Vol. 3 - N.º 01 - 2014

Transcrição

Vol. 3 - N.º 01 - 2014
EXPEDIENTE
Comandante Geral
Cel PM José Carlos Pereira
Subcomandante Geral
Cel PM Paulo Roberto Cabral da Silva
CONSELHO EDITORIAL
Chefe do Estado-Maior Geral
Cel PM Hermes José de Melo
Chefe da 1ª Seção do Estado-Maior Geral
Cel PM José Franklin Barbosa Mendes Leite
Diretor de Ensino, Instrução e Pesquisa
Cel PM Sósthenes Maia Lemos Júnior
ORGANIZAÇÃO
Chefe da Seção de Doutrina da 1ª Seção do Estado-Maior Geral
Cap PM Marcelo Martins Ianino
Revisão Ortográfica
Cap PM Fred Jorge Silva de Souza
Equipe Técnica
2º Ten PM Roberta Costa de Araújo Pestana
Cb PM Irandi Vieira de Lima
Nota ao Leitor: Os artigos publicados na Revista DOUTRINAL da PMPE são
de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião da
revista nem da Polícia Militar de Pernambuco.
PREFÁCIO
A doutrina representa o conjunto de princípios, conceitos, normas e
procedimentos, fundamentados principalmente na experiência, com o objetivo
de estabelecer linhas de pensamentos e a orientar ações, expostos de forma
integrada e harmônica1.
O fortalecimento doutrinário em uma instituição como a Polícia Militar de
Pernambuco, simboliza a consolidação das atitudes legalistas e das atividades
técnico-profissionais, dentro de uma postura ética que atenda de maneira
eficaz aos anseios da sociedade.
Incentivar a produção de doutrina de segurança pública, com a inclusão
de
conceitos
básicos,
princípios
gerais,
processos
e
normas
de
comportamento, eleva nossa corporação a um patamar diferenciado no
contexto incessante da busca por uma polícia mais qualificada.
Deste modo, a Revista DOUTRINAL da PMPE proporciona um espaço
de discussão importantíssimo aos nossos integrantes, no qual através de seus
artigos, poderão apresentar opiniões, ideias e sugestões de procedimentos que
influenciarão de maneira positiva a todos os Policiais Militares.
Faço votos que
a Revista DOUTRINAL seja
um veículo de
fortalecimento institucional, aproveitando o trabalho intelectual de nossos
Policiais Militares, para o estabelecimento definitivo da cientificidade de nossas
ações, nos mais diversos campos de atuação profissional.
Conclamo a todos os integrantes da PMPE a contribuírem com suas
respectivas competências técnicas, enviando seus artigos científicos para o
nosso periódico doutrinário, nos ajudando desta forma, a garantir a produção
permanente da doutrina em nossa Corporação.
JOSÉ CARLOS PEREIRA - CEL QOPM
Comandante Geral
1 Conferir em MD35-G-01 Glossário das Forças Armadas, Ministério da Defesa (Brasil), 4a.
edição, 2007.
SUMÁRIO
Artigos:
1. REFORMA DO ESTADO E A SEGURANÇA PÚBLICA...................................01-23
Cel PM Hermes José de Melo
2. ESTRATÉGIAS INSTITUCIONAIS PARA O POLICIAMENTO........................24-56
Cel RR PM Amaro Tavares de Lima
3. A LUTA PELA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS E A RELAÇÃO POLÍCIA
MILITAR VERSUS SOCIEDADE......................................................................57-66
Cel RR PM Aldo Batista do Nascimento
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBELO ACUSATÓRIO X PORTARIA DE
INSTAURAÇÃO NO CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO: delimitação da
abrangência dos limites da acusação...........................................................67-74
Maj PM José Henrique Marinho de Barros
5. A COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL NOS CRIMES CONTRA O DEVER
MILITAR............................................................................................................75-80
Maj PM Vilmarde Barbosa da Costa
6. A CONTRIBUIÇÃO DE UM SISTEMA DE APOIO A DECISÃO PARA O
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE DISTRIBUIÇÃO DO CONTINGENTE
POLICIAL MILITAR: Um estudo de caso de prática de business intelligence
no Microsoft® Excel..........................................................................................81-91
Maj PM Wolney Alexandre Pereira da Silva, Cap PM Carla Cristina de Oliveira
7. JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL: breve panorama após uma década da reforma
pela EC 45.......................................................................................................92-103
Maj PM Werner Walter Heuer Guimarães
8. FORMAÇÃO PROFISSIONAL NAS ACADEMIAS DE POLÍCIA: reflexões sobre
a construção de política formativa voltada para proteção dos Direitos
Humanos.......................................................................................................104-119
Cap PM Benôni Cavalcanti Pereira, Professora Kátia Maria da Cruz Ramos
9. COMO
ELABORAR UMA SINDICÂNCIA A LUZ DA DOUTRINA E
JURISPRUDÊNCIA.......................................................................................120-132
Cap PM Demétrios Wagner Cavalcanti
10. ANÁLISE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR
PELA CORREGEDORIA GERAL DA SECRETÁRIA DE DEFESA SOCIAL SOB A
PERSPECTIVA DO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO.................133-145
3º SGT PM Davison Alves Gonçalves dos Santos
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Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco
Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal
REFORMA DO ESTADO E A SEGURANÇA PÚBLICA
Hermes José de Melo1
RESUMO
O presente artigo analisa o Plano Diretor da Reforma do Estado lançado em 1995
pelo Governo Federal e mostra que suas diretrizes em nenhum momento
contemplaram com a devida importância a segurança pública e seus efeitos para o
desenvolvimento do país. Como desconsiderar um tema que produz um prejuízo de
10% do PIB a cada ano? Como um plano, que tinha como premissa principal o
ajuste fiscal, não considerou este fator? O artigo também ressalta a visão da
Organização dos Estados Americanos e da Confederação Nacional das Indústrias ao
apontar a segurança como requisito fundamental para o desenvolvimento. O texto foi
elaborado em 2006 (e revisado, apenas, em relação ao PIB atual) apresentando
métodos de mensuração e de classificação dos custos da violência, sob a
perspectiva de vários autores, reforçando a tese de que os custos do
desenvolvimento são muito altos e não apenas econômicos, mas, também e
principalmente, sociais e políticos.
Palavras-chave: Reforma do Estado, Segurança Pública, Violência, Custos, Plano
Diretor.
Introdução
“A violência e o crime ameaçam o próprio Estado.” (AMARAL, 2004:
28).
"Sem contar as vidas perdidas, o crime custa ao Brasil mais de 100
bilhões de reais por ano." (VERGARA, 2002: 9).
“Não há como falar em estado democrático de direito porque nos foi
tirado o direito de ir e vir.” (JORNAL DO COMMERCIO, 2006).
São afirmações fortes, porém não exageradas, que reforçam a
1
Coronel da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito
Administrativo.
1
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importância do tema.
Não obstante esta realidade, não se viu nos anos posteriores ao Plano
Diretor da Reforma do Estado no Brasil mudanças ou propostas de mudanças no
nível político-institucional da segurança pública do País que lhe desse o requerido e
necessário status.
Apesar do mundo acadêmico, político e até o senso comum perceber
a importância da segurança pública para o desenvolvimento político, econômico e
social, o Brasil vem desperdiçando oportunidades e vidas nesta área por ser tímido
nas suas ações e na implementação das mudanças no nível requerido.
Observa-se que em momentos de crises provocados por fatos de
repercussão na mídia, ensaiam-se movimentos que parecem, num primeiro
momento, representar uma vontade política de realizar efetivamente mudanças do
porte exigido. Passado, porém, o fato gerador, as ações voltam-se para o cotidiano
de enfrentar o problema da insegurança, apenas, com a melhoria do processo sem
modificar a estrutura. Mesmo nestes casos, quando havia ambientes propícios para
mudanças desse porte, nunca as propuseram em relação ao sistema de segurança
pública.
Em 1995 o Governo Federal apresentou o Plano Diretor da Reforma
do Estado. Como de regra, buscou-se formular e implementar o modo com que o
Estado se relacionaria com o mercado e, também, com ele próprio. Neste caso, ao
se buscar aprimorar suas instituições e, assim otimizar sua governança. Na ocasião,
constatou-se que o ajuste fiscal era de fundamental importância para sua viabilidade.
Diversas propostas foram apresentadas, mas nenhuma que se relacionasse com
tema: Segurança pública. Como desprezar um assunto que custa ao País 10 % do
seu PIB? “Segurança pública não é uma questão de governo é uma questão de
Estado” disse RATTON (2005). Que importa reformas ou planos apresentados onde
o Estado já não tem mais o controle ou soberania? Onde suas leis já não têm
eficácia? Como reformar o Estado onde ele próprio já não existe?
Em 2000 a União apresentou o Plano Nacional de Segurança. Insistiuse nas mudanças operacionais, das quais, muitas, não avançaram. Nenhuma
proposta no nível institucional, que, se não tivesse a certeza do resultado, pelo
menos aproximaria a estrutura brasileira das estruturas de outros países que se
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encontram em níveis de segurança tido como tolerável pela sociedade.
Este artigo destaca a importância da segurança pública no
desenvolvimento de um país e aponta o entendimento da Organização dos Estados
Americanos e pela Confederação Nacional das Indústrias da necessidade de
segurança para o desenvolvimento.
Em seu bojo, apresenta-se diversos métodos de mensuração e de
classificação dos custos da violência, também sob a perspectiva de vários autores, o
que, em todo caso, porém, só reforça a tese de que custos são muito altos e não
apenas
econômicos,
mas,
também
e
principalmente,
sociais
e
políticos,
comparando-os, inclusive, com os de outros países.
1. Contextualização
Em 1997, a Organização das Nações Unidas (VERGARA, 2002: 9),
classificou o Brasil em terceiro lugar entre os países com as maiores taxas de
assassinato por habitante. Embora não se possa medir o valor de uma vida, o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), sob o aspecto puramente monetário, dá
uma ideia do impacto financeiro do crime no Brasil. Levando-se em conta os
prejuízos materiais, tratamentos médicos e horas de trabalho perdidas, o crime leva
algo em torno dos 10% do PIB nacional (montante, hoje revisado e estimado em 480
bilhões de reais). Nos Estados Unidos, que estão longe de ser um país pacífico e
ordeiro, este percentual cai para 4%. Vê-se, com clareza que “a violência hoje, antes
de ser problema social é uma questão econômica”. (FERNANDES, 2006).
A Constituição Brasileira de 1988, conhecida como a Constituição
Cidadã, veio para adaptar as instituições ao novo contexto político marcado pelo
maior respeito às liberdades individuais e aos direitos civis. Essa enorme mudança
no cenário promoveu redefinição de metas, dos métodos e dos valores das
principais organizações brasileiras, mas não houve modificações substanciais nas
instituições policiais. Neste aspecto, apenas, constitucionalizou-se o que já existia de
fato.
Em 1995 foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado o Plano Diretor de Reforma do Estado. O Governo Federal,
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preocupado com a crise brasileira que também era a crise do Estado, diagnosticou o
problema, definiu objetivos e relacionou uma série de diretrizes, em diversos níveis
da estrutura da administração, que deveriam ser adotadas para fazer frente ao
problema e com isso permitir ao País o retorno ao desenvolvimento sustentado.
Identificou-se que o Estado desviou-se das suas funções básicas e
ampliou sua presença no setor produtivo. Este fato levou a deterioração dos serviços
públicos e ao agravamento da crise fiscal. Nestes dois aspectos está um primeiro
enfoque deste trabalho. Como se mostrará.
