o que é a maçonaria – princípios e valores fundamentais

Transcrição

o que é a maçonaria – princípios e valores fundamentais
O que é a Maçonaria – Princípios e valores fundamentais.
Carlos Jaca
Conferencia proferida no auditório da
Escola Secundária de Alberto Sampaio
em 15 / 11 / 2002.
Antes de mais, sinto-me na obrigação, e por o julgar conveniente, apresentar
as razoes que, em minha opinião, justificaram o tratamento deste tema. Não foi
deliberadamente uma opção. Aconteceu.
Ao receber, em finais de Junho, o semanário “Jornal de Coimbra”, deparei com
a seguinte notícia:
«O novo Grão – Mestre da Maçonaria, António Arnaut, afirma que a Maçonaria
não é que detém poderes ocultos em Portugal»
A título meramente informativo, devo esclarecer que António Arnaut para além
de ser um dos fundadores do Partido Socialista, foi fundador do Serviço Nacional de
Saúde, Ministro dos Assuntos Sociais, e em Portugal um prestigiado especialista em
Miguel Torga, tendo sido um dos seus maiores amigos.
Diz o advogado e escritor conimbricense: «Há poderes ocultos que actuam em
Portugal como verdadeiras ditaduras, na economia e na área da comunicação social.
Há poderes ocultos, mas os poderes ocultos não são a Maçonaria, observa,
aludindo aos poderes ocultos económicos e mediáticos, que são aliados».
Não sei se a Maçonaria detém ou não poderes ocultos, nem tão pouco me
interessa; quanto ao resto, às referências aos poderes económicos e mediáticos, direi
como dizem os italianos: «se non é vero è bene trovato» (Se não é verdadeiro é bem
achado)
Depois, bem, depois recordo que a partir do segundo quartel do séc. XVIII, a
Maçonaria
passa
a
desempenha
papel
relevante
na
História
e
Portugal,
particularmente em períodos de grandes convulsões, que viriam a transformar
profundamente o País, como terão oportunidade de constatar.
Considerei, também, que a Maçonaria, e em particular a Maçonaria portuguesa
é ainda mal conhecida – refiro-me à sua história e ao seu processo evolutivo.
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Embora não seja minha intenção formular quaisquer juízos de valor sobre esta
instituição, posso garantir, que tenho para mim, como dado adquirido, o facto de a
Maçonaria dos nossos dias pouco, ou nada ter a ver com a Maçonaria dos sécs. XVIII
e XIX e mesmo do primeiro quartel do séc. XX, quando era conspiradora, ou
conspirativa, e revolucionária.
Concluindo: Devo esclarecer que não sou maçon, nem pro – maçon, mas tão
pouco sou, porém, antimaçon – não posso ser anti, de uma coisa que intrinsecamente,
na sua essência desconheço.
Enfim, já agora, e para que não fique no ar qualquer dúvida sobre este aspecto,
porquanto já me foi posta a questão (extemporaneamente), devo dizer, e digo-o com
toda a naturalidade, que me situo na área da Igreja Católica e Apostólica Romana.
Posso afirmá-lo com à vontade, tanto mais que, como professor, deixei de
existir, e assim, já não se põe a questão de poder , eventualmente, susceptibilizar as
várias convicções dos alunos.
A Maçonaria, não me interessa e nunca me interessou como realidade do
presente
Interessou-me,
sim,
como
fenómeno
histórico,
como
objecto
do
conhecimento.
Interessou-me, ou interessa-me, como elemento interventor, directa ou
indirectamente, nos sucessos históricos, e, nomeadamente, no que diz respeito a
Portugal.
Este trabalho não é, portanto, um libelo nem uma apologia. Constitui uma
narrativa, e até certo ponto uma interpretação, mas o que pretendo, será apenas
informar para que, cada qual, possa fazer um juízo (o seu juízo) objectivo.
.
Maçonaria vem provavelmente do francês “maçonnerie”, que significa
uma construção qualquer, feita por um pedreiro, o “maçon”. A Maçonaria terá
assim como objecto essencial, a edificação de qualquer coisa. O “maçon”, o
pedreiro-livre, podendo traduzir-se, modernamente, por livre-pensador, será
portanto o construtor, o que trabalha para erguer um edifício.
Maçonaria significa pois, “construção”. O “maçon” pretende construir o
seu próprio futuro, tornando-se um homem melhor. A Maçonaria pretende
construir o futuro da Humanidade, tornando-a mais justa e perfeita. Este
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objectivo está inscrito, como pedra angular, nas Constituições maçónicas do
mundo moderno. A Constituição do Grande Oriente Lusitano, de 1926, define a
Maçonaria como “uma instituição essencialmente humanitarista, procurando
realizar as melhores condições de vida social”. A Constituição em vigor, de
1985, aponta como seu escopo o “aperfeiçoamento da Humanidade através da
elevação moral e espiritual do indivíduo”.
Os grandes valores da Maçonaria estão sintetizados na sua divisa
universal: Liberdade, Igualdade, Fraternidade – Liberdade com ordem,
Igualdade com respeito e Fraternidade com justiça. A Maçonaria portuguesa
tem ainda por lema: Justiça, Verdade, Honra e Progresso.
A Maçonaria não é uma moral nem uma religião.
Admite todas as crenças e pratica a moral universal, que tem por base a
primeira de todas as virtudes: amar o próximo. A doutrina maçónica é livre de
todas as limitações, escolas, teorias ou preconceitos. O livre-pensamento é o
único caminho da procura da verdade e não pode, por isso, sofrer qualquer
entrave. O livre-pensamento, ou livre-exame, pressupõe a tolerância e o
respeito pelas ideias dos outros. É essa a segunda virtude cultivada pelos
maçons. A crença numa sociedade mais perfeita é a sua terceira virtude e a
força aglutinadora que, em todos os tempos e em todos os lugares, congregou
os “homens livres e de bons costumes” para a tarefa, sempre inacabada, de
construir a fraternidade universal. Este objectivo, verdadeira ideia-força,
exprime-se, na linguagem maçónica, por “construção do Templo”.
