Vol. 3 - N.º 01 - 2014
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Vol. 3 - N.º 01 - 2014
EXPEDIENTE Comandante Geral Cel PM José Carlos Pereira Subcomandante Geral Cel PM Paulo Roberto Cabral da Silva CONSELHO EDITORIAL Chefe do Estado-Maior Geral Cel PM Hermes José de Melo Chefe da 1ª Seção do Estado-Maior Geral Cel PM José Franklin Barbosa Mendes Leite Diretor de Ensino, Instrução e Pesquisa Cel PM Sósthenes Maia Lemos Júnior ORGANIZAÇÃO Chefe da Seção de Doutrina da 1ª Seção do Estado-Maior Geral Cap PM Marcelo Martins Ianino Revisão Ortográfica Cap PM Fred Jorge Silva de Souza Equipe Técnica 2º Ten PM Roberta Costa de Araújo Pestana Cb PM Irandi Vieira de Lima Nota ao Leitor: Os artigos publicados na Revista DOUTRINAL da PMPE são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião da revista nem da Polícia Militar de Pernambuco. PREFÁCIO A doutrina representa o conjunto de princípios, conceitos, normas e procedimentos, fundamentados principalmente na experiência, com o objetivo de estabelecer linhas de pensamentos e a orientar ações, expostos de forma integrada e harmônica1. O fortalecimento doutrinário em uma instituição como a Polícia Militar de Pernambuco, simboliza a consolidação das atitudes legalistas e das atividades técnico-profissionais, dentro de uma postura ética que atenda de maneira eficaz aos anseios da sociedade. Incentivar a produção de doutrina de segurança pública, com a inclusão de conceitos básicos, princípios gerais, processos e normas de comportamento, eleva nossa corporação a um patamar diferenciado no contexto incessante da busca por uma polícia mais qualificada. Deste modo, a Revista DOUTRINAL da PMPE proporciona um espaço de discussão importantíssimo aos nossos integrantes, no qual através de seus artigos, poderão apresentar opiniões, ideias e sugestões de procedimentos que influenciarão de maneira positiva a todos os Policiais Militares. Faço votos que a Revista DOUTRINAL seja um veículo de fortalecimento institucional, aproveitando o trabalho intelectual de nossos Policiais Militares, para o estabelecimento definitivo da cientificidade de nossas ações, nos mais diversos campos de atuação profissional. Conclamo a todos os integrantes da PMPE a contribuírem com suas respectivas competências técnicas, enviando seus artigos científicos para o nosso periódico doutrinário, nos ajudando desta forma, a garantir a produção permanente da doutrina em nossa Corporação. JOSÉ CARLOS PEREIRA - CEL QOPM Comandante Geral 1 Conferir em MD35-G-01 Glossário das Forças Armadas, Ministério da Defesa (Brasil), 4a. edição, 2007. SUMÁRIO Artigos: 1. REFORMA DO ESTADO E A SEGURANÇA PÚBLICA...................................01-23 Cel PM Hermes José de Melo 2. ESTRATÉGIAS INSTITUCIONAIS PARA O POLICIAMENTO........................24-56 Cel RR PM Amaro Tavares de Lima 3. A LUTA PELA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS E A RELAÇÃO POLÍCIA MILITAR VERSUS SOCIEDADE......................................................................57-66 Cel RR PM Aldo Batista do Nascimento 4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBELO ACUSATÓRIO X PORTARIA DE INSTAURAÇÃO NO CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO: delimitação da abrangência dos limites da acusação...........................................................67-74 Maj PM José Henrique Marinho de Barros 5. A COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL NOS CRIMES CONTRA O DEVER MILITAR............................................................................................................75-80 Maj PM Vilmarde Barbosa da Costa 6. A CONTRIBUIÇÃO DE UM SISTEMA DE APOIO A DECISÃO PARA O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE DISTRIBUIÇÃO DO CONTINGENTE POLICIAL MILITAR: Um estudo de caso de prática de business intelligence no Microsoft® Excel..........................................................................................81-91 Maj PM Wolney Alexandre Pereira da Silva, Cap PM Carla Cristina de Oliveira 7. JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL: breve panorama após uma década da reforma pela EC 45.......................................................................................................92-103 Maj PM Werner Walter Heuer Guimarães 8. FORMAÇÃO PROFISSIONAL NAS ACADEMIAS DE POLÍCIA: reflexões sobre a construção de política formativa voltada para proteção dos Direitos Humanos.......................................................................................................104-119 Cap PM Benôni Cavalcanti Pereira, Professora Kátia Maria da Cruz Ramos 9. COMO ELABORAR UMA SINDICÂNCIA A LUZ DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA.......................................................................................120-132 Cap PM Demétrios Wagner Cavalcanti 10. ANÁLISE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR PELA CORREGEDORIA GERAL DA SECRETÁRIA DE DEFESA SOCIAL SOB A PERSPECTIVA DO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO.................133-145 3º SGT PM Davison Alves Gonçalves dos Santos DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal REFORMA DO ESTADO E A SEGURANÇA PÚBLICA Hermes José de Melo1 RESUMO O presente artigo analisa o Plano Diretor da Reforma do Estado lançado em 1995 pelo Governo Federal e mostra que suas diretrizes em nenhum momento contemplaram com a devida importância a segurança pública e seus efeitos para o desenvolvimento do país. Como desconsiderar um tema que produz um prejuízo de 10% do PIB a cada ano? Como um plano, que tinha como premissa principal o ajuste fiscal, não considerou este fator? O artigo também ressalta a visão da Organização dos Estados Americanos e da Confederação Nacional das Indústrias ao apontar a segurança como requisito fundamental para o desenvolvimento. O texto foi elaborado em 2006 (e revisado, apenas, em relação ao PIB atual) apresentando métodos de mensuração e de classificação dos custos da violência, sob a perspectiva de vários autores, reforçando a tese de que os custos do desenvolvimento são muito altos e não apenas econômicos, mas, também e principalmente, sociais e políticos. Palavras-chave: Reforma do Estado, Segurança Pública, Violência, Custos, Plano Diretor. Introdução “A violência e o crime ameaçam o próprio Estado.” (AMARAL, 2004: 28). "Sem contar as vidas perdidas, o crime custa ao Brasil mais de 100 bilhões de reais por ano." (VERGARA, 2002: 9). “Não há como falar em estado democrático de direito porque nos foi tirado o direito de ir e vir.” (JORNAL DO COMMERCIO, 2006). São afirmações fortes, porém não exageradas, que reforçam a 1 Coronel da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Administrativo. 1 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal importância do tema. Não obstante esta realidade, não se viu nos anos posteriores ao Plano Diretor da Reforma do Estado no Brasil mudanças ou propostas de mudanças no nível político-institucional da segurança pública do País que lhe desse o requerido e necessário status. Apesar do mundo acadêmico, político e até o senso comum perceber a importância da segurança pública para o desenvolvimento político, econômico e social, o Brasil vem desperdiçando oportunidades e vidas nesta área por ser tímido nas suas ações e na implementação das mudanças no nível requerido. Observa-se que em momentos de crises provocados por fatos de repercussão na mídia, ensaiam-se movimentos que parecem, num primeiro momento, representar uma vontade política de realizar efetivamente mudanças do porte exigido. Passado, porém, o fato gerador, as ações voltam-se para o cotidiano de enfrentar o problema da insegurança, apenas, com a melhoria do processo sem modificar a estrutura. Mesmo nestes casos, quando havia ambientes propícios para mudanças desse porte, nunca as propuseram em relação ao sistema de segurança pública. Em 1995 o Governo Federal apresentou o Plano Diretor da Reforma do Estado. Como de regra, buscou-se formular e implementar o modo com que o Estado se relacionaria com o mercado e, também, com ele próprio. Neste caso, ao se buscar aprimorar suas instituições e, assim otimizar sua governança. Na ocasião, constatou-se que o ajuste fiscal era de fundamental importância para sua viabilidade. Diversas propostas foram apresentadas, mas nenhuma que se relacionasse com tema: Segurança pública. Como desprezar um assunto que custa ao País 10 % do seu PIB? “Segurança pública não é uma questão de governo é uma questão de Estado” disse RATTON (2005). Que importa reformas ou planos apresentados onde o Estado já não tem mais o controle ou soberania? Onde suas leis já não têm eficácia? Como reformar o Estado onde ele próprio já não existe? Em 2000 a União apresentou o Plano Nacional de Segurança. Insistiuse nas mudanças operacionais, das quais, muitas, não avançaram. Nenhuma proposta no nível institucional, que, se não tivesse a certeza do resultado, pelo menos aproximaria a estrutura brasileira das estruturas de outros países que se 2 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal encontram em níveis de segurança tido como tolerável pela sociedade. Este artigo destaca a importância da segurança pública no desenvolvimento de um país e aponta o entendimento da Organização dos Estados Americanos e pela Confederação Nacional das Indústrias da necessidade de segurança para o desenvolvimento. Em seu bojo, apresenta-se diversos métodos de mensuração e de classificação dos custos da violência, também sob a perspectiva de vários autores, o que, em todo caso, porém, só reforça a tese de que custos são muito altos e não apenas econômicos, mas, também e principalmente, sociais e políticos, comparando-os, inclusive, com os de outros países. 1. Contextualização Em 1997, a Organização das Nações Unidas (VERGARA, 2002: 9), classificou o Brasil em terceiro lugar entre os países com as maiores taxas de assassinato por habitante. Embora não se possa medir o valor de uma vida, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sob o aspecto puramente monetário, dá uma ideia do impacto financeiro do crime no Brasil. Levando-se em conta os prejuízos materiais, tratamentos médicos e horas de trabalho perdidas, o crime leva algo em torno dos 10% do PIB nacional (montante, hoje revisado e estimado em 480 bilhões de reais). Nos Estados Unidos, que estão longe de ser um país pacífico e ordeiro, este percentual cai para 4%. Vê-se, com clareza que “a violência hoje, antes de ser problema social é uma questão econômica”. (FERNANDES, 2006). A Constituição Brasileira de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, veio para adaptar as instituições ao novo contexto político marcado pelo maior respeito às liberdades individuais e aos direitos civis. Essa enorme mudança no cenário promoveu redefinição de metas, dos métodos e dos valores das principais organizações brasileiras, mas não houve modificações substanciais nas instituições policiais. Neste aspecto, apenas, constitucionalizou-se o que já existia de fato. Em 1995 foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado o Plano Diretor de Reforma do Estado. O Governo Federal, 3 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal preocupado com a crise brasileira que também era a crise do Estado, diagnosticou o problema, definiu objetivos e relacionou uma série de diretrizes, em diversos níveis da estrutura da administração, que deveriam ser adotadas para fazer frente ao problema e com isso permitir ao País o retorno ao desenvolvimento sustentado. Identificou-se que o Estado desviou-se das suas funções básicas e ampliou sua presença no setor produtivo. Este fato levou a deterioração dos serviços públicos e ao agravamento da crise fiscal. Nestes dois aspectos está um primeiro enfoque deste trabalho. Como se mostrará. O Plano Diretor procurou criar condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas. Uma administração que evoluiu da administração patrimonialista, passou pela racional-burocrática e que queria saltar para uma administração gerencial ou seja, focada nos resultados. (BRASIL, 2005). A relação que se faz com a questão da segurança pública é que com o descontrole fiscal reduzem-se as taxas de crescimentos, aumenta-se o desemprego e a inflação. O Estado não consegue atender com eficiência as demandas a ele dirigidas, principalmente nas áreas sociais. Sendo a segurança pública um serviço público, ela também “cobra seu preço” com este desequilíbrio. A insegurança pública provoca elevadas despesas a pessoas e a empresas. Provoca prejuízos na economia dos municípios, dos estados e do País, agravando, ainda mais, a crise fiscal. Tudo isto gera um círculo vicioso, pois a ineficiência de alguns serviços públicos traz, de volta, a insegurança pública. A falta de investimentos na área social agrava o quadro de insegurança e esta insegurança agrava a crise fiscal que agrava as necessidades sociais, retomando o círculo vicioso. De outra forma: A crise do Estado agrava o quadro social, o quadro de insegurança e a economia ou o mercado. O agravamento do quadro de insegurança desfavorece o mercado que, por sua vez, agrava a crise do Estado. Se, de um lado, 10 % do PIB fossem alocados em benefício dos diversos serviços públicos, do equilíbrio fiscal ou das necessidades sociais, este investimento proporcionaria um outro círculo, desta feita, virtuoso, fundamental para a implantação das reformas propostas no Plano Diretor. Não se observou neste mesmo plano, nenhuma modificação ou proposta de mudança na estrutura do sistema de segurança pública do Brasil que 4 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal indicasse uma percepção da relevância do assunto no contexto da Reforma do Estado. BARRETO (2005) também pensa assim, e lembra que mesmo depois de dois anos que a Conferência no México sobre segurança em 2003, anunciou que a extrema pobreza e exclusão social em vários setores da América Latina passaram a ser encaradas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) como uma das mais graves ameaças à estabilidade política e à segurança da região, porém as mudanças no nível estratégico, ainda, não aconteceram. 2. Estado e Desenvolvimento Um dos objetivos políticos da sociedade moderna é o desenvolvimento econômico. Este desenvolvimento é relativamente recente, trata-se de um fenômeno dos últimos 250 anos. Inicialmente os Estados-nação formaram-se sob a forma de monarquias absolutas, como o resultado de uma integração entre a aristocracia e a burguesia que permitiria a segurança do comércio e possibilitaria a produção industrial, num segundo momento. A formação dos Estados Nacionais propiciou a formação de um mercado razoavelmente seguro, onde pode haver o comércio e os ganhos de produtividade decorrentes da divisão do trabalho. O tempo encarregouse, junto com o progresso técnico e o espírito empreendedor, de transformar as manufaturas mercantis em fábricas industriais. (BRESSER-PEREIRA, 2004: 4). Com o Estado-nação a sociedade passou a contar com uma fonte (o próprio Estado) para criar as demais instituições. O Estado moderno foi, inicialmente, absoluto e mercantil. Facilitou a acumulação da produção excedente pela nova classe burguesa por meio de mecanismos violentos. Esta era uma condição para que o capitalista, proprietário de meios de produção, realizasse grandes lucros. Simultaneamente o comércio interno floresceu e a produtividade aumentou. O terreno tornou-se favorável, assim, para que se desencadeasse a revolução industrial: tanto pelo lado da demanda quanto da oferta. Isto ocorrendo, a Inglaterra promoveu a liberação comercial em escala mundial. A estratégia inglesa de desenvolvimento, transformou uma região atrasada da Europa em seu país mais rico, baseando-se na forte intervenção do 5 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Estado na economia. Depois fez o oposto: entendeu em liberar o comércio e garantir à instituição “mercado” um papel mais importante na alocação dos fatores de produção. Esta inversão na forma de se relacionar com o mercado mostrou que o Estado foi o instrumento de ação coletiva que viabilizou a tarefa, seja de intervir, seja de liberalizar. (BRESSER-PEREIRA, 2004: 6). Com a revolução industrial, completou-se a revolução capitalista, que havia se iniciado com a revolução comercial. Este escorço histórico demonstra a fundamental relação entre as instituições, o Estado e o seu desenvolvimento, visão em cima da qual BRESSERPEREIRA (2004: 9) arremata: “Boas instituições são, portanto, essenciais para o desenvolvimento, como o desenvolvimento é fundamental para boas instituições. Entre as instituições, a principal delas é o Estado”. 3. Estado e Segurança Insegurança é ínsito do ser humano, ou melhor, inerente a qualquer ser vivo, daí ser a busca pela segurança uma necessidade primária. Como ressalta AMARAL (2005: 2) a violência e o crime (este uma violência reprimida formalmente pela lei), são comportamentos sociais inerentes à natureza humana; cada sociedade, entretanto, estabelece o nível mais aceitável. Então o limite à violência não é somente legal, mas sobretudo social. Anormal seria “patologia social é o crime em taxas altas”. Segurança Pública “é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger o cidadão, prevenindo e/ou controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei”. (BRASIL, 2005). A necessidade de segurança é tão importante ao ser humano quanto ao próprio Estado e ao seu desenvolvimento. Veja o que diz BRESSER-PEREIRA (2004: 2): O Estado é o instrumento de ação coletiva por excelência da sociedade. É a forma através da qual a sociedade busca alcançar seus objetivos políticos fundamentais: a ordem ou estabilidade social, a liberdade, o bem estar, e a justiça social. Estes 6 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal quatro objetivos são cada um deles finais, mas a ordem ou segurança pública é o primeiro e principal deles. Não apenas porque sem ela não é possível alcançar os três outros objetivos, mas também porque é o único que está implicado na definição mínima de Estado. Se não houver ordem pública, se a propriedade e os contratos não forem minimamente respeitados, não haverá Estado. 3.1. Mapa Estratégico da Indústria A indústria também quer um País diferente e percebeu a dimensão estratégica da segurança pública para o seu desenvolvimento. Representada pelo Fórum Nacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a indústria mobilizou organizações empresariais e empresários para uma reflexão conjunta sobre o futuro da indústria e do País. O produto final desse trabalho, desenvolvido ao longo de seis meses, foi o Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015. Neste mapa constatou-se a necessidade de um ambiente institucional que garantisse a produção e os investimentos. Constatou-se que a insegurança pública “ameaça a cidadania, cria obstáculo à operação das empresas, à realização de novos investimentos e limita o desenvolvimento econômico” (CNI, 2005: 27). A incerteza sobre o patrimônio, os custos privados de proteção e a sensação de um crescente risco de vida, que ameaça as pessoas, contribui para gerar um ambiente limitador à atividade econômica. O crime, por exemplo, se transforma num obstáculo, muitas vezes, intransponível para algumas multinacionais, que não conseguem trazer seus executivos ou funcionários para o País. (PINTO, 2006; 19). O Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015 representa a visão da indústria sobre a agenda de desenvolvimento do setor e do País para os próximos dez anos. Expressa um conjunto de objetivos, metas e programas que envolvem o desenvolvimento de instituições e a implementação de políticas fundamentais para liberar o potencial de crescimento da economia brasileira. O crescimento é mais rápido em países que dispõem de boas instituições. As origens do problema derivam de um quadro complexo de fatores que combina questões econômicas, educacionais, institucionais e legais. A solução depende de iniciativas continuadas para produzir efeitos permanentes e resultados progressivos. (CNI, 2005: 28). 7 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 3.2. Declaração sobre Segurança nas Américas A Declaração sobre Segurança nas Américas (OEA, 2006) foi aprovada na terceira sessão plenária realizada em 28 de outubro de 2003 pelos Estados das Américas, representados na Conferência Especial sobre Segurança na Cidade do México. Os participantes, comprometidos com a promoção e fortalecimento da paz e da segurança no hemisfério, encarregaram a Organização dos Estados Americanos (OEA), por intermédio da Comissão de Segurança Hemisférica, de efetuar o “seguimento e o aprofundamento dos temas relativos a medidas de fomento da confiança e da segurança”. Dentre os princípios constantes naquela declaração, ressalta-se o seguinte: Reafirmamos que o fundamento e razão de ser da segurança são a proteção da pessoa humana. A segurança do Estado e a segurança das pessoas reforçam-se mutuamente. A segurança é fortalecida quando aprofundamos sua dimensão humana. As condições de segurança humana melhoram mediante o pleno respeito da dignidade, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas, bem como mediante a promoção do desenvolvimento econômico e social, a inclusão social e a educação e o combate à pobreza, às enfermidades e à fome. a pobreza extrema e a exclusão social de amplos setores da população que também afetam a estabilidade e a democracia. A pobreza extrema solapa a coesão social e vulnera a segurança dos Estados. Nesta declaração vê-se, mais uma vez, a íntima relação entre Estado Democrático, segurança e desenvolvimento. 4. Plano Diretor da Reforma do Estado 4.1. Resumo Histórico Para que o aparelho do Estado seja dotado de capacidade executiva é necessário que seja saudável do ponto de vista fiscal e financeiro e eficiente do ponto de vista administrativo. Terá que ter capacidade de tributar e limitar seus gastos à sua receita. Já a eficiência administrativa do Estado depende da qualidade de sua organização e de gestão. O Estado moderno iniciou sua forma de gestão com uma 8 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal administração patrimonial, na qual o patrimônio público se confundia com o privado. Na segunda metade do Século XIX os principais países europeus realizaram a primeira grande reforma do sistema: A reforma burocrática que buscava tornar o aparelho do Estado mais profissionalizado, mas não necessariamente mais eficiente. O Brasil iniciou essa reforma nos anos 30, no primeiro governo Vargas. (BRASIL, 2005). Nos anos 1980 na Grã-Bretanha, inicia-se a segunda grande reforma administrativa da história capitalista: A reforma da gestão pública, que buscou tornar o aparelho do Estado mais eficiente. O Brasil, a partir de 1995. A reforma da gestão pública é uma oportunidade que surge historicamente apenas para países democráticos. (BRESSER-PEREIRA, 2004: 9). 4.2. Objetivos da Reforma O principal objetivo da reforma brasileira era o de substituir o modelo de gestão burocrática por um modelo orientado pela performance. A reforma gerencial foi concebida para operar simultaneamente em duas frentes. Primeiro deveria resolver o problema da crise fiscal. No Brasil, o setor público havia crescido demasiadamente. Ao final dos anos 80, o modelo de desenvolvimento por substituição de importações produziu uma excessiva intervenção do setor público que já mostrava seus limites. O segundo objetivo e outra linha de ação da reforma era mudança institucional. Como bem ressalta REZENDE (2004: 30) o plano diretor percebeu que muitos problemas de performance eram frutos de uma “inapropriada matriz institucional”. A mudança institucional seria levada a efeito com a criação de diversas organizações sociais e agências executivas que alterassem a lógica da articulação entre a formulação e implementação de políticas públicas para uma “lógica de controle orientada pela performance”. (REZENDE, 2004: 30). O novo modelo de intervenção do Estado foi delineado no Plano Diretor o qual entendeu delimitar suas novas funções em quatro setores distintos: núcleo estratégico, as funções exclusivas, os serviços não-exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado. 9 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal O Plano Diretor procurou criar condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas. Uma administração que evoluiu da administração patrimonialista, passou pela racional-burocrática e que quer saltar para uma administração gerencial ou seja, focada nos resultados. 4.3. Análise Sumária Inicialmente constata-se que, para as agências que compunham o núcleo estratégico, as quais seriam responsáveis pela formulação das políticas públicas, não foram feitas propostas de mudança. Para as atividades do 2o setor (funções exclusivas) o plano considerou aquelas funções em que é necessária a existência do poder de polícia do Estado (o poder de legislar e tributar), aí incluídos os órgãos de fiscalização, regulamentação, transferência de recursos, forças armadas e polícias. Para estes órgãos o plano propôs um modelo organizado pelas agências executivas que passariam a atuar sob um contrato de gestão tendo, inclusive, liberdades sobre o orçamento e pessoal. Nenhuma ação concreta nesta direção. Em relação às polícias, as ações param no plano. O ajuste fiscal sempre teve uma preponderância no processo de implementação da reforma. Desde os anos 90 uma política mais efetiva de cortes dos custos vinha sendo postergada. No governo FHC esta necessidade tornou-se mais premente porque estava fortemente ligada à sustentabilidade do Plano-Real. (REZENDE, 2004: 71). As reformas dos anos 1990 foram conduzidas para nortear a burocracia na direção dos menores custos e melhores resultados objetivando um ajuste fiscal e uma mudança institucional. Este último objetivava alterar a estrutura de controle no sentido de mudar os respectivos mecanismos formais. (REZENDE, 2004: 15). De fato, esta reforma considerou, primordialmente, a questão da redução dos gastos públicos e dos custos da burocracia. 10 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 5. Custos da Violência A violência imprime grandes perdas para o País. Reduz o desenvolvimento econômico e afeta vários indicadores sociais. O capital humano é consumido pelas elevadas taxas de criminalidade. Os prejuízos decorrentes do crime podem ser observados na redução da expectativa de vida, no montante de gastos com saúde, na sensação generalizada de insegurança ou em diversos outros aspectos do bem-estar individual. Diversas metodologias e abordagens são utilizadas para se medir o custo da criminalidade. Do ponto de vista econômico, a violência tem, pelo menos, três efeitos importantes segundo RONDON (2003: 227). O capital humano é afetado pela perda direta de vidas e do impacto da insegurança sobre a produtividade do trabalho. O capital físico é afetado pela utilização de recursos, como mão-de-obra e equipamentos, para o combate ao crime, e também afeta o nível e a composição dos preços dos produtos. O custo da violência atinge todos os níveis governamentais. União, Estados e Municípios. Nos Estados Unidos, apenas durante o ano de 1992, calculase que vítimas de crimes perderam 17,6 bilhões de dólares em custos diretos referentes a furtos, arrombamentos, assaltos, estupros e despesas médicas imediatas. No município do Rio de Janeiro, por exemplo, estimam-se que, em 2003, os gastos anuais com segurança pública em cerca de 2 bilhões e meio de reais, o equivalente a 5% do seu PIB. Receosas de serem vítimas de violência, as pessoas adotam precauções e comportamentos defensivos na forma de seguros, sistemas de segurança eletrônicos, cães de guarda, segurança privada, grades e muros altos, alarmes. Essa estimativa não leva em conta os gastos com segurança privada, bem como os efeitos que a violência tem sobre os investimentos privados. Se fosse utilizada metodologia hedônica (como se verá a seguir) para avaliar o efeito que a segurança tem sobre os valores do uso da propriedade tais como a residência ou o valor do aluguel destas residências conforme sua localização geográfica, estes custos aumentariam ainda mais. 11 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Neste tópico convém ressaltar que só a segurança privada cresceu enormemente ao lado do avanço da violência, reduzindo a atenção da polícia de shopping center, bancos, edifícios, fábricas e escolas, que, para isso, tiveram seus custos aumentados. No Brasil, em 2003, o faturamento das empresas de segurança privada, com um efetivo estimado de 500 mil vigilantes, ultrapassou os 5 bilhões de reais. Só os bancos gastaram cerca de 1,5 bilhão de reais e os transportadores de cargas gastaram de 2 a 3 bilhões de reais naquele ano. Em Minas Gerais, durante o ano de 1995, o Governo do Estado gastou 940 milhões de reais com seu sistema de segurança, o que equivale a 10% do orçamento total daquele ano. “Esse montante poderia ser aplicado para amenizar outros problemas de setores tais como saúde, educação ou habitação” (BEATO, 2005: 1) confirmando a hipótese inicial deste artigo. A literatura acerca dos custos da criminalidade é extremamente recente. Até o início dos anos noventa, existiam poucos textos que abordavam o tema. Os primeiros estudos buscavam estimar a perda de produção decorrente do impacto da violência, apenas, sobre o capital humano no País. Já na década de oitenta, desenvolve-se um modelo de preços hedônicos para estimar o impacto da violência sobre o preço de imóveis residenciais em Los Angeles. O resultado obtido indicou que uma duplicação da taxa de criminalidade em um bairro reduziria o valor dos imóveis entre 8% e 10%. Através da construção de outro modelo de preços hedônicos, estimam que uma duplicação da taxa de homicídio provoca uma diminuição de 12,5% no preço de um terreno nas áreas metropolitanas dos Estados Unidos. Veja outro exemplo citado por RONDON (2003: 240) acerca do impacto da criminalidade no valor dos aluguéis calculados para Belo Horizonte no ano de 1999. A diminuição na taxa de homicídio por cem mil habitantes em 1% elevaria o aluguel dos domicílios em 0,61%. Então, uma diminuição da taxa de homicídio de Belo Horizonte para a sua metade levaria a um acréscimo de 12% no valor dos aluguéis. A partir de meados da década passada, com o crescimento vertiginoso das taxas de criminalidade nas principais metrópoles da América Latina, pesquisadores passaram a tentar quantificar os custos decorrentes da violência. 12 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal RONDON (2003: 240) explica, ainda, que existem três metodologias principais para mensuração dos custos da violência: os modelos Hedônicos, o método de Valoração Contingente e o Método da Contagem. Os modelos Hedônicos buscam medir através de “cálculos econométricos” o valor atribuído a bens que não são diretamente vendáveis na economia. Durante os anos oitenta essa metodologia começou a ser utilizada para estimar a “quantidade de vontade” dos indivíduos para pagar pela redução no risco de ser vitimado pela violência. Essa propensão a pagar é obtida a partir da estimação do impacto da criminalidade sobre o valor de imóveis que são comercializados diretamente. Geralmente os modelos são sofisticados e complexos. O método de Valoração Contingente procura estimar o valor que os indivíduos atribuiriam à redução da criminalidade, se considerasse que a segurança como um bem comercializável. Consiste na realização de entrevistas selecionadas por um processo de amostragem. Os entrevistados recebem informações detalhadas sobre a situação da segurança em sua região e sobre as possíveis alternativas disponíveis de diminuição das taxas de violência. Assim, obtém-se estimativas do quanto que os indivíduos aceitariam pagar por melhorias na segurança. Perceba-se que pagar por melhorias na segurança, resultado deste método, não é a mesma coisa que pagar pela redução do risco de ser vítima do modelo hedônico. O método da Contagem, por sua vez, caracteriza-se pela discriminação de algumas categorias de custos. O resultado global equivale ao conjunto de cada uma das estimativas obtidas. A vantagem deste método é que permite a realização de estudos com dados parciais. Ou seja, “a ausência de informações não inviabiliza a contabilização incompleta dos custos” (RONDON, 2003: 245). As três metodologias descritas acima se completam. Enquanto a Contagem procura contabilizar os prejuízos decorrentes da violência, os modelos hedônicos e de valoração contingente fornecem uma medida da disposição a pagar dos indivíduos por reduções nos níveis de criminalidade. Para a Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP (BRASIL, 2005), os custos podem ser divididos em econômicos e políticos/sociais. No primeiro podem ser diretos: “Bens e serviços públicos e privados gastos no tratamento dos 13 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal efeitos da violência e prevenção da criminalidade no sistema de justiça criminal, encarceramento, serviços médicos, serviços sociais e proteção das residências” e indiretos: “Perda de investimentos, bens e serviços que deixam de ser captados e produzidos em função da existência da criminalidade e do envolvimento das pessoas (agressores e vítimas) nestas atividades”. Os Custos Sociais e Políticos da criminalidade são os relacionados aos efeitos não econômicos da criminalidade. Avaliado em termos da incidência de doenças resultantes da violência (doenças mentais e incapacidade física); mortes resultantes de homicídios e suicídios; alcoolismo e dependência de drogas e entorpecentes; desordens depressivas. Esses efeitos sociais e políticos da criminalidade podem ser mensurados pela erosão de capital social; transmissão de violência entre gerações; redução da qualidade de vida e pelo comprometimento do processo democrático. A vida em Comunidade também é afetada. A incidência da criminalidade leva a uma redução na intensidade da relação entre as pessoas resultando na redução na frequência com que os vizinhos se visitam ou conversam; redução na capacidade de formação de uma identidade de grupo; redução na vigilância “comunitária” e redução na sensação de segurança. A redução na qualidade de vida das pessoas também é um fenômeno resultante do aumento da violência. As pessoas mudam seus hábitos do dia-a-dia na busca por reduzir o risco a que estariam submetidos. Neste contexto, as pessoas limitam os locais onde transitam; deixam de ir a locais que gostam; evitam usar meios de transporte coletivo; evitam sair de casa à noite; gastam altas somas de recurso na proteção de suas residências e passam a possuir armas e muitas vezes a andar armadas. CERQUEIRA (2005) classifica os custos com a violência em Custos do Estado (Segurança pública: Polícias estaduais, federais e as guardas municipais, além dos gasto em saúde, Ministérios Públicos, Poder Judiciário criminal, Sistemas prisionais; Sistemas socioeducativos para menores; Pensões) e Custos Privados (Custos com perdas materiais, despesa com segurança privada, como grades utensílios, vigilância, seguro; Custas com processos judiciais; Perda de capital humano como mortalidade, morbidade ou traumas; Perda patrimonial do setor 14 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal imobiliário como valor venal e aluguéis). RONDON (2003) faz referência aos Custos Diretos como o valor dos bens e serviços utilizados na prevenção e no combate ao crime, além dos recursos destinados à recuperação da saúde das vítimas e ao julgamento e aprisionamento dos criminosos. Aos não monetários referindo-se aos impactos da violência sobre a expectativa de vida saudável dos indivíduos. Enquanto os homicídios reduzem a esperança de vida da população, as agressões e outros delitos contra a pessoa podem provocar lesões graves, comprometendo a qualidade de vida das vítimas. Aos efeitos multiplicadores econômicos que representam a influência do crime sobre os fatores de produção: capital e trabalho. A insegurança afeta a quantidade de trabalho ofertada assim como o investimento dos jovens em educação. A produtividade do trabalhador também é reduzida em virtude do medo. Em relação ao capital, a incerteza provocada pela violência inibe os investimentos privados. E aos efeitos multiplicadores sociais por incluir, principalmente, a transmissão entre gerações da violência. A maioria dos trabalhos realizados até o momento estima apenas os dois primeiros tipos de custos. Os efeitos multiplicadores econômicos e sociais, apesar de importantes, são de difícil mensuração. Por fim, a classificação KHAN (1999) parte da metodologia da Contagem, dividindo as perdas em três categorias: 1) Gastos efetuados pelo Poder Público no combate à criminalidade. 2) Gastos efetuados diretamente pelos indivíduos ou empresas para a compra do bem segurança, acrescidos das perdas e transferências de patrimônio em função do crime e 3) Valores que deixam de ser produzidos em virtude da violência. 