O Plano Diretor procurou criar condições para a reconstrução da
administração pública em bases modernas. Uma administração que evoluiu da
administração patrimonialista, passou pela racional-burocrática e que queria saltar
para uma administração gerencial ou seja, focada nos resultados. (BRASIL, 2005).
A relação que se faz com a questão da segurança pública é que com o
descontrole fiscal reduzem-se as taxas de crescimentos, aumenta-se o desemprego
e a inflação. O Estado não consegue atender com eficiência as demandas a ele
dirigidas, principalmente nas áreas sociais. Sendo a segurança pública um serviço
público, ela também “cobra seu preço” com este desequilíbrio. A insegurança pública
provoca elevadas despesas a pessoas e a empresas. Provoca prejuízos na
economia dos municípios, dos estados e do País, agravando, ainda mais, a crise
fiscal. Tudo isto gera um círculo vicioso, pois a ineficiência de alguns serviços
públicos traz, de volta, a insegurança pública. A falta de investimentos na área social
agrava o quadro de insegurança e esta insegurança agrava a crise fiscal que agrava
as necessidades sociais, retomando o círculo vicioso. De outra forma: A crise do
Estado agrava o quadro social, o quadro de insegurança e a economia ou o
mercado. O agravamento do quadro de insegurança desfavorece o mercado que,
por sua vez, agrava a crise do Estado.
Se, de um lado, 10 % do PIB fossem alocados em benefício dos
diversos serviços públicos, do equilíbrio fiscal ou das necessidades sociais, este
investimento proporcionaria um outro círculo, desta feita, virtuoso, fundamental para
a implantação das reformas propostas no Plano Diretor.
Não se observou neste mesmo plano, nenhuma modificação ou
proposta de mudança na estrutura do sistema de segurança pública do Brasil que
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indicasse uma percepção da relevância do assunto no contexto da Reforma do
Estado.
BARRETO (2005) também pensa assim, e lembra que mesmo depois
de dois anos que a Conferência no México sobre segurança em 2003, anunciou que
a extrema pobreza e exclusão social em vários setores da América Latina passaram
a ser encaradas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) como uma das
mais graves ameaças à estabilidade política e à segurança da região, porém as
mudanças no nível estratégico, ainda, não aconteceram.
2. Estado e Desenvolvimento
Um dos objetivos políticos da sociedade moderna é o desenvolvimento
econômico. Este desenvolvimento é relativamente recente, trata-se de um fenômeno
dos últimos 250 anos. Inicialmente os Estados-nação formaram-se sob a forma de
monarquias absolutas, como o resultado de uma integração entre a aristocracia e a
burguesia que permitiria a segurança do comércio e possibilitaria a produção
industrial, num segundo momento. A formação dos Estados Nacionais propiciou a
formação de um mercado razoavelmente seguro, onde pode haver o comércio e os
ganhos de produtividade decorrentes da divisão do trabalho. O tempo encarregouse, junto com o progresso técnico e o espírito empreendedor, de transformar as
manufaturas mercantis em fábricas industriais. (BRESSER-PEREIRA, 2004: 4).
Com o Estado-nação a sociedade passou a contar com uma fonte (o
próprio Estado) para criar as demais instituições. O Estado moderno foi, inicialmente,
absoluto e mercantil. Facilitou a acumulação da produção excedente pela nova
classe burguesa por meio de mecanismos violentos. Esta era uma condição para
que o capitalista, proprietário de meios de produção, realizasse grandes lucros.
Simultaneamente o comércio interno floresceu e a produtividade aumentou. O
terreno tornou-se favorável, assim, para que se desencadeasse a revolução
industrial: tanto pelo lado da demanda quanto da oferta. Isto ocorrendo, a Inglaterra
promoveu a liberação comercial em escala mundial.
A estratégia inglesa de desenvolvimento, transformou uma região
atrasada da Europa em seu país mais rico, baseando-se na forte intervenção do
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Estado na economia. Depois fez o oposto: entendeu em liberar o comércio e garantir
à instituição “mercado” um papel mais importante na alocação dos fatores de
produção. Esta inversão na forma de se relacionar com o mercado mostrou que o
Estado foi o instrumento de ação coletiva que viabilizou a tarefa, seja de intervir, seja
de liberalizar. (BRESSER-PEREIRA, 2004: 6).
Com a revolução industrial, completou-se a revolução capitalista, que
havia se iniciado com a revolução comercial.
Este escorço histórico demonstra a fundamental relação entre as
instituições, o Estado e o seu desenvolvimento, visão em cima da qual BRESSERPEREIRA (2004: 9) arremata: “Boas instituições são, portanto, essenciais para o
desenvolvimento, como o desenvolvimento é fundamental para boas instituições.
Entre as instituições, a principal delas é o Estado”.
3. Estado e Segurança
Insegurança é ínsito do ser humano, ou melhor, inerente a qualquer
ser vivo, daí ser a busca pela segurança uma necessidade primária. Como ressalta
AMARAL (2005: 2) a violência e o crime (este uma violência reprimida formalmente
pela lei), são comportamentos sociais inerentes à natureza humana; cada
sociedade, entretanto, estabelece o nível mais aceitável. Então o limite à violência
não é somente legal, mas sobretudo social. Anormal seria “patologia social é o crime
em taxas altas”.
Segurança Pública “é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à
comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger o cidadão, prevenindo
e/ou controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou
potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei”. (BRASIL,
2005).
A necessidade de segurança é tão importante ao ser humano quanto
ao próprio Estado e ao seu desenvolvimento. Veja o que diz BRESSER-PEREIRA
(2004: 2):
O Estado é o instrumento de ação coletiva por excelência da sociedade. É a forma
através da qual a sociedade busca alcançar seus objetivos políticos fundamentais:
a ordem ou estabilidade social, a liberdade, o bem estar, e a justiça social. Estes
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quatro objetivos são cada um deles finais, mas a ordem ou segurança pública é o
primeiro e principal deles. Não apenas porque sem ela não é possível alcançar os
três outros objetivos, mas também porque é o único que está implicado na
definição mínima de Estado. Se não houver ordem pública, se a propriedade e os
contratos não forem minimamente respeitados, não haverá Estado.
3.1. Mapa Estratégico da Indústria
A indústria também quer um País diferente e percebeu a dimensão
estratégica da segurança pública para o seu desenvolvimento. Representada pelo
Fórum Nacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a indústria mobilizou
organizações empresariais e empresários para uma reflexão conjunta sobre o futuro
da indústria e do País. O produto final desse trabalho, desenvolvido ao longo de seis
meses, foi o Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015. Neste mapa constatou-se a
necessidade de um ambiente institucional que garantisse a produção e os
investimentos. Constatou-se que a insegurança pública “ameaça a cidadania, cria
obstáculo à operação das empresas, à realização de novos investimentos e limita o
desenvolvimento econômico” (CNI, 2005: 27). A incerteza sobre o patrimônio, os
custos privados de proteção e a sensação de um crescente risco de vida, que
ameaça as pessoas, contribui para gerar um ambiente limitador à atividade
econômica. O crime, por exemplo, se transforma num obstáculo, muitas vezes,
intransponível para algumas multinacionais, que não conseguem trazer seus
executivos ou funcionários para o País. (PINTO, 2006; 19).
O Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015 representa a visão da
indústria sobre a agenda de desenvolvimento do setor e do País para os próximos
dez anos. Expressa um conjunto de objetivos, metas e programas que envolvem o
desenvolvimento de instituições e a implementação de políticas fundamentais para
liberar o potencial de crescimento da economia brasileira.
O crescimento é mais rápido em países que dispõem de boas
instituições. As origens do problema derivam de um quadro complexo de fatores que
combina questões econômicas, educacionais, institucionais e legais. A solução
depende de iniciativas continuadas para produzir efeitos permanentes e resultados
progressivos. (CNI, 2005: 28).
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3.2. Declaração sobre Segurança nas Américas
A Declaração sobre Segurança nas Américas (OEA, 2006) foi
aprovada na terceira sessão plenária realizada em 28 de outubro de 2003 pelos
Estados das Américas, representados na Conferência Especial sobre Segurança na
Cidade do México. Os participantes, comprometidos com a promoção e
fortalecimento da paz e da segurança no hemisfério, encarregaram a Organização
dos Estados Americanos (OEA), por intermédio da Comissão de Segurança
Hemisférica, de efetuar o “seguimento e o aprofundamento dos temas relativos a
medidas de fomento da confiança e da segurança”. Dentre os princípios constantes
naquela declaração, ressalta-se o seguinte:
Reafirmamos que o fundamento e razão de ser da segurança são a proteção da
pessoa humana. A segurança do Estado e a segurança das pessoas reforçam-se
mutuamente. A segurança é fortalecida quando aprofundamos sua dimensão
humana. As condições de segurança humana melhoram mediante o pleno respeito
da dignidade, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas,
bem como mediante a promoção do desenvolvimento econômico e social, a
inclusão social e a educação e o combate à pobreza, às enfermidades e à fome. a
pobreza extrema e a exclusão social de amplos setores da população que também
afetam a estabilidade e a democracia. A pobreza extrema solapa a coesão social e
vulnera a segurança dos Estados.
Nesta declaração vê-se, mais uma vez, a íntima relação entre Estado
Democrático, segurança e desenvolvimento.
4. Plano Diretor da Reforma do Estado
4.1. Resumo Histórico
Para que o aparelho do Estado seja dotado de capacidade executiva é
necessário que seja saudável do ponto de vista fiscal e financeiro e eficiente do
ponto de vista administrativo. Terá que ter capacidade de tributar e limitar seus
gastos à sua receita. Já a eficiência administrativa do Estado depende da qualidade
de sua organização e de gestão.
O Estado moderno iniciou sua forma de gestão com uma
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administração patrimonial, na qual o patrimônio público se confundia com o privado.
Na segunda metade do Século XIX os principais países europeus realizaram a
primeira grande reforma do sistema: A reforma burocrática que buscava tornar o
aparelho do Estado mais profissionalizado, mas não necessariamente mais eficiente.
O Brasil iniciou essa reforma nos anos 30, no primeiro governo Vargas. (BRASIL,
2005).
Nos anos 1980 na Grã-Bretanha, inicia-se a segunda grande reforma
administrativa da história capitalista: A reforma da gestão pública, que buscou tornar
o aparelho do Estado mais eficiente. O Brasil, a partir de 1995.
A reforma da gestão pública é uma oportunidade que surge
historicamente apenas para países democráticos. (BRESSER-PEREIRA, 2004: 9).
4.2. Objetivos da Reforma
O principal objetivo da reforma brasileira era o de substituir o modelo
de gestão burocrática por um modelo orientado pela performance. A reforma
gerencial foi concebida para operar simultaneamente em duas frentes. Primeiro
deveria resolver o problema da crise fiscal. No Brasil, o setor público havia crescido
demasiadamente. Ao final dos anos 80, o modelo de desenvolvimento por
substituição de importações produziu uma excessiva intervenção do setor público
que já mostrava seus limites.
O segundo objetivo e outra linha de ação da reforma era mudança
institucional. Como bem ressalta REZENDE (2004: 30) o plano diretor percebeu que
muitos problemas de performance eram frutos de uma “inapropriada matriz
institucional”. A mudança institucional seria levada a efeito com a criação de diversas
organizações sociais e agências executivas que alterassem a lógica da articulação
entre a formulação e implementação de políticas públicas para uma “lógica de
controle orientada pela performance”. (REZENDE, 2004: 30).