Sendo a Maçonaria uma organização comprometida com o mundo, na
medida em que pretende moldá-lo pelos seus ideais, poderá objectar-se que
não se justifica a sua existência nas sociedades democráticas modernas. Não
são os partidos o elemento privilegiado para realizar as transformações
político-sociais que os maçons tanto desejam?
Argumentam, porém, estes últimos, que o objectivo essencial da
Maçonaria é o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros e a
defesa da moral universal. Esta função escapa aos partidos e a outras
organizações, e é assaz relevante numa sociedade cada vez mais
desumanizada e mercenária, que perdeu quase todas as referências ético3
culturais e erigiu o dinheiro como valor supremo. Por outro lado, os partidos
são, em geral, simples máquinas de conquista do poder, praticamente
despojados dos seus princípios programáticos por um carreirismo desenfreado
e tentacular, que ameaça subverter o ideal democrático.
Ora, pertencendo ou simpatizando os maçons com as várias correntes
partidárias, poderão aí, mais frutuosa e consistentemente, pugnar pela
efectivação das reformas necessárias à construção da nova sociedade. De
facto, a Maçonaria não intervém, e não deve intervir, como tal, na vida política.
A sua influência manifesta-se apenas indirectamente, através da acção
individual e do exemplo dos seus filiados. E sendo a Ordem Maçónica um
espaço de diálogo fraterno entre pessoas de todas as ideologias democráticas,
pode e deve continuar a desempenhar, por esta via, um papel importante no
aperfeiçoamento das instituições, insuflando-lhes os valores morais que são o
apanágio de um verdadeiro maçon.
A Maçonaria não aceita dogmas, pratica a tolerância e respeita a
liberdade absoluta de consciência. O maçon tem o direito de examinar e de
criticar todas as opiniões e de discutir todos os problemas, sem quaisquer
peias ou limitações. A Maçonaria é anti-dogmática, tanto no aspecto político,
como religioso ou filosófico. A política e a religião pertencem ao foro íntimo de
cada um e não podem ser discutidas, salvo nos termos genéricos já referidos,
para não abalar a união do povo maçónico, a instituição congrega pessoas de
todas as crenças ou sem crença nenhuma, e de todas as ideologias não
totalitárias.
Assim, é rotundamente falsa a acusação que vem dos tempos do “Santo
Ofício” e que foi retomada pela ditadura deposta em 25 de Abril de 1974 de que
o maçon, ou pedreiro livre, é contra a religião. Muitos e ilustres membros da
Ordem foram e são crentes e, até, bispos e cardeais.
A Maçonaria aceita, aliás, a existência de um princípio superior,
simbolizado no “Supremo Arquitecto do Universo”, que não tem definição e
que cada um interpreta segundo a sua sensibilidade ou convicções. Para uns
será o Deus em que acredita, para outros o Sol, fonte da vida, a própria
natureza, a lei moral ou ainda resultante de todas as forças que actuam no
universo. Esta ideia implica o respeito por todas as religiões, pois todas são
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igualmente verdadeiras, sem prejuízo do necessário combate ao fanatismo e à
superstição.
Deste modo, a Maçonaria é uma casa de união entre ateus, agnósticos
e pessoas dos mais diversos credos, que não se discutem por pertencerem à
zona inviolável da consciência de cada um.
Mas não se pense, ninguém pensará, nem os próprios, que os maçons
são pessoas perfeitas; ao longo da História cometeram erros e mais erros.
Origens e evolução da Maçonaria. Maçonaria operativa e
Maçonaria ideológica, especulativa ou filosófica.
A Ordem da Maçonaria antiga está envolta na névoa dos tempos, das
lendas e dos mitos. Sobre as suas origens têm-se gasto rios de tinta e escrito
as mais fantasiosas histórias. Desde os mistérios de Elêusis ao rei Salomão e à
Ordem do Templo, tudo tem servido a maçons, desejosos de exaltar a
antiguidade da Ordem, e a profanos, não menos desejosos de denegrir essa
mesma Ordem, para escreverem patranhas e balelas, confrangedoras pela
ingenuidade e ignorância que revelam.
Nos exageros de imaginação houve até quem a fizesse nascer no
paraíso terreal, tendo por primeiro Mestre Adão, ou, mais tarde, na época do
dilúvio, na construção da Arca de Noé, o qual teria sido, neste caso, o primeiro
Grão-Mestre.
Historicamente apenas podemos afirmar que a Ordem Maçónica está
ligada às corporações de pedreiros da Idade Média. A religiosidade então
dominante exprimiu-se, sobretudo, na construção de templos e catedrais
góticas, todas, de resto, semeadas de sinais maçónicos, como acontece, entre
nós, na Batalha, em Tomar e nos Jerónimos.
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Os arquitectos e construtores desses monumentos tinham de ser
dotados de profundos conhecimentos técnicos, científicos e artísticos.
Surgiram, assim, corporações de arquitectos, escultores, lavradores de pedra e
operários especializados. Para garantir o emprego da mão-de-obra associada,
mantinham secretos certos processos técnicos de trabalho profissional,
servindo-se para comunicar entre si de formas vocabulares, sinais e toques
esotéricos, tendentes a assegurar o monopólio da sua arte qualificada.
Tais conhecimentos eram interditos a elementos estranhos, pois a sua
divulgação e entrada no domínio público implicava a perda de prerrogativas.
Por isso, apenas eram transmitidos secretamente nas lojas (local de reunião
dos maçons) pelos mestres aos discípulos de reconhecida aptidão e
honorabilidade, após um juramento solene. Assim surgiu a Maçonaria
operativa (de operários construtores) e o segredo maçónico ou iniciático.
Estas confrarias ou associações de construtores, com o andar do tempo,
foram perdendo a sua grandeza, sofrendo uma evolução no decorrer dos sécs.
XVI e XVII.
A Reforma de Lutero e o livre-pensamento dela emergente abriram
fissuras no poder pontifício de Roma. Uma nova classe, constituída
principalmente pela burguesia, pela intelectualidade laica, por magistrados,
universitários, nobreza progressista e militares, submergiu a antiga casta
católico-romana.
A Reforma vibrou, assim, um rude golpe nas corporações de maçons
que, pouco a pouco, se foram extinguindo por ter cessado a febre da
construção de templos.
