O masculino: uma nova mais-valia para a educação de

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O masculino: uma nova mais-valia para a educação de
EDITORIAL
O masculino:
uma nova mais-valia para
a educação de infância?
Compreender a situação dos meninos, dos pais e dos homens nas instituições para a infância abre uma diversidade de caminhos e possibilidades que iremos tratar na 23.ª edição de
Infância na Europa.
INFÂNCIA NA EUROPA 23
Dar particular atenção à situação do masculino não significa que nos estejamos a esquecer
da complementaridade dos sexos e géneros, mas sim que este dossiê procura compreender
a situação dos meninos, pais e homens nas instituições para a educação de infância, que são
ainda vistas sobretudo como ambientes dominados por mulheres. O objetivo não é promover
uma distribuição estereotipada de papéis. Muito pelo contrário. Queremos sublinhar que a
consideração do masculino abre uma multiplicidade de caminhos e possibilidades para meninos
e meninas, pais e mães, homens e mulheres, que não lhes deveriam ser negados.
Na maioria dos países europeus, a atual distribuição de papéis, quer na família, quer na sociedade,
já não corresponde a novas aspirações de igualdade. Trata-se de construir uma igualdade que
não negue nem as diferenças biológicas entre géneros, nem outras diferenças entre seres
humanos. Respeitar essas diferenças deve conjugar-se com a liberdade de cada um poder não só
ser reconhecido na sua singularidade, mas também explorar totalmente as suas potencialidades.
O artigo de Adrienne Burgess permite identificar os aspetos essenciais da evolução das
sociedades modernas e apontar para o papel que têm as instituições para a infância no
acompanhamento dessas mudanças, que deverão permitir também aos homens desempenhar
um papel educativo junto das crianças.
Marie Nicole Rubio
Publicada três vezes ao ano, Le Furet destinase a formadores, gestores e coordenadores que
trabalham com questões ligadas à educação de
crianças dos 0 aos 6 anos, em França.
www.lefuret.org
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Os pais
Os pais são figuras essenciais no desenvolvimento da criança; foram, contudo, as condições
familiares que sobretudo determinaram uma evolução das suas funções e atitudes. Esta
evolução é analisada por Françoise Hurstel, que, a partir de uma perspetiva psicanalítica,
baseada em elementos antropológicos e históricos, permite compreender como esta
mudança pode ser uma fonte de inovação e criação.
Esta inovação e criação são exemplarmente ilustradas no artigo de Yasemin Sırali que
descreve uma iniciativa da ACEV, uma organização não-governamental turca que se dedica,
desde há muito, a trabalhar com mães. Foram estas mães que propuseram a implementação
de um programa original para educar os pais, que lhes permitisse analisar o seu papel junto
das crianças e o modo como influenciam a relação
Homens: como e porquê?
Em determinados países, a questão da situação dos homens perante as crianças tem
estado na ordem do dia já há algum tempo. Os artigos escritos pelo norueguês Leif
Askland e pelo alemão Tim Rohrmann são particularmente interessantes, por descreverem
a articulação de argumentos pedagógicos com iniciativas políticas, mas também por
mostrarem que algumas destas políticas não estão infelizmente ligadas a uma visão
equilibrada da equidade de género nos serviços de educação de infância. Também se
referem ao modo como essas políticas foram implementadas e ao apoio que receberam
INFÂNCIA NA EUROPA 23
as campanhas que foram lançadas na Noruega há cerca de 20 anos
para incentivar o emprego de homens em instituições para a infância.
Foram criadas redes para apoiar os profissionais do sexo masculino,
para lhes permitir comunicar as suas práticas profissionais, mas
também para apoiar equipas que se empenhavam numa diversidade
equitativa. Na Alemanha foi implementada, há cerca de 10 anos, uma
política proactiva que promovia o recrutamento de homens. Dado
que os progressos nesta direção implicam formação, foi constituída
uma rede de comunicação de práticas profissionais e de apoio ao
currículo. A partir dos testemunhos recolhidos na Croácia por Helena
Burić, contactamos com as motivações diárias e os estímulos que
orientam a prática profissional de educadores do sexo masculino, que
dão grande importância ao seu trabalho com crianças pequenas.
O artigo de Jan Peeters debate os efeitos da mediatização de casos
de abuso sexual no papel dos homens no setor da educação de
infância. “Sentem que precisam de ter cada vez mais cuidado.” Mas
este artigo também aborda a importância dos afetos e emoções para
os profissionais em geral, independentemente de serem homens ou
mulheres, por tanto uns como outras serem fundamentais para o
desenvolvimento global das crianças.