O novo modelo de intervenção do Estado foi delineado no Plano
Diretor o qual entendeu delimitar suas novas funções em quatro setores distintos:
núcleo estratégico, as funções exclusivas, os serviços não-exclusivos e a produção
de bens e serviços para o mercado.
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O Plano Diretor procurou criar condições para a reconstrução da
administração pública em bases modernas. Uma administração que evoluiu da
administração patrimonialista, passou pela racional-burocrática e que quer saltar
para uma administração gerencial ou seja, focada nos resultados.
4.3. Análise Sumária
Inicialmente constata-se que, para as agências que compunham o
núcleo estratégico, as quais seriam responsáveis pela formulação das políticas
públicas, não foram feitas propostas de mudança.
Para as atividades do 2o setor (funções exclusivas) o plano considerou
aquelas funções em que é necessária a existência do poder de polícia do Estado (o
poder de legislar e tributar), aí incluídos os órgãos de fiscalização, regulamentação,
transferência de recursos, forças armadas e polícias. Para estes órgãos o plano
propôs um modelo organizado pelas agências executivas que passariam a atuar sob
um contrato de gestão tendo, inclusive, liberdades sobre o orçamento e pessoal.
Nenhuma ação concreta nesta direção. Em relação às polícias, as ações param no
plano.
O ajuste fiscal sempre teve uma preponderância no processo de
implementação da reforma. Desde os anos 90 uma política mais efetiva de cortes
dos custos vinha sendo postergada. No governo FHC esta necessidade tornou-se
mais premente porque estava fortemente ligada à sustentabilidade do Plano-Real.
(REZENDE, 2004: 71).
As reformas dos anos 1990 foram conduzidas para nortear a
burocracia na direção dos menores custos e melhores resultados objetivando um
ajuste fiscal e uma mudança institucional. Este último objetivava alterar a estrutura
de controle no sentido de mudar os respectivos mecanismos formais. (REZENDE,
2004: 15).
De fato, esta reforma considerou, primordialmente, a questão da
redução dos gastos públicos e dos custos da burocracia.
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5. Custos da Violência
A violência imprime grandes perdas para o País. Reduz o
desenvolvimento econômico e afeta vários indicadores sociais. O capital humano é
consumido pelas elevadas taxas de criminalidade. Os prejuízos decorrentes do
crime podem ser observados na redução da expectativa de vida, no montante de
gastos com saúde, na sensação generalizada de insegurança ou em diversos outros
aspectos do bem-estar individual.
Diversas metodologias e abordagens são utilizadas para se medir o
custo da criminalidade. Do ponto de vista econômico, a violência tem, pelo menos,
três efeitos importantes segundo RONDON (2003: 227). O capital humano é afetado
pela perda direta de vidas e do impacto da insegurança sobre a produtividade do
trabalho. O capital físico é afetado pela utilização de recursos, como mão-de-obra e
equipamentos, para o combate ao crime, e também afeta o nível e a composição dos
preços dos produtos.
O custo da violência atinge todos os níveis governamentais. União,
Estados e Municípios. Nos Estados Unidos, apenas durante o ano de 1992, calculase que vítimas de crimes perderam 17,6 bilhões de dólares em custos diretos
referentes a furtos, arrombamentos, assaltos, estupros e despesas médicas
imediatas. No município do Rio de Janeiro, por exemplo, estimam-se que, em 2003,
os gastos anuais com segurança pública em cerca de 2 bilhões e meio de reais, o
equivalente a 5% do seu PIB.
Receosas de serem vítimas de violência, as pessoas adotam
precauções e comportamentos defensivos na forma de seguros, sistemas de
segurança eletrônicos, cães de guarda, segurança privada, grades e muros altos,
alarmes. Essa estimativa não leva em conta os gastos com segurança privada, bem
como os efeitos que a violência tem sobre os investimentos privados. Se fosse
utilizada metodologia hedônica (como se verá a seguir) para avaliar o efeito que a
segurança tem sobre os valores do uso da propriedade tais como a residência ou o
valor do aluguel destas residências conforme sua localização geográfica, estes
custos aumentariam ainda mais.
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Neste tópico convém ressaltar que só a segurança privada cresceu
enormemente ao lado do avanço da violência, reduzindo a atenção da polícia de
shopping center, bancos, edifícios, fábricas e escolas, que, para isso, tiveram seus
custos aumentados. No Brasil, em 2003, o faturamento das empresas de segurança
privada, com um efetivo estimado de 500 mil vigilantes, ultrapassou os 5 bilhões de
reais. Só os bancos gastaram cerca de 1,5 bilhão de reais e os transportadores de
cargas gastaram de 2 a 3 bilhões de reais naquele ano.
Em Minas Gerais, durante o ano de 1995, o Governo do Estado
gastou 940 milhões de reais com seu sistema de segurança, o que equivale a 10%
do orçamento total daquele ano. “Esse montante poderia ser aplicado para amenizar
outros problemas de setores tais como saúde, educação ou habitação” (BEATO,
2005: 1) confirmando a hipótese inicial deste artigo.
A literatura acerca dos custos da criminalidade é extremamente
recente. Até o início dos anos noventa, existiam poucos textos que abordavam o
tema. Os primeiros estudos buscavam estimar a perda de produção decorrente do
impacto da violência, apenas, sobre o capital humano no País.
Já na década de oitenta, desenvolve-se um modelo de preços
hedônicos para estimar o impacto da violência sobre o preço de imóveis residenciais
em Los Angeles. O resultado obtido indicou que uma duplicação da taxa de
criminalidade em um bairro reduziria o valor dos imóveis entre 8% e 10%. Através da
construção de outro modelo de preços hedônicos, estimam que uma duplicação da
taxa de homicídio provoca uma diminuição de 12,5% no preço de um terreno nas
áreas metropolitanas dos Estados Unidos.
Veja outro exemplo citado por RONDON (2003: 240) acerca do
impacto da criminalidade no valor dos aluguéis calculados para Belo Horizonte no
ano de 1999. A diminuição na taxa de homicídio por cem mil habitantes em 1%
elevaria o aluguel dos domicílios em 0,61%. Então, uma diminuição da taxa de
homicídio de Belo Horizonte para a sua metade levaria a um acréscimo de 12% no
valor dos aluguéis.
A partir de meados da década passada, com o crescimento vertiginoso
das taxas de criminalidade nas principais metrópoles da América Latina,
pesquisadores passaram a tentar quantificar os custos decorrentes da violência.
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RONDON (2003: 240) explica, ainda, que existem três metodologias
principais para mensuração dos custos da violência: os modelos Hedônicos, o
método de Valoração Contingente e o Método da Contagem.
Os
modelos
Hedônicos
buscam
medir
através
de
“cálculos
econométricos” o valor atribuído a bens que não são diretamente vendáveis na
economia. Durante os anos oitenta essa metodologia começou a ser utilizada para
estimar a “quantidade de vontade” dos indivíduos para pagar pela redução no risco
de ser vitimado pela violência. Essa propensão a pagar é obtida a partir da
estimação do impacto da criminalidade sobre o valor de imóveis que são
comercializados diretamente. Geralmente os modelos são sofisticados e complexos.
O método de Valoração Contingente procura estimar o valor que os
indivíduos atribuiriam à redução da criminalidade, se considerasse que a segurança
como um bem comercializável. Consiste na realização de entrevistas selecionadas
por um processo de amostragem. Os entrevistados recebem informações detalhadas
sobre a situação da segurança em sua região e sobre as possíveis alternativas
disponíveis de diminuição das taxas de violência. Assim, obtém-se estimativas do
quanto que os indivíduos aceitariam pagar por melhorias na segurança. Perceba-se
que pagar por melhorias na segurança, resultado deste método, não é a mesma
coisa que pagar pela redução do risco de ser vítima do modelo hedônico.
O
método
da
Contagem,
por
sua
vez,
caracteriza-se
pela
discriminação de algumas categorias de custos. O resultado global equivale ao
conjunto de cada uma das estimativas obtidas. A vantagem deste método é que
permite a realização de estudos com dados parciais. Ou seja, “a ausência de
informações não inviabiliza a contabilização incompleta dos custos” (RONDON,
2003: 245).
As três metodologias descritas acima se completam. Enquanto a
Contagem procura contabilizar os prejuízos decorrentes da violência, os modelos
hedônicos e de valoração contingente fornecem uma medida da disposição a pagar
dos indivíduos por reduções nos níveis de criminalidade.
Para a Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP (BRASIL,
2005), os custos podem ser divididos em econômicos e políticos/sociais. No primeiro
podem ser diretos: “Bens e serviços públicos e privados gastos no tratamento dos
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efeitos da violência e prevenção da criminalidade no sistema de justiça criminal,
encarceramento, serviços médicos, serviços sociais e proteção das residências” e
indiretos: “Perda de investimentos, bens e serviços que deixam de ser captados e
produzidos em função da existência da criminalidade e do envolvimento das
pessoas (agressores e vítimas) nestas atividades”.
Os Custos Sociais e Políticos da criminalidade são os relacionados
aos efeitos não econômicos da criminalidade. Avaliado em termos da incidência de
doenças resultantes da violência (doenças mentais e incapacidade física); mortes
resultantes de homicídios e suicídios; alcoolismo e dependência de drogas e
entorpecentes; desordens depressivas.
Esses efeitos sociais e políticos da criminalidade podem ser
mensurados pela erosão de capital social; transmissão de violência entre gerações;
redução da qualidade de vida e pelo comprometimento do processo democrático.
A vida em Comunidade também é afetada. A incidência da
criminalidade leva a uma redução na intensidade da relação entre as pessoas
resultando na redução na frequência com que os vizinhos se visitam ou conversam;
redução na capacidade de formação de uma identidade de grupo; redução na
vigilância “comunitária” e redução na sensação de segurança.
A redução na qualidade de vida das pessoas também é um fenômeno
resultante do aumento da violência. As pessoas mudam seus hábitos do dia-a-dia na
busca por reduzir o risco a que estariam submetidos. Neste contexto, as pessoas
limitam os locais onde transitam; deixam de ir a locais que gostam; evitam usar
meios de transporte coletivo; evitam sair de casa à noite; gastam altas somas de
recurso na proteção de suas residências e passam a possuir armas e muitas vezes a
andar armadas.
CERQUEIRA (2005) classifica os custos com a violência em Custos
do Estado (Segurança pública: Polícias estaduais, federais e as guardas municipais,
além dos gasto em saúde, Ministérios Públicos, Poder Judiciário criminal, Sistemas
prisionais; Sistemas socioeducativos para menores; Pensões) e Custos Privados
(Custos com perdas materiais, despesa com segurança privada, como grades
utensílios, vigilância, seguro; Custas com processos judiciais; Perda de capital
humano como mortalidade, morbidade ou traumas; Perda patrimonial do setor
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imobiliário como valor venal e aluguéis).
RONDON (2003) faz referência aos Custos Diretos como o valor dos
bens e serviços utilizados na prevenção e no combate ao crime, além dos recursos
destinados à recuperação da saúde das vítimas e ao julgamento e aprisionamento
dos criminosos. Aos não monetários referindo-se aos impactos da violência sobre a
expectativa de vida saudável dos indivíduos. Enquanto os homicídios reduzem a
esperança de vida da população, as agressões e outros delitos contra a pessoa
podem provocar lesões graves, comprometendo a qualidade de vida das vítimas.