O ocaso da arte gótica marca também o declínio das corporações de
canteiros, embora persistissem vestígios delas, onde se manteve o gosto da
cantaria lavrada, sobretudo nos países da Europa do Norte até ao séc. XIX.
Em 1703 só subsistiam na Inglaterra. E foi justamente aí que
provavelmente, para evitar o seu completo desaparecimento, a Loja de S.
Paulo franqueou as suas portas a pessoas não iniciadas na construção.
A visão ideológica do mundo na Maçonaria corporativa alterou-se, então,
completamente.
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A nova situação e a filosofia dominante, contrária ao absolutismo e ao
poder aristocrático e clerical, impuseram a adopção de novos prosélitos.
Manteve-se, porém, a forma gremial – iniciação, rito, segredo – mas alterou-se
o seu conteúdo e objectivos. A Maçonaria operativa transformou-se em
Maçonaria filosófica ou especulativa, também conhecida por Franco Maçonaria.
A arquitectura revestia sentido puramente alegórico. Em vez da erecção
de catedrais de pedra, o ideal devia ser, agora, a construção de catedrais
humanas, ou homens ideais, para honra do Grande Arquitecto Universal
(Deus). As marcas e ferramentas da pedra lavrada (círculos, compassos,
esquadros, etc.) tornavam-se, doravante, puros símbolos. O uso do avental
retinha-se como sinal de trabalho.
Em 1717, quatro lojas de pedreiros de Londres, organizaram-se numa
espécie de federação a que dera o nome de Grande Loja, elegendo um
primeiro Grão-Mestre como autoridade sobre todos os maçons. Quatro anos
mais tarde era redigido um primeiro regulamento e, em 1723, cometido ao
pastor escocês James Anderson o trabalho de redigir umas Constituições (A
Magna Carta da Maçonaria) que todos aceitassem. Anderson, com a ajuda de
vários, incluiu no seu texto – ainda hoje venerado
e respeitado por toda a Maçonaria –, não só os deveres e os direitos dos
maçons, mas também a história lendária da nova Fraternidade.
Na década de 1720-1730 introduziram-se, por influência ou impacte
directo britânico, as primeiras lojas maçónicas em França. O ambiente do
Século das Luzes era extremamente favorável a tudo o que proviesse das
Ilhas Britânicas, então havidas como pátria da liberdade.
Nas décadas de 1720-1730 e 1730-1740, a Maçonaria penetrou em toda
a Europa e fora dela. Foi um avanço de rapidez impressionante, que assustou
sobretudo a Igreja.
O Papa Clemente XII, logo em 1738, promulgou a primeira bula de
excomunhão contra os pedreiros livres. Mas a bula pouca impressão fez. Em
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alguns países, nem sequer foi promulgada. O número de maçons seguiu em
aumento, para jamais se deter até ao séc. XX.
É que a Maçonaria correspondia aos ideais e às preocupações do
tempo. Tornara-se igualmente numa moda, que o seu carácter secreto e
misterioso propagava. Todo o aristocrata, todo o clérigo, todo o burguês bem pensante aspirava a fazer parte da instituição, que lhe concedia foros de
homem corajoso e avançado, cônscio dos problemas do tempo e desejoso de
os resolver.
Quando das Revoluções Americana e Francesa, os pedreiros livres
eram já aos milhares. Mas a acção directa da Ordem na feitura dos
movimentos revolucionários não está comprovada documentalmente, A
Maçonaria actuou por trás, nos bastidores, sobre o ideário e a actividade dos
pedreiros-livres que, interessados noutras organizações mais pragmáticas
lutaram seguindo a via revolucionária e política.
Nos meados da centúria de Setecentos foram instituídas as chamadas
lojas de adopção, destinadas às mulheres. Embora um dos “landmarks”
britânicos fosse, exactamente, a exclusividade masculina, tentou ladear-se a
questão por meio de sistema dito adoptivo. Qualquer loja regular adoptava
uma loja feminina, que lhe ficava subordinada na essência.
As invasões francesas dos finais do séc. XVIII e começos do XIX
contribuíram para uma maior difusão dos princípios maçónicos e das lojas que,
por toda a parte, se fundaram por influência dos oficiais invasores, de Portugal
à Rússia e da Suécia ao Egipto. O regresso a regimes reaccionários, que
dominaram a Europa até meados do
século, não enfraqueceu a Maçonaria, antes a estimulou, por lhe dar uma
razão de combate contra a opressão e a intolerância. Uma das características
fundamentais da Maçonaria, quer no séc. XVIII quer no XIX
quer no XX,
parece ter sido quase sempre a de se encontrar numa posição de vanguarda,
antecipando-se às conquistas políticas e sociais do tempo. Não assombra,
portanto, a ligação intima, muitas vezes existente, entre Maçonaria e
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liberalismo monárquico, primeiro radicalismo republicano, depois e socialismo,
por fim.
Este avanço da Maçonaria não se processou, aliás, sem dificuldades.
Progressistas e conservadores travaram, no seio da Ordem, rudes combates,
que terminaram, por vezes, na cisão e no cisma. Na segunda metade do séc.
XIX, por exemplo, a questão da crença num Deus criador, e a sua identificação
com o Supremo Arquitecto do Universo, dividiu os maçons de todo o mundo.
Também já no séc. XX, a Maçonaria houve, por toda a parte, de sofrer
perseguições demoradas, só comparáveis, na sua violência, às dos tempos da
Inquisição e do Absolutismo monárquico-clerical. Ligada indissoluvelmente à
tolerância e ao respeito pela individualidade, teria de ser mal vista por doutrinas
e regimes que os menosprezassem ou rejeitassem “in limine”. Havida por
burguesa e acusada de conexões íntimas com os grupos dirigentes, não tardou
a ser identificada com a plutocracia ou olhada como instrumento nas mãos
desta. Assim, para os comunistas, a Maçonaria definiu-se como instituição
burguesa e reaccionária, conluiada com os grandes interesses financeiros.
Para os fascistas em suas várias expressões nacionais, definiu-se como
plutocrática também, mas ligada ao comunismo e ao judaísmo internacional.
Para os católicos romanos, era tudo isto e, ainda mais, ateia e satânica.
