MUSEU JUDAICO DE BERLIM
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MUSEU JUDAICO DE BERLIM
MUSEU JUDAICO DE BERLIM Arquiteto DANIEL LIBESKIND MUSEU JUDAICO DE BERLIM Arquiteto DANIEL LIBESKIND Biografia Fonte: http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=511&p=3 (acesso em 02/04/2008) Daniel Libeskind já viveu em sete países e fala cinco idiomas. Nascido em Lodz, Polônia, em 1946, cresceu em uma família que falava iídiche e se viu presa sob a então "Cortina de Ferro". Em 1957, foi com a família para Israel, mudando-se dois anos mais tarde para os EUA, por causa das dificuldades enfrentadas por seu pai para encontrar trabalho. No Bronx, a família Libeskind integrou-se à culta vizinhança social e política, que abarcava o amplo espectro da cultura judaica. No entender do crítico Goldberger, por ter imigrado várias vezes, Libeskind carrega certa combatividade dentro de si: "Ele é uma estranha combinação de acomodação com obstinação... determinação com ambição". Os heróis de Libeskind incluem Helen Keller, Janusz Korczak - o educador polonês que se recusou a abandonar as 200 crianças sob seus cuidados e, por isso, morreu com elas em Treblinka; e Heinrich Schliemann, rico comerciante alemão (1820-1890), que, apaixonado pela arqueologia, dedicou toda a sua fortuna a comprovar a veracidade da Guerra de Tróia, narrada na obra de Homero. No campo da arquitetura, é admirador de Giovanni Lorenzo Bernini e de outros arquitetos anônimos que deixaram belas construções típicas da cultura local, na Índia. A música foi sua primeira paixão. Em Lodz, começou estudando acordeão. Isaac Stern, então jurado em um concurso vencido por Libeskind, em Israel, aconselhou-o a mudar de carreira para a de pianista. Mas Libeskind acredita que a arquitetura seja uma extensão de seu talento. Para ele, o Museu de Berlim representa a sua tentativa de, através da arquitetura, completar o terceiro ato - jamais composto -da ópera de Arnold Schoenberg, "Moisés e Aarão". Libeskind se formou em 1970 pela Cooper Union for the Advancement of Science and Art, em Nova York, talvez a mais conceituada e seletiva faculdade de arquitetura dos Estados Unidos. Obteve título de mestrado em História e Teoria da Arquitetura pela School of Comparative Studies, de Essex, na Inglaterra. Naquela época, toda a sua energia e criatividade estavam direcionadas a lecionar e escrever. Aos 32 anos, dirigiu a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Michigan e a Cranbrook Academy of Art. Logo depois, transferiu-se para Milão, onde fundou uma escola alternativa de arquitetura. Em 1989, quando estava prestes a se mudar novamente para dirigir o Getty Center, em Los Angeles, mudou de idéia ao saber que seu projeto para o Museu Judaico de Berlim fora selecionado. A capital alemã se tornou sua residência por 14 anos. O casal Libeskind se conheceu no Camp Hemshech (Campo da Continuidade), um acampamento de verão criado pelos sobreviventes do Holocausto, casando-se em 1969. Sua esposa, Nina, organizou seu escritório e tem um papel fundamental em sua carreira. "Quero apenas ser sua força criadora. Assumo a parte financeira, as negociações e as estratégias. Mas minha tarefa mais agradável é fazê-lo rir. Com isso, desanuviamos o ambiente, que, às vezes, pode estar muito tenso", confidenciou, em certa ocasião. Seus prêmios incluem o "Hiroshima Award", concedido a arquitetos cuja obra promova a compreensão e a paz. Libeskind dedica-se a causas judaicas, especialmente à cultura iídiche e à divulgação do Holocausto. Foi homenageado por várias instituições, entre as quais o Museu dos Amigos Americanos dos Combatentes do Gueto, com o qual tem uma ligação muito pessoal. Segundo o presidente da Sociedade dos Amigos Americanos dos Combatentes do Gueto, a crença do arquiteto na responsabilidade individual de ajudar, continuadamente, a reconstruir este mundo ferido e assustado, consegue influenciar a sociedade sobre o significado da transmissão da memória, como um legado de geração em geração. "Ele tem a incrível capacidade de fundir história, memória e estrutura. Cria símbolos corajosos, espaços que gritam contra o mal e endossam a liberdade mundo afora". Libeskind também ocupa