Aos efeitos multiplicadores econômicos que representam a influência do crime sobre
os fatores de produção: capital e trabalho. A insegurança afeta a quantidade de
trabalho ofertada assim como o investimento dos jovens em educação. A
produtividade do trabalhador também é reduzida em virtude do medo. Em relação ao
capital, a incerteza provocada pela violência inibe os investimentos privados. E aos
efeitos multiplicadores sociais por incluir, principalmente, a transmissão entre
gerações da violência.
A maioria dos trabalhos realizados até o momento estima apenas os
dois primeiros tipos de custos. Os efeitos multiplicadores econômicos e sociais,
apesar de importantes, são de difícil mensuração.
Por fim, a classificação KHAN (1999) parte da metodologia da
Contagem, dividindo as perdas em três categorias: 1) Gastos efetuados pelo Poder
Público no combate à criminalidade. 2) Gastos efetuados diretamente pelos
indivíduos ou empresas para a compra do bem segurança, acrescidos das perdas e
transferências de patrimônio em função do crime e 3) Valores que deixam de ser
produzidos em virtude da violência.
6. Políticas Públicas de Segurança no Brasil
A proposição de políticas públicas de segurança, no Brasil, é dúbia.
Parte da flutuação provém da crença de que o crime resulta de fatores
sócioeconômicos que impedem o acesso aos meios de subsistência. Esta
deterioração das condições de vida se dá pela restrição ao acesso de alguns setores
da população a oportunidades de trabalho e a bens e serviços, como também na
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permanência em ambiente familiar, escolar e com subgrupos sociais degenerados.
Consequentemente, quaisquer propostas de controle da criminalidade passam,
inevitavelmente, tanto por profundas mudanças sociais, como por reformas do
próprio indivíduo ao se reeducar ou ressocializar criminosos. Passam, também, por
ações de cunho assistencialista que visariam minimizar os efeitos mais imediatos da
carência, além de incutir em jovens candidatos potenciais ao crime, novos valores
através da educação, esportes, ensino profissionalizante, artes e na convivência
pacífica e harmoniosa com seus semelhantes (BEATO, 2005: 1). O Estado, então,
deveria mobilizar organizações que atuam na área da saúde, educação, assistência
social, planejamento urbano e, naturalmente, da segurança.
A bem da verdade o governo federal ao longo destes anos não ficou
totalmente inerte nesta área. Algumas medidas operacionais foram tomadas mas
seus efeitos ainda não se fizeram sentir por boa parte da sociedade. A sensação de
segurança ainda é esperada por ela.
Em 1o de janeiro de 1995 foi criada através da Medida Provisória 813
(depois, em 27 maio 98, transformada na Lei 9.649) a Secretaria de Planejamento
de Ações de Segurança Pública (Seplanseg). Pelo Decreto 2.315 de 04 set 97, a
Seplanseg foi transformada na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
Em 20 de junho de 2000 foi anunciado o Plano Nacional de Segurança
Pública. Naquela oportunidade, foram editadas as Medidas Provisórias nº 2.028, que
abriu o crédito extraordinário no valor de R$ 330 milhões destinado ao Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP) e a de nº 2.029 que instituiu o próprio FNSP,
constituiu o Conselho Gestor do Fundo e determinou que os estados apresentassem
seus Planos Estaduais de Segurança Pública.
Dividido em 15 compromissos, o Plano Nacional de Segurança Pública
(BRASIL, 2004) elencou 124 ações, envolvendo inúmeros temas, como a repressão
ao narcotráfico e ao crime organizado, o controle de armas e a atualização da
legislação sobre segurança pública. Planejamento competente na concepção, mas
falível em boa parte da implementação.
Observe-se, inicialmente, que apesar de bem elaborado, e alcançando
diversos aspectos ligados a criminalidade, o plano limitou-se a estimular ou propor
ações operacionais. A despeito do insucesso de algumas, outras obtiveram êxito.
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Entretanto, nenhuma ação no nível político-institucional foi proposta. Perdeu-se uma
grande oportunidade de se dar um passo na melhor estruturação do sistema de
justiça criminal do Brasil.
Boa síntese do tratamento dispensado a questão segurança pública
no País é o que traz o Coronel José Vicente (BRAUDEL PAPERS, 2005):
Alguns posicionamentos do governo federal são preocupantes porque sugerem
baixa prioridade ao tema. Primeiro, cancelou-se a proposta do Partido dos
Trabalhadores na campanha eleitoral de 2002 de tornar a Secretaria Nacional de
Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, uma secretaria de Estado
ligada à Presidência da República à qual se subordinariam a Polícia Federal e a
Secretaria Nacional Antidrogas para efetiva coordenação da política nacional de
segurança. Logo a seguir o Decreto 4591 de 10 de fevereiro/2003, ao estabelecer
a execução do orçamento no executivo federal, deixou de incluir as atividades de
segurança pública cobertas pela Senasp entre as áreas de "gerenciamento
intensivo", consideradas áreas estratégicas no final do governo anterior. Em
seguida a Senasp teve sua estrutura de cargos reduzida em um terço, da já
insuficiente estrutura anterior de 92 cargos para 59, pelo Decreto 4685 de 29 de
abril/2003, enquanto o Decreto 4670 de 10 de abril/2003 criou a Secretaria
Especial de Aquicultura e Pesca com 236 cargos. Terminado o primeiro semestre
de 2003 o Governo Federal ainda não tinha utilizado 10% do orçamento de 404
milhões de reais para aplicar nas áreas críticas de violência do País através do
Fundo Nacional de Segurança Pública, valor que foi reduzido em 39 milhões para
o orçamento de 2004.É necessário inverter o atual processo em que as
autoridades do Governo Federal, timidamente, preferem investir na integração das
polícias para posterior unificação, empurrando a solução para um futuro incerto.
Assim como ocorreu no projeto de reforma da previdência, deve-se tomar a
decisão, compartilhada com os governadores, de alterar a Constituição Federal,
criando a polícia única e estabelecendo prazos e condições para sua realização.
Incentivos do Fundo Nacional de Segurança Pública poderiam acelerar a
unificação com a aplicação de recursos onde ocorrerem mais avanços.Sem uma
definição concreta e um horizonte de tempo corre-se o risco de que os esforços de
integração apareçam na cúpula das Secretarias, mas sejam boicotados ao longo
das estruturas operacionais e administrativas das polícias. É mais prático se
discutir as bases da nova polícia no Congresso Nacional do que deixar a questão
para 27 discussões nas unidades federativas, onde as polícias resistirão por suas
diferenciadas leis, normas e estruturas.
Considerações Finais
Algo em torno de 1,3 bilhões de reais por dia (valor revisado em 2013)
é o custo estimado da violência no Brasil. Perceba: um valor superior ao envolvido
na reforma da Previdência que tanto mobilizou os governos nos últimos anos. Esses
valores não contemplam o sofrimento físico e psicológico das vítimas, tão ou mais
importante que o valor econômico. Com 3% da população mundial o Brasil concentra
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9% dos homicídios cometidos no planeta. Os homicídios cresceram 29% na década
passada. Entre os jovens esse crescimento foi de 48%. As mortes violentas de
jovens aqui são 88 vezes maiores do que na França. E poucos países sofrem as
ações de terrorismo urbano como as praticadas por traficantes no Rio de Janeiro. O
custo da violência em nossa sociedade “prejudica o próprio desenvolvimento do
País, comprometem instituições e podem ameaçar a estabilidade do Governo”
(BRAUDEL PAPERS, 2005). A questão da violência há muito deixou de ser um mero
conjunto de fatos preocupantes ou um problema setorial do Ministro da Justiça, dos
governadores e suas polícias. O congresso nacional conhece o problema, tem os
meios para promover uma reforma na segurança pública, mas não encara com
disposição as mudanças de que o País precisa. (FRAGA, 2005: 32).
A proposta base desse trabalho, parece ser endossada por muitos.
Veja o que disse RATTON (2005):
O governo federal não disse a que veio nessa área. Parece que o problema da
segurança pública não é prioridade neste País. Não há um comprometimento de
criar uma agenda permanente nessa área. Apenas investir não traz resultados
efetivos porque é preciso pensar o assunto como uma questão de Estado. Quem
faz a política de segurança, de certa forma, são as polícias autonomamente. Nós
temos que pensar a segurança pública no Brasil como um problema de Estado
não de governo.
É preciso adotar políticas sérias no campo do desenvolvimento
econômico, da geração de empregos, saúde, educação, habitação e segurança
pública, para se evitar o aumento da criminalidade. O Estado democrático pressupõe
muitos outros requisitos que não só eleições para escolha dos governantes. Uma
democracia madura pressupõe, além de outras coisas, que “as pessoas não irão
morrer na porta dos hospitais sem atendimento, que crianças não ficarão sujeitas à
sorte para terem acesso a uma incubadora, ou que pessoas tenham que depender
da caridade de seus semelhantes para que possam se alimentar e viver com um
pouco de dignidade”. (ROSA, 2006: 2).
A inversão dos índices de violência permitiria atenuar a sensação de
insegurança e, ainda, destinar progressivamente os gastos de segurança para
outros investimentos sociais ou mais produtivos. O Estado é o principal responsável
pelo processo de civilização dos costumes, “não respeitá-lo é expor a sociedade à
desordem e ao risco de exploração social”. (CORBELINO, 2006).
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Para que haja alguma chance de se reduzir a violência criminal no
Brasil necessário se faz defini-la como uma questão de Estado, não de governo.
Não se tentou, por exemplo, modificações constitucionais que
permitisse as polícias estaduais fazerem o ciclo completo de polícia, condição que
nos alinharia com o modelo adotado em 99% dos paises. Nem uma mudança na
direção da desconstitucionalização da matéria ou que desse a liberdade a cada
Estado para formular o arcabouço institucional das suas polícias.
Nenhuma iniciativa criando, por exemplo, como defendeu Marcelo
Itagiba, Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, 2006) o Ministério da Segurança Pública o qual direcionaria uma
política de segurança pública uniforme e sistemática para todo País. Ou outras um
pouco mais polêmicas como a flexibilização do poder de polícia ou dos serviços
denominados exclusivos que possibilitassem, por exemplo, a privatização dos
presídios ou a contratos de policiais temporários.
Não se pode esperar a reversão dos desequilíbrios econômicos e
sociais para se diminuir a violência no Brasil. Mudanças superficiais não fará
diferença na crise de segurança pública. “A criminalidade violenta em nossa
sociedade é um desafio de competência e esta, depende de talentos e
coordenação de recursos, mas, se não receber prioridade e liderança efetiva, a
população continuará sendo submetida a um dos mais indecentes níveis de
violência do planeta.” (BRAUDEL PAPERS, 2005).
Este desabafo de REBELO apud KRAMER (2006) parece indicado
nesta etapa do trabalho:
Falta repressão e sobra “leniência doutrinária” na maneira com que os
governantes tratam a questão que é hoje uma questão de Estado; que põe em
perigo a soberania nacional e os próprios fundamentos da democracia. Há um
equívoco de concepção da tendência de se atribuir as causas da violência a
desigualdade social. Como consequência, as autoridades se intimidam de fazer
valer o monopólio da força do Estado no combate à criminalidade, com medo de
serem acusadas de agredir os direitos humanos. Os direitos humanos dos
brasileiros estão sendo cotidianamente agredidos, as instituições aos poucos
solapadas pela ação da bandidagem, que estende suas ramificações à economia,
à política e às polícias. A continuar assim, os territórios independentes do crime,
aos quais o Estado não tem acesso, tendem a se ampliar. Até que ponto?