O triunfo das várias ideologias comunistas e fascista havia de implicar,
portanto, uma onda de perseguições contra a Ordem Maçónica. Na União
Soviética – e em quase todos os outros países comunistas após a Segunda
Guerra Mundial – a Maçonaria foi extinta. Na Itália, fascista, na Alemanha
nacional-socialista, na Espanha de Primo de Rivera e de Franco, nas nações
balcânicas sujeitas a regimes autoritários, na França de Pétain, os maçons
sofreram perseguições sem conta, traduzidas muitas vezes pela própria morte.
Finda a guerra, tempos melhores voltaram para a Maçonaria, com base
em maior compreensão e tolerância para com os seus ideais. A Igreja Católica,
com o seu novo espírito ecuménico, tem ultimamente procurado ou sido
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receptiva a certa aproximação, que poderá culminar numa plataforma de
entendimento.
Também o ideal de uma Europa unida – de nações livres e iguais,
baseada na paz e na justiça social – foi sempre uma aspiração da Maçonaria,
ponto de partida para um mundo igualmente unido pelos grandes valores da
Ordem. Muitos dos que ajudaram a construir a Comunidade Europeia beberam
nos princípios maçónicos o melhor da sua motivação.
Ritual, iniciação, esoterismo e segredo maçónico.
Não cabe aqui nem tão pouco a mim fazer a abordagem, ainda que ligeira, destes
aspectos.
Apenas arrisco uma breve referência ao segredo maçónico passando a
citar na integra, o Dr. António Arnaut, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano.
“A Maçonaria não é uma organização secreta, pelo menos, nos regimes
democráticos que garantem o direito de livre associação para fins lícitos. A sua
existência, regulamentos e locais de reunião são conhecidos pelas autoridades
e por muitos cidadãos. É, pois, uma organização discreta, na medida em que
não está aberta ao público e reserva apenas aos seus membros o
conhecimento de certas práticas e saberes. Nisso consiste o segredo
maçónico. Contudo, qualquer cidadão, acompanhado por um maçon, pode
visitar o Museu e frequentar o bar-restaurante instalados no rés-do-chão.
Porém, o conteúdo do segredo não é tanto o que se vê e ouve, mas o
que se sente e, por isso, não pode, verdadeiramente, exprimir-se. De facto, o
segredo
maçónico
é
incomunicável,
pois
reside
essencialmente
no
simbolismo dos ritos, sinais, emblemas e palavras. E estes, embora possam
ser conhecidos e divulgados, só são compreensíveis pelos iniciados. Como um
maçon escreveu “não há nenhum segredo nos nossos mistérios para além dos
que residem na guarda inviolável das palavras”. Assim como um poema pode
ter uma interpretação que transcende a sua literalidade e que escapa, por
vezes, ao próprio autor, devendo o seu sentido captar-se com os olhos da alma
(e por isso se fala no mistério da poesia, que alguns ligam à alquimia da
palavra), também o essencial dos rituais está para além dos órgãos sensitivos,
devendo a sua interpretação procurar-se no subconsciente. Subconsciente (ou
inconsciente) que, no caso do maçon, é iluminado pela iniciação.
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Finalizando este capítulo, e pelo que já foi dito, pode concluir-se que a
Maçonaria se considera, pois, uma Ordem iniciática e ritualista, universal e
fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância,
que tem por objectivo o desenvolvimento espiritual do homem com vista à
edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária.
A MAÇONARIA EM PORTUGAL – DA SUA
INTRODUÇÃO
AOS NOSSOS DIAS
A – Os primeiros maçons em Portugal; Perseguições; Consolidação; Cisões.
A introdução da Maçonaria em Portugal remonta ao segundo quartel do século
XVIII.
Talvez por 1727, foi fundada por comerciantes britânicos residentes em
Lisboa uma loja que ficou conhecida nos registos da Inquisição como dos
Herejes Mercantes, por serem protestantes quase todos os seus membros.
Esta loja veio a regularizar-se em 1735, filiando-se na Grande Loja de Londres.
A Inquisição não a incomodou, por certo devido à nacionalidade e à
homogeneidade profissional dos seus participantes, protegidos pelos tratados
com a Inglaterra.
Em 1733 fundou-se uma segunda oficina em Lisboa, denominada Casa
Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia.
Os seus obreiros eram agora predominantemente católicos. Conhecemse os seus nomes, nacionalidades e profissões. Tratava-se sobretudo de
irlandeses, tanto comerciantes como mercenários no exército português, mas
havia também marítimos, médicos, três frades dominicanos, um estalajadeiro,
um cabeleireiro e até um mestre de dança.
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Em 1738, ao ser promulgada a bula condenatória de Clemente XII, a loja
dissolveu-se, mas alguns dos obreiros, nomeadamente os protestantes, não
acataram a decisão papal, ingressando na outra loja.
A terceira oficina criada em terra portuguesa conheceu destino mais
trágico. Fundou-a, em 1741, em Lisboa, o lapidário de diamantes John
Couston, nascido na Suíça mas naturalizado, depois, inglês. Eram quase todos
católicos, embora Couston, o venerável, fosse protestante.
Denunciados à Inquisição em 1742, os maçons da loja de Couston foram
presos, torturados e sentenciados, sendo o venerável e os dois vigilantes
condenados a vários anos de degredo e serviço nas galés. Por intervenção
estrangeira, porventura de outros maçons, libertaram-nos, porém, ao fim de
algum tempo, com a condição de saírem do país.
A perseguição de 1743 desmantelou este primeiro esboço de
organização maçónica em terra portuguesa.
A Maçonaria só tomou de novo força e vigor na década de 1760-70,
mercê de uma maior tolerância governativa; abranda a repressão maçónica e a
Ordem viveu um período de paz e crescimento.
Õ Marquês de Pombal – homem esclarecido e estrangeirado que,
porventura, se documentara sobre a Maçonaria ou fora mesmo iniciado no seu
período de residência fora do país – deixou os pedreiros-livres em paz, ao
mesmo tempo que quebrava as garras da Inquisição e a convertia em dócil
instrumento do poder do estado.
Derrubado o Marquês, a Maçonaria voltou a conhecer a perseguição.