o espaço literário, tendo publicado um livro de poesias, Fishing from the Pavement. Ele criou cenários e guarda-roupas para óperas e desenha por prazer. Seus objetivos agora estão concentrados na praticidade: "Manter-me dentro da rota; entregar o prometido; não me desviar, nem me deixar desviar por pressões externas". Seus três filhos - Lev, 27, escritor; Noam, 25, cientista; e Raquel, 15 - ajudam-no a manter uma vida equilibrada. "A meditação me ajuda quando estou na esteira, enquanto caminho ou quando estou viajando. Sou da opinião que todos os dias devemos nos perguntar: 'Será que, hoje, estou um pouco melhor espiritualmente do que ontem?' Se a resposta for negativa, algo está errado. Temos, então, que admitir que, hoje, não fizemos o suficiente, mas amanhã será um dia melhor". Obras mais Importantes Além do Museu Judaico de Berlim, Libeskind é o autor do projeto para a reconstrução do Ground Zero, local dos atentados às Torres Gêmeas em Nova York; do Renaissance ROM, extensão do Royal Ontario Museum, em Ontário, no Canadá; do Creative Media Center, da Universidade de Hong Kong, na China; entre outros. Na entrevista que consta do site http://www.designboom.com/eng/interview/libeskind.html, relacionado ao final desta exposição, duas respostas de Libeskind a seu entrevistador merecem destaque: (1) Que conselho daria aos mais jovens? Sigam o impossível. (2) Do que mais tem medo em relação ao futuro? Da acomodação. “ENTRE AS LINHAS” O Museu Judaico de Berlim é obra do arquiteto DANIEL LIBESKIND, tendo sido construído entre os anos de 1993 e 1998. Libeskind fala: “Fui a vários cemitérios da cidade onde a vegetação se apresentava brotando, excessiva, por sobre os túmulos, tomando conta do lugar. Mas o que mais me impressionou foram as lápides sem nome. Isso me desnorteou. Era o sinal de uma enorme confiança em um futuro que estava em branco. Todas as lápides haviam sido criadas para as gerações futuras, não tinham qualquer entalhe ainda: eram o retrato da confiança de que por centenas de anos existiriam famílias judias ali, levando a estrada da vida adiante. Isso me chocou demais pelo absoluto vazio daquele lugar, pois não havia mais ninguém para ver aquelas lápides, não havia mais nenhum membro daquelas famílias que houvesse sobrevivido para ver a ausência impregnada naquelas lajotas de mármore. Pensei, então: sim, isso é de fato uma condição desta cidade, deste estado de espírito e deste conseqüente legado para toda Europa e para Berlim.” O bairro onde hoje está o Museu Judaico foi reconstruíco completamente nos anos 60. Da antiga cidade, arrasada pelos combates e bombardeios, restaram somente restos de armamentos e alguns poucos edifícios em ruínas, como o barroco Kollegienhaus, do século XVIII, que já foi a Suprema Corte do Reino da Prússia. Em um local vizinho a essa elegante edificação, o Centro Cívico de Berlim decidiu, em 1988, construir um novo Museu Judaico, em substituição àquele que havia existido no passado e que fora fechado pela Gestapo 50 anos antes. “Fui ao local e vi dezenas de arquitetos fotografando e filmando tudo, de um lado para o outro, fuçando cada pedaço do terreno. Eu não estava interessado nisso. Claro que o visitei, lógico que precisava ter noção de como era aquele sítio, mas esse dado não era o que havia de mais importante em Berlim. A história dos judeus na cidade não está ao nível do solo e sim um pouco mais abaixo, enterrada não muito profundamente. Aquele não era um projeto que eu precisasse ir às bibliotecas ou tirar fotografias para saber exatamente que orientação dar a ele. A orientação (atenção aqui para o conceito na obra do Libeskind, gente!), já estava pronta. Poderia ser vista mundo afora, mas tinha existido primeiramente ali, na catástrofe, na completa exterminação imposta ao povo judeu. E também na topografia da cidade, em nomes, endereços e pessoas que não eram entidades abstratas ou apenas números de identificação, mas cidadãos de fato, que continuavam a viver em seu estado de ausência, e costumavam assombrar, tal qual fantasmas, o lugar.” De acordo com Libeskind, sua inspiração (atenção aqui para as referências do Libeskind, gente!) partiu de um livro de Walter Benjamin1 chamado “One way street”, ou “Rua de mão única”, e da ópera de Arnold Schoenberg2 “Moses 1 Walter Benedix Schönflies Benjamin (Berlim, 1892 - Portbou, 1940) era judeu alemão, ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo da cultura. Associado com a Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas como Georg Lukács e Bertolt Brecht como pelo místico judaico Gershom Scholem. Conhecedor profundo da língua e cultura francesas, traduziu para Alemão importantes obras como Quadros Parisienses de Charles Baudelaire e À Procura do Tempo Perdido de Marcel Proust. Seu trabalho, combinando ideias aparentemente antagónicas do idealismo alemão, do materialismo dialéctico e do misticismo judaico, constitui uma contribuição original para a teoria estética. Entre as suas obras mais conhecidas contam-se A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), Teses Sobre o Conceito de História (1940) e a monumental e inacabada Paris, Capital do século XIX, enquanto A Tarefa do Tradutor constitui referência incontornável dos estudos literários. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Walter_Benjamin (acesso em 02/04/2008) 2 Arnold Franz Walter Schönberg (Viena, 1874 - Los Angeles, 1951) foi um compositor austríaco de música erudita e criador do dodecafonismo, um dos mais revolucionários e influentes estilos de composição do século XX. Suas primeiras obras, apesar de ligadas à tradição pós-romântica, já prenunciavam um método composicional inovador, que evoluiu para a atonalidade e, mais tarde, para um estilo próprio, o dodecafonismo. Schönberg foi também pintor e importante teórico musical, autor de Harmonia e Exercícios Preliminares em Contraponto. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Arnold_Sch%C3%B6nberg (acesso em 02/04/2008) and Aaron”, uma obra em três atos onde não há música alguma até o fim do segundo ato. Libeskind queria que seu edifício fosse um prolongamento desse trabalho musical inacabado. Para mostrar sua seriedade (olha aqui a apresentação gráfica conceitual do trabalho do Libeskind, gente!), ele defendeu suas idéias e intenções projetuais em uma partitura musical e intitulou-a “Between the Lines”, ou “Entre as Linhas”. Das linhas que cortam as superfícies de suas fachadas àquela partida que delineia sua enorme e extraordinária massa, a linha, em todas as suas formas, governa o edifício. Berlim logo o apelidou de “lightning”, ou “relâmpago”. Para Libeskind, a forma tortuosa desse “zig-zag” incorpora todas as violências, rompimentos e rupturas sofridas pelos judeus na Alemanha. Apesar da força de sua expressão formal, o movimento sinuoso do Museu é menos arbitrário do que se imagina. O local é cheio de árvores de grande beleza e a opção de Libeskind para situar o edifício no terreno foi, a cada vez que uma delas estivesse no caminho, este mudaria de direção. A forma de “raio”, na verdade, só é perceptível quando vista do céu. Vista do chão, a nova construção é muito mais discreta: não há intenção de evidenciá-la na paisagem. Escondido pelas árvores, o Museu fica dificilmente visível a partir da rua, que dele descortina somente um trecho, que pode ser entendido como os fundos ou como uma de suas laterais. Portanto, não fica claro que parte do edifício se está olhando, nem se sabe exatamente onde está sua entrada. A princípio, nada leva a crer que haja qualquer ligação entre o novo edifício e o vizinho e histórico prédio do Kollegienhaus. Mas a verdade é que o acesso ao Museu Judaico acontece dentro do prédio barroco, através de uma entrada larga, feita em concreto aparente. Abre-se para uma escadaria que, ao contrário de subir nobremente para os andares superiores (como seria o esperado em escadarias de museus), desce ao subsolo. A visita ao Museu Judaico de Berlim começa nas fundações da antiga construção de Kollengienhaus, com Libeskind rapidamente revertendo essa situação: ao levantarmos a cabeça, vemos que a escada - que se encontra bem na base de um poço de concreto – avança, sem qualquer justificativa funcional, sobre o antigo prédio, de tal forma que a nova arquitetura é vista em todos os andares do Kollengienhaus, até o telhamento. O Museu Judaico e o monumento histórico alemão estão