6. Políticas Públicas de Segurança no Brasil A proposição de políticas públicas de segurança, no Brasil, é dúbia. Parte da flutuação provém da crença de que o crime resulta de fatores sócioeconômicos que impedem o acesso aos meios de subsistência. Esta deterioração das condições de vida se dá pela restrição ao acesso de alguns setores da população a oportunidades de trabalho e a bens e serviços, como também na 15 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal permanência em ambiente familiar, escolar e com subgrupos sociais degenerados. Consequentemente, quaisquer propostas de controle da criminalidade passam, inevitavelmente, tanto por profundas mudanças sociais, como por reformas do próprio indivíduo ao se reeducar ou ressocializar criminosos. Passam, também, por ações de cunho assistencialista que visariam minimizar os efeitos mais imediatos da carência, além de incutir em jovens candidatos potenciais ao crime, novos valores através da educação, esportes, ensino profissionalizante, artes e na convivência pacífica e harmoniosa com seus semelhantes (BEATO, 2005: 1). O Estado, então, deveria mobilizar organizações que atuam na área da saúde, educação, assistência social, planejamento urbano e, naturalmente, da segurança. A bem da verdade o governo federal ao longo destes anos não ficou totalmente inerte nesta área. Algumas medidas operacionais foram tomadas mas seus efeitos ainda não se fizeram sentir por boa parte da sociedade. A sensação de segurança ainda é esperada por ela. Em 1o de janeiro de 1995 foi criada através da Medida Provisória 813 (depois, em 27 maio 98, transformada na Lei 9.649) a Secretaria de Planejamento de Ações de Segurança Pública (Seplanseg). Pelo Decreto 2.315 de 04 set 97, a Seplanseg foi transformada na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Em 20 de junho de 2000 foi anunciado o Plano Nacional de Segurança Pública. Naquela oportunidade, foram editadas as Medidas Provisórias nº 2.028, que abriu o crédito extraordinário no valor de R$ 330 milhões destinado ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e a de nº 2.029 que instituiu o próprio FNSP, constituiu o Conselho Gestor do Fundo e determinou que os estados apresentassem seus Planos Estaduais de Segurança Pública. Dividido em 15 compromissos, o Plano Nacional de Segurança Pública (BRASIL, 2004) elencou 124 ações, envolvendo inúmeros temas, como a repressão ao narcotráfico e ao crime organizado, o controle de armas e a atualização da legislação sobre segurança pública. Planejamento competente na concepção, mas falível em boa parte da implementação. Observe-se, inicialmente, que apesar de bem elaborado, e alcançando diversos aspectos ligados a criminalidade, o plano limitou-se a estimular ou propor ações operacionais. A despeito do insucesso de algumas, outras obtiveram êxito. 16 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Entretanto, nenhuma ação no nível político-institucional foi proposta. Perdeu-se uma grande oportunidade de se dar um passo na melhor estruturação do sistema de justiça criminal do Brasil. Boa síntese do tratamento dispensado a questão segurança pública no País é o que traz o Coronel José Vicente (BRAUDEL PAPERS, 2005): Alguns posicionamentos do governo federal são preocupantes porque sugerem baixa prioridade ao tema. Primeiro, cancelou-se a proposta do Partido dos Trabalhadores na campanha eleitoral de 2002 de tornar a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, uma secretaria de Estado ligada à Presidência da República à qual se subordinariam a Polícia Federal e a Secretaria Nacional Antidrogas para efetiva coordenação da política nacional de segurança. Logo a seguir o Decreto 4591 de 10 de fevereiro/2003, ao estabelecer a execução do orçamento no executivo federal, deixou de incluir as atividades de segurança pública cobertas pela Senasp entre as áreas de "gerenciamento intensivo", consideradas áreas estratégicas no final do governo anterior. Em seguida a Senasp teve sua estrutura de cargos reduzida em um terço, da já insuficiente estrutura anterior de 92 cargos para 59, pelo Decreto 4685 de 29 de abril/2003, enquanto o Decreto 4670 de 10 de abril/2003 criou a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca com 236 cargos. Terminado o primeiro semestre de 2003 o Governo Federal ainda não tinha utilizado 10% do orçamento de 404 milhões de reais para aplicar nas áreas críticas de violência do País através do Fundo Nacional de Segurança Pública, valor que foi reduzido em 39 milhões para o orçamento de 2004.É necessário inverter o atual processo em que as autoridades do Governo Federal, timidamente, preferem investir na integração das polícias para posterior unificação, empurrando a solução para um futuro incerto. Assim como ocorreu no projeto de reforma da previdência, deve-se tomar a decisão, compartilhada com os governadores, de alterar a Constituição Federal, criando a polícia única e estabelecendo prazos e condições para sua realização. Incentivos do Fundo Nacional de Segurança Pública poderiam acelerar a unificação com a aplicação de recursos onde ocorrerem mais avanços.Sem uma definição concreta e um horizonte de tempo corre-se o risco de que os esforços de integração apareçam na cúpula das Secretarias, mas sejam boicotados ao longo das estruturas operacionais e administrativas das polícias. É mais prático se discutir as bases da nova polícia no Congresso Nacional do que deixar a questão para 27 discussões nas unidades federativas, onde as polícias resistirão por suas diferenciadas leis, normas e estruturas. Considerações Finais Algo em torno de 1,3 bilhões de reais por dia (valor revisado em 2013) é o custo estimado da violência no Brasil. Perceba: um valor superior ao envolvido na reforma da Previdência que tanto mobilizou os governos nos últimos anos. Esses valores não contemplam o sofrimento físico e psicológico das vítimas, tão ou mais importante que o valor econômico. Com 3% da população mundial o Brasil concentra 17 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 9% dos homicídios cometidos no planeta. Os homicídios cresceram 29% na década passada. Entre os jovens esse crescimento foi de 48%. As mortes violentas de jovens aqui são 88 vezes maiores do que na França. E poucos países sofrem as ações de terrorismo urbano como as praticadas por traficantes no Rio de Janeiro. O custo da violência em nossa sociedade “prejudica o próprio desenvolvimento do País, comprometem instituições e podem ameaçar a estabilidade do Governo” (BRAUDEL PAPERS, 2005). A questão da violência há muito deixou de ser um mero conjunto de fatos preocupantes ou um problema setorial do Ministro da Justiça, dos governadores e suas polícias. O congresso nacional conhece o problema, tem os meios para promover uma reforma na segurança pública, mas não encara com disposição as mudanças de que o País precisa. (FRAGA, 2005: 32). A proposta base desse trabalho, parece ser endossada por muitos. Veja o que disse RATTON (2005): O governo federal não disse a que veio nessa área. Parece que o problema da segurança pública não é prioridade neste País. Não há um comprometimento de criar uma agenda permanente nessa área. Apenas investir não traz resultados efetivos porque é preciso pensar o assunto como uma questão de Estado. Quem faz a política de segurança, de certa forma, são as polícias autonomamente. Nós temos que pensar a segurança pública no Brasil como um problema de Estado não de governo. É preciso adotar políticas sérias no campo do desenvolvimento econômico, da geração de empregos, saúde, educação, habitação e segurança pública, para se evitar o aumento da criminalidade. O Estado democrático pressupõe muitos outros requisitos que não só eleições para escolha dos governantes. Uma democracia madura pressupõe, além de outras coisas, que “as pessoas não irão morrer na porta dos hospitais sem atendimento, que crianças não ficarão sujeitas à sorte para terem acesso a uma incubadora, ou que pessoas tenham que depender da caridade de seus semelhantes para que possam se alimentar e viver com um pouco de dignidade”. (ROSA, 2006: 2). A inversão dos índices de violência permitiria atenuar a sensação de insegurança e, ainda, destinar progressivamente os gastos de segurança para outros investimentos sociais ou mais produtivos. O Estado é o principal responsável pelo processo de civilização dos costumes, “não respeitá-lo é expor a sociedade à desordem e ao risco de exploração social”. (CORBELINO, 2006). 18 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Para que haja alguma chance de se reduzir a violência criminal no Brasil necessário se faz defini-la como uma questão de Estado, não de governo. Não se tentou, por exemplo, modificações constitucionais que permitisse as polícias estaduais fazerem o ciclo completo de polícia, condição que nos alinharia com o modelo adotado em 99% dos paises. Nem uma mudança na direção da desconstitucionalização da matéria ou que desse a liberdade a cada Estado para formular o arcabouço institucional das suas polícias. Nenhuma iniciativa criando, por exemplo, como defendeu Marcelo Itagiba, Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2006) o Ministério da Segurança Pública o qual direcionaria uma política de segurança pública uniforme e sistemática para todo País. Ou outras um pouco mais polêmicas como a flexibilização do poder de polícia ou dos serviços denominados exclusivos que possibilitassem, por exemplo, a privatização dos presídios ou a contratos de policiais temporários. Não se pode esperar a reversão dos desequilíbrios econômicos e sociais para se diminuir a violência no Brasil. Mudanças superficiais não fará diferença na crise de segurança pública. “A criminalidade violenta em nossa sociedade é um desafio de competência e esta, depende de talentos e coordenação de recursos, mas, se não receber prioridade e liderança efetiva, a população continuará sendo submetida a um dos mais indecentes níveis de violência do planeta.” (BRAUDEL PAPERS, 2005). Este desabafo de REBELO apud KRAMER (2006) parece indicado nesta etapa do trabalho: Falta repressão e sobra “leniência doutrinária” na maneira com que os governantes tratam a questão que é hoje uma questão de Estado; que põe em perigo a soberania nacional e os próprios fundamentos da democracia. Há um equívoco de concepção da tendência de se atribuir as causas da violência a desigualdade social. Como consequência, as autoridades se intimidam de fazer valer o monopólio da força do Estado no combate à criminalidade, com medo de serem acusadas de agredir os direitos humanos. Os direitos humanos dos brasileiros estão sendo cotidianamente agredidos, as instituições aos poucos solapadas pela ação da bandidagem, que estende suas ramificações à economia, à política e às polícias. A continuar assim, os territórios independentes do crime, aos quais o Estado não tem acesso, tendem a se ampliar. Até que ponto? A presidência da república é que deve induzir um processo de mudanças na legislação e de ações de âmbito nacional, legitimadas pelos anseios da população sem ter, no entanto, receio de contrariar dogmas e assumir as consequências 19 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal imediatas de um confronto duro em nome de um resultado favorável a coletividade. Ainda que ao preço de uma dose de sangue. Referências AMARAL, Luiz Otávio. O povo exigiu nas urnas efetiva segurança pública e não mais armas. Consulex: Revista Jurídica, Brasília, ano IX, n 212, p. 27-30, nov. 2005. AMARAL, Luiz Otávio. A violência e o crime ameaçam o próprio Estado. Consulex: Revista Jurídica, Brasília, ano VIII, n 176, p. 24-25, maio, 2004. AMARAL, Luiz Otavio. Violência e crime, sociedade e estado. Jus Vigilantibus, Vitória, Abr. 2003. 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Palavras-chave: Segurança Pública, Estratégias Institucionais, Policiamento. Introdução No início dos anos 1980, os Pesquisadores Mark H. Moore e Robert C. Trojanowicz realizaram estudos sobre os procedimentos adotados pela polícia norteamericana no controle do crime. Em 1988 Moore e Trojanowicz publicaram o artigo sob o título de “Estratégias institucionais para o policiamento”. Nesse paper os autores demonstram suas preocupações com o investimento anual de 20 bilhões de dólares destinados as atividades do policiamento e as estratégias utilizadas pela polícia para manter a ordem pública. Para eles a concessão de autoridade para os policiais não deixa de ser mais um recurso transferido dos cidadãos para a polícia. Moore e Trojanowicz (1993) afirmam que na iniciativa privada, o que define uma “estratégia institucional” é o estabelecimento de metas financeiras e sociais que a empresa necessitará atingir. E que no caso das Agências públicas, inclusive as encarregadas pela aplicação da lei e manutenção da ordem, os executivos não têm 1 Originalmente o texto foi publicado pelo Instituto Nacional de Justiça, do Departamento Nacional de Justiça e do Programa de Políticas em Justiça Criminal e Administração. Escola de Governo John F. Kennedy, Universidade de Harward. Novembro de 1988 – nº 6. No Brasil o artigo, traduzido para o português, foi publicado em 1993 no “Cadernos de Polícia” n° 10, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. 2 Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar de Pernambuco. Bacharel em Ciências Contábeis (UFPE), Educador com Especialização (UFRPE); Mestre em Ciência Política pela UFPE. 24 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal as mesmas preocupações e perspectivas dos executivos privados. Isto porque os objetivos e os procedimentos das instituições públicas estão estabelecidos em normas e protocolos, que mesmo desatualizados, permanecem em vigor por longo tempo. Em relação ao policiamento, os saberes e habilidades acumulados durante 50 anos indicavam a necessidade de que fossem estabelecidas novas concepções para a atividade policial. E que, para romper com as estratégias tradicionais, os executivos inovadores teriam que estabelecer objetivos claros, utilizar recursos próprios e buscar nas comunidades que policiavam o apoio e a legitimidade para os seus projetos. Finalmente, os autores declaram que o objetivo da pesquisa por eles realizada “é facilitar a busca de uma estratégia institucional de policiamento que possa lidar com os principais problemas que afligem as comunidades urbanas: o crime, o medo, as drogas e a decadência urbana”. Moore e Trojanowicz analisaram as limitações da estratégia institucional do policiamento durante os últimos 50 anos, caracterizada pela “luta profissional contra o crime”, e propuseram o aprofundamento de outros conceitos que, na época, estavam sendo discutidos na Harwars’s Executive Session on Policing: “policiamento estratégico”, policiamento por resolução de problemas”, e “policiamento comunitário” (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 66 e 67). Neste trabalho procuramos resgatar os conceitos propostos por Moore e Trojanowicz, a fim de cotejá-los com as práticas da polícia brasileira, em especial aquelas desenvolvidas em Pernambuco. O texto é composto por esta introdução, quatro seções onde desenvolvemos resenhas dos estudos de Moore e Trojanowicz, uma contemporização com as práticas atuais e, finalmente, uma seção onde apresentamos nossas considerações. Nessa perspectiva, lembramos que o modelo organizacional da polícia americana não coincide com a estrutura brasileira. E para uma melhor compreensão, levando o atual nível de profissionalização da atividade policial, sempre nos referiremos a estratégia e/ou policiamento da luta profissional contra o crime como “policiamento tradicional”, vez que na sociedade brasileira as práticas dessa estratégia predominam enormemente em relação às outras três. Ademais, para uma melhor compreensão deste paper impõe-se as seguintes 25 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal explicações sobre os significados de alguns termos que utilizaremos no desenvolvimento deste texto. O primeiro é “policiamento”, que será empregado no sentido de atividade policial, quer seja da polícia judiciária, quer seja da polícia administrativa. O vocábulo “estratégia” terá o significado de conduta policial resultante de planejamento metodológico para a atividade da polícia. Enquanto que o termo “estratégico” deve ser compreendido e entendido como designativo para a atuação policial a um nível de atividade complexa e abrangente, que exige cooperação entre agências, inclusive de outros países, alta qualificação dos agentes policiais, meios específicos, e mudanças estruturais nas instituições e nos procedimentos operacionais para ações implementadas contra o crime organizado transnacional, ou que exijam as mesmas qualificações e meios para as resoluções de crimes no âmbito interno do Estado nacional. Dessa forma o “policiamento estratégico” conceituado por Moore e Trojanowicz assume uma relevância diferente daquela proposta por aqueles Pesquisadores, em face do surgimento de uma criminalidade complexa, sofisticada e globalizada, acrescentada e/ou associada ao terrorismo, e com recursos econômicos capazes de confrontar o Estado. E sem me aprofundar conceitualmente, identifico uma atividade policial clássica, que mesmo sem a abrangência da criminalidade organizada globalizada, em suas intervenções cotidianas, os seus agentes necessitam de qualificações específicas para atuarem na segurança pública interna. A essa atividade chamo de “policiamento especial ou especializado”, em face da sua importância nas resoluções e/ou encaminhamentos das soluções dos delitos, e em exigir habilidades e tecnologias exclusivas dos seus agentes. Nesse caso, pode-se enumerar as unidades encarregadas do policiamento de trânsito, de meio ambiente, de Inteligência, antissequestro, antibombas, dentre outras, as quais exigem dos seus agentes treinamento e conhecimento de legislação especifica. E, fundamentalmente, as atividades de polícia científica, que pela qualificação pluridisciplinar dos seus quadros, imprescindível para a formulação da prova técnica, é essencial para a resolução dos crimes de toda natureza, e que não são classificados como “crime organizado”. 26 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 1. Estratégia da luta profissional contra o crime. Policiamento Tradicional O que fundamentalmente distingue o policiamento tradicional é seu objetivo da “luta contra o crime”. Essa estratégia se caracteriza pela centralização das ações; a exigência de uma base territorial; disciplina militar; afastamento da comunidade, e ausência de iniciativa para atender ocorrências. O policiamento profissional é essencialmente reativo. (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p.73). E por suas características gerais diz respeito ao policiamento de patrulhas, ou policiamento ostensivo, que no Brasil é realizado pela Polícia Militar. Em relação a atividade investigativa, de competência da Policia Civil, ela impõe uma postura procedimental inquisitorial exclusivamente legalista, excluindo as variáveis econômicas e sociológicas que possam interferir na conduta criminosa. As frações policiais são orientadas para não se aproximarem da comunidade, a fim de não sofrerem interferências e não contaminarem as ações da polícia com a influência maléfica dos criminosos locais. O trabalho é limitado a uma área geográfica e exige a retaguarda de uma central de comunicações que recebe as demandas dos cidadãos e controla as atividades das patrulhas, sob uma disciplina militar ou militarizada. No policiamento tradicional, o policial é um generalista e tem como objeto de sua atuação reativa o contraventor, o infrator penal, pessoas cujas posturas sugerem ou colocam em risco a tranquilidade pública e que na rotina policial são classificadas como “suspeitos”. O policiamento é realizado cotidianamente por patrulhas motorizadas com itinerários previamente definidos, mas com alvos aleatórios. Essa estratégia também revela a crença na ação preventiva, na medida em que a ostensividade das patrulhas possa inibir as ações de delinquentes e estimulem o sentimento de proteção policial sobre o cidadão ordeiro, mesmo que estes não tenham nenhuma relação individual ou institucional com os policiais (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 73 e 77). 27 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 2. Policiamento Estratégico A atuação do Policiamento Estratégico é voltada para a dissuasão do crime organizado; crimes do colarinho branco; tráfico de drogas, de órgãos e de pessoas; crimes de informática; assassinatos em série; criminosos profissionais; quadrilhas e bandos com relativo grau de organização e com atuações regionais. A estrutura é centralizada, tem por objetivo o controle do crime e utiliza-se da tecnologia do conhecimento, além de policiais treinados para operações especiais e de risco, que são poupados das “demandas ordinárias” (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 77 e 78). O policiamento estratégico utiliza patrulhas direcionadas especificamente para realizar “operações de chamariz para pegar ladrões de rua e operações relâmpagos para interromper roubos a residências”. Os Pesquisadores também sugerem que o policiamento estratégico reconhece a comunidade como um “importante instrumento de auxílio para a polícia”. E que essa importância reside na disposição da comunidade, através de suas instituições locais e dos seus moradores em aceitarem as orientações de segurança propostas pela polícia, as quais estariam voltadas para a prevenção de delitos, na medida em que reduzissem as oportunidades dos delinquentes praticarem suas ações delituosas. Ou seja: nessa estratégia, a comunidade é um ator passivo. Aos cidadãos resta apenas o papel de seguirem as orientações estabelecidas pela polícia, sem questioná-las. Por outro lado, na busca por eficiência e eficácia, a Polícia fortalece as atividades investigativas e de inteligência. E para controlar as ações de membros delinquentes da comunidade, a instituição desenvolverá mecanismos voltados para inibir as influências dos cidadãos e fugir ao controle dos políticos locais, que de alguma forma poderão interferir negativamente nos trabalhos policiais (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 77, 78, 80, 90 e 91). Moore e Trojanowicz explicam que as intervenções policiais nas áreas que ultrapassam os limites municipais, as unidades locais deverão se unir às unidades regionais melhor aparelhadas e com policiais mais bem treinados. Eles sugerem que a associação dos órgãos locais com os regionais é importante, pois amplia a ação 28 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal policial. Os Pesquisadores também afirmam que para fugir a influência de criminosos poderosos, a polícia, tanto nas regiões metropolitanas, como em áreas rurais, formaliza alianças com agências federais de segurança pública e com o poder judiciário, a fim de eliminar os contatos com os policiais locais, que seriam mais facilmente sugestionáveis. É bem verdade que as expectativas e os conceitos apresentados por Moore e Trojanowicz são para a polícia norte-americana, que tem um modelo organizacional bem diferente da polícia brasileira. Entretanto, respeitando as diferenças organizacionais, no Brasil também encontramos Agências responsáveis pelo policiamento estratégico nas estruturas de corporações estaduais e federais. No âmbito dos Estados federativos estão as delegacias especializadas das polícias civis, e as unidades de Inteligência e de operações especiais das policias militares. Na esfera da União está a Polícia Federal, responsável pela apuração dos delitos federais, o combate ao narcotráfico, ao crime organizado e os delitos interestaduais. A Polícia Rodoviária Federal também possui unidades de Inteligência e operações especiais. Os recursos do policiamento estratégico também têm sido utilizados pelas Agências de controle interno e externo da atividade policial. E tanto as Corregedorias quanto o Ministério Público têm se valido dessa estratégia com bastante eficiência, a fim de apurar e reunir provas contra as administrações fraudulentas e os desvios de conduta de policiais e outros servidores públicos. Moore e Trojanowicz enfatizam que o policiamento estratégico exige um trabalho investigativo de excelência. E ao lidar com grupos criminosos poderosos, inclusive transnacionais e com autoridades públicas dos três Poderes e nos três níveis de governo, os seus Agentes ficam expostos as pressões e ações do poder econômico e penalidades funcionais subjetivas. Por isso, os policiais envolvidos nas ações do policiamento estratégico sempre estão a pleitear independência e garantias funcionais (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 78, 79, 80, 90 e 96) 3. 3 Sobre este assunto, ano passado o Governo Federal sancionou a Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, que assegura aos delegados de polícia, na qualidade de autoridades policiais, a condução das investigações criminais, a não avocação ou redistribuição do inquérito policial, ou outro procedimento investigativo e, também a remoção sem um ato plenamente fundamentado. 29 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 3. Policiamento por Resolução de Problemas. O policiamento por resolução de problemas, assim como o policiamento estratégico, para Moore e Trojanowicz é um avanço nos procedimentos do policiamento tradicional. Todavia, enquanto o policiamento tradicional e o policiamento estratégico pretendem controlar o crime pelo seu esclarecimento e a responsabilização dos infratores, a estratégia do policiamento por resolução de problemas sugere que os delitos podem ser resultantes de problemas específicos que ocorrem na comunidade, mas que ainda não foram percebidos pela polícia. E enquanto o policiamento tradicional e o estratégico estão voltados para controlar os criminosos profissionais ou contumazes, a estratégia do policiamento por resolução de problemas busca identificar pessoas e bandos que embora não sejam qualificados como profissionais, eventualmente ou até costumeiramente provocam desordens e delitos que comprometem o sossego público. Para isso, os autores não descartam os instrumentos e procedimentos coercitivos de que dispõe a polícia. Contudo, paralelamente, deve existir um esforço para compreender situações específicas presentes nas comunidades, as quais podem ser inibidas através da intervenção policial preventiva antes que se transformem em ações criminosas (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 80 e 81). Essa possibilidade estimula a polícia a desenvolver novas formas de controlar o crime, que não se resumam apenas ao lançamento de patrulhas, investigação e detenções. Para os Autores, os desentendimentos “entre pais e filhos; entre inquilinos e proprietários; entre comerciantes e clientes, e entre viciados”, devem ser mediadas antes que evoluam para uma contravenção ou fato mais grave exigindo a intervenção da polícia através de “detenções e dos indiciamentos”. Moore e Trojanowicz sugerem que a polícia deve usar a sua autoridade pública e ministrar uma ação corretiva logo no primeiro caso de reincidência, evitando, dessa forma, que as relações entre as partes se deteriorem mais (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 81 e 82). 30 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Os Pesquisadores salientam que a Estratégia do Policiamento por Resolução de problemas exige a aproximação da polícia com as agências municipais, a fim de que estes órgãos adotem posturas que favoreçam a ordem pública. As autoridades municipais devem exercer o controle de ruídos provocados por estabelecimentos comerciais, como os bares, e do trânsito. As comunidades devem ser estimuladas a cuidar dos seus equipamentos sociais, das praças, dos locais de lazer, etc. Protegerem as crianças, para que os seus espaços não sejam ocupados pelos adolescentes, evitarem suas permanências em locais de risco e assistirem os idosos em suas necessidades. Os órgãos públicos responsáveis pelo controle das construções devem ser incentivados a melhorarem a qualidade das cercas e grades de forma a inibir as incursões de “delinquentes predatórios”. Enquanto que os imóveis desabitados devem ser lacrados, a fim de não serem utilizados como refúgio de gangues e viciados em drogas (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 82 83). A implementação desta Estratégia implicará em mudanças procedimentais e estruturais na organização da polícia “na medida que a resolução de problemas depende da iniciativa e da habilidade dos policiais em definir os problemas e achar as soluções”. Assim, para que essa Estratégia obtenha sucesso, é necessário que a estrutura da polícia seja descentralizada e o conhecimento do policial de linha (que é um generalista e conhece os pormenores da comunidade onde atua) seja levado em conta no planejamento e na execução das ações a serem desenvolvidas tanto nos serviços de patrulhas como nas atividades investigativas (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 90 e 91). 4. Policiamento Comunitário O Policiamento Comunitário constitui-se em mais uma estratégia para a redução de crimes. Para isso reivindica a parceria com a comunidade como forma de buscar a excelência do controle da criminalidade. Moore e Trojanowicz admitem que alguns estudiosos “veem pouca diferença entre a estratégia do policiamento por resolução de problemas e o policiamento comunitário”. Para esses estudiosos a “resolução de problemas” seria apenas uma das “técnicas” utilizadas pelo policiamento comunitário. Todavia, os Autores contestam e afirmam que existe 31 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal diferenças entre uma estratégia e outra. Para eles as diferenças fundamentais se revelam pela importância atribuída a “relação ao status e ao papel desempenhado pelas instituições comunitárias nos arranjos institucionais constituídos para aumentar a participação da comunidade” (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 84). No policiamento comunitário, o desenvolvimento de ambientes tranquilos e seguros é resultante da parceria construída entre a polícia e as instituições da comunidade, tais como escolas, associações de bairros, associações comerciais, clubes de serviços, etc. Ou seja, o sucesso da polícia não depende apenas das suas habilidades e de seus recursos. O sucesso da polícia depende, solidariamente, dos recursos operacionais e políticos da comunidade. Mas os Autores também reconhecem que a comunidade sozinha não obteria sucesso no controle do crime e no estabelecimento da ordem pública sem o concurso de “uma força policial profissional e preparada”. Dessa forma, a polícia deve estar aberta e estimular a participação da comunidade para as conquistas dos objetivos comuns. Nesse aspecto Moore e Trojanowicz afirmam ser “importante também que a polícia procure o desenvolvimento e a proteção dessas instituições, em parte como um meio e em parte como um fim”. E concluem que “a polícia deve reconhecer que ela trabalha para a comunidade, tanto quanto para a lei e para o seu próprio desenvolvimento profissional” (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 84 e 85). Moore e Trojanowicz (1993) lembram ainda, que no policiamento por resolução de problemas “a polícia detém grande parte da iniciativa na identificação dos problemas e na proposta de soluções para a comunidade”. De outra forma, no policiamento comunitário, “os pontos de vista da comunidade adquirem status maior”. A priorização dos problemas e as sugestões da comunidade, quanto aos procedimentos a serem adotados pela polícia, são levados em consideração no planejamento e na execução do policiamento (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 85 86). No dia a dia, as patrulhas do policiamento comunitário realizam incursões a pé e são estimuladas a manterem contatos pessoais com os moradores do quarteirão e proporcionar-lhes a sensação de segurança pela proximidade da polícia. Além disso, deverão ser criados “grupos consultivos comunitários”, a fim de 32 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal avaliar as dificuldades da polícia e buscar soluções compartilhadas para que os serviços não sofram solução de continuidade (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 86). Mas, como não poderia deixar de ser, o policiamento comunitário impõe mudanças nos comportamentos dos executivos da Polícia e exige planos de ensino e de instrução atualizados e orientados para instituir e aprimorar as relações do policial com a comunidade e os comandos descentralizados. Porém essas mudanças procedimentais não são fáceis, elas sempre provocam dificuldades para a Polícia. Para Moore e Trojanowicz o desenvolvimento da estratégia do policiamento comunitário implica no “inevitável envolvimento da Polícia em emergências médicas e sociais”. Os autores lembram que enquanto na estratégia do policiamento tradicional, o envolvimento da Polícia em ocorrências familiares e assistenciais “é considerado como um perigoso desvio da verdadeira missão da polícia”, no policiamento comunitário, o envolvimento da Polícia na solução desses eventos são vistas de forma positiva, haja vista “proporcionarem uma base para desenvolver um relacionamento de trabalho com a comunidade”. Nesse sentido, o esforço da Polícia em colocar recursos para desenvolver programas educacionais de prevenção de uso de drogas, educar e punir motoristas embriagados, de controle da violência em escolas e resolução da ociosidade dos alunos, revela a escolha da Polícia pela estratégia do policiamento comunitário (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 86, 87 e 91). Esta resenha do texto de Moore e Trojanowicz revela contextos em que a Polícia poderia atuar dentro de seus limites nacionais, sem a preocupação diuturna com a criminalidade globalizada e o terrorismo internacional. Entretanto o problema da polícia brasileira não se resume apenas ao crime organizado e criminalidade difusa do dia a dia: falta maior rigor nas metodologias para o planejamento e a ação policial. A polícia brasileira de um modo geral é reativa e as tentativas de inovações tem sido tolhidas pelo quadro geral de falências em outros seguimentos da atividade estatal, apesar de algumas experiências exitosas como a “operação desarmamento” iniciada em Pernambuco na primeira metade dos anos 1990, e que apoiada pela sociedade, em 2003 resultou no Estatuto do Desarmamento, tornando-se uma política de Estado. Contudo, na ausência de um marco teórico claro, que oriente o desenvolvimento metodológico para a atuação das Forças de Segurança Pública, as 33 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal pesquisas de Moore e Trojanowicz se constituem primorosas fontes secundárias para instruírem a formulação de conceitos inovadores e práticas policiais modernas para a atividade de linha. No quadro abaixo apresentamos um resumo com as principais características das quatro Estratégias do Policiamento. ESTRATÉGIAS LUTA CONTRA O POLICIAMENTO CRIME ESTRATÉGICO (TRADICIONAL) POLICIAMENTO POR RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS POLICIAMENTO COMUNITÁRIO Controle preventivo do crime Polícia e comunidade CARACTERÍSTICA OBJETIVOS PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO Combate ao crime Combate ao crime Controle e combate ao crime Polícia Polícia Polícia ESTRUTURA FORMAÇÃO POLICIAL Centralizada Centralizada Descentralizada Descentralizada Generalista ÁREA DE ATUAÇÃO Determinada Especialista Local de atuação dos criminosos Generalista Determinada e/ou Área de crise Generalista Determinada RELAÇÕES COM A COMUNIDADE Não Não Ocasional Permanente OCORRÊNCIAS ASSISTENCIAIS Não Não Não Sim Mediação; atividades educativas, diagnostica problemas; propõe soluções; Prisão, detenção, indiciamento Comunidade; patrulheiro do quarteirão. TIPO DE INTERVENÇÃO Prisão, detenção, indiciamento. Prisão, detenção, indiciamento CONTRIBUIÇÃO PARA O PLANEJAMENTO Executivos policiais Atividade de Inteligência Mediação; diagnostica problemas; propõe soluções; Prisão, detenção, indiciamento Patrulheiro da área ou quarteirão. RESUMO DAS CARACTERISTICAS ESTRATÉGIAS DO POLICIAMENTO O resumo demonstra de forma sintética que embora existam características específicas, a maioria delas pode estar presentes numa e n’outra Estratégia. 34 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 5. Contemporização entre a Teoria e a Práxis policial. No Brasil a prática do policiamento tradicional é consolidada e a maioria dos planejadores e executivos policiais resistem as novas estratégias. Todavia, embora se reconheça a necessidade que a Polícia tem para ser modernizada, muitos policiais avaliam que algumas dessas propostas rotuladas como inovadoras são receitas antigas do policiamento tradicional. Essas avaliações se confirmam nos estudos de Moore e Trojanowicz, que também identificaram ações do policiamento tradicional que foram percebidas em uma e outra estratégia. Essas práticas, por exemplo, podem ser percebidas no policiamento interiorano, onde o policial é natural da cidade ou da região, e está perfeitamente ambientado com os costumes locais, em muitos casos ligados afetivamente por laços familiares, e se relacionam perfeitamente com os membros da comunidade. Essa praxe em uma estrutura de policiamento tipicamente tradicional pode perfeitamente ser classificada como de policiamento interativo. Contudo, a criação de modernos centros integrados de comunicações, como o CIODS4, também é um indicativo que as antigas estruturas ainda resistem à descentralização. Os bloqueios em vias públicas e as blitzen em bairros periféricos, onde residem as camadas mais pobres da população, e as detenções por suspeição são típicos exemplos de policiamento tradicional. No final dos anos 1990, a necessidade de responder com ações eficientes à criminalidade crescente, estimulou alguns governantes, pesquisadores e especialistas a conhecerem o programa “Tolerância Zero”, de Nova York. Esse programa implantado na gestão do Prefeito Rudolph Giuliani em 1994, foi apontado como o fator determinante para a redução dos crimes em Nova York. Entretanto, além de Nova York, outras cidades americanas que haviam implantado o policiamento comunitário e outras em que nenhum esforço de mudança havia sido realizado, os registros de crimes vinham caindo desde o início da década. Para Benoni Belli (2004), a Tolerância Zero reforçou a “retórica de guerra e as demonstrações espetaculares de força, o que resultou em maior número de choque entre policiais e civis”. E como se não bastasse, foram identificados relatórios 4 Centro Integrado de Operações de Defesa Social. 