Efectivamente, com a “viradeira” do reinado de D. Maria I e a diligência policial
de Pina Manique, e ante a subversão revolucionária soprada de França,
acende-se a perseguição à “pedreirada”, cujo volume ia avultando e
inquietando os defensores da ordem estabelecida. Por volta de 1778 havia
oficinas perfeitas ou simplesmente maçons desgarrados em vários pontos do
País, como Lisboa, Coimbra, Valença e Funchal.
A Maçonaria nacional recrutava-se, sobretudo, entre a oficialidade do
exército e da marinha, o professorado, o comércio e a indústria, a burocracia
civil e eclesiástica.
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Em menor percentagem existiam irmãos clérigos e aristocratas
terratenentes. Era, em suma, a burguesia esclarecida quem sobretudo
preenchia os lugares das oficinas.
Nos começos do século XIX, o número de lojas e de filiados justificava já
uma organização bastante completa da Ordem, consoante os modelos
britânico e francês.
Em 1801 reconheceu-se a necessidade de criar uma Grande Loja ou
Grande Oriente Português, que substituísse a Comissão de Expediente de seis
membros, instituída para coordenar as actividades da Ordem. Para o efeito,
deslocou-se a Londres, em 1802, o irmão Hipólito José da Costa, que
negociou e obteve o reconhecimento. Nasceu assim o Grande Oriente
Lusitano. Como seu primeiro Grão-Mestre foi eleito o desembargador
Sebastião José de São Paio de Melo e Castro, neto do marquês de Pombal, e,
quatro anos mais tarde, em Julho de 1806, votava-se a primeira Constituição
Maçónica Portuguesa.
Embora, no decurso das Invasões Francesas, se tivessem forjado na
metrópole condições propícias ao engrossamento dos quadros maçónicos, em
1809-10 desencadeou-se a terceira grande vaga de perseguições e prisões
que, uma vez mais, desmantelaram a Maçonaria. Só findo o período das
Invasões Francesas e restaurada a paz interna se assistiu a um renascimento
da Ordem. Mas foi sol de pouca dura. Em 1817, a quarta perseguição,
terrivelmente feroz, levou ao cadafalso em S. Julião da Barra o Grão-Mestre
Gomes Freire de Andrade e vários companheiros seus, executados no Campo
de Santana, em Lisboa.
A Maçonaria Portuguesa, sem nunca paralisar de todo, reentrou na
clandestinidade.
Porém, estas perseguições não impediram a difusão dos ideais
maçónicos, nem a luta da Ordem contra o obscurantismo e o poder absoluto.
Em 22 de Fevereiro de 1818 é fundada no Porto a Loja Sinédrio, fonte da
Revolução Liberal de 1820.
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Eram maçons as grandes figuras do vintismo: Fernandes Tomás,
Ferreira Borges, Silva Carvalho e Borges Carneiro.
A Maçonaria congregava, aliás, a maior parte da intelectualidade e da
burguesia progressista, incluindo magistrados, professores universitários,
eclesiásticos, profissões liberais, oficiais do exército e mesmo certa
aristocracia.
De 1820 a 1823 a Maçonaria Portuguesa conheceu o seu primeiro
período de apogeu e de aparecimento à luz do dia. O número de lojas
multiplicou-se, existindo cerca de 40 tanto em Lisboa como na província.
Com a Vilafrancada, a Abrilada e o regresso do absolutismo, os maçons
voltaram a ser perseguidos, encarcerados e mortos. Foi a quinta perseguição.
As actividades à luz do dia tiveram de ser suspensas até 1826. De 1826 a 1828
manifestou-se um curto renascimento, de que se sabe hoje muito pouco, e que
logo soçobrou na sexta e violenta perseguição do Miguelismo.
O triunfo definitivo do liberalismo em 1834 e a ascensão de D. Pedro IV,
Grão-Mestre da Maçonaria brasileira e portuguesa, trouxe os maçons ao poder,
marcando um período de apogeu da Ordem que só viria a terminar com a
Revolução de 28 de Maio de 1926.
Porém, como os políticos e a política, também os maçons conheceram
períodos de crise e períodos de divisão ao lado de outros de robustecimento e
incontestável unidade.
De facto, desde 1826 e até meados da centúria, o Grande Oriente
Lusitano, representou a corrente conservadora da Maçonaria, ligada à
ideologia política do “cartismo”, tendo como Grão-Mestre Silva Carvalho e
Costa Cabral. Este comprometimento provocou várias cisões. Estas cisões
corresponderam às diversas correntes do liberalismo e consequente conquista
do poder, funcionando as respectivas lojas como células partidárias, como
aconteceu com a Loja “Liberdade”, fundada em Coimbra em 1863 por lentes da
Universidade e intelectuais. Por isso, as vicissitudes da política repercutiram-se
negativamente no prestígio e coesão da Ordem Maçónica.
Por seu turno, o próprio Grande Oriente Lusitano, havia de gerar a cisão
de Silva Carvalho que, com outros, constituiu o Oriente do Rito Escocês.
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Contudo, em 1869 foi possível reconciliar os “irmãos” desavindos, com a
criação do Grande Oriente Lusitano Unido, sob o Grão-Mestrado do Conde de
Paraty. Desde então, e exceptuando pequenas convulsões, reinou a unidade
da família maçónica. Foi o período áureo da Maçonaria Portuguesa.
Passaram pelo Grão-Mestrado figuras tão ilustres como Elias Garcia,
António Augusto de Aguiar, Bernardino Machado, mais tarde Presidente da
República e Sebastião de Magalhães Lima. Foram igualmente maçons nomes
prestigiados como Mouzinho da Silveira, Alexandre Herculano, o cardeal
Saraiva, patriarca de Lisboa,
Machado Santos, Afonso Costa, António José de Almeida, António Maria
da Silva, Miguel Bombarda, Sidónio Pais, Camilo Castelo Branco, Antero de
Quental, Eça de Queirós, Rafael Bordalo Pinheiro, Egas Moniz (Prémio Nobel)
e Teixeira de Pascoais.
B – A República
Nos finais do século XIX e princípios do século XX, o ideário maçónico
começou a identificar-se com a ideologia republicana, apesar de haver muitos obreiros
monárquicos.