assim interligados, tal qual a história da Alemanha e a dos judeus, por uma monstruosa, embora escondida, violência. A torre de concreto guarda a entrada para uma área subterrânea que parece, à primeira vista, muito mais simples do que sugere a forma de linha partida aparente em seu exterior. Aqui está o verdadeiro coração de todo o projeto. São três corredores que se cruzam. A presença de uma espécie de “ilha” entre eles faz com que apenas possam ser percebidos dois a dois a cada vez: é impossível ter uma visão global dos caminhos propostos. Libeskind chama a esses corredores de “eixos”. Um “eixo” é uma linha reta que serve para dispor simetricamente elementos que compõem um determinado sistema. Os três eixos aqui projetados incorporam os espaços destinados às três maiores experiências vivenciadas pelo judaísmo alemão: continuidade, exílio e morte. Três caminhos de muitas ramificações que são parcialmente enfatizadas pelas linhas de luz no teto. Este não é um lugar para um mero “passeio” por um museu: é uma jornada que se anuncia, constituída por provas e provações. Libeskind diz: “Aqueles não são espaços livres: são espaços profundamente ideológicos. Acredito que o ‘espaço’ possui uma capacidade própria para ser autêntico. E isso se manifestará através da experiência que ele puder provocar. Sim, eu usei de fato os meios arquitetônicos possíveis – materiais, proporção, luz – tudo aquilo que compõe uma arquitetura tradicional, a fim de criar um espaço que nunca havia existido antes. Porque jamais houve um edifício cuja entrada é pelo prédio barroco ao lado; onde você desce 12 metros em direção à fundações; e que possui escadas e circulações que são completamente inusitadas em relação àquilo que qualquer pessoa esperaria de um museu... Tudo isso é parte de um mergulho no qual pretendi lançar o visitante, tendo por objetivo que ele experiencie o que viveram os judeus em Berlim. Não foi feito por razões cenográficas ou motivações cinematográficas. Apesar de virtual, quero conectar o visitante a um tipo de experiência que acho importante seja passada adiante.” Assim como em uma lenda, apenas um desses caminhos leva às galerias do museu: é o mais longo e ao qual Libeskind deu o nome de “Eixo da Continuidade”. A continuidade da presença dos judeus em Berlim. Ele abre para uma escada que a princípio parece modesta, até que uma perspectiva surpreendente se revela, a única com aquelas dimensões em todo o edifício: uma linha reta ascendendo do primeiro ao terceiro pavimento. Após comprimir o espaço, o arquiteto o expande: a seqüência é clássica, o efeito é garantido. Mas Libeskind somente liberta o espaço em uma direção: para cima. A escada não é mais larga do que a passagem subterrânea e apresenta-se de tal forma contida entre duas paredes que as vigas de concreto que estabilizam a estrutura parecem ter enorme dificuldade de mantê-las separadas. Tudo isso serve para sublinhar o esforço, a dificuldade de qualquer pessoa permanecer no caminho até encontrar a luz do dia. O “Eixo da Continuidade” não é nada além de uma passagem que leva o visitante aos pavimentos superiores do Museu. Os outros dois eixos subterrâneos são áreas de exibição. Os armários desenhados pelo arquitetonão expõem nada de excepcional em matéria de arte: somente fotos e desenhos infantis, objetos comuns em qualquer família. Aqui, porém, os mais simples de tais objetos se tornam souvenirs do exílio e do extermínio, os dois destinos para os quais esses dois corredores conduzem. Há o “Eixo do Holcausto”, que termina em uma porta preta. Por trás dela, uma torre de concreto nos lança na obscuridade. É a “Torre do Holocausto”: paredes vazias, iluminadas através de uma fenda que deixa entrar apenas uma nesga da luz do dia, única abertura ali para o exterior. Essa torre fica, na verdade, fora do edifício principal e só é acessível pelo eixo subterrâneo. Tratando-a como um volume distinto, o arquiteto coloca-a para além dos limites da experiência provocada pelo Museu, lançando o visitante em uma espécie de cemitério cujo acesso é escondido. Atravessando o “Eixo do Holocausto”, chega-se ao terceiro eixo: o do “Exílio”. Este é o cenário da “Partida da Alemanha” e leva os visitantes