corrente contínua corrente contínua

Transcrição

corrente contínua corrente contínua
corrente contínua
Ano XXXI - Nº 226 - Maio/Junho -2009
A REVISTA DA ELETRONORTE
Entre o
lago e o rio,
as maiores
eclusas do
Brasil
Eletronorte
TECNOLOGIA
Eclusas de Tucuruí, obra monumental
por onde vão passar 40 milhões de
toneladas de carga por ano
O desafio da transmissão
em longas distâncias
Página 3
Página 44
RESPONSABILIDADE SOCIAL
MEIO AMBIENTE
Você pode ser o dono da água
Página 10
Salão do Livro consolida
Tucuruí como centro cultural
Página 51
Página 18
CORRENTE ALTERNADA
Grandes barragens, grandes ideias
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AMAZÔNIA E NÓS
ENERGIA ATIVA
No caminho da linha de transmissão,
a pré-história de Mato Grosso
Nas asas
do ‘Passarim
do Jalapão’
Página 23
Página 60
CIRCUITO INTERNO
Byron de Quevedo
Saudades do Guamá.
A história de 30 anos do GIT
SISTEMA ELETROBRÁS
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CORREIO CONTÍNUO
Página 66
Rondônia reescreve
a história do Setor Elétrico
FOTOLEGENDA
Página 38
Página 67
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Prêmios 1998/2001/2003
Eclusas de Tucuruí, obra
monumental por onde vão passar
40 milhões de toneladas de carga por ano
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Econômico-Financeiro - Antonio Barra - Diretor de Gestão Corporativa – Tito Cardoso - Coordenação de Comunicação Empresarial: Isabel Cristina Moraes Ferreira - Gerência de Imprensa: Alexandre Accioly - Equipe de Jornalismo: Alexandre Accioly (DRT 1342-DF) - Bruna Maria Netto
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de Comunicação das unidades regionais - Revisão: Cleide Passos - Arte gráfica: Jorge Ribeiro
- Foto da capa: Roberto Francisco - Arte da contracapa: Sandro Santana e Samuel Pereira
- Impressão: Brasília Artes Gráficas - Tiragem: 10 mil exemplares - Periodicidade: bimestral
“Quem vê a estrutura fica embasbacado
com seu gigantismo. Do alto, só é possível divisar caminhões e guindastes – os operários,
de tão minúsculos, perdem-se na paisagem.
Com dois tanques de 210 metros de comprimento, 33 de largura e 45 de altura, as eclusas permitirão o transporte por barco de 40
milhões de toneladas de carga por ano”. Assim, o repórter da revista Veja (07/06/2009),
Leonardo Coutinho, descreve “um feito magnífico”, que são as eclusas da Usina Hidrelétrica Tucuruí.
Eclusas são sempre extraordinárias, pois
são feitas para resolver situações extraordinárias, tornando navegáveis mananciais aquíferos interrompidos por acidentes geográficos
ou pela ação do homem, como é o caso dos
barramentos. As eclusas de Tucuruí, com o
seu canal em fase final de construção, restabelecerão a navegação no Rio Tocantins
completando um arranjo paisagístico e arquitetônico surpreendente.
Em meados da década de 1970, antes da
construção da primeira ensecadeira da Hidrelétrica, a alternativa de transporte ao avião
era a longa viagem de barco que alcançava
Marabá, a montante, e Belém, a jusante da
pequena cidade de Tucuruí. A viagem durava
dias ou horas, conforme o destino e o tipo de
embarcação. Os trilhos da Estrada de Ferro
Tocantins só serviam aos colhedores de castanhas e pequenos comerciantes da região.
Eram apenas 117 quilômetros de extensão e
ligavam Tucuruí a Jatobal, também na margem esquerda do Tocantins. A ferrovia foi criada para evitar justamente o encachoeiramento de Itabocas – onde seria construída a usina
–, que no meio daquele trajeto impedia a navegação. Para passageiros e cargas, o único
trem da E.F.Tocantins corria por uma estrada
que teve relevância no ciclo da castanha, pois
seu objetivo era desviar as corredeiras. O restante do percurso, inclusive o de carga e passageiros, era feito por embarcações.
Quando da concepção da Usina, teoricamente, as eclusas seriam posicionadas na
margem direita da barragem. Não se sabia
se era indicado fazê-las para um desnível
de 70 metros. No entanto, a solução foi posicioná-las na margem esquerda, mais rica
em rochas. O Código das Águas determina
que a entidade que interromper os fluxos de
Fotos: Roberto Francisco
Linhão Norte Sul I, uma
história que percorre o Tocantins
e o Brasil há uma década
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TRANSMISSÃO
Página 30
GERAÇÃO
sumário
GERAÇÃO
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água deverá criar alternativa de se transpor
a interrupção. No caso de Tucuruí, todo o
complexo hidrelétrico ficou sob a responsabilidade do Ministério de Minas e Energia,
por intermédio da Eletronorte; e a transposição a cargo do Ministério dos Transportes,
primeiro por meio da Portobrás, e hoje pelo
Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes – Dnit.
De 1981 a 2005, a construção das eclusas
teve recomeços e paralisações constantes,
por força de determinações legais ou falta de
liberação de recursos. Em dezembro de 2006
foi assinado o convênio de delegação da continuidade das obras pelo Dnit à Eletronorte.
Em 2007 foi assinado mais um termo entre o
Dnit, Eletronorte e a Camargo Corrêa S.A. As
obras civis foram retomadas e encontram-se
a todo vapor – mais de 90% já executadas -,
e com o cronograma físico, financeiro e de
indenizações em dia.
Para o coordenador de Obras de Expansão da Geração da Eletronorte, Humberto
Gama, optou-se pela solução mais cara, pois
foi necessário incorporar 500 km² de área
inundada na bacia do igarapé Caraipé. “As
eclusas causaram a realocação do canteiro
de obras e escritórios da empreiteira, porém
sem paralisar as operações. Não havia definição sobre quem era responsável por sua
construção. Então, a Eletronorte arcou com a
responsabilidade ao longo dos anos. A usina
tem 25 anos de operação. Nos últimos três
anos o Governo Federal incluiu as eclusas
no Programa de Aceleração do Crescimento
- PAC e pretende inaugurá-las em março de
2010”, afirma.
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Números de
junho de 2009:
Eclusa1 - 94%
Canal - 84%
Eclusa 2 - 72%
Grandiosidade - Eclusas são um conjunto
de tanques para elevar ou baixar embarcações entre níveis diferentes. As de Tucuruí
estão entre as maiores do mundo e são as
maiores do Brasil, feitas em duas etapas,
transpondo desníveis de 33 metros cada
uma. O orçamento para o período 2007/2010
é de R$ 807,8 milhões. As eclusas permitirão
a passagem de um comboio de quatro chatas
por elevação ou descida. Os tanques medem
33 m de largura, por 210 de comprimento,
com 44,5 m de altura. Eles têm capacidade
para dar passagem a 40 milhões de toneladas
de cargas por ano. Para se ter uma ideia, as
cinco eclusas da Usina Três Gargantas, com
125 m de altura, a maior do mundo, em Hubei, na China, tem capacidade de transportar
37,6 milhões de toneladas/ano em cargas.
A navegação de cabotagem, no Brasil, é
feita com navios costeiros de até 40 mil toneladas. Nas eclusas de Tucuruí, o calado
regular para embarcações tipo barcaças,
também chamadas ‘chatas’, é de 3,5 metros.
Nas cheias pode haver passagem para navios
maiores. O tempo de ultrapassagem dos comboios de jusante a montante ou vice e versa
será de uma hora. Com a entrada na primeira
eclusa, navegarão impulsionados por um rebocador pelos 5,5 km do canal intermediário
e chegarão à segunda eclusa. O tempo de enchimento ou esvaziamento das câmaras será
de 14 minutos. O canal permite comboios se
deslocando em direções opostas A capacidade máxima será de 24 comboios nas duas
direções por dia. São 16 eclusagens, ou 32
passagens de comboios, diariamente.
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As caixas das eclusas e o canal são enchidos mediante a ação da gravidade. Não há
bombas para enchê-las, apenas abrem-se as
válvulas. O gerente de Obras de Construção
das Eclusas de Tucuruí, Júlio S. Schwartz
(abaixo), afirma que a opção pelo método
de funcionamento mecânico foi acertada. “O
tamanho das eclusas também foi adequado,
pois apenas uma comporta do vertedouro
de Tucuruí jorra mais água num dia do que
todas as eclusagens juntas. O DNIT sugeriu
que a Eletronorte fique responsável pela operação de todo o
sistema, mas há a possibilidade
que ela venha a ser gerida pelo
próprio Departamento ou pela
Administração das Hidrovias da
Amazônia Oriental - Ahimor. A
marinha brasileira decidirá sobre
a condução dos rebocadores no
canal, que poderá ser uma solução operacional, seja por um
prático, ou pelo próprio operador
das embarcações.
Riqueza - A região naquela parte do Estado do Pará é rica em minérios, principalmente em Carajás. A ferrovia que atende à exploração mineral já está com sua capacidade
de carga no limite. Uma nova siderúrgica já
está sendo instalada em Barcarena, próximo
a Belém. O transporte de minério dessa região deverá ser feito por hidrovia, que transportará também a produção de grãos do
Centro-Oeste, Tocantins, Mato Grosso e sul
do Pará. Ela aumentará a capacidade brasileira de competir em mercados no exterior
e vai gerar uma economia de R$ 10 milhões
por dia com combustíveis. Segundo Júlio
S. Schwartz, a ferrovia foi construída para
transportar o minério até o porto de Itaqui,
em São Luís (MA). “Acredito que poderá ser
estabelecido um transporte intermodal para
outros tipos de minérios, de maior valor agregado, e também para grãos e agroindústria
das regiões Norte e Centro-Oeste”, declara.
Segundo o diretor da Norberto Odebrecht
para assuntos das eclusas, Fernando Barine,
a carga de peso transportada a cada dia equivalerá a 800 carretas carregadas com 25 toneladas. “Ainda estaremos retirando veículos
das estradas, o que diminuirá a quantidade
de acidentes, a manutenção de pistas, pontes
e veículos, e consequentemente reduzindo o
consumo de pneus, peças sobressalentes e
combustíveis. Isto ajudará a retirar gás carbono
da atmosfera. Se comparado ao consumo dos
veículos, via rodovia, o consumo das barcaças
é irrisório, inclusive porque combustíveis alternativos poderão ser usados”, analisa.
Barine (abaixo), comenta ainda o vínculo
das obras com a região do
entorno. “Temos aqui programas sociais de grandes
dimensões. O nosso objetivo
é construir um bem valioso
para a humanidade. Participamos de algo grandioso,
uma obra excelente. Em virtude das soluções desenvol-
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A carga
de peso
transportada
a cada dia
equivalerá a
800 carretas
carregadas
com 25
toneladas
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Grandiosidade
nas obras vidas aqui, vários países da América do Sul
civis e nas e África estão interessados em nossa tecnopeças logia”.
metálicas
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Indenizações - Na região de Tucuruí, e graças à Hidrelétrica, a maior parte dos problemas fundiários já está resolvida. Em relação
às eclusas, a situação atual (maio/2009) mostra que dos 362 processos da área urbana,
319 já estão pagos, um encontra-se em fase
de negociação e 42 esperam por decisão judicial. Na área rural estão concluídos os 190
processos. Apenas para desapropriações, o
orçamento da obra prevê R$ 10,9 milhões.
Segundo o superintendente de Expansão da
Geração da Eletronorte, Luiz Fernando Rufato, “a Empresa é confundida com o próprio
Estado. De certa forma procede, desde que
obrigações como erradicação de palafitas, esgoto, pavimentação e outras de infraestrutura
básica sejam repassadas para os órgãos competentes. Mas estamos aprendendo muito e
em futuros empreendimentos buscaremos a
integração de todos para resolver os proble-
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mas. Quando se consegue fazer as lideranças
sociais atuarem no espaço que conhecem
não há reivindicações futuras”.
As negociações com a comunidade e os
movimentos sociais se deram a partir de
2007 e desde então, mesmo com o canteiro de obras sofrendo constantes ocupações
irregulares, a Eletronorte tem cumprido todos
os compromissos assumidos, inclusive aqueles que não são da sua alçada institucional,
negociando e providenciando desde materiais de construção e cestas básicas, até a
implantação de projetos sociais de produção
agroindustrial.
As eclusas de Tucuruí estão quase prontas.
Em breve, esse espetacular sistema de transposição, que não terá qualquer influência
sobre o regime de águas do Tocantins, mas
sem dúvida transformará o rio, permitindo ao
longo e magnífico curso d’água tornar-se uma
importante rota comercial e turística, atendendo a um anseio que vem sendo exaustivamente expressado por autoridades paraenses
e populações ribeirinhas. Quando estiverem
operando, estarão naturalmente integradas à
nova e deslumbrante paisagem de Tucuruí.
Eclusas estão sempre belas e inusitadas.
A Roda de Falkirk (ao lado) é o trecho final
na renovação do sistema de canais da Escócia, que permite a passagem de barcos entre
dois canais do Primeiro Estuário para o Estuário de Clyde. A diferença de altura entre os
dois canais é de 35 m. Antes, 11 comportas permitiam alcançar os diferentes níveis.
Quando os canais foram reformados, a solução foi construir uma roda com berços para
quatro barcos de 20 m de comprimento. Enquanto um lote afunda, mais dois podem ser
erguidos ao mesmo tempo. A travessia leva
15 minutos.
Já na Alemanha, em Magoeburg, a solução para permitir a passagem do Rio Elba
para o Rio Mitteliandkanai, foi fazer um conjunto de eclusas em vários níveis, para baixar ou suspender as embarcações, a eclusa Wasserstrassenkreuz. Construiu-se uma
hidrovia elevada de 918 por 228 metros,
permitindo que os rios passassem um sobre
o outro. Ainda na Alemanha, no Rio Reno,
há várias eclusas para transpor desníveis de
cinco ou dez metros. A maioria dessas eclusas é desvinculada da questão energética.
O Canal do Panamá (ao lado), com 82
quilômetros de extensão, cortando o istmo
do Panamá e ligando o Oceano Atlântico ao
Pacífico, com dois grupos de eclusas, serviu de inspiração para o canal e as eclusas
de Tucuruí. No lado do Atlântico, as portas
maciças de aço das eclusas triplas de Gatún, com 21 metros de altura e pesando 745
toneladas cada uma, são tão bem contrabalançadas que um motor de 30 kW é suficiente para abri-las e fechá-las. O Lago Gatún,
que fica a 26 metros acima do nível do mar,
é alimentado pelo Rio Chagres, local onde foi
construída uma barragem para a formação
do lago. De Gatún, o canal passa pela falha
de Gaillard e desce em direção ao Pacífico,
primeiramente através de um conjunto de
eclusas em Pedro Miguel, no lago Miraflores, a 16,5 metros acima do nível do mar;
e depois, através de um conjunto duplo de
eclusas em Miraflores. As eclusas são duplas e os barcos, dirigidos por aparelhos ferroviários, navegam nas duas direções. Uma
curiosidade: o lado do Pacífico é 24 cm mais
alto do que o lado do Atlântico.
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Eclusas
pelo mundo
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Desafio para o Poder Público e sociedade é incrementar
os instrumentos de participação das comunidades
Quem mora no Lago Sul, em Brasília (DF),
convive com uma triste realidade: o bairro nobre da cidade tem um gasto médio de água
por pessoa, de mil litros de água por dia. É um
recorde de desperdício de água por habitante. E essa realidade não é privilégio da capital.
O consumo médio diário de água por pessoa
nos grandes centros urbanos brasileiros varia
entre 250 a 400 litros, mais que o dobro do
considerado ideal pela Organização das Nações Unidas – ONU, fixado em 110 l/dia. Mas
não é só o desperdício que pauta a questão
da água no Brasil. Quem vive em Belém, no
Pará, precisa conviver com outro índice pouco
lisonjeiro: 87% de seus moradores ainda não
têm saneamento básico. Em Manaus esse índice chega a 89%. Em São Paulo, 70% da
poluição das águas são de origem doméstica
e 30% de origem industrial.
Longe de Brasília ou Belém, em países da
África como a Namíbia, as pessoas precisam
sobreviver com menos de um litro de água
por dia. E se o assunto for saneamento básico
os índices de atendimento não ultrapassam
os 35% da população. Ainda que pareça óbvio associar uso racional, qualidade da água
e saneamento básico numa mesma pauta,
nem sempre essa é uma realidade. É nesse
contexto que nos últimos dez anos surge uma
temática cada vez mais presente nos debates
ambientais: a gestão de recursos hídricos. No
Brasil, a Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997,
instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH e criou o Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos. No
primeiro artigo, dois incisos podem fazer a diferença: a água é um bem de domínio público; e a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação
do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
Mais do que um dispositivo legal, os fundamentos da PNRH sinalizam um caminho para
garantir a preservação e o uso racional dos
recursos hídricos. “A implantação da gestão
de recursos hídricos é um processo de mudanças de paradigmas sociais, inclusive da
relação das pessoas com os corpos d’água.
Certamente esse processo não acontece de
um dia para o outro, mas o Brasil já avançou
muito na questão e, nos últimos dez anos, tivemos progressos significativos. Um dos fatores dessa evolução foi o grau de consciência
da população, que cada vez mais percebe a
Quantos
necessidade do uso sustentável dos recursos litros você
hídricos”, afirma o diretor do Departamento gasta no
de Revitalização de Bacias Hidrográficas do banho?
Ministério do Meio Ambiente, Julio Thadeu
Kettelhut.
Comitês participativos - A participação das
comunidades na PNRH está garantida por
meio da criação dos comitês de bacia, que
são instâncias deliberativas regionais, instaladas nas unidades de planejamento e gestão
- as bacias hidrográficas -, e funcionam como
espaço de articulação entre as diversas partes
interessadas no uso e proteção dos recursos
hídricos locais. Os comitês podem ter um total
de membros variável, desde que respeitada a
proporcionalidade entre os setores: até 40%
de representantes dos poderes públicos; 40%
de representantes de setores usuários das
águas e pelo menos 20% de representantes
da sociedade civil.
Na opinião de Kettelhut, um dos diferenciais dos comitês é o fato de que eles fazem
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Você pode ser o dono da água
Foto: Alexandre Accioly
corrente contínua
MEIO AMBIENTE
Michele Silveira
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parte de um aparato legal que garante caráter
mais formal e normativo às decisões tomadas.
“Um comitê é constituído a partir do momento em que determinada comunidade sente a
necessidade de implantar um fórum que permita a discussão dos problemas relacionados
ao rio. Esses comitês podem ser estaduais ou
federais e aos poderes públicos cabe o papel de incentivar a criação dos comitês. Se
a comunidade não identificar a necessidade
de criação desse fórum, ele poderia até ser
criado, mas, fatalmente, não teria sucesso”,
explica.
Entre as competências básicas de um comitê estão arbitrar conflitos de uso de recursos hídricos; aprovar e acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da bacia
hidrográfica; propor aos conselhos nacional
e estaduais os usos insignificantes a serem
isentos da obrigatoriedade de outorga pelo
direito de uso da água; e propor valores e estabelecer mecanismos para a cobrança pelo
uso da água.
Kettelhut lembra que o Brasil, com as dimensões e as diferenças regionais que possui,
precisa considerar que existem demandas e
disputas diferentes a serem discutidas pelos
comitês. “Cada caso é um caso. Há uma diferença muito grande entre as bacias do Sudeste e as da Amazônia. Em São Paulo, por
exemplo, temos rios com ação antrópica mais
intensa, uma disputa mais acirrada pelo uso
dos recursos hídricos. Nos rios da bacia amazônica temos uma ação menos intensa, onde
há pontos localizados, em geral próximos das
cidades grandes, onde existem disputas re-
lacionadas ao uso urbano, mineração, entre
outros motivos que podem originar a criação
de um comitê”. De fato as diferenças são significativas: apesar da grande disponibilidade,
a distribuição dos recursos hídricos no Brasil é
bastante desigual em âmbito geográfico e populacional. Embora a Amazônia possua 74%
da disponibilidade de água, a bacia hidrográfica amazônica é habitada por menos de 5%
da população brasileira.
Desafios - Atualmente o Brasil tem oito comitês para rios federais e 152 em mananciais
estaduais, que reúnem aproximadamente 15
mil pessoas. Mas existe espaço para 29 comitês federais e cerca de 400 estaduais. A expectativa, segundo Kettelhut, é que o País viva
um incremento do número de comitês e, mais
do que isso, um aumento na implantação dos
instrumentos da Política Nacional de Recursos
Hídricos, fundamentais para estabelecer uma
corrente contínua
corrente contínua
Tudo o que
é despejado
no balde, é
derramado
nos rios
13
A água tem preço?