Esta simpatia não deve surpreender numa organização progressista,
que sentia na alma as agruras da Pátria e a decadência da nação. Por isso a
República foi, essencialmente, obra de maçons, entre os quais se destacam
alguns dos nomes já referidos.
O advento do novo regime havia, contudo, de enfraquecer a Maçonaria, na
medida em que ela se envolveu directamente na luta político-partidária,
dividindo-se entre o apoio ao Partido Republicano e ao Partido Democrático.
Esta politização da Maçonaria resultou numa multiplicação de interesses
na Ordem, dirigidas a finalidades que de maçónico só tinham parte. Com a
implantação da República, a Maçonaria passou a ser olhada como qualquer
coisa de útil, de pragmaticamente necessário no curriculum do candidato a
ministro, a deputado ou a simples funcionário público. No Parlamento, metade
ou mais de metade dos representantes do povo pertencia à Ordem. No
Governo
Provisório
(1910-1911).
50%
dos
ministros
eram
maçons,
15
percentagem que, “grosso modo” continuou a existir nos muitos governos
republicanos até 1926. Quanto às presidências, mais de metade dos
ministérios foram presididos por maçons. Três presidentes da República –
Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida – pertenciam à
Ordem Maçónica. Tal como durante a Monarquia Constitucional, algumas
medidas mais progressistas adoptadas pelo regime republicano tiveram
participação das lojas e foram subscritas por ministros maçons. O âmbito da
Maçonaria durante a 1ª República está ainda por determinar cabalmente, mas
não parece exagerado afirmar que a história das duas instituições apresenta
paralelos do maior interesse e que o declínio de uma corresponde ou foi em
grande parte, o causador do declínio da outra.
Ora, a aproximação entre Maçonaria e Partido Republicano, acentuada
desde a proclamação da República, houve de reflectir também as dissensões
dentro daquele Partido.
Não admira, pois, que em 1914 se verificasse uma cisão entre a ala
direita e a ala progressista, agora representada pelo Grande Oriente Lusitano.
Foi criada uma segunda potência, o Grémio Luso-Escocês, que apoiou a
ditadura de Sidónio Pais.
Estas dissensões descontentaram, naturalmente, muitos filiados que não
se reviam nas posições da Ordem e não aprovavam a sua intromissão na
política. Os factos iriam demonstrar que a Maçonaria só progride quando, em
coerência com a sua doutrina, se mantém afastada do confronto partidário,
embora não lhe seja indiferente o rumo da História. Mas, para actuar neste
campo e poder iluminar o caminho do futuro, é imperioso que mantenha
inviolável o princípio do apartidarismo e que as suas “oficinas” continuem a
ser o lugar onde se trabalha, fraternalmente, pela concórdia nacional e
universal.
A cisão duraria até Março de 1926, quando já se pressentia o Movimento
que havia de eclodir dois meses após e que desencadeou a mais larga ditadura
da nossa História. Os maçons das duas obediências tiveram consciência dos
perigos que ameaçavam a democracia e voltaram a unificar-se sob os
16
auspícios do grande Oriente Lusitano, sendo Grão-Mestre Sebastião de
Magalhães Lima, jornalista, caudilho republicano e fundador da Liga
Portuguesa dos Direitos do Homem (1926).
Era tarde, porém, para conseguir vencer. Passados dois meses
sobrevinha o movimento militar de 28 de Maio e a instauração da Ditadura.
Para a Maçonaria portuguesa era o começo da agonia. Identificada com a
República, caía agora com ela.
C – O Estado Novo
O movimento de 28 de Maio não se repercutiu directa e indirectamente na
Maçonaria. Alguns dos seus chefes, a começar pelo próprio Carmona, eram pedreiroslivres. Até 1929, a Maçonaria teve plena liberdade de acção, embora recrudescessem
contra ela os habituais ataques e se começasse a notar certo afrouxamento de actividade
devido às hesitações e ao receio de muitos filiados.
A entrada de Salazar para o governo e a sua rápida ascensão tutelar, aliada à crescente
influência da direita reaccionária, reavivou os velhos ódios das forças obscurantistas.
Em 16 de Abril de 1929, sendo Grão-Mestre, António José de Almeida, o
Palácio do Grémio Lusitano, sede da Ordem era assaltado por elementos da Guarda
Nacional Republicana e da Polícia, com a participação de numerosos civis, onde se
destacava o jovem Marcelo Caetano.
Muitos maçons foram presos e muitos documentos confiscados. Foram
praticados actos de vandalismo, incluindo destruição de símbolos, móveis e obras de
arte. Era o início da “longa noite fascista”, expressão que, no caso, não constitui uma
simples metáfora, mas uma tenebrosa realidade que levou muitos obreiros à cadeia, ao
exílio e à demissão.
De facto, o Estado Novo instituiu a Maçonaria como seu inimigo principal. O
golpe que a ditadura supunha mortal foi desferido em 19 de Janeiro de 1935 com a
apresentação na recém instalada Assembleia Nacional, de um projecto de Lei subscrito
pelo deputado José Cabral, proibindo as “associações secretas” e confiscando-lhes todos
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os bens. É claro que, embora o projecto o não referisse, o seu único alvo era a
Maçonaria.
As reacções não se fizeram esperar. Em 4 de Fevereiro Fernando Pessoa publica
no “Diário de Lisboa” um vigoroso artigo em defesa da Maçonaria (um segundo artigo
foi cortado pela censura).
O Grão-Mestre Norton de Matos expôs o protesto da Ordem ao presidente da
Assembleia Nacional, Dr. José Alberto dos Reis, ele próprio maçon. Tudo em vão,
porque o ditador já tinha decidido varrer os “pedreiros - livres” da terra portuguesa, à
semelhança do que, séculos antes, fora tentado pela Inquisição.
A lei foi votada por unanimidade e publicada no “Diário do Governo” em 21 de
Maio (Lei 1901). A partir daí todos os que quisessem exercer funções públicas tinham
que declarar, por sua honra, que não pertenciam, nem jamais pertenceriam, a qualquer
associação secreta.