diretamente para o ar livre. Libeskind chama essa área de “O Jardim do Exílio”. Ali chega-se a um jardim suspenso, talvez uma fantasia inspirada no exílio dos judeus na Babilônia. Mas estas “árvores”, se é que se pode chamá-las assim, plantadas em 49 pilares de concreto, são também uma imagem de aniquilamento: o “Exílio” encena a perda dos pontos de referência. O “Jardim” é um labirinto de pilares inclinados que desestabilizam e de fato tombam o corpo do visitante. Na verdade, o conjunto é uma praça perfeita, o único lugar do Museu que possui ângulos retos. Mas Libeskind criou uma dupla inclinação de 10° movendo o plano horizontal. O resultado é que, ao andar por entre os pilares, a percepção do lugar muda a cada olhar. Assim como a “Torre do Holocausto”, também o “Jardim” é um ponto final. Ao contrário do que poderia parecer, ele está completamente isolado do entorno, como uma fortaleza de antigamente, pela presença de um fosso, ainda que seco. A fuga para a área externa livre é uma ilusão. O “Exílio” está também aprisionado. Não há outra maneira de escapar a não ser retornando ao acesso por onde se chegou. O antigo e o novo edifício, a “Torre do Holocausto” e o “Jardim do Exílio” estão todos conectados por uma rede escamoteada de comunicações e direçoes distintas, embora na superfície Libeskind tenha tratado os elementos como independentes. Tanto o concreto aparente da “Torre do Holocausto” quanto os pilares do “Jardim do Exílio” são diferentes entre si assim como diferem do corpo do prédio principal, revestido em zinco. Libeskind diz: “Sempre foi minha intenção revestir o edifício com um metal fino, que não expusesse a construção, que se pretende austera, tectônica, tipo moderna. Queria o Museu completamente coberto de um material suave, daí minha escolha pelo zinco, que ao longo dos próximos 10 anos vai se alterar, transformando-se de um cinza a um tipo de verde e, depois, de azulado. Não queria o edifício brilhante como Bilbao ou coisa parecida, e sim como algo sóbrio em sua condição física e aparência. Seus cortes, por conta disso, vão se tornar mais impactantes com o tempo. Suas ‘cicatrizes’, que não são janelas propriamente mas movimentos nas superfícies do edifício, também vão mudar, ficando mais ‘legíveis’ com o passar do tempo.” Fendas, cortes, cicatrizes, todas as aberturas rompem completamente com qualquer sistema de composição, seja ele moderno ou tradicional. São resultado da superposição de duas diferentes “peles”. Primeiro, a funcional, destinada aos escritórios que ficam na cobertura, para a qual o arquiteto projetou esquadrias comuns, ainda que tenham sido feitas sob medida, por conta de suas formas bastante peculiares. Mesmo as aberturas lineares que cortam o corpo do prédio são parte de uma “pele” que não deve nada à arquitetura. Para fazê-las, Libeskind desenhou linhas sobre o mapa da cidade de Berlim, cruzando endereços, reais ou imaginários, de figuras emblemáticas para o judaísmo alemão. O diagrama resultante foi transposto para os volumes do edifício criando um padrão completamente intrigante. Os efeitos que tais aberturas têm no interior do prédio são igualmente impressionantes, execto pelo fato de que abrem nos espaços criados para funcionarem como galerias do Museu. Surge então o problema, pesadelo do curador de qualquer exposição: como pendurar coisas naquelas paredes tão pouco apropriadas para esse fim, tão fora do que seria o decor de um museu? A questão das paredes enquanto suporte para exposições não surgiu por um bom tempo. Embora o Museu tenha tido sua obra terminada em 1998, o projeto ainda continuou sendo constantemente reconsiderado, fosse por conta da reunificação alemã, fosse por reconcepções do próprio arquiteto. Em 1999, não havia nada para se expor ali, mas mesmo assim ele foi aberto à visitação. Durante dois anos, o Museu Judaico recebeu 350.000 pessoas que pensaram que ele estava muito bem daquele jeito, vazio, e acreditaram que era a própria arquitetura que estava sendo exibida. Mas o governo de Berlim não conseguia entender como havia gastado 120 milhões de marcos para que o edifício ficasse internamente sem nada. Em setembro de 2001, o Museu Judaico de Berlim foi oficialmente