35 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal policiais falseados que transformaram delitos graves em ocorrências de menor potencial. Ocorrências de roubos foram registradas como furto, e “certos homicídios” foram transformados em “suicídio”. Essa política “é a expressão, no campo da gestão policial da segurança pública, de um contexto em que prevalece a descrença na reabilitação, na busca das causas do crime, na transformação de estruturas sociais, na superação da exclusão produzida e reproduzida diariamente nas relações sociais”. A Tolerância Zero é a negação da “reabilitação do criminoso” e por isso reforça a “hiperinflação carcerária” (BELLI, 2004, p. 74 e 76). Essa estratégia, como logo se percebe, vai de encontro aos anseios da sociedade brasileira que deseja uma relação com a polícia sem conflitos e defende a ressocialização do apenado. Em São Paulo, pesquisas realizadas por Túlio Kahn (2002) revelaram que em determinadas circunstâncias o policiamento tradicional e o policiamento comunitário não alteravam o nível de satisfação das comunidades. Em alguns casos o policiamento tradicional era preferido pela comunidade, que o achava mais eficiente, embora o policiamento comunitário transmitisse mais confiança na Polícia Militar. Esse resultado levou o Pesquisador a concluir que “o policiamento tradicional, patrulhamento ostensivo direcionado ou aleatório, respostas rápidas a chamados telefônicos, investigação criminal, etc. – não deve, de modo algum, ser deixado de lado e simplesmente substituído pelo Policiamento Comunitário” (KAHN, 2002, p. 24, 26 e 39). Em relação ao Policiamento Estratégico, na época em que Moore e Trojanowicz realizaram seus estudos, as “operações de chamariz para pegar ladrões de rua e operações relâmpagos para interromper roubos a residências” até que poderiam ser incluídas nessa estratégia. Porém, com a globalização, o avanço tecnológico acessível aos grupos criminosos, o narcotráfico empresarial, o mercado subterrâneo de armas, o tráfico de órgãos e de pessoas, e a corrupção no setor público, as operações do tipo “chamariz” já não devem ser classificadas como policiamento estratégico. Hoje em dia, elas podem perfeitamente ser incluídas no rol das atividades do policiamento por resolução de problemas. 36 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal A classificação de policiamento estratégico deve ser atribuída a atividade policial que exige um elevado grau de sofisticação do ato criminoso e da qualificação dos policiais. O combate ao crime organizado, ao terrorismo, à corrupção envolvendo corporações econômicas e autoridades públicas governamentais exigem da polícia uma metodologia extremamente apurada na solução desses delitos, quer sejam eles materiais ou virtuais. Isso implica que além da formação policial, os agentes devem ter conhecimento multidisciplinar e habilidades específicas para interagir em cooperação com outras agências do Estado e da sociedade civil, notadamente do Mercado. Não há aqui nenhum demérito as demais estratégias do policiamento, contudo o combate às instituições criminosas exige ações, atividades e estratégias complexas, por vezes de longa duração, que implicam em dedicação e preparo mais avançado dos agentes envolvidos nas resoluções desses crimes de alta complexidade. São crimes do colarinho branco, tráfico de armas, de pessoas e de órgãos; tráfico de drogas; pirataria marítima; contrabando de pessoas, de medicamentos e materiais; crimes cibernéticos, que envolvem roubos de identidades, fraudes virtuais, pornografia infantil, e que, de um modo geral, ameassem a própria soberania do Estado de Direito. Sobre o Estado de Direito Norberto Bobbio (1992) o define como aquele “onde funciona regularmente um sistema permanente de garantias aos direitos do homem”. E que para ele, “existem Estados de direito e Estados não de direito”. O Autor italiano afirma que os Estados não de direitos são aqueles que postergam a instituição da proteção jurídica aos direitos do homem. E defende que no Estado de direito, o indivíduo é um sujeito de direitos. E que o “Estado de direito é o Estado dos cidadãos”. (BOBBIO, 1992. Pg. 24, 41 e 61). Daí porque é necessário que os infratores sejam denunciados, julgados e responsabilizados. Para isso o Estado terá que fortalecer as suas Instituições, a fim de impor o seu poder e fazer com que se cumpram as suas leis, em observância aos princípios constitucionais. Isto porque, conforme Bobbio, “a dissolução de um Estado começa quando as leis não são mais genericamente obedecidas e quando os órgãos executivos não são mais capazes de fazer com que sejam respeitadas” (BOBBIO, 2000, Pg.138). 37 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Moisés Naím (2006), em seu livro “Ilícito”, informa que em 2004, a CIA 5 “anunciou que identificara 50 regiões ao redor do mundo sobre as quais os governos centrais exerciam pouco ou nenhum controle e onde os terroristas, contrabandistas e criminosos transnacionais encontravam um ambiente favorável.” (NAÍM, 2006, Pg. 32). N’outro parágrafo, Naím afirma que em muitos casos, traficantes chegam a compartilharem a soberania dos Estados. E que em “muitas áreas metropolitanas – Rio de Janeiro, Manila, Cidade do México, Bangkok, Cairo -, grandes e populosas regiões da cidade encontram-se, na prática, sob o controle das redes de tráfico e criminosos, e não do poder local” (NAÍM, 2006, Pg. 259). As conclusões de Moises Naím são verdades constatadas pela sociedade brasileira, faz três décadas. Carlos Amorim (1993) relata que para subir o Morro do Juramento durante a campanha eleitoral de 1986, o então candidato a governador Moreira Franco teve que obter autorização do chefe do Morro José Carlos Encina, o “Escadinha”, que estava preso em Bangu Um. (AMORIM, 1993, Pg. 211 a 215). Em 1996, a equipe de produção de Michael Jackson negociou diretamente com “Juliano” - codinome atribuído por Caco Barcelos (2003), no seu livro “Abusado. O dono do Morro Dona Marta”, a Marcinho VP – para que fossem realizadas as filmagens de um clipe do astro mundial (Barcellos, 2003, pg. 328). Os exemplos do Rio de Janeiro são citados por serem mais explícitos e ter chamado a atenção da sociedade internacional. Contudo, há notícias de que existem áreas periféricas das grandes cidades brasileiras onde eventualmente imperam “toques de recolher”, e que nem sempre têm a divulgação necessária em face da “lei do silêncio” a que estão submetidas essas comunidades. Entretanto, tão grave, ou até mais grave, quanto a criminalidade dos “sem colarinhos” é a corrupção que envolve altas autoridades governamentais. Os casos de desvios de verbas públicas que envolvem o Deputado Paulo Maluf 6, do Banestado, do “Mensalão”, do “Cartel dos trens” em São Paulo, da Petrobras, Operação Lava-jato, dentre outras que revelam a promiscuidade de atores políticos com a criminalidade organizada, ameaçam e usurpam cotidianamente os direitos dos cidadãos comuns, os quais têm suas oportunidades a uma educação de 5 6 Agência de Inteligência dos Estados Unidos. “O dinheiro sujo da corrupção. Porque a Suíça entregou Maluf”. Livro de Rui Martins. 38 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal qualidade, serviços de saúde, mobilidade, moradia, saneamento e trabalho reduzidas e até mesmo anuladas. Diante desses desafios contemporâneos, a Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção de Palermo7, definiu “grupo criminoso organizado”, como “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há mais tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a infração de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material” 8. Rodrigo Carneiro Gomes (2009), estudando o conceito de crime organizado internacional, esclarece que a “natureza transnacional do delito” é fundamental para a compreensão do conceito de crime organizado, e das ações conexas “porque assim figura no texto da Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado Transnacional (Convenção de Palermo)” (GOMES, 2009, p. 20). Mas no Brasil, a legislação não considera a transnacionalidade como um elemento fundamental para a conceituação de crime organizado, desde que os outros fundamentos estejam evidenciados9. Mesmo assim, a partir da promulgação da Convenção de Palermo e de outros entendimentos internacionais com finalidades de combater o tráfico ilícito de entorpecentes e substancias psicotrópicas; contra a fabricação e o tráfico de armas de fogo, munições e explosivos e outros materiais correlatos, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, impeliram mudanças na legislação brasileira, e reformas administrativas nas estruturas dos Ministérios da Justiça e da Fazenda; da Controladoria Geral da União, e especificamente no Departamento de Policia Federal (DPF), tudo com objetivo de elevar o desempenho das instituições brasileiras no âmbito nacional e internacional (GOMES, 2009, p. 21 e 22). No Brasil, o referencial de policiamento estratégico é o desempenho da Polícia Federal. As operações investigativas que exigem excelência de qualificação dos policiais, da atividade de inteligência, recursos de Tecnologia da Informação (TI), os grupos especiais instituídos para ações antiterrorismo e crime organizado, e 7 Promulgada pelo Estado Brasileiro através do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Art 2, alínea a) da Convenção de Palermo. 9 O Art 1º, § 1º da Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, define organização criminosa como “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. 8 39 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal integração com outras agências governamentais e da sociedade civil, sobretudo do Mercado, são típicas do policiamento estratégico. A complexidade do planejamento e a execução dessas operações exige capacidade técnica diferenciada e postura republicana dos policiais. Os esforços da Atividade de Inteligência permitem aos policiais envolvidos terem acesso a conhecimentos sensíveis, capazes de provocar transtornos operacionais e institucionais e até desvios de condutas. Dessa forma, o acompanhamento do Ministério Público, em todas as fases das operações, e o apoio do Poder Judiciário são imprescindíveis. Contudo, é necessário que as instituições policiais e sobretudo os órgãos de controle interno, comandos e chefias estejam atentos ao desempenho dos agentes envolvidos nessas operações estratégicas, a fim de coibirem os excessos e desestimularem a formação de “castas”. O Policiamento por Resolução de Problemas, como afirmam Morre e Trojanowicz, seria uma evolução do policiamento tradicional. E hoje poderá ser nomeado de “Policiamento por Repressão Qualificada”. Os seus recursos são semelhantes ao do policiamento tradicional, porém o seu emprego é direcionado. Não é aleatório como o tradicional. Esta estratégia exige da polícia uma maior habilidade para diagnosticar os problemas e um estoque mais amplo de respostas para solucionar crises sem a necessidade de realizar prisões e indiciamentos (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 81). Dessa forma, mesmo que os policiais encarregados pela execução do policiamento sejam generalistas, a instrução deve contemplar conhecimentos necessários a sua aproximação com as sociedades locais, capacidade de observação e formulação de relatórios sobre o cotidiano das comunidades. Outra característica dessa Estratégia é a sua capacidade de mediação, que deve ser utilizada na resolução de pequenos conflitos que ocorrem na comunidade. No dia-a-dia essas mediações se revelam pelas intervenções da polícia ostensiva em que os comandantes de patrulhas promovem a conciliação entre os envolvidos e que são encerradas como “resolvida no local”. No âmbito da polícia investigativa, as conciliações coordenadas pelos comissários na busca de soluções consensuais para crises de menor potencial, também são exemplos de mediações que podem ser classificadas como policiamento por Resolução de Problemas. 40 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Skolnick e Bayley (2002) afirmam que o objetivo do policiamento de patrulhas é atender o maior número de ocorrências no menor espaço de tempo. Disso resulta, que o atendimento é superficial, embora seja importante e necessário diante das ocorrências que exigem pronto-atendimento em face do risco a que o cidadão pode estar submetido. Mas essas intervenções não resolvem os problemas da (in) segurança pública, os quais são encaminhados para outras pessoas que deverão oferecer soluções em longo prazo. Eles corroboram com o entendimento de Herman Goldstein, para quem a polícia deve ser “orientada para solução de problemas ao invés de orientada para atender a incidentes” 10, e também que o “policiamento por resolução de problemas é frequentemente identificado como o policiamento comunitário”. E que a polícia apenas considera os incidentes específicos de forma muito “restrita”. Para Goldstein, a polícia “deve desenvolver capacidade de diagnosticar as soluções a longo prazo para crimes recorrentes e problemas de perturbação da ordem, e ajudar na mobilização de recursos públicos e privados para esses fins” (SKOLNICK e BAYLEY, 2002, p. 37). Isso faz crer que parte da ineficiência da polícia é resultante da sua conduta reativa e da sua recusa em aprofundar-se nos problemas das comunidades. Entretanto, em verdade as polícias no desenvolvimento de suas missões sempre realizam estudos e produzem diagnósticos. Contudo não há uma preocupação de estabelecer um marco teórico. Talvez em face da demanda excessiva pelos serviços policiais, os estudos e diagnósticos sempre têm aparências informais ou personalistas. Essa é uma questão que tem que ser resolvida. Para Moore (2003), em um trabalho mais recente: Fundamental para a ideia do policiamento para solução de problemas, por exemplo, é a atividade de pensamento e análise necessários para entender o problema que está por trás dos incidentes para os quais a polícia é convocada (Goldstein, 1979; Eck e Spelman, 1987; Sparrow, Moore e Kennedy, 1990). Isto não é o mesmo que procurar as origens do problema do crime em geral. É muito mais superficial, uma abordagem mais situacional. Essa abordagem leva a sério a noção de que situações podem dar origem ao crime e que esse pode ser evitado pela mudança nas situações que parecem estar originando os chamados de serviço (Clarke, 1983). O desafio da estratégia do policiamento para solução de problemas é imaginar e criar uma resposta efetiva e aplicável para resolver os problemas que não estão aparentes. Essa pode incluir, e quase sempre inclui, prender desordeiros ou enviar policiais para patrulhar certos lugares em determinadas horas (Eck e Spelman, 1987, pp. 43-44). Mas o ponto importante, é 10 O que Goldstein chama de “incidentes” para nos significa “ocorrências”. 41 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal que a resposta não está, necessariamente, limitada a essas formas tradicionais de respostas pela polícia. O desafio está em usar outros mecanismos além das prisões, que produzam soluções e que procurem, dentro e fora do departamento, por capacidade operacional utilizável. (TONRY e MORRIS, 2003, p. 137 e 138) Tomando-se as assertivas de Moore como referência, um exemplo resultante da estratégia de policiamento por resolução de problemas, pode-se afirmar, foi a operação desarmamento desenvolvida pela Policia Militar de Pernambuco nos anos 90 do século passado. A operação desarmamento surgiu a partir de um Estudo de Situação elaborado em abril de 1991 pelo comando do 9º Batalhão de Policia Militar, sediado em Garanhuns, quando foi sugerida a suspensão do porte de armas de fogo na Região do Agreste Meridional11. O Estudo seguiu a cadeia hierárquica 12, e em maio, cerca de um mês depois, o governo13 revogou as autorizações para porte de armas nos municípios do Agreste Meridional14. Em junho do mesmo ano, outro decreto estendeu a revogação das autorizações de porte de armas para o Sertão Central, do Pajeú, e do São Francisco. Posteriormente, quatro anos depois, um novo decreto também suspendeu o porte na Zona da Mata. Porém, mesmo com a suspensão do porte de armas pelo governo do Estado, as pressões para que as apreendidas fossem devolvidas eram grandes. Tanto que em 1995, no comando do Coronel PM Jorge Luiz de Moura, a Corporação recebeu o apoio do GAJOP (Gabinete de Assessoria Jurídica as Organizações Populares) e do CENDHEC (Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social). A advogada Kátia Pereira, do GAJOP, condenou a pressão de parlamentares e chefes políticos interioranos para que armas apreendidas fossem devolvidas 15. Naquele mesmo ano, o Diário de Pernambuco16 publicou pesquisa indicando que 68% dos pernambucanos aprovavam a “operação desarmamento”. No Sertão, a aprovação foi de 79%. Entre janeiro e julho, a Corporação havia recolhido 3.451 armas de fogo. Enquanto que no âmbito nacional, a imprensa denunciava o diretor geral da Polícia Federal por emitir 11 O comandante do 9º BPM era o então Major Pedro Bezerra de Vasconcelos. O comandante geral era o coronel Genivaldo Cerqueira. 13 O governador do Estado de Pernambuco era Carlos Wilson. 14 Decreto nº 14.335, de 07 de maio de 1991. 15 Diário de Pernambuco. Recife, 11 de janeiro de 1995. 16 Diário de Pernambuco. Recife-Pernambuco de 02 de julho de 1995, pg B-8. 12 42 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal portes de armas sem registro legal17. Entre 1999 e o primeiro semestre de 2004, somente a Polícia Militar havia contabilizado mais de 26.000 armas de fogo apreendidas pelas suas Unidades18. Em 2005, pesquisa do Ministério da Saúde relativa ao ano de 2004, divulgada pela mídia acional, apontou para a queda de 8,2% dos homicídios por arma de fogo em todo Brasil, sendo que a redução chegou a 14.5% em Pernambuco19. A iniciativa da Polícia Militar despertou a sociedade pernambucana e brasileira para os homicídios praticados com armas de fogo. Em dezembro 2003 foi aprovado o Estatuto do Desarmamento. Outro exemplo de policiamento por resolução de problemas é o resumo de centenas de operações realizadas pelos órgãos operativos de segurança pública em casos de calamidades públicas. Em 1992, o Estado de Pernambuco sofreu com a seca, notadamente na região do Sertão. A ausência de chuvas prejudicou as atividades agrícolas, pecuárias e o comércio. A fome grassava. Nos dias de feira, comerciantes estabelecidos e feirantes eram vítimas de saques por parte de flagelados que saiam do campo e invadiam as áreas urbanas das cidades. Os saques sempre eram precedidos de boatarias que levavam pânico, medo e correrias nos centros urbanos, mesmo que as notícias não fossem confirmadas. Os famintos eram grupos de agricultores que desesperados pela falta de trabalho, de comida e sem dinheiro, optavam pelo saque aos estabelecimentos e aos feirantes como forma de sobreviverem com suas famílias. Na cidade de Belmonte, no Sertão Central, sede de um pelotão da Polícia Militar de Pernambuco, o então comandante, o tenente Marcos Aurélio, nos dias de feiras e mesmo nos demais não se descuidava. E a qualquer notícia de aproximação de grupos de flagelados, muitos inclusive vinham de municípios da Paraíba e do Ceará, o oficial destacava uma fração para encontrar com os agricultores, a fim de confirmar as notícias e adotar medidas para assegurar a tranquilidade pública. O comandante do pelotão então se comunicava com as autoridades e representantes da sociedade civil local, envolvendo todos os segmentos nas soluções dos problemas. A prefeitura reservava espaços e designava funcionários para a recepção dos famintos, coletava gêneros alimentícios, roupas e medicamentos para atender os carentes. O Juiz municipal e o representante do 17 Diário de Pernambuco. Recife, 05 de julho de 1995. Caderno A, pg 7. Dados fornecidos pela 2ª Seção do Estado Maior Geral da PMPE. 19 Relatório do Ministério da Saúde sobre o impacto da campanha do desarmamento. Agosto de 2005. 18 43 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Ministério Público eram cientificados das medidas e monitoravam as ações. Nas ocasiões em que não era possível atender, de imediato, o tenente Marcos Aurélio, já em entendimento com a municipalidade e demais autoridades e segmentos da sociedade local, procedia ao cadastramento dos agricultores e explicava as dificuldades do momento, e orientava os agricultores a retornarem em datas previamente estabelecidas, a fim de receberem suas feiras na forma de cestas básicas. Aquelas medidas adotadas pelo comandante do Pelotão de Belmonte, numa visão estratégica de policiamento profissional seriam impossíveis, pois, nessa concepção, os flagelados seriam tratados como bando de criminosos, assaltantes e perturbadores da ordem pública. Também não seria o caso de policiamento estratégico, vez que os flagelados não eram criminosos profissionais e perigosos. Não seria também o caso de classificar a ação como sendo de policiamento comunitário, uma vez que as pessoas que integravam o grupo não residiam na área urbana, e, portanto não interagiam cotidianamente com o policiamento. As ações adotadas pelo comandante do Pelotão de Belmonte eram típicas da “estratégia do policiamento por resolução de problema”. Ou seja, a polícia fez o seu diagnóstico, e concluiu que havia um problema socioeconômico especifico que poderia afetar a ordem pública, caso não fosse gerenciado com competência e habilidade. Nos finais dos últimos anos 80 e início dos anos 90, as ações do Movimento dos “Sem Terra” e dos “Sem Teto” exigiram muito da polícia brasileira. Em Pernambuco não foi diferente. Foram vários os conflitos resultantes do enfrentamento das invasores de terras e de imóveis contra as ações reintegratórias realizadas com o apoio da Policia Militar. Era uma situação inusitada para as polícias e não havia um protocolo adequado aos novos procedimentos a serem desenvolvidos. Nesse sentido, um avanço para Policia Militar de Pernambuco foi a Nota de Instrução (NI) nº CPI – 006/93, a “Lex Ratio”. A Lex Ratio foi elaborada pelo Comando do Policiamento do Interior e homologada pelo Comando Geral da Corporação para que fosse cumprida como norma geral nas operações de reintegração de posse20. Em julho de 1996, a Lei nº 11.365 regulou a “presença e o acompanhamento do Ministério Público estadual nas operações que envolvam a 20 Na época, o comandante do Policiamento de Interior era o coronel Alexandre Nunes de Araújo, que elaborou a “Lex Ratio”. 44 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal força policial do Estado de Pernambuco em medidas possessórias de caráter e efeitos coletivos (...)”. Administrativamente, o Comando Geral da Policia Militar também determinou que sa operações de reirtegração de posse, antes de sua execução, fossem comunicadas ao Governador do Estado, ao Presidente do Tribunal de Justiça; ao Presidente da Assembléia Legislativa,ao Procurador Geral de Justiça; ao Secretario Estadual de Justiça; ao Chefe de Polícia Civil, Comandante de Bombeiros, ao Juiz e ao Promotor de Justiça da Comarca onde a operação seria realizada. Com essas medidas as intervenções da Polícia Militar passaram a ser desenvolvidas com menos riscos, e os conflitos ocasionais resgitrados durante a execução dos mandados judiciais encaminhados com mais amadurecimento. A iniciativa de Pernambuco foi recepcionada pelo Ministerio da Justiça que difundiu a orientação para as policias brasileiras. O condicionamento da execução da operação a aprovação da Promotoria de Justiça diminuiu a responsabilidade exclusiva da Polícia, e lhe garantiu maior segurança, na medida em que o Representante do Ministerio Público, responsável pelo controle externo da atividade policial, passou a se fazer presente durante todo o periodo em que Policia executava a operação policial. O diagnóstico da situação e o disciplinamento dos procedimentos policiais, e a regulação da atuação dos membros do Minstério Público foram fundamentais para a redução dos conflitos violentos nas operações de reintegração de posse. O programa do governo Federal “Força Nacional de Segurança Pública – FNSP”, constitui-se uma típica estratégia de policiamento por resolução de problemas. A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), resultante de um arranjo amparado nos artigos 144 e 241 da Constituição Federal “foi criada em 2004 para atender às necessidades emergenciais dos estados, em questões onde se fizerem necessárias a interferência maior do poder público ou for detectada a urgência de reforço na área de segurança”. A FNSP composta por policiais e bombeiros militares das Unidades subnacionais, para muitos especialistas constitui uma força especializada, em face dos meios que é dotada e do treinamento diferenciado dos integrantes. Contudo o seu emprego é emergencial com objetivo de resolver problema especifico no estado que solicitar a sua intervenção. Resolvido o problema, o contingente é desmobilizado e os seus integrantes devolvidos às suas Instituições de origens, ou deslocado para outros Estados federativos em crise. 45 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Da mesma forma, as Unidades de Polícia Judiciária, que tem por fundamento a “repressão qualificada”, também não devem ser consideradas especiais em face das suas atividades. Em geral existem unidades de Polícia Judiciária nas quais são formadas “forças tarefas”, constituídas por policiais, inclusive de outras unidades, que, temporariamente, são convocados para atuarem no esforço dirigido para solucionar determinado crime, cujas estatísticas são elevadas e colocam em riscos o ir e vir e a integridade física das pessoas. Esse é o caso da Delegacia de Homicídio Proteção da Pessoa (DHPP). A constituição de forças tarefas com o objetivo de controlar esse ou aquele delito demonstra a decisão da Policia Judiciaria em priorizar as ações e resolução dos problemas causados pela incidência dos crimes identificados como aqueles que mais colocam em risco a segurança da sociedade. Nesse contexto do policiamento por resolução de problemas, desde junho do ano passado (2013), motivadas pelos altos preços da passagem de ônibus, a baixa qualidade dos serviços públicos de saúde, educação, transportes, moradia, segurança pública e uma corrupção generalizada colocadas em confronto com a exuberância dos gastos para a realização da copa do mundo, a sociedade brasileira passou a demonstrar suas insatisfações através de movimentos sociais de rua. A grandeza do movimento registrado nas capitais e nas cidades mais importantes do País, o surgimento dos “mascarados” infiltrados nas multidões, os chamados “black bloc”, e a falta de um diagnóstico preciso sobre o que estava acontecendo levaram e à violência institucional e a acerbidade da violência dos manifestantes. Em São Paulo, após a elaboração de um diagnóstico desenvolvido a partir das violências constadas nas manifestações e as críticas recebidas, a Polícia Militar passou a empregar tropa desarmada e com treinamento em artes marciais e, ao que parece os resultados têm sido favoráveis, em face da redução das violências registradas comparadas as truculências das primeiras contestações populares. Com a mesma intensidade de esforços, as policias brasileiras se deparam com as ações depredadoras das torcidas organizadas, que sob o manto das paixões clubistas, aproveitam os dias de jogos para praticarem agressões mútuas, e ocupam as ruas no entorno dos Estádios, além dos limites determinados pelo Estatuto do Torcedor, para liberarem suas violências. Agridem os torcedores dos times 46 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal adversários, depredam coletivos, lojas comerciais, transeuntes e os policiais. E mesmo as determinações judicias e as intervenções do Ministério Público no sentido de coibirem as suas presenças nos Estádios não têm tido os resultados desejados. Proibidas de ingressarem nos campos de futebol uniformizadas, os grupos marcam encontro com trajes diferenciados e extravasam suas sanhas criminosas pelas ruas. Esses eventos tem exigido das policias um estudo detalhado dos perfis das torcidas, a fim de elaborarem diagnósticos que permitam o lançamento de força policial treinada adequadamente para garantir a ordem, preservando as integridades de torcedores e transeuntes e, também o patrimônio público e privado que também são alvos das depredações. A última estratégia a ser discutida é a do Policiamento Comunitário, que paradoxalmente, apesar dos modismos, “o consenso acerca de seu significado ainda é pequeno” (Skolnick e Bayley, 2002:15). Contudo, Moore e Trojanowicz insistem que a distinção dessa estratégia das demais é a forma de relacionamento com a comunidade, que deve ser “vista como uma aliada essencial para lidar com o crime e o medo” (Moore e Trojanowicz, 1993, p. 91 e 92). Para Moore (2003): A ideia fundamental por trás do policiamento comunitário, ao contrário, é a de que o trabalho conjunto efetivo entre a polícia e a comunidade pode ter um papel importante na redução do crime e na promoção da segurança (Skolnick e Bayley, 1986; Sparrow, Moore e Kennedy, 1990). O policiamento comunitário enfatiza que os próprios cidadãos são a primeira linha de defesa na luta contra o crime. Consequentemente, para que estes esforços possam ser melhor mobilizados, é necessário muito raciocínio. Uma técnica importante é a polícia abrir-se para os problemas que as comunidades identificam. (Moore, in TONRY e MORRIS, 2003, p. 139). Esse envolvimento de cidadãos na “primeira linha de defesa na luta contra o crime”, preconizado por Moore, não deveria causar estranheza aos membros da polícia, vez que no Brasil a “segurança pública é um direito e responsabilidade de todos”, conforme dispõe o artigo 144 da Carta Magna. Mas isso não significa armar a população, ou condicionar a ação policial ao fornecimento de “informações” que a coloquem em risco a integridade física do cidadão. A proposta é que os assuntos da segurança pública sejam discutidos com a sociedade, que não se restrinjam aos gabinetes policiais. Significa que a sociedade não deve ser um ator passivo. A participação de “todos” implica na exigência na melhoria da segurança oferecida, na sua contribuição para o planejamento das ações, e na cobrança aos demais órgãos 47 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal públicos pelos serviços que favoreçam o trabalho policial, o ir e vir das pessoas, e a proteção do patrimônio público e privado. Um outro aspecto do policiamento comunitário que perturba a inteligência e os valores institucionais clássicos das polícias é a descentralização. Jerome H. Skolnick e David H. Bayley (2002), se referindo a necessidade da autonomia dos comandantes operacionais e patrulhas lançadas no terreno, afirmam que: Embora operações policiais com frequência sejam geograficamente descentralizadas para a jurisdição de algum distrito policial relativamente pequeno ou para postos polícia, os comandantes locais têm tido, em geral, uma habilidade limitada para caracterizá-las. (...) O policiamento deve ser adaptável. Para realizar esta tarefa, deve-se dar aos comandantes subordinados liberdade para agir de acordo com suas próprias leituras das condições locais. A descentralização do comando é necessária para ser aproveitada a vantagem que traz o conhecimento particular, obtido e alimentado pelo maior envolvimento da polícia na comunidade. Disso se conclui que nem toda a descentralização pode ser considerada como um degrau em direção ao policiamento comunitário. (BAYLEY e SKOLNICK, 2002, pg. 33). A questão da descentralização exigida pelo policiamento comunitário não significa deixar os comandantes de subunidades e as patrulhas dos bairros sem coordenação, operando à mercê do livre arbítrio do comandante da guarnição. Pelo contrário, a descentralização exigirá dos policiais comunitários mais disciplina e correção em suas decisões. Por outro lado, chama-se a atenção que na medida em que a descentralização cresce, também aumenta a responsabilidade e a responsabilização do policial de linha. E em contrapartida, os escalões superiores devem zelar por uma supervisão efetiva, que contribua para a correção e a melhoria do desempenho das patrulhas, e também para as avaliações à posteriori que permitam qualificar os resultados do policiamento de per si e no todo. O policiamento comunitário, embora, tenha assumido um destaque extraordinário somente a partir da 2ª metade dos anos 1990, no Brasil, desde os anos 1980, já se registravam algumas experiências de sucesso desenvolvidas pelas Policia Militar de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. A experiência em nosso Estado data de 1985, quando o governo estadual criou os Núcleos Comunitários de Segurança Preventiva (NUSEP). A experiência com os NUSEP foi desenvolvida, quase simultaneamente às experiências das cidades norte-americanas de Santa Ana, Detroit, Houston, Denver, Oakland e Newark, iniciadas na primeira metade dos 48 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal anos 198021. O Projeto foi elaborado com riquezas de detalhes, porém naquele período o envolvimento da sociedade civil era pífio e carecia de estímulos dos próprios organismos policiais22. Como nas cidades norte-americanas, não houve preocupação de construir bases fixas. Os NUSEP, criados a partir de Decreto Governamental23, foram instalados em imóveis cedidos pelas comunidades, e tinham por objetivos estimular a segurança preventiva e aproximar a Força Pública das sociedades locais. Para isso, foram desenvolvidos esforços que envolveram autoridades, representantes de entidades comerciais, industriais e bancárias, além dos representantes das comunidades e órgãos das prefeituras municipais sediados na área do Batalhão de Polícia responsável pelo policiamento ostensivo geral. Os procedimentos necessários à proteção da comunidade através dos NUSEP foram orientados por Portaria Administrativa do Comando Geral da Policia Militar 24. A norma administrativa disciplinou a criação e constituição dos Núcleos, e disciplinou os procedimentos para as realizações das reuniões ordinárias e extraordinárias, as quais seriam realizadas em locais de fácil acesso ao público. Os NUSEP tinham estatuto próprio e os problemas das comunidades, inclusive de segurança pública, eram discutidos em reuniões realizadas nas sedes dos equipamentos comunitários, salões paroquiais, escolas e quartéis. O Estatuto propunha que as comunidades deveriam colaborar com a fiscalização e a melhoria da ação policial-militar; participar do planejamento da ação comunitária voltada para a segurança preventiva e avaliação dos resultados; levar ao conhecimento dos escalões responsáveis pelo policiamento as reivindicações e propostas voltadas para a eficiência do serviço policial, o controle da violência e da criminalidade; participar do planejamento e implementação de campanhas educativas. O Estatuto também estabelecia que para todas as reuniões fossem produzidas Atas, cujas cópias deveriam ser encaminhadas ao comandante do Batalhão e para o Estado-Maior Geral da Policia Militar, a fim de 21 Para uma melhor compreensão desse assunto, sugiro a leitura de “Nova Polícia. Inovações nas Policias de seis Cidades norte-americanas”. David H. Bayley e Jerome H. Skolnick. EDUSP. São Paulo –SP. 2001. 22 Naquele período o Brasil ainda estava sob o regime autoritário inaugurado em 1964. 23 Decreto nº 10.617, de 31 de julho de 1985, publicado no Diário Oficial de 1º de agosto de 1985, transcrito no Suplemento Normativo nº 15/85. 24 Portaria Administrativa nº 429 de 29 de agosto de 1985, publicada no Suplemento Normativo nº 10/85. 49 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal que as questões fossem analisadas, e as soluções propostas fossem apreciadas e apoiadas. O Projeto dos NUSEP foi a primeira experiência planejada com o objetivo de envolver as comunidades nas discussões da segurança pública local. Os NUSEP foram criados em bairros e localidades periféricas da Região Metropolitana do Recife e, além de oferecer os clássicos serviços de segurança individual e coletiva, as guarnições mediavam e solucionavam ocorrências de menor valor de risco e assistenciais25. Naquele mesmo ano (1985), foi lançada a "Patrulha do Bairro (PB)". O novo projeto foi lançado com excelente aporte de comunicação. As patrulhas do bairro foram planejadas para atuarem nos centros comerciais dos bairros e áreas residenciais circunvizinhas, e sua guarnição era constituída por 5 (cinco) policiais: um graduado, um motorista, e três patrulheiros. A guarnição era instruída para interagir diretamente com os membros das comunidades e transeuntes em geral. No quarteirão sob sua responsabilidade, a PB realizava patrulhamento motorizado e a pé, além de ocupar, periodicamente, pontos de estacionamento em locais de maiores afluências de pessoas e reincidência de ocorrências policiais. Outras experiências de sucesso desenvolvidas pela Força Pública de Pernambuco são a “Escola Comunitária” e a “Patrulha Escolar”. A primeira Escola Comunitária foi criada em 1987, na sede do 6° Batalhão, localizado em Prazeres, na cidade de Jaboatão dos Guararapes. Essas escolas foram idealizadas para oferecer ensino fundamental e profissionalizante a crianças carentes e menores em situação de risco. Os meninos eram matriculados e posteriormente transferidos para os Estabelecimentos formais da rede pública, em face do convênio com o governo estadual e as prefeituras municipais, que disponibilizavam professores e merendas. Em 1990, a Fundação das Nações Unidas para a criança – UNICEF “considerou a Polícia Militar de Pernambuco como a mais capacitada, em todo País, no tratamento aos meninos e adolescentes de rua” 26. 25 As ocorrências assistenciais consistiam em socorro de urgência, encaminhamento de parturientes, doentes mentais e outros eventos não caracterizados especificamente como fatos policiais. As assistências representavam em torno de 20% do total de ocorrências registradas. 26 Diário de Pernambuco. “Unicef vê PM preparada para lidar com meninos”. Recife-PE, 25 de outubro de 1990. Pg A-12. 