A Maçonaria fora, assim, “legalmente” dissolvida em Portugal. O Palácio
Maçónico foi confiscado e nele instalado um quartel da Legião Portuguesa. Muitos
maçons e outros democratas começaram então a frequentar as masmorras da ditadura.
D – Revolução de Abril – Figuras públicas da Maçonaria
É claro que a Ordem Maçónica não se extinguiu.
Pode-se eliminar as pessoas, e algumas foram mesmo eliminadas, e destruir os
seus bens, mas não se podem eliminar as ideias, sobretudo as ideias generosas que
visam a libertação do homem, e são tão velhas como a Humanidade.
Algumas lojas mantiveram-se na mais rigorosa clandestinidade.
Ao sobrevir a Revolução de 25 de Abril de 1974, a Maçonaria, conquanto fraca
e debilitada, mantinha galhardamente o facho aceso mais de dois séculos atrás.
De todas as organizações políticas e parapolíticas existentes em 1926, só ela e o
Partido Comunista subsistiam. Este facto permitiu-lhe retomar quase imediatamente
uma actividade efectiva e intervir desde logo na vida nacional.
Muitas lojas adormecidas foram reactivadas. Outras foram criadas para
enquadrar os novos iniciados.
18
A
Revolução
de
Abril
restituiu
a
liberdade
aos
Portugueses,
e,
consequentemente, o direito de associação. A ditadura não conseguiu extinguir a
Maçonaria, mas a repressão fascista reduzira a poucas dezenas os maçons activos.
Foram estes que se reorganizaram em comissão e reclamaram a restituição do
Palácio Maçónico, sede do Grande Oriente Lusitano, numa altura em que o Primeiro
Governo Provisório era chefiado pelo Maçon Prof. Adelino da Palma Carlos.
Outras figuras públicas, e algumas já foram referidas, tanto nacionais como
estrangeiras, de várias sensibilidades político-religiosas estiveram, ligadas à Maçonaria.
Muitos dos presidentes dos Estados Unidos, da França e de Portugal foram maçons. As
casas reais europeias deram à Maçonaria vários monarcas.
Foram também iniciados Eldwin Aldrin, o primeiro homem a pisar o solo lunar,
Alexandre Fleming, inventor da penicilina, o pintor Marc Chagall, Churchill, Garibaldi,
Simon Bolivar, Salvador Allende...
Das figuras portuguesas que deixaram rasto na nossa história destaco apenas
alguns nomes da 2ª metade do século passado: o general Norton de Matos e Humberto
Delgado, o escritor Vitorino Nemésio, o cardeal Costa Nunes (vice-camarlengo da
Santa Sé), os deputados e advogados Nuno Rodrigues dos Santos (presidente do
Partido Social Democrata), António Santos Silva, António Macedo e Teófilo Carvalho
Santos (aquele Presidente do Partido Social e este Presidente da Assembleia da
República), o médico e filantropo Bissaya Barreto, o advogado e Provedor de Justiça
José Magalhães Godinho e o Prof. João Lopes Soares (pai de Mário Soares). Dos vivos
refira-se o Dr. Fernando Vale, médico, fundador do PS e antigo Governador Civil de
Coimbra e o Dr. Emídio Guerreiro, professor e antigo Presidente do PSD, que escapou à
morte na Guerra Civil de Espanha, porque o comandante do pelotão de fuzilamento era
maçon e, como tal, se reconheceram.
Por curiosidade, refira-se que foram maçons os autores da música e da letra do
Hino Nacional, Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça, respectivamente.
E – Maçonaria Feminina
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A Maçonaria Moderna (1723) é, na sua origem, composta exclusivamente por
homens. Aliás, o seu texto fundador não deixa margem para dúvidas.
Com efeito, os velhos regulamentos excluíam as mulheres da Maçonaria,
certamente por razões históricas, pois entendia-se que o risco inerente à condição de
iniciado e a coragem necessária para agir como maçon eram próprios do homem. Nos
tempos antigos a iniciação compreendia um conjunto de provas tão duras que se
tornavam incompatíveis com a suposta fragilidade feminina. De resto, a mulher estava
ainda longe de desfrutar dos direitos que mais tarde, por influência da própria
Maçonaria, lhe haviam de ser reconhecidos.
Assim, quando mais tarde, elas passam a ser admitidas no seu seio é criada uma
figura jurídica que define claramente o modo como essa participação era entendida.
As lojas femininas que são então admitidas chamam-se de adopção. Isto é, as
mulheres eram “adoptadas” por uma loja masculina e ficavam dela dependentes. Não
gozavam aliás, como parte da organização, dos mesmos direitos. Nem a sua presença
era entendida com os mesmos objectivos.
A oposição dos homens é intensa e após o período napoleónico as mulheres não
têm expressão na Maçonaria. Isto é, à medida que o espírito aristocrático dá lugar ao
burguês a resistência é maior. Só em 1882 a polémica se relança.
A oposição é ainda de tal modo violenta que os poucos homens que apadrinham
essa presença vêem-se forçados a abandonar as suas organizações, e a criar,
conjuntamente, uma estrutura mista que ainda hoje subsiste. E só pelo fim do século o
movimento das lojas de adopção renasce.
A adopção contrapõe-se assim à emancipação, isto é, a uma independência. Uma
independência baseada em organizações autónomas, compostas exclusivamente por
mulheres, só se manifesta no pós 2ª Guerra Mundial e são hoje dominantes.
Também em Portugal funcionam lojas femininas.
A Marquesa de Alorna, a Viscondessa de Juromenha e Ana de Castro Osório
foram algumas das mais destacadas figuras da Maçonaria feminina.
F – Relações com a Igreja Católica
A Maçonaria não é uma religião e, por isso, aceita todas as religiões, embora,
coerentemente, combata o fanatismo e a superstição. Assim, sempre houve na
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Maçonaria prosélitos de várias confissões, predominando em Portugal os católicos e
protestantes.
Porém, verificaram-se alguns graves conflitos com a Igreja Católica Romana. As
perseguições desencadeadas na sequência da bula “In Eminente”, que fulminava com a
excomunhão os maçons católicos, são hoje um facto histórico, que não deve ser
esquecido, mas que se tem de enquadrar no espírito da época.