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gestão sustentável. “Um dos desafios para
chegarmos a esse cenário é que a sociedade
conheça as políticas e saiba dessa possibilidade de participar efetivamente da gestão dos
recursos hídricos. Precisamos difundir essa
oportunidade”, afirma o diretor.
Sobre os desafios do Poder Público para a
consolidação da PNRH, Kettelhut cita a necessidade de aperfeiçoar ainda mais os instrumentos como os de outorga. “O plano de ação
e a decisão de cobrança pelo uso da água, por
exemplo, são decisões que dependem do comitê. Mas a outorga é uma função de Estado.
Os órgãos estaduais e federais já evoluíram
muito nessa questão nos últimos cinco anos,
mas ainda podemos melhorar esse processo.
Há estados que precisamos reforçar a infraestrutura institucional”. Outro desafio, segundo
ele, é ampliar as ações de educação ambiental.
“Quanto mais informação as pessoas tiverem,
mais vão estar conscientes da necessidade do
uso sustentável dos recursos hídricos”.
De acordo com o relatório GEO Brasil Recursos Hídricos - publicado em 2007 pelo Ministério do Meio Ambiente, Agência Nacional
de Águas - ANA e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUD, a outorga
é um ato administrativo pelo qual a autoridade
outorgante concede ao outorgado o direito de
uso do recurso hídrico, seja para consumo final, seja como insumo de processo produtivo,
por prazo determinado e de acordo com as
condições expressas no ato. É um instrumento de competência da União, que tem como
objetivo assegurar o controle quantitativo e
qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso a esse tipo de recurso. A competência para emissão das outorgas
em águas de domínio da União é da ANA,
que poderá delegá-la a estados e ao Distrito
Federal. Até dezembro de 2004 mais de 95
mil outorgas já haviam sido emitidas no Brasil,
sendo o maior número destinado ao consumo
humano, e as maiores vazões outorgadas para
a atividade da agricultura irrigada, que representa 60% das outorgas para captação.
Usos múltiplos – É necessário ter essa visão
da gestão dos recursos hídricos no Brasil para
uma avaliação da importância dos usos múltiplos dos reservatórios de usinas hidrelétricas.
O assunto foi um dos principais temas tratados
no 23º Congresso Internacional sobre Grandes
Barragens (ver matéria na página 57).
A Política Nacional de Recursos Hídricos
prevê que a gestão dos recursos hídricos
deve sempre proporcionar o uso múltiplo
das águas. Com relação à utilização de suas
águas, o Brasil registra retirada total de 1.568
m³/s para diferentes usos, ou 3,4% da vazão
com 95% de garantia. Este volume equivale a
38 piscinas olímpicas por minuto. Desse total,
cerca de 840 m³/s são efetivamente consumidos, não retornando às bacias hidrográficas.
Uma das discussões mais recentes sobre
sustentabilidade e geração hidráulica diz respeito à renovação das concessões que vencem em 2015, de diversas usinas hidrelétricas que somam cerca de 20% da capacidade
Pesquisa de campo, fundamental na gestão dos recursos hídricos
saneamento. A estimativa da ANA é que, quando todas as
bacias nacionais forem instaladas, o valor arrecadado pode
chegar a R$ 520 milhões por ano. Na tese apresentada pela
engenheira Marilene de Oliveira Ramos Múrias dos Santos à
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, “O Impacto da Cobrança pelo Uso da Água no Comportamento do
Usuário”, a cobrança pelo uso da água é analisada como
instrumento econômico, modificando o comportamento do
usuário e conferindo sustentabilidade financeira aos sistemas de gestão de recursos hídricos. Segundo a pesquisadora, como instrumento econômico, a cobrança deve sinalizar
corretamente para a sociedade o uso dos recursos hídricos
de forma racional atendendo aos princípios do desenvolvimento sustentável.
Na pesquisa, Marilene alerta que, diante das diferenças
regionais, é preciso que a aplicação da cobrança seja feita
de forma bastante flexível de modo a sinalizar corretamente
o uso racional e sustentável dos recursos nos diferentes cenários. Por outro lado, segundo a pesquisadora, a cobrança
pelo uso da água introduz um custo que se reflete em toda
a cadeia produtiva. “Mesmo que estes custos sejam inicialmente baixos, a inserção da economia brasileira num mercado global recomenda que sejam facilmente comparáveis
nacional e internacionalmente. Esse princípio poderá aumentar a aceitabilidade da cobrança pelos setores usuários,
entre eles indústrias e outras atividades econômicas que
atuam em escala nacional ou até mesmo internacional”.
instalada do País. Dois técnicos renomados do
setor, José Luiz Alquéres, presidente da Light;
e Jerson Kelman, professor do Coppe/UFRJ
e ex-diretor da ANA e da Aneel, têm sugerido
aproveitar a oportunidade para administrar o
uso dos rios de uma forma economicamente
eficiente e ambientalmente sustentável. Eles
propõem mudanças no arcabouço legal de
forma a concentrar, numa única entidade, a
responsabilidade de se utilizar os rios para
usos múltiplos.
corrente contínua
corrente contínua
Água de beber
água de banhar,
quem a terá
no futuro?
Prevista desde o Código de Águas de 1934, a cobrança pelo uso da água passou a ser aplicada como
instrumento de gestão com a Lei 9.433/97. Seu objetivo é reconhecer a água como bem econômico e dar ao
usuário uma indicação de seu real valor, em função da
quantidade e da qualidade existente e do uso a que se
destina. Além disso, visa a incentivar a racionalização do
uso da água, além de obter recursos financeiros para o
financiamento de estudos, programas, projetos e obras
incluídos nos planos de recursos hídricos, como também
para as despesas de implantação e custeio dos órgãos
que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos.
A Lei prevê que a cobrança seja sempre associada à
outorga e que os recursos oriundos da cobrança sejam
aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que
forem gerados. A competência para realizar a cobrança
é do detentor do domínio do recurso hídrico, ou seja, da
União e dos estados, diretamente por intermédio do órgão gestor dos recursos hídricos (ANA e entidades estaduais correlatas), ou indiretamente mediante o apoio de
outros agentes por meio de um contrato de gestão.
Considerado o instrumento de maior grau de complexidade em sua implantação, a cobrança pelo uso da
água ainda não é uma realidade em todos os estados
brasileiros. “A cobrança não é um imposto, e sim uma
decisão do comitê de bacia. Temos dois comitês de bacias federais que já efetivaram a cobrança: o Paraíba do
Sul, que envolve os estados de São Paulo, Minas Gerais
e Rio de Janeiro; e o Comitê Piracicaba Jundiaí Capivari,
com a maior parte em São Paulo, mas com trechos em
Minas Gerais. Os comitês definem se vão cobrar, e depois, quanto e como vão cobrar, além de decidir onde
serão aplicados os recursos, que revertem integralmente
para a região da bacia”, explica o diretor do Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas do Ministério
do Meio Ambiente, Julio Thadeu Kettelhut.
Em 2008, apenas essas duas bacias arrecadaram R$
25 milhões, principalmente de indústrias e empresas de
15
“Água suja não
pode ser lavada”
corrente contínua
Segundo Alquéres, o conhecimento atual
dos rios brasileiros já permite dividir o País
em cerca de 50 a 60 conjuntos de bacias ou
sub-bacias hidrográficas, bacias estas que
poderiam englobar potenciais hidrelétricos
desenvolvidos ou a desenvolver. “A preserva-
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Todo o lixo vai para o igarapé...
mações do ano anterior, e apresentará um diagnóstico
da área com dados, estatísticas, avanços, retrocessos
e recursos investidos.
De acordo com o levantamento, a situação da qualidade da água no Brasil varia conforme a região. Na região
amazônica é considerada excelente, pois mesmo que haja
alguma poluição pontual acaba sendo diluída no grande
volume de água. As regiões mais industrializadas e urbanizadas são as mais afetadas. O Índice de Qualidade da
Água (IQA), apurado em 2006, mostrou uma condição óti-
ção da qualidade das nossas águas, do nosso
ambiente e a utilização consciente do nosso
potencial hidrelétrico é uma das maiores vantagens competitivas do Brasil. Nenhum país
do nosso porte possui um grau de emissões
de CO² tão baixo por unidade de PIB. E isso
...mas os banhos na mesma água continuam habituais
ma em 9% dos pontos avaliados no Brasil, boa em 70%,
razoável em 14%, ruim em 5% e péssima em 2%.
Ainda em março deste ano, durante as comemorações
do Dia Mundial da Água, o 5º Fórum Mundial da Água,
realizado em Istambul, na Turquia, reuniu aproximadamente 28 mil delegados de 182 países. A divulgação do
3º Relatório das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Mundial dos Recursos Hídricos mostrou que o acesso a
serviços como água potável e saneamento básico continua inadequado na maior parte dos países em desen-
se deve à predominância das hidrelétricas em
nossa matriz, o que vem sendo degradado
continuamente com a proliferação de térmicas além do razoável, decorrente dos entraves no licenciamento ambiental das hidrelétricas. O fato de as concessões serem por
volvimento. Segundo o documento, se o cenário atual for
mantido, até 2030 cerca de cinco bilhões de pessoas, ou
seja, 67% da população mundial, vão continuar sem esgotamento sanitário. O Relatório também aponta que mais de um
bilhão de pessoas não têm acesso à água de boa qualidade
e 2,5 bilhões não dispõem de redes de coleta de esgotos. E
o principal impacto dessa situação é observado na saúde.
Segundo a própria ONU, quase 80% das doenças em países
em desenvolvimento estão associadas à qualidade da água e
causam cerca de três milhões de mortes por dia.
bacia facilitaria os licenciamentos ambientais
também por bacia, que é uma sugestão de
Jerson Kelman, o que representaria um notável ganho para viabilidade do atual e todos os
futuros PACs do Brasil”, defende.
Num cenário que precisa aliar desenvolvimento e sustentabilidade ambiental, a questão dos usos múltiplos das águas deixa de ser
um dispositivo legal e passa a assumir função
estratégica na consolidação de uma gestão
responsável dos recursos hídricos. Segundo
Kelman, em algumas bacias amazônicas,
como a do Teles Pires (MT), por exemplo, a
materialização da proposta significaria a escolha por licitação de um concessionário da bacia que teria a responsabilidade de construir
de uma só vez todas as usinas hidrelétricas
e as respectivas eclusas. Assim, estaria assegurado, além da produção de eletricidade, o
escoamento por via fluvial de milhões de toneladas de cargas. A opinião dos dois parece
representar um consenso: é preciso preservar
a qualidade das águas, do ambiente e utilizar
conscientemente nosso potencial hidrelétrico.
corrente contínua
O título é um provérbio africano citado pelo professor Armando Mendes na abertura do seminário internacional “Problemática do uso local e global da água da Amazônia”, realizado em 2003 na Universidade Federal do Pará - UFPA. Há
seis anos a discussão pautava a afirmação da pesquisadora
Bertha Becker, do departamento de Geografia da UFRJ: “A
água está rareando em todo planeta, a ponto de lhe serem
atribuídos um valor similar ao do petróleo no século XX”.
O fato é que em menos de dez anos o tema saiu das
salas de pesquisa e, felizmente, ganhou um olhar das
políticas públicas e da sociedade. No lançamento da
primeira edição do Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil – 2009, realizado em março deste
ano, o presidente da Agência Nacional da Águas - ANA,
José Machado, disse que o País é referência mundial
em gestão de recursos hídricos e elogiou a legislação e
o modelo de gestão, segundo ele, extremamente modernos e adequados às nossas dimensões continentais. Mas
não deixou de dizer também que o Brasil começou tarde: a Lei Nacional das Águas, que estabeleceu diretrizes
e instrumentos para a gestão das águas brasileiras, por
exemplo, foi criada apenas em 1997. O Relatório, que
está disponível na página da ANA na internet (www.ana.
gov.br), será produzido anualmente, sempre com infor-
17
corrente contínua
Rose Dayanne Santana
18
Até 1999, o Brasil possuía vários sistemas
elétricos desconectados, o que impossibilitava
uma operação eficiente das bacias hidrográficas regionais e da transmissão de energia
elétrica entre as principais usinas geradoras.
Somente após a construção do primeiro circuito do chamado Linhão Norte-Sul, foi possível
instituir o Sistema Interligado Nacional – SIN,
que integrou os sistemas Norte-Nordeste e
Sul-Sudeste-Centro-Oeste. Em Tocantins, o Li­
nhão, com mais dois circuitos em operação,
representa muito mais que um elo nacional,
mas reflete a importância fundamental da eletricidade no desenvolvimento socioeconômico. Essa história tem dez anos, mas começou
muito antes.
Marcado por lutas, principalmente no que
diz respeito à autonomia constitucional, o povo
tocantinense primava pelo desgarramento cultural, histórico e político do Estado de Goiás,
extinguindo-se o que era conhecido como o
‘nortão goiano’. Situamo-nos no ano de 1988,
quando, por meio da Carta Constitucional desse mesmo ano, o Estado do Tocantins (que
herdou o nome de um dos rios mais extensos
e ricos do País) conquistou sua autonomia,
direitos e deveres, mas também sérios problemas sociais. Das riquezas, aquelas legadas
por Deus: solo fértil, água em abundância e
um grande potencial energético.
De acordo com Júnior Batista do Nascimento, professor, membro do Instituto CenogConorte e autor do livro Tocantins: História e
Geografia; dos 60 municípios que o estado
possuía no ano de sua criação, apenas 40% tinham acesso à energia, por meio de geradores
à base de óleo diesel. O fornecimento elétrico
era frágil e instável. “A energia falhava muito,
ficavam-se horas sem energia. Nas cidades
atendidas pelos geradores havia horário para
ter luz em casa e também mobilizações para
que os aparelhos eletrodomésticos não fossem
ligados à noite, de modo a não sobrecarregar o
gerador que atendia à escola da cidade”, conta Nascimento (acima).
O mais novo estado da Federação, com sua
capital planejada, Palmas, localizada à margem
direita do Rio Tocantins, passava a despertar
os sonhos de muitos brasileiros, que a exemplo
da “sociedade em movimento” da década de
1950 (nordestinos rumo a São Paulo e Rio de
Janeiro), migravam para o meio norte brasileiro. Pessoas vindas principalmente das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em busca de
emprego, moradia e uma vida melhor.
De acordo com a Secretaria de Planejamento
do Estado, em 1991 o Tocantins contava com
uma população total estimada em 919,3 mil
habitantes. O crescimento de cidades como
Araguaína, Gurupi, Porto Nacional, Paraíso e
Miracema do Tocantins, as maiores, somava
à demanda cada vez maior por energia elétrica confiável. Após a criação de Palmas, em
1989, o crescimento populacional foi significativo, chegando, em 1996, a somar mais de
um milhão de habitantes, o que exigiu fortes
investimentos em educação, saúde, transporte, moradia, saneamento básico e também no
setor elétrico.
Chega o Linhão - Dez anos após a autonomia constituída, os tocantinenses começam
a ver outro sonho realizado. “A chegada da
Eletronorte abriu um leque de oportunidades.
Com a interligação energética vieram outras
expectativas, principalmente quanto ao desenvolvimento da região e a consolidação de um
abastecimento elétrico confiável”, conta João
Batista Martins Teixeira, empregado da Eletronorte há dez anos.
corrente contínua
TRANSMISSÃO
Linhão Norte Sul I,
uma história que percorre
o Tocantins e o Brasil
há uma década
19
A história de João
20
na região começou ainda na década de 1970,
quando empreendeu um levantamento pioneiro do potencial hidrelétrico da Bacia Araguaia/
Tocantins, que resultou na construção das
usinas hidrelétricas Tucuruí, Luis Eduardo Magalhães, Peixe Angical, Serra da Mesa e Canabrava. Depois, junto com Furnas, a Eletronorte
construiu o primeiro circuito do Linhão em 500
kV, partindo de Imperatriz (MA) e chegando
em Brasília (DF). Foi um recorde de tempo de construção, 11
meses, entre fevereiro de 1998 e
março de 1999.
“O Linhão mudou a história
desse estado e do País. Percebemos significativamente a estabilidade do fornecimento de energia
elétrica, pôde-se investir mais em
educação, saúde, construção civil, comércio”, ressalta Júnior Batista do Nascimento. De acordo
com o professor, a mortalidade
infantil foi reduzida, comparandose o ano de 1998, que registrou um índice
de 33,3 crianças mortas por 1.000 nascidas
vivas, contra 27,3 em 2007. A taxa de analfabetismo diminuiu de 21,9%, em 1998, para
14,21 %, em 2007.
Conforme dados da Rede Energia/Celtins
– empresa responsável pela distribuição de
energia elétrica no estado desde 1989 – em
1999 apenas seis municípios tocantinenses
utilizavam geradores a diesel como fonte de
energia: Lizarda, Mateiros, São Felix do Tocantins, Centenário, Recursolândia e Santa Maria.
Em 2001, todos os municípios já estavam interligados à rede de distribuição estadual.
Também segundo a Companhia, em 1998,
a frequência equivalente de interrupção por
unidade consumidora (FEC) era de 96,3 vezes,
com duração equivalente de interrupção por
unidade (DEC) de 77,3 horas. No ano de 2008,
os índices diminuíram significativamente, para
uma FEC de apenas 33,9 vezes, com DEC de
46,0 horas. Joaquim Guedes Coelho Filho (à esquerda), diretor de Projetos Especiais da Rede/
Celtins, credita esses índices aos investimentos
feitos nas linhas em 138 kV e no sistema de
distribuição, somados ao ponto de suprimento
possibilitado após a Interligação Norte Sul I.
O diretor aponta a importância nacional do
Linhão, uma vez que possibilita o tráfego de
energia de ponta a ponta do País e interfere no contexto regional. “Foi uma das obras
mais importantes para a consolidação do SIN,
que permite uma melhor operacionalidade no
suprimento de energia. Já no Tocantins, veio
acrescentar mais um ponto de suprimento,
principalmente para a região de Palmas e Mi-
racema, garantindo maior confiabilidade no
fornecimento”, explica. Palmas foi o município
que mais cresceu em consumo de energia elétrica. Em 1998, o consumo medido em KWh
de 122.836.128, pulou para 295.344.278
KWh, em 2008, um crescimento de 140%.
Desenvolvimento - O Tocantins vem crescendo a olhos vistos. Conforme a Secretaria
de Indústria e Comércio do Estado, o aumento
populacional apresentou um salto de 41,9%,
de 1999 para 2005, enquanto a média nacional foi de 26,3% no mesmo período. O estado
também oferece condições ideais a novos empreendimentos, a começar pela posição geográfica centralizada, disponibilidade de recursos hídricos, potencial energético e mineral,
críticas, inscreveu-se no certame, foi classificado, e após a
aprovação no curso de formação, efetivou-se em dezembro
de 1999, como eletricista de linha de transmissão.
“A Eletronorte, na época, era vista pelas pessoas que trabalhavam na construção e eram da região, como uma empresa inalcançável. Não se imaginavam entrando na Empresa.
Quando eu disse que tinha feito a inscrição no concurso, os
meus colegas riram de mim, fui motivo de críticas e chacota. Eles diziam que eu iria jogar dinheiro fora. Para os meus
colegas, o fato de trabalhar na construção e ser da região jamais me proporcionaria uma chance de entrar numa empresa
como a Eletronorte”, lembra João Batista.
Há dez anos na Empresa, João conta que realizou um sonho de infância: “Os meus horizontes se ampliaram, pude
me capacitar e consegui também me graduar em engenharia
civil. Para quem trabalhou como eu trabalhei em construção
civil, a formação de engenheiro é o grau mais almejado”. Atualmente, João está se especializando em engenharia de segurança do trabalho. Uma das suas expectativas para o futuro:
“Se tiver mais um concurso público para engenheiro civil na
Eletronorte, pode ter certeza que serei um dos concorrentes!”.
Estamos certos que também será um dos classificados.
oferta de mão de obra, clima e solo favoráveis
ao setor produtivo.
No entanto, apesar das riquezas geográficas, a disponibilidade de um sistema elétrico é fator decisório para a instalação de um
empreendimento. “Antes de investir em uma
região, o empresário realiza pesquisas de mercado para saber se a região é compatível com
o investimento e nesse caso o fator energia
elétrica é decisivo”, conta o empresário César
Moreira de Moraes. Há 12 anos em Tocantins,
o goiano fixou moradia em Miracema e investiu no segmento de construção civil. Moraes
via a região como um solo de oportunidades,
mas precisava de investimento.
