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Lagos andinos
O desafio de chegar ao
topo do vulcão Villarrica
é uma das principais
atrações dessa região
dos lagos Andinos
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a nova travessia
Paz e
adrenalina
nos Andes
No verão, as cidades de Pucón, no Chile,
e San Martin de los Andes, na Argentina, deixam
de lado o esqui para se entregar ao trekking,
aos esportes de aventura e às cristalinas
águas dos lagos andinos
foto: pedro henrique CUNHA
texto Luís patriani | fotos cristiano carniel
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Lagos andinos
P
ucón. Chile. 1984.
A constante fumaça
que sai da cratera do
Villarrica, sinal de
que o vulcão respira
sem dificuldades e está livre de explosões,
desaparece por semanas indicando uma
obstrução de sua artéria com o manto de magma
no interior do planeta. Os sismógrafos, por sua vez,
revelam o aumento significativo dos tremores de terra
e a iminente erupção. Como era de se esperar, a peculiar
montanha, já totalmente tampada e engasgada com a pressão,
é obrigada a cuspir fora toda a lava, gases e rochas que estavam
entalados em sua garganta.
Acima: crianças brincam no
Pucón. Verão de 2012. Trinta anos após a última erupção – que não
chafariz da praça central de San
teve consequências além do belo e pirotécnico espetáculo do rio
Martin de los Andes; Paróquia San
incandescente que se formou – um grupo de 30 turistas de diferentes países
Sebastian, em Panguipulli.
se prepara para subir até a cratera de 200 metros de diâmetro do vulcão
Na página ao lado: vulcão
Villarrica visto da praia Poza,
Villarrica, a exatos 2.847 metros de altura.
no lago Villarrica
A rota até o pico nevado em formato de cone, famosa mundialmente pela relativa
facilidade de se alcançar o topo (só é preciso caminhar usando botas com grampos
e bastões), é feita em zigue-zague para minimizar a inclinação, dura quatro horas e é uma
das principais atividades dessa fotogênica região chamada de Araucanía, localizada às portas
da Patagônia, a 780 quilômetros de distância da capital Santiago. “Levamos quase cinco horas
para chegar ao cume, mas valeu muito a pena. A vista alcança os outros vulcões da região e a
Cordilheira dos Andes. Quanto ao Villarrica, não dá para ver o magma porque ele fica 200 metros para
dentro da cratera e sai muita fumaça dela, mas conseguimos permanecer uma hora lá em cima por conta
dos ventos que aliviavam o cheiro de enxofre. Depois descemos fazendo skybunda em apenas uma hora”,
diz o carioca Daniel Schulte, de 35 anos.
Enquanto legiões de aventureiros como Daniel (20 mil pessoas sobem a montanha por ano) exploram a
intrigante boca do Rucapillan (nome dado ao vulção pelos índios mapuches, cujo significado é casa dos espíritos), a
rotina em Pucón, lá em baixo, sob um calor que passa dos 30 ºC, é idêntica à de um aprazível e típico balneário litorâneo.
No lago glacial Villarrica, de 176 quilômetros quadrados (área quase do tamanho de Buenos Aires), centenas de guarda-sóis
no verão, os esportes de
aventura são a grande
atração de pucón.
entre eles, trekking
ao topo do vulcão
villarrica
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postos lado a lado colorem
moradores e visitantes
a areia preta de origem
vulcânica da Praia Grande.
tomando banho de sol
Dentro d’água, que impressiona
pela agradável temperatura e as cores
à beira do lago é
verde e azul, os esportes náuticos
dividem a cena com incrédulos banhistas
cena inusitada
que custam a acreditar estarem num lugar em
cujo inverno a neve atinge três metros de altura e
o maior atrativo é a estação de esqui localizada no
nos andes
imponente e onipresente vulcão.