A presidência da república é que deve induzir um processo de mudanças na
legislação e de ações de âmbito nacional, legitimadas pelos anseios da população
sem ter, no entanto, receio de contrariar dogmas e assumir as consequências
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imediatas de um confronto duro em nome de um resultado favorável a
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SCHELP, Diogo. 7 Soluções Contra o Crime. Veja, São Paulo, edição 1928, ano 38,
n 43, p. 62-74 out. 2005.
VERGARA, Rodrigo. A Origem da criminalidade. Super Interessante Especial
Segurança 15 anos, p.9-13, abr. 2002.
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ESTRATÉGIAS INSTITUCIONAIS PARA O POLICIAMENTO 1.
Amaro Tavares de Lima2
Resumo
O presente artigo faz um resgate do trabalho publicado em 1988, pela Universidade
de Harward, e traduzido em 1993 pela Biblioteca da Polícia Militar do Estado do Rio
de Janeiro, de autoria dos pesquisadores Mark H. Moore e Robert C. Trojanowicz,
sobre as estratégias de policiamento desenvolvidas pela polícia norte-americana. O
texto deste estudo se desenvolve ao longo três seções, nas quais se estabelece um
diálogo entre os conceitos propostos por Moore e Trojanowicz e as práticas atuais
da polícia e do sistema de segurança pública brasileiro.
Palavras-chave: Segurança Pública, Estratégias Institucionais, Policiamento.
Introdução
No início dos anos 1980, os Pesquisadores Mark H. Moore e Robert C.
Trojanowicz realizaram estudos sobre os procedimentos adotados pela polícia norteamericana no controle do crime. Em 1988 Moore e Trojanowicz publicaram o artigo
sob o título de “Estratégias institucionais para o policiamento”. Nesse paper os
autores demonstram suas preocupações com o investimento anual de 20 bilhões de
dólares destinados as atividades do policiamento e as estratégias utilizadas pela
polícia para manter a ordem pública. Para eles a concessão de autoridade para os
policiais não deixa de ser mais um recurso transferido dos cidadãos para a polícia.
Moore e Trojanowicz (1993) afirmam que na iniciativa privada, o que define
uma “estratégia institucional” é o estabelecimento de metas financeiras e sociais que
a empresa necessitará atingir. E que no caso das Agências públicas, inclusive as
encarregadas pela aplicação da lei e manutenção da ordem, os executivos não têm
1
Originalmente o texto foi publicado pelo Instituto Nacional de Justiça, do Departamento Nacional de
Justiça e do Programa de Políticas em Justiça Criminal e Administração. Escola de Governo John F.
Kennedy, Universidade de Harward. Novembro de 1988 – nº 6. No Brasil o artigo, traduzido para o
português, foi publicado em 1993 no “Cadernos de Polícia” n° 10, da Polícia Militar do Estado do Rio
de Janeiro.
2
Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar de Pernambuco. Bacharel em Ciências
Contábeis (UFPE), Educador com Especialização (UFRPE); Mestre em Ciência Política pela UFPE.
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as mesmas preocupações e perspectivas dos executivos privados. Isto porque os
objetivos e os procedimentos das instituições públicas estão estabelecidos em
normas e protocolos, que mesmo desatualizados, permanecem em vigor por longo
tempo. Em relação ao policiamento, os saberes e habilidades acumulados durante
50 anos indicavam a necessidade de que fossem estabelecidas novas concepções
para a atividade policial. E que, para romper com as estratégias tradicionais, os
executivos inovadores teriam que estabelecer objetivos claros, utilizar recursos
próprios e buscar nas comunidades que policiavam o apoio e a legitimidade para os
seus projetos.
Finalmente, os autores declaram que o objetivo da pesquisa por eles
realizada “é facilitar a busca de uma estratégia institucional de policiamento que
possa lidar com os principais problemas que afligem as comunidades urbanas: o
crime, o medo, as drogas e a decadência urbana”. Moore e Trojanowicz analisaram
as limitações da estratégia institucional do policiamento durante os últimos 50 anos,
caracterizada pela “luta profissional contra o crime”, e propuseram o aprofundamento
de outros conceitos que, na época, estavam sendo discutidos na Harwars’s
Executive Session on Policing: “policiamento estratégico”, policiamento por
resolução de problemas”, e “policiamento comunitário” (MOORE e TROJANOWICZ,
1993, p. 66 e 67). Neste trabalho procuramos resgatar os conceitos propostos por
Moore e Trojanowicz, a fim de cotejá-los com as práticas da polícia brasileira, em
especial aquelas desenvolvidas em Pernambuco. O texto é composto por esta
introdução, quatro seções onde desenvolvemos resenhas dos estudos de Moore e
Trojanowicz, uma contemporização com as práticas atuais e, finalmente, uma seção
onde apresentamos nossas considerações. Nessa perspectiva, lembramos que o
modelo organizacional da polícia americana não coincide com a estrutura brasileira.
E para uma melhor compreensão, levando o atual nível de profissionalização da
atividade policial, sempre nos referiremos a estratégia e/ou policiamento da luta
profissional contra o crime como “policiamento tradicional”, vez que na sociedade
brasileira as práticas dessa estratégia predominam enormemente em relação às
outras três.
Ademais, para uma melhor compreensão deste paper impõe-se as seguintes
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explicações sobre os significados de alguns termos que utilizaremos no
desenvolvimento deste texto. O primeiro é “policiamento”, que será empregado no
sentido de atividade policial, quer seja da polícia judiciária, quer seja da polícia
administrativa. O vocábulo “estratégia” terá o significado de conduta policial
resultante de planejamento metodológico para a atividade da polícia. Enquanto que
o termo “estratégico” deve ser compreendido e entendido como designativo para a
atuação policial a um nível de
atividade complexa e abrangente, que exige
cooperação entre agências, inclusive de outros países, alta qualificação dos agentes
policiais, meios específicos, e mudanças estruturais nas instituições e nos
procedimentos operacionais para ações implementadas contra o crime organizado
transnacional, ou que exijam as mesmas qualificações e meios para as resoluções
de crimes no âmbito interno do Estado nacional.
Dessa forma o “policiamento estratégico” conceituado por Moore e
Trojanowicz assume uma relevância diferente daquela proposta por aqueles
Pesquisadores, em face do surgimento de uma criminalidade complexa, sofisticada
e globalizada, acrescentada e/ou associada ao terrorismo, e com recursos
econômicos capazes de confrontar o Estado. E sem me aprofundar conceitualmente,
identifico uma atividade policial clássica, que mesmo sem a abrangência da
criminalidade organizada globalizada, em suas intervenções cotidianas, os seus
agentes necessitam de qualificações específicas para atuarem na segurança pública
interna. A essa atividade chamo de “policiamento especial ou especializado”, em
face da sua importância nas resoluções e/ou encaminhamentos das soluções dos
delitos, e em exigir habilidades e tecnologias exclusivas dos seus agentes. Nesse
caso, pode-se enumerar as unidades encarregadas do policiamento de trânsito, de
meio ambiente, de Inteligência, antissequestro, antibombas, dentre outras, as quais
exigem dos seus agentes treinamento e conhecimento de legislação especifica. E,
fundamentalmente, as atividades de polícia científica, que pela qualificação
pluridisciplinar dos seus quadros, imprescindível para a formulação da prova técnica,
é essencial para a resolução dos crimes de toda natureza, e que não são
classificados como “crime organizado”.
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1. Estratégia da luta profissional contra o crime. Policiamento Tradicional
O que fundamentalmente distingue o policiamento tradicional é seu objetivo
da “luta contra o crime”. Essa estratégia se caracteriza pela centralização das ações;
a exigência de uma base territorial; disciplina militar; afastamento da comunidade, e
ausência de iniciativa para atender ocorrências. O policiamento profissional é
essencialmente reativo. (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p.73). E por suas
características gerais diz respeito ao policiamento de patrulhas, ou policiamento
ostensivo, que no Brasil é realizado pela Polícia Militar. Em relação a atividade
investigativa, de competência da Policia Civil, ela impõe uma postura procedimental
inquisitorial exclusivamente legalista, excluindo as variáveis econômicas e
sociológicas que possam interferir na conduta criminosa. As frações policiais são
orientadas para não se aproximarem da comunidade, a fim de não sofrerem
interferências e não contaminarem as ações da polícia com a influência maléfica dos
criminosos locais. O trabalho é limitado a uma área geográfica e exige a retaguarda
de uma central de comunicações que recebe as demandas dos cidadãos e controla
as atividades das patrulhas, sob uma disciplina militar ou militarizada. No
policiamento tradicional, o policial é um generalista e tem como objeto de sua
atuação reativa o contraventor, o infrator penal, pessoas cujas posturas sugerem ou
colocam em risco a tranquilidade pública e que na rotina policial são classificadas
como “suspeitos”. O policiamento é realizado cotidianamente por patrulhas
motorizadas com itinerários previamente definidos, mas com alvos aleatórios. Essa
estratégia também revela a crença na ação preventiva, na medida em que a
ostensividade das patrulhas possa inibir as ações de delinquentes e estimulem o
sentimento de proteção policial sobre o cidadão ordeiro, mesmo que estes não
tenham nenhuma relação individual ou institucional com os policiais (MOORE e
TROJANOWICZ, 1993, p. 73 e 77).
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2. Policiamento Estratégico
A atuação do Policiamento Estratégico é voltada para a dissuasão do crime
organizado; crimes do colarinho branco; tráfico de drogas, de órgãos e de pessoas;
crimes de informática; assassinatos em série; criminosos profissionais; quadrilhas e
bandos com relativo grau de organização e com atuações regionais. A estrutura é
centralizada, tem por objetivo o controle do crime e utiliza-se da tecnologia do
conhecimento, além de policiais treinados para operações especiais e de risco, que
são poupados das “demandas ordinárias” (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 77 e
78).
O policiamento estratégico utiliza patrulhas direcionadas especificamente para
realizar “operações de chamariz para pegar ladrões de rua e operações relâmpagos
para interromper roubos a residências”. Os Pesquisadores também sugerem que o
policiamento estratégico reconhece a comunidade como um “importante instrumento
de auxílio para a polícia”. E que essa importância reside na disposição da
comunidade, através de suas instituições locais e dos seus moradores em aceitarem
as orientações de segurança propostas pela polícia, as quais estariam voltadas para
a prevenção de delitos, na medida em que reduzissem as oportunidades dos
delinquentes praticarem suas ações delituosas. Ou seja: nessa estratégia, a
comunidade é um ator passivo. Aos cidadãos resta apenas o papel de seguirem as
orientações estabelecidas pela polícia, sem questioná-las. Por outro lado, na busca
por eficiência e eficácia, a Polícia fortalece as atividades investigativas e de
inteligência. E para controlar as ações de membros delinquentes da comunidade, a
instituição desenvolverá mecanismos voltados para inibir as influências dos cidadãos
e fugir ao controle dos políticos locais, que de alguma forma poderão interferir
negativamente nos trabalhos policiais (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 77, 78,
80, 90 e 91).
Moore e Trojanowicz explicam que as intervenções policiais nas áreas que
ultrapassam os limites municipais, as unidades locais deverão se unir às unidades
regionais melhor aparelhadas e com policiais mais bem treinados. Eles sugerem que
a associação dos órgãos locais com os regionais é importante, pois amplia a ação
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policial. Os Pesquisadores também afirmam que para fugir a influência de criminosos
poderosos, a polícia, tanto nas regiões metropolitanas, como em áreas rurais,
formaliza alianças com agências federais de segurança pública e com o poder
judiciário, a fim de eliminar os contatos com os policiais locais, que seriam mais
facilmente sugestionáveis.