Assim que inaugurou sua loja, no ano de
1997, o empresário afirma que passava por
corrente contínua
corrente contínua
Palmas,
A Eletronorte instala-se no Tocantins, com
símbolo do
crescimento sede na cidade de Miracema, no dia 24 de
econômico julho de 1998, mas a presença da Empresa
estadual
“Tá vendo aquela subestação ali, eu também trabalhei
lá!”, parafraseia João Batista Martins Teixeira, os trechos da
música ‘Cidadão’, mostrando a Subestação Miracema, uma
obra que há pouco mais de dez anos ele ajudou a construir.
Ao contrário do transeunte, – retratado na letra de Lúcio
Barbosa e eternizado na voz de Zé Geraldo – a entrada de
João não é proibida na obra que ele ajudou a levantar, tem
acesso livre não só à Subestação, mas a todas as instalações da Eletronorte e a todos os benefícios oferecidos pela
Empresa.
De servente de obras ao cargo efetivo de eletricista de
linha, orgulhoso com a magnitude que o empreendimento
conquistou no decorrer dos anos, João Batista afirma que
a chegada da Eletronorte ao Estado do Tocantins e a Interligação Norte Sul I proporcionaram desenvolvimento para a
região e mudou a vida de muita gente, até mesmo a dele.
Rapaz sonhador, tocantinense, daqueles ‘nascidos e
criados’ no cerrado brasileiro, João viu sua vida mudar a
partir do ano de 1998, quando trabalhou como servente na
construção da Subestação Miracema. No auge dos seus 18
anos, morava em Miracema do Tocantins, e afirma que a
vinda da Eletronorte para a cidade foi um divisor de águas
em sua vida. “Antes da Empresa, as minhas expectativas
eram restritas, até porque não tínhamos indústrias e nem
empresas grandes. Quando começou a construção da
Subestação e da linha de transmissão, o cenário mudou.
Tivemos mais expectativas de empregos, melhoria no comércio. Foi quando comecei a trabalhar como servente na
obra”, relembra.
Ciente da importância do empreendimento para o cenário nacional, João queria mais. Dos 400 homens que trabalharam na construção da Subestação, ele foi o único a
passar no concurso público realizado pela Eletronorte em
1998. Taxado de louco pelos colegas e em meio a muitas
21
22
ENERGIA ATIVA
No caminho da
linha de transmissão,
a pré-história de Mato Grosso
Márcia Oliveira
Milhares de anos separam o homem da
pedra lascada daquele que hoje dispõe dos
grandes inventos contemporâneos de alta
tecnologia. Mas uma ciência, a arqueologia,
tem o poder de aproximá-los. E foi atuando
no plano básico de controle e monitoramento ambiental para a construção da linha de
transmissão Juba/Jauru, em Mato Grosso,
que a arqueóloga Suzana Hirooka descobriu 2.654 materiais arqueológicos entre líticos (pedra lascada), pedaços de cerâmica
e um crânio de criança, que ela acredita,
podem ajudar a reconstituir a pré-história
ou a história de sete municípios do sudoeste de Mato Grosso. As pedras lascadas
são associadas ao estilo de vida do homem
caçador-coletor que viveu no final do período pleistoceno - 1,8 milhão a 11 mil anos
atrás - e a cerâmica ao homem agricultor,
que viveu há três mil anos.
As peças foram resgatadas em 11 sítios
arqueológicos, um lítico e dez cerâmicos,
identificados ao longo dos 159 quilômetros
que cruzam os municípios de Barra do Bugres, Salto do Céu, Figueirópolis, Indiavaí,
Araputanga, Jauru e Reserva do Cabaçal,
por onde passam as linhas da Brasnorte
Transmissora de Energia, Sociedade de
Propósito Específico – SPE, da qual a Eletronorte detém 45% de participação. O material foi encaminhado para análise laboratorial com a qual se pretende identificar a
datação. Depois, com o auxílio de estudos
etnográficos e pesquisas antropológicas,
será possível caracterizar a vida do homem
que deixou esses vestígios. Uma primeira
tentativa, com o método do Carbono – 14
foi feita, mas em função da acidez da terra,
o átomo do elemento não foi encontrado nas
peças, explica a arqueóloga. Mas as pesquisas continuam com o uso de outras técnicas
e, caso não seja possível datar com métodos
laboratoriais, existe a alternativa de encontrar
sítios datados que tenham o mesmo tipo de
material e por similaridade, caracterizá-los.
Até o final deste ano Suzana acredita que
terá todos os elementos para dizer se os vestígios são de homens pré-históricos ou históricos, período a partir da chegada dos europeus
ao Brasil. O homem em questão pode ser o
primeiro, e se for esse o caso, pode ter tido um
estilo de vida seminômade, tendo que buscar
a sobrevivência num ambiente hostil, com animais gigantes como mastodontes, preguiças
de três metros de altura e tatus do tamanho
de fuscas. Tudo isso em áreas de savana, que
hoje conhecemos como cerrado, e floresta,
num ambiente de temperatura seca e até sete
graus mais baixa que a atual.
A outra possibilidade, de serem materiais
deixados pelo homem histórico, leva a arqueóloga a supor que as peças tenham pertencido
aos índios bororos do ocidente, ocupantes da
região do Vale do Jauru até o final do século
XIX, quando os registros históricos dizem que
eles foram extintos em função da chegada
do homem branco a partir de 1762. “Trabalho com as duas hipóteses porque encontrei
material lítico e um crânio, enterrado de forma diversa da usada pelos bororos. E Mato
Grosso é um dos estados onde foi registrada
a segunda datação mais antiga da presença
do homem, há 25 mil anos. Logo, não posso
descartar a presença do homem pré-histórico
naquela região. Também não posso desconsiderar que os materiais sejam dos índios bororo, que viveram ali e podem ter adotado a vida
de agricultores”.
corrente contínua
corrente contínua
Manutenção
de qualidade
garante a
confiabilidade
do sistema
algumas situações constrangedoras devido à
instabilidade do fornecimento de energia elétrica. “Na época, se eu tivesse condição, teria
instalado um gerador a diesel para utilizar no
comércio e em casa. Às vezes estava atendendo um cliente e no meio de uma venda faltava
energia, interrompia o sistema e prejudicava
a compra. Era preciso torcer para não comprometer também os equipamentos”, lembra.
Atualmente, Moraes (acima, atendendo a uma
cliente) expandiu o seu negócio e conta com
mais quatro filiais, três em outras cidades tocantinenses e uma em Goiás.
A economia tocantinense vem se destacando no cenário econômico nacional. No período
de 2002 a 2006, o Tocantins apresentou um
crescimento acumulado em volume do Produto Interno Bruto (PIB) de 32,3%. Em 2002, o
PIB foi de R$ 5,6 milhões e em 2006 atingiu
R$ 9,6 milhões, agregando à economia R$ 4
milhões. O setor industrial foi o que mais expandiu, acumulando no mesmo período um
volume de 41,04%, e ficando à frente dos
setores de serviço (27,41%) e agropecuário
(26,23%). Esse desempenho deve-se aos
constantes investimentos em construção civil,
como por exemplo, usinas hidrelétricas, ferrovias e edificações públicas e privadas.
Potência energética – Nos últimos anos, o
Tocantins passou da condição de importador
de energia para de exportador em potencial.
Por meio do Linhão, a energia gerada nas usinas Lajeado e Peixe é despachada pelo SIN.
Junto com PCHs a geração chega a uma média anual de 8,4 GWh, dos quais aproximadamente 16,03% ficam no estado, o restante
entra no sistema interligado.
A Interligação Norte-Sul I, com 1.277 km de
extensão é um dos mais modernos sistemas de
fornecimento de energia do mundo. São 3.015
torres, cada uma com 30 metros de altura e a
distância média entre elas é de 400 metros, na
tensão 500 kV, e capacidade de transmissão de
1.100 MW. No Tocantins são 392 km de linhas
e 930 torres, seguindo a BR-153 (Belém-Brasília) por 23 municípios. A Eletronorte possui
duas subestações, nas cidades de Colinas e Miracema do Tocantins, ambas em 500 kV. É na
Subestação Miracema que a energia é rebaixada para 138 kV e entregue à Rede/Celtins.
“A interligação que se faz em nosso estado
é fator decisivo para viabilizar as futuras usinas do Rio Tocantins, pois possibilita a redução do custo da integração dessas usinas ao
sistema de transmissão nacional. Ressalte-se
ainda o desenvolvimento da região durante a
implantação do empreendimento, com geração
de empregos e aumento
na demanda de bens e
serviços, além de garantir maior confiabilidade,
qualidade e continuidade
no serviço ao consumidor,
sendo até hoje a principal
fonte de energia elétrica
estadual”, analisa Paulo
Cezar de Oliveira, gerente
da Divisão de Transmissão da Eletronorte no Tocantins (à direita).
De acordo com Paulo Cezar, os estudos de
planejamento demonstraram que a interconexão desses sistemas proporcionaria ganhos
energéticos significativos, decorrentes da diversidade hidrológica que permitiria uma operação mais eficiente dos reservatórios hidrelétricos. “Entre as ações avaliadas, concluiu-se
que a construção de um elo entre os dois sistemas com capacidade de 1.100 MW permitiria
a obtenção de um ganho energético de cerca
de 600 MW médios anuais, com um custo em
torno de US$ 15 para cada MWh adicional
produzido”, conclui.
23
Era do gelo - O registro histórico mais antigo da presença do homem em Mato Grosso
ao qual Suzana se refere é o que foi encontrado no sítio arqueológico de Santa Elina, no
município de Jangada, a 82 quilômetros da
capital. Lá, na segunda metade da década
de 1980, um grupo de cientistas brasileiros e
franceses encontrou fragmentos de ossos de
uma preguiça gigante e, no mesmo nível de
escavação, 3,5 metros, coletaram três fragmentos de ossos de animais nos quais foram
constatados cortes e polimentos que não fo-
ram moldados pela natureza. Assim, supõese, foram feitos por homens. “Os cientistas
pesquisaram o lugar por 17 anos e sabiam
que a descoberta provocaria polêmica, pois a
teoria clássica, dos norte-americanos, afirma
que as evidências mais antigas da presença
do homem na América são de dez a 12 mil
anos, quando teria ocorrido a última grande glaciação da Era do Gelo. No Estreito de
Behring teria se formado uma ponte ligando
a Ásia ao Alasca e assim iniciado a ocupação
da América. Mas, no Brasil, já existem várias
evidências da presença do homem aqui antes
disso”, explica Suzana.
Ainda segundo a teoria clássica, o homem
americano teria se originado de três ondas migratórias, a primeira seria de populações asiáticas, a segunda de povos denominados NaDene e a última de esquimós. Mas, o crânio
de uma mulher, com datação de 11.500 anos,
encontrado em escavações em Lagoa Santa
(MG), foi apresentado à comunidade científica
mundial, após ter sido reconstituído. E para a
surpresa de todos, as feições de Luzia, como
foi batizada a primeira brasileira, apresentam
traços muito mais próximos de grupos que habitavam a África e a Austrália, do que os dos
asiáticos. Ou seja, ter encontrado esse vestígio no Brasil traz à tona a possibilidade de ter
havido ao menos mais uma onda migratória
para as Américas e isso teria ocorrido séculos
antes de 12 mil anos, como propõe a teoria
clássica.
Controvérsias à parte, o que se sabe até agora é que o trecho por onde passa a linha Juba/
Jauru teve uma ocupação intensa de agricul-
24
A arqueóloga Suzana Hirooka (ao lado) relata que durante
toda a pesquisa a população demonstrou muita curiosidade e
interesse pelos trabalhos científicos. “Quando nos viam fazendo os resgates queriam saber o que era aquilo e depois passaram a nos trazer parte de peças que eles haviam encontrado
em suas propriedades. Alguns até tentavam reconstituir o que
achavam, demonstrando o carinho e a importância que eles
dão para esses achados. Essa relação com a comunidade é
muito importante para percebermos que todos têm interesse
em conhecer o seu passado, de onde viemos e como toda
essa nossa história, ou pré-história, começou”, descreve.
O trabalho de descobrir os segredos encravados na terra
segue metodologias científicas, que podem ser divididas em
três etapas de campo, numa junção do trabalho braçal e de
pesquisa. Ele começa com o diagnóstico da área, trabalho
que indicará se ali existe potencial arqueológico. “A maioria das áreas de Mato Grosso tem potencial, pois o País foi
rico em populações indígenas dizimadas com a chegada dos
portugueses. Se eram as populações indígenas que predominavam, onde elas estão hoje? Seus vestígios devem estar
por todos os lados, pois eles eram vivos e muito presentes
aqui. Logo, se não encontrarmos vestígios pré-históricos,
com certeza teremos os históricos”, relata Suzana.
O diagnóstico é rápido e pode demorar dois meses caso
o arqueólogo desconheça a história, etnografia e pesquisas
de ocupações recentes do local. Para auxiliar no diagnóstico
é feita uma visita em campo no sentido de verificar a sedimentação do solo. “Como Mato Grosso tem um bom arquivo histórico e etnográfico, não encontramos problemas com
isso. O próprio Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon,
o Marechal Rondon, nos deixou muitos documentos que são
fonte de pesquisa para qualquer área daqui. Já informações
arqueológicas existem poucas, pois o primeiro arqueólogo a
residir em Mato Grosso veio para cá na década de 1980, ou
seja, esse tipo de estudo nessa região é muito recente”.
A busca pelos tesouros perdidos exige muita dedicação
Após o diagnóstico é hora de partir para a prospecção.
É nessa etapa que o subsolo é verificado para que os
pesquisadores se certifiquem da quantidade e qualidade
dos sítios arqueológicos. O trabalho é feito com sondagens, em estratos da área pesquisada. “Fazemos buracos de 15 centímetros de diâmetro, com profundidades
variadas de acordo com o potencial do terreno, com intervalos de cinco, dez e 50 metros de distância entre um
e outro. A distância é menor se o potencial é maior. Na
região onde trabalhamos, identificamos sítios a 20 centímetros de profundidade e os máximos escavados foram
de 60 cm. Já o tempo dos trabalhos depende da obra, do
tamanho dela e do impacto na área”, explica.
A última etapa é o resgate e salvamento das peças. É
nesse momento que elas são retiradas com todo o cuidado possível para que não sejam danificadas. Depois,
começam a limpeza, identificação e reconstituição das
que podem ser reconstruídas, para que as teses sejam
montadas.
O trabalho do arqueólogo foi retratado no cinema com
contornos aventureiros e cheio do sobrenatural com o
personagem de Indiana Jones, criado por Steven Spielberg
e George Lucas. Nos filmes, Indiana tem que enfrentar o
mal para encontrar e proteger tesouros perdidos. Tirando as
aventuras glamorosas e os objetos de atração que inspirou
Indiana, todo arqueólogo tem a intenção de encontrar e proteger tesouros perdidos, mesmo que eles não sejam cidades
como Eldorado e Atlântida, mas apenas um rudimentar instrumento de osso. “A arqueologia é a busca por fatos e não
pela verdade. Se é a verdade que procuram, pode assistir à
aula de filosofia do doutor Tyree, do outro lado do saguão”,
disse o professor Indiana em um dos seus filmes. E nisso, ele
tem razão, pois toda interpretação do passado baseada em
fatos é sempre provisória.
corrente contínua
corrente contínua
Trabalho braçal
e de pesquisa
25
corrente contínua
Cerâmicas - A primeira avaliação da aparência das cerâmicas só foi possível porque a
partir dos fragmentos coletados, a pesquisadora e sua equipe reconstituíram os vasilhames.
“Nessa etapa, pedimos a ceramistas profissionais que, a partir das formas arqueológicas
que levantamos, refizessem os vasilhames e
acrescentassem um traço pessoal (fotos da
26
Mantidos por ONGs, os museus atraem visitas escolares
até o início da década de 1980 considerado
como o de datação mais antiga da presença
do homem no Brasil, com elementos que remetem há 14 mil anos.
Crânio - Quanto ao crânio encontrado nas
escavações no trecho da linha Juba/Jauru
(ao lado), que junto ao material lítico é tido
por Suzana como o principal indício da ocupação pré-histórica da região, Maria Clara
avalia que pode ser mesmo um bom indício,
já que os bororos, não os ocidentais, mas os
da região, enterravam seus mortos em urnas
corrente contínua
tores. A interpretação é possível em função do
volume de material encontrado, principalmente no município de Reserva do Cabaçal, onde
o sítio que mais chamou a atenção da pesquisadora, apesar de não ser o mais densamente
povoado, tem uma extensão de 600 metros.
“Ali, os moradores usavam a terra para sustento de várias formas e percebemos, pela
rede de sítios encontrados, que eles viviam
em pequenas, médias e grandes aldeias. Outra coisa que identificamos é que existem dois
tipos de cerâmica, uma mais grosseira e outra mais refinada, decorada e com padrão de
modelagem. As peças mais grosseiras foram
encontradas na Reserva do Cabaçal, e as mais
refinadas já próximas ao município de Tangará
da Serra”, relata a arqueóloga.
sequência). Agora temos as peças como supomos que fossem um dia quando estavam
inteiras. O próximo passo é avaliar a argila, a
inclinação, a temperatura de queima, as decorações, entre outras características das peças
encontradas”.
Independentemente do tipo de material que
foi encontrado e das informações que ele pode
reforçar ou elucidar, Suzana defende que os
trabalhos de arqueologia desenvolvidos contribuem para a história do povo matogrossense.
Ela avalia que os materiais encontrados podem
até não ser relevantes para a discussão mundial sobre o mais antigo período de ocupação
das Américas, mas é de extrema importância
para a população local e do estado. “Com esse
tipo de pesquisa temos a oportunidade de
construir uma geração consciente, com padrão
de conhecimento civilizado a respeito do próprio passado. Tem uma frase que gosto muito,
e que diz ‘um país sem memória é muito mais
que um país sem passado. É um país sem futuro’. Com o conhecimento do passado temos
como planejar e fazer um futuro melhor, principalmente em relação ao meio ambiente”.
Para a pesquisadora e doutora em arqueologia do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan, Maria Clara Migliácio,
a densidade de sítios encontrados no trecho
da obra da Brasnorte é caracterizada como razoável. “A cada dez quilômetros a arqueóloga
localizou um sítio, isso quer dizer que a região
teve uma densidade ocupacional relevante e
o local demonstra ser um campo importante
para pesquisa”, avalia. Maria Clara diz que o
Mato Grosso é um campo vasto para essas
pesquisas por ter um extenso território e ser
pouco explorado. Ela lembra que lá também
está localizado o sítio Abrigo do Sol, localizado
nos municípios de Comodoro e Nova Lacerda,
27
Sala da Memória
28
deixadas em cavernas, e não sob o solo. Posteriormente, eles teriam mudado o método em
função da presença do homem branco. “Por
perceberem que suas urnas estavam sendo
violadas nas cavernas, os bororos passaram a
colocar os corpos em cestos e a depositar esses cestos na água. Mas, como já disse, todos
os vestígios que apontam a ocupação humana
são interessantes para o conhecimento arqueológico e a datação dessas peças poderá tirar
essas dúvidas”.
O diretor da 18ª Sub-regional do Iphan,
Claudio Quoos Conte, informa que em Mato
Grosso existe hoje o registro de 700 sítios arqueológicos, o que não representaria 0,5% do
potencial do estado. Ele afirma que o cadastro
do órgão está desatualizado e que também
existe uma subnotificação desses sítios, por
falta de conhecimento da população e mesmo de investimento em pesquisas. A maioria
dos estudos elaborada em Mato Grosso são
da mesma natureza do executado na obra de
construção das linhas de transmissão Juba/
Jauru. São pagos pela empresa que executa o
empreendimento como um pré-requisito legal,
estabelecido na Lei 6.924/61 e regulamentado com uma portaria da década de 1980.
“Os sítios arqueológicos são considerados pela
Constituição como patrimônio da União e o
órgão responsável por emitir as licenças de
escavação e de análise, prospecção e resgate
das peças somos nós. A lei estabelece que o
estudo e resgate devem ser feitos sempre que
um grande empreendimento tiver potencial de
impactar esse patrimônio”, explica.