Abaixo: turistas aproveitam o
clima ameno e passeiam pela
cidade de Pucón; flor de madeira,
artesanato típico da cidade
chilena. Na página ao lado: no
verão, a Praia Grande, em Pucón,
fica cheia de banhistas e
praticantes de esportes náuticos
A 14 quilômetros a leste de Pucón, na parte alta do rio
Trancura, abastecido com o degelo da Cordilheira dos
Andes, dois botes de borracha estão posicionados a espera de
um grupo de suíços e irlandeses que recebem instruções para
encarar o rafting proporcionado por suas corredeiras.
Após uma aula de comandos e regras básicas, os europeus,
comandados por guias experientes, partem em uma área de remanso
para iniciar a descida, onde os desníveis chegam a nível 4 de dificuldade.
Detalhe: a partir da escala 5 os raftings não são operados comercialmente.
Cerca de duas horas e muita adrenalina no sangue depois, os aventureiros de
primeira viagem estão extasiados com o turbilhão de água e emoções. “É muito
excitante. Estava com medo no início, mas a descida é segura e empolgante.
A sensação de descer o rio no rápido ritmo de seu fluxo é um desafio”, diz a irlandesa
Jessica Taylor, ainda com o olhar de quem acabou de conseguir um feito pessoal.
Nas Termas Huife, um dos maiores centros termais da região (são dez no total), as águas de
origem vulcânica que surgem da terra ganham outro atributo, além de divertir: aqui elas são
terapêuticas. Ricas em sais minerais extraídos das rochas e com temperaturas que variam entre 30º
e 45º, elas são ideais para relaxar o corpo e recuperar a energia depois de esforços físicos como subir
até a cratera do Villarrica, além de tratar de doenças inflamatórias, como reumatismo.
Quem também se beneficia das águas da região de Pucón são os peixes. No rio Liucura, formado pelas
cristalinas fontes subterrâneas que saem do lago Coiaque, a oxigenação é festejada pelas brânquias de trutas e
salmões que nadam e respiram despreocupados. Margeado por uma preservada mata ciliar, o rio de tonalidade
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em uma região
de tanta beleza
natural, não é raro
encontrar pessoas
que largaram tudo
para viver aqui
azul-turquesa e verde-esmeralda
é morada de muitas aves, assim
como de algumas espécies de patos
selvagens. Sorte deles e dos inúmeros
praticantes de fly-fishing (pesca esportiva
que devolve os peixes para a água) e
birdwatching (observação de pássaros). Às dez
horas da noite, com a ajuda do horário de verão e
da latitude, o sol finalmente se manda para o outro
hemisfério e deixa a lua cheia se apropriar de Pucón por
algumas horas.
Nas animadas vias da cidade de pouco mais de 20 mil
habitantes, onde as construções não podem ter mais do que quatro
Na página ao lado: as luzes do
andares e precisam ser feitas com madeira e cores preestabelecidas
fim de tarde na praia Poza, em
pela prefeitura, a atmosfera cosmopolita se traduz nas diferentes
Pucón, revelam a força da
natureza do local. Acima: Raul
nacionalidades de visitantes que circulam pelos hotéis, bares, lojas e
Bueno, proprietário do
restaurantes. A rua Fresia é o ponto dos melhores cardápios, a exemplo do
restaurante Posta Criolla, em
ll Fiore, que se vale dos italianos estabelecidos em Pucón desde sua fundação, em
San Martin; e o atraente rafting
1883, para servir nhoque alpino recheado com queijo roquefort. A poucos passos da
no rio Trancura, em Pucón
deliciosa massa, o La Marmita aproveita a influência da vizinha argentina, cuja fronteira
fica a cerca de 200 quilômetros de distância e para onde nossa viagem seguirá
logo depois, e oferece sem rodeios pratos dignos dos hermanos mais exigentes, a exemplo
de tenros lomos.
No dia seguinte, seja depois de passar a noite num confortável hotel como o Green Park, com seus
privilegiados quartos voltados para o vulcão, ou acordado na balada em algumas das agitadas
danceterias da cidade, a meta é atravessar a Cordilheira dos Andes e conhecer a bucólica cidade de
San Martin de los Andes, na Argentina.
