Release - Marcos Rubin Produções
Transcrição
Release - Marcos Rubin Produções
RELEASE NASI – PERIGOSO Nasi é perigoso. Porque sabe bem o que quer. Como mostra este trabalho solo que sai agora pelo Álbum Virtual – Trama e em CD pela Coqueiro Verde. Não por acaso chamado “Perigoso”. São 10 músicas que não ultrapassam os quatro minutos (menos uma) em mistura de rock com a negritude da música americana e o tornam não apenas o trabalho mais conciso do vocalista e compositor, mas aquele que define sua assinatura no que acredita como músico. Por assinatura como músico temos que encarar dois temas para encaixe de “Perigoso”: a carreira de Nasi e a forma de empacotar sua arte. Na época do Ira!, conseguia dividir bem as facetas rock e sua paixão pela música negra norte-americana entre a banda e seu trabalho solo com os irmãos do blues. Neste “Perigoso”, a fronteira não existe mais e ele demoliu o que podia parecer, como se refere, o “apartheid” musical. É tão rock quanto blues quanto soul quanto country. Para tanto, selecionou cinco músicas para regravar e cinco de autoria própria. A soma define um conceito que sentia falta – o de álbum, com lados A e B e tempo de canções e de soma das mesmas condizente. São 40 minutos vigorosos, do primeiro ao último segundo, sem o risco daquela coisa arrastada que muitas vezes o CD trouxe, de ter que preencher quase o dobro dessa minutagem com canções que muitas vezes não mereciam ser registradas. Em “Perigoso” cada uma das 10 cumpre sua função. “Dois Animais na Selva Suja da Rua”, originalmente composta por Taiguara mas gravada por Erasmo Carlos no disco deste preferido de Nasi , “Carlos, Erasmo” (1971), dá o tom na abertura. A voz ardida de assinatura própria do cantor num rock musculoso mas que é salpicado por cordas, teclado e clima setentista. “Esse disco do Erasmo é um que regravaria inteiro”, elogia Nasi. A faixa que batiza o trabalho vem na sequência, e é um country pesadão à Johnny Cash em parceria de Nasi com Johnny Boy. Já “Tudo Bem” é regravação dos Garotas Suecas pegando mais uma vez o espírito do disco – uma música contemporânea de uma banda igualmente mas aqui encharcada de soul e funk. “Ori” é mais uma da parceria Nasi/Johnny Boy e se baseia no conceito yorubano de Ori, a essência real do ser, divindade pessoal de cada ser humano com arranjo roqueiro-estradeiro, em clima Doors. De Renato Barros, vem “Não Há Dinheiro que Pague”. Do mesmo compositor, com o Ira! Já havia gravado “Você Não Serve para Mim”. Mas se à ocasião a pegada era o rock mais “lírico”, como se refere ao som da antiga banda, aqui o wah wah e as linhas de baixo no peito colorem de soul e funk a original. “Não Vejo Mais Nada de Você”, outra de Nasi/Johnny Boy junto com Carlos Careqa é ode a São Paulo em balada de violão. E segundo o vocalista não existe título mais blues do que “Como é que Eu Vou Poder Viver Tão Triste”, de Demetrius, e que na versão tem resposta à altura no gênero com arranjo de metais e piano, além da participação de Igor Prado, renomado guitarrista de blues. O final do trabalho ganha uma pegada mais country, com a participação de Marcelo Gross, guitarrista da Cachorro Grande, em “As Minas do Rei Salomão”, de Raul Seixas, e em “Amuleto”, que fecha o trabalho com climão country-blues-gospel. O disco fecha, o relógio esbarra nos 40 minutos e fica um estranho sabor de expectativa por mais, por um bis, por uma canção bônus escondida. Que não virá. Não pelo prazer de decepcionar, mas pela satisfação de reviver o conceito de um grande álbum, o que “Perigoso” é. RELEASE A IRA DE NASI O Negro Controverso A inspiração para o título desse prefácio veio de uma antiga camiseta que eu tenho e nela está estampado o rosto de Mick Jagger e em sua boca uma tarja escrito "The Controversial Negro". Quando me convidaram para fazer esse texto, logo associei essa afirmação ao Nasi. Tá certo que ele não tem nada a ver com o vocalista dos Stones, mas existe uma alma negra dentro desse cara. Como tudo que escrevo, adoro rechear de referências e muita história do rock and roll e com Nasi não poderia ser diferente. Desde os primórdios do Ira, daquela primeira vez que o vi ensaiando na raça sem microforne, reconheci nele uma pessoa determinada e ao mesmo tempo um ser humano sofrido e perturbado. A princípio era aquela vontade de gritar solta no ar, mas dava pra notar nas primeiras canções do Ira! Uma forte influência do Northern Soul britânico e um disfarçado suingue Motown nas entrelinhas. Se a inspiração primeira foi o punk do The Jam, ou o som da british Invasion do Who, todos eles beberam na fonte negra da Motown. Nasi tinha uma postura de Joe Strummer do Clash em palco, outro cidadão que adorava música negra e reggae e construiu seu personagem na história do rock nos moldes da rebelião negra de bairros incendiários como Brixton, na Inglaterra. Pois bem, chegamos ao cerne da questão – o rock foi criado pelos negros e veio do blues que evoluiu pro rhythm and blues e depois foi batizado de rock and roll. Muitos branquelos da british invasion no início dos anos sessenta queriam ser negros. O primeiro citado acima Sir (Mr) Mick Jagger começou cantando antigos blues em sua banda The Rolling Stones. Seus lábios grossos pareciam uma dádiva da raça negra e sempre fez questão de exibi-los ao entoar seus versos. Mick Jagger sempre encarnou um negro em suas performances, aprendeu a dançar vendo James Brown e Sly Stone. Declarou eternamente seu amor à Motown. Na mesma década de 60 em Newcastle, na Inglaterra aparecia um outro "controversial negro", seu nome Eric Burdon e sua banda The Animals. As primeiras vezes que vi cenas de Eric Burdon cantando com o Animals, se fechasse os olhos ouviria um negro americano e não um branquelo do interior da Inglaterra. No final dos anos sessenta Eric Burdon mudou pros Estados Unidos e fez uma pareceria com a banda negra WAR. Talvez um de seus maiores sonhos era estar à frente de uma banda de talentosos músicos negros e entoando os versos fantásticos de "Spill The Wine". Pois bem, nosso garoto Nasi me faz lembrar muito de Eric Burdon. Até mesmo fisicamente Nasi às vezes se assemelha a figura do celebre vocalista do Animals. Acho que ninguém nunca disse isso a ele, nem eu mesmo, pode ser que soe como uma surpresa e que ele pense, mas será que tem a ver? Voltando no tempo, nosso negro controverso em 1986 se envolve com cena do rap nacional colaborando na produção do álbum "Cultura de Rua" e trabalha na produção dos dois primeiros álbum da dupla Thaide e DJ Hum. Em 91 seu projeto paralelo Nasi & Os Irmãos do Blues acaba gerando três grandes discos e realizando seu sonho de participar dos nossos festivais de blues da década de 90 ao lado de mestres como Pinetop Perkins, Magic Slim e Wilson Pickett etre outros. Em 2010 no álbum "Vivo na cena" além de resgatar a belíssima "Poeira nos Olhos" dos Irmãos do Blues, ainda revela sua crença e dedicação à religião e cultura africana em "Me dê sangue". Garra e determinação, um verdadeiro guerreiro, esse é Nasi nosso controverso negro, assim como Elvis, Raulzito, Mick Jagger. Eric Burdon... Kid Vinil – Prefácio para A Ira de Nasi