Petroglifos - Conte informa que nos sítios
já identificados foi encontrada uma infinidade
de registros pré-históricos e históricos. Para
contar um pouco sobre o passado de Mato
Grosso existem pinturas rupestres, esculturas em pedras, os chamados petroglifos, os
materiais líticos e cerâmicos associados a
restos de ossos, alimentos, vestimentas, entre outros. Ele ressalta um sítio encontrado na
região amazônica de Mato Grosso pela população, no município de Paranaíta. “Ali existe
um afloramento rochoso, no meio da floresta,
numa área de sete hectares, que é o que chamamos de petroglifo. É um atrativo turístico
lindo, chamado de Pedra Preta de Paranaíta.
São desenhos esculpidos na pedra que formam um curioso sítio”.
Conte admite que faltam pesquisas de natureza acadêmica, o oposto das pesquisas
de empreendimentos, já que as primeiras
não têm prazo para começar nem terminar
e têm como único foco o aprofundamento
do conhecimento. Mas ressalta que as de
empreendimentos, tais como o da Brasnor-
te Transmissora de Energia, são de extrema
importância, lembrando que elas estão sendo
feitas com maior intensidade e, consequentemente, contribuindo com o conhecimento
do passado.
Outra limitação é a ausência de um museu
com estrutura para expor os materiais encontrados. Para se ter um exemplo de como essa
limitação tolhe a proximidade da população
com as descobertas, basta citar que os materiais mais significativos já encontrados no
estado estão hoje com os pesquisadores da
Universidade de São Paulo - USP, que inte-
Acervo conservado é a meta
mas nem por isso ficar apenas em seus limites. A população precisa conhecer e dar mais importância a esses valores
e incluo nesse grupo os próprios empresários. Eles devem
entender quais são os retornos do bom relacionamento que
esses investimentos culturais trazem. Muitos de nós desconhecemos. Acredito que a iniciativa de criar a Sala da Memória aproxima a população de empresas como a nossa,
cuja distância é uma constante mais prejudicial que positiva.
E vejo essa como uma forma de se construir, também, a responsabilidade social”, declara.
gram o grupo franco-brasileiro que pesquisa
no sítio Santa Elina. “Como não temos um lugar para expor, eles são os fiéis depositários de
tudo que encontraram ali. O que temos hoje
são organizações não-governamentais que
criaram pequenos espaços de exposição e figuram como nossos fiéis depositários. Nessa
categoria temos dois espaços em Cuiabá, o
Museu de Pré-História Casa Dom Aquino, coordenado pela ONG Instituto de Ecossistemas
e Populações Tradicionais Ecoss; e o Museu
Homem Brasileiro, coordenado pela ONG Instituto Homem Brasileiro”, informa Conte.
corrente contínua
corrente contínua
Peças
recolhidas
nos sítios
arqueológicos
ficam expostos
à população
A empresa que contratou a pesquisa arqueológica, a
Brasnorte Transmissora de Energia, já sabe o que fazer
com o material encontrado para disseminar o conhecimento e as descobertas. A intenção é, a partir de uma
parceria com a prefeitura de Reserva do Cabaçal, município onde foi identificada a maioria dos sítios, montar uma
Sala da Memória. Os materiais serão expostos em vitrines
com a identificação das peças, para que a população local
as conheça. “Além disso, pretendemos que os moradores
dos outros municípios também tenham acesso a essas
informações. A partir de apresentações, mostras, eventos
culturais, feiras e exposições escolares serão mostrados
esses achados. Vamos buscar parcerias para viabilizar a
divulgação das descobertas, já que no estado não tem um
espaço para centralizar o material”, afirma o diretor Técnico da Brasnorte, Sebastião Caetano Belém (acima).
Para Belém, situar as peças numa espécie de museu
é uma forma de devolver à comunidade local um pouco
de identidade. Ele garante que após conhecer as informações e dados apontados com a pesquisa arqueológica,
passou a enxergar a comunidade de outra forma, a ter
identificação e um respeito maior. “Apesar de trabalhar
em outros empreendimentos em Mato Grosso eu não sou
daqui e não conhecia a história dessas cidades, e ao ter
contato com o povo dessas regiões, percebemos que eles
sabem de suas histórias, de suas origens e nisso também
sou beneficiado. Vamos ficar por 30 anos nesse trecho,
que é o tempo de concessão para explorar essas linhas,
temos que saber a história dos lugares. E com as pesquisas, eles, os moradores, também saberão mais sobre o
passado de suas terras”.
O diretor lembra que a prospecção e o resgate das
peças encontradas nos trechos da linha são obrigações
legais, mas afirma que, como responsável pelo empreendimento, encontrou uma forma de se articular com a
classe política local para ampliar o campo de divulgação
do conhecimento. “Temos de cumprir as regras legais,
29
A história de 30 anos do GIT
Érica Neiva
“Adeus ó meu Pará/Eu dessa terra vou me
ausentar/Vou lá pra Bahia, vou lá pra Bahia/
Eu vou viver, vou estudar/Adeus boa gente de
Belém/Que tantas alegrias todos têm/Adeus
meu Pará/Saudades vou levar do pessoal lá
do Guamá”. Música de despedida. Canto de
saudade de um lugar, de pessoas, de uma cultura que por certo tempo pôde ser guardado
apenas na lembrança. No bairro do Guamá,
cidade de Belém (PA), nasceu Marino da Silva Neves. Há 30 anos ele fez essa música ao
deixar sua cidade natal rumo ao centro de treinamento da Companhia Hidro-Elétrica do São
Francisco – Chesf, em Paulo Afonso; momento em que passou a fazer parte do Grupo de
Intercâmbio Técnico - GIT nº 04/78.
Técnico em Eletrônica, recém-saído da
Escola Técnica Federal do Pará, Marino participou, em janeiro de 1979, aos 23 anos, do
processo seletivo que visou a capacitar e suprir de mão de obra os sistemas de transmissão associados às usinas hidrelétricas Tucuruí
– subestações Miramar, Utinga, Guamá, Vila
do Conde, Marabá e Imperatriz – e Couto Magalhães – subestações Coxipó, Rondonópolis
e Couto Magalhães, pertencentes à Eletronorte. O recrutamento reuniu mais de quatro mil
pessoas e selecionou 237 jovens nos estados
do Pará, Mato Grosso e Goiás.
Em março de 1979, Marino fez a sua primeira viagem de avião rumo ao Centro de Treinamento da Chesf. Era um dos 16 eletrotécnicos que fizeram o curso na área de comando
e controle. “Por meio do GIT fiz a minha primeira viagem e tive o meu primeiro emprego.
Inicialmente fomos para a Chesf, onde fizemos
o curso de manutenção de subestação e o primeiro estágio prático. Numa segunda etapa
fomos para o centro da Companhia Energética
de São Paulo – Cesp, em Ilha Solteira, onde
realizamos o curso de proteção de sistema de
geração e transmissão, e também estagiamos.
Ao terminar o curso fui para Tucuruí, onde trabalhei durante oito anos. Em 1988 vim para
Brasília”, relembra.
Hoje, ele viaja sempre à Subestação Marabá, no Pará, onde trabalha na modernização
dos equipamentos de proteção e controle,
mas, no tempo livre, ainda compõe músicas e
toca violão. Ao terminar as atividades do GIT,
Marino fez uma música de despedida: “Adeus
eu vou voltar/Eu vou voltar lá para o Pará, eu
vou/Adeus boa gente da Bahia/Eu agradeço
pela sua companhia/Adeus escolinha lá da
Chesf,/Pois era onde estudava com alegria/
Adeus companheiro e amigos/Muito obrigado
pelas suas amizades/Eu vou embora, mas eu
volto qualquer dia/E todos juntos vou sentir
muitas saudades/Adeus Paulo Afonso adeus/
Muito em breve eu volto aqui”.
corrente contínua
GIT - O GIT foi um mecanismo criado pela
Eletrobrás para ser utilizado sempre que o
Sistema precisasse de um esforço conjunto
30
“Adeus escolinha lá da Chesf, muito obrigado pelas amizades”
das empresas para atuar em aspectos fundamentais como treinamentos, equipamentos,
relações humanas. Assim, formava-se o grupo de intercâmbio, numerando-o. Em 1978, a
Eletrobrás criou o GIT nº 04/78 para capacitar
a mão de obra que a Eletronorte precisaria na
área-fim, que era operar e manter sistemas de
geração e transmissão no Pará e Mato Grosso.
Naquele período, o engenheiro de Operação
da Eletrobrás, João Roberto Rodrigues (abaixo), passou a fazer parte do GIT e o seu papel
foi manter intercâmbio com todos os centros
de treinamentos que recebiam os ‘gitianos’. “A
Eletrobrás tinha um sistema de capacitação
muito intensivo nas empresas do sistema de
energia elétrica. Ela dava suporte a toda questão de treinamento. Havia grande sensibilização e uma série de programas para a formação dos seus técnicos”, esclarece João.
Uma das coisas que chamou a atenção
dele foi a determinação das pessoas que trabalhavam na Eletronorte. “Viajava muito todo
o Brasil, de Norte a Sul. Quando fui à primeira vez na Eletronorte fiquei surpreso. Era uma
Empresa muito jovem com um desafio muito
grande - construir Tucuruí e os sistemas associados. O GIT veio para preencher essa necessidade de uma forma muito profissional,
programada e planejada em todos os sentidos.
Ficava surpreso em ver a qualidade e a motivação das pessoas. Acredito que esse foi o
melhor programa de formação das empresas
do Sistema Eletrobrás. Tive muita honra em
participar do projeto”, frisa João.
Marino, hoje,
e na época
de ‘gitiano’,
o primeiro
à esquerda,
tocando violão
corrente contínua
CIRCUITO INTERNO
Saudades do Guamá
31
32
dos processos - aspectos técnicos de recrutamento, seleção e treinamento -, e produzia
os instrumentos necessários à coordenação,
controle e avaliação, mantendo permanente
sistema de acompanhamento dos treinandos
e programas orientativos de visitas técnicas.
Por sua vez, a Coordenação Administrativa,
feita por Carlos Walfrido de Campos Monteiro,
equacionava formas de pagamento de pessoal
em treinamento, preparava solicitações, verificava a consecução dos pagamentos previstos,
coordenava férias e frequencia.
e história nova, pessoas
diferentes em termos
de origem e etnia. Para
mim foi uma descoberta. Nos 42 anos de Setor
Elétrico, diria que foi a
vivência mais gratificante em termos de resultados, desde o processo
de recrutamento até o
momento em que aquelas pessoas passaram a
trabalhar na Eletronorte, tornando-se excelentes profissionais. A
maioria teve sucesso em todos os aspectos.
Foi um crescimento não apenas profissional,
mas social, pessoal e financeiro. A própria
oportunidade que tiveram de sair do Pará e
ter contato com outras regiões do Brasil foi
muito valiosa”, rememora.
O projeto teve ainda duas outras coordenações. A coordenação Técnica, sob responsabilidade de Waldo Vieira do Nascimento, preparava cronogramas relativos a todas as etapas
Centros de treinamento – O processo
seletivo realizado pela Eletronorte recrutou
as seguintes categorias profissionais – despachantes de carga (12), supervisor de
Operação (cinco), operador de subestação
e usina (106), eletricista de linha de transmissão (48), técnicos em eletrotécnica (16),
eletrônica (40) e mecânica (dez). A distribuição destes treinandos nos centros de
treinamento dependia da especialidade de
cada um. Cada categoria tinha um cronograma a ser cumprido.
Coube à Eletrobrás avaliar e selecionar os
centros de treinamento de Furnas; da Chesf,
em Paulo Afonso (BA); de Formação e Aperfeiçoamento da Celesc (SC), utilizado também
pela Eletrosul; da Cemig (MG), em Sete Lagoas; da Cesp e da CPFL, em Ilha Solteira (SP).
Em complementação aos cursos, os treinandos participaram de estágios em instalações de porte similares às da Eletronorte,
visando vivenciar situações semelhantes às
que se deparariam em seus locais de traba-
corrente contínua
corrente contínua
Experiência de vida – O processo que selecionou os 237 ‘gitianos’ não priorizou pessoas
da Região Norte por acaso. Para o coordenador-geral do GIT, Leonardo Govastki, (ao centro, atualmente, e como coordenador do GIT)
a contratação do pessoal ocorria nos próprios
locais de trabalho para facilitar o recrutamento, a seleção e a retenção quando estivessem
em atividade. “Poderíamos buscar a retenção
desse pessoal em outras regiões, mas as peculiaridades sociais, econômicas e geográficas
não favoreciam a vinda desses profissionais
para a Região Norte”, destaca. A maioria dos
jovens saiu das escolas técnicas federais do
Pará, Mato Grosso e Goiânia.
A primeira função de Leonardo ao chegar
à Eletronorte, em 1978, foi coordenar o GIT.
Ele atuou na parte técnica e na de apoio administrativo. Apesar dos 31 anos transcorridos,
ele se lembra até hoje da felicidade dos jovens
que saíram principalmente de Belém em busca de uma vida melhor. “Eram muito jovens,
a maioria sem nenhuma experiência profissional. Para muitos era o primeiro emprego e
eles se agarraram à oportunidade com todo
entusiasmo e intensidade, pois vislumbravam
que a Eletronorte seria uma grande Empresa.
Depositaram fé e esperança no projeto. Acertamos em termos do processo, apesar de termos selecionado pessoas sem nenhuma experiência”, avalia.
Para o paulista Leonardo, que nunca tinha
saído do seu estado antes de trabalhar na Eletronorte, a experiência do GIT foi, sobretudo,
uma grande descoberta. “Foi uma experiência de vida fabulosa. Primeiro, nova cultura
33
34
Amizade – Além da formação profissional,
os centros de treinamento foram locais de
verdadeiras e belas histórias de amizade não
apenas entre treinandos, mas também entre
estes e os instrutores. Como exemplo, temos
o ex-instrutor de treinamento da Cesp e hoje
coordenador de treinamento da Eletronorte, Orlando Benedito Zarlenga. Na época do
GIT, Zarlenga tinha 30 anos e se lembra que a
aproximação com os ‘gitianos’ deu-se, principalmente, por serem todos jovens. “Entroseime com o pessoal desse grupo, até pela nossa
juventude e pelo fato de estarem distante da
terra natal. Eram todos ‘meninos’. As amizades
foram muito fortes. Houve uma interação muito grande”, relembra.
Realmente, a interação entre eles foi
tão grande que, ao serem finalizadas as
atividades do GIT, o instrutor viajou com os
treinandos para conhecer Belém. “O nosso
vínculo tornou- se mais forte quando viajei
para Belém e pude conhecer suas famílias.
Empolguei-me com aquilo. Fiquei 15 dias na
casa de um deles e o pai, Sr. Raimundo, foi
muito gentil. Recebeu-me de braços abertos, de uma forma abnegada. Ali tive uma
lição – eles faziam as coisas não esperando
recompensas, mas, sim, de coração aberto.
Mantenho contato até hoje. Sei onde a maioria deles se encontra. Há treinandos que, ao
viajar, não me deixam ficar em hotel. Quando
chego, já estão me esperando no aeroporto”,
alegra-se Zarlenga.
Quando o instrutor saiu da Cesp, em
1987, poderia ter se aposentado depois de
seis anos. No entanto, sua ida a Belém, anteriormente, fez-lhe parar de pensar na aposentadoria e o motivou a vir para a Eletronorte. “Cheguei à Eletronorte em 1987. Sempre
falo das oportunidades que a Empresa nos
dá. Tenho duas grandes paixões – a Eletronorte e a Cesp. Aqui me realizei na área de
educação e treinamento. Hoje ministro e
coordeno cursos técnicos de manutenção e
operação. Creio que a base para os futuros
treinamentos foi o GIT. É muito gratificante
saber que fizemos parte de um pouquinho
do crescimento dos treinandos e podemos
contar com a colaboração deles nas diversas
atividades da Empresa”, frisa.
Tempos de datilografia – Em 27 de novembro de 1978, com 22 anos, o auxiliar administrativo do GIT e hoje analista de Planejamento,
Vitor Rodrigues Homem, entrou na Eletronorte. Naquele período, a Empresa era uma uni-
Tucuruí recebeu a
maioria dos ‘gitianos’
Ao encerrar o projeto GIT nº 04/78,
a maioria dos treinandos, 182 deles,
encaminharam-se para Tucuruí, onde
iriam operar e manter os sistemas de
transmissão e geração do Pará. Como o
sistema de transmissão ficou pronto em
1981 e a Usina, em 1984, parte dos ‘gitianos’ foi para algumas instalações que
a Eletronorte havia encampado, como
as usinas térmicas Miramar e Tapanã.
O engenheiro eletricista Delcídio
Amaral (fotos), hoje senador (PT-MS),
foi o primeiro gerente regional da Usina
Hidrelétrica Tucuruí e teve a oportunidade de comandar os ‘gitianos’. “Comecei, primeiro, como chefe do núcleo
pré-operacional de Tucuruí. Depois me transformei em
gerente regional. O GIT foi uma das experiências mais
exitosas que a Eletronorte teve. O resultado desse trabalho foi espetacular, não só dando embasamento técnico,
profissional e pessoal para aquele novo time de jovens,
como também promovendo experiências extraordinárias,
principalmente nos estágios”, destaca Delcídio.
Para ele, o GIT foi fundamental não apenas pela preparação de técnicos para Tucuruí, mas para todo o sistema
de transmissão. “A Eletronorte era uma Empresa jovem.
Nós, praticamente, passamos a operar e manter um dos
sistemas mais complexos do Setor Elétrico brasileiro, por
meio do trabalho de jovens. Jovens engenheiros, jovens
técnicos, que muito contribuíram com a geração de bons
profissionais que a Empresa formou. A Eletronorte sinalizou
para toda uma região que era fundamental para o sucesso
de qualquer projeto, de qualquer investimento, a qualificação da mão de obra”, conclui.
corrente contínua
corrente contínua
Tenysson
(acima) e
Zarlenga
(à direita),
ressaltam a
amizade e o
aprendizado
de vida
de inflexão para muita coisa, inclusive para
a minha carreira profissional. Eu era o mais
jovem coordenador de curso da Cespe. Tinha
25 anos. Atuávamos em todas as áreas – profissional, social e pessoal. Um dia recebemos
a notícia que um primo muito próximo de um
treinando, que estava trabalhando em campo, havia falecido. Ficamos indecisos sobre
que decisão tomar, uma vez que a amizade
entre os dois era muito grande. Infelizmente,
como não dava tempo de viajar para o velório, tivemos que dar a notícia no dia seguinte,
com mais calma. Isto tudo é riquíssimo, um
aprendizado para a vida. De repente perceber que você dá aulas, coordena cursos, supervisiona o estágio, fica de olho se a pessoa
recebeu o pagamento, atenta-se a questões
cotidianas que não se referem apenas aos
aspectos técnicos. É participar de uma transformação”, reflete.
Foto: Jornal do Senado
lho. A etapa final do treinamento foi constituída de cursos ‘on site’, ou seja, os treinandos
voltavam para a Eletronorte a fim de conhecer
especificamente o sistema, equipamentos e
instalações onde iam trabalhar, os quais possibilitavam uma adequada integração dos empregados à Empresa. Eles acompanharam o
final da montagem dos equipamentos e testes
de comissionamento dos sistemas de Tucuruí,
para onde se deslocaram 182 pessoas; e Couto Magalhães, com 55 técnicos. Todo o processo durou cerca de dois anos.
O Centro de Treinamento da Cesp, em Ilha
Solteira, recebeu 107 ‘gitianos’, dos quais 35
passaram também por, pelo menos, outro
centro de treinamento, a exemplo de Marino
que estudou na Chesf e Cesp. O coordenador
dos cursos do GIT na Cesp, Tenysson de Matos Andrade, hoje na área de Suprimentos da
Eletronorte, relembra a excelência do centro.
“Eram 36 salas de aula, um auditório, pátio
com postes para treinamento do pessoal de
distribuição, torres para treinamento do pessoal de manutenção de linhas, alojamento com
capacidade para 320 pessoas, restaurante
com cozinha industrial, quatro
ônibus para levar os treinandos
do alojamento ao centro. Trabalhavam 110 pessoas apenas no
treinamento, das quais 50 instrutores”, ressalta Tenysson.
Em cada empresa havia uma
coordenação que gerenciava a
operacionalização do projeto e
passava os dados para a Eletronorte. Para Tenysson, contudo, o
papel da Empresa naquele momento não foi apenas formar um
especialista. “O GIT foi um ponto
35
36
‘Gitiano’ amadurece
conhecimento
e torna-se instrutor
“Acordávamos por volta das 6h da manhã. Tomávamos café no refeitório. Depois nos deslocávamos para os
ambientes de aprendizado – sala de aula convencional
ou laboratórios. No período matutino, os cursos iniciavam-se às 7h30 e se encerravam às 12h. Após o almoço
retornávamos para as aulas que terminavam às 17h30.