O trajeto até lá é cheio de interesses e já vale por si só. O carro mal sai de Pucón e seu significado na língua
mapuche (entrada da cordilheira) se faz entender apenas com a visão. Ao largo da estrada, se impõem altos e
escarpados paredões rochosos cobertos por bosques valdivianos, caracterizados por árvores típicas como coihues e
avellanos, além de preservadas florestas de araucárias. As grandes montanhas não são os únicos cenários do roteiro
patagônico que passam pela janela do automóvel.
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embora sem o
icônico vulcão, a
argentina cidade
de san martin é
igualmente
sedutora
Os lagos também se fazem
presentes nesse longa-metragem
dirigido pela natureza e rodado sobre
quatro rodas. São pelo menos quatro
cinematográficos lagos até San Martin.
O primeiro a cruzar o caminho é o Calafquén, com
120 quilômetros quadrados, sete ilhas e três cidades
às suas margens: Lican Ray, Calafquén e Conaripe.
O lago Panguipulli não foge à regra e deixa bocas e olhos
bem abertos na expectativa de que a cada curva da estrada se
possa encontrar uma enseada banhada por águas tão verdes quanto
as densas matas que o cercam.
A cidade de Panguipulli, por sua vez, contraria um pouco o menu de
Na página ao lado, em sentido
horário: o sol atrai os turistas à
paisagens naturais e oferece às câmeras fotográficas a Paróquia San Sebastian,
beira do lago Lacar, em San
uma singela igrejinha de madeira construída no início do século 20 em
Martin; a canoagem é um dos
homenagem à Virgem de Carmen, a padroeira do Chile. A viagem segue, assim como
esportes mais praticados no
as atrações do roteiro. Agora é a vez da reserva particular de Huilo Huilo, de 150 mil
lado argentino dos lagos
andinos; a entrada da baía onde
hectares de área e muitas opções de atividades. As alternativas de peso começam pelo
fica a cidade de San Martin de
vulcão Mocho, de 2.442 metros de altura, onde há uma estação de esqui que, ao contrário do
los Andes. Acima: vista
Villarrica, funciona inclusive no verão. A próxima atração vale entender a partir da repetição das
panorâmica do cerro Chapelco,
palavras usadas pelos mapuches para dar ênfase ao significado de algumas coisas. Explica-se: Huilo
em San Martin
Huilo, por exemplo, quer dizer sulco na rocha. Quando se vê como o rio Fuy rasga a montanha formando
um vale encaixado por onde despenca uma cachoeira, entende-se bem o superlativo empregado pelos
índios que ficaram conhecidos por resistirem com bravura à invasão espanhola na época da colonização.
No espelho retrovisor, à medida que Huilo Huilo fica para trás, a esperada travessia da Cordilheira dos Andes se
aproxima. Surpreendente é a forma como se faz isso. Esqueça aviões, mosquetões e jipes com tração nas quatro rodas.
Nessa parte do maciço, que é mais baixa, é possível transpô-lo cruzando dois lagos andinos de barco. O primeiro, ainda
no lado chileno, é o Pirihueico. São necessárias uma hora e meia para a balsa ir de uma ponta a outra. Tempo suficiente para
admirar as montanhas que o cercam e indagar como é possível estar atravessando os Andes numa embarcação. O lago Lacar, já
na Argentina, é cruzado em uma grande lancha em duas horas, tempo para observar suas pequenas praias, baías e ilhas, como a
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foto: pedro henrique Cunha
atingir o cume do
villarrica é uma
recompensa
memorável após
horas de esforço
e perseverança
de Santa Teresita, onde se faz
uma pequena parada a fim de
conhecer uma centenária e
minúscula igreja de madeira.
