalhado na área da
realidade aumentada. Queremos fazer uma espécie de museu virtual, onde seja possível
visitar o sítio com um alto grau
de realismo. Estamos a testar
óculos 3D para que as pessoas
sintam que estão lá”, sem necessidade de reconstrução.
André não é um purista. Considera que perante a destruição
de património, reconstruir ou
não deve ser analisado con-
soante os casos. “Em relação
aos budas de Bamiyan, no Afeganistão, acho que devem ser
reconstruídos. Podem ser um
garante de estabilidade e futuro naquela região, incentivando o turismo. Noutros casos,
pode não interessar tanto até
porque as destruições passaram a fazer parte da memória.
Vemos o EI destruir património
dos assírios, depois pensamos e
vemos que os assírios fizeram
exatamente a mesma coisa”,
diz o arqueólogo. “Não podemos ser tão fanáticos e puristas
como o Estado Islâmico.”
André Tomé estreou-se a escavar na região em 2008, após
concluir os estudos na Universidade de Coimbra. Começou
pela Síria num sítio na província de Hasakah que tem, hoje,
as milícias do EI a um quilómetro de distância. Os jiadistas
preocupam-no, mas recorda
que há mais de 700 sítios arqueológicos ilegais na Síria e
no Iraque. “Há tempos, vi umas
entrevistas a pessoas que faziam essas escavações. Sabiam
que estavam a destruir o passado mas diziam que precisavam de dinheiro para comer.
Isto tem de ser compreendido.”
Ainda que a história desses locais se perca para sempre. M.M.
Aviões sauditas
realizaram novos ataques
à capital do Iémen, Sanaa,
nesta sexta-feira. Esta operação militar aérea surgiu
como resposta a ataques
em zonas de fronteira, levados a cabo pelos rebeldes
xiitas houthis esta semana.
Os sauditas avisaram a população para abandonar a
cidade, pois a partir de agora, passarão a considerar
Sanaa como alvo militar.
Os bombardeamentos sauditas começaram em fins
de março.
SANAA
2
embaixadores, da
Noruega e das Filipinas,
estão entre os sete
mortos provocados
pela queda de um
helicóptero militar
paquistanês,
devido a avaria,
em Gilgit-Baltistan,
300 km a norte
de Islamabade.
A bordo iam 17 pessoas.
Burundi
a ferro e fogo
Mais quatro
mortos e nove feridos
graves no Burundi, na sequência dos protestos que
se arrastam há duas semanas. As manifestações são
contra a candidatura do
Presidente Pierre Nkurunziza a um terceiro mandato
(proibido pela Constituição), formalizada esta sexta-feira. Nkurunziza alega
que o seu primeiro mandato não conta, por ter sido
eleito pelo Parlamento e
não por sufrágio universal.
Ao todo, já morreram 13
manifestantes nas ações de
protesto.
BUJUMBURA
TENHO
VERGONHA
QUE A
PRESIDENTE
DA FRENTE
NACIONAL USE
O MEU NOME
Jean-Marie Le Pen
Fundador da FN, referindo-se
à sua filha Marine, que decidiu
afastar o pai do partido que o
próprio fundara e liderara durante
décadas. A atual líder considera
que os comentários de Jean-Marie
vão contra a linha do partido.
Quem é quem
no Médio Oriente?
Sunitas radicais
contra xiitas radicais, combatidos por sunitas laicos
moderados que abominam
os alauitas por serem xiitas. Quem percebe a região?, pergunta o “Courrier”.
FAÇÕES

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