A partir das 18h, os laboratórios de eletrônica, de circuitos elétricos e as salas de desenho eram liberados para
que pudéssemos fazer nossas tarefas de pesquisa, experiências e simulações. Geralmente nos fins de semana
tínhamos folgas, exceto nos dias em que nos deslocávamos para visitas técnicas em usinas ou subestações.
Sábado pela manhã íamos ao comércio. Nos domingos
aproveitávamos também para conhecer as praias de
Florianópolis, uma vez que minha turma fez o curso de
operação na subestação do Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Celesc”.
A rotina acima foi descrita pelo treinando do GIT e atualmente gerente de Divisão Administrativa da Regional
de Transmissão do Pará, Carlos Olimpio Casseb Quebra
(foto menor). “Toda minha formação aconteceu na Região Sul, nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do
Sul e Paraná. É importante destacar a organização do
centro de treinamento. Até então, não tive a oportunidade de conviver num centro de formação com aquela estrutura. O meu conceito de escola era aquele tradicional.
Tive oportunidade de vivenciar situações práticas nunca
imaginadas, pois o que eu via na escola técnica era muito
modesto em relação ao que comecei a presenciar quando
iniciei minha formação no GIT. Para mim o maior impacto
foi cultural, pois o local onde estudei está situado em uma
região colonizada por europeus, fato que refletia nas características físicas das pessoas, seus sotaques, bem como na
maneira de se comunicar, alimentar e até na questão dos
horários. Lá as pessoas se recolhiam muito cedo, talvez pela
influência do próprio clima”, analisa Carlos.
Após terminar o curso, Carlos foi para as instalações que
a Eletronorte havia encampado, como a Usina Térmica Miramar, em Belém, uma vez que o sistema de Tucuruí estava sendo construído. “Depois disso passamos a integrar as
equipes a fim de acompanhar a fase final da construção e
o início do comissionamento das instalações onde iríamos
operar. Em 1984, fui compor a equipe de operação de Tucuruí, que estava em fase final de construção”, recorda ele.
No momento em que começou a fazer parte da equipe de
supervisores de operação, Carlos e seu grupo tiveram a responsabilidade de não apenas estudar a Usina, mas também
de repassar o conhecimento para um grupo de operadores
que estava sendo preparado. Essa foi a primeira experiência
como instrutor e perdura até hoje. “Passamos a fazer parte
do corpo de instrutores dos operadores. Foi um curso de três
meses. Foi a minha primeira experiência como instrutor na
Eletronorte. De lá pra cá não parei mais de trabalhar com
instrutoria não apenas na área operacional, mas também
comportamental, pois depois de alguns anos me tornei psicólogo. Para mim é uma realização. Ensinar sempre foi uma
área de meu interesse. Hoje também atuo como professor
fora da Empresa”, afirma.
corrente contínua
corrente contínua
Vitor não
esquece a
máquina de
datilografia, e
os ‘gitianos’
(abaixo) não
esquecem de
sua história
dade pequena e ficava em Brasília no Palácio
do Rádio, Asa Sul. Ele fez parte do grupo de
apoio administrativo.
Na década de 70, não havia as facilidades
atuais na área de informatização e nos processos administrativos. Ao Vitor cabia datilografar
toda a documentação dos treinandos. “Era
muito exaustivo, pois naquela época não tínhamos o computador. Tudo era datilografado. Era
muito trabalho para poucas pessoas. Acompanhávamos todos os locais onde os ‘gitianos’
faziam os cursos e estágios, pois realizávamos
transferências dos pagamentos, enviávamos
as correspondências, fazíamos o controle das
viagens. Tudo era feito usando a máquina de
datilografia”, recorda Vitor.
Ele não tinha um contato direto com os treinandos, mas de tanto datilografar o nome deles nas mudanças que faziam para diferentes
partes do Brasil, desde o Nordeste até a Região Sul, recorda dos nomes de muitos deles.
“Manuseava o nome dessas pessoas praticamente todos os dias. Todos eram jovens com
sonhos, expectativas, receios e medos, saindo
de uma vida tranquila para lugares onde as
oportunidades fervilhavam. Apesar de tudo,
sabemos que a escolha foi bem feita. Foi um
casamento bem sucedido entre a Eletronorte e
os ‘gitianos’”.
37
Eletronorte e empresas do Sistema Eletrobrás
constroem empreendimentos fundamentais
Bruna Maria Netto
corrente contínua
Final da década de 50: o então governador do Estado de Rondônia, Paulo Nunes
Leal, adquire uma turbina a vapor de 1.300
kVA e um conjunto de fôrmas para a fabricação de postes de concreto destinados à
rede de distribuição da capital, Porto Velho.
Ali começavam os investimentos no setor
38
elétrico do estado. Final da primeira década
do século XXI: Rondônia é palco para Eletronorte, Furnas, Eletrosul e Chesf erguerem a
maior linha de transmissão do mundo, que
distribuirá a energia elétrica gerada pelas
usinas Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, hidrelétricas que também contam com a
participação do Sistema Eletrobrás. Juntas,
protagonizam um fato inédito na história do
Setor Elétrico brasileiro.
A inovação se deve à atual configuração do
Setor, que possibilita às empresas da holding
atuarem em quaisquer áreas do território nacional em conjunto com empresas privadas,
por meio de Sociedades de Propósito Específico – SPEs. Se 1960 foi o ano que ilustrou
a crescente intervenção estatal no setor de
energia elétrica - resultando na consolidação
de empresas públicas- o ano de 2008 celebrou a solidificação do atual modelo do Setor
Elétrico, com o arremate de lotes no leilão de
transmissão do Madeira. O potencial hidrelétrico de Rondônia é, enfim, redescoberto.
Antes de Jirau e Santo Antônio (fotos ao
lado), uma hidrelétrica marcou a história de
Rondônia e da Eletronorte, que surgiu justamente para alavancar o desenvolvimento
energético na região. O relevo, o clima, a
densa floresta, a extensão e dimensão dos
rios além da baixa densidade populacional foram fatores marcantes na trajetória
da Empresa. Enquanto as concessionárias
atuantes nas demais regiões brasileiras
puderam contar com uma rede básica de
transportes, comunicações e serviços de
saúde, a Eletronorte foi compelida a desenvolver soluções criativas para as condições
de cada área e uma integração intensa e
permanente com a sociedade, que marcaram toda a sua atuação na Amazônia. Além
disso, sua criação representou um marco
importante no processo de consolidação
da Eletrobrás como agente responsável
pela execução da política governamental
de energia elétrica no Brasil.
Samuel - A Eletronorte apontava novas
fronteiras para o desenvolvimento de grandes aproveitamentos hidrelétricos. O ano
de chegada da Empresa em Porto Velho
foi 1981, quando faltavam dez meses para
Rondônia, até então território da União,
tornar-se um dos estados brasileiros. Nessa
época, com a instalação de sua unidade regional, a Empresa deu passos fundamentais
para a sua afirmação no campo do planejamento e da operação de sistemas elétricos
na Amazônia. Ainda em 1981, a Eletronorte
iniciou a construção da Usina Hidrelétrica
Samuel, no Rio Jamari.
Os primeiros estudos de Samuel – nome
herdado da cachoeira que serviu de base
para a instalação da Usina - foram feitos
pelo médico veterinário Ari Marcos, que governou Rondônia quando ainda era território da União. Ari percebeu que a Cachoeira de Samuel teria potencial elétrico. Após
a criação da Eletrobrás, veio o Comitê dos
Estudos Energéticos da Amazônia, o Ene-
A construção e operação de Samuel...
corrente contínua
SISTEMA ELETROBRÁS
Rondônia reescreve a
história do Setor Elétrico
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corrente contínua
...foi fundamental para sustentar
a pujança econômica da região
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Eletronorte optou, em uma primeira etapa,
pelo atendimento a Porto Velho e demais cidades do estado, por meio da implantação
do aproveitamento em Cachoeira de Samuel,
com cerca de 100 MW de capacidade instalada, operando na cota 80 m. Com o término da elaboração do projeto básico da Usina
e a realização de um novo inventário do Rio
Jamari, a montante do local previsto para a
construção, e considerando o crescimento
previsto para a região, viu-se que o aproveitamento era significativamente maior, com
216 MW de potência instalada.
A construção da Usina iniciou-se em
1982. A entrada da primeira unidade geradora, com 43 MW, ocorreu em 15 de julho
de 1989. Hoje, a energia elétrica gerada
pela Hidrelétrica, que foi concebida inicialmente para suprir as cidades rondonienses
de Guajará-Mirim, Ariquemes, Ji-Paraná,
Pimenta Bueno, Vilhena, Abunã e Porto
Velho, além de localidades em crescimento
ao longo da BR-364, chega a 90% dos 52
municípios do estado e, desde 2002, passou a alimentar também a capital do Acre,
Rio Branco.
Vinte anos após sua construção, a Usina
Hidrelétrica Samuel, marco no desenvolvimento econômico do Estado de Rondônia,
passou a ser uma das principais atrações
turísticas da região. Todos os anos, cerca
de cinco mil pessoas visitam as instalações
de Samuel, que, somadas à energia gerada
pela Usina Termelétrica Rio Madeira - de 90
MW - e à geração dos produtores independentes de energia, contabilizam 403 MW de
potência instalada da Eletronorte em Porto
Velho.
Transmissão - Não é apenas com o Linhão do Madeira que a Eletronorte marca
sua passagem por Rondônia na área de
transmissão, longe disso. Desde sua chegada ao estado, a Empresa já construiu dez
subestações transmissoras da energia da
Hidrelétrica Samuel. A maior delas, Ji-Paraná, foi ampliada para, juntamente com a
construção das subestações Pimenta Bueno
e Vilhena, garantir um dos maiores empreendimentos no cone sul do estado: a linha
de transmissão Ji-Paraná/Pimenta Bueno/
Vilhena, que permitirá a interligação dos
estados do Acre e de Rondônia ao Sistema
Interligado Nacional – SIN.
As duas linhas de transmissão já energizadas percorrerão pelo menos 280 km interligando as subestações Ji-Paraná, Pimenta
Bueno e Vilhena, beneficiando por volta de
207 mil pessoas daqueles municípios. Atualmente, o Estado de Rondônia conta com
1.187,89 quilômetros de linhas de transmis-
A Eletronorte
construiu o
sistema de
transmissão
Acre/Rodônia
corrente contínua
ram. Esse Comitê que iniciou efetivamente
o reconhecimento do potencial energético
da bacia hidrográfica amazônica e apoiou
a realização de estudos de viabilidade do
aproveitamento da Cachoeira de Samuel,
com 54 MW de potência instalável, capaz
de substituir integralmente a geração termelétrica na capital do então território, bem
como atender à demanda local de energia
por longo tempo.
Com base no inventário de viabilidade, a
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A Eletrobrás e o Complexo do Madeira - A
Eletronorte iniciou em 1983 o inventário hidrelétrico da Bacia do Rio Madeira em seu
trecho nacional, a jusante da confluência do
Rio Abunã, abrangendo uma área de aproximadamente 500 mil quilômetros quadrados.
O inventário mostrou que os afluentes situados na margem direita do Madeira apresentavam considerável potencial energético
apontando, porém, a possibilidade de aproveitamento apenas no trecho compreendido
entre a foz do Abunã e a cidade de Porto
Velho. Os estudos definiram a viabilidade de
aproveitamentos hidrelétricos em dois pontos no trecho a jusante da bacia: um próximo
à Vila de Tabajara e outro a jusante da foz do
Rio Anari. Esse segundo ponto foi escolhido
para a implantação da Usina Ji-Paraná, com
potência final de 512 MW.
Passados os anos, os estudos da Bacia
do Rio Madeira foram ampliados e, 20 anos
após o início do inventário feito pela Eletronorte, o Sistema Eletrobrás voltava ao local,
por meio de Furnas, que estudou o Complexo do Madeira. De acordo com Furnas Centrais Elétricas, a Hidrelétrica Santo Antônio
empregará até 20 mil trabalhadores diretos
no seu momento auge. As turbinas utilizadas serão do tipo bulbo e cada uma terá capacidade de gerar 72 megawatts, num total
de 3.150 MW. Já a Usina Hidrelétrica Jirau
terá potência nominal de 3.300 MW, gerada
por 44 turbinas, alimentando dez milhões
de casas em todo o País. Com a construção
de linhas de transmissão será possível o escoamento dessa energia em conexão com o
Sistema Interligado Nacional – SIN.
Em breve, o Linhão do Madeira inicia
mais um capítulo da história de Rondônia,
ligando a Região Norte definitivamente ao
resto do País.
Como funcionava a disputa por empreendimentos
em leilões antes do novo Sistema Eletrobrás?
Airton - As empresas do Sistema Eletrobrás nunca disputaram entre si, ressalvada apenas para uma ocasião,
quando houve uma disputa para estimular o leilão de Jirau e de Santo Antônio. Esse foi um caso excepcional,
tanto que a direção do Sistema Eletrobrás oficializou a
não disputa entre as empresas. A nossa política é atuar
no sentido de buscar negócios de geração e transmissão.
Vamos estar sempre participando, seja de forma isolada
ou em parceria.
Gribel - Não houve, na verdade, mudança substantiva
nos procedimentos de Furnas diante da nova configuração do Sistema Eletrobrás. Nossa participação nos leilões
de outorga de empreendimentos de geração e transmissão sempre foi previamente discutida e coordenada com
a controladora que, em conjunto com as empresas do
Sistema, definia quais os empreendimentos seriam disputados e por qual das controladas, assim como os parâmetros econômicos e societários básicos para os leilões.
Mudou de alguma forma a visão da
empresa com esse viés para empreendimentos
em qualquer região do País?
Airton - Nesse atual governo, que aprovou a parceria
público-privada, foi o nicho de negócio que a Eletrosul,
bem como as demais empresas da holding, achou um
bom espaço para crescer no ramo de geração e transmissão, já que é uma parceria que reduz os investimentos do
setor público em infraestrutura e solidifica o investimento
em diversos empreendimentos. A Eletrosul, com a política
do Sistema Eletrobrás, e o novo modelo do Setor Elétrico,
é direcionada a participar de acordo com o melhor resultado para todo o Sistema.
Gribel - Ampliou-se o espectro de parcerias potenciais, contemplando, inclusive, as empresas do Sistema
Eletrobrás. Levamos às outras regiões as nossas experiências no trato das questões ambientais, mas sempre tendo
em conta que cada região e cada empreendimento têm
suas peculiaridades e contexto, que precisam ser identificados e respeitados.
Foto: Anísio Borges/Eletrosul
Da mesma forma que a Eletronorte levará o
Linhão do Madeira até a cidade de Araraquara,
em São Paulo, outras empresas do Sistema
Eletrobrás estão unidas na expansão dos sistemas
elétricos brasileiros. Responsáveis pelas
hidrelétricas Jirau e Santo Antônio – em formação
de SPE – o assistente da Diretoria de Construção
de Furnas, João Batista Gribel, e Airton Araújo
Silveira, assistente da Diretoria de Engenharia
da Eletrosul, contam sua experiência.
Foto: arquivo Furnas
Furnas e Eletrosul
contam suas experiências
João Gribel
De que forma foram feitos os
ajustes para a formação das SPEs?
Airton - Na verdade, qualquer participação da Eletrosul, seja de forma isolada ou em parceria, requer todos
os atos legais. No que tange à participação em parceria,
consideramos a Lei 10.848, que colocou o grupo Eletrobrás em condição de participar de forma minoritária.
Internamente nós nos organizamos, com grupos coordenados pela Diretoria de Engenharia, com a participação
das áreas financeira, jurídica, de engenharia de operação
e manutenção, com vistas à formação de propostas e discussão do estabelecimento das parcerias com os sócios
privados, tendo toda uma organização primando pelos
cuidados e controle nesse tipo de sociedade.
Gribel - Não houve nenhuma alteração relevante. Os
parceiros são selecionados a partir de chamada pública
com ampla divulgação e submetidos a critérios rigorosos
de demonstração de saúde financeira e situação fiscal.
Como regra geral os agentes privados são majoritários nas
SPEs, caracterizando-se, dessa forma, uma empresa privada com participação minoritária do capital estatal.
Quais as vantagens e desvantagens
de atuar em leilões por meio de SPEs?
Airton - A grande vantagem para nossas empresas, de
estar participando de uma parceria com entes privados,
é alavancar diversos empreendimentos em paralelo e isoladamente, que por muitas vezes encontram dificuldades
por uma questão de restrição orçamentária ou financeira. A participação com ente privado permite no mínimo
a fazer com que aquele capital trazido por ele nós não
precisemos mais desembolsar, um item importante para
relativas questões de garantias para o BNDES. O ente privado, pela sua própria condição de dar e captar garantias, tem mais facilidades junto aos agentes financiadores. Mas há momentos que, considerando a estratégia
de um determinado negócio, é mais conveniente estar
sozinho. A questão de estabelecer parceria ou ir a um
leilão sozinho é uma questão de estratégia do Sistema
Eletrobrás, até porque todas as decisões são tomadas
em conjunto, sob a coordenação da holding.
Airton Araújo
Gribel - As parcerias virtuosas são aquelas que agregam capacitações distintas e complementares, existentes nas empresas que se associam em prol da nova sociedade que se cria. Isso
traz maior competitividade, assim como traz mais confiança aos
agentes, os privados em particular, em participar da expansão
do sistema elétrico brasileiro. Muitos agentes privados sentemse mais seguros em participar dos leilões em companhia de
empresas como as nossas, do Sistema Eletrobrás, pois sabem
que agregamos efetivamente valor à parceria ao colocar nossa
experiência em todo o ciclo de planejamento, projeto, construção, operação e manutenção, com vistas a uma participação
técnica, ambiental e financeiramente consistente nos leilões.
Houve alguma diferença nos estudos técnicos,
financeiros e ambientais, na construção de
empreendimentos na Amazônia em detrimento
dos estudos que eram realizados anteriormente
apenas na região geográfica?
Airton - Qualquer leilão tem de primar pela boa prática da
engenharia. Garantido os aspectos legais expressos no edital do
leilão, a Eletrosul deve, enquanto empresa de engenharia, buscar o menor custo, e isso aderente à modicidade tarifária, que
é a política do nosso Setor Elétrico atualmente, buscar a melhor
solução para os projetos. Nesse sentido o projeto de Jirau, pelo
seu porte, tanto financeiro quanto técnico, pelos aspectos ambientais e desafios da engenharia, surgiram soluções bastante
inovadoras. Nós fomos muito felizes na parceria com as empresas Suez, Camargo Corrêa e Chesf, além da Leme Engenharia,
quando desenvolvemos uma solução que permitiu darmos o
grande deságio que demos no leilão.
Gribel - Na área tradicional de atuação de Furnas, as regiões
Sudeste e Centro-Oeste, há certo esgotamento dos potenciais
hidrelétricos economicamente viáveis por explorar. Nossa aproximação com os potenciais do Rio Madeira, e o estudo de sua
viabilidade, foi uma contribuição para a expansão da oferta de
energia elétrica no País e, ao mesmo tempo, uma aposta no
êxito de um enfoque totalmente distinto para a exploração dos
potenciais amazônicos, com redução radical dos impactos ambientais frente às tecnologias tradicionais. Temos certeza que a
usina de Santo Antônio será um marco na história do Sistema
Elétrico brasileiro.
corrente contínua
corrente contínua
são em 69 kV, 138 kV e 230 kV, e 1.787
MVA de capacidade de transformação.
Além disso, a Eletronorte também realizou a ampliação de oito subestações de
energia, levando energia de qualidade e
segurança para os municípios de Rolim
de Moura e da capital, Porto Velho, beneficiando mais 418 mil pessoas ao total. E os
investimentos da Empresa não param por
aí: ainda está prevista para este primeiro
semestre de 2009 a ampliação da Subestação Abunã, em Porto Velho, além de mais
ampliações a longo prazo nas subestações
Ariquemes e Ji-Paraná.
43
TECNOLOGIA
O desafio da transmissão
em longas distâncias
César Fechine
Atualmente, o único sistema de transmissão
em operação em corrente contínua no Brasil
é gerenciado por Furnas Centrais Elétricas, a
partir da hidrelétrica binacional Itaipu, localizada no Rio Paraná (PR), fronteira do Brasil
com o Paraguai. A primeira energização de
uma subestação em corrente contínua desse
sistema, ocorreu há 25 anos.