inaugurado com uma coleção de mais de 4.000 objetos, todos eles testemunhos dos 2.000 anos da presença dos judeus na Alemanha. O sucesso chegou como a forma do prédio anunciava: como um “raio”. Claro que foram necessárias algumas alterações nos espaços internos, e decoradores foram contratados com este propósito. Painéis, colunas e displays expositivos se espalharam pelas galerias, fechando janelas, cobrindo aberturas, transformando os ângulos agudos e obtusos em retos. Ainda assim, algo na arquitetura continuou firme: as exposições, em sua ilusão temporária de continuidade recorfortante, acabavam sendo várias vezes “perturbadas”, onde terminavam, por “caixas pretas” que se faziam sempre presentes no lugar. Essas “caixas pretas” são, na verdade, seis torres de concreto em formatos diferentes, que atravessam o edifício em todos os seus níveis. A única luz vem de cima. Nada existe dentro delas, nem há meio de se entrar nelas. Libeskind as chamou de “The Voids”, ou “Os Vazios”. São a encarnação da figura final do judaísmo alemão: a ausência. Não há sinal de tais torres do lado de fora do edifício. Apenas suas aberturas para iluminação, dispostas na cobertura, cortam o perfil anguloso do volume, construíndo uma linha reta que une todo o prédio: é a última linha do Museu, também simbólica, que prossegue acima de tudo o que foi destruído. “Os Vazios” são uma recusa a deixar margem para qualquer sentimento de nostalgia, uma negativa à vocação intrínseca de um museu: a partir de suas fendas, não há nada para se ver ali, exceto os rostos surpresos dos visitantes. O Museu Judaico de Berlim faz aparecer o que está “entre as linhas”: Libeskind fala: “Este não era o tipo de projeto que eu pudesse desenvolver calmamente em meu escritório e ao final apresentar meus bonitos desenhos. Ao contrário, tive de encontrar meus clientes toda semana, cinquenta burocratas da cidade que me questionavam e me desafiavam toda vez, perguntando: ‘Por que estamos pagando pela construção de um espaço que é inútil; que não é um espaço de museu como todos conhecemos? Você pode até chamá-lo de “Os Vazios”, mas deve fazer com que sejam economicamente viáveis.’ Tentei convencê-los todo o tempo de que aquilo era importante (olha aqui a capacidade argumentativa, nesse caso altamente conceitual, que vocêm devem começar a treinar, gente!), de que aquele era um museu necessário agora. Ali, o que se pretendia era contar uma história que não dava simplesmente para colocar dentro do espaço de um museu convencional e dizer: sim, agora está tudo acabado, não há mais nada a dizer, está tudo no museu, o assunto morreu, vamos procurar outras coisas novas para fazer. Não. Este é um edifício que, para sempre, eternamente, deverá estimular a atenção das pessoas para a diferença entre a substância daquela história que pode ser contada e daquela que jamais poderá ser; daquilo que nela poderá apenas ser intuído; daquilo que sempre nela permanecerá subvertido e que qualquer tentativa de controle resultará em que essa história seja equivocadamente dada como terminada. Acredito ser esse o grande desafio do prédio do Museu Judaico de Berlim.” Um exemplo desse “vazio” está no único de tais blocos seqüenciais “The Voids” que é acessível aos visitantes. É o principal deles e ao qual Libeskind deu o nome de “O Vazio da Memória”. ARCHITECTURES . Volume 3* © 2000-2005 – ARTE FRANCE – Les Films d’ici – Le Centre George Pompidou * Tradução: Arq. Marise F. Machado SITES SUGERIDOS PARA CONSULTA (*) http://www.daniel-libeskind.com/ (*) http://www.designboom.com/eng/interview/libeskind.html (*) http://www.juedisches-museum-berlin.de/site/EN/homepage.php?meta=TRUE http://www.galinsky.com/buildings/jewishmuseum/index.htm http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp404.asp http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_00.asp http://www.ignezferraz.com.br/mainportfolio4.asp?pagina=Artigos&cod_item=871 http://www.ignezferraz.com.br/mainportfolio4.asp?pagina=Artigos&cod_item=869 http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,567776,00.html http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2170522,00.html http://www.ipv.pt/millenium/millenium25/25_23.htm