50 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal O “Projeto Patrulha Escolar” surgiu em 1999, na cidade Palmares, idealizado pelo então Major Reginaldo José do Nascimento, então Comandante do 10° BPM. O Major Reginaldo, percebendo as dificuldades de relacionamento dos professores com alguns alunos em situação de risco, inicialmente convidou alguns oficiais e praças para serem voluntários na atenção daqueles alunos. Cada voluntário tornouse padrinho de um aluno, que passou a ser assistido pelo novo padrinho. A partir daí a ação cresceu e foi apropriada por ONGs de Direitos Humanos que atuavam na rede escolar do Estado. A Patrulha Escolar é uma tropa sem aquartelamento, composta inicialmente por policiais voluntários. Os oficiais e graduados realizam a fiscalização nos postos, fazendo contatos com as patrulhas e com os gestores das Escolas beneficiadas. Dessa forma, há um trabalho duplo de fiscalização: o da Coordenação, e o da sociedade civil representada pelos gestores, funcionários e alunos dos Estabelecimentos. O controle interno realizado pela fiscalização funciona, e a participação em todas as atividades da instrução é obrigatória e as ausências são passiveis de sanção, que via de regra excluem os faltosos do grupo. Na Patrulha Escolar, instrução e fiscalização são atividades que caminham juntas. E o resultado são experiências até certo ponto inusitadas para quem desconhece o trabalho realizado pela Patrulha Escolar. Como exemplo, vejamos o caso do jovem oriundo de uma família desestruturada, viciado em droga, que procura o “patrulheiro escolar” pedindo ajuda, em face da ausência dos pais. O “Patrulheiro Escolar” fardado e armado, atende o jovem em situação de risco, ouve a sua história e o orienta com retidão, e o encaminha aos órgãos de apoio específicos para tratamento adequado. A habilidade do patrulheiro deve-se ao treinamento recebido no PROERD27, que prepara o policial para atuar preventivamente nas relações com jovens envolvidos com drogas. Outro exemplo é do soldado enfermeiro que estabeleceu um dia, na sua folga, para ministrar medicamentos, realizar curativos e instruir os alunos sobre os cuidados com o corpo. As duplas do Colégio Santo Inácio de Loyola, em São Benedito, e do CAIC, de Peixinhos, que organizaram um torneio de futebol entre os alunos dos dois estabelecimentos. A Sargento que trabalha no Hospital da Polícia 27 PROERD – Programa Educacional de Resistência as Drogas. 51 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Militar ministra aulas sobre gravidez na adolescência. Na Escola Alberto Torres, em Tejipió, o sargento que é programador de sistemas organiza aulas de Informática para os alunos daquele Educandário. Enfim, todos os Patrulheiros Escolares têm alguma tarefa além do policiamento de rotina. E não estão dispensados do expediente e escalas das suas unidades de origem. A Patrulha Escola talvez seja o melhor exemplo de ação de policiamento comunitário desenvolvido pela Policia Militar de Pernambuco. Diante dessas experiências, não há dúvidas que os governos e as sociedades se esforçam na construção de um modelo de policiamento mais efetivo, eficiente e que contemple a participação das comunidades. Contudo, para Skolnick e Bayley (2000), “a realidade, no entanto, é que, ao mesmo tempo em que todo mundo fala sobre ele, o consenso acerca de seu significado ainda é pequeno. Como resultado, inovações práticas sob a rubrica do policiamento comunitário não são muito genuínas nas práticas policiais. Em outros o policiamento comunitário é utilizado para rotular programas tradicionais, em caso clássico de colocar vinho velho em garrafas novas” (SKOLNICK e BAYLEY, 2002, p. 15 e 16). Considerações Finais A polícia como instituição de vanguarda da garantia da ordem e da lei é o primeiro segmento do Estado a sofrer os impactos da desordem pública, quer seja provocada por indivíduos isoladamente, em grupos, ou por movimentos sociais. Afinal ela é o anteparo dos bons e dos maus governos. No Brasil, a vida tem sido desvalorizada, a propriedade não é garantida e o medo grassa entre os cidadãos ordeiros. Em algumas cidades convive-se com um terrorismo urbano28, que decorre 28 Para Luigi Bonanate (2000), “apesar de correntemente o terrorismo ser entendido como a prática política de quem recorre sistematicamente à violência contra as pessoas ou as coisas provocando o terror, a distinção entre esta última e o terrorismo representa o ponto de partida para a análise de um fenômeno que, ao longo dos séculos, viu constantemente aumentar seu peso político.” (Bobbio, Matteucci e Pasquino. 2000, pg. 1242). O conceito de terrorismo ainda é muito flexível. Pode-se pensar no terrorismo político inaugurado durante a revolução francesa na ditadura do Comitê de Saúde Pública; no terrorismo contextualizado nas guerras libertação nacional; e/ou no terrorismo religioso e de etnias, por exemplo. Aqui quando falamos em “terrorismo urbano” estamos pensando nas ações práticas, nas táticas, desenvolvidas por grupos criminosos, de movimentos sociais e até de comunidades (grupo de pessoas insatisfeitas) contextualizadas na violência urbana, como meio de proclamar suas reivindicações e os seus interesses, e que têm contribuído para o afloramento de um estado de medo permanente nas ruas. Nesse contexto estão os ataques do PCC (Primeiro Comando 52 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal da corrupção endêmica, a fragilidade da legislação e da impunidade. Eric Hobsbawm (2007), estudando a violência no Rio de Janeiro e na Cidade do México questionou as medidas que se poderia adotar “para controlar a situação”. Para ele “a manutenção da ordem em uma era de violência tem sido mais difícil e mais perigosa, inclusive para as policias”, e afirma que dessa forma, “a polícia sofre a tentação de ver-se como um corpo de ‘guardiães’, com conhecimentos profissionais especializados, separada dos políticos, dos tribunais e da imprensa liberal, e criticada por todos, com ignorância, por todos eles” (Hobsbawm, 2007, pg. 147). Não há dúvidas de que o problema da violência no Brasil não é um problema único da polícia. Mas diante de tantas críticas e por estar na linha de frente do combate e do controle da criminalidade, a sensação da polícia é que realmente ela está sozinha na luta contra o crime. Contudo, não há que negar que a polícia também exagera em muitas intervenções. E esse exageros têm de ser contidos pelos comandos superiores e os órgãos de controle internos e externos. Entretanto, apesar das falhas da polícia, como afirma Goldstein “ainda assim, apesar de sua posição anômala, para manter o grau de ordem que torna possível uma sociedade livre, a democracia depende de maneira decisiva da força policial”. E que “o vigor da democracia e a qualidade de vida desejada por seus cidadãos estão determinados em larga escala pela habilidade da polícia em cumprir suas obrigações.” (Goldstein, 2003, pg. 13). Porém, para que a polícia eleve a sua performance na busca da excelência dos seus serviços prestados numa sociedade livre, torna-se imprescindível que tenha em sua estrutura um Staff eficiente e capaz de desenvolver e formular estudos permanentes, que fundamentem os diagnósticos para instrução e o emprego eficaz das patrulhas, e subsidiem o planejamento das políticas de segurança pública. Finalizando, ressaltamos que os estudos de Moore e Trojanowicz tinham por da Capital) às instituições de segurança pública em maio de 2006 na cidade de São Paulo, e que se alastrou pelos estados do Espirito Santo, Paraná, e Mato Grosso do Sul, e totalizou 128 mortes entre agentes públicos e civis nos 4 primeiros dias da ação. O vandalismo contra os estabelecimentos comerciais, bancários, repartições e equipamentos públicos. Os ataques incendiários indiscriminados dirigidos ao transporte público, inclusive atingindo os usuários. Dia 8 de maio último uma greve de rodoviários no Rio de Janeiro deixou cerca de 500 ônibus depredados. Os assaltos a agências bancárias e caixas eletrônicos com uso de artefatos explosivos. 53 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal objetivo encontrar uma Estratégia Institucional de Policiamento que possibilitasse a polícia lidar com os principais “problemas que afligem as comunidades urbanas: crime, medo, drogas e decadência urbana”. Porém, ao final de suas pesquisas, vimos que embora eles não tenham encontrado uma Estratégia específica ou única, os seus estudos revelaram quatro alternativas de fazer policiamento que não são excludentes entre si. Tanto que eles sugeriram que a Estratégia do futuro poderia ser denominada de “policiamento profissional, estratégico, comunitário, e por resolução de problemas” (Moore e Trojanowicz, 1993: 98 e 99). Todavia, talvez, a melhor contribuição de Moore e Trojanowicz tenha sido a categorização das características das estratégias do policiamento tradicional, estratégico, por resolução de problemas e comunitário, oferecendo um norte doutrinário para o desenvolvimento das políticas de segurança pública e para que a polícia atinja suas metas com eficiência, sabendo distinguir as praxes, os fundamentos e o significado da cada Estratégia, privilegiando a lei, a ordem e a cidadania. Referências ARAGÃO, Alexandre e MEGALE, Bela. O bloco do quebra-quebra. Revista Veja, nº 34 de 21 de agosto de 2013. ARENDT, Hanna. Sobre a violência. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro-RJ. 2009. BAYLEY, David H.; SKOLNICK, Jerome H. Nova Polícia. Inovações nas polícias em seis cidades norte-americanas. Tradução Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: EDUSP, 2001. BAYLEY, David H.; SKOLNICK, Jerome H. Policiamento Comunitário. Tradução Ana Luiza Amêndola Pinheiro. São Paulo; EDUSP, 2001. BARCELLOS, Caco. Abusado. 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Busca apontar que o papel social exercido por estes agentes, muitas vezes, em rincões longínquos, se traduz na única presença que implica ação de governo, e a forma como esta relação é construída e exercida, em muito contribui para solidificar esta relação. Ressalta, por fim, a importância do olhar recíproco da sociedade e dos policiais sobre a conduta destes, pois as posturas nocivas verificadas negativam o munus policial e expõem a instituição perante a sociedade, em que pese ser relevante, as posturas nocivas também presentes no tecido social, que agrega em seu ethos as mazelas de uma cultura arbitrária, que muitas vezes tende a verticalizar as relações com relação aos policiais, tornando as mesmas, cada vez mais difíceis, sobretudo pela cobrança constante, quanto a efetivação e concreticidade dos Direitos Humanos. Palavras-chave: Direitos Humanos, Democracia, Cultura autoritária, Relação Polícia versus sociedade. Introdução Os Direitos Humanos, de acordo com Bobbio (Apud COLLETI, 2006, p.81) “são históricos, nascem no início da era moderna com a afirmação da concepção individualista de sociedade e constituem o principal indicador da civilização humana”. Pela ótica civilizadora é interessante observar que tais direitos, pela 1 Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar de Pernambuco, Formado em Licenciatura em História, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Capacitação de Docência, Pós-Graduado em História Contemporânea, Pós-Graduado em Políticas Públicas de Segurança, Pós-Graduado em Gestão Pública, Mestre em Ciência Política, Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (Escola Superior de Guerra). 57 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal essência da natureza dos seres humanos, dotados de razão e providos do livre arbítrio, por certo indicam o quão mais civilizado é um povo à medida que, em termos majoritários, se respeita e universaliza tais direitos em seu universo social. Com efeito, uma das características dos Direitos Humanos é a sua universalidade, de sorte que eles devem ser ampliados para alcançarem todos os cidadãos, e numa visão mais extensiva, todos os seres humanos, já que a declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 1º assim aduz: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns com os outros com espírito de fraternidade”. Ao suscitar a fraternidade, implica que os homens devem cultuar o princípio do pertencimento, que diz respeito à comunidade internacional, de modo que ao ser integrante desta, deve pautar suas relações com viés de urbanidade, civilidade e respeito à condição humana, como forma de atingir ápices esperados dentro de um processo civilizador. Entretanto, no caminhar histórico da humanidade, desde os primórdios da era moderna, temos observado avanços na comunidade internacional quanto ao respeito aos Direitos Humanos, embora seja coerente afirmar que existem inúmeras assimetrias neste processo, que depõem contra avanços desta natureza. Para melhor compreender este processo de pertencimento, faz-se necessário buscar apoio em um conceito de cidadania, que segundo Dallari (1999, p.10) “Indica a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer”. Pelo exposto, fica evidente que o conceito primaz de cidadania tem escopo inclusivo ou não a uma comunidade política e, portanto, implica conforme já dissemos em pertencimento. Contudo, os direitos vinculam-se a conquistas, muitas delas e quase sempre sangrentas, vez que é próprio de quem tem poder não ceder ou fazer concessões que não lhes sejam favoráveis, logo é atual na Ciência Política que o poder não se entrega, mas sim se conquista. Por este ângulo, a História da luta pela ampliação da cidadania teve um marco consubstancial com as Revoluções Burguesas (inglesas, francesa e americana), cujo escopo final foi à tentativa de se proteger o cidadão contra o 58 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal arbítrio do Estado e eliminar os privilégios das classes políticas, conforme atesta Dallari (1999, p.11) “foi nesse ambiente revolucionário que nasceu a moderna concepção de cidadania, que surgiu para afirmar a eliminação de privilégios.” 1. Parte I A partir dessas acepções as palavras cidadão e cidadã passaram a ser símbolos da igualdade jurídico-formal entre pessoas unidas pelo consenso do pertencimento, já que a cidadania em uma visão contemporânea, atual e de vanguarda, implica em um conjunto de direitos que dá as pessoas à possibilidade de participarem da vida e do governo de seu país. Isso ocorre, agindo-se de forma direta ou indireta, ensejando uma condição de inclusão no interior do grupo social, que formata decisões obrigando a todos, dentro de uma comunidade considerada. A primo intuito isto parece simples, mas não é. É importantíssimo, pois, em conjunto, dentro da lógica do consenso da maioria e do pluralismo político, afirmar que todos os cidadãos têm o potencial de influir nos destinos de sua vida, de seu país e mesmo da comunidade internacional a que pertence, é esplêndido, daí a importância dos direitos humanos no contexto da cidadania. Por este prisma, a Democracia enquanto regime político que cultua o pluralismo e o respeito aos Direitos Humanos tem ampliado seus cânones na sociedade global contemporânea e, a despeito das mais diversas ideologias totalitárias, vêm se consolidando como o regime mais aceito e legitimado, em face de uma ética transformadora, que prima pelo diálogo e a solução pacífica dos conflitos. Assim, com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil, no campo político e jurídico buscou se libertar do regime autoritário sobre o qual a nação conviveu por 20 anos. Dentro daquela lógica, foram tolhidos os direitos amplos com os quais a sociedade deveria conviver, o que causou grandes percalços para o fortalecimento de uma cidadania mais fraterna entre nós. Considerando o objeto deste ensaio é prudente se verificar a relação entre a luta pela consolidação dos Direitos Humanos e a relação com o trabalho policial. Neste contexto, centrando a análise nos Direitos Civis, Políticos e Sociais, os quais traduzem lato sensu os Direitos Humanos, observamos que as suas 59 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal garantias pelo texto constitucional constituem um dever ser do Estado para com os cidadãos e, evidentemente, quando esses direitos estão sendo violados ou ameaçados, segue a lógica de se procurar as instituições do Estado, que em tese, garantem o exercício regular deles. Neste contexto, o papel das instituições formais e informais, políticas, jurídicas e sociais são importantíssimas, visto que o poder se exerce através das instituições, e o modo como elas atuam na sociedade, em muito aferem o grau de civilidade da nação onde elas estão inseridas. Assim, são as instituições policiais, sobretudo em situações de conflitos quase sempre postas a prova para dirimir tais contendas e exercerem, através de seus prepostos, as funções de pedagogos da cidadania, muitas vezes corrigindo rumos e tomando decisões que os torna um viés da governança no dizer de Muniz (2006, p. 17) “o exercício do mandato policial é uma materialidade da governança, correspondendo à tomada de decisão política na esquina (streetcorner politcs)”. Aqui se verifica um fator importante do papel institucional, pois atuando diretamente e conjuntamente com a sociedade, em função do escopo interativo indissociável presente entre os cidadãos e as instituições policiais, estabelece-se uma relação difícil, de paz e conflito, cooperação e competição, em face quase sempre dos interesses conflitantes, presentes na busca da resolução dos problemas naturais da convivência humana em sociedades complexas. Neste contexto, o trabalho da polícia, com ênfase nas militares, que exercem o policiamento ostensivo, de relance identificado pela farda, traduz sobretudo nos rincões mais longínquos, a primeira linha de defesa da sociedade. Assim, quando se demandam os conflitos, a busca de soluções tem nestes profissionais seu primeiro impacto, seu primeiro contato, sua primeira esperança de ajuda, de ser bem atendido ou não, e muito do nível de democracia, em tese, é medido nesta relação. Com efeito, é neste sentido que o trabalho das polícias, sobretudo as militares é tido dentro de uma dimensão pedagógica como um superego social, conforme afirma Balestreli (2002 p. 28): 60 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Polícia é, portanto, uma espécie de superego social, indispensáveis em culturas urbanas, complexas e de interesses conflitantes, [...] zelar, pois, diligentemente, pela segurança pública, por nossos direitos de ir e vir, de não sermos molestados, de não sermos saqueados, de termos respeitadas nossas integridades físicas e morais, é dever da polícia, um compromisso com o rol mais baixo dos Direitos Humanos que devem ser garantidos à imensa maioria de cidadãos honrados e trabalhadores. Assim temos o quanto é dinâmica, importante e vinculada aos Direitos Humanos à atividade policial, que enfrenta essas demandas dia a dia no convívio social interativo e nas comunidades, desde as mais humildes as mais abastadas, sempre de um lado e de outro, mediando conflitos e estabelecendo correção de rumos e enquadramento das condutas práticas à lei e, com isso, como vimos, agindo nas ruas e nas esquinas da polis, exercem a autoridade como símbolo emblemático da presença do Estado, consignando-se na governança pelo streetcorner. Esta relação se reveste de importância em razão da atuação diuturna das Polícias Militares, que regra Geral, são Corporações que atuam com presença certa em todos os municípios do país, onde há sempre um policial militar, o que tem sido perfeitamente aferido, em qualquer enquete séria, visto que todas elas atuam historicamente, moldadas em planos de articulação e desdobramento, que sempre propiciou tal concepção. Contudo, por várias razões, esta relação embora totalmente interativa não é tão amistosa, ensejando muitas vezes diversos conflitos entre o estado e a sociedade, afinal ao agirem os policiais representam o Estado, quase sempre a impor a ordem a alguém perante a cidadania, que por vezes, não parece disposta a enquadrar-se nos padrões estipulados no ordenamento jurídico. Dessa interação inegavelmente surgem arestas difíceis de aplainar, e muitas críticas às ações policiais se verificam a partir de reclamos da própria cidadania. Tais críticas, em sua maioria, dizem respeito à violência policial, pois em assim agindo estão os agentes estatais desrespeitando o mandato policial estabelecido pela polity e assim, comprometem a legitimidade do trabalho policial, afinal o uso legítimo da força não se confunde com a violência, já que a truculência oficial funciona sempre como ativo da desordem pública, tendo efeito nocivo no trabalho policial. 61 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Outra questão visível é a corrupção policial que apõe uma mácula moral sobre as instituições e afetam o viés valorativo da cidadania para com os policiais. Deste modo, os maus policiais conseguem um efeito muito pernicioso para as suas instituições, causando um sentimento de desconforto intenso entre os bons policiais. Logo, nem a violência arbitrária, tampouco a corrupção policial podem ser toleradas, já que funcionam como os males maiores das instituições policiais e que mais abalam a relação interativa com a cidadania estabelecendo uma fraca confiança na polícia, cuja consequência compromete a efetivação dos Direitos Humanos no ambiente social. Entretanto, fazendo recortes necessários, observando o outro lado da moeda, é preciso considerar no caso brasileiro, alguns aspectos inerentes a nossa cultura, como de resto o estudo de qualquer sociedade não pode ser descolado de um escopo antropológico e cultural, já que são variáveis importantes dentro de um processo dessa natureza. 2. Parte II No Brasil verificamos a cultura de hipervalorização de determinados indivíduos pelo seu enquadramento em determinada categoria social como sujeitos acima da lei e da ordem, ou seja, para seus interesses serem atendidos se posicionam acima da lei e da ordem, conforme Da Matta (1990 p. 237): No sistema social brasileiro, então, a lei universalizante e igualitária é utilizada freqüentemente para servir como elemento fundamental de sujeição e diferenciação política e social. [...] as leis só se aplicam aos indivíduos e nunca às pessoas; ou, melhor ainda, receber a letra fria e dura da lei é tornar-se imediatamente um indivíduo. Poder personalizar a Lei é sinal de que se é uma pessoa. Ora, é obvio que tal postura, como assegura o antropólogo, é própria de nossa cultura autoritária e compromissada no ideário por uma elite, que desde os primórdios se acha acima do bem e do mal, da Lei e da ordem, diferentemente da cidadania americana por exemplo, que ao ser abordada por um agente do Estado inverte tal procedimento de indagação com uma segunda pergunta: who do you think you are? Quem você julga que é? Que a rigor, coloca o pedante no seu devido lugar”.(DA MATTA, 1990, p. 197). Neste contexto, afirma Martins (2002, p.94) “que o ideário moderno 62 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal brasileiro é marcado pelo poder de certas elites que não se comportam como classes socioeconômicas, mas como clãs despóticos, que se legitimam a partir de vários fatores, entre os quais os econômicos, financeiros e políticos.” Logo, o poder não pressupõe ou enfatiza em maior ou menor grau, uma relação de potencialidade socioeconômica, mas sim pelas relações de mando, típicas de clãs autoritárias, que muitas vezes obtém riqueza e poder não por razões meritocráticas, mas sim pela dádiva patrimonial, no dizer de Martins (2002 p.95): A dádiva patrimonial é uma lógica tradicional de poder que confere aos seus detentores prestígio e honra, qualidades aristocráticas vedadas aos situados fora do circulo daqueles tidos como próximos: Os membros das grandes famílias proprietárias, os agrupamentos políticos e burocráticos influentes, os segmentos militares poderosos e, também industriais e dirigentes de importantes grupos econômicos (que se apresentam como classes do mundo burguês do trabalho, e como clãs no mundo oligárquico – patrimonial da ostentação e da glória). Por outro lado, tal classe política dominante, como segmento importante do aparelho de estado brasileiro, em suas ações administrativas e condutora das ações operárias, é obvio que exerce influência e tendência a agir com o viés cultural que são detentores, consubstanciando-se em um sistema próprio de administrar brasileiro, conforme afirma Barros (1996 p. 75,76): A concentração de poder coloca nas mãos de uma pessoa os destinos da organização [...] neste momento é que se revela o personalismo como traço atuante, pois a solução será dada por uma única pessoa. [...] Este estilo visa a manutenção do poder, seja pela preservação das informações, seja pelo ritual de pedir a benção. Esta é a frente do personalismo para que todos saibam quem manda na empresa. Temos então, o caráter autoritário destas práticas que lato sensu perduram no ambiente empresarial brasileiro, embora haja sinais de que está havendo mudanças, contudo elas são lentas, como de resto são, as mudanças de ordem cultural. Todavia, o relevante para a nossa análise é que essas relações de personalismo, concentração de poder, viés autoritário e cultura da dádiva patrimonial, que angaria patrimônio e poder sem mérito, transcendem as empresas e ambientes familiares e privados e ganham as ruas exercendo influência na sociedade, e aí reside à relevância para a nossa pretensão, pois vai causar impacto no trabalho policial nas ruas, que por sua vez, também não está imune a tais 63 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal influências em seus ambientes corporativos. Visto isto, outra variável importante que impacta sobre o trabalho da polícia é a questão das consequências da modernidade que tem acelerado o processo de mudanças socioculturais em velocidade astronômica com riscos e acasos reflexivos, causando descompassos nas instituições tão tradicionais e conservadoras quanto às polícias militares, que não deixa de causar impactos nas relações interativas com a sociedade a que presta serviços, conforme atesta Giddens (1991 p. 175): Uma das conseqüências fundamentais da modernidade é a globalização. (...) A modernidade é inerentemente globalizante, e as conseqüências desestabilizadoras deste fenômeno se combinam com a circularidade de seu caráter reflexivo para formar um universo de eventos onde o risco e o acaso assumem um novo caráter. De fato, com a mais recente onda de globalização político-econômica, advinda da terceira revolução industrial (revolução técnico-científica), observa-se um crescimento exponencial nas mudanças comportamentais em todos os ramos. Isto implica em uma corrente de mutações sobre o comportamento das organizações e dos indivíduos, até porque para sobreviverem às mudanças as empresas precisam se modernizar o que importa em mudança no padrão de gestão, mesmo reconhecendo o viés cultural, arcaico e tradicional que a rigor, tem dificultado tais mudanças. Uma frente importante dessas mudanças tem sido, por exemplo, a questão do meio ambiente, também inserido no rol dos Direitos Humanos, que incita a preocupação de toda comunidade internacional quanto a saúde do planeta, que por sua vez, impacta sobre o trabalho da polícia ostensiva, a qual cabe no geral à responsabilidade pela polícia ambiental. Neste contexto novas demandas vão surgindo, e em meio a esta sociedade em mudanças, aumenta a importância do trabalho policial em face desta difícil relação interativa e dialética, presente em uma sociedade em constante mutação. Neste cenário, tem se firmado em nível internacional e nacional, o fortalecimento do viés democrático ─ para o qual o exercício dos Direitos Humanos é imprescindível ─ além do que, tem se verificado uma maior cobrança pela efetivação e concreticidade desses direitos. Logo, em meio a uma sociedade que a 64 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal cada dia agrega novos significados e amplia o foco quanto ao exercício desses direitos, termina por oportunizar um choque de interesses entre as pretensões dos policiais e da sociedade quanto o ser protetor e receptor recíproco desses direitos. Considerações Finais Por concluso é fato que a importância dos Direitos Humanos ganhou dimensão internacional, desde a positivação dos direitos de primeira aos de última geração e que, a busca por sua concretização, perpassa em muito pelo agir policial, com relevo no Brasil, pelo trabalho das Polícias Militares, instituições constitucionalmente responsáveis, pelo policiamento ostensivo. Com efeito, o modus operandi destes profissionais, em virtude do maior ou menor grau de respeito a tais direitos, afetam a dimensão do grau de democracia, em que vive a sociedade, daí a relevância desta relação. Contudo, em sociedades balanceadas por padrões de convivência autoritária, fruto de nossa construção histórico-cultural, bem como a evidência de novos padrões de convivência social, advindos da globalização político-econômica, tem tornado difícil esta relação, sendo prudente às instituições policiais estarem sempre atentas a esta questão. Esta componente é relevante, pois é preciso agir sempre evitando as duas principais chagas do trabalho policial: “ a violência e a corrupção policial”, onde a primeira se verifica mais efetivamente com as classes sociais menos abastadas, e a segunda, em meio as classes mais abastadas, mas ambas depõem contra o trabalho policial e afetam a concretização efetiva dos direitos humanos, com reflexo no grau de democracia da sociedade. Referências BALESTRELI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: coisa de Polícia, Passo Fundo: Berthier, 2002. 65 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal BARROS, Betânia Tanure de. O Estilo Brasileiro de Administrar. São Paulo: Atlas, 1996. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, São Paulo: Campus, 1992. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988: Atualizada até a emenda Constitucional nº 28, de 25 de maio de 2000,3. ed. São Paulo: forense, 2000. COLETTI, Luciana. Norberto Bobbio: historicidade dos direitos humanos in Sentido Filosófico dos Direitos Humanos: leitura do pensamento contemporâneo, Passo Fundo: IFIBE, 2006. DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1999. ______, Elementos de Teoria Geral do Estado. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e Heróis: para uma Sociologia do dilema Brasileiro, 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU), 1948. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução Raul Fiker, São Paulo: Editora UNESP, 1991. MARTINS, Paulo Henrique. In Cultura e Identidade: Perpectivas Interdisciplinares. Joanildo A. Burity (org), Rio de Janeiro: DP&A, 2002. MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; PROENÇA JÚNIOR, Domício. Da Accountability seletiva à plena responsabilidade policial. Rio de Janeiro: Instituto de combate ao crime (IBCC), 2006. 66 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBELO INSTAURAÇÃO NO CONSELHO DE abrangência dos limites da acusação ACUSATÓRIO X PORTARIA DE JUSTIFICAÇÃO: delimitação da José Henrique Marinho de Barros1 RESUMO No Estado de Pernambuco com o advento da criação da Secretaria de Defesa Social, propiciou a integração dos órgãos operativos como a Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiro Militar e a Polícia Científica. Ocorre que, em face disto mudanças legislativas foram implementadas na Corregedoria Geral da SDS, a todo custo e, por vezes sem respeitar as legislações específicas das corporações militares, causando uma insegurança jurídica, e consequente prejuízo aos militares estaduais.Neste diapasão é que trouxemos à reflexão sobre o instituto do libelo acusatório e a portaria de instauração do Conselho de Justificação, como delimitadores da abrangência da acusação e as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Palavras-chave: Libelo Acusatório, Conselho de Justificação, Limites da acusação Introdução Tem o presente artigo o objetivo de trazer ao debate o atual processamento do Conselho de Justificação a luz da legislação pertinente a espécie, quanto ao emprego da Portaria de Instauração do Conselho de Justificação em substituição ao Libelo Acusatório, o que a princípio, por vezes, pode trazer prejuízos a realidade fática da apuração, ou até mesmo dificultar a ampla defesa e o contraditório, garantias constitucionais essenciais ao fortalecimento do estado democrático de direito. 1. Das Legislações Pertinentes a Matéria Há de se considerar que o Conselho de Justificação é um procedimento administrativo disciplinar típico das instituições militares, o qual tem 1 Major da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal 67 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal por objetivo apurar e julgar a conduta do oficial, no nosso caso, da Polícia Militar de Pernambuco, culminando ao final pela incapacidade ou não da permanência do miliciano nas fileiras da Corporação policial militar. No magistério de Jorge César de Assis verificamos que a declaração de indignidade e de incompatibilidade para o oficialato apresenta-se em duas modalidades: A declaração de indignidade ou incompatibilidade para o oficialato de natureza administrativa e, a declaração de incompatibilidade ou indignidade para o oficialato de natureza penal, decorrente esta última da condenação em crime militar ou comum. A Constituição Federal prescreve no seu § 1° do Art. 42, combinado com o inciso VI, §§ 2° e 3°, do Art. 142; as garantias e prerrogativas dos oficiais militares estaduais, in verbis: Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1° Aplicam-se aos militares dos Estados, do distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8°; do art. 40, § 9°; e do art. 142, §§ 2° e 3°, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3°, X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. Art. 142... VI – o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; Na mesma esteira, a Constituição do Estado de Pernambuco, também referenda a matéria atribuindo competência ao Tribunal de Justiça do Estado para o julgamento final do oficial, quanto à perda da patente, conforme preceitua o §§ 5° e 6° do Art. 100 do diploma legal. Art. 100 São militares do Estado os membros da Polícia Militar de Pernambuco e do Corpo de Bombeiros Militar. ... § 5° O oficial da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar só perderá o posto e a patente se for julgado indigno ao oficialato, ou com ele incompatível, por decisão do Tribunal de Justiça Militar, quando este existir, ou do Tribunal de Justiça do Estado, devendo a lei especificar os casos de submissão a processo e a seu rito. § 6° O oficial condenado na justiça comum ou militar à pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no Parágrafo anterior.” No entanto, o principal mandamento jurídico-normatizador do Conselho de Justificação é a Lei Federal nº 5.836, de 5 de dezembro de 1972, estabelecendo 68 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal os casos de submissão do oficial ao CJ (Art. 2º), bem como as normas procedimentais que conduzem os ritos instrumentais da marcha apuratória. Mais adiante, a Lei Estadual nº 6.957 de 3 de novembro de 1975, disciplina que a perda do posto e da patente do oficial, por indignidade, só ocorrerá por decisão da égide do Tribunal de Justiça do Estado, inclusive nomeando os casos que tornam o oficial das Corporações Militares do Estado indigno ou incompatível com o oficialato. É bem verdade que a lei estadual pouco ou quase nada acrescenta aos procedimentos previstos na lei federal. Por sua vez o Regimento Interno do Tribunal de Justiça editado pela Resolução nº 84 de 24 de janeiro de 1996, dispõe a partir do seu Art. 256K e seguintes, o rito procedimental do julgamento do Conselho de Justificação, naquela corte, finalizando como decisão em última instância sobre a matéria. Ainda em consonância com o tema a norma estatutária da Polícia Militar de Pernambuco, Lei nº 6.783 de 16 de outubro de 1974, dispõe no seu bojo, no Capítulo III Da Violação das Obrigações e dos Deveres, inserções acerca da submissão do oficial a Conselho de Justificação no seu Art. 47, a seguir: “Art. 47 – o oficial presumivelmente incapaz de permanecer como policial-militar da ativa será submetido a Conselho de justificação na forma da legislação específica”. Com o advento da Lei Complementar nº 158 de 26 de março de 2010, que alterou o §2º, do Art. 3º da Lei nº 6.957 de 03 de novembro de 1975, atribuindo competência ao Secretário de Defesa Social e a este Órgão correcional para indicar ao Governador do Estado, o oficial a ser submetido a Conselho, que até então, era competência privativa do Comandante Geral da Corporação, como observa-se in verbis: Art. 3º O Conselho de Justificação observará as normas de procedimento estabelecidas pela lei federal, no que não for incompatível com os preceitos desta Lei. ... § 2º Cabe ao Secretário de Defesa Social, ao Corregedor Geral da Secretaria de Defesa Social, ou aos Comandantes Gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar a indicação do oficial a ser submetido a Conselho de Justificação. 