Esse sistema, um projeto híbrido de corrente contínua e corrente alternada, proporciona uma Receita Anual Permitida – RAP
de R$ 466,8 milhões à Itaipu Binacional e
registrou, em 2007, um índice de disponibilidade de 99,9%. A produção de 18 das 20
unidades geradoras da hidrelétrica, cada uma
com capacidade de 700 MW, é recebida por
Furnas na Subestação Foz do Iguaçu (PR).
Metade das turbinas tem frequência de 60
Hz, enquanto a outra metade opera em 50 Hz
para atender ao sistema elétrico paraguaio, o
que resultou na concepção de um sistema de
transmissão híbrido.
44
corrente contínua
corrente contínua
Foto: José Lins/Furnas
A temperatura é de dois graus negativos e
a neve cobre as ruas da pequena cidade de
Ludvika, na Suécia. Mas não é o fator tempo
que chama a atenção do engenheiro Camilo
Machado Júnior. Juntamente com os engenheiros Claudio Roth, Patrícia de Oliveira e
Leonardo Rocha, Camilo integra uma das
equipes formada por técnicos da Eletronorte
e da Eletrosul que estuda o projeto básico da
linha de transmissão e das subestações que
vão atender ao Complexo do Rio Madeira. Os
estudos estão sendo feitos na sede da Asea
Brown Boveri- ABB, na Suécia, empresa contratada para desenvolver o projeto básico. “O
que mais nos impressionou foi um fator cultural. Tivemos a surpresa de ver várias pessoas
falando português. É que muitos trabalharam
em Itaipu casaram-se com brasileiras e têm
uma imensa simpatia pelo Brasil. Houve uma
grande empatia e isso tem facilitado muito o
nosso trabalho”, relata Camilo.
A construção das linhas de transmissão do
Complexo do Rio Madeira, que transportarão
a energia gerada nas usinas hidrelétricas de
Santo Antônio e Jirau, vai representar um grande desafio para a Eletronorte. Os 2.375 quilômetros de linhas de transmissão são, até hoje,
a maior extensão já licitada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel. “A linha de
transmissão do sistema do Rio Madeira será,
em breve, a maior em construção no mundo.
Além de ser a maior, terá a particularidade de
ser em corrente contínua”, afirma o diretor de
Planejamento e Engenharia da Eletronorte,
Adhemar Palocci.
A Empresa compõe a Sociedade de Propósito Específico – SPE Norte Brasil Transmissora
de Energia S/A, juntamente com a Eletrosul e
Abengoa, constituída para construir o empreendimento. O desafio será utilizar a tecnologia
de transmissão em corrente contínua, ou High
Voltage Direct Current – HVDC, o que é novidade para a Eletronorte.
45
corrente contínua
Foto: José Lins/Furnas
A energia comprada do Paraguai em 50 Hz
é transformada e retificada para corrente contínua (+ 600 kV) e transmitida por dois circuitos
bipolos até a Subestação Ibiúna (SP), onde é
novamente convertida para corrente alternada
e frequência de 60 Hz. Já a energia gerada por
Itaipu em 60 Hz segue, a partir da Subestação
Foz do Iguaçu, por três circuitos de corrente
alternada em 765 kV – a maior classe de tensão existente na América Latina. Entre Foz do
Iguaçu e a subestação terminal Tijuco Preto
(SP), as linhas passam pelas subestações Ivaiporã (PR), um dos principais pontos de cone-
Economia - Os estudos feitos pela Empresa
de Pesquisa Energética – EPE, com a participação de técnicos de várias empresas, entre
os quais da Eletronorte, mostram que quando
se tem um sistema de transmissão em longa
distância, normalmente acima de 1.500 quilômetros, é preciso avaliar as alternativas que
existem para transmissão, que são a corrente
alternada (CA), a corrente contínua (CC) e a
opção híbrida.
Segundo os estudos, a melhor alternativa
econômica é construir a linha em corrente contínua, pois não são necessárias subestações
intermediárias. “A linha em corrente alternada
precisa de subestações a cada 400 quilômetros, aproximadamente. Essas subestações
fazem a compensação das quedas de tensão que ocorrem ao longo da linha e que são
compensadas por uma série de equipamentos
(foto abaixo), como reatores, compensadores
46
e banco de capacitores. E quando a transmissão é longa, esses equipamentos encarecem
o projeto. Num projeto como o do Linhão do
Madeira seriam necessárias seis subestações
intermediárias. A CC não precisa disso”, explica José Henrique.
A linha de transmissão em corrente contínua tem um custo menor porque a linha em
corrente alternada é composta por cabos condutores nas três fases. Na corrente contínua
só há cabos condutores nos dois pólos, o positivo e o negativo, formando o chamado bipolo, o que diminui o custo. Os estudos técnicoeconômicos aprovados pela EPE concluíram
que a solução em corrente contínua, para esse
sistema, resulta numa economia de cerca de
30% em relação às alternativas de corrente
alternada ou híbrida. Técnicos das empresas
que integram a Norte Brasil Transmissora também estudam as melhores alternativas para a
compra de cabos condutores de alumínio que
vão compor o sistema (ver box).
Para discutir o projeto de interligação do
Madeira, houve muito debate e a realização
de fóruns e encontros. A linha de transmissão
em tensão +600 kV vai começar em Porto Velho (RO) e terminar em Araraquara (SP). Já
existe todo um atendimento energético aos
estados de Rondônia e Mato Grosso, com
linhas de transmissão que levam energia às
cidades de Cuiabá, Pimenta Bueno, Vilhena
e outras, bem como reforços que estão sendo
feitos nesses sistemas.
Além da linha, foi prevista uma ligação para
o Estado de Rondônia, por meio de dois sistemas denominados back-to-back, que é uma
conversão da energia gerada pelas usinas
do Rio Madeira para atendimento ao sistema
Acre-Rondônia, de 400 MW cada.
Esse sistema, que compõe o lote A do leilão
007/2008 da Aneel, arrematado pela Norte
Brasil Transmissora de Energia, também funciona como uma espécie de barreira protetora
para evitar perturbações no sistema de 230
kV. “É como se houvesse um sistema de corrente contínua e um de corrente alternada de
costas um para o outro na própria subestação.
A corrente alternada é transformada em corrente contínua, que é novamente convertida
em corrente alternada para atender a esse sistema”, informa José Henrique.
“A região também vai receber a energia gerada pelo Madeira, tanto que no próprio leilão dessas linhas, há um reforço no sistema
de Mato Grosso. Recentemente, houve o leilão do que se chama de Pré-Madeira, que é
Preços do alumínio
em negociação
A construção das linhas de transmissão do complexo do
Rio Madeira vai exigir grande quantidade de cabos condutores de alumínio, commodity que tem o preço cotado em
dólar no mercado internacional. “A quantidade de alumínio
a ser comprada é de cerca de 70 mil toneladas que, a uma
cotação de US$ 1.850 a tonelada, significa um investimento em torno de US$ 130 milhões, equivalente a R$ 260
milhões no câmbio atual”, explica Paulo Takao Yamamura,
gerente de Estudos de Viabilidade Econômico-Financeira
da Eletronorte (foto).
A compra do alumínio corresponde a cerca de 25% do valor total do
investimento em materiais e equipamentos para o empreendimento
sob a responsabilidade da concessionária Norte Brasil Transmissora
de Energia S/A. Considerando que
o outro bipolo será construído pela
Interligação Elétrica Madeira, subsidiária formada pela Companhia
de Transmissão de Energia Elétrica
Paulista – CTEEP, Furnas Centrais
Elétricas e Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco – Chesf, que adquiriu o lote composto
pela outro circuito da linha de transmissão, as linhas do
Madeira vão demandar 140 mil toneladas de alumínio.
A participação das empresas que compõem o Sistema
Eletrobrás em cada um dos consórcios é de 49% e as empresas estão procurando compartilhar as negociações. “Ao
invés de negociar 70 mil toneladas, vamos negociar 140
mil, para termos um poder maior de barganha”, informa
Takao. O trabalho inclui a cotação do alumínio também no
mercado internacional. Além dos fabricantes nacionais,
há fornecedores em países como a Rússia, Austrália, Estados Unidos, Canadá e China.
Diante da volatilidade do mercado mundial, as empresas estudam agora a melhor operação financeira para garantir o preço e mitigar o risco de variação. A cobertura do
custo das toneladas de alumínio normalmente é realizada
por meio de um contrato na Bolsa de Metais de Londres –
LME (London Metal Exchange, na sigla em inglês), único
mercado global para este tipo de commodity.
As opções para evitar que as eventuais flutuações de
preços, câmbio ou de juros encareçam a operação de aquisição por parte da transmissora são fazer hedge (proteção)
cambial ou hedge da commodity. Segundo Takao, “no modelo escolhido para o leilão foi sugerido que se fizesse a
proteção da variação do preço da commodity na LME.”
corrente contínua
xão e intercâmbio energético das regiões Sul e
Sudeste, e Itaberá (SP).
“O ganho desse leilão é uma grande oportunidade para a Eletronorte, tanto para o corpo técnico, quanto para a relevância nacional
e mundial da Empresa. Porque a nossa Empresa, diferentemente de Furnas, que opera
o sistema de Itaipu, nunca teve linhas em
corrente contínua”, declara José Henrique
Machado Fernandes, assistente da Coordenação de Implantação de Empreendimentos
da Eletronorte (à esquerda).
47
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Projeto básico - Técnicos da Eletronorte,
Eletrosul e da Abengoa participam da finalização do projeto básico da linha de transmissão e das subestações, que será apresentado à Aneel. Com o projeto básico concluído,
a Transmissora vai demonstrar que atende
aos critérios estabelecidos para a realização
do empreendimento no edital. Os estudos
estão sendo feitos na sede da ABB, que vai
fabricar e instalar os equipamentos das estações conversoras. O valor do contrato soma
R$ 1,2 bilhão.
O projeto básico detalha as características gerais do empreendimento por meio de
programas que reproduzem as condições da
linha de transmissão, a operação, os fluxos
de carga e possíveis ocorrências de curtocircuito ou de descarga atmosférica. Ensaios
que consistem no dimensionamento das estações conversoras servirão para definir as
válvulas que serão utilizadas, corrente nominal, isolamento e tensão. Os simuladores
digitais vão replicar os controles e componentes e simular as ações pré-operacionais
para testar o projeto e as funções requeridas no edital. Os estudos do projeto básico
são acompanhados também por técnicos da
EPE, do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS e do Centro de Pesquisas em
Energia Elétrica – Cepel.
“Equipe Suécia”
Engenheiros da Eletronorte e da Eletrosul foram
enviados à Suécia para trabalhar nos estudos e planejamento do projeto básico da linha de transmissão
do Complexo do Rio Madeira e subestações conversoras. Inicialmente, a equipe trabalhou em conjunto para verificar toda a documentação dos estudos
elaborados pela ABB. Uma é responsável pelos estudos das especificações dos equipamentos, como
os filtros, eletrodos, transformadores conversores e
reatores de alisamento, que são alguns dos principais componentes de um sistema elétrico em corrente contínua. Outra equipe trabalha com os main
circuits (circuitos principais) do sistema HVDC, coordenação de isolamento, eletrodos de aterramento,
sobretensões, controle e proteção.
O projeto tem características tão peculiares que
o ONS, incumbido de analisar o projeto básico após
a entrega por parte do empreendedor, está acompanhando também os estudos. Relatórios semanais
são feitos com informações sobre os estudos e ligações telefônicas sem custo, por intermédio do skype,
mantêm as equipes do Brasil em contato com a Suécia. De posse desses relatórios e de acordo com
os pontos críticos e as pendências levantadas nos
estudos, reuniões são agendadas para discussões
técnicas com especialistas do Cepel. O resultado
dos estudos será repassado à área de meio ambiente para minimizar os possíveis impactos da linha em
alta tensão.
As principais instalações das fábricas da ABB,
onde são produzidas as válvulas do sistema HVDC
e transformadores conversores estão localizadas
em Ludvika, cidade de 25 mil habitantes, na província de Dalarna, a 220 km de Estocolmo, capital
da Suécia. Durante o inverno, a temperatura na cidade pode chegar a 25 graus negativos. No verão,
nos dias mais quentes a temperatura pode chegar a
30 graus positivos. A bicicleta é o principal meio de
transporte na cidade.
A diferença de fusos horários do Brasil para a Suécia é de cinco horas, o que também exige muita
disciplina e dedicação da equipe para manter a interação com os técnicos daqui e verificar o impacto
dos resultados de um determinado estudo em outro. “A ABB está sendo bastante transparente e nós
temos acesso a toda memória de cálculo, planilhas
e programas utilizados. A partir de agora, sempre
que o planejamento consolidado pela EPE sinalizar
que a opção mais econômica para a sociedade seja
a corrente contínua, a Eletronorte estará presente”,
conclui Camilo (foto à direita).
Em um dos raros dias com temperatura amena,
mais um dia de trabalho na sede da ABB
corrente contínua
corrente contínua
um sistema em corrente alternada exatamente
para atender os estados do Acre, Rondônia e
Mato Grosso. O restante da energia vai para
o principal centro de carga do País, que é a
Região Sudeste”, declara Palocci
(ao lado).
O lote C é composto, basicamente, por uma estação em
Porto Velho que vai transformar
a corrente alternada gerada pelas usinas em corrente contínua
para transmissão. Em Araraquara, outra estação vai transformar
a corrente contínua em corrente
alternada para atender ao SIN.
E o lote G é composto pela linha de transmissão, que integra
um dos bipolos que vai escoar
a energia elétrica gerada no Madeira. A RAP
total a ser auferida pela Transmissora, descontados os deságios dos leilões, a partir da data
de disponibilidade para operação comercial
das instalações, será de R$ 363,3 milhões. O
prazo para a conclusão de todas as obras é de
48 meses.
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50
RESPONSABILIDADE SOCIAL
ta a implantação de compensadores síncronos
e a solução apresentada pela ABB utiliza capacitores em série. Mas todo o desempenho
do sistema deve ser aprovado pelo ONS e pela
Aneel”, explica Camilo.
“Esse projeto do Madeira é extremamente complexo, porque tem muitas interfaces e
estudos de sistemas e desempenho que interessam à Eletrobrás, ONS, EPE e Aneel. Os estudos serão considerados concluídos quando
os resultados forem aceitos pela Eletronorte
e Eletrosul, que fazem a engenharia do proprietário”, acrescenta o engenheiro de projeto
Geraldo Nicola, que se integrou no fim do mês
de maio à equipe que está na Suécia (foto à
esquerda).
Já os estudos ambientais para obtenção da
Licença de Instalação estão sendo conduzidos
juntamente com o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
– Ibama, bem como a realização das audiências públicas. A previsão é de que em fevereiro de 2010 seja obtida a licença para que as
obras possam começar efetivamente.
“Agora, a Eletronorte tem a oportunidade de
dominar a tecnologia de corrente contínua, o
que será muito importante considerando que
provavelmente outras grandes usinas serão
construídas na Região Norte, com grandes
distâncias a serem vencidas. Queremos o envolvimento do maior número possível de técnicos para que esta tecnologia seja difundida
internamente. Este é mais um dos grandes
desafios que teremos e, com certeza, vamos
responder da mesma forma que sempre respondemos, ou seja, de maneira satisfatória,
atendendo, principalmente, às necessidades
do País”, afirma Adhemar Palocci.
Salão do Livro consolida
Tucuruí como centro cultural
O que seria mais acessível? Um livro ou um
computador? Em um cenário em que tecnologias audiovisuais e multimidiáticas como a
televisão e a internet têm influenciado cada
vez mais na cultura de crianças e jovens, o
livro parece ter perdido seu valor na formação intelectual e educacional da juventude.
Historicamente, o livro sempre foi considerado um produto comercial, quando na verdade deveria ser considerado um bem cultural.
No passado, apenas pessoas com maior poder aquisitivo tinham contato com a literatura.
Hoje, um livro pode ser adquirido facilmente,
não só pelo baixo custo dos exemplares, mas
também pela criação de bibliotecas públicas,
pela ação de instituições e por programas de
incentivo à leitura.
Em todo o País, durante o ano inteiro, eventos como o 2º Salão do Livro da Região do Lago
de Tucuruí, realizado pela Eletronorte em parceria com o Governo do Estado do Pará, por
meio da Secretaria de Cultura, ajudam a trazer a literatura para o cotidiano da população,
que, segundo a pesquisa Retrato da Leitura
no Brasil, publicada pela Câmara Brasileira do
Livro, lê em média 1,8 livro por ano, enquanto na França, país homenageado pelo evento,
esse índice é de sete livros.
Parte de um projeto de descentralização da tradicional Feira Pan-Amazônica do
Livro, realizada em Belém há doze anos, a
segunda edição do Salão do Livro consolida
o município de Tucuruí como polo de desenvolvimento cultural e tem o desafio de resgatar a cultura literária principalmente entre
os jovens.
Este ano, a estrutura montada no Complexo Cultural da Eletronorte superou a da edição
Governos estadual, municipal e Eletronorte unidos pela literatura
corrente contínua
corrente contínua
Camilo Machado Júnior acaba de chegar da
Suécia. Ele explica que o sistema em corrente contínua possui aspectos peculiares como
transformadores conversores, retificadores, reatores de alisamento, isoladores, equipamentos de potência, eletrodos de terra e filtros. “No
sistema HVDC, um dos aspectos mais importante é o cálculo dos filtros, que corresponde
a aproximadamente 50% da área ocupada
pela estação conversora. Esses
filtros têm a função de assegurar
a qualidade da energia, suporte
de reativos e, entre outras, de que
não haverá perturbações para os
consumidores e interferências em
sistemas telefônicos”, informa.
A configuração do sistema
HVDC exige o aprofundamento
dos estudos e, às vezes, a solução apresentada pela ABB não
é exatamente a solução apresentada no edital. Cabe, então,
à Transmissora, juntamente com
o fabricante, demonstrar o atendimento aos
requisitos do edital. “Estão em andamento
estudos em diversas frentes. Por exemplo, no
caso específico do back-to-back estava previs-
51
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Vinte mil pessoas circularam pelo Salão do Livro de Tucuruí
O paralelo entre literatura e arte enriqueceu a programação do evento. Na Cidade
das Artes, apresentações teatrais, musicais e
de dança atraíram um grande público para o
Cine Roxi. Já na Cidade dos Saberes, educação, arte e consciência ambiental foram disseminadas por meio de oficinas e cursos.
O espaço infantil, integrado à Cidade dos
Saberes ofereceu oficinas de técnicas circenses, confecção de marionetes, além da contação de histórias que movimentou o “Café Literário” durante todos os dias do evento.
No 2º Salão do Livro foi possível também
conhecer o ônibus-biblioteca da Eletronorte,
parte do projeto Educação Ambiental sobre
Rodas, que há três meses trabalha com escolas do município de Tucuruí. A população
teve acesso à estrutura desenvolvida para dar
um suporte educacional, que em breve também atenderá às escolas da região do entorno do lago.
No final de cada dia do evento, as bandas e
artistas regionais: Trilogia, Identidade do Samba, Vinil Laranja, La Pupuña, Wilson Veloso,
Impressão Digital, Pedrinho Callado, Marco
André, Paramar, Grupo Quaderna, Bluetooth
Tadeu e Cartola - empregado da Eletronorte - e
Warilou concentraram o público na arena de
shows e na praça de alimentação.
Cultura e educação - Promover cultura e
educação é a realização da verdadeira responsabilidade social. Essa foi a ideia que norteou o
evento. Incentivar o hábito da leitura é apenas
mais uma das ações realizadas pela Eletronorte, que tem contribuído com o avanço nos municípios da região do entorno da barragem.
Um total de 140 pessoas estiveram diretamente ligadas à organização do 2º Salão do
Livro. A Eletronorte contou com 121 colaboradores envolvidos. O Governo do Estado enviou 20 funcionários responsáveis também
pela divulgação do Cred-Leitura, um incentivo
financeiro oferecido aos professores da rede
pública de ensino para adquirir livros didáticos. Para o 2º Salão do Livro foram disponibilizados R$ 207.930,00 no Cred-Leitura.
A favela nua e crua - O bate-papo que rolou
entre o público e o escritor Paulo Lins eviscerou a realidade da favela brasileira, sobretudo
a rotulada favela carioca. Universitários, professores e alunos discutiram sobre a vida e a
obra do escritor carioca que conviveu com a
realidade madrasta do subúrbio retratada no
livro Cidade de Deus. Paulo Lins falou de discriminação, preconceito, políticas públicas,
crise mundial, cotas nas universidades e claro,
literatura brasileira (foto abaixo).