No fim do percurso de 40
quilômetros, com direito à perseguição
de um bando de gaivotas atrás de comidas
jogadas por passageiros, lá está San Martin de
los Andes, tranquilamente postada ao fundo de
uma pequena baía ao lado de uma península. A
primeira constatação é a semelhança com Pucón. As
duas cidades têm quase o mesmo tamanho (San Martin
Na página ao lado: o trekking
abriga 25 mil habitantes), são banhadas por grandes lagos,
em direção ao topo do Villarrica
cercadas de montanhas e compartilham a atmosfera de
é feito em zigue-zague para
tranquilidade na época do verão. Isso tudo na porta de
aliviar a inclinação. Acima:
entrada da Patagônia.
rochas vulcânicas podem ser
vistas com frequência; é preciso
“Quem conhece San Martin não quer mais sair. Moro aqui há 12
caminhar cerca de 4 horas para
anos e tudo que preciso está ao meu alcance. Adoro viver à beira do lago,
chegar ao cume do vulcão, a
pescar e andar no meu barco”, conta o portenho Raul Bueno, proprietário
2.847 metros de altura
do restaurante Posta Criolla, enquanto sugere um strudel de javali. É fácil
entender a decisão de Raul em trocar a agitação de Buenos Aires por San
Martin. O primeiro argumento é gastronômico e corroborado pelos pratos de carne
de cervo, cordeiro, javali e trutas servidos em seu restaurante, assim como outras
excelentes cozinhas argentinas espalhadas pela cidade. Aos chocólatras, os motivos
estendem-se às inúmeras lojas de chocolates artesanais.
A segunda razão é o ecoturismo. Nos meses quentes, caiaques e refrescantes banhos no
lago Lacar. No inverno, snowboard nos 1.980 metros de altitude do cerro Chapelco, onde um
cordão de montanhas recortadas pelo tempo, que mais se parecem com castelos medievais e
catedrais góticas, fazem da geologia algo semelhante à arquitetura.
Após dois dias de muito calor, praia andina e comida, é hora de voltar a Pucón e encerrar o mais
novo circuito dos lagos andinos do Chile e da Argentina. O retorno, dessa vez, é por terra. Antes de cruzar
o passo Mamuil Malal, na fronteira, o Parque Nacional Lanin, com 412 mil hectares de matas e bosques de
araucárias, lagos como o Quilelhe – que fica congelado no inverno – e o inativo vulcão Lanín, do alto de seu
pico nevado a 3.776 metros, dão um até breve com sotaque argentino. Em Pucón, como não poderia deixar de ser,
a despedida chilena se dá no lago Villarrica, num dia de sol, praia e muito calor patagônico.
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RESPIRADORES DE FOGO
Se não fossem os vulcões, a Terra explodiria como uma bola
de bilhar cheia de gás, rocha, metais e fogo. As erupções são como
respiradores para o nosso planeta que, através delas, libera toda
a pressão do manto e seus superaquecidos bolsões de magma.
“A formação dos vulcões e suas erupções acontecem a partir da
trombada das placas tectônicas de diferentes densidades que flutuam
sobre o manto. Quando elas batem, a maior desliza sobre a menor e,
conforme ela afunda atingindo altas temperaturas, libera o magma do
manto, que sobe até a superfície em forma de lava. Esta, por sua vez,
ao entrar em contato com o ar, resfria-se e vira uma rocha, elevandose a cada erupção até virar uma montanha vulcânica”, diz Luiz
Echenique, proprietário de um sítio na base do vulcão Villarrica, onde
um rio de lava de uma remota erupção abriu uma fenda 650 metros
de comprimento, conhecida por covas vulcânicas. LP
A Equipe Lonely Planet viajou com o apoio
da operadora Freeway Brasil
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o verdadeiro perigo é se a cratera parar
de expelir os gases vulcânicos
foto: pedro henrique Cunha
Com 200 metros de diâmetro, a cratera do vulcão
Villarrica solta uma fumaça constante de seu interior
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