2. Da Controvérsia Entre a Portaria Inaugural do Conselho de Justificação x Libelo Acusatório 69 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Diante da constatação de situações de irregularidades praticadas por oficial militar, as quais noticiem os elementos materiais necessários à indicação de autoria, e se enquadrem, em face de sua gravidade, nos casos previstos na legislação específica de submissão ao Conselho de Justiça, deverá à autoridade administrativa provocar o competente ato governamental de submissão, de acordo com o que prescreve o §2º, do Art. 3º da Lei nº 6.957. É bem verdade que com a criação da Corregedoria Geral da SDS, foram criadas duas Comissões Permanentes de Disciplina Policial Militar, compostas por 03 (três) oficiais superiores da Polícia Militar, sobre os quais recairão as nomeações para o Conselho de Justificação, estabelecido no inciso III do Art. 7° da Lei 11.929/01. Submetido o oficial ao procedimento disciplinar por ato governamental, caberá em seguida a autoridade administrativa, no caso em questão, o Corregedor Geral ou o Comandante Geral, fazer baixar portaria instauradora do processo administrativo – CJ. Em face disso, no nosso entendimento, deveria a portaria inaugural revestir-se de conteúdo objetivo claro de forma a permitir, tão somente, as condições necessárias de legalidade e eficácia do ato administrativo. Nesse sentido, na seara do Conselho de Disciplina se pronunciou o então Corregedor Geral, Dr. José Luiz de Oliveira Júnior, por meio do Provimento Correcional – Cor. Ger. n° 002 de 14 de abril de 2005, pela singularidade objetiva do ato administrativo, conforme texto abaixo: Provimento Correcional – Cor. Ger. n° 002 de 14 ABR 05. Dispõe sobre publicação de Portarias distributivas de Conselho de Disciplina para as Comissões Permanentes de Disciplina, previstas no Art. 7°, IV e VI, da Lei n° 11.929, de 02 JAN 2001, e dá outras providências. Secretaria de Defesa Social. Corregedoria Geral. O Corregedor Geral, no uso de suas atribuições; considerando o disposto no Art. 2° XI, da Lei n°11.929, de 02 JAN 01, c/c o Art. 4°, § 1°, II, “a”, do Decreto Estadual n° 24.510, de 10 JUL 02, considerando que se faz necessário aplicar os princípios da razoabilidade, economia processual e financeira também no âmbito das atividades disciplinares desta Corregedoria Geral; Considerando que publicações atinentes à distribuição de Conselhos de Disciplina, oriundos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, representam ônus financeiro de vulto a esta Corregedoria, mas são de interesse público e também das partes integrantes da relação processual; Considerando que os temas versados em cada Conselho estão vertidos nas respectivas Portarias de submissão, cujos textos são publicados em Boletim Geral das respectivas Corporações, para ciência dos interessados; Considerando a necessidade de se fazer publicar no Diário Oficial do Estado a distribuição de cada Conselho; Considerando que os acusados, em 70 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal sede de Conselho de Disciplina, têm ciência expressa e formal do libelo acusatório (Art. 9°, do Decreto Estadual n° 3.639/75; Considerando que as já referidas publicações em Boletim Geral e as atinentes à Portarias de distribuição de cada feito atendem ao disposto no Art. 37, caput, da Constituição Federal, RESOLVE: Art. 1° - Portarias de distribuição de Conselhos de Disciplina serão publicadas, em resumo, no Diário Oficial do estado, contendo: n° da Portaria, n° da Portaria do Comandante Geral que submeteu o militar estadual a Conselho de Disciplina, n° e data de publicação em Boletim Geral; nome, e matrícula do aconselhado; fundamento legal da submissão; remissão à Portaria submissiva; especificação da Comissão Disciplinar por onde tramitará o feito; n° do Conselho de Disciplina; local, data, nome e cargo da autoridade correicional subscritora. Art. 2° - Este provimento entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial do estado. Art. 3° - Afixe-se no local de costume. Recife, 14 ARB 05. José Luiz de Oliveira Júnior – Corregedor Geral. (griffo nosso) Assim, por ser o Conselho de Justificação um procedimento administrativo disciplinar específico das Instituições Militares, tendo no seu rito processual a figura do libelo acusatório, peça singular, que tem por finalidade precípua informar ao justificante os limites da acusação, contendo as infrações disciplinares e irregularidades funcionais que lhes são atribuídas, possibilitando a ampla defesa e o contraditório e, por via de consequência a garantia do devido processo legal, como adiante se vê no Art. 9° da Lei n° 5.836/72: Art. 9° Ao justificante é assegurada ampla defesa, tendo ele após o interrogatório, prazo de 5 (cinco) dias para oferecer suas razões por escrito, devendo o Conselho de Justificação fornecer-lhe o libelo acusatório, onde se contenham com minúcias o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados. Oportuno, são os ensinamentos do professor José Armando da Costa na sua obra Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, conceituando a portaria de instauração como: A portaria é o instrumento idôneo de que se utiliza a autoridade administrativa para formalizar a instauração do processo disciplinar. Além dessa função iniciatória do processo, a portaria instauradora constitui a comissão, designa o seu respectivo presidente e estabelece os limites da acusação 2. Claro está que o entendimento do insigne professor, contempla o 2 COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar. 3ª Ed. B J, 1999. P. 183. 71 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal sentido do ato administrativo iniciador do processo administrativo disciplinar - PAD dos servidores civis, ou seja, para esse procedimento é imprescindível a portaria inaugural tenha maior abrangência, no sentido de formalizar todas as informações pertinentes a validade do ato como: embasamento legal, constituição da comissão, objeto da apuração com as circunstancias delimitadoras da acusação. A partir de então estará o acusado em condições de responder ao presente PAD na plenitude de seu exercício de defesa. Desta forma, questão controversa está na edição da portaria inaugural do Conselho de Justificação e a função normativa do Libelo Acusatório. Porquanto, verificamos hoje uma superposição, ou até mesmo, substituição da portaria pela função específica do Libelo Acusatório, como se fosse uma usurpação do conteúdo fático do libelo. Ocorre que a portaria inicial de Conselho de Justificação formulada dentro dos parâmetros apresentados no conceito do professor José Armando da Costa, estaria perfeitamente adequada a proporcionar condições da comissão processante, perquirir em busca da apuração da realidade dos fatos e das condutas praticadas pelo justificante. Entretanto, por vezes oficiais são submetidos a Conselho de Justificação em face de acusações criminais, tanto na justiça militar ou comum, o que por via de consequência, conduz a prática de infrações disciplinares. Dentro dessa realidade, verificamos quase sempre que as portarias inaugurais de Conselho de Justificação limitam-se a reproduzir cópias das denúncias ministeriais, as quais visam a persecução criminal, não contendo no seu bojo as condutas disciplinares afrontadas por ação ou omissão, previstas na Lei n° 11.817/00, CDME. Ressalte-se que tal omissão de conteúdo da portaria compromete a apuração dos fatos na sua plenitude, todavia neste caso, delimitará a abrangência da acusação, formando uma vinculação temática do objeto do procedimento investigatório. 72 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Considerações Finais O Direito Administrativo Disciplinar Militar, se assim entendermos como uma subdivisão do Direito Disciplinar3, por ter como objeto exclusivamente os diversos processos disciplinares atinentes aos militares, ainda carece de maiores estudos, levando às vezes, a entendimentos equivocados das tradições e da cultura dos militares estaduais. Nesse sentido, encontramos o debate a cerca da Portaria inicial do Conselho de Justificação, em face da função processual destinada ao Libelo Acusatório previsto na Lei n° 5.836/72, de delimitação dos limites da acusação, bem como proporcionar a condição para o exercício da ampla defesa e do contraditório. Desta feita, apresentamos como mecanismo de conduta duas possibilidades de saneamento da questão, a saber: a) Confecção da Portaria inicial do Conselho de Justificação com os elementos necessários a legalidade e eficácia do ato administrativo como: n° da Portaria inicial do Conselho de Justificação, remissão ao ato governamental de submissão do oficial, com embasamento legal (Lei n° 5.836/72 e Lei n° 6.957/75) e nome e matricula do Justificante, descrição dos fatos e documentos que deram origem ao CJ, acrescidos da análise das condutas disciplinares irregulares praticadas pelo Justificante no objeto móvel do CJ (Lei n° 11.817/2000), especificação da Comissão por onde tramitará o feito, n° do Conselho de Justificação, local, data, nome, cargo da autoridade correcional subscritora. b) Confecção de provimento correcional delimitando o conteúdo da Portaria inicial do Conselho de Justificação com os seguintes elementos: n° da Portaria inicial do Conselho de Justificação, remissão ao ato 3 O que na realidade existem, seguindo o ensinamento de Damásio de Jesus ao conceituar Direito Penal, inspirado no magistério de José Frederico Marques, são normas que ligam à transgressão, como fato, a pena disciplinar como consequência, disciplinando também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das sanções, administrativas disciplinares e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado, sendo o este conceito de Direito Disciplinar. 73 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal governamental de submissão do oficial, com embasamento legal (Lei n° 5.836/72 e Lei n° 6.957/75) e nome e matricula do Justificante, especificação da Comissão por onde tramitará o feito, n° do Conselho de Justificação, local, data, nome, cargo da autoridade correcional subscritora. Por fim, entendemos, conforme argumentações expostas que tal controvérsia poderia ser perfeitamente dirimida com a adoção de uma das duas linhas de procedimentos apresentadas de maneira a proporcionar a segurança jurídica necessária ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Referências COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar. 3ª Ed. B J, 1999. SANTANA, Luiz Augusto de. O Direito Militar aplicável às polícias militares em face do poder disciplinar. Artigo Revista Estudos & Informações, novembro/2007. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de Direito Disciplinar Militar. 5º ed. 2010. 74 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal A Coação Moral Irresistível nos Crimes Contra o Dever Militar Vilmarde Barbosa da Costa1 Resumo O presente artigo trata da coação moral irresistível nos crimes contra o dever militar. Inobstante o Código Penal Castrense reconheça expressamente que não é culpado o agente quando age sob coação moral irresistível, o referido diploma também expressa que o agente não pode invocar tal circunstância quando o crime que incorreu violar o dever militar. Destarte, o que se vê é a aplicação de responsabilidade objetiva, contrariando o próprio conceito de culpabilidade e, por conseguinte, violando a Constituição Federal. Assim, pretende o referido trabalho que explora a inexibilidade de conduta diversa -, apresentar as ponderações doutrinárias para não recepção do referido dispositivo face a Carta Magna. Palavras-chave: Culpabilidade, Coação Moral Irresistível, Dignidade da Pessoa Humana. Introdução A palavra culpa e culpado tem sentido lexical comum de indicar que uma pessoa é responsável por uma falta, uma transgressão, ou seja, por ter praticado um ato condenável. Somos culpados de nossas más ações, de termos causado um dano, uma lesão. Esse resultado lesivo, entretanto, só pode ser atribuído a quem lhe deu causa se essa pessoa pudesse ter procedido de outra forma (MIRABETE, 2003). Contudo o referido conceito nem sempre teve este entendimento. Na antiguidade, bastava o fato lesivo, sem que se indagasse a culpa do autor da conduta. O agente poderia ser responsabilizado penalmente sem culpabilidade. Percebeu-se, porém, no decorrer da evolução cultural, que somente poderiam ser aplicadas sanções ao homem causador do resultado lesivo se, com seu 1 Major da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Ciências Criminais Militares, Pós-Graduado pela Escola Superior de Magistratura de Pernambuco. 75 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal comportamento, poderia tê-lo evitado (MIRABETE, 2003). Destarte, com a introdução do direito penal intitulado de moderno, a culpabilidade passou a ser elemento caracterizador da reprovabilidade da conduta típica e antijurídica. Deste, restou claro que toda pena supõe culpabilidade, de modo que não pode ser castigado aquele que atua sem culpabilidade (JESCHECK apud MIRABETE, 2003). A culpabilidade, que se compõe pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, é o terceiro elemento do crime no seu conceito analítico, compondo sua estrutura tripartida. Entrementes, para fins deste artigo, será tratado somente um dos elementos da culpabilidade – exigibilidade de conduta diversa, em especial a coação moral irresistível. Neste, o que se pretende é avaliar a luz da melhor doutrina, se é possível ou não a aplicação de uma pena ao autor militar que incorra em um fato típico e antijurídico previsto no Código Penal Militar, no título III do livro I, de sua parte especial, que traz o signo de crimes contra o dever militar, visto que o artigo 40 do referido diploma legal estabelece que não é oponível ao agente alegar coação moral nos crimes em que há violação do dever militar. 1. A Coação Moral Irresistível nos Crimes Militares Contra o Dever Militar A coação irresistível encontra-se prevista no artigo 38 do Código Penal Militar, no qual afirma que não é culpado quem comete o crime sob coação irresistível ou que tenha a sua faculdade de agir segundo a própria vontade suprimida. No caso, quando assim o militar age, sob a coação de uma grave afetação psicológica ligada ao temor de um mal que se expõe de forma irresistível, não lhe será exigível comportamento diverso da prática de fato típico e antijurídico que incidiu. Assim, a pena perde a sua legitimação quando o militar pratica a ação sem a opção livre de se comportar de acordo com a lei, visto que sua voluntariedade se encontra viciada. A ideia, neste caso, de exigibilidade de outra conduta é ligada à ideia de liberdade, pois se reprova pessoalmente o sujeito que, podendo se comportar conforme o direito, optou livremente por se comportar contrário ao direito. Por isso, o referido direito, exigindo do autor uma conduta da que ele praticou, pode imputar-lhe o juízo de censura da culpabilidade (BRANDÃO, 2010). 76 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Destarte, a liberdade de opção é eliminada do militar quando ele é insuperavelmente coagido. Isto significa que, quando a coação é irresistível a vontade do militar é viciada, pois é o coator quem dirigirá o acontecer finalístico, e por isto não se pode efetuar sobre o coagido o juízo e censura pessoal da culpabilidade, porque o coagido não teve vontade livre e consciente de se comportar contrário ao direito (BRANDÃO, 2010). Só é punível quem é moralmente livre para optar pelo cometimento ou não de um crime. É lógico, porém e relevante destacar, que a inexibilidade de conduta diversa alegada pelo militar deve ser apreciada concretamente e de maneira pormenorizada, a fim de que se aprecie se realmente a coação era inelutável, visto que possui, distintamente do civil, preparação para situações extremamente adversas. Como cita Grego (2008), não se pode conceber um “padrão” de culpabilidade. As peculiaridades e condições a que foi submetido o militar sob coação moral devem ser cotejadas caso a caso, até porque o critério de aferição do medo de intimidação que sofre um civil não pode ser o mesmo usado para apreciar se o militar pode ou não resistir a coação. Conquanto, é indispensável que o perigo seja tão sério que o militar sob coação não possa se eximir, não possa suportar, e que assim constatado, não seria exigível impô-lo qualquer ação, como à guisa de exemplos: a entrega da sua própria vida ou de um ente querido. O direito não pode exigir do militar heroísmo, a ponto que a lei penal seja aplicada cegamente, sem a análise concreta se a vontade na qual se vê envolvido o agente de um injusto se encontra ou não viciada. Assim, havendo coação moral insuportável, não é exigível que o coato resista bravamente, como se fosse um autômato cumpridor da lei (NUCCI, 2009). Logo, é fundamental que se aprecie para a configuração ou não da excludente de culpabilidade pela inexibilidade de conduta diversa, se o militar sofreu uma intimidação intensa o suficiente para subjugar sua resistência, fazendo-o temer a ocorrência de um mal tão grave que lhe será extraordinariamente difícil suportar, obrigando-o a praticar o crime a que idealizou o coator. Sabemos que os critérios são diversos na avaliação da irresistibilidade. Assim, na lição de Nelson Hungria (apud LOUREIRO NETO, 2010), na avaliação da coação moral, o ponto de referência é o homo medius: “Nem o herói, o homo constantissimus, de Gaio, ou o tenax propositi vir, de Horácio, nem o pusilânime ou indivíduo que tem medo à flor da pele”. É irresistível a coação moral, diz Mayer (apud LOUREIRO NETO, 2010), 77 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal quando não pode ser superada senão com uma energia extraordinária, e portanto, juridicamente inexigível. Incide contudo que o Código Penal Castrense estabelece que nos crimes que atentam contra o dever militar, a coação moral ainda que irresistível, não aproveita o agente. É semelhante a afirmar que, nesses casos, o militar deve ser dotado de uma energia extraordinária, equiparando-se ao homo constantissimus de Gaio. O que se vê neste cenário é que foi temerária a opção do legislador ao excetuar a possibilidade da isenção de pena por decorrência da coação moral irresistível quando o injusto penal se referir ao Dever Militar, pois é severamente desproporcional e contrário ao próprio conceito de culpabilidade. E mais, a negação do reconhecimento de coação moral irresistível nos crimes contra o dever militar prevista no artigo 40 do Código Penal Militar não se mantém plausível face a admissão do próprio legislador no artigo 38 do mesmo diploma legal que prevê que não é culpado quem comete o crime sob coação irresistível ou que tenha sua faculdade de agir suprimida. Não nos parece exigível do militar tamanho sacrifício, que o torne infenso a ameaças, quando, em face das circunstâncias, não lhe era exigível outra conduta (LOUREIRO NETO, 2010). Ora, nesse aspecto, um dispositivo penal que negue a inexigibilidade de conduta diversa como causa exculpante penal afronta o princípio da culpabilidade (COIMBRA, 2012), e que devido a sua natureza constitucional, deveria ser declarado não recepcionado pela Carta Política. Considerações Finais O militar em razão da sua missão tem deveres e obrigações que em muitas situações exigem o risco da própria vida. Entrementes, o seu dever legal não é suficiente para mitigarmos as conquistas do Direito Penal atual, qual seja, nulla poena sine culpa. A respeito do tema, Esmeraldino Bandeira (apud LOUREIRO NETO, 2010), expõe para rebater os argumentos daquele que propugnavam uma Justiça mais severa para os soldados que: 78 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal ...A farda que veste o militar e que exteriormente o qualifica numa classe profissional, não tem o poder de revesti-lo interiormente de qualidades inferiores e de separá-lo numa categoria antropológica especial. Não há de identificar a profissão com a individualidade; a classe com o homem. Seria barbarizar a justiça incluir os militares, pelo simples fato de sua profissão, entre os indivíduos que reclamam uma justiça mais severa – os criminosos tarados, reincidentes e incorrigíveis. Seria barbarizar a justiça equiparar na aplicação de uma pena mais severa um militar sem antecedentes judiciários e um paisano com história criminal pregressa. Seria erigir a profissão militar numa circunstância agravante-geral e comum de criminalidade. E tudo isso seria uma iniqüidade, só compreensível em um tempo, já muito remoto, em que o soldado era tido por gente de maior perversidade e de piores costumes; tempo em que as forças armadas se recrutavam entre os relapsos e contumazes de todos os crimes. Destarte, o que se espera é que em um país – no caso o Brasil – que adotou o Estado Democrático de Direito como princípio fundamental, aprecie, pelo menos em tempo de paz, se o militar na situação em que se encontrava, optou em agir ou não contrariamente ao exigido pela lei. Ou seja, se estava moralmente livre e apto para exercer seu livre-arbítrio, pois somente assim se justifica a imposição de castigo merecido, pela ação criminosa e livremente criminosa (ARAGÃO apud GREGO, 2008). Pois não se pode olvidar que o medo, o receio, a ameaça a que foi submetido o militar, devem ser revestidos de potencialidade intimidadora a tal ponto de lhe ocasionar um estado de comoção psíquica que lhe subtraia a capacidade de autodeterminação para que possa ser isento da pena. Do contrário, aplicar a pena ao militar que cometeu um fato típico e antijurídico contra o dever militar, mas que inegavelmente se encontrava sob coação moral irresistível, é violar flagrantemente o próprio conceito de culpabilidade. Deste modo, por se encontrar a culpabilidade implicitamente em nível constitucional, no que se refere aos princípios da dignidade da pessoa humana, da individualidade da pena, legalidade e igualdade, que veda o mesmo tratamento ao culpável e ao inculpável, infiro que o artigo 40 do CODEX Militar não foi recepcionado pela Constituição Federal do Brasil. Referências BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 79 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal BRANDÃO, Claudio. Curso de Direito Penal.Parte Geral. 2ª Ed. Forense:Rio de Janeiro, 2010. CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 3ª ed. Bahia: Editora Jus Podivm, 2010. FREITAS, Ricardo de Brito A. P. Razão e Sensibilidade. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10ª ed.Rio de Janeiro: Impetus, 2008. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. 2ª ed.rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,2009. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcelo. Manual de Direito Penal Militar. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ªed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: Parte Geral, arts. 1º. a 120. 12ª ed. Ver. Atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. 80 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal A CONTRIBUIÇÃO DE UM SISTEMA DE APOIO A DECISÃO PARA O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE DISTRIBUIÇÃO DO CONTINGENTE POLICIAL MILITAR: Um estudo de caso de prática de business intelligence no Microsoft® Excel Carla Cristina de Oliveira1 Wolney Alexandre Pereira da Silva2 Resumo A violência tem aumentado de forma sistemática em algumas regiões brasileiras fazendo com que a população cobre das autoridades competentes medidas urgentes que possam diminuir os atuais índices que já chegam ao limite do suportável. Por outro lado, as unidades da Polícia Militar não dispõem de ferramentas de tecnologia da informação (TI) para armazenar, tratar e analisar dados coletados dos boletins de ocorrências. Faltam sistemas de apoio a decisão (SAD), ferramentas que possam auxiliar os comandantes durante a distribuição do contingente voltado ao policiamento ostensivo preventivo. Criado para atender pessoas com poder de decisão e influência direta sobre os destinos das empresas, o business intelligence (BI), união de uma série de tecnologias e conceitos, pode ser muito mais útil na segurança pública do que se imagina. Em sua forma mais ampla, o business intelligence (inteligência de negócios) pode ser entendido como a utilização de variadas fontes de informação para se definir estratégias de competitividade nos negócios de uma empresa. Neste contexto, este trabalho procura mostrar que, a despeito da escassez de recursos para o combate à violência, é possível melhorar a eficácia e a eficiência da utilização destes recursos fazendo uso de uma coleta sistemática das ocorrências policiais e executando um planejamento estratégico da distribuição destes recursos. Neste artigo tomamos como base do estudo de caso os dados da Companhia de Apoio ao Turista CIATur no período de janeiro a junho de 2007. A utilização de planilhas dinâmicas permitem mostrar que as ocorrências policiais apresentam um padrão de distribuição temporal, localização e de natureza que possibilita um planejamento da distribuição do contingente policial aumentando de forma significativa a ação policial na tentativa de reduzir o número de ocorrências, a despeito da escassez dos recursos. Palavras-chave: Criminalidade, Inteligência de Negócios, Planejamento Estratégico, Planilhas Dinâmicas. 1 Capitã da Polícia Militar de Pernambuco, Especialização em Policiamento Turístico, E-mail: [email protected] 2 Major da Polícia Militar de Pernambuco, Especialização em Analise Criminal e Estatística pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), Pós-graduado em Gestão Governamental, Pós-Graduado em Administração de Empresas . E-mail: [email protected] 81 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Introdução A sociedade contemporânea vive, permanentemente, situações de risco e ameaça de violência. Seja por conflito militar declarado, por ações terroristas, por conflagrações sociais ou pelo crescimento das mais variadas formas de criminalidade. Não há praticamente país ou cidade hoje que possa se considerar protegido ou imune a ações violentas que põem sob iminente risco seus cidadãos e habitantes em geral [1]. O aumento dessa violência de forma alarmante em algumas regiões metropolitanas vem fazendo com que a população cobre das autoridades competentes medidas urgentes que possam diminuir os atuais índices de criminalidade que já chegam ao limite do suportável. Por outro lado, as unidades da Polícia Militar não dispõem de ferramentas de tecnologia da informação (TI) para armazenar, tratar e analisar dados coletados dos boletins de ocorrências. Faltam sistemas de apoio a decisão (SAD), ferramentas que possam auxiliar os comandantes durante a distribuição do contingente voltado ao policiamento ostensivo preventivo. Há muito tempo ferramentas como planilhas eletrônicas são utilizadas por executivos para as mais variadas aplicações como orçamentos, projeções, análises de projetos e avaliações de negócios. Segundo Henderson & Venkatraman [2] e [3] o papel da TI nas organizações pode variar de simples suporte administrativo até uma posição estratégica. Criado para atender pessoas com poder de decisão e influência direta sobre os destinos das empresas, o business intelligence (BI), união de uma série de tecnologias e conceitos, pode ser muito mais útil na segurança pública do que se imagina. Segundo Nunes [4], em sua forma mais ampla, o business intelligence (inteligência de negócios) pode ser entendido como a utilização de variadas fontes de informação para se definir estratégias de competitividade nos negócios de uma empresa. Nesse sentido o emprego de tabelas e gráficos dinâmicos no planejamento estratégico do policiamento seria de alguma forma praticar BI com Microsoft ® Excel. 82 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Além de atender necessidades prementes de apoio a decisão, serviria também de preparação para um conceito mais arrojado no futuro. A qualidade das informações é avaliada pela precisão e segurança. Elas também devem ser oportunas, ou seja, devem estar disponíveis ao gerente no momento certo, para que sejam executadas as ações apropriadas. Também devem ser relevantes e úteis, e em quantidade suficiente para que os gerentes possam tomar decisões precisas [5]. Neste contexto, esse artigo procura demonstrar o resultado do emprego de tabelas e gráficos dinâmicos do Microsoft® Excel na tomada de decisão durante o planejamento operacional de uma unidade Policial Militar de Pernambuco, na distribuição do contingente voltado ao policiamento ostensivo preventivo. A necessidade de cruzar e analisar dados gerando informações e conhecimento para realizar uma gestão eficiente e eficaz é uma realidade tão válida quanto no passado o foi descobrir se “a alta da maré iria propiciar uma pescaria abundante”, no passado e no presente não há como “navegar” às cegas. 1. Materiais e métodos Para o trabalho foram realizados a coleta, o armazenamento, o tratamento e as análises dos dados de boletins de ocorrência policiais em planilha eletrônica e sobre os dados foram aplicados os recursos de tabelas e gráficos dinâmicos. No estudo foi usado o aplicativo Microsoft® Excel, um programa de planilha eletrônica escrito e produzido pela Microsoft para computadores usando o sistema operacional Microsoft® Windows e computadores Macintosh da Apple®. Seus recursos incluem uma interface intuitiva e capacitadas ferramentas de cálculo e de construção de gráficos [6]. Os dados tabulados referem-se ao período de atendimento de ocorrências entre janeiro a junho de 2007 da Companhia Independente de Apoio ao Turista (CIATur). A CIATur é uma unidade especializada da Polícia Militar de Pernambuco criada para atuar em áreas e locais de relevante valor turístico, além de eventos culturais. Em especial a CIATur atua de forma territorial na área estudada que é a Zona Especial de Interesse Turístico (ZEIT) Olinda, compreendendo o Sítio Histórico do 83 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Município de Olinda, Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil, que em 2007 recebeu o título de Capital Nacional da Cultura. Segundo dados de setores censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ZEIT Olinda agrega uma população de 3.700 habitantes e 1.100 residências. A CIATur empregava, à época, na área, um efetivo composto de 220 Policiais Militares, com tempo médio de três anos na Corporação. Desse contingente, cerca de 20% é bilingüe e 30% do efetivo são de policiais femininos. O policiamento é realizado na modalidade a pé e motorizado, ou seja, com o uso de motos e carros, e as equipes cumprem escala de trabalho de 12 horas de trabalho por 36 horas de folga e são lançadas em turnos. A área é policiada durante 24 horas, 365 dias do ano. 2. RESULTADOS De fato, conforme sugere o gráfico 1, é possível observar que as ocorrências registradas nos boletins de ocorrência (BO) acontecem de forma sazonal ao longo do dia, concentrando um número relativamente grande em algumas horas. Destacam-se os períodos entre 15 e 17 horas e entre 21 e 23 horas. Nestes dois períodos concentra-se cerca de 40% das ocorrências. Gráfico 1. Total de ocorrências distribuídas por horários. 84 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal O gráfico 2 dá uma visão geral das ocorrências da CIATur em Olinda e dentro da Zona Turística quanto aos turnos de maior atendimento. Fica claro que o turno da noite, com 36,49% dos registros, é o que requer mais empenho dos policiais. Gráfico 2. Total de ocorrências distribuídas por turnos. É possível verificar, no gráfico 3, que quando se trata do dia da semana destacam-se o domingo e a segunda-feira, que juntos, somam mais de 48% das ocorrências. Gráfico 3. Total de ocorrências distribuídas por dias da semana 85 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Analisadas 192 ocorrências distribuídas e 19 naturezas registradas na ZEIT Olinda, foram selecionadas dentre elas 10 mais relevantes: observa-se que juntas perfazem um total 48,20% dos registros (gráfico 4 e 5). Ocorrências na ZEIT por todas natureza 18,00% 16,67% 16,00% 14,00% 12,50% 12,00% 10,71% 10,12% 10,00% 7,14% 8,00% 5,95% 6,00% 4,00% 5,36% 4,17% 4,17% 2,98% 2,38% 2,00% 1,79% 2,38% 1,79% 3,57% 3,57% 2,38% 1,19% 1,19% 0,00% Gráfico 4.Total de ocorrências distribuídas por natureza do fato. Ocorrências na ZEIT por principais natureza 30,00% 28,38% 25,00% 20,00% 16,22% 15,00% 13,51% 9,46% 10,00% 8,11% 6,76% 5,41% 5,41% 4,05% 5,00% 2,70% 0,00% AGRESSÃO DROGAS FURTO PORTE ILEGAL DE ARMAS ROUBO AMEAÇA ATRITO VERBAL LESÃO HOMICÍDIO VIOLAÇÃO CORPORAL DE DOMICÍLIO Gráfico 5. Total de ocorrências distribuídas pelas 10 principais naturezas. 86 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Verificou-se que 18% dos logradouros detêm mais de 50% dos registros. Os principais logradouros têm média para o período de 6 registros (gráficos 6 e 7). Ocorrências na ZEIT por logradouro 16,00% 14,00% 12,00% 10,00% 8,00% 6,00% 4,00% PRAÇA DO JACARÉ AVENIDA JOAQUIM NABUCO PRAÇA MONSENHOR FABRÍCIO RUA SÃO JOÃO PRAÇA DE SÃO PEDRO PRAÇA JOÃO PESSOA RUA DE SÃO FRANCISCO PRAÇA DANTAS BARRETO RUA CEL JOÃO LAPA RUA FRANCISCO LAURA CASELE AVENIDA SANTOS DUMONT RUA SIQUEIRA CAMPOS LARGO DO VARADOURO PRAÇA JOÃO LAPA RUA BERNARDO VIEIRA DE MELO LARGO DO AMPARO RUA DOM PEDRO ROSER LADEIRA DA MISERICÓRDIA RUA SALDANHA MARINHO RUA 13 DE MAIO AVENIDA BEIRA MAR RUA DO AMPARO PRAÇA DO CARMO RUA BISPO COUTINHO PRAÇA DOS MILAGRES PRAÇA DO VARADOURO LADEIRA DA SÉ RUA DO FAROL RUA DO SOL RUA PRUDENTE DE MORAIS RUA DO BONFIM RUA DA BOA HORA RUA MANOEL BORBA 0,00% AVENIDA SIGISMUNDO … 2,00% Gráfico 6. Total de ocorrências distribuídas por logradouros do fato. Variação entre a média e o número de ocorrência nos principais logradouros 4,00 3,67 3,00 2,00 1,00 0,67 -0,33 0,00 -1,00 RUA DA BOA HORA RUA MANOEL BORBA AVENIDA SIGISMUNDO GONÇALVES RUA DO BONFIM RUA DO SOL RUA PRUDENTE DE MORAIS -1,33 -1,33 -1,33 -2,00 Gráfico 7. Total de ocorrências distribuídas pelos principais logradouros. Também é possível observar que mesmo dentro de uma área considerada 87 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal pequena, existem variações de ocorrências nas menores porções da área, nas ruas, que também variam entre si, conforme se vê nos gráficos 8, 9 e 10. Ocorrências na Rua da Boa Hora 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% MANHA NOITE TARDE domingo 0,00% 10,00% 10,00% segunda-feira 0,00% 0,00% 10,00% terça-feira 20,00% 0,00% 0,00% quarta-feira 10,00% 0,00% 0,00% sexta-feira 0,00% 0,00% 20,00% sábado 0,00% 10,00% 10,00% Gráfico 8. Ocorrências na rua da hora, por turno e dia da semana. Ocorrências na Rua da Boa Hora 8 7 7 6 5 4 3 2 2 1 1 0 DROGAS AGRESSÃO HOMICÍDIO Gráfico 9. Ocorrências na rua da hora por natureza do crime. 88 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Gráfico 10. Exemplo de distribuição do efetivo policial após analises, considerando ocorrências por turno e dia da semana (o emprego de recursos humanos otimizados). Por outro lado, os resultados sugerem sazonalidade das ocorrências no que se refere ao dia da semana, hora, turno e logradouro o que permite a adoção de ações mais eficientes na distribuição do contingente policial para tornar a ação policial mais efetiva no combate à violência conforme sugere a figura 1. Figura 1. Diagrama PCFontes. Considerações Finais Os resultados comprovam que, a despeito da indisponibilidade de ferramentas de tecnologias sofisticadas e fortes investimentos, é possível melhorar a eficácia do policiamento ostensivo da Polícia Militar através da coleta sistemática, armazenamento, tratamento, processamento e análise de dados extraídos de boletins de ocorrências em tabelas e gráficos dinâmicos. Graeml [7] diz que uma reestruturação tecnológica dentro de uma empresa implica principalmente na revisão de processos. E comprovadamente a teoria se 89 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal aplica à falta de informações por não preenchimento adequado do BO e às falhas ainda muito presentes no preenchimento do boletim de ocorrência. Oficiais da Polícia Militar e gestores de segurança não demonstram conhecer, em sua maioria, os recursos básicos de aplicativos ou sistemas de apoio a tomada de decisão. Segundo Cazorla [8], muitos profissionais e alunos demonstram dificuldades mesmo na utilização das ferramentas de análise de dados mais simples, como por exemplo, a representação de dados em gráficos. Entre essas dificuldades, as mais frequentes referem-se a dificuldades de cunho matemático. Com o advento do Business Intelligence, que já está sendo considerado um verdadeiro sucesso em milhares de companhias, é fácil encontrar executivos que não sabem como utilizar as informações oferecidas por soluções de BI, que, não raro se aplica à Polícia Militar. A extensão deste estudo se dá no sentido de ampliação do período estudado e o geoprocessamento das informações. Os sistemas com características de informações geográficas (geographic information system - GIS) permitirão a manipulação de dados para realizar consultas e manipular características geográficas da área. Todas essas representações espaciais estão organizadas na forma de camadas, podendo o usuário ativá-las de acordo com sua necessidade [9]. Referências [1] VELHO, G. 2004. Violência e conflito nas grandes cidades contemporâneas. VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra. [2] HENDERSON, J. C.; VENKATRAMAN, N. 1993. Strategic alignment: leveraging information technology or transforming organizations. IBM Systems Journal, v. 32, n. 1, p. 4-16. [3] Mc FARLAN, W. E. 1984. Information Technology changes the way you compete. Harvard Business Review, v. 62, n. 3, p. 98-103, May/Jun. 1984. [4] NUNES, S. D. 2001. www.uol.com.br/ 280/corp_01.htm acessado em 16/10/01. computerworld/ computerworld/ [5] STONER, J. A. F. 1993 Administração. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 533p. 90 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal [6] WIKIPÉDIA 2008. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Microsoft_Excel&oldid=9743923>. Acesso em: 22 Mar 2008). [7] GRAEML, ALEXANDRE R. 2000. Sistemas de Informação: O alinhamento da estratégia de TI com a estratégia corporativa. São Paulo: Atlas. 135p. [8] CAZORLA, I. M., SILVA, C. B. VENDRAMINI, C., BRITO, M. R. F. 1999. Adaptação e Validação de uma Escala de Atitudes em Relação à Estatística. Atas da Conferência Internacional "Experiências e Expectativas do Ensino de estatística - Desafios para o Século XXI", Florianópolis, setembro. [9] GONÇAVES, A. S., RODRIGUES, A., CORREIA, L.2004. “Multi-Agent Simulation within Geographic Information Systems”. In proceedings of 5th Workshop on Agent-Based Simulation H. Coelho, B. Espinasse, edts (2004). 