Em alto e bom tom, o escritor apontou as
diferenças da obra literária que é Cidade de
Deus e o premiado filme homônimo de Fernando Meireles. “Há pouca relação entre as
duas formas de transmitir a mensagem, mas
a essência da obra foi mantida e por isso o
sucesso”, avaliou. Para ele, Cidade de Deus
é um marco da literatura contemporânea por
mostrar a realidade cabal da sociedade que
se degenera gradativamente. “O Estado tem
de investir em educação, saúde, cultura. Só
assim irá valorizar quem trabalha para manter
este País e acabar com o crime”.
Segundo Lins, o hábito da leitura deve começar na infância e as mães têm papel definitivo nesse processo. A escola também, mas
é preciso fazer que a atividade literária não se
torne chata. “Livro é igual a assistir uma boa
peça de teatro ou um filme; e a família e a escola ainda são fundamentais para despertar
nas crianças o interesse pela cultura”.
Educação é arte - O 2º Salão do Livro da
Região do Lago de Tucuruí reservou um espaço totalmente dedicado às crianças. O que
de longe pareceu uma grande brincadeira, na
verdade foi uma forma de aproximar o público
infantil da arte. As oficinas e cursos trabalharam as diversas formas de linguagens usando
recursos da arte cênica e do circo, sem esquecer o caráter lúdico proposto pelo espaço.
Ao aguçar os sentidos e a criatividade, agilizar os movimentos, desenvolver a coordenação motora e a concentração, as crianças aca-
Crianças e
jovens foram
maioria
entre os
visitantes
corrente contínua
corrente contínua
anterior, abrigando 40 estandes e 29 expositores, arena de shows, praça de alimentação e
espaço para apresentações teatrais, musicais
e de dança.
Dividido em seis cidades com temáticas
variadas, o 2º Salão do Livro recebeu uma
média de público de duas mil pessoas por
dia. A Cidade do Meio Ambiente teve grande
destaque entre os visitantes pelas exposições
e palestras abordando as consequências da
ação do homem sobre o meio ambiente e possíveis soluções a serem adotadas no cotidiano
do cidadão.
Na Cidade do Livro, nomes importantes da
literatura participaram dos encontros literários
e das sessões de autógrafos, proporcionando
um contato mais próximo com os leitores. Na
Cidade dos Escritores e Leitores, palestras voltadas para o campo educacional atraíram não
somente professores e profissionais da área,
mas alunos que acompanharam as discussões sobre temas de vestibular.
A Cidade das Letras proporcionou momentos diversificados. Ao mesmo tempo que manteve uma programação literária com saraus e
narração de histórias, abriu espaço para temas
de interesse da juventude, como sexualidade,
mercado de trabalho e a internet como ferramenta de pesquisa.
53
corrente contínua
Max Martins - O escritor e poeta paraense
Max Martins foi homenageado no 2º Salão do
Livro da Região do Lago de Tucuruí. Como patrono do evento, além de uma exposição sobre
sua vida e obra (acima), foi aberta ao público
a mostra Caminhos do Marahu para despertar
o interesse do público para a extensa obra do
poeta, falecido em fevereiro deste ano.
Max Martins nasceu em Belém do Pará
em 1926. Autodidata, poeta da literatura pa-
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raense colaborou com periódicos, publicou
livros e recebeu em 1993 o prêmio de poesia
Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Não para Consolar.
Max Martins morou toda a vida em Belém do
Pará. Ao lado de Benedito Nunes, Francisco
Paulo Mendes e Mario Faustino, viu chegar
a modernidade na poesia brasileira, da qual
se tornou um dos nomes mais importantes.
Sua obra foi traduzida para o alemão, inglês e
francês. Foi ele também o fundador da Casa
da Linguagem
O poeta das praças - O poeta das Praças,
Eduardo Santos (acima), conquistou o público
nos corredores do Salão do Livro, reconhecido como um dos poetas mais promissores e
atuantes do Pará atualmente. A obra do autor
é feita de modo artesanal, o que lhe rendeu a
inclusão no livro de recordes (Guiness Book),
como o maior produtor de livros artesanais do
mundo, produzindo 118 livros em 24 horas.
Desde os 12 anos escreve poemas. Recentemente seu trabalho foi mostrado em 27 países
pelo Amazon Sat, e também houve divulgação
do seu na BBC de Londres, retransmitida para
16 países da Europa.
Há seis anos mantém o recorde como o poeta que mais vende livros durante a Feira PanAmazônica do Livro realizada todos os anos
em Belém. Por meio de sua livraria itinerante,
adaptada em sua bicicleta, divulga sua poesia
e comercializa seus livros nas principais praças da cidade e da região.
Ônibus-biblioteca - Por meio do entretenimento, atividades lúdico-pedagógicas, acesso
livre à literatura e às novas ferramentas de
aprendizagem, como a informática, o ônibusbiblioteca da Eletronorte tem levado às escolas
públicas e privadas do município de Tucuruí
um novo suporte educacional. Inaugurado em
março deste ano, o ônibus foi inteiramente
adaptado para se tornar uma biblioteca itinerante e receber a visita de crianças de todas
as idades.
Ele é parte do projeto “Educação Ambiental
sobre Rodas”, que a Eletronorte desenvolve,
com uma programação voltada para a conscientização sobre as questões ambientais através de palestras temáticas, teatro de fantoches,
baú da leitura e jogos virtuais educativos.
Poesia que rompe grilhões - Um grito de
revolta ou um pedido de socorro? Implícito na
obra do poeta Valdiclei Silvino dos Reis, “Poesia
Libertária”, tenta abrir os olhos do leitor de forma crítica e um pouco ácida quanto às mazelas
do mundo e os rumos da humanidade. Mais
que criticidade, a obra independente chama a
atenção sobre as dificuldades que os escritores
paraenses enfrentam para publicar um livro.
Sob os olhos atentos de professores e alunos, o professor Valdiclei observou a falta de
incentivo aos escritores paraenses, sobretudo
aos do interior do estado. A poesia libertária,
ao contrário do que se imagina, não quer incentivar ninguém contra o Estado, conforme
explicou o autor. “O que está nos versos é um
pedido de reavaliação de conceitos”.
Valdiclei é ativista social engajado na luta de
classes. Militante político e crítico, o autor traduziu para o papel suas insatisfações, frustrações, sonhos, alegrias e as lições aprendidas
que podem tornar o cotidiano mais valoroso.
“A obra retrata o passar dos dias das pessoas,
coisas e fatos atentando sempre para uma li-
O ônibusbiblioteca e a
narração de
histórias foram
sensações
marcantes
corrente contínua
bam somando aspectos positivos no que se
refere ao desempenho escolar. O instrutor de
técnicas circenses, Marcelo Siqueira, garante
que exercitar o corpo e a mente na infância
é uma necessidade. “Dentro de casa nossos
pais nos ensinam a escovar os dentes apenas
com uma das mãos, na escola não é diferente.
Este tipo de atividade complementa e ajuda na
formação das crianças, porque assim elas trabalham os dois lados do cérebro”.
55
corrente contínua
ção a ser aprendida. Um olhar realista e sem
hipocrisia. A vida como ela é”.
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Educação ambiental - Com foco na educação ambiental, a maioria dos visitantes da Cidade do Meio Ambiente foi formada por crianças e jovens. Com um olhar curioso e sem
conseguir conter a vontade de tocar em cada
peça das instalações, as crianças participaram com entusiasmo durante toda a visitação.
Stefane Cristini, de cinco anos, da Escola Irmã
Ivone, afirma ter aprendido sobre os cuidados
que deve ter com o meio ambiente. “Aprendi
que o aquecimento global deixa o planeta Terra com febre, que quando a gente queima a
madeira o planeta fica doente e isso também
faz mal para a saúde das pessoas”.
Segundo a diretora da Escola, Célia Boscaini, os temas abordados já vêm sendo trabalhados no cotidiano das aulas. No entanto a vivência, o contato visual e o tratamento pedagógico
aproximaram mais as crianças das questões
ambientais. “É muito interessante quando
uma organização se compromete e traz uma
instalação como essa. O teatro é muito bom,
uma apresentação didática melhora o entendimento das crianças, torna concreto o que elas
aprendem na teoria. No final, elas acabam
multiplicando o que aprendem na escola e em
casa. Vivenciar é muito importante”.
A democratização do conhecimento - A interação entre autores e público proporcionou
momentos de reflexão e troca de conheci-
mentos. Sentados lado a lado, o poeta Alonso
Rocha, membro da Academia Paraense de
Letras, e o escritor paraense Dilmar Batista
autografaram livros e interagiram com crianças e jovens.
Alonso Rocha destacou a importância do
evento pela necessidade de aproximar a criança da literatura. “A leitura traz prazer e conhecimento. Você fica com um olhar mais amplo
em relação ao mundo. O Salão do Livro é muito
importante porque a nossa esperança de um
mundo melhor está nas crianças. E quantas
delas não sairão daqui amando os livros?”.
Para Dilmar Batista o evento além de aproximar autor e leitor, também é uma grande
oportunidade para que os escritores da terra
divulguem suas obras. Com a intenção de desmitificar a temida Matemática, Dilmar lançou
o livro Aprendendo e Brincando com a Tabuada, que traz um novo método de aprendizagem, buscando desenvolver a matemática de
maneira fácil para que as crianças não criem
medo dos números. “Esse livro mostra que a
sabatina e a cartilha estão ultrapassadas. Com
uma nova roupagem, cheio de cores e elementos atrativos o livro proporciona prazer, além de
uma nova cultura para aprender matemática”.
Enfim, mais de dez mil pessoas passaram
pelo 2º Salão do Livro da Região do Lago de Tucuruí. Com o sucesso do evento, a Eletronorte
e o Governo do Estado do Pará já discutem a
realização da terceira edição. Aguardem.
Colaborou Denis Aragão, da Assessoria de
Comunicação Empresarial de Tucuruí
A Comissão Internacional de Grandes Barragens (Icold-CIBG), realizou em Brasília no
último mês de maio, o 23º Congresso Internacional de Grandes Barragens, que reuniu
1.400 participantes de 88 países. Durante
quase duas semanas de atividades, a maior organização profissional do mundo, dedicada ao
avanço da arte e da ciência de engenharia de
barragens e à promoção do desenvolvimento
sustentável e da gestão criteriosa dos recursos
hídricos e hidrelétricos do mundo, discutiu a
disseminação da tecnologia de barragens em
prol dos países em desenvolvimento.
O presidente da Icold, Jia Jinseng, iniciou
citando o Brasil: “O País é um dos maiores do
mundo, com grandes rios e abundância de
recursos hídricos. É também uma Nação que
desempenha um papel muito importante na
área de pequenas e grandes barragens. Tem
algumas das maiores barragens do mundo;
acredito que os especialistas em barragens
têm grande interesse em verificar a experiência brasileira em matéria de planejamento,
construção e operação de grandes barragens,
em harmonia com o meio ambiente”.
Além das discussões técnicas e da apresentação de trabalhos, o Congresso reuniu
empreiteiras brasileiras, empresas de geração
de energia, engenharia e construção que aproveitaram a Feira de Exposições para divulgar
projetos e novas tecnologias. Além dos estan-
des, algumas empresas promoveram palestras
técnicas. O Congresso também teve uma série
de visitas – os chamados study tours – que
percorreram o Brasil visitando usinas hidrelétricas. Os participantes conheceram, entre outras, as usinas Tucuruí, Itaipu e Paulo Afonso.
Reconhecido pela capacidade técnica dos
trabalhos apresentados, originários de diversos países, o Congresso discutiu nesta edição
assuntos essenciais para a engenharia de
barragens e o papel das barragens no desenvolvimento sustentável: barragens e energia
hidrelétrica; gestão do assoreamento em reservatórios já existentes ou novos; melhoria de
barragens existentes e gestão da segurança de
barragens.
De volta para casa - Depois de quase duas
semanas de auditórios lotados, muita troca de
experiências e informações técnicas, na mala
de volta para casa, a sensação do dever cumprido. “Estamos muito felizes pelos participantes que vieram ao evento e possibilitaram sua
realização de maneira bem-sucedida”, comemorou o presidente do Comitê Brasileiro de
Grandes Barragens - CBDB, Edilberto Maurer.
O secretário-geral da Icold, Michel de Vivo,
anunciou as próximas reuniões da Comissão:
no ano que vem no Vietnã; em 2011 na Suíça e em 2012, junto com o 24º Congresso da
Icold, na cidade de Kyoto, no Japão.
Icold: especialistas em barragens valorizam a harmonia com o meio ambiente
corrente contínua
CORRENTE ALTERNADA
Literatura e
teatro, artes
que aproximam
e apaixonam
as crianças
Grandes barragens,
grandes ideias
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58
O CBDB promoveu o Simpósio Internacional sobre Barragens e Represas Multiuso. Edilberto Maurer explica o tema escolhido pela entidade brasileira. “Escolhemos a questão dos reservatórios com
usos múltiplos, pois é hoje um tema muito relevante
para a comunidade técnica nacional. A prevalência
do uso dos reservatórios para a geração de energia
elétrica era muito intensa no passado e hoje temos
uma demanda para outras finalidades, como controle de cheias, abastecimento de água, irrigação
e navegação, por exemplo. É uma questão econômica que envolve diversos setores e é preciso que
cada um deles esteja preparado para atender a essa
demanda”.
Especialistas de di­versas regiões do mundo discutiram as contribuições que a engenharia de barragens pode dar ao desenvolvimento sustentável dos
recursos hídricos. Para o ex-presidente da Icold,
Luiz Berga (ao lado),
sem as barragens não
haverá energia, nem
vida. “A regulagem da
água nos traz alimento,
redução de enchentes e do impacto das
secas, nos permite a
navegação e a geração
hidráulica. Temos análises econômicas que
mostram que o uso das
represas está ligado ao
desenvolvimento socioeconômico dos países”. Segundo ele, a recuperação
do ecossistema não é possível sem a eliminação da
pobreza. “As discussões promovidas aqui vão nos
ajudar a promover ações de desenvolvimento sustentável. Temos uma enorme experiência e estamos
à disposição para enfrentar o desafio da eliminação
da pobreza e do desenvolvimento sustentável”.
O representante de Burkina Faso (acima), Adama Nombre, parabenizou e agradeceu à Comissão
Internacional de Grandes Barragens pelo calendário
de formação e treinamento que beneficia técnicos
do mundo inteiro. “A construção de barragens começou há mais de três mil anos, e na África há cerca de cem anos. Essas barragens representam um
componente muito importante no desenvolvimento
humano, contribuindo para a produção alimentar.
Estamos investindo em outros usos, como a irrigação, fornecimento de água potável e o desenvolvi-
mento econômico e social, e temos um potencial
hídrico de quase 90% ainda inexplorado”, afirma.
O vice-ministro de Recursos Hídricos da China,
Jiao Yong, citou a Usina de Três Gargantas, que
possui um forte impacto social e um grande
potencial de geração
elétrica. “O controle de
enchentes é um dos fatores mais importantes
desse projeto, já que
tivemos episódios de
cheias que resultaram
na morte de milhões de
pessoas e na destruição
de cidades”. Segundo
ele, a estocagem de
água e a produção de
energia, além de melhorar a navegação, vão
permitir que as comunidades possam se concentrar
no desenvolvimento econômico e social, beneficiando o meio ambiente. “Durante todo o processo de
construção pensamos em garantir a segurança e a
melhoria da vida de milhões de pessoas, conquistando a confiança de cada uma delas”.
Especialistas alertam para a importância
da gestão de segurança de barragens
Este ano, durante as cheias da Região Norte, a
cidade de Altamira (PA) foi inundada após o rompimento de dezenas de barragens particulares. Vinte
mil pessoas ficaram desabrigadas. No Piauí o rompimento da barragem de Algodões matou oito pessoas.
No Setor Elétrico, a preocupação com segurança tem
produzido um know-how reconhecido internacionalmente. As barragens hidrelétricas certamente estão
à frente no que diz respeito à segurança, até porque
têm recursos para manutenção e investem nesse processo. Infelizmente temos diversos outros casos de
barragens que não recebem a manutenção adequada, muitas estão até mesmo abandonadas”.
A declaração é do engenheiro civil Rogério Menescal (ao lado). Doutor em Recursos Hídricos, Menescal
apresentou no Congresso da Icold um resumo de sua
tese de doutorado defendida em fevereiro deste ano.
Com o tema “Gestão de Segurança de Barragens no
Brasil”, o engenheiro foi bastante elogiado pelos especialistas pela abrangência de seu trabalho, no qual
pesquisou arcabouços regulatórios de barragens em
28 países a fim de elaborar propostas para o Brasil.
No trabalho “Segurança institucional e jurídica de
barragem para o Brasil - uma proposta”, ele demonstra que os acidentes ocorridos em diversas barragens
brasileiras é um fato que exige solução em curto pra-
zo. Segundo ele, os constantes acidentes estão relacionados à forma como a gestão da segurança de
barragens é tratada. Um grande problema, segundo
ele, é a falta de vontade política para votar o projeto de
lei nº 1.181/2003, que fixa claramente as atribuições
de fiscalização aos projetos de barragens no Brasil.
O projeto está parado na
Comissão de Constituição e Justiça – CCJ, do
Senado Federal. “Isso é
uma questão de mobilização da sociedade, pois
não é um tema que motiva os políticos a tocarem
no assunto”, explica. Ao
final do trabalho foram
listadas 46 boas práticas
para a segurança das
barragens que incluem
mecanismos de descentralização, transparência e participação pública.
As recomendações ela­­­boradas pelo Comitê Brasileiro de Barragens e pela Associação Brasileira de Mecânica de Solos e Engenharia Geotécnica - definidas e
registradas em dezembro de 2008 - foram retomadas
e enviadas a centenas de gabinetes parlamentares na
Câmara e no Senado. Entre as recomendações está a
aprovação, pelo Congresso Nacional do projeto de lei
nº 1.181/03, da Câmara dos Deputados.
O documento pede ainda que o Governo Federal
crie uma Comissão Federal de Segurança de Barragens para articular as ações e propor melhorias de
gestão de segurança de barragens; que estabeleça
um Programa Nacional de Segurança de Barragens
e que os órgãos oficiais responsáveis pela outorga,
autorização, concessão, controle e fiscalização de
projetos e obras envolvendo barragens aprimorem
seus procedimentos, incluindo os referentes à análise de novos empreendimentos, e intensifiquem
também as exigências das obras em andamento e
das obras concluídas, visando sempre à prevenção
de incidentes e acidentes com barragens. Outra
sugestão propõe que as universidades e escolas
técnicas verifiquem suas grades curriculares, instalações e laboratórios, de modo a adequar seus programas de formação profissional à cultura técnica
de gestão da segurança de barragens. Para ver a
íntegra do documento, acesse www.cbdb.org.br e
clique no link Recomendações sobre Segurança de
Barragens - CBDB/ABMS.
corrente contínua
corrente contínua
“Não existe recuperação de ecossistema
sem a eliminação da pobreza”
59
AMAZÔNIA E NÓS
60
surpresa que se revela constantemente, um
‘tiquinho’ de floresta amazônica, cerrado em
sua maioria, no centro do Brasil. Noviço, chegando à sua maioridade.
Para o cantor e compositor Dorivan (ao
lado), artista tocantinense que já representou o
estado em eventos nacionais e internacionais,
o Tocantins, principal inspiração do seu trabalho, é uma região cultural e ecologicamente rica. “Temos etnias indígenas ainda muito
virgens, uma cultura quilombola muito viva. O
Jalapão, o capim dourado, o babaçu, o Parque do Cantão, a Romaria do Senhor do Bonfim, as cachoeiras de Taquaruçu, o patrimônio
de Natividade, o amor perfeito de dona Naninha, a Ilha do Bananal e a nossa capital, que
é a mais jovem do Brasil, menina dos olhos,
com título merecido de capital ecológica. Sim,
o Tocantins é culturalmente rico, musical até
no nome que ‘toca e tins’”.
Foto: Alex Robinson
Se “a formiga que dói é jiquitaia, oh! menina segura a saia”, como prosam e cantam
os catireiros, susseiros, poetas e compositores do Tocantins. Quiçá saber que o nome do
estado, derivação da palavra tupi tucan-tim,
quer dizer “nariz de tucano, nariz comprido,
bicudo”. Nome de uma tribo indígena que teria habitado a região junto à foz do rio, o qual
herdou o nome.