Os rapazes
É também sobre eles que nos debruçamos, pois, tal como afirmam
Christelle Declercq e Danièle Moreau: “Não se nasce menino ou
menina, passa-se a sê-lo.” É indispensável compreender a construção
da identidade: se a diferença biológica de género é uma realidade
inquestionável, é o significado que a sociedade atribui a essa
diferença que serve de referência às crianças; daí o interesse de
conhecer projetos desenvolvidos neste domínio.
Temos uma grande riqueza de experiências que podem servir de
inspiração. A primeira é desenvolvida em jardins de infância de Portugal
em que Maria João Cardona propõe uma abordagem centrada na
observação e na autoformação. A segunda foi realizada na Polónia
por Magdalena Korsak e Grażyna Woźniak que mostram como
projetos científicos podem favorecer a motivação e o envolvimento
dos rapazes, evidenciando as suas competências sociais e cognitivas.
Na Dinamarca, a abordagem proposta por Jens E Jørgensen e Henrik
Haubro incentiva a que se compreendam as perspetivas dos rapazes
e se incluam os seus pontos de vista sobre educação. A Suécia é
um dos países que defende “a natureza inviolável da liberdade e
integridade individuais, a igualdade de valor de todas e cada uma das
pessoas, a equidade de género e a solidariedade”. O artigo de Eva
Ärlemalm-Hagsér e Anette Hellman permite questionar categorias
pré-estabelecidas e os seus efeitos, tanto nos jogos das crianças,
como nas práticas profissionais.
Nora Milotay informa-nos sobre a criação de um grupo de trabalho
temático da Comissão Europeia dedicado à Educação e Cuidados na
Infância (ECI) que se centra na implementação das recomendações
elaboradas e validadas no Conselho de Ministros de 2011 (Adam
Pokorny, IE n.° 21).
Na rubrica “Em foco” Ferruccio Cremaschi trata das consequências
da crise no setor, nem sempre cor-de-rosa, da educação de infância.
Diversas organizações internacionais chamaram a atenção para a
importância da educação de infância na preparação do mundo de
amanhã, mas é preciso notar que em muitos países este setor está
atualmente a ser sacrificado em nome do “equilíbrio financeiro”!
Alguns números recolhidos por Infância na Europa
Na Suécia, o número de homens que trabalham em cuidados e educação de infância era aproximadamente de 6200 (8,3%) em 2010.
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Na Alemanha, o número de pessoal do sexo masculino quase duplicou no período de 2002 a 2011 (de 8182 para 15 5921); apesar disso, a
proporção global mantém-se baixa (de 2,5% para 3,8%) devido à expansão do setor.
Na Croácia, os centros para a infância (para crianças de 1 a 6 anos) só integram um pequeno número de homens nas equipas profissionais.
De acordo com as estatísticas do Ministério da Ciência, Educação e Desporto, há 5% de homens a trabalhar nos centros para infância,
entre educadores, auxiliares de educação e terapeutas.
Na Flandres (Bélgica) há 3,4% de homens a trabalhar no setor da educação de infância: 2% no setor subsidiado, 4,1% no setor particular,
2,9% como auxiliares no privado, 3,1% como auxiliares em creches, 4,9% em atividades de apoio à família e 1% em jardins de infância.
Na Federação Valónia-Bruxelas Nas instituições para crianças de 3-6 anos e no 1.º ciclo, a percentagem de mulheres era de 80% no
período de 2009-2010, enquanto no ensino secundário normal correspondia a 61%. A situação é um pouco diferente na educação
pré-escolar: depois de ter sido um ambiente exclusivamente dominado por mulheres, verificou-se um ligeiro aumento de homens (3%
em 2009-2010), o que é sobretudo devido à participação de especialistas de psicomotricidade a partir de 2003. (Les indicateurs de
l’enseigement [Indicadores do Ensino], 2011). No que se refere a atividades extracurriculares, há uma maior tendência para os profissionais
serem homens (provavelmente 1 em 5), mas não há números exatos.
Na Escócia, em 2010, os homens perfaziam 8% dos professores do 1.º ciclo, 4% dos trabalhadores nos jardins de infância e 0% nas
creches.
Em Portugal, em 2010, 5% dos educadores de infância e 14% dos professores do 1.º ciclo eram homens, de acordo com informação
divulgada no relatório do Conselho Nacional de Educação: Estado da Educação 2011. A Qualificação dos Portugueses.