91 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL: breve panorama após uma década da reforma pela EC 45 Werner Walter Heuer Guimarães1 RESUMO Após quase 10 anos da reforma do Poder Judiciário, promovida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de Dezembro de 2004 faz-se necessária uma breve reflexão sobre os efeitos produzidos na Justiça Militar, em especial na Justiça Militar Estadual, maior afetada pelas transformações. Neste breve trabalho, traremos a perspectiva histórica da Justiça Militar do Brasil e lançaremos algumas críticas às mudanças realizadas há quase uma década. Traremos o exemplo de sucesso da Justiça Militar de Pernambuco com dados que compravam a eficiência, eficácia e celeridade daquela Especializada, em contraponto aos argumentos de que a Justiça Militar Estadual deve ser extinta em razão da sua ineficiência e protecionismo. Palavras-chave: Justiça, Militar, Emenda. Introdução Nos dias de hoje ainda muito se questiona a respeito da existência da justiça militar, em especial a respeito da Justiça Militar Estadual. Corriqueiramente se argumenta que é uma justiça arcaica e ainda um resquício da ditadura militar. Com frequência também os olhares se voltam para a questão da celeridade processual da Justiça Militar, sob o argumento de que não é célere, transparente e, em última análise, que perdeu seu sentido de existir. É de se registrar, no entanto, que a celeridade processual é falada em todos os ramos da justiça brasileira, quer federal, quer estadual. Mas este não é o nosso foco. Quase 10 anos se passaram após o advento da Emenda Constitucional nº 45, datada de 08 de Dezembro de 2004, que, entre outras coisas, trouxe 1 Major da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal, MBA em Planejamento e Gestão Organizacional, MBA em Gestão Governamental. 92 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal consideráveis mudanças para a Justiça Militar brasileira, em especial para a Justiça Militar Estadual. Infelizmente, o direito castrense - aí inseridos o Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar – sempre foi abordado de maneira muito tímida, quase imperceptível, nas bancas escolares das academias de Direito, fato que acarreta uma total alienação destes ramos do direito por parte de boa parcela dos operadores, inclusive juízes de direito não habituados a manusear a legislação especial. Tal desconhecimento sugere uma maior divulgação dessa Justiça Especializada e da sua forma de atuar – com rigor, transparência e isenção. Cabe-nos salientar que a Justiça Militar vem sendo usada há milhares de anos, nas mais variadas regiões do planeta e pelos povos mais diversificados, lembrando-se, por exemplo, os romanos da Roma Antiga, e sempre com resultados os mais satisfatórios, tanto que, nos países de hoje, continua-se a fazer uso dela, com os ajustes e as adaptações evidentemente necessárias à adequação das sociedades da atualidade. Sempre encaramos a Justiça Militar como um instrumento necessário à realização da justiça e não um mero privilégio da classe. O Direito Militar é indubitavelmente imprescindível à sobrevivência das instituições militares, destacando-se que as particularidades da vida na caserna impossibilitam sobremaneira que as demandas decorrentes das condutas praticadas no âmbito militar sejam solucionadas pela via do direito comum. Ressalte-se ainda que em razão das garantias constitucionais e da proteção internacional, essas regras também devem ser analisadas à luz dos direitos humanos, como vem sendo feito em tempos atuais. De certo, se os processos resultantes de crimes militares fossem remetidos a uma vara criminal comum, exigiriam muitas vezes conhecimentos que não são peculiares aos operadores do Direito, como o significado de uma deserção, insubmissão, motim, abandono de posto, Crimes Contra a Administração Militar, desacato contra superior, crime contra o comandante do navio, oficial-de-dia, entre outros ilícitos próprios da vida na caserna. (ROSA, 2005). Nesta perspectiva, é bom que se diga (...) que o Direito Penal Militar é um Direito Especial, com características próprias e que se destina (...) à tutela 93 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal indispensável dos altos valores que compõem as Instituições Militares. (ASSIS, 2005, p.21). As dificuldades, discussões e temas debatidos nas Varas e Tribunais Militares sequer são ouvidos ou comentados nos corredores acadêmicos, o que leva, ainda, aos futuros juristas a não desenvolverem nenhum interesse por esse ramo do Direito, resultando numa considerável carência de profissionais especializados nesta área. 1. Escorço histórico O termo “castrense” origina-se, etimologicamente, da palavra castrorum que em latim significa acampamento. Daí a expressão “Justiça Castrense”, como também é conhecida a Justiça Militar. O surgimento da Justiça Militar data da antiguidade e vem precedido, na história dos povos, da existência do Exército constituído para a defesa e expansão de seu território. A criação de um Tribunal específico para julgar crimes cometidos por militares remonta, como afirma Carlos Miguel Castex Aidar, aos mais antigos códigos sumerianos, onde se constatam penalidades consignadas àqueles que cometessem crimes no campo de batalha, justificando-se a norma penal própria pela natureza peculiar da condição de militar e na própria caracterização da instituição das Forças Armadas como responsável pela defesa do Estado. (ROTH, 2003, p.5). Na Roma Antiga já existia a justiça militar em face da grande necessidade dos julgamentos ocorridos nos tempos de guerra. Tais julgamentos, no entanto, ocorriam em plena “praça de guerra”, dada a necessidade de se punir, de imediato e de forma exemplar, os infratores, fato que justificava naquela época a existência de uma justiça voltada única e especificamente para os militares. Ao falar na evolução da Justiça Militar é necessário o registro da realidade de Roma, que na história do Direito Militar, como afirma José da Silva Loureiro Neto, destacou-se em duas direções supremas: na legislação e arte militar, as quais serviram de guia aos povos modernos. (ROTH, 2003, p.5). 94 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal No nosso caso, a origem da Justiça Militar brasileira remonta ao século XIV com a vinda de Dom João VI e família real para o Brasil, os quais fugiam, na época, das tropas de Napoleão Bonaparte. Inicialmente foi criado o Conselho Supremo Militar e de Justiça, mediante o Alvará de 1º de abril de 1808, para o julgamento dos militares da Armada e da Força Terrestre. Anos após se tornaria o atual Superior Tribunal de Justiça. Não deve passar sem destaque a justificativa de D. João VI ao criar a Justiça Militar no Brasil, expondo as seguintes razões: “por ser conveniente ao bem do seu real serviço e a tudo o que respeitava à boa ordem e regularidade da disciplina militar”2. Ao analisar detidamente a história do Direito Militar chegaríamos à conclusão de que o Superior Tribunal de Justiça é o mais antigo Tribunal brasileiro. 2. Breve visão sobre a Justiça Militar Brasileira A Justiça Militar e, consequentemente, toda a legislação penal e processual penal militar existe para ser um órgão específico de controle dos militares. No entendimento de Roth, (2003, p.81) o fundamento da existência da Justiça Militar está na própria existência das Instituições Militares, estas com valores, princípios e legislação específica, de forma a exigir a aplicação da justiça por um segmento especializado do Poder Judiciário. Assim, temos por certo que o objetivo precípuo da Justiça Militar é aproximar ao máximo a decisão do Juiz Militar à realidade da caserna, mediante uma visão prática da realidade da vida castrense, tão específica e peculiar. Diferente do que muitos pensam, inclusive militares, a Justiça Militar não tem formação essencialmente castrense e sua composição desde a sua criação sempre foi colegiada, dela participando igualmente os civis, sendo composta por juízes civis e juízes militares, apresentando-se sob duas vertentes diferentes, a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual, ambas disciplinadas no art. 122 e seguintes da Carta Magna, sendo que cada uma apresenta consideráveis diferenças estruturais entre si. 2 A Justiça Militar da União, pelo seu novo presidente, in Revista Direito Militar, AMAJME, 1998, n.13, p.3/6. 95 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Relembrando, a composição dos Conselhos de Justiça Militar é dada por quatro Oficiais e um Juiz de Direito e pode ser Permanente, ao qual caberá processar e julgar crimes militares praticados por praças (Suboficiais, Sargentos, Cabos e Soldados), ou Especial, destinado exclusivamente ao processamento e julgamento de Oficiais militares, sendo constituído em caráter excepcional para o julgamento de apenas um Oficial individualmente (réu), e tem duração enquanto subsistir o processo do qual é responsável. Neste contexto, é forçoso salientar que quando usamos o termo “militares” estão inseridos os “militares dos Estados”, caso dos policiais e bombeiros militares, ambos sob a égide da Justiça Militar Estadual. O Conselho Permanente de Justiça tem duração de três meses e tem competência para processar e julgar Praças e civis acusados de crimes militares (os civis apenas na esfera federal - Justiça Militar Federal). Assim, o Conselho Permanente não acompanha toda a instrução criminal, pois passado o trimestre de sua duração, ocorrerá novo sorteio do qual participarão Oficiais da ativa, e, assim, será nomeado novo Conselho por igual duração. 3. Críticas à Emenda Constitucional nº 45 e à Reforma da Justiça Militar Estadual Recentemente, a Justiça Militar Estadual tem sido alvo de diversas reportagens sobre possíveis extinções dos tribunais específicos nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. As críticas tomam mais corpo, tendo em vista que não se vê com frequência operadores do Direito com disposição de levantar esta “bandeira” pelo fato de ser um ramo pouco difundido, como já ditou, pelo fato de ser aplicável somente a parcela diminuta da sociedade, a saber, os militares. A Justiça Militar nos outros Estados é exercida pela Justiça Estadual, pois a Constituição Federal (CF), em seu artigo 125, § 3º, possibilita a criação da Justiça Castrense nos casos onde o efetivo militar seja acima de vinte mil integrantes, caso dos Estados acima. O Conselho Nacional de Justiça constituiu, por meio de uma portaria, um Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do diagnóstico da Justiça Militar nos 96 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal âmbitos federal e estadual. Esse grupo terá o prazo de 90 dias para apresentar relatório final com as propostas que serão encaminhadas ao Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas dos três Estados mencionados. O próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Joaquim Barbosa, afirmou que a Justiça Militar Estadual não tem “necessidade” de existir, tendo em vista que poderia ser absorvida pela justiça comum, fato que garantiria mais celeridade processual aos processos militares. Dentre outras críticas, relaciona-se o fato do alto custo dos Tribunais Militares e do Superior Tribunal Militar, por exemplo: o TJMMG consome R$ 30 milhões por ano de recursos públicos para manter a estrutura com sete desembargadores e seis juízes que julgam em torno de 300 processos. Já em São Paulo, o custo estadual é de R$ 40 milhões por ano e no Rio Grande do Sul, R$ 30 milhos anuais. Por sua vez, o Superior Tribunal Militar (STM) consome R$ 322 milhões de recursos públicos com 15 ministros e 962 servidores. A corte julga em torno de 600 processos por ano. (NÓBREGA, 2014). Por outro lado, analisando o caso com outra perspectiva, os Estados que se enquadram na previsão constitucional de criação de Tribunais de Justiça Militares, ou seja, que possuam efetivos maiores que 20 mil homens, a nosso ver já os merecem há muito, uma vez que um Tribunal Militar no Estado certamente solucionaria dois problemas emblemáticos da Justiça Militar Estadual: a demora no julgamento dos recursos dirigidos ao Tribunal de Justiça na qualidade de segunda instância, e a judicialidade desse julgamento ad quem. Outra crítica que registramos mesmo passados quase 10 anos da EC 45/2004, é o fato de que pela formação completamente diferente da Justiça Militar, dita Emenda, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não incluiu membros daquela Corte especial na composição do órgão externo, apesar de ter contemplado todos os demais órgãos do Judiciário brasileiro. Não é demais registrar que com esta posição deu-se um primeiro passo para a extinção da própria Justiça Militar, fato que se observa atualmente com os recentes movimentos do STF e CNJ neste sentido, conforme já exposto. Uma grande crítica que lançamos à EC 45 era que acreditávamos que tal Emenda pudesse corrigir o absurdo que ainda permanece no contexto da Justiça 97 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Militar Estadual. Ocorre que a Carta Constitucional limitou a competência da Justiça Militar Estadual para apenas processar e julgar os militares estaduais, eliminando a possibilidade de julgamento de civil, em virtude de cometimento de crime militar, como ocorre ainda hoje na Justiça Militar no âmbito federal. Ora, entendemos que não há nenhuma aberração jurídica em possibilitar à Justiça Militar Estadual tal competência, nem que para isso, fosse atribuída exclusivamente ao Juiz de Direito (Juiz togado) como hoje ocorre em relação nos crimes onde a vítima é civil. Muito embora haja previsão no Código Penal Militar de cometimento de crime militar por civil, observamos que, na prática, um civil não comete crime militar contra uma instituição militar em face de uma limitação constitucional. Um comentário em relação ao § 4º do art 125 da CF também é importante, haja vista que neste caso a Emenda trouxe mudanças significativas e polêmicas. Tivemos, na situação em apreço, a inclusão da possibilidade de julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares militares, reformulando, desta feita, a competência da Justiça Militar estadual. Senão vejamos, § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do Tribunal do Júri quando a vítima for civil, cabendo tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Grifo nosso) Com essa determinação legal, a Justiça Militar passou a ter uma competência civil, que era antes exercida por Varas da Fazenda Pública estadual. Assim, é dizer que todas as ações ordinárias, incluindo-se também os mandados de segurança impetrados por militares estaduais que tenham por fim a análise de vícios de legalidade de atos administrativos disciplinares hoje são ajuizados junto à Justiça Militar Estadual, fato que apenas gerou um aumento na demanda de processos de uma Justiça Especializada que já é muito criticada por sua suposta morosidade. Assim, é forçoso salientar a preocupação que é gerada ante esta situação haja vista o crescimento no número de processos de natureza civil que passaram a tramitar no âmbito das Justiças Militares Estaduais, prejudicando sobremaneira a 98 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal celeridade no andamento das ações ajuizadas, principalmente por que em muitos Estados, como Pernambuco, há quando muito, apenas um juiz-auditor (antiga denominação aplicada ao juiz togado da Justiça Militar Estadual). Outro complicador, infelizmente ainda recorrente quanto à suposta morosidade da justiça castrense reside no fato de que vários processos são julgados como se processos comuns fossem, gerando, desta feita, outro grande problema para a Justiça Militar Estadual: a incontestável falta da especialidade dos julgadores de segundo grau, que pelo indiscutível desconhecimento do Direito Militar, proferem decisões equivocadas e, por consequência, causam sérios prejuízos à Corporação e à sociedade e, em última análise e alguns casos, ao militar julgado. (NÓBREGA, 2014). Merece nosso destaque o fato que o § 4º do artigo 125 da Carta Magna deu às praças militares dos Estados garantias até então estendidas apenas aos Oficiais, uma vez que condicionou a perda de suas graduações a uma decisão de segundo grau da Justiça Estadual. Tal fato, a nosso ver, tem uma vertente positiva e uma negativa. Positiva, porque se valendo do princípio da isonomia, hoje, oficiais e praças são julgados de forma igualitária. Negativa, pois criou mais um protecionismo no âmbito do serviço público, considerando que colocou num mesmo patamar posto e graduação e, mais que isso, tornou seus detentores praticamente inatingíveis, uma vez que não raro se observa ainda atrelados às fileiras das Corporações oficiais e graduados condenados à penas de reclusão superiores a dois anos, com sentenças transitadas em julgado. Como dito, mesmo com representações no sentido de perda do posto (oficiais) e da graduação (praças) é difícil constatar decisão que os expulse em definitivo da Corporação de origem. 4. O exemplo da Justiça Militar do Estado de Pernambuco Neste tópico procuraremos demonstrar como caso prático o exemplo da Justiça Militar do Estado de Pernambuco (JME). Contando com apenas um juiz de direito titular daquela Vara Especializada, e com um Conselho Permanente de Justiça, além dos Conselhos Especiais, a JME conta atualmente com 577 99 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal processos-crime em trâmite e 258 ações judiciais contra atos disciplinares (ações de natureza cível), totalizando 835 ações que tramitam naquela “vara”. Fato que merece destaque é que como há apenas um juiz de direito em exercício na JME aquele magistrado tem jurisdição em todo o território de Pernambuco, vez que não há mais nenhuma outra célula da JME em nenhum outro município do Estado. Desta forma, fica claro perceber que deveria haver certo grau de dificuldade no desdobramento e andamento das ações judiciais em trâmite na JME justificando, assim, a máxima de que as Justiças Militares perderam a razão de existir posto que são morosas, ineficientes e protecionistas, mesmo após o advento da reforma provocada pela EC 45. Pois bem, mostraremos que o exemplo em Pernambuco é bem diferente do que pregam os que defendem o fim da Justiça Militar Estadual com base nos argumentos acima. De posse de dados catalogados pela própria JME pudemos observar que desde a criação da antiga Auditoria da Justiça Militar Estadual (AJME) em 16 de dezembro de 1933 até a presente data um total de 7.913 ações judiciais foram distribuídas. Deste montante, 7.078 processos já foram solucionados, ou seja, um número bastante expressivo. Ao analisarmos a última década, de 2003 à 2013, podemos observar que os Conselhos de Justiça condenaram mais do que absolveram os réus naquele juízo, jogando por terra a tese do protecionismo. Para se ter uma idéia, na última década foram 247 condenações contra 164 absolvições. Número expressivo também foi o de solicitações de arquivamento por parte do titular da Ação Penal, ou seja, o Ministério Público. No mesmo período foram 668 pedidos de arquivamento. Diante desta marca, algumas conclusões podem ser tiradas. Mais uma vez não há que se falar em “corporativismo” ou protecionismo uma vez que na JME não há carreira de Promotor Militar, como na Justiça Militar da União, e tal solicitação não depende vontade de nenhum componente dos Conselhos de Justiça. Os promotores que recepcionam as peças de Inquérito Policial Militar são os mesmos que, na Central de Inquéritos do Ministério Público de Pernambuco, recepcionam os Inquéritos da Polícia Civil. Os pedidos de 100 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal arquivamento que são dirigidos ao magistrado da JME são realizados com base no convencimento do promotor que toma como base o Relatório do Presidente do IPM. Dados recentes que compravam a celeridade da JME (Pernambuco) dão conta de que em 2013 foram distribuídos 159 processos naquela Vara. Por sua vez, foram julgados 211 ações, numa clara demonstração de eficiência e eficácia de uma justiça que, mesmo secular, mostra-se necessária e célere3. Considerações Finais Parafraseando Rosa, a busca do aprimoramento das instituições faz parte do Estado Democrático de Direito e é, sem sombra de dúvidas, o caminho para o fortalecimento da democracia. A Justiça Militar, ao contrário do que vem sendo alegado por alguns críticos, tem cumprido com seus objetivos, dentre eles o de oferecer uma prestação jurisdicional de qualidade aos administrados sujeitos àquela Justiça Especializada. (ROSA, 2005) (...) Ao se falar em Justiça Militar, o estudioso deve se desatrelar da incorreta afirmação de que ela é fruto de regimes ditatoriais ou autoritários, como têm afirmado os poucos críticos que desconhecem essa Justiça Especializada, mas, deve sim, reconhecer seu valor real, sua existência histórica no mundo, no Brasil, (...) constatando sua harmonia com as instituições democráticas e com o Estado de Direito, como lhe garante a lei maior. (ROTH, 2003, p.131). No entanto, concluímos nosso pensamento com a certeza de que a reforma empreendida pela Emenda Constitucional 45 trouxe poucos benefícios à Justiça Militar Estadual. Não analisamos como louváveis e necessárias as modificações, sobretudo a fixação da competência ao Juiz de Direito para julgar os militares estaduais quando a vítima for civil, haja vista que entendemos que tal mudança feriu claramente o Princípio Constitucional da Isonomia, pois, como vimos, os militares federais não estarão sujeitos a esta alteração da Carta Magna. 3 Fonte: Justiça Militar do Estado de Pernambuco (Cartório da JME). 101 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Assim, também concluímos que ao retirar do Conselho de Justiça a competência para processar e julgar os crimes militares, quando a vítima for civil, excetuando-se, porém, os casos de competência do Tribunal do Júri, a EC 45 acabou mitigando a ideia de que os militares - neste caso, somente os militares estaduais - quando do cometimento de crimes militares, deveriam ser processados e julgados pelos seus pares. Mesmo após todos estes anos da já reformada Justiça Militar Estadual, afirmamos que tal alteração também feriu profundamente um dos princípios que justificam a existência da própria Justiça Militar que é a possibilidade de o militar ser julgado por seus pares, o que não implica necessariamente em corporativismo ou protecionismo classista como frequentemente argumentam os que não conhecem a realidade castrense. Referências ASSIS, Jorge César de. Direito Militar. Aspectos Penais, Processuais Penais e Administrativos. 1ª edição, Curitiba: Juruá, 2005. _____________________. A Reforma do Poder Judiciário e a Justiça Militar. Breves considerações sobre seu alcance. Direito Militar. Revista da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais - AMAJME; Número 51 Janeiro/fevereiro de 2005. NÓBREGA, Thalita Borin. A questão da Justiça Militar. Rio Grande, 2014. Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Especialização dos Conselhos de Justiça – Julgamento pelos pares como preceito constitucional. Disponível em: <http://www.jusvi.com.br/doutrinas_e_pecas/ver/16476> _______________________. Especialização dos Conselhos de Justiça Julgamento pelos pares como preceito constitucional. Disponível em: <http://www.jusvi.com.br/doutrinas_e_pecas/ver/16476> 102 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação jurisdicional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. 103 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal FORMAÇÃO PROFISSIONAL NAS ACADEMIAS DE POLÍCIA: reflexões sobre a construção de política formativa voltada para proteção dos Direitos Humanos Benôni Cavalcanti Pereira1 Kátia Maria da Cruz Ramos2 RESUMO O clamor da sociedade por segurança faz da formação policial uma área desafiante e necessária diante da superação do paradigma repressivo e reconhecimento do caráter preventivo como fundamento formativo do profissional de segurança pública. Nesta perspectiva, o presente estudo teve como foco de atenção a natureza do policiamento ensinado na respectiva Academia de Formação desse profissional, nomeadamente através da percepção dos Oficiais lá formados e da análise da malha curricular do CFO/PM. Para tanto, foram realizadas entrevistas junto a tenentes que atuaram na operacionalidade entre os anos de 2009 a 2011, cujos dados obtidos apontam para percepções distintas em torno da teoria ensinada e da prática institucional, suscitando reflexões em torno da construção de política formativa voltadas à proteção dos Direitos Humanos. Palavras-chave: Formação Policial; Segurança Pública; Direitos Humanos. Introdução O clamor social por uma polícia mais eficiente e protetora dos direitos humanos é patente. E dentro do contexto atual da Segurança Pública, a formação policial deve receber destaque e atenção de todos os segmentos da sociedade, não mais somente dos que fazem as instituições policiais. A segurança pública passou a ser um tema complexo e analisado sob a ótica das mais diversas camadas da 1 Capitão da Polícia Militar de Pernambuco, Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e-mail [email protected] 2 Professora da UFPE, membro do Núcleo de Formação Continuada Didático-Pedagógica dos Professores da UFPE (NUFOPE) e membro colaborador do Centro de Intervenção e Integração Educativa (CIIE) da Universidade do Porto (U.Porto), e-mail [email protected] 104 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal sociedade – principalmente tendo em conta a transição paradigmática que aponta para uma redefinição da atividade de policiamento e reflexão sobre a reforma da polícia e a formação de seus profissionais no sentido mais protetor dos direitos humanos. É nessa perspectiva que o presente estudo se insere. E para dar conta do seu propósito, na primeira seção trataremos dos estudos a respeito das concepções sobre as atividades de policiamento na perspectiva da proteção dos direitos humanos. Na segunda, apresentaremos a perspectiva curricular da formação do Oficial da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) na sua relação com os conteúdos relacionados com a atividade de policiamento e direitos humanos. Por fim, na terceira seção, traremos dados de uma pesquisa junto a Oficiais Subalternos atuantes das unidades operacionais, evidenciando desafios para uma reformulação curricular perspectivada em função do caráter educativo e protetor dos direitos humanos, que devem ser inerentes à formação policial. 1. Concepções sobre as atividades de policiamento na proteção dos direitos humanos Nas origens das atividades de policiamento percebemos que se trata de uma atividade das mais antigas. Segundo os trabalhos de Bayley (2002) sobre os padrões de policiamento, já no ano cinco a.C., em Roma, os governantes definiam o policiamento público como aquele designado através de uma polícia com responsabilidade de manter a Ordem Pública. A polícia nos moldes atuais tem suas origens no século XIX, passando pela experiência de reorganização do aparelho policial em Londres, criada para atuar no controle social, de natureza equilibrada entre militar e civil. No mesmo século, foi criada nos Estados Unidos nos moldes da hierarquia militar. As polícias militares no Brasil têm seu surgimento também neste século, embora se tenha registro da força militar de patrulhamento, no ano de 1775. No caso da PMPE sua origem remonta ao início do Império, com a criação de um Corpo de Polícia, tendo como incumbência manter a tranquilidade e a segurança pública, respondendo pela estabilização da paz social. É importante notar que a perspectiva de manutenção da ordem pública se 105 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal perpetua ao longo dos tempos. O policiamento ostensivo é entendido como exclusividade da Polícia Militar para o cumprimento de suas missões, legitimando sua ação tanto nas atividades preventivas quanto nas repressivas, quando assim for preciso. O pesquisador francês Monjardet (2003, p.299), levanta a reflexão em torno das atividades de policiamento a serviço dos valores da sociedade democrática, chega à conclusão de que “a polícia é a instância que, dispondo da força, é a que tem mais condições para se libertar do direito”. Defendendo que toda ação policial seja mediatizada, ou seja, reinserida na sociedade democrática na construção permanente da ordem social. Discutindo o policiamento moderno, Tonry e Morris (2003, p.428) afirmam que o policiamento “refere-se à preservação da paz, isto é, à manutenção de uma forma de fazer as coisas, em que as pessoas e propriedades estão livres de interferência não justificada”. A idéia de paz concebida nesta definição substitui a ordem pública numa nítida idéia de consistência em tratar das questões que envolvem a segurança na sociedade, agregando ao policiamento valores maiores do que a simples presença, pois deve promover a continuidade da paz, livre de ameaças, ou seja, promotora dos direitos humanos. Todavia, como atualmente é concebido, vem falhando no controle e na prevenção do crime, pelo fato de se resumir em aplicar a lei de forma profissional, defendendo que o policiamento deve ser entendido como atividade profissional que venha a fortalecer os laços com a comunidade. No seu ensaio, Tonry e Morris (2003) acrescentam que a atividade de policiamento deve englobar a preservação da paz, garantindo segurança às pessoas, seus direitos e sua propriedade. Percebe-se assim, a preocupação com o reducionismo na definição de policiamento, para que suas atividades não se limitem apenas às respostas da polícia aos cometimentos de ilicitudes, mas sim às ações voltadas para promoção da paz social e proteção dos direitos inerentes à pessoa humana. O debate acerca da atividade de policiamento ganha um enfoque próprio na discussão promovida nos estudos de Brodeur (2002) acerca das questões entre um policiamento de reação, prevenção e manutenção da ordem desenvolvida pelas forças policiais modernas, instituídas há um século, e um policiamento orientado para administração e 106 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal minimização dos riscos a ser desenvolvido por uma força policial contemporânea. Para Goldstein (2003) o bom policiamento é aquele desempenhado pela polícia de modo a combater incansavelmente aos crimes e, ao mesmo tempo, estar dentro da lei, além de proteger os direitos dos cidadãos. O trabalho da polícia deve, portanto, ser baseado no equilíbrio das relações entre polícia e uma sociedade livre e democrática. Debate fortalecido por Balestreri (2003) que aponta para caracterização do policial como agente de segurança pública, como atributos de ouvidor social, tratando da perspectiva de afirmação de um novo paradigma de segurança pública. Nesse contexto, a formação policial tem lugar de destaque por constituir-se lugar privilegiado de onde emanam os padrões de policiamento e políticas de ação policial, no sentido de cumprir a missão constitucional, manter a ordem pública e garantir a paz social. 2. Perspectiva curricular na formação do Oficial da PMPE A formação do Oficial da PMPE é realizada na Academia de Polícia Militar do Paudalho (APMP). O Curso de Formação de Oficiais (CFO/PM) é reconhecido como de nível superior. Em termos curriculares, sua última atualização ocorrida no ano 2002, deu-se através da Comissão Permanente de Validação de Currículo, composto por membros internos da PMPE Na oportunidade do primeiro momento da pesquisa, a APMP passava por um processo de integração, passando à condição de Campus de Ensino da Academia Integrada de Defesa Social (ACIDES). No ano de 2008, foi credenciada como Instituição de Nível Superior, passo considerado importantíssimo na construção de uma política educacional na formação dos profissionais de segurança pública no Estado de Pernambuco. É importante notar que esta nova relação entre os operadores de segurança pública e os profissionais da área do ensino superior tende a render frutos imensuráveis. Na experiência americana acerca desta relação, trazida por Goldstein (2003, p.349), “[...] faculdades e universidades criaram programas de estudo para o pessoal da polícia, e neles se matricularam milhares de policiais que aspiravam a uma carreira no policiamento.” Fica claro que, esta proximidade, além de benéfica, 107 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal trará consigo a pesquisa e o estudo mais avançado em torno da própria natureza do trabalho e a formação profissional do policial. 3. Caracterização do Currículo do CFO/PM A malha curricular do CFO/PM dividiu-se em três etapas bem definidas durantes os anos de formação profissional, sob a coordenação disciplinar e pedagógica da APMP. As distribuições das cargas horárias por ano podem ser observadas na tabela abaixo, bem como a relação entre as disciplinas que envolvem o estudo do policiamento executado pela PMPE e o total da carga horária ministrada no aludido curso de formação. Tabela - Distribuição da Carga Horária (CH) do CFO/PM, relacionando-a com as disciplinas atinentes ao estudo do policiamento, referente às turmas de formação nos anos de 2004, 2005 e 2006. Estudo do Policiamento CH ANUAL Ano % CH Anual (h/a) (h/a) 1° 285 1215 23% 2° 390 1230 32% 3° 555 1095 51% Total dos 03 anos 1230 3540 35% Outras Disciplinas 2310 65% Fonte: Divisão de Ensino da APMP. Constata-se, nesta tabela acima, que a grande concentração do estudo sobre policiamento dar-se-à no terceiro e último ano do curso, consolidando os conteúdos traçados para os anos anteriores e relacionados com o tema, representando 51% da carga horária relativa àquele ano letivo. No cômputo geral, as disciplinas cujos conteúdos são relacionados com as atividades de policiamento que serão desenvolvidas, acompanhadas ou planejadas pelo futuro Oficial da PMPE representam 35% da carga horária total do curso de formação. Verificando os conteúdos das disciplinas, identificamos aquelas relacionadas diretamente com a natureza do policiamento ensinado na formação policial, excluindo as disciplinas que tratam das leis penais por entender, de forma análoga ao raciocínio de Muniz (2001), que tais ensinamentos são limitados, no que se refere às estratégias de ação e execução do policiamento. 108 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Neste contexto, destacamos as disciplinas de Policiamento Ostensivo I, II e III, as quais se desenvolvem ao longo dos três anos, perfazendo o total de 390 h/a, iniciando com o estudo teórico inicial da atividade de policiamento, a começar pelo fundamento básico até as estratégias de policiamento, antes de desenvolver os conteúdos de procedimentos em ocorrência e as técnicas de abordagem policial. Em termos de direitos humanos, os cadetes tiveram a oportunidade de trabalhar a temática no primeiro ano de formação, representando 30 horas-aula de estudos, tratando das questões ligadas ao direito internacional humanitário e princípios dos direitos humanos, relações de respeito à diversidade, debate sobre a olícia e os direitos humanos e visitas de estudos, mas sem relacionar diretamente com a prática do policiamento. É a partir do segundo ano de curso que percebemos a inserção de um nível mais ampliado de disciplinas presentes no primeiro ano e outras disciplinas que se relacionam com a forma de pensar e agir em termos de policiamento, entre as quais: Sociologia do Crime e da Violência e Fundamentos de Polícia Comunitária. Já no terceiro, as disciplinas terminam seu ciclo de complexidade, como no caso de Policiamento Ostensivo III, contudo, deveriam se relacionar com as disciplinas de Planejamento Operacional de Policiamento Ostensivo, Sistema de Segurança Pública no Brasil, Abordagem Sócio-Psicológica da Violência e Gerenciamento de Crises, que oportuniza o discente a entender a natureza do policiamento, do crime como fenômeno psicossocial e conhecer os estudos sobre segurança pública na contemporaneidade. 4. Caracterização da pesquisa de campo As entrevistas foram realizadas junto a 09 (nove) Oficiais formados nas turmas dos anos de 2004, 2005 e 2006 - alvo das últimas alterações curriculares promovidas pela Corporação – sendo 03 (três) de cada turma, dentre aqueles atuantes no policiamento há pelo menos dois anos. Os sujeitos foram escolhidos por representar a base do oficialato que se envolve diretamente nas ações de comando das atividades de policiamento, agindo também como gestores operacionais das ações e desdobramentos do trabalho da polícia. Na parte da entrevista sobre a natureza do policiamento notamos que os 109 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal tenentes detêm uma visão legalista acerca dessas questões, afirmando categoricamente que é de características ostensivas, atuando na prevenção, mas, nessa parte, sem fazer menção à proteção dos direitos humanos. Tanto que, na grande maioria das entrevistas, ficou evidente que o atual foco da atuação do trabalho policial é o policiamento repressivo, atuando nas ocorrências e na redução de índices de violência, como se vê na expressão (OF.2) “policiamento ostensivo e preventivo, mas atuando mais na repressão aos delitos e redução dos homicídios”, ou ainda (OF.4) “um policiamento ostensivo apenas atendendo ocorrências”. No que se refere ao sentimento de preparo profissional para atuar nas atividades de policiamento ao qual está submetido na Instituição Policial Militar, encontramos de forma predominante a sensação de que os militares estaduais se sentem preparados, mas com pouca prática de vivência policial, mas que, ao passar do tempo, advêm à segurança almejada na execução das atividades de policiamento, demonstradas nos termos (OF.8) “sinto preparado em termo de base teórica”, (OF.6) “sinto-me preparado, no curso temos o norte, a segurança vem com o pós-formação”. Quando tratamos acerca da visão deles em torno do nível de formação que tiveram no CFO/PM, em termos de suas atuais atividades de policiamento, os Oficiais apresentaram uma harmonia interessante deixando a sensação de que o CFO/PM foi uma atividade pedagógica muito proveitosa em termos de aprendizagem, fazendo inclusive referencias comparativas interessantes, tais como (OF.1) “nível muito bom, acho que não deixa a desejar a nenhum outro na área de segurança pública”, (OF.4) “gostei muito, a gente tem no nível de qualquer outro curso superior”. Apesar disso, a metade dos entrevistados deixou a entender que, embora classifiquem o aludido curso como de bom nível, a parte prática concernente à aplicabilidade dos conhecimentos teóricos e práticos estudados na Escola de Formação, exatamente no cotidiano das atividades de policiamento desempenhadas pelos Oficiais nas próprias Unidades Operacionais, o que representa a realidade do trabalho da polícia, deixou a desejar nesse ponto, como podemos comprovar nas seguintes afirmativas: (OF.7) “Nível bom, mais faltou mais prática do dia-a-dia”, (OF. 3) “bom nível, mas um pouco falho, pois deveria ter mais estágios”. 110 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Quando os entrevistados se viram à frente das questões que envolviam os conteúdos estudados durante sua formação, refletindo sobre aqueles que julgavam mais importantes diante das atividades atuais de policiamento, a tendência majoritária foi apontar as disciplinas voltadas para o campo do conhecimento operativo, tais como policiamento ostensivo (abordagem policial) e tiro policial, mas sem se esquecer afirmar a imprescindível necessidade de relacionar estas disciplinas com as do conhecimento cognitivo das áreas de direito e gestão operacional e administrativa, como pode se constatar nas passagens a seguir: (OF.3) “Os conteúdos práticos, abordagem, tiro e modalidades de policiamento, por exemplo, aliada a parte teórica”, (OF.9) “os mais importantes que considero foram as aulas de abordagens a edificações, veículos e pessoas, que é o que fazemos diariamente, junto a parte de direito, que está atrelada.”, (OF.2) “os voltados para a gestão e direção junto com as técnicas de abordagem e policiamento”. Nesta linha da entrevista, ficou bem caracterizada, por unanimidade, a importância de aliar as disciplinas de natureza teóricas às de natureza práticas, (OF.4) “parte legal de direito e legislação junto com a parte operacional de abordagem e tiro”, ora citando a parte das disciplinas atinentes à gestão administrativa/operacional (planejamento), (OF.7) “abordagem, tiro policial e policiamento em geral conjuntamente com a parte de planejamento”. Excetuando-se um dos entrevistados, quando o assunto foi relacionado à insuficiência ou não contemplação de conteúdos julgados indispensáveis, na visão profissional de cada um, mas com foco na atividade de policiamento, o alvo maior da totalidade das entrevistas foi exatamente a falta de aproveitamento das oportunidades de estágios durante a vida acadêmica e de exploração dos momentos destinados a essa prática. Nas entrevistas, era possível notar a ênfase e as expressões corporais ao falar deste tema, das quais destaco as seguintes: (OF.1) “Os estágios ao final de cada ano deveriam ser melhor aproveitado, o diretor deveria ser mais efetivo”, (OF.3) “Insuficiente nenhuma, mas poderia focar mais a prática cotidiana do Oficial, o EHP3 deveria ser mais explorado”, (OF.7) “Foram muitos conteúdos importantes, deveríamos ir mais às Unidades Operacionais para aliar a 3 Estágio de Habilitação Profissional – refere-se ao período em que o cadete em formação é alocado numa OME para desenvolver a prática supervisionada das futuras atribuições do Oficial de Carreira (QOPM). 111 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal teoria à prática junto com a sociedade”. Note aqui, a relevância do tema na visão dos discentes. Verificamos ainda a preocupação de alguns tenentes com a prática de realização de procedimentos administrativos (OF.8) “só aprendi a fazer sindicância, inquéritos e processo de licenciamento, aqui na prática mesmo”, e com a relação sistêmica dos Direitos Humanos com a atividade de policiamento (OF.6) “há uma relação entre a parte de direitos humanos e a parte de policiamento ostensivo geral, mas só é dado no primeiro ano” que acendem mais um importante alerta pedagógico, agora na articulação das disciplinas. Na parte final da entrevista, notamos as mais diversas percepções em torno da sua prática de policiamento, os Oficiais Subalternos apresentaram apenas um elemento em comum quando estimulados a testemunhar como se vêem nesta atividade profissional, que fora justamente o fato de que se constituem os policiais com características de estarem à frente das situações, na condição de comandamento, nos fragmentos a seguir: (OF.1) “policial à frente das situações” ou (OF. 2) “policial treinado para estar à frente das operações”. No âmbito da pesquisa foi interessante relacionar a atividade de policiamento com a sociedade, pois quando pedimos para expressar sua percepção acerca do policiamento esperado pela sociedade, parte dos entrevistados demonstrou um pensamento de que a sociedade não aceita ser abordada ou deseja nossa constante presença, ora vejamos (OF.3) “a sociedade espera é que sejamos onipresentes, isso não dá” e ainda (OF.5) “a sociedade quer mais presença, mas não quer ser abordada”. Outra parte dos entrevistados, por sua vez, mostrou-se mais perspicaz ao tema (OF.6) “espera um policiamento pró-ativo, não apenas repressivo, com uma integração maior, melhorando a relação interpessoal”, entendendo o lado humanitário do policiamento (OF.4) “espera um bom atendimento, respeitador e reduzindo a violência”. Um dos entrevistados levantou a tese de que a visão da sociedade sobre a polícia é prejudicada pelo seu passado, (OF.2) “sua visão é pré-formada da polícia, resquícios antigos, mas ela espera mais proximidade”, credito esta fala, pelo andamento da entrevista, numa perspectiva de tentativa de justificativa pela não 112 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal proximidade da polícia, nos dias atuais. 5. Perspectivas e desafios na formação dos Oficiais da PMPE Da análise que se pode fazer do currículo na formação do Oficial da PMPE, observa-se que policiamento ensinado não se alinha bem com a execução oferecida na ponta pela polícia, apresentando-se como proposta ainda legalista e distanciada da prática. Como apresentou Poncioni (2005) em seus estudos, a postura legalista resumida não tem surtido muitos efeitos positivos dentro da atual realidade social, sendo indispensável repensar o papel de polícia no cenário da segurança pública, sob pena de formarmos policiais simplistas e irreais, descartando a essência do aprendizado. Quando pesquisamos em torno das origens e definições do trabalho de polícia, pudemos constatar nos estudos de Bayley (2002) e Monjardet (2003) o quanto é antiga a perspectiva da manutenção da ordem pública, mas, embora as atividades de policiamento desenvolvidas pelos policiais militares pareçam óbvias, elas se revestem de extrema complexidade frente aos avanços da nossa sociedade democrática, e o que mais chama a atenção é a dificuldade apresentada pelos gestores em operacionalizar esta mudança, como verificou também Mesquita Neto (2004) em suas análises. Ficou bem caracterizado o sentimento do preparo policial, mas não o direcionamento deste sentimento em termos de policiamento. Obviamente, o conceito em si do trabalho policial, em termos da natureza do policiamento repressivo ou preventivo é muito importante, pois reflete diretamente na sua prática de ação. Tudo bem que, como diria Kahn (2002), a percepção destes profissionais em torno da necessidade de agir de forma preventiva para combater o crime já se constitui num grande avanço, contudo, é preciso que, já na formação, o policial entenda que a essência do policiamento ostensivo é a prevenção, a causa deve ser combatida com ações efetivas e duradouras, embora se saiba que a repressão é igualmente necessária, e as conseqüências devem ser remediadas. Isto precisa ser estudado, discutido e incrementado na formação. Como notou Bayley (2002), é possível na mente desses jovens Oficiais, mas lhe faltam oportunidade e liberdade de exercitar. A ótica da prevenção dos delitos, 113 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal com a polícia trabalhando ativamente e próxima da população, já está permeando o pensamente deles, contudo, ainda um pouco desordenado. É imprescindível notar, portanto, que a base de formação do policial consubstancia-se num elemento fundamental neste processo de mudança de filosofia de policiamento, como pudemos aprender no trabalho coordenado por Ratton e Barros (2007, p.267): Embora a polícia tenha sido instituída para atuar muito mais como força repressiva do que preventiva, ou seja, atuando na ótica da punição do que da prevenção, os novos paradigmas constitucionais têm exigidos processos de redefinição tanto no modelo de gestão, quanto dos processos de formação, de regulamentação da ação policial e de controle social. Não adianta, por exemplo, implantar qualquer filosofia de trabalho preventivo, sem antes preparar uma formação focada para atuar nesse policiamento. Revisitar o currículo constitui-se num ponto crucial do processo evolutivo do trabalho policial, principalmente em se tratando dos futuros gestores operacionais. Constatamos isso também na pesquisa dos profissionais Marcineiro e Pacheco (2005, p.85) “Para que o policial venha a ter esse papel na comunidade é necessário um amplo programa de treinamento e de conscientização, não só do policial, mas também de toda a linha de supervisão e comando.” 6. A formação policial na perspectiva de debate educacional Poncioni (2005, p. 592) destaca uma discussão importante acerca da formação e o trabalho policial em termos do “descompasso entre o conhecimento adquirido para o desempenho do trabalho policial nos bancos das academias e a realidade na qual se realiza o trabalho cotidiano da polícia”. Portanto, não se pode tratar o trabalho da polícia de forma simplista, e quando o assunto é a formação profissional do policial, é preciso enxergar a sua complexidade. O desafio de debater currículo é muito grande, mas deve ser enfrentado com muita pesquisa e profissionalismo. Atualmente, percebemos uma crescente enfatização de concepções curriculares mais abertas e flexíveis, centradas em processos de gestão das aprendizagens adequadas às finalidades e aos que se destinam, por oposição ao currículo como listagem rígida de conteúdos, conforme 114 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal nos ensina Roldão (2003). Como vimos anteriormente, a distribuição da carga horária do estudo do policiamento é gradativa. Contudo, em termos de conteúdos abordados, não observamos a presença desta gradação, pois o discente praticamente não estuda as correntes teóricas e experiências em policiamento e tem apenas uma oportunidade de refletir e debate as questões ligadas aos direitos humanos, além da ausência de articulação entre eles, apontando para necessidade de revisar criteriosamente o currículo e seus propósitos. É óbvio que estamos tomando como referência as competências e habilidades pretendidas para o futuro policial, dado os desafios da sociedade contemporânea, e a formação enquanto processo educativo, que deve agregar conteúdos, valores, atitudes e experiências de forma crítica para execução de suas atividades. É um propósito que se aproxima do esforço de outras áreas, como a Pedagogia, na busca de afirmar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que, como nos diz Dias e Porto (2010, p.29), seu objetivo principal "é a difusão de uma cultura de direitos como forma de prover sustentação às ações de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos". No seu estudo sobre o modelo policial e sua formação, Poncioni (2005) destaca a importância da formação nas academias de polícia para a construção da identidade profissional, como etapa que faz considerável diferença para a vida profissional. E o momento de busca na formação, o desenvolvimento de valores da profissão bem como das competências e habilidades para o campo de trabalho policial. Ele precisa, então, entender o que é ser policial num determinado modelo de policiamento, cuja essência permeia a proteção social. De forma bem categórica, os sujeitos do presente estudo, Oficiais formado na APMP, atestaram o desejo de aproximação, enquanto antigo discente, com sua futura atividade de policiamento. O planejamento de um curso de formação, principalmente numa área como a segurança pública, deve se preocupar com esta maior interação do formando com os integrantes de sua futura Instituição e, por que não, da sociedade, seu objeto de proteção, atuando como sujeito ativo no processo formativo. Nos seus estudos sobre o ensino policial, Lima et. al. (2006) aponta que 115 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal planejar a atuação de maneira flexível permite uma adaptação às necessidades dos alunos. É preciso, assim, ir além da execução das atividades de estágio supervisionado, o ideal é justamente o acompanhamento disciplinar dos docentes nestas atividades contextualizadoras do conhecimento teórico ensinado na escola de formação, devendo, para tanto, promover atividades que permitam relação direta com o conteúdo trabalhado. No que se refere à proteção aos direitos humanos - debate bem atual da sociedade contemporânea - ficou evidenciada a carência da relação interdisciplinar do tema com as disciplinas responsáveis por desenvolver a capacidade de realizar policiamento. Se considerarmos a relevância de se desenvolver um trabalho de integração dos conteúdos das disciplinas que tratam do policiamento com as outras importantes áreas do conhecimento para atividade policial, sem dúvida, trazer os avanços na área de direitos humanos para o debate de realizar o policiamento ostensivo e preventivo é imprescindível para uma melhor formação policial. Candau e Sacavino (2010, p.128) nos ensina a respeito do princípio da integração que: Os temas e questões relativas aos direitos humanos devem ser integrados no desenvolvimento das diferentes áreas curriculares [...] Não se trata de incluir novas disciplinas ou unidades didáticas [...] O desafio está em integrá-los tato no plano cognitivo, quanto afetivo e comportamental no dia a dia das escolas em suas diferentes dimensões. Em síntese, relacionar as teorias trabalhadas nas disciplinas a cada momento da formação policial com a prática das ações, em termos de policiamento, e integrar os conteúdos nos planos cognitivos, afetivo e comportamental, trata-se de atividade pedagógica indispensável. Nesta pesquisa, ficou esse alerta, que nos parece indicar a necessidade de revisitar o currículo numa perspectiva de inclusão de uma política de proteção dos direitos humanos na atividade de policiamento. Numa passagem de sua obra sobre a polícia e os direitos humanos, Balestreri (2003, p.14) entende o policial como um legítimo educador por meios de suas atitudes e comportamentos, afirmando que: É por esse caminho, da busca de paradigmas novos no campo a formação do agente, que gostaria de fazer um primeiro bloco de afirmações: na qualificação da prestação de qualquer tipo de serviço, a qualificação do servidor tem primazia, antecedendo e transcendendo até mesmo as 116 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal condições objetivas que se lhe oferecem para trabalhar. Por fim, é importante notar que a afirmação do paradigma preventivo exige um novo enfoque da atuação policial e, consequentemente, da sua formação, cujo papel apresenta-se como decisivo neste momento transformativo. Dessa forma, a criação de uma estrutura organizacional capaz de permitir maior integração social para resolução dos problemas da insegurança pública requer mudanças na forma de agir, ser e atuar do policial, voltada para aprimoramento de suas ações e, assim, dar conta de sua missão institucional: a prevenção dos delitos e proteção dos direitos humanos. Considerações Finais Destacamos, novamente, que não teve o propósito de generalizar as informações e percepções detectadas nos Oficiais Subalternos da PMPE, entrevistados sobre a natureza do policiamento ensinado na formação, mas sim, proporcionar subsídios necessários ao debate acerca da construção de política formativa de seus profissionais de segurança pública voltada para proteção aos direitos humanos. Reforçamos também que, assim como foi percebido por Caruso et. al. (2007), é preciso discutir a realidade da polícia com seus próprios integrantes, no interior de sua instituição, e assim, romper com os pré-conceitos, construindo um ambiente propiciador de diálogo ativo. Para, assim, ser capaz de permitir aos seus integrantes falar abertamente de seus dilemas, inquietações e desafios na formação do profissional de segurança pública e no estabelecimento de uma política de policiamento mais voltado para proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, ficou evidenciado que é imprescindível promover o debate curricular sem perder de vista os temas atuais em torno do trabalho policial e a formação de seus profissionais. Dessa forma, é igualmente importante refletir sobre o requisito de ingresso na carreira. A graduação em Direito, por exemplo, possibilitaria focar mais a matriz curricular da formação profissional na atuação policial, considerando que o cadete já entraria qualificado no que se refere aos conteúdos jurídicos. 117 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Entretanto, a revisão dos parâmetros curriculares deve romper com préconceitos e paradigmas, estendendo este debate em fóruns interdisciplinares, permitindo o diálogo entre policiais e profissionais de ensino na construção de políticas educacionais para formação dos profissionais de segurança pública. A pertinência do debate permanente acerca da formação dos Profissionais de Segurança Pública, pelo seu caráter dinâmico, perspectivada na atuação preventiva e educativa é notória. As atividades futuras de policiamento a ser desempenhadas pelos futuros policiais devem se alinhar à realidade da nossa sociedade contemporânea. O avanço das ações formativas é fundamental. O enfrentamento de desafios nesse debate - em construção - na perspectiva de efetivar políticas de policiamento em proteção aos direitos humanos, no âmbito das Academias de Formação dos Policiais, faz parte da caminhada pela formação profissional do agente de Segurança Pública voltada para atender os anseios da sociedade contemporânea. E trilhar o ensino policial no compromisso de qualidade, em busca do maior objetivo da função policial: a paz social e proteção dos direitos humanos. Referências BAYLEY, David H. Padrão de Policiamento: Uma Análise Internacional Comparativa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. BALESTRERI, Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia. 3ª ed. Passo Fundo-RS: Edições CAPEC, Gráfica Editora Berthier, 2003. BRODEUR, Jean-Paul. 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A PEDEGOGIA E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: subsídios para inserção da temática da educação em Direitos Humanos nos cursos de pedagogia. In: DIAS, Adelaide Alves et. al. DIRETOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: Subsídios para Educação em Direitos Humanos na Pedagogia. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010. GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma Sociedade Livre. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. KAHN, Túlio. Velha e nova Polícia: polícia e políticas de segurança pública no Brasil atual. São Paulo: Sicurezza, 2002. LIMA, Maria Socorro Lucena et. al. O Ensino Policial: trajetórias e perspectivas. Fortaleza: UECE, 2006 MARCINEIRO, Nazareno; PACHECO, Giovanni C. Polícia Comunitária: evoluindo para a polícia do século XXI. Florianópolis: Insular, 2005. MESQUITA NETO, Paulo de. Policiamento comunitário e prevenção do crime: a visão dos coronéis da Polícia Militar. São Paulo Perpec., Jan/Mar. 2004, vol.18, n° 1, p.103-110. ISSN 0102-8839 MONJARDET, Dominique. 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Introdução O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, tem ressaltado que "[...] O Direito, especialmente o instrumental, é orgânico e dinâmico [...] (STF - RMS: 28758 DF , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 22/11/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: Ac. E. DJe-231 D. 05-12-2011 P. 06-12-2011). Daí o presente artigo prestar-se não a confundir ou trazer novas regras ao instituto da Sindicância no âmbito da PMPE mas, ao contrário, aperfeiçoar-lhe, aproximando-a do ordenamento jurídico pátrio. De acordo com Hely Lopes Meirelles, a Sindicância “[...] é meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço público para subsequente instauração de processo e punição ao infrator. Ademais, a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada. 1 Capitão da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Processual Civil, Penal e Trabalhista, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Ciências Criminais Militares. 120 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal (MEIRELLES, 1996)”2. Já Maria Sylvia Di Pietro, recorrendo-se a um processo de cognição dedutivo a partir de um estudo semântico discorre que "No idioma de origem, os elementos componentes da palavra sindicância, de origem grega, são o prefixo syn (junto, com, juntamente com) e dic (mostrar, fazer ver, pôr em evidência), ligando-se este segundo elemento ao verbo deiknymi, cuja acepção é mostrar, fazer, ver. Assim, sindicância significa, em português, à letra, a operação cuja finalidade é trazer à tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto. (DI PIETRO, 2005)"3. Na Polícia Militar de Pernambuco, por força da Portaria do Comando Geral nº 122, de 04/06/12, publicada no SUNOR nº 011, de 15/06/12, utilizamo-nos da Portaria do Comando do Exército nº 107, de 13/02/2012 que estabeleceu as Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância no Âmbito do Exército Brasileiro (EB10-IG-09.001), o que a partir deste ponto iremos tratar apenas como "Manual de Sindicância". Primeiramente é preciso entender que o instrumento Sindicância Administrativa não é um privilégio das Corporações Militares, sendo a figura utilizada também em todos os órgãos que compõem o serviço público, cada qual é verdade, com sua própria regulação. Podemos classificar o gênero Sindicância de acordo com algumas espécies conhecidas na literatura, das quais destacamos duas, a saber: a Sindicância Investigativa, como sendo aquela em que é conhecido o fato a apurar e desconhecido o autor; e, a Sindicância Acusatória, quando o fato discorrido já aponta um autor possível a ser investigado. Assim podemos também aferir que enquanto a Sindicância Investigativa é mero procedimento administrativo, a Sindicância Acusatória é um Processo em si e por isso mesmo deve obedecer princípios constitucionais processuais especialmente a obediência ao Devido Processo Legal, a ampla defesa e ao contraditório. A fim de tornar mais didático, subcapitulamos o presente artigo obedecendo ao rito estabelecido no Manual de Sindicância, ou seja, o "passo-a-passo" da sindicância, deixando para cada qual seus respectivos comentários. 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 602. 3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005 pág. 559. 121 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 1. A Portaria A Portaria de uma Sindicância é o documento oficial de acusação, tal qual a Denúncia do Ministério Público para o Processo Crime. Assim sendo é dos fatos narrados na Portaria Inicial que irá se defender o sindicado, não podendo, por isso mesmo, ser ele punido por qualquer fato que não esteja ali presente. Neste sentido ainda podemos destacar a Portaria do Comando Geral da PMPE nº 638, de 10/07/03, publicada no SUNOR nº 036, de 14/07/03 que diz taxativamente que "Art. 1º. Os Comandantes, Chefes e Diretores deverão mencionar nas Portarias de instauração de Processos Administrativos Disciplinares ( Processo de Licenciamento ex officio, a bem da Disciplina e Sindicância) e de Procedimentos investigatórios (Inquérito Policial Militar) a narração sucinta do fato e quando possível a autoria do mesmo" ( grifos nossos). Em mesmo sentido, entendem os tribunais. Vejamos: Administrativo. Recurso em Mandado de Segurança. Processo Disciplinar. Omissão dos fatos imputados ao acusado. Nulidade. Provimento. Segurança concedida. 1. A Portaria inaugural e o mandado de citação, no processo administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado; 2. Ninguém pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe são imputadas; 3. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer às regras do devido processo legal; 4. Recurso conhecido e provido (ROMS 0001074/91-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, ac. Unân., DJ 30-03-92, pág. 03968) Assim sendo, é um equívoco crasso estabelecer uma sindicância "de acordo com os fatos narrados na comunicação" ou ainda "para apurar irregularidades praticadas pelo sindicado". É um múnus, uma obrigação legal, da autoridade que assina a Portaria Instauradora - o acusador - deixar bem claro os limites da acusação para que com isso possa o sindicado se defender. Reportando-nos às espécies de Sindicância, o manual de Sindicância concorda na coexistência de duas espécies distintas, assim dizendo: "Art. 2º ... § 1º. Na hipótese de não ser possível identificar a pessoa diretamente envolvida no fato a ser esclarecido, a sindicância terá caráter meramente investigatório; entretanto, sendo identificada a figura do sindicado desde sua instauração ou ao longo da apuração, o procedimento assumirá caráter processual, devendo ser assegurado aquele o direito ao contraditório e ampla defesa." (grifos nossos) 122 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Na PMPE a Sindicância Investigativa se assemelha aquela hodiernamente chamada de Sindicância Sumária. Devido ao seu prazo curto - de acordo com a Portaria do Comando Geral da PMPE nº 119, de 16ABR12, publicada no SUNOR nº 008, de 30/04/12, de apenas 10 dias corridos - não é possível nesta obedecer os prazos para o exercício da ampla defesa e contraditório. Daí inclusive ressaltarmos a impossibilidade de utilizar nos dias atuais a Sindicância Sumária como "meio mais rápido para apuração de pequenos casos", só sendo coerente sua utilização quando inexistir totalmente qualquer imputado do fato a ser investigado. O Art. 2º §1º no entanto fere o sentido jurídico da própria Portaria pois, em dada interpretação cria a trágica hipótese do imputado, que é descoberto só após o último depoimento, ser a partir dali considerado sindicado e daí, passar a responder pelo que foi ventilado antes mesmo de sua intimação, com isso suprimindo-lhe o direito de acompanhar os atos e defender-se, e neste sentido, como bem visto na última citação jurisprudencial, a desobediência aos princípios da ampla defesa e contraditório causam a nulidade de qualquer ato processual. Assim, vejamos como se posicionam os Tribunais: Polícia militar. Licenciamento. Mera investigação sumária dos fatos em que se envolveu o autor. Violação do princípio da garantia de defesa. Aplicação do art. 5º, inciso LV, da ConstituiçãoFederal. [...] A Constituição vigente instituiu, em prol dos acusados em geral, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recurso e ela inerentes. Assim, qualquer ato punitivo da Administração com violação dessa garantia é visceralmente nulo. Dano moral - Inexistência de comprovação. Pedido que não merece acolhimento. 5º LV Constituição Federal. (579237 SC 1988.057923-7, Relator: Nestor Silveira, Data de Julgamento: 21/10/1993, 2ª Câm. de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação cível n. 40.289, da Capital.) Assim sendo, surgindo um imputado - não é necessário que haja provas concretas de sua participação, até porque será este o objeto na sindicância - durante uma sindicância investigativa, deve-se estabelecer nova portaria e, dessa vez, criando uma sindicância acusatória em substituição a sindicância investigativa. O mesmo raciocínio deve ser adotado quando restar "fatos novos". Se conexos, uma nova Portaria poderá aditar os fatos novos e a partir daí tratar deles na instrução. Se fatos desconexos, nova portaria deve ser estabelecida a fim de inclusive respeitar a individualização de cada conduta. 123 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 2. Notificação Citatória A citação foi prevista no Art. 6º, V, do manual de Sindicância. A notificação citatória se presta "para conhecimento do fato que lhe é imputado, acompanhamento do feito, ciência da data de sua inquirição e da possibilidade de defesa prévia, além da possibilidade de requerer a produção ou juntada de provas". De tudo o que foi descrito pelo Manual de Sindicância, o primeiro objetivo é o mais importante de todos, devendo, por isso mesmo, ser no mesmo ato entregue cópia integral da Portaria. Vale ressaltar também que nesta notificação não é aberto o prazo para a defesa prévia, mas apenas a informação de que esse prazo será ofertado posteriormente, pois de acordo com o Art. 13 esse prazo é aberto quando do interrogatório. 3. O Interrogatório O interrogatório, ao contrário do que parece, não é peça de acusação, mas de defesa. É por isso mesmo que é pacífico o entendimento de que este ato é uma faculdade e não uma obrigação do sindicado: “O comparecimento do réu ao interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui uma faculdade e não um dever do mesmo ( Correição Parcial: RJ, 2007.02.01.007301-4, Rel. Des. Federal Maria Helena Cisne)”. Assim, se o sindicado é intimado para comparecer ao interrogatório e não comparece, não comete nenhuma transgressão disciplinar para com o oficial sindicante. Pode, no entanto, responder para com o seu Comandante, caso este o tenha apresentado por ofício, e o sindicado simplesmente não cumprir a ordem de comparecimento, mas isso de forma alguma poderá ser levado em consideração, sequer citado, quando do julgamento do mérito da Sindicância. Por outro modo, caso compareça, não poderá o sindicado ser ouvido caso declare que não tem interesse em prestar o interrogatório. Neste sentido inclusive, sugerimos sequer registrar as perguntas pois se assim o fizer poderá, em casos remotos, responder por abuso de autoridade (Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965). Ainda descrevendo a autonomia de vontade do sindicado quando de seu 124 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal interrogatório, em nenhum momento deve ele ser obrigado a dizer a verdade, podendo silenciar ou até mesmo não relatar a verdade dos fatos e ainda assim não lhe podendo ser imputado por isso qualquer transgressão disciplinar ( como por exemplo o Art. 128 do CDME-PE, que não é cabível quando do exercício da defesa). Isso decorre do preceito constitucional previsto no "Art. 5º. (...) LXIII - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, (...)" o que segue o Pacto de San José da Costa Rica que em seu Art. 8º, §2º, alínea g. assegura que "Toda pessoa tem o direito de (...) não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada". Desse raciocínio decorre a velha expressão de que "ninguém será obrigado a produzir provas contra si mesmo": [...] III. Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não ser obrigado a prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver interpretado contra ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a condenação" (STF, HC n. 84.517/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 19.10.2004) Não há nenhuma ilegalidade em encerrar uma Sindicância sem Interrogatório, desde que sejam juntados aos autos da Sindicância prova de que o Sindicado foi regularmente intimado para comparecer. Por fim, ao término do interrogatório pode, o sindicante, aproveitar-se do próprio termo para abrir o prazo para defesa prévia, em conformidade com o Art. 13 do Manual de Sindicância, com isso evitando elaborar um ofício para fazer o ato em conformidade com o princípio da Economia Processual. 4. A Defesa Prévia A Defesa Prévia é a segunda oportunidade de defesa do sindicado. Além dos argumentos de defesa, é nesse documento que o Sindicado deve apresentar as testemunhas que deseja que sejam ouvidas. Outrossim, caso venham a ser apresentadas posteriormente, deve o sindicante ouvi-las sob risco de permitir a alegação de prejuízo à ampla defesa. A ausência de Defesa Prévia também não leva a Sindicância à nulidade, salvo se o Sindicado não tiver sido intimado para esse ato. Assim, vejamos o que dizem os tribunais: "Não há falar em nulidade se a defesa do paciente, regularmente por este constituída, deixa de oferecer defesa prévia no tríduo legal, embora devidamente 125 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal intimada (HC 141153 CE 2009/0131042-4, Rel. Ministro OG FERNANDES)". 5. A Colheita de Outras Provas 5.1 Prova Testemunhal Acerca da oitiva de testemunhas, diz o Manual de Sindicância que "Art. 31. As testemunhas do denunciante ou ofendido serão ouvidas antes das do sindicado". No entanto, vale lembrar que em casos excepcionais é possível sim fazer a inversão dos depoimentos. Neste sentido, temos: A inversão da ordem de oitiva de testemunhas de defesa e acusação [...] não acarreta nulidade ao Processo Administrativo se em razão disso, não houver qualquer prejuízo para a defesa do acusado"(MS 24487/GO, Rel. Min. Félix Fischer). Outro ponto a esclarecer é a quantidade de testemunhas. De acordo com o Manual de Sindicância esse número é de 03 testemunhas para a defesa e 03 arroladas pelo Sindicante (acusação). Esse número pode ser alterado desde que não haja prejuízo para a defesa e que prevaleça a "paridade de armas" entre acusação e defesa, ou seja, ocorrendo aumento do número de testemunhas de uma ou outra parte ( acusação/defesa), deve o mesmo número ser ofertado a outra. Por outro modo, se ao acusado é possível faltar com a verdade em seu depoimento, o mesmo não ocorre com a testemunha. Excluindo disso aquelas que não são obrigadas a prestar o compromisso ( Vide Art. 354 do CPPM), todas as demais estão subjugadas a dizer toda a verdade sobre o que sabem e não têm o direito de se calar. Por outro modo, em Sindicância não há a possibilidade de trazer coercitivamente uma testemunha para depor. Assim também entende Ivan Barbosa que diz que no "[...] caso do processo administrativo disciplinar, onde a autoridade pode apenas convidar, solicitar que compareça, mas nunca obrigar nem impor comparecimento ( RIGOLIN, 1995)"4. 4 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 264. 126 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 5.2 Provas de outros documentos como processo judiciais, inquéritos, processo de licenciamento e outras sindicâncias. É perfeitamente possível simples juntada de cópias de documentos de outros processos desde que estes também estejam submetidos ao crivo da ampla defesa e contraditório. O documento trasladado nessas hipóteses será chamado de prova emprestada. Neste sentido: "Conforme precedentes é legal a utilização de prova emprestada de processo criminal na instrução do processo administrativo disciplinar ( MS 10874 DF 2005/0123370-1, Relator Min. Paulo Callotti)" Só não é possível utilizar-se de documentos de IPM e Sindicância Investigativas pois estes instrumentos não se submetem a ampla defesa e contraditório. 5.3 Depoimento da Vítima A "vítima" nos autos da sindicância deve ser ouvida como ofendida(o) e nesse sentido não se faz necessário que preste compromisso de dizer a verdade. Deve-se evitar a nomenclatura vítima uma vez que a vítima será sempre a Administração Pública, sendo o particular mero ofendido. É por isso mesmo que não é coerente que uma sindicância seja arquivada sob a justificativa a "vítima não teve o interesse de prosseguir" na investigação, conforme assim leciona Sandro Lúcio Dezan que enfaticamente diz que "(...) A Administração Pública, parte autora, deve se encarregar de iniciar e findar a persecução disciplinar, independentemente de manifestação da outra parte (DEZAN, 2010)"5. 5.4 Da retirada do sindicado durante os depoimentos de ofendido e testemunhas Situação constrangedora mas muitas vezes necessária, é a retirada do Sindicado da sala de audiência quando do depoimento do ofendido(a). É importante entender que, decorrente do contraditório, é direito do sindicado permanecer na sala 5 DEZAN, Sandro Lucio. Fundamentos de Direito Administrativo Disciplinar. Curitiba: Juruá, 2010. 127 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal e acompanhar o ato, sendo sua saída uma exceção. Caso haja a necessidade, é importante seguir o Art. 358 do CPPM que aponta que "(...) Neste caso, deverá constar da ata da sessão a ocorrência e os motivos que a determinaram (...) ". Sobre o tema, assim tem se manifestado o STF: É certo que a jurisprudência deste Superior Tribunal não vê nulidade na retirada do réu da sala de audiências a pedido de testemunhas ou vítimas (art. 217 do CPP). Porém, a retirada em razão da simples aplicação automática do comando legal, sem que se indague os motivos que levam à remoção do acusado, fere o próprio conteúdo daquela norma, bem como o art. 93, IX, da CF/1988. Dever-seia fundamentar concretamente a remoção, pautando-se no comportamento do acusado (HC 83549-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/4/2008) Ainda que haja a retirada do sindicado, deve este ser representado para que se exerça o contraditório. O contraditório é direito que se exaure no tempo, portanto incompatível com o que prevê o Art. 21 §3º do Manual de Sindicância. Ao contrário do que ali foi proposto equivocadamente, deve o sindicante adotar a seguinte conduta: Caso o sindicado possua advogado, será por este representado; caso não possua, deve ser nomeado um defensor ad hoc, ou seja, para acompanhar aquele ato, podendo esse defensor ser qualquer outro militar estadual disponível para o feito, preferencialmente oficial e com formação em Direito. 6. Alegações Finais Previsto no Art. 13, §2º do Manual de Sindicância, temos nas alegações finais a última e mais importante oportunidade de defesa do sindicado. Assim sendo, a jurisprudência é pacífica em apontar a impossibilidade de encerrar o feito sem ela. Daí nossos Tribunais sempre alertarem que “As alegações finais constituem ato essencial do processo, cuja ausência acarreta a sua nulidade absoluta (APELAÇÃO CRIMINAL ACR 14 AM 2004.32.01.000014-6, Relator Desembargador Federal Tourinho Neto): STJ. Defesa. Ausência de alegações finais. Nulidade. Princípios da ampla defesa e contraditório. Precedentes do STJ. Réu indefeso. CPP, arts. 267 e 497, V. CF/88, art. 5º, LV. A falta de alegações finais, imediatamente anteriores ao julgamento do mérito da causa, consubstanciam-se em termo essencial do processo penal, razão pela qual a sua ausência implica em nulidade, por ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. (STJ - Rec. Ord. em HC 10.186 - RS - Rel.: Min. Edson Vidigal - J. em 01/03/2001 - DJ 02/04/2001 Boletim Informativo da Juruá 290/024892) 128 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Assim, podemos asseverar em garrafal apontamento que é ilegal o disposto no Art. 13, §2º, do Manual de Sindicância, quando sugere que a Sindicância pode prosseguir a marcha processual sem que sejam juntadas as alegações finais. Caso encerre-se o prazo para que o Sindicado e/ou seu advogado apresente as Alegações Finais sem que este documento seja juntado, deve o sindicante nomear um defensor ad hoc, ou seja, para executar aquele ato, podendo esse defensor ser qualquer outro militar estadual disponível para o feito, preferencialmente oficial e com formação em Direito. Nesse sentido, vejamos a possibilidade no entendimento do próprio STF de caso semelhante em Processo Administrativo Complexo ( Conselho de Disciplina): ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. EXCLUSÃO. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. DESNECESSIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. REEXAME PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência consolidada de que não há ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório no fato de se considerar dispensável a presença, no processo administrativo, de advogado, cuja atuação, no âmbito judicial, é obrigatória. (Precedentes: AGRRE n. 244.027-2/SP, relatora Ministra Ellen Gracie; RE n. 282.176-4/RJ, relator Ministro Moreira Alves; AGRAG n. 207.197, relator Ministro Otávio Galloti). No caso, não houve qualquer prejuízo para a ampla defesa do apelante, pois ele foi defendido de forma técnica, efetiva, profissional e competente pelo OFICIAL MILITAR designado para o caso, que possui conhecimento altamente especializado para os casos submetidos ao Conselho Disciplinar. Apurada em processo administrativo disciplinar a prática de falta grave e submetido o policial militar a Conselho de Disciplina, em que se observou o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, reveste- se de legalidade o ato administrativo que excluiu o faltoso dos quadros da Corporação (citado em STF quando do julgamento da Apelação Cível n. 1.0024.03.790008-3-004, MG. STF - AI: 602844 MG , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 28/09/2007, Data de Publicação: DJe-129 DIVULG 23/10/2007 PUBLIC 24/10/2007 DJ 24/10/2007 PP-00040) Outra forma de promover a economia processual na Sindicância, é utilizar o próprio termo de audiências ( no caso, o último) e ao término incluir a expressão " fica a defesa intimada para o prazo das alegações finais". 7. Relatório É no relatório que serão descritas todas as provas em sequência lógica e que darão sustentáculo ao parecer final do Sindicante, conforme o Art. 6º do Manual de Sindicância. Deve ele quando de seu parecer final apontar claramente se houve ou não a transgressão disciplinar e qual o enquadramento cabível, as circunstâncias 129 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal atenuantes e agravantes que vislumbra, deixando para a autoridade solucionadora apenas o crivo de acompanhar ou não seu parecer. Outrossim, vale ressaltar que, caso a figura se afigure um crime, deve o sindicante propor que os autos sejam encaminhados ao Ministério Público, não sendo nos dias atuais necessário instalar um Inquérito Policial Militar sobre o mesmo fato que foi investigado na Sindicância, tudo isso em plena conformidade com o Art. 28. do CPPM que diz que "O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência requisitada pelo Ministério Público:a) quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais [...]" É importante ressaltar que, em decorrência da independência das instâncias, mesmo que o caso se afigure um crime ( militar ou comum), deve o sindicante externar seu parecer quanto à repercussão administrativa, podendo aqui apontar a prática de uma transgressão - afinal de contas em decorrência dos Arts. 1º e 7º do Dec. 22114, de 13/03/00, se houve a transgressão de uma lei incorre-se no descrito no Art. 139 do CDME-PE - e qual a pena aplicável, ou se melhor é proceder à Processo de Licenciamento, Conselho de Justificação ou Disciplina, conforme o caso. 8. Solução É na solução que a autoridade delegante irá aplicar o desfecho cabível ao caso. Se houver entendimento de que a conduta coaduna com algum dispositivo do CDME, deve na solução a autoridade impor a reprimenda cabível, não sendo mais necessário notificar para se defender de algo que foi largamente defendido durante a instrução da sindicância. Noutro ponto, vale esclarecer que o princípio da motivação dos atos administrativos impõe ao Comandante que, caso discorde de algum ponto traçado pelo sindicante, descreva-o sucintamente e demonstrando as razões pela qual não acompanha o entendimento do sindicante. Nesse sentido, leciona Di Pietro: O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas 130 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.( DI PIETRO, 2008)6. 9. Recursos Após a solução do Comandante, é possível utilizar-se de todos os recursos descritos no CDMEPE como ainda do próprio judiciário. Os tribunais assim se manifestam: SERVIDOR PÚBLICO Ação ordinária de reintegração no cargo c.c. indenização e pedido de tutela antecipada Improcedência. - O que não se permite ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. O mérito administrativo, relacionando-se com conveniências do Governo ou com elementos técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito. Não há confundir, entretanto, o mérito administrativo do ato, infenso a revisão judicial, com o exame de seus motivos determinantes, sempre passíveis de verificação em juízo. Exemplificando: o Judiciário não poderá dizer da conveniência, oportunidade e justiça da aplicação de uma penalidade administrativa, mas poderá e deverá sempre examinar seu cabimento e a regularidade formal de sua imposição. - Procedimentos administrativos regidos pelos princípios constitucionais e legais. (TJ-SP - APL: 1073455020088260000 SP 0107345-50.2008.8.26.0000, Relator: Oscild de Lima Júnior, Data de Julgamento: 06/06/2011, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 09/06/2011) Considerações Finais A segurança jurídica em qualquer processo administrativo só é possível a partir da estrita obediência aos preceitos legais, em especial aquilo que foi apregoado na Constituição Federal. Nesse sentido, a Sindicância Administrativa deve ser usada no interesse da busca da verdade real mas sem perder de vista que o principal patrimônio do serviço público é o próprio servidor que é responsável pelo perfeito funcionamento da máquina pública e pelo sucesso de sua missão institucional. É por isso mesmo que é inafastável a necessidade de promover instrumentos de investigação alicerçados no garantismo processual e com isso punindo-se com 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 77. 131 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal máxima eficiência aos culpados ao mesmo passo que se afasta dos inocentes as duras penas da lei. Referências MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 602. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005 pág. 559. RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 264. DEZAN, Sandro Lucio. Fundamentos de Direito Administrativo Disciplinar. Curitiba: Juruá, 2010. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 77. 132 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal ANÁLISE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR PELA CORREGEDORIA GERAL DA SECRETÁRIA DE DEFESA SOCIAL SOB A PERSPECTIVA DO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO Davison Alves Gonçalves dos Santos 1 RESUMO: O presente artigo objetiva a análise relativa à atribuição da Corregedoria Geral da Secretária de Defesa Social de instaurar Inquérito Policial Militar, sob o panorama da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Código de Processo Penal Militar, sem, contudo, subestimar a importância e a representatividade dos serviços realizados pelo órgão superior de controle disciplinar interno para o Estado de Pernambuco, aplicando a ética e a justiça. Direcionando sobremaneira a visão imparcial a respeito do tema, serão apresentados argumentos no sentido de apontar equívocos, que possibilitam o surgimento de transtornos em desfavor das Unidades Militares do Estado. Palavras-chave: Constituição da República Federativa do Brasil, Código de Processo Penal Militar, Corregedoria Geral, Lei Complementar N° 158/10, Controvérsias. Introdução As corregedorias relacionadas à segurança pública evoluíram de forma sólida e paulatina após a concretização dos direitos individuais, sociais e coletivos alicerçados pela Constituição Cidadã. Começando a ganhar espaço na seara legislativa, com a formulação de normas e procedimentos acerca do tema. Nesse diapasão, emergiu a Corregedoria Geral da Secretária de Defesa Social do Estado de Pernambuco, órgão destinado à apuração de faltas cometidas por servidor público pertencente ao ramo da segurança pública e contemplado com o manto protetor das garantias constitucionais e infraconstitucionais. 1 3ºSargento da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduando em Planejamento Estratégico. 133 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Contudo, algumas polêmicas foram suscitadas e expostas, principalmente no que tange ao surgimento da Lei Complementar Estadual N° 1582 de 26 de março de 2010, a qual atribui competência a Corregedoria Geral para instaurar o Inquérito Policial Militar, causando um transtorno na relação jurídica entre administrador e administrado. 1. Polícia Judiciária Militar: fundamento de validade e conceito O Inquérito Policial Militar (IPM) situa-se no campo da jurisdição militar, incidindo, inclusive, a jurisdição militar estadual. Sendo assim, a expondo a previsão legal via Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 19883 a atribuir poderes para a Justiça Militar Estadual processar e julgar os militares dos Estados em relação aos crimes militares previstos em lei, e ainda de estabelecer atribuições na investigação da infração penal militar à polícia judiciária militar, via exceção. Observemos: Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...] § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (grifo nosso) § 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. (grifo nosso) [...] Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifo nosso) (BRASIL, 1988) 2 PERNAMBUCO. Lei Complementar N° 158, de 26 de março de 2010. Disponível em: http//legis.alepe.pe.gov.br/legis_superior_norma.aspx?nl=LC158. Acesso em 30 Abr. 2014 3 BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 Abr. 2014. 134 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Logo, havendo a prática de um fato tipificado como infração penal militar, cabe ao Estado, por meio do jus puniendi, aplicar sanção ao transgressor da norma substantiva vigente. Apesar disto, deve o Estado exercer o jus persequendi, com a finalidade de reconhecer a autoria do ato delituoso e coletar elementos probatórios necessários para que a ação penal seja proposta. A legislação penal militar atual atribui competência a polícia judiciária militar para executar a primeira fase elencada acima, sendo primordial a colheita de provas materiais e testemunhais, por meio do IPM, com a finalidade de obter o maior quantitativo de elementos de convicção relacionados à autoria e à materialidade do crime militar, atribuindo condições para que assim, o titular da ação penal militar atue. Eliezer Pereira Martins esclarece: A disciplina em matéria de apuração de crimes militares não discrepa do sistema de apuração de crimes comuns, daí falar-se na polícia judiciária militar. Como visto a polícia judiciária militar não teve seus órgãos e atribuições explicitadas na Constituição Federal, tendo sido disciplinada na legislação ordinária (Código de Processo Penal Militar). Neste sentido, a polícia judiciária militar pode ser definida como órgão ou autoridade militar incumbida, por lei, do dever de desenvolver toda atividade necessária para o fornecimento ao Ministério Público, em funcionamento na Justiça Militar, dos elementos necessários ao conhecimento judicial do fato que em tese configure crime militar, ou seja, a polícia judiciária militar é órgão auxiliar da Justiça Militar4. 2. Inquérito Policial Militar O termo inquérito origina do latim inquisitu, que representa inquisição, ato ou efeito de inquirir, ou seja, ato ou efeito de perseguir dados relativos a determinado acontecimento. O artigo 9° do Código de Processo Penal Militar (CPPM) 5 demonstra a definição e a finalidade do procedimento inquisitorial militar, dispondo que “O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação 4 MARTINS, Eliezer Pereira. Inquérito policial militar. 2. ed. São Paulo: LED, 1996, p.18-9. BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n. 1002, de 21 de outubro, de 1.969, Código de Processo Penal Militar. Brasília: Diário Oficial da União, 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso em: 30 Abr. 2014. 5 135 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal penal.”. O parágrafo único completa: “São, porém, efetivamente instrutórios da ação penal os exames, perícias e avaliações realizados regularmente no curso do inquérito, por peritos idôneos e com obediência às formalidades previstas neste Código”. Ao comentar sobre o procedimento pré-processual militar, Eliezer Pereira Martins demonstra que esse é “procedimento administrativo de polícia judiciária militar, destinado a coligir elementos de autoria e materialidade necessários à apuração de infração penal de competência da Justiça Militar. É de natureza provisória, destinando-se a fornecer elementos de autoria e materialidade para ensejar a propositura de ação penal militar. Trata-se de procedimento administrativo preliminar e meramente informativo”. Finaliza-se, então, que o Inquérito Policial Militar é a junção de expedientes formais que descreve atos, ações e atividades realizadas pela autoridade competente com a finalidade de investigar determinado crime penal militar, com o objetivo de encontrar o autor dos fatos e a materialidade do crime, para que subsidie, com informações necessárias, o Ministério Público para propor a ação penal junto à Justiça. 3. Corregedoria Geral da Secretária de Defesa Social: importância e atribuições É dever do Estado assegurar aos cidadãos seus direitos e garantias individuais, restringindo qualquer tipo de abuso que proporcione prejuízo a democracia. Logo, é essencial a existência das organizações policiais para proteger a sociedade, atuando de forma a garantir o cumprimento do que preceitua as legislações. Destarte, o Estado, mediante previsão legal, utiliza-se do poder coercitivo na busca de garantir os direitos humanos, principalmente em relação aos direitos à vida e liberdade. Porém, o uso desse instrumento de coerção deve ser aplicado de forma apropriada, conforme a necessidade, para que a ação legítima não incida em ilegalidade pelos servidores públicos. Diante desta análise é que nasce a 136 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal necessidade de organismos internos de controle da conduta dos militares das organizações policiais. Desta forma, havendo procedimento irregular, por parte dos militares vinculados as organizações policiais, é primordial que se instaure o devido processo para que seja apurado. A Lei Ordinária Estadual n° 11.929/20016, define a Corregedoria Geral como órgão superior de controle disciplinar interno, em relação aos órgãos e agentes vinculados a Secretaria de Defesa Social, além dos Agentes de Segurança Penitenciária ligados à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, conforme artigo 1º da referida Lei Estadual. Art. 1º A presente Lei define a competência e as atribuições da Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social, como órgão superior de controle disciplinar interno dos demais órgãos e agentes a esta vinculados, bem como, dos Agentes de Segurança Penitenciária vinculados à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos. Assim sendo, a missão principal da Corregedoria Geral da SDS é de prevenir a prática de delitos funcionais por parte dos servidores atrelados a referida Secretaria com a finalidade de adequar os serviços prestados aos princípios norteadores que constituem os Direitos Humanos e ainda reeducar, corrigir e punir os abusos administrativos realizados pelos servidores pertencentes à SDS em ação profissional excedente ou particular ilegal no cotidiano. Em uma abordagem simplória, a Corregedoria Geral da SDS representa um órgão gestor dos assuntos referentes aos desvios de conduta cometidos pelo público interno da SDS. Desde sua criação até o presente momento, o trabalho executado pela Corregedoria Geral incide nos aspectos administrativo-disciplinar, utilizando-se como fontes as legislação do Estado, União e da Carta Magna. Tudo isso demonstra, a grande preocupação existente com o combate as violações aos Direitos Humanos, principalmente no âmbito dos órgãos policiais, nos quais possuem o monopólio legal e legítimo do uso da força. 6 PERNAMBUCO. Lei N° 11.929, de 02 de janeiro http://legis.alepe.pe.gov.br/pdftexto/LE11929_2001.pdf. Acesso de 2001. em 30 Disponível em: Abr. 2014. 137 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal No tocante as atribuições, inicialmente há de se considerar que antes da existência da LC N° 158/10, as atribuições da Corregedoria Geral da SDS eram da seguinte forma: Art. 2º São atribuições institucionais da Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social: I - acompanhar os atos de afastamento previstos no artigo 14, desta Lei, relacionados a policiais civis, militares e bombeiros estaduais, bem como, a outros servidores públicos da Secretaria de Defesa Social; II - realizar, inclusive por iniciativa própria, inspeções, vistorias, exames, investigações e auditorias; III - instaurar, proceder e acompanhar sindicâncias; IV - instaurar, proceder e acompanhar processos administrativos disciplinares; V - requisitar a instauração de Conselhos de Disciplina e Justificação para apuração de responsabilidade; VI - requisitar diretamente aos órgãos da Secretaria de Defesa Social toda e qualquer informação ou documentação necessária ao desempenho de suas atividades de fiscalização; VII - requisitar a instauração de inquérito policial civil ou militar e acompanhar a apuração dos ilícitos; VIII - requisitar informações acerca do fiel cumprimento das requisições ministeriais e de cartas precatórias; IX - criar grupos de trabalho ou comissões, de caráter transitório, para atuar em projetos e programas específicos, contando com a participação de outros órgãos e entidades da administração pública estadual, federal e municipal, conforme autorização governamental; X - manter arquivo atualizado e pormenorizado com todos os dados relativos aos integrantes da Secretaria de Defesa Social, que estejam ou estiveram respondendo a processos judiciais, procedimentos administrativos disciplinares, Conselhos de Disciplina e Justificação ou a inquéritos policiais civil ou militar; Até então, não havia nenhuma celeuma quanto às atribuições definidas na lei estadual. Porém, com as modificações advindas da Lei Complementar N° 158, sancionada pelo Poder Executivo Estadual em 26 de março de 2010, incide no surgimento da dúvida quanto à competência da Corregedoria Geral da SDS de propor a nova atribuição, em relação à alteração imposta ao artigo 1º, inciso VII da LC N° 158/10. Vejamos: Art. 1º A Lei nº 11.929, de 02 de janeiro de 2001, e alterações, passa a vigorar com as seguintes modificações: "Art. 2º São atribuições institucionais da Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social: [...] VII – instaurar ou requisitar a instauração de inquérito policial civil ou militar, acompanhando, nos casos de requisição, a apuração dos ilícitos; A partir da edição da LC N° 158/10, originou a controvérsias em torno de sua compatibilidade com o sistema jurídico nacional e seus reflexos. 138 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal 4. A controvérsia do artigo 1°, da lei complementar n° 158/10 diante da competência privativa da União A expressão “instaurar” contida no artigo 1° da Lei Complementar N° 158 usurpa os limites quanto à competência privativa da União, por afrontar às regras constitucionais de repartição de competência legislativa. A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 22, elenca de forma terminante e taxativa as competências legislativas privativas, envolvendo as atividades normativas da União. Consequentemente, havendo matéria não contida no mencionado artigo, significa concluir que não faz parte do rol de competências privativa da União. Deve-se enaltecer a importância dos incisos pertencentes a este artigo, visto que trata dos assuntos mais relevantes e de interesse comum à vida social do Brasil. Vejamos o que dispõe o mencionado artigo: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (grifo nosso) [...] Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. (BRASIL, 1988) O destaque fica por conta do parágrafo único do dispositivo legal acima, na qual permite que a União autorize aos Estados-Membros a criar normas acerca de questões especificas das materiais elencadas no artigo mencionado acima. À vista disto, a autorização é uma faculdade atrelada ao legislador complementar federal e nada obsta para que a União retome a sua competência, editando normas sobre o mesmo assunto a qualquer tempo, pois a delegação não se equivale a uma abdicação de competência. Manoel Jorge e Silva Neto, em relação aos requisitos para a União delegar aos Estados-Membros competência, leciona da seguinte forma: A possibilidade de delegação legislativa aos Estados-Membros está balizada pelo Comando do parágrafo único do art. 22, cujo conteúdo apresenta os requisitos indispensáveis à mencionada atividade legiferante. São eles: a) requisito formal: delegação expedida através de lei complementar 139 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal com o acréscimo da adoção do rito preconizado para a lei delegada; b) requisito material: autorização para legislar apenas sobre questões especificas das materiais tratadas nos incisos do artigo 22; c) requisito implícito: caráter genérico da norma de delegação, destinando-a a todos os Estados-Membros e também ao Distrito Federal7. Nesse sentido, citamos Motta e Barchet: 1º) delegação aos Estados-membros e ao Distrito Federal, não se admitindo a transferência de competência para os municípios; 2º) requisito formal: o instrumento delegatório é uma lei complementar editada pela União, regularmente aprovada pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sancionada e promulgada pelo Presidente da República; 3º) requisito material: a delegação deve circunscrever-se a um ponto específico das matérias constantes do art. 22 da CR, não se admitindo que a União delegue, na integralidade, a competência para regular qualquer das matérias enumeradas no dispositivo; 4º) requisito implícito: a delegação deve ser feita na mesma extensão e amplitude a todos dos entes federados regionais ou à parcela deles. Necessariamente, deve abranger todos, sob pena de inconstitucionalidade. Isto decorre diretamente do art. 19 da Constituição que, no inciso III, veda na sua parte final que os entes federados criem preferências entre si, instituindo, assim, o princípio da igualdade federativa, que veda o 8 tratamento diferenciado entre os entes integrantes da federação . Não havendo lei de natureza complementar federal que autorize o EstadoMembro a criar norma acerca de determinada questão especifica, não é possível que a lei estadual ultrapasse os limites da competência delegada, uma vez que, acontecendo tal fato, a Lei Complementar estadual estará viciada em relação a sua constitucionalidade. No caso, a União se quer criou Lei Complementar delegando poderes aos Estados-Membros pra criar dispositivos legais referentes à competência quanto à instauração do Inquérito Policial Militar. Portanto, a Assembleia Legislativa Estadual atuou fora dos limites da delegação, pois editou norma sem possuir competência em relação a atribuição de competência para a Corregedoria Geral da SDS para instaurar inquérito policial civil ou militar, ensejando na extrapolação da competência legislativa. 7 NETO, Manoel Jorge e Silva. Curso de direito constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 349. 8 MOTTA Filho, Sylvio Clemente da. Curso de direito constitucional/ Sylvio Motta, Gustavo Barchet. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 284. 140 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco: É formalmente inconstitucional a lei estadual que dispõe sobre matérias enumeradas no art. 22, se não houver autorização adequada a tanto, na forma do parágrafo único do mesmo artigo. Por isso mesmo o STF disse, na Súmula Vinculante n. 2, que “é inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias 9. Prontamente, há condições de afirmar que o ato gerou uma transgressão constitucional. 5. A controvérsia do artigo 1° da lei complementar n° 158 diante do decreto-lei 1.002 de 21 de outubro de 1969 O Inquérito Policial Militar, como já vimos, é uma atividade de polícia judiciária militar, cujo objeto é à apuração das infrações penais de natureza militar, assim definida com base no artigo 9º, do Código de Processo Penal Militar 10. Assim, trata-se do procedimento administrativo de caráter exclusivamente inquisitorial, empregado pela administração pública militar nas atividades de polícia judiciária militar, com o fito de apurar as infrações penais de natureza militar, determinando a sua autoria e o delito cometido. O procedimento inquisitorial policial militar é responsável pela abertura da persecução penal, servindo de alicerce para que o Ministério Público proponha a ação penal militar. Célio Lobão (2009, p.49) entende que: O inquérito policial militar é a atividade investigatória de polícia judiciária militar, com a finalidade de apurar a infração penal militar e indicar seu possível autor, realizando a primeira fase da persecutio criminis, que prossegue com a propositura da ação penal militar pelo MP. Logo, o IPM necessita da devida instauração, executada pela policia judiciária militar, representada pelas seguintes autoridades competentes, conforme dispõe o artigo 7º, do CPPM: Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições: 9 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 5ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p 953. 10 BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n. 1002, de 21 de outubro, de 1.969, Código de Processo Penal Militar. Brasília: Diário Oficial da União, 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso em: 15 Out. 2011. 141 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro; b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição; c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados; d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando; e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios; f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados; g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios; (BRASIL, 1969) Por meio da previsão legal supramencionada, são expostas de forma taxativa as autoridades de polícia judiciária inerentes às Forças Armadas e em ordem decrescente de poder de comando conforme suas especificidades normativas. Cabendo, inclusive, a Justiça Militar Estadual processar e julgar os crimes militares cometidos pelos militares estaduais. De forma que o militar indiciado no IPM instaurado pela Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar será sempre militar estadual, com base no artigo 6° do CPPM, observemos: Art. 6º Obedecerão às normas processuais previstas neste Código, no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares. (BRASIL, 1969) Jurisprudência do Supremo Tribunal Militar afirma tal entendimento: HABEAS CORPUS. INQUERITO POLICIAL MILITAR. TRANCAMENTO.n MILITAR FEDERAL INDICIADO EM INQUERITO POLICIAL MILITAR INSTAURADO E EM CURSO NO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. ATRIBUIÇÕES DA POLICIA JUDICIARIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL (CBM E PM-DF) RESTRITAS A APURAÇÃO DE ILICITOS CASTRENSES PRATICADOS POR MILITARES DA CORPORAÇÃO. LEGISLAÇÃO PERTINENTE. PRECEDENTES DO STF. ORIENTAÇÃO SUMULADA PELO ENTÃO EG. TFR. CONSTRANGIMENTO RECONHECIDO – ORDEM DEFERIDA PARA TRANCAR O IPM.INDICIOS RESIDUAIS DE PROIBIDO EXERCICIO DE COMERCIO POR OFICIAL DO EB. REMESSA DAS PEÇAS INFORMATIVAS AO MINISTERIO PUBLICO MILITAR DA UNIÃO. DECISÃO UNANIME11. 11 BRASIL, Superior Tribunal Militar. HC 1991.01.032714-2 DF, – Rel. Min. Paulo César Cataldo, j. em 26.03.1991, DJU 15.05.1991965. Disponível em:< http://www.stm.jus.br/jurisprudencia>. 142 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal Devemos atentar que para ser iniciado o IPM, é primordial observar o que preceitua o artigo 10 do CPPM, em relação aos modos: Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria: a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator; b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício; c) em virtude de requisição do Ministério Público; d) por decisão do Superior Tribunal Militar, nos têrmos do art. 25; e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar; f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar. (BRASIL, 1969) Nos dispositivos legais relacionados acima, não foi mencionado às corregedorias de policia, como competentes para instaurar o IPM. Portanto não há condições da LC N° 158/10 atribuir a Corregedoria Geral da SDS poderes para instaurar IPM, em respeito ao CPPM. Considerações Finais O presente artigo não possui a intenção de desmerecer o importante trabalho executado pela Corregedoria Geral da SDS, e sim questionar os transtornos gerados pela LC N° 158/10 em desfavor das Unidades Militares do Estado, visto que atribui uma competência na qual é originária dos Comandantes, conforme o artigo 7º, h, do CPPM. Cumpre, então, advertir que a instauração do IPM na Corregedoria Geral da SDS em desfavor de militar estadual poderá, através de um dos remédios constitucionais conhecidos como Mandado de Segurança, se impetrado em tempo hábil, ou ainda uma ação judicial ordinária, representa um procedimento nulo, produzindo transtornos a Administração Pública. A nulidade do procedimento emitido pelo Poder Judiciário representa afirmar que a Gestão Pública agiu com inobservância a legalidade, visto que a Corregedoria Geral da SDS ao instaurar o Inquérito Policial Militar não possuía 143 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal competência, com fundamento na Competência Privativa da União e aos modos e autoridades responsáveis pela instauração do Inquérito Militar. Como se nota, o artigo 5º, inciso XXXV, da CRFB/88, na qual promove o Principio da Inafastabilidade do Poder Judiciário para apreciar qualquer ameaça ou violação a direito, oferece condições para haver um controle judicial a posteriori, de caráter unicamente legal, reservado a comprovar se existe harmonia do ato administrativo com o dispositivo legal que o conduz. Para sanear os contratempos apresentados, é primordial que haja uma reforma do texto normativo contido no artigo 1º, da LC N° 158/10, em que o Poder Legislativo Estadual atribui a Corregedoria Geral da SDS, competência para instaurar o IPM, obedecendo às regras previstas na CRFB/88 e no Decreto-Lei Nº 1.002/69. Em síntese, o foco principal do artigo se constituiu na avaliação da modificação do artigo 2º, inciso VII, da Lei 11.929/01, oriunda da LC N° 158/10, reconhecendo os aspectos controvertidos ao final do estudo, sem, contudo, desprezar a importância e o valor dos serviços realizados pelo órgão superior de controle disciplinar interno para o Estado de Pernambuco. Referências BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2014. BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n. 1002, de 21 de outubro, de 1.969, Código de Processo Penal Militar. Brasília: Diário Oficial da União, 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso em: 30 abr. 2014. BRASIL, Superior Tribunal Militar. HC 1991.01.032714-2 DF, – Rel. Min. Paulo César Cataldo, j. em 26.03.1991, DJU 15.05.1991965. Disponível em: < http://www.stm.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 30 abr. 2014. 144 DOUTRINAL Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. 1. ed. São Paulo: Método, 2009. MARTINS, Eliezer Pereira. Inquérito policial militar. 2. ed. São Paulo: LED, 1996. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 5ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. MOTTA Filho, Sylvio Clemente da. Curso de direito constitucional/ Sylvio Motta, Gustavo Barchet. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. NETO, Manoel Jorge e Silva. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. PERNAMBUCO. Lei Complementar N° 158, de 26 de março de 2010. Disponível em: http//legis.alepe.pe.gov.br/legis_superior_norma.aspx?nl=LC158. Acesso em 30 Abr. 2014 PERNAMBUCO, Lei 11.629, de 28 de janeiro de 1999. Jan, 1999. Disponível em http://legis.alepe.pe.gov.br/legis_inferior_norma.aspx?cod=LE11629. Acesso em 30 Abr. 2014. PERNAMBUCO. Lei N° 11.929, de 02 de janeiro de 2001. Disponível em: http://legis.alepe.pe.gov.br/pdftexto/LE11929_2001.pdf. Acesso em 30 Abr. 2014. 145 Normas para Publicação Normas para Publicação Considerando o contido na Portaria do Comando Geral nº 1901, de 16 de novembro de 2007, publicada no SUNOR nº 043, de 22 de novembro de 2007, que aprova as Instruções Gerais para a confecção da Revista Doutrinária da PMPE, criada pela Portaria do Comando Geral nº 633, de 04 de agosto de 1999, publicada no SUNOR nº 020, de 10 de agosto de 1999, informamos as seguintes orientações e normas para publicação de artigos: Linhas de Pesquisas: As linhas de pesquisas prescritas na Diretriz Geral de Educação Profissional da PMPE, e que servem como balizamento para os temas dos artigos destinados a Revista DOUTRINAL, são as seguintes: I – políticas públicas de defesa social / segurança pública; II – gestão da defesa social / segurança pública; III – controle do crime – homicídios; IV – educação e formação do policial; V – polícia e direitos humanos; VI – saúde do policial. Normas Técnicas para envio de artigo: 1) O artigo deve conter no máximo 30 (trinta) laudas, possuir resumo e 03 (três) a 05 (cinco) palavras-chave. O texto deve ser digitado em fonte arial tamanho 12 justificado, espaço entre linhas 1,5, margens de 2,5 cm. O título do artigo deve estar centralizado no texto, em negrito Arial, tamanho 12 maiúscula e o subtítulo na mesma fonte, sendo apenas os nomes próprios maiúsculos. O nome do autor digitado em itálico, posicionado abaixo e à direita do título, contendo nota de rodapé com informações acadêmicas sobre o autor. 2) As citações devem preferencialmente seguir o sistema de chamada: Autor, data: página. 3) Notas devem se restringir a itens extremamente necessários e devem vir no rodapé. 4) As citações no corpo do texto devem vir em Itálico. As citações com mais de três linhas devem vir fora do corpo do texto, com fonte Arial, Tamanho 10, espaçamento simples e recuo de 3,0 cm à esquerda. 5) Imagens podem ser publicadas desde que citadas às fontes e com as devidas autorizações, de acordo com a legislação vigente. Fica condicionada a publicação das imagens às viabilidades técnicas das mesmas. 6) O artigo enviado para publicação na Revista DOUTRINAL da PMPE, além de se enquadrar nas normas técnicas da ABNT, deve conter ao final do texto, todas as referências utilizadas na pesquisa, e deve ser digitado em formato compatível com o sistema Microsoft Word ou BR Office. 7) O trabalho apresentado deve se configurar como contribuição original e inédita, não devendo estar submetido ao mesmo tempo a avaliação para publicação em outra revista. 8) O artigo deve ser enviado para avaliação e possível publicação através do e-mail: [email protected] 9) Além do artigo, deve ser encaminhado por e-mail, devidamente preenchido, assinado e digitalizado, o termo de autorização para publicação na Revista DOUTRINAL da PMPE. O referido termo de autorização está disponível para download na parte final desta página. 10) O Autor do artigo ao enviar seu trabalho para a Revista DOUTRINAL da PMPE, fica ciente de que não receberá qualquer tipo de remuneração pela publicação e divulgação do referido artigo. 11) Serão aceitos trabalhos com co-autoria, desde que todos os autores sejam identificados individualmente, conforme especificado no item 9 supra. 12) Os artigos enviados para publicação são de responsabilidade exclusiva dos autores. O conteúdo dos artigos não correspondem necessariamente, à opinião da Revista DOUTRINAL da PMPE. Acesse neste local o: Termo de Autorização para publicação de artigo na Revista DOUTRINAL da PMPE