Por aqui, se vê o que em outro canto nem
se imagina. Conhece capim dourado? Capim?
Questiona a carioca, às portas do Galeão, impaciente e afoita por retirar as pulseiras e os
brincos que adornavam o corpo! Você não vai
passar no detector de metais com esses acessórios, continua. Não vai ter problema, pois
isso é capim! Convencer a carioca de que os
acessórios eram feito de Syngonanthus nitens,
não foi fácil. Típica da região do Tocantins, a
haste que dá sustentação a uma pequena flor
ficou batizada como capim dourado, devido ao
seu brilho intenso e metálico.
Conhece o Jalapão? Lugar peculiar, que
muitos consideram mágico. E o fervedouro
ou ‘frevedor” – como dizem os nativos – um
poço em que se mergulha e não se afunda.
Um lugar que leveza maior não poderia proporcionar. E o Cantão, conhece? Parque Estadual, área de preservação ambiental, onde
os biomas Cerrado e Pantanal encontram-se
com a floresta amazônica. Sem falar da Ilha do
Bananal, a maior ilha fluvial do mundo, com
20 quilômetros quadrados de extensão.
Conhece sússia ou súcia, catira, Romaria
do Bonfim, Festa do Divino Espírito Santo, biscoito amor-perfeito? Se você já ouviu falar de
alguma dessas coisas, com certeza, estavam
falando do Tocantins. O caçula do País, uma
corrente contínua
corrente contínua
Rose Dayanne Santana
Foto: arquivo Adtur
Nas asas do
‘Passarim do Jalapão’
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O melhor período para conhecer o Jalapão é
entre os meses de junho a setembro, época de
estiagem. Para chegar, a partir de Palmas, siga
64 km pela rodovia TO-50, até Porto Nacional
e depois 116 km pela TO-255, até Ponte Alta
do Tocantins, porta de entrada do Jalapão.
Além desses encantos, existem outros dois
santuários, o Parque Estadual do Cantão e a
Ilha do Bananal. Contemplado pela magnitude
do Rio Araguaia e seus afluentes, o Cantão é
um cenário ideal para prática de pesca esportiva, trilhas aquáticas e terrestres. Lá, encontram-se três ecossistemas: floresta amazônica,
pantanal e cerrado, numa área de aproximadamente 90 mil ha, por onde também passam
os rios Coco e Javaé, abrangendo os municípios de Pium e Caseara. No Parque é comum
encontrar onças pintadas, jacarés, ariranhas,
tartarugas e muitas espécies de aves e peixes.
Do Parque do Cantão direto para a maior
ilha fluvial. Com área total de 1.916.225 hectares, a Ilha do Bananal é um santuário ecológico, que encanta pela diversidade da fauna
e flora. No santuário, existem mais de 1.580
espécies de pássaros catalogadas. Dividido
por dois parques – o Parque Nacional do Araguaia, ao norte; e o Parque Indígena Araguaia,
ao sul – é delimitado pelos rios Araguaia e Javaé. Na estação chuvosa, aproximadamente
80% de seu território ficam sob a água, formando pantanais transponíveis apenas por
embarcações. Nos meses de seca surgem as
praias de água doce.
Capim dourado - “Costura” é o nome que
se dá a arte de transformar o capim dourado in natura em artesanato. De acordo com
a Fundação Cultural do Tocantins, a técnica
de costurar hastes de capim dourado tem
corrente contínua
Encantos - A cultura, os encantos naturais,
a arquitetura e séculos de história fazem da
região uma das mais belas do País. O Tocantins tem uma população total de 1.248.158
habitantes, segundo dados do IBGE (2007),
possui 139 municípios. Banhado por dois dos
rios brasileiros mais importantes, Tocantins e
Araguaia, que juntos formam a maior bacia
hidrográfica inteiramente situada em território
brasileiro, o estado limita-se com seis outros:
Pará, Maranhão, Piauí, Bahia e Mato Grosso.
“Co yvy ore retama”, exclamou o povo tocantinense em 5 de outubro de 1988, data de
criação do estado. A expressão em tupi, que
quer dizer “esta terra é nossa”, cunhada no
brasão desde 1989. A sonhada consolidação do território federal do Tocantins remonta
de décadas e até séculos. De acordo com o
professor Júnior Batista, vem desde o século
XVIII, quando a região foi desbravada pelos
mineradores que buscavam extrair riquezas.
Muitas gerações compartilharam o sonho de
ver o norte de Goiás independente e o sentimento separatista tinha justificativas históricas. “Os nortistas reclamavam da situação de
abandono, exploração econômica e do descaso administrativo e não acreditavam no desenvolvimento da região sem o seu desligamento
do sul”, ressalta.
Segundo o professor, no final do século XIX
e no decorrer do século XX, a ideia de se criar
o Tocantins estava inserida no contexto das
Cachoeiras, dunas e trilhas - “Cacimba que
sacia a sede/ dessa gente que a gente nem vê/
guarde um pouco dessa água/deixe esse povo
beber”. A 32 km de Palmas encontra-se o distrito ecoturístico de Taquaruçu, que impressiona pela paisagem serrana e bucólica. Um vale
no alto da serra que, em meio a ribeirões e palmeiras, proporciona clima ameno aos fugitivos
ávidos dos comuns 40º graus palmenses. Das
serras brotam aproximadamente 82 quedas
d’água, formadas pelos vários córregos, que
atraem visitantes à procura de trilhas, sossego e
aventura. Se tiver muito tempo, conheça todas,
senão, vale a pena ir às cachoeiras do Roncadouro, do Escorrega Macaco, do Evilson, Vale
do Vai-quem-quer e a Pedra de Pedro Paulo.
O ecoturismo é o principal segmento turístico do Tocantins. Consagrado como um dos
mais belos destinos do Brasil, abriga regiões
que encantam visitantes de todo o mundo. As
principais rotas turísticas são o Jalapão; Serras
Gerais e suas cidades históricas; Ilha do Bananal, lagos e praias do Cantão. Dos tempos coloniais, o estado guarda as cidades históricas,
como Porto Nacional, Natividade e Arraias.
Segundo a presidente interina da Agência
de Desenvolvimento Turístico do Estado –
Adtur, Regina Reis, o turismo é uma forte arma
econômica, que de forma planejada pode
transformar uma economia. “O turismo é um
grande propulsor de empregos, e faz com que
praticamente todas as áreas onde a atividade
esteja acontecendo de fato, tenham desenvolvimento econômico”.
“Por que a cachoeira da velha/se dá formiga
em queda d’água/como é que aqui nasceram dunas/se nem é beira de mar/e nas águas do ‘frevedor’, por quê?/ que eu não consigo afundar!”
Uma terra de extremos – como avaliam muitos visitantes – que surpreende a cada instante. Lugar onde um dia foi mar e que atrai anualmente milhares de turistas, o Jalapão oferece
cachoeiras, paredões, dunas acobreadas aos
pés da Serra do Espírito Santo, lagos e oásis de
águas cristalinas. A região possui 34 mil km2
de extensão e abrange oito municípios: Ponte
Alta do Tocantins, Novo Acordo, São Félix do
Tocantins, Rio do Sono, Lizarda, Lagoa do Tocantins, Santa Tereza do Tocantins e Mateiros.
Os amantes de esportes radicais arriscam-se
nas areias áridas, ansiosos por testarem seus
limites, seja no rafting ou nos rallys.
Segundo a Adtur, as dunas são um dos atrativos mais visitados do Jalapão. Resultantes do
processo de erosão natural da Serra do Espírito
Santo, elas podem ser consideradas a única
formação de dunas em pleno cerrado de que
se tem conhecimento. Com mais de 40 metros
de altura, formadas por areias finas e acobreadas, são delineadas pelo Córrego de Areias.
Já o efeito “efervescente” é difícil de explicar. Mas você pode tentar, são dois na região
do Jalapão: o Fervedouro de Mateiros e o Fervedouro do Alecrim, em São Félix. Com água
morna e efeito borbulhante, a sensação é de
estar numa piscina de hidromassagem. E o
mais interessante é que as pessoas não afundam, nem querendo, pois a força que brota
da água permite a flutuação no poço. O motivo é o refluxo das águas que correm sobre
a nascente subterrânea. O fervedouro é uma
piscina de águas claras, com fundo de areias
brancas. Cercado por bananeiras forma um
poço com aproximadamente seis metros de
diâmetro.
Ao sair do fervedouro, que tal um passeio
no Rio Novo, um dos últimos de água potável
do planeta, nascido nas veredas da Serra Geral. Mais de 50 corredeiras, que no rafting são
classificadas como classe II, III, III+, reservam
cenários somente apreciados pelos praticantes da modalidade, devido à falta de acesso
terrestre.
Do Rio Novo, dê uma passadinha nas cachoeiras da região. Entre as mais visitadas estão a Cachoeira da Velha, em formato de ferradura, possui cerca de 100 m de largura e 25
m de queda livre; e a Cachoeira da Formiga,
famosa pelas águas cristalinas em tons de azul
e verde esmeralda.
Foto: Thiago Sá
Foto: Manoel Júnior
corrente contínua
É de carona com o cantor Dorivan e um de
seus sucessos, “Passarim do Jalapão”, que
vamos conhecer uma das maravilhas da Amazônia: “Passarim do Jalapão/me revele alguns
segredos/teus mistérios e magias/cante ao
povo brasileiro”.
discussões apresentadas em torno da redivisão territorial do País. “O Congresso Nacional
chegou inclusive a aprovar por duas vezes a
criação, negada pelo então presidente da República, José Sarney”, explica.
Palmas, cidade planejada, tem uma beleza
eclética, que une arquitetura moderna à Serra
do Carmo e às águas do lago. Que dirá a Praça
dos Girassóis, uma das maiores da América
Latina, com mais de 10 mil m² de extensão.
O espaço abriga alguns dos mais belos monumentos. Além do Palácio do Araguaia – sede
do Governo do Estado –, encontra-se ali o
Relógio do Sol, o Cruzeiro – local do primeiro
evento ecumênico na capital –, Monumento
à Bíblia, Monumento ao Centro Geodésico do
Brasil; Memorial Coluna Prestes, Monumento
aos Pioneiros e aos 18 do Forte. O nome da
cidade é uma homenagem à Comarca da Palma, criada pelo príncipe regente Dom João,
em 18 de março de 1809.
63
corrente contínua
Foto: João Di Pietro
origem indígena e começou na região do Jalapão há aproximadamente 80 anos, quando
a arte foi repassada aos moradores do povoado de Mumbuca. A precursora do artesanato
em capim dourado, como meio de sustento,
foi Guilhermina Ribeiro de Sousa, conhecida
como dona Miúda, matriarca da comunidade,
que repassou a técnica para a família. Assim,
de mães para filhos, as técnicas do artesanato foram disseminadas na região. Mumbuca é
um povoado reconhecido como comunidade
64
remanescente de quilombos, localizado a 32
km da cidade de Mateiros.
O capim dourado é uma planta nativa do
Tocantins, encontrada nas veredas, na região
do Jalapão. A colheita deve ser feita apenas
uma vez por ano, de setembro a novembro.
É delicada e exige cuidado na hora do corte,
para deixar no lugar as sementes que estão
localizadas na ponta da haste do capim. A matéria-prima é fonte de renda de muitas famílias
artesãs espalhadas pela região, que estão em
sua maioria em Mateiros, Santa Tereza, Ponte
Alta, Lizarda, Lagoa do Tocantins, Novo Acordo e São Félix. Com a planta é possível confeccionar inúmeros produtos artesanais, como
relógios, bolsas, potes, pulseiras, brincos,
mandalas, chapéus, enfeites. As peças são
normalmente arredondadas, pois a fibra não
permite dobras. Para costurar e confeccionar
as peças de capim dourado, os artesãos utilizam fios de palha de buriti.
O brilho do capim dourado tornou-se um
dos principais cartões postais do estado. Além
de ser o principal meio de subsistência das comunidades da região, sua exuberância e beleza singular conquista admiradores em todo o
Brasil e no exterior, movimentando o turismo
no Tocantins.
Religiosidade - “Rezadeira de bendito/faça
um chapéu pra mim!/que é pra eu poder usar/
quando eu for lá pro Bonfim”. As manifestações
culturais tocantinenses estão normalmente
Gastronomia – Amor-perfeito tem em Tocantins. Um biscoito fino, saboroso, aparentemente simples de fazer e que conquista quem
se delicia dele. O berço de sua produção está
na região sudeste, especialmente em Natividade, manuseado pela famosa dona Naninha.
O sequilho é produto cultural que leva poucos
ingredientes. Mas, como ressaltam as boleiras
é preciso ter ‘ciência’ para fazê-lo.
De acordo com a idealizadora do projeto Sabores e Saberes, a jornalista Seleucia
Fontes, a culinária do Tocantins absorveu e
absorve muitas influências dos estados vizinhos. “A ocupação dessa região se deu pelo
norte, com a vinda de nordestinos criadores
de gado, isso há três séculos, e do sul, com as
entradas e bandeiras paulistas. Por isso é comum reconhecer como pratos típicos a farofa
de carne seca e o arroz maria-isabel (pratos
nordestinos); e o arroz com pequi (goiano)”,
declara.
“Teus morros povoaram sonhos/criando
mistérios e lendas/desenharam templos em
pedras/coisas que eu nem sei cantar”.
Valorizar a cultura é valorizar a história de
vida do seu povo. Assim, alguns sonhos, roteiros e mistérios foram contados aqui. Mas,
existem outros, como prosa o artista, que ainda não sabemos cantar.
Amor-perfeito
Foto: Anderson Silva
Aprenda a fazer com
Dona Naninha o saboroso
biscoito fino do Tocantins:
Ingredientes:
1 prato de tapioca
800 g de açúcar refinado
400 ml de leite de coco
250 g de manteiga de leite
Modo de fazer:
Misture todos os ingredientes, menos o leite de coco, com cuidado e amasse bem com as mãos. Coloque o leite de coco aos
poucos e amasse devagar. Deixe descansar por alguns minutos
até que o açúcar desapareça na massa. Para fazer o formato de
flor é preciso enrolar bolinhas e cortar um dos lados em formato
de cruz. Asse em forno médio por cerca de dez minutos.
Foto: Thiago Sá
corrente contínua
Foto: Thiago Sá
Artesanato
com capim
dourado e as
cavalhadas:
ícones da
cultura
tocantinense
atreladas às festas em comemoração aos santos da igreja católica. “Nossa riqueza cultural
está ligada às formas de expressão e à religiosidade do povo que tem uma característica própria e se expressa nos saberes e fazeres da sua
gente. Rico na sua diversidade se apresenta no
encanto de manifestações culturais, na devoção e fé dos romeiros; na história do patrimônio
histórico e arquitetônico, nos monumentos e
casarios; na beleza das matérias-primas, riqueza e cores do artesanato; na dança; nos ritmos,
melodias e letras regionais da nossa música;
na simplicidade e marca forte das comunidades quilombolas e indígenas; na literatura e nas
técnicas e cores utilizadas pelos nossos artistas
plásticos e visuais”, descreve o presidente da
Fundação Cultural, Júlio César Machado.
De acordo com o historiador da Fundação Cultural do Tocantins, Antônio Miranda,
as principais manifestações culturais do Tocantins são a Romaria do Senhor do Bonfim
(em agosto), nos municípios de Natividade,
Araguacema e Fortaleza do Tabocão; as cavalhadas (também em agosto), em Taguatinga;
a Festa Geral do Carmo (em julho), ao Divino Espírito Santo, Nossa Senhora do Carmo e
Nossa Senhora do Rosário, na cidade de Monte do Carmo; a Festa dos Caretas que ocorre
na Semana Santa, em Lizarda, e os festejos
ao Divino Espírito Santo, típico na maioria dos
municípios do Estado.
A Festa do Divino Espírito Santo é símbolo
cultural do Tocantins, pois além das cantigas,
as folias também possuem danças típicas,
como a sússia e catira. Agitada por tambores e
cuícas, um bailado em que homens e mulheres gingam em círculos, a sússia, também conhecida como suça e súcia, é uma dança de
origem escravagista. A Jiquitaia, por sua vez, é
um passo da sússia. Já a catira é realizada aos
pares, que bailam ao som das mãos e dos pés,
como um sapateado compassado. A dança
também acontece durante os giros das folias
de Reis e do Divino. Os atores são catireiros,
músicos repentistas que trovam poemas, com
pandeiros, caixa e viola.
65
“Meu nome é Thiago e trabalho na área de equipamentos de pátio para SEs de alta tensão. Atualmente curso mestrado na área de sistemas elétricos de potência na Universidade Federal de Itajubá (MG).
Recentemente li a publicação Corrente Contínua e achei as reportagens e textos muito interessantes.
Gostaria de saber se é possível receber esta publicação?”.
Thiago Souza
- Itajubá – MG
fotolegenda
CORRENTE contínua
Erramos - na edição 225 da revista Corrente Contínua, na reportagem intitulada “Em Tucuruí, cooperativas geram renda e esperança”, erramos alguns dados, que corrigimos nesta edição: o número
de expropriados para o qual o Proset foi criado não é de 600, mas de 2.343 famílias; e no texto sobre
a produtividade da Cooperativa Agroindustrial e Comercial dos Expropriados de Tucuruí, a primeira
produção não foi de nove mil toneladas de peixes, mas sim de nove toneladas. A redação mantém as
demais informações publicadas.
“Recebemos e agradecemos a revista Corrente Contínua. Temos certeza de que irá enriquecer
sobremaneira, nosso acervo, por ser fonte de informação preciosa para os usuários desta biblioteca”.
Maria Hilda de Medeiros Gondim
- Diretora da Divisão de Desenvolvimento de Coleções da Biblioteca Central da UFPA
- Belém – PA
“Apraz-nos o recebimento da revista Corrente Contínua, nº. 225, a qual traz artigos relevantes para
pesquisa e abstração de conhecimentos. Ademais, parabenizamos pelo belo artigo “Quem foi ao Pará
parou, tomou açaí ficou”. Esperamos continuar recebendo a sua doação. Sucesso!”
Antonia Farias da Costa Sousa
– Bibliotecária da Fundação de Telecomunicações do Pará
– Belém - PA.
“Recebemos e agradecemos o envio da revista Corrente Contínua, pois será de grande importância
para o nosso acervo. Gostaríamos de continuar recebendo doações”.
Mara Patrícia
- Divisão de Processamento Técnico
- Biblioteca Central da Universidade Federal do Amapá
corrente contínua
“Parabenizo os colegas pela excelente matéria da revista Corrente Contínua sobre a questão dos
gases de efeito estufa nas usinas hidrelétricas. Ela é mais que informativa, é instrutiva para o leitor que
ainda não conhecia o tema. Acredito que muitos colegas de empresa não sabiam que hidrelétricas
também podem ser fonte de emissões de GEE. Mas como a própria matéria conclui, ainda serão necessárias muitas pesquisas até que se tenha um conhecimento técnico-científico mais aprofundado
desses fluxos de GEE. O assunto é estratégico para o setor elétrico”
Osmar Vieira Filho
- Coordenação de Viabilização de Negócios da Eletronorte
- Brasília - DF
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“Prezado Alexandre, vi a revista e achei muito bem feita. Creio que você e sua equipe usem toda
energia e alegria para produzi-la. Parabéns!”
Zuleica Nogueira Delfim
- Centro de Pesquisas de Energia Elétrica
- Cepel
Sabe lá Deus onde...
Quem é esta mulher que vai aí dentro?
Quem é o dono de tantos pensamentos?
E como elas passam rápido por nós
Esses homens sós
Que universo é esse o desta criatura?
Quer aprender tudo e já sabe tanto.
Pra onde vai a menina quando vem a moça?
Pra onde vai a mãe quando a avó se apresenta?
A estudante, a viajante, a companheira, a dona dos nossos sonhos, a trabalhadora
Eu sou apenas o barco.
Viaje no meu corpo que te levo longe
Mesmo sabendo que vais me deixar depois...
Texto: Byron de Quevedo
Sabe lá Deus onde...
Foto: Rony Ramos
corrente contínua
“Prezado senhor Jorge Palmeira, agradeço sua doação da revista Corrente Contínua, a qual será
muito utilizada pelos nossos usuários em suas pesquisas. Peço se possível a continuação de doações
das publicações de sua instituição”.
Rosa Elena Leão Miranda
- Bibliotecária da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Estado do Pará
- Belém - PA
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