É bem verdade que as expectativas e os conceitos apresentados por Moore e
Trojanowicz são para a polícia norte-americana, que tem um modelo organizacional
bem diferente da polícia brasileira. Entretanto, respeitando as diferenças
organizacionais, no Brasil também encontramos Agências responsáveis pelo
policiamento estratégico nas estruturas de corporações estaduais e federais. No
âmbito dos Estados federativos estão as delegacias especializadas das polícias
civis, e as unidades de Inteligência e de operações especiais das policias militares.
Na esfera da União está a Polícia Federal, responsável pela apuração dos delitos
federais, o combate ao narcotráfico, ao crime organizado e os delitos interestaduais.
A Polícia Rodoviária Federal também possui unidades de Inteligência e operações
especiais. Os recursos do policiamento estratégico também têm sido utilizados pelas
Agências de controle interno e externo da atividade policial. E tanto as Corregedorias
quanto o Ministério Público têm se valido dessa estratégia com bastante eficiência, a
fim de apurar e reunir provas contra as administrações fraudulentas e os desvios de
conduta de policiais e outros servidores públicos. Moore e Trojanowicz enfatizam
que o policiamento estratégico exige um trabalho investigativo de excelência. E ao
lidar com grupos criminosos poderosos, inclusive transnacionais e com autoridades
públicas dos três Poderes e nos três níveis de governo, os seus Agentes ficam
expostos as pressões e ações do poder econômico e penalidades funcionais
subjetivas. Por isso, os policiais envolvidos nas ações do policiamento estratégico
sempre estão a pleitear independência e garantias funcionais (MOORE e
TROJANOWICZ, 1993, p. 78, 79, 80, 90 e 96) 3.
3
Sobre este assunto, ano passado o Governo Federal sancionou a Lei 12.830, de 20 de junho de
2013, que assegura aos delegados de polícia, na qualidade de autoridades policiais, a condução das
investigações criminais, a não avocação ou redistribuição do inquérito policial, ou outro procedimento
investigativo e, também a remoção sem um ato plenamente fundamentado.
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3. Policiamento por Resolução de Problemas.
O policiamento por resolução de problemas, assim como o policiamento
estratégico, para Moore e Trojanowicz é um avanço nos procedimentos do
policiamento tradicional. Todavia, enquanto o policiamento tradicional e o
policiamento estratégico pretendem controlar o crime pelo seu esclarecimento e a
responsabilização dos infratores, a estratégia do policiamento por resolução de
problemas sugere que os delitos podem ser resultantes de problemas específicos
que ocorrem na comunidade, mas que ainda não foram percebidos pela polícia. E
enquanto o policiamento tradicional e o estratégico estão voltados para controlar os
criminosos profissionais ou contumazes, a estratégia do policiamento por resolução
de problemas busca identificar pessoas e bandos que embora não sejam
qualificados como profissionais, eventualmente ou até costumeiramente provocam
desordens e delitos que comprometem o sossego público. Para isso, os autores não
descartam os instrumentos e procedimentos coercitivos de que dispõe a polícia.
Contudo, paralelamente, deve existir um esforço para compreender situações
específicas presentes nas comunidades, as quais podem ser inibidas através da
intervenção policial preventiva antes que se transformem em ações criminosas
(MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 80 e 81).
Essa possibilidade estimula a polícia a desenvolver novas formas de controlar
o crime, que não se resumam apenas ao lançamento de patrulhas, investigação e
detenções. Para os Autores, os desentendimentos “entre pais e filhos; entre
inquilinos e proprietários; entre comerciantes e clientes, e entre viciados”, devem ser
mediadas antes que evoluam para uma contravenção ou fato mais grave exigindo a
intervenção da polícia através de “detenções e dos indiciamentos”. Moore e
Trojanowicz sugerem que a polícia deve usar a sua autoridade pública e ministrar
uma ação corretiva logo no primeiro caso de reincidência, evitando, dessa forma,
que as relações entre as partes se deteriorem mais (MOORE e TROJANOWICZ,
1993, p. 81 e 82).
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Os Pesquisadores salientam que a Estratégia do Policiamento por Resolução
de problemas exige a aproximação da polícia com as agências municipais, a fim de
que estes órgãos adotem posturas que favoreçam a ordem pública. As autoridades
municipais devem exercer o controle de ruídos provocados por estabelecimentos
comerciais, como os bares, e do trânsito. As comunidades devem ser estimuladas a
cuidar dos seus equipamentos sociais, das praças, dos locais de lazer, etc.
Protegerem as crianças, para que os seus espaços não sejam ocupados pelos
adolescentes, evitarem suas permanências em locais de risco e assistirem os idosos
em suas necessidades. Os órgãos públicos responsáveis pelo controle das
construções devem ser incentivados a melhorarem a qualidade das cercas e grades
de forma a inibir as incursões de “delinquentes predatórios”. Enquanto que os
imóveis desabitados devem ser lacrados, a fim de não serem utilizados como refúgio
de gangues e viciados em drogas (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 82 83).
A implementação desta Estratégia implicará em mudanças procedimentais e
estruturais na organização da polícia “na medida que a resolução de problemas
depende da iniciativa e da habilidade dos policiais em definir os problemas e achar
as soluções”. Assim, para que essa Estratégia obtenha sucesso, é necessário que a
estrutura da polícia seja descentralizada e o conhecimento do policial de linha (que é
um generalista e conhece os pormenores da comunidade onde atua) seja levado em
conta no planejamento e na execução das ações a serem desenvolvidas tanto nos
serviços
de
patrulhas
como
nas
atividades
investigativas
(MOORE
e
TROJANOWICZ, 1993, p. 90 e 91).
4. Policiamento Comunitário
O Policiamento Comunitário constitui-se em mais uma estratégia para a
redução de crimes. Para isso reivindica a parceria com a comunidade como forma
de buscar a excelência do controle da criminalidade. Moore e Trojanowicz admitem
que alguns estudiosos “veem pouca diferença entre a estratégia do policiamento por
resolução de problemas e o policiamento comunitário”. Para esses estudiosos a
“resolução de problemas” seria apenas uma das “técnicas” utilizadas pelo
policiamento comunitário. Todavia, os Autores contestam e afirmam que existe
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diferenças entre uma estratégia e outra. Para eles as diferenças fundamentais se
revelam pela importância atribuída a “relação ao status e ao papel desempenhado
pelas instituições comunitárias nos arranjos institucionais constituídos para aumentar
a participação da comunidade” (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 84).
No policiamento comunitário, o desenvolvimento de ambientes tranquilos e
seguros é resultante da parceria construída entre a polícia e as instituições da
comunidade, tais como escolas, associações de bairros, associações comerciais,
clubes de serviços, etc. Ou seja, o sucesso da polícia não depende apenas das suas
habilidades e de seus recursos. O sucesso da polícia depende, solidariamente, dos
recursos operacionais e políticos da comunidade. Mas os Autores também
reconhecem que a comunidade sozinha não obteria sucesso no controle do crime e
no estabelecimento da ordem pública sem o concurso de “uma força policial
profissional e preparada”. Dessa forma, a polícia deve estar aberta e estimular a
participação da comunidade para as conquistas dos objetivos comuns. Nesse
aspecto Moore e Trojanowicz afirmam ser “importante também que a polícia procure
o desenvolvimento e a proteção dessas instituições, em parte como um meio e em
parte como um fim”. E concluem que “a polícia deve reconhecer que ela trabalha
para a comunidade, tanto quanto para a lei e para o seu próprio desenvolvimento
profissional” (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 84 e 85).
Moore e Trojanowicz (1993) lembram ainda, que no policiamento por
resolução de problemas “a polícia detém grande parte da iniciativa na identificação
dos problemas e na proposta de soluções para a comunidade”. De outra forma, no
policiamento comunitário, “os pontos de vista da comunidade adquirem status
maior”. A priorização dos problemas e as sugestões da comunidade, quanto aos
procedimentos a serem adotados pela polícia, são levados em consideração no
planejamento e na execução do policiamento (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p.
85 86).
No dia a dia, as patrulhas do policiamento comunitário realizam incursões a
pé e são estimuladas a manterem contatos pessoais com os moradores do
quarteirão e proporcionar-lhes a sensação de segurança pela proximidade da
polícia. Além disso, deverão ser criados “grupos consultivos comunitários”, a fim de
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avaliar as dificuldades da polícia e buscar soluções compartilhadas para que os
serviços não sofram solução de continuidade (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p.
86).
Mas, como não poderia deixar de ser, o policiamento comunitário impõe
mudanças nos comportamentos dos executivos da Polícia e exige planos de ensino
e de instrução atualizados e orientados para instituir e aprimorar as relações do
policial com a comunidade e os comandos descentralizados. Porém essas
mudanças procedimentais não são fáceis, elas sempre provocam dificuldades para a
Polícia. Para Moore e Trojanowicz o desenvolvimento da estratégia do policiamento
comunitário implica no “inevitável envolvimento da Polícia em emergências médicas
e sociais”. Os autores lembram que enquanto na estratégia do policiamento
tradicional, o envolvimento da Polícia em ocorrências familiares e assistenciais “é
considerado como um perigoso desvio da verdadeira missão da polícia”, no
policiamento comunitário, o envolvimento da Polícia na solução desses eventos são
vistas de forma positiva, haja vista “proporcionarem uma base para desenvolver um
relacionamento de trabalho com a comunidade”. Nesse sentido, o esforço da Polícia
em colocar recursos para desenvolver programas educacionais de prevenção de uso
de drogas, educar e punir motoristas embriagados, de controle da violência em
escolas e resolução da ociosidade dos alunos, revela a escolha da Polícia pela
estratégia do policiamento comunitário (MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 86, 87
e 91).
Esta resenha do texto de Moore e Trojanowicz revela contextos em que a
Polícia poderia atuar dentro de seus limites nacionais, sem a preocupação diuturna
com a criminalidade globalizada e o terrorismo internacional. Entretanto o problema
da polícia brasileira não se resume apenas ao crime organizado e criminalidade
difusa do dia a dia: falta maior rigor nas metodologias para o planejamento e a ação
policial. A polícia brasileira de um modo geral é reativa e as tentativas de inovações
tem sido tolhidas pelo quadro geral de falências em outros seguimentos da atividade
estatal, apesar de algumas experiências exitosas como a “operação desarmamento”
iniciada em Pernambuco na primeira metade dos anos 1990, e que apoiada pela
sociedade, em 2003 resultou no Estatuto do Desarmamento, tornando-se uma
política de Estado. Contudo, na ausência de um marco teórico claro, que oriente o
desenvolvimento metodológico para a atuação das Forças de Segurança Pública, as
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pesquisas de Moore e Trojanowicz se constituem primorosas fontes secundárias
para instruírem a formulação de conceitos inovadores e práticas policiais modernas
para a atividade de linha. No quadro abaixo apresentamos um resumo com as
principais características das quatro Estratégias do Policiamento.