Actualmente a Igreja, sobretudo após João XXIII e o Concílio Vaticano II,
encara com outros olhos o fenómeno maçónico, até porque o tempo demonstrou que as
“lojas” não são antros demoníacos, onde se realizam “missas negras”, mas locais de
concórdia, onde se trabalha para o bem da Humanidade.
À intolerância sucedeu a compreensão e uma certa simpatia. A esta mudança de
mentalidade não foi, seguramente, alheia a circunstância de muitos católicos e altos
dignitários da Igreja serem maçons. Aliás, há espaços comuns de preocupação e
identidade de propósitos entre a Maçonaria e a Igreja progressista.
O diálogo franco e desinibido interessa às duas entidades. E já começou a realizar-se
com resultados animadores. A Maçonaria não é concorrente e, muito menos, inimiga da
Igreja Católica.
A este propósito não posso deixar de registar aqui, algumas palavras dirigidas
pelo Arcebispo – Bispo do Porto, D. Júlio Tavares Rebimbas, na abertura da Semana
de Estudos da Faculdade de Teologia, realizada na referida cidade entre 1 e 4 de
Fevereiro de 1994, e subordinada ao tema, Maçonaria, Igreja e Liberalismo.
Diz o ilustre prelado: “Não estamos inocentemente aqui a abordar problemas
fáceis de Maçonaria, Igreja e Liberalismo cuja vastidão e complexidade é evidente e
com tempos diversos de expressão e altos e baixos de reacção. Mas somos a mesma
humanidade, as mesmas pessoas, a mesma paz e a mesma guerra. Por isso, e não só, a
via do diálogo, o espaço de liberdade que nos leva à missão de «fazedores de pontes» e
de usá-las.
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Não estamos aqui para converter maçons, nem para laicizar cristãos, nem para
aclarar tudo o que é problemática séria do liberalismo.
Mas, também não estamos aqui para quatro dias de inutilidades, mais ou menos
brilhantes. Estamos aqui nos caminhos da procura da verdade, da parcela de verdade
que todos têm. Porque a verdade total será noutra instância, é noutra onda e mesmo
assim leva muito tempo para chegar lá.
Felicito a Faculdade de Teologia do Porto por esta iniciativa e por estes
assuntos e desejo que os seus objectivos sejam alcançados.”
Porto, 1 de Fevereiro de 1994
Júlio, Arc. - Bispo do Porto
Curiosamente, um mês depois, mais precisamente, entre 23 e 26 de Março, o
Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da Universidade Nova de Lisboa, em
colaboração com o centro de Estudos Afonso Domingues, organizou um debate em
torno das relações entre a Maçonaria e as Igrejas.
O Prof. José Esteves Pereira, Presidente do Conselho Científico da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, presidiu à Sessão de
Abertura, sendo os debates coordenados por Manuel Villas-Boas (Rádio T.S.F.),
António Marujo (Jornal “O Público”), Virgílio Prazeres Pedroso (Instituto de Sociologia
e Etnologia das Religiões), Luís Marinho Antunes (Director do Centro de Estudos
Pastorais da Universidade Católica) e José Eduardo Medeiros ( Centro de Estudos
Afonso Domingues).
Logo nas palavras de Apresentação, na Sessão de Abertura, foi fácil constatar
que o debate iria girar, fundamentalmente, à volta das convergências entre Religião e
Ideal Maçónico, ao afirmar-se que, “para a generalidade, em Portugal e não só, a
Maçonaria e as Igrejas foram consideradas instituições incompatíveis, orientadas por
valores radicalmente diferentes. Essa ideia vai-se contradizendo ainda que permaneçam
grandes zonas de desconhecimento mútuo. Contudo, desde há alguns anos, por parte
tanto das Igrejas como da Maçonaria, tem havido uma reflexão sobre o que há de
comum entre elas.
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Um debate sobre este assunto terá, mesmo assim, que ter em conta a especificidade de
cada uma das instituições. Enquanto as Igrejas são a emanação de religiões reveladas, a
Maçonaria é uma instituição exclusivamente humana; no entanto, ela baseia-se em
princípios que são comuns às religiões, como seja, a promoção dos valores espirituais ,
éticos e culturais, a solidariedade humana e o aperfeiçoamento dos sistemas sociais.
Está também em questão a reflexão que a Maçonaria e as Igrejas vêm
promovendo sobre as suas práticas do passado recente e recuado.
Para além de outras questões, a grande divergência – que foi empolada de ambos
os lados – incidiu sobre a crença num Deus Criador. A acusação de ateísmo de que a
Maçonaria foi alvo durante décadas, expressa aliás por alguns dos seus membros, vai
perdendo consistência. A Maçonaria, nos seus fundamentos e nos seus projectos, não é
uma organização ateia como pretende o vulgo, uma vez que os seus trabalhos são
executados sob os auspícios do Supremo Arquitecto do Universo que é uma maneira
de referir o Criador, e regida por valores espirituais e morais, reivindicando uma via
de acesso ao sagrado sem uma interpretação dogmática dos fenómenos religiosos.
No caso português esta reflexão vai permitindo que as Igrejas e a Maçonaria
encontrem plataformas de discussão e de entendimento sobre os grandes problemas que
afectam a Humanidade como, por exemplo, a guerra, a intolerância, a xenofobia e a
exclusão social que invadem o nosso quotidiano.
Concluindo, julgo não haver grandes dúvidas relativamente à posição assumida
pelo Prof. Moisés Espírito Santo, Presidente do Instituto de Sociologia e Etnologia das
Religiões da Universidade Nova de Lisboa, quando afirma que, “as Igrejas e a
Maçonaria têm de facto origens, justificações, objectivos e estruturas diferentes mas,
desde o momento em que as Igrejas assumem também um ideário humanista, Igrejas e
Maçonaria passam a percorrer alguns caminhos em comum.”
Aliás, posso acrescentar que esta posição corresponde no essencial às conclusões
a que chegaram os especialistas destes assuntos, defendendo respectivamente, pontos de
vista da Maçonaria e das Igrejas, assim como outros universitários portugueses e
estrangeiros, participantes nestas jornadas.
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Carlos Jaca
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