ESTRATÉGIAS
LUTA CONTRA O POLICIAMENTO
CRIME
ESTRATÉGICO
(TRADICIONAL)
POLICIAMENTO
POR RESOLUÇÃO
DE PROBLEMAS
POLICIAMENTO
COMUNITÁRIO
Controle
preventivo do
crime
Polícia e
comunidade
CARACTERÍSTICA
OBJETIVOS
PLANEJAMENTO
E EXECUÇÃO
Combate ao
crime
Combate ao
crime
Controle e
combate ao
crime
Polícia
Polícia
Polícia
ESTRUTURA
FORMAÇÃO
POLICIAL
Centralizada
Centralizada Descentralizada Descentralizada
Generalista
ÁREA DE
ATUAÇÃO
Determinada
Especialista
Local de
atuação dos
criminosos
Generalista
Determinada
e/ou Área de
crise
Generalista
Determinada
RELAÇÕES COM
A COMUNIDADE
Não
Não
Ocasional
Permanente
OCORRÊNCIAS
ASSISTENCIAIS
Não
Não
Não
Sim
Mediação;
atividades
educativas,
diagnostica
problemas;
propõe
soluções;
Prisão,
detenção,
indiciamento
Comunidade;
patrulheiro do
quarteirão.
TIPO DE
INTERVENÇÃO
Prisão,
detenção,
indiciamento.
Prisão,
detenção,
indiciamento
CONTRIBUIÇÃO
PARA O
PLANEJAMENTO
Executivos
policiais
Atividade de
Inteligência
Mediação;
diagnostica
problemas;
propõe
soluções;
Prisão,
detenção,
indiciamento
Patrulheiro da
área ou
quarteirão.
RESUMO DAS CARACTERISTICAS ESTRATÉGIAS DO POLICIAMENTO
O resumo demonstra de forma sintética que embora existam características
específicas, a maioria delas pode estar presentes numa e n’outra Estratégia.
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5. Contemporização entre a Teoria e a Práxis policial.
No Brasil a prática do policiamento tradicional é consolidada e a maioria
dos planejadores e executivos policiais resistem as novas estratégias. Todavia,
embora se reconheça a necessidade que a Polícia tem para ser modernizada,
muitos policiais avaliam que algumas dessas propostas rotuladas como inovadoras
são receitas antigas do policiamento tradicional. Essas avaliações se confirmam nos
estudos de Moore e Trojanowicz, que também identificaram ações do policiamento
tradicional que foram percebidas em uma e outra estratégia. Essas práticas, por
exemplo, podem ser percebidas no policiamento interiorano, onde o policial é natural
da cidade ou da região, e está perfeitamente ambientado com os costumes locais,
em muitos casos ligados afetivamente por laços familiares, e se relacionam
perfeitamente com os membros da comunidade. Essa praxe em uma estrutura de
policiamento tipicamente tradicional pode perfeitamente ser classificada como de
policiamento interativo. Contudo, a criação de modernos centros integrados de
comunicações, como o CIODS4, também é um indicativo que as antigas estruturas
ainda resistem à descentralização. Os bloqueios em vias públicas e as blitzen em
bairros periféricos, onde residem as camadas mais pobres da população, e as
detenções por suspeição são típicos exemplos de policiamento tradicional.
No final dos anos 1990, a necessidade de responder com ações eficientes à
criminalidade
crescente,
estimulou
alguns
governantes,
pesquisadores
e
especialistas a conhecerem o programa “Tolerância Zero”, de Nova York. Esse
programa implantado na gestão do Prefeito Rudolph Giuliani em 1994, foi apontado
como o fator determinante para a redução dos crimes em Nova York. Entretanto,
além de Nova York, outras cidades americanas que haviam implantado o
policiamento comunitário e outras em que nenhum esforço de mudança havia sido
realizado, os registros de crimes vinham caindo desde o início da década. Para
Benoni Belli (2004), a Tolerância Zero reforçou a “retórica de guerra e as
demonstrações espetaculares de força, o que resultou em maior número de choque
entre policiais e civis”. E como se não bastasse, foram identificados relatórios
4
Centro Integrado de Operações de Defesa Social.
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policiais falseados que transformaram delitos graves em ocorrências de menor
potencial. Ocorrências de roubos foram registradas como furto, e “certos homicídios”
foram transformados em “suicídio”. Essa política “é a expressão, no campo da
gestão policial da segurança pública, de um contexto em que prevalece a descrença
na reabilitação, na busca das causas do crime, na transformação de estruturas
sociais, na superação da exclusão produzida e reproduzida diariamente nas
relações sociais”. A Tolerância Zero é a negação da “reabilitação do criminoso” e por
isso reforça a “hiperinflação carcerária” (BELLI, 2004, p. 74 e 76). Essa estratégia,
como logo se percebe, vai de encontro aos anseios da sociedade brasileira que
deseja uma relação com a polícia sem conflitos e defende a ressocialização do
apenado.
Em São Paulo, pesquisas realizadas por Túlio Kahn (2002) revelaram que em
determinadas circunstâncias o policiamento tradicional e o policiamento comunitário
não alteravam o nível de satisfação das comunidades. Em alguns casos o
policiamento tradicional era preferido pela comunidade, que o achava mais eficiente,
embora o policiamento comunitário transmitisse mais confiança na Polícia Militar.
Esse resultado levou o Pesquisador a concluir que “o policiamento tradicional,
patrulhamento ostensivo direcionado ou aleatório, respostas rápidas a chamados
telefônicos, investigação criminal, etc. – não deve, de modo algum, ser deixado de
lado e simplesmente substituído pelo Policiamento Comunitário” (KAHN, 2002, p. 24,
26 e 39).
Em relação ao Policiamento Estratégico, na época em que Moore e
Trojanowicz realizaram seus estudos, as “operações de chamariz para pegar ladrões
de rua e operações relâmpagos para interromper roubos a residências” até que
poderiam ser incluídas nessa estratégia. Porém, com a globalização, o avanço
tecnológico acessível aos grupos criminosos, o narcotráfico empresarial, o mercado
subterrâneo de armas, o tráfico de órgãos e de pessoas, e a corrupção no setor
público, as operações do tipo “chamariz” já não devem ser classificadas como
policiamento estratégico. Hoje em dia, elas podem perfeitamente ser incluídas no rol
das atividades do policiamento por resolução de problemas.
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A classificação de policiamento estratégico deve ser atribuída a atividade
policial que exige um elevado grau de sofisticação do ato criminoso e da qualificação
dos policiais. O combate ao crime organizado, ao terrorismo, à corrupção
envolvendo corporações econômicas e autoridades públicas governamentais exigem
da polícia uma metodologia extremamente apurada na solução desses delitos, quer
sejam eles materiais ou virtuais. Isso implica que além da formação policial, os
agentes devem ter conhecimento multidisciplinar e habilidades específicas para
interagir em cooperação com outras agências do Estado e da sociedade civil,
notadamente do Mercado. Não há aqui nenhum demérito as demais estratégias do
policiamento, contudo o combate às instituições criminosas exige ações, atividades
e estratégias complexas, por vezes de longa duração, que implicam em dedicação e
preparo mais avançado dos agentes envolvidos nas resoluções desses crimes de
alta complexidade. São crimes do colarinho branco, tráfico de armas, de pessoas e
de órgãos; tráfico de drogas; pirataria marítima; contrabando de pessoas, de
medicamentos e materiais; crimes cibernéticos, que envolvem roubos de
identidades, fraudes virtuais, pornografia infantil, e que, de um modo geral,
ameassem a própria soberania do Estado de Direito.
Sobre o Estado de Direito Norberto Bobbio (1992) o define como aquele “onde
funciona regularmente um sistema permanente de garantias aos direitos do homem”.
E que para ele, “existem Estados de direito e Estados não de direito”. O Autor
italiano afirma que os Estados não de direitos são aqueles que postergam a
instituição da proteção jurídica aos direitos do homem. E defende que no Estado de
direito, o indivíduo é um sujeito de direitos. E que o “Estado de direito é o Estado dos
cidadãos”. (BOBBIO, 1992. Pg. 24, 41 e 61). Daí porque é necessário que os
infratores sejam denunciados, julgados e responsabilizados. Para isso o Estado terá
que fortalecer as suas Instituições, a fim de impor o seu poder e fazer com que se
cumpram as suas leis, em observância aos princípios constitucionais. Isto porque,
conforme Bobbio, “a dissolução de um Estado começa quando as leis não são mais
genericamente obedecidas e quando os órgãos executivos não são mais capazes de
fazer com que sejam respeitadas” (BOBBIO, 2000, Pg.138).
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Moisés Naím (2006), em seu livro “Ilícito”, informa que em 2004, a CIA 5
“anunciou que identificara 50 regiões ao redor do mundo sobre as quais os governos
centrais exerciam pouco ou nenhum controle e onde os terroristas, contrabandistas e
criminosos transnacionais encontravam um ambiente favorável.” (NAÍM, 2006, Pg.
32). N’outro parágrafo, Naím afirma que em muitos casos, traficantes chegam a
compartilharem a soberania dos Estados. E que em “muitas áreas metropolitanas –
Rio de Janeiro, Manila, Cidade do México, Bangkok, Cairo -, grandes e populosas
regiões da cidade encontram-se, na prática, sob o controle das redes de tráfico e
criminosos, e não do poder local” (NAÍM, 2006, Pg. 259).
As conclusões de Moises Naím são verdades constatadas pela sociedade
brasileira, faz três décadas. Carlos Amorim (1993) relata que para subir o Morro do
Juramento durante a campanha eleitoral de 1986, o então candidato a governador
Moreira Franco teve que obter autorização do chefe do Morro José Carlos Encina, o
“Escadinha”, que estava preso em Bangu Um. (AMORIM, 1993, Pg. 211 a 215). Em
1996, a equipe de produção de Michael Jackson negociou diretamente com “Juliano”
- codinome atribuído por Caco Barcelos (2003), no seu livro “Abusado. O dono do
Morro Dona Marta”, a Marcinho VP – para que fossem realizadas as filmagens de
um clipe do astro mundial (Barcellos, 2003, pg. 328). Os exemplos do Rio de Janeiro
são citados por serem mais explícitos e ter chamado a atenção da sociedade
internacional. Contudo, há notícias de que existem áreas periféricas das grandes
cidades brasileiras onde eventualmente imperam “toques de recolher”, e que nem
sempre têm a divulgação necessária em face da “lei do silêncio” a que estão
submetidas essas comunidades.
Entretanto, tão grave, ou até mais grave, quanto a criminalidade dos “sem
colarinhos” é a corrupção que envolve altas autoridades governamentais. Os casos
de desvios de verbas públicas que envolvem o Deputado Paulo Maluf 6, do
Banestado, do “Mensalão”, do “Cartel dos trens” em São Paulo, da Petrobras,
Operação Lava-jato, dentre outras que revelam a promiscuidade de atores políticos
com a criminalidade organizada, ameaçam e usurpam cotidianamente os direitos
dos cidadãos comuns, os quais têm suas oportunidades a uma educação de
5
6
Agência de Inteligência dos Estados Unidos.
“O dinheiro sujo da corrupção. Porque a Suíça entregou Maluf”. Livro de Rui Martins.
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qualidade, serviços de saúde, mobilidade, moradia, saneamento e trabalho
reduzidas e até mesmo anuladas. Diante desses desafios contemporâneos, a
Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção de Palermo7, definiu “grupo
criminoso organizado”, como “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente
há mais tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou
mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a infração de
obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material” 8.
Rodrigo Carneiro Gomes (2009), estudando o conceito de crime organizado
internacional, esclarece que a “natureza transnacional do delito” é fundamental para
a compreensão do conceito de crime organizado, e das ações conexas “porque
assim figura no texto da Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado
Transnacional (Convenção de Palermo)” (GOMES, 2009, p. 20). Mas no Brasil, a
legislação não considera a transnacionalidade como um elemento fundamental para
a conceituação de crime organizado, desde que os outros fundamentos estejam
evidenciados9. Mesmo assim, a partir da promulgação da Convenção de Palermo e
de outros entendimentos internacionais com finalidades de combater o tráfico ilícito
de entorpecentes e substancias psicotrópicas; contra a fabricação e o tráfico de
armas de fogo, munições e explosivos e outros materiais correlatos, a Convenção
das Nações Unidas contra a Corrupção, impeliram mudanças na legislação
brasileira, e reformas administrativas nas estruturas dos Ministérios da Justiça e da
Fazenda; da Controladoria Geral da União, e especificamente no Departamento de
Policia Federal (DPF), tudo com objetivo de elevar o desempenho das instituições
brasileiras no âmbito nacional e internacional (GOMES, 2009, p. 21 e 22).
No Brasil, o referencial de policiamento estratégico é o desempenho da
Polícia Federal. As operações investigativas que exigem excelência de qualificação
dos policiais, da atividade de inteligência, recursos de Tecnologia da Informação (TI),
os grupos especiais instituídos para ações antiterrorismo e crime organizado, e
7
Promulgada pelo Estado Brasileiro através do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.
Art 2, alínea a) da Convenção de Palermo.
9
O Art 1º, § 1º da Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, define organização criminosa como “a
associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4
(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
8
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integração com outras agências governamentais e da sociedade civil, sobretudo do
Mercado, são típicas do policiamento estratégico. A complexidade do planejamento e
a execução dessas operações exige capacidade técnica diferenciada e postura
republicana dos policiais. Os esforços da Atividade de Inteligência permitem aos
policiais envolvidos terem acesso a conhecimentos sensíveis, capazes de provocar
transtornos operacionais e institucionais e até desvios de condutas. Dessa forma, o
acompanhamento do Ministério Público, em todas as fases das operações, e o apoio
do Poder Judiciário são imprescindíveis. Contudo, é necessário que as instituições
policiais e sobretudo os órgãos de controle interno, comandos e chefias estejam
atentos ao desempenho dos agentes envolvidos nessas operações estratégicas, a
fim de coibirem os excessos e desestimularem a formação de “castas”.
O Policiamento por Resolução de Problemas, como afirmam Morre e
Trojanowicz, seria uma evolução do policiamento tradicional. E hoje poderá ser
nomeado de “Policiamento por Repressão Qualificada”. Os seus recursos são
semelhantes ao do policiamento tradicional, porém o seu emprego é direcionado.
Não é aleatório como o tradicional. Esta estratégia exige da polícia uma maior
habilidade para diagnosticar os problemas e um estoque mais amplo de respostas
para solucionar crises sem a necessidade de realizar prisões e indiciamentos
(MOORE e TROJANOWICZ, 1993, p. 81). Dessa forma, mesmo que os policiais
encarregados pela execução do policiamento sejam generalistas, a instrução deve
contemplar conhecimentos necessários a sua aproximação com as sociedades
locais, capacidade de observação e formulação de relatórios sobre o cotidiano das
comunidades. Outra característica dessa Estratégia é a sua capacidade de
mediação, que deve ser utilizada na resolução de pequenos conflitos que ocorrem
na comunidade. No dia-a-dia essas mediações se revelam pelas intervenções da
polícia ostensiva em que os comandantes de patrulhas promovem a conciliação
entre os envolvidos e que são encerradas como “resolvida no local”. No âmbito da
polícia investigativa, as conciliações coordenadas pelos comissários na busca de
soluções consensuais para crises de menor potencial, também são exemplos de
mediações que podem ser classificadas como policiamento por Resolução de
Problemas.
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Skolnick e Bayley (2002) afirmam que o objetivo do policiamento de patrulhas
é atender o maior número de ocorrências no menor espaço de tempo. Disso resulta,
que o atendimento é superficial, embora seja importante e necessário diante das
ocorrências que exigem pronto-atendimento em face do risco a que o cidadão pode
estar submetido. Mas essas intervenções não resolvem os problemas da (in)
segurança pública, os quais são encaminhados para outras pessoas que deverão
oferecer soluções em longo prazo. Eles corroboram com o entendimento de Herman
Goldstein, para quem a polícia deve ser “orientada para solução de problemas ao
invés de orientada para atender a incidentes” 10, e também que o “policiamento por
resolução de problemas é frequentemente identificado como o policiamento
comunitário”. E que a polícia apenas considera os incidentes específicos de forma
muito “restrita”. Para Goldstein, a polícia “deve desenvolver capacidade de
diagnosticar as soluções a longo prazo para crimes recorrentes e problemas de
perturbação da ordem, e ajudar na mobilização de recursos públicos e privados para
esses fins” (SKOLNICK e BAYLEY, 2002, p. 37). Isso faz crer que parte da
ineficiência da polícia é resultante da sua conduta reativa e da sua recusa em
aprofundar-se nos problemas das comunidades. Entretanto, em verdade as polícias
no desenvolvimento de suas missões sempre realizam estudos e produzem
diagnósticos. Contudo não há uma preocupação de estabelecer um marco teórico.
Talvez em face da demanda excessiva pelos serviços policiais, os estudos e
diagnósticos sempre têm aparências informais ou personalistas. Essa é uma
questão que tem que ser resolvida. Para Moore (2003), em um trabalho mais
recente:
Fundamental para a ideia do policiamento para solução de problemas, por
exemplo, é a atividade de pensamento e análise necessários para entender o
problema que está por trás dos incidentes para os quais a polícia é convocada
(Goldstein, 1979; Eck e Spelman, 1987; Sparrow, Moore e Kennedy, 1990). Isto
não é o mesmo que procurar as origens do problema do crime em geral. É muito
mais superficial, uma abordagem mais situacional. Essa abordagem leva a sério a
noção de que situações podem dar origem ao crime e que esse pode ser evitado
pela mudança nas situações que parecem estar originando os chamados de
serviço (Clarke, 1983). O desafio da estratégia do policiamento para solução de
problemas é imaginar e criar uma resposta efetiva e aplicável para resolver os
problemas que não estão aparentes. Essa pode incluir, e quase sempre inclui,
prender desordeiros ou enviar policiais para patrulhar certos lugares em
determinadas horas (Eck e Spelman, 1987, pp. 43-44). Mas o ponto importante, é
10
O que Goldstein chama de “incidentes” para nos significa “ocorrências”.
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que a resposta não está, necessariamente, limitada a essas formas tradicionais de
respostas pela polícia. O desafio está em usar outros mecanismos além das
prisões, que produzam soluções e que procurem, dentro e fora do departamento,
por capacidade operacional utilizável. (TONRY e MORRIS, 2003, p. 137 e 138)
Tomando-se as assertivas de Moore como referência, um exemplo resultante
da estratégia de policiamento por resolução de problemas, pode-se afirmar, foi a
operação desarmamento desenvolvida pela Policia Militar de Pernambuco nos anos
90 do século passado. A operação desarmamento surgiu a partir de um Estudo de
Situação elaborado em abril de 1991 pelo comando do 9º Batalhão de Policia Militar,
sediado em Garanhuns, quando foi sugerida a suspensão do porte de armas de fogo
na Região do Agreste Meridional11. O Estudo seguiu a cadeia hierárquica 12, e em
maio, cerca de um mês depois, o governo13 revogou as autorizações para porte de
armas nos municípios do Agreste Meridional14. Em junho do mesmo ano, outro
decreto estendeu a revogação das autorizações de porte de armas para o Sertão
Central, do Pajeú, e do São Francisco. Posteriormente, quatro anos depois, um novo
decreto também suspendeu o porte na Zona da Mata. Porém, mesmo com a
suspensão do porte de armas pelo governo do Estado, as pressões para que as
apreendidas fossem devolvidas eram grandes. Tanto que em 1995, no comando do
Coronel PM Jorge Luiz de Moura, a Corporação recebeu o apoio do GAJOP
(Gabinete de Assessoria Jurídica as Organizações Populares) e do CENDHEC
(Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social). A advogada Kátia Pereira,
do GAJOP, condenou a pressão de parlamentares e chefes políticos interioranos
para que armas apreendidas fossem devolvidas 15. Naquele mesmo ano, o Diário de
Pernambuco16 publicou pesquisa indicando que 68% dos pernambucanos
aprovavam a “operação desarmamento”. No Sertão, a aprovação foi de 79%. Entre
janeiro e julho, a Corporação havia recolhido 3.451 armas de fogo. Enquanto que no
âmbito nacional, a imprensa denunciava o diretor geral da Polícia Federal por emitir
11
O comandante do 9º BPM era o então Major Pedro Bezerra de Vasconcelos.
O comandante geral era o coronel Genivaldo Cerqueira.
13
O governador do Estado de Pernambuco era Carlos Wilson.
14
Decreto nº 14.335, de 07 de maio de 1991.
15
Diário de Pernambuco. Recife, 11 de janeiro de 1995.
16
Diário de Pernambuco. Recife-Pernambuco de 02 de julho de 1995, pg B-8.
12
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portes de armas sem registro legal17. Entre 1999 e o primeiro semestre de 2004,
somente a Polícia Militar havia contabilizado mais de 26.000 armas de fogo
apreendidas pelas suas Unidades18. Em 2005, pesquisa do Ministério da Saúde
relativa ao ano de 2004, divulgada pela mídia acional, apontou para a queda de
8,2% dos homicídios por arma de fogo em todo Brasil, sendo que a redução chegou
a 14.5% em Pernambuco19. A iniciativa da Polícia Militar despertou a sociedade
pernambucana e brasileira para os homicídios praticados com armas de fogo. Em
dezembro 2003 foi aprovado o Estatuto do Desarmamento.
Outro exemplo de policiamento por resolução de problemas é o resumo de
centenas de operações realizadas pelos órgãos operativos de segurança pública em
casos de calamidades públicas. Em 1992, o Estado de Pernambuco sofreu com a
seca, notadamente na região do Sertão. A ausência de chuvas prejudicou as
atividades agrícolas, pecuárias e o comércio. A fome grassava. Nos dias de feira,
comerciantes estabelecidos e feirantes eram vítimas de saques por parte de
flagelados que saiam do campo e invadiam as áreas urbanas das cidades. Os
saques sempre eram precedidos de boatarias que levavam pânico, medo e correrias
nos centros urbanos, mesmo que as notícias não fossem confirmadas. Os famintos
eram grupos de agricultores que desesperados pela falta de trabalho, de comida e
sem dinheiro, optavam pelo saque aos estabelecimentos e aos feirantes como forma
de sobreviverem com suas famílias. Na cidade de Belmonte, no Sertão Central, sede
de um pelotão da Polícia Militar de Pernambuco, o então comandante, o tenente
Marcos Aurélio, nos dias de feiras e mesmo nos demais não se descuidava. E a
qualquer notícia de aproximação de grupos de flagelados, muitos inclusive vinham
de municípios da Paraíba e do Ceará, o oficial destacava uma fração para encontrar
com os agricultores, a fim de confirmar as notícias e adotar medidas para assegurar
a tranquilidade pública. O comandante do pelotão então se comunicava com as
autoridades e representantes da sociedade civil local, envolvendo todos os
segmentos nas soluções dos problemas. A prefeitura reservava espaços e designava
funcionários para a recepção dos famintos, coletava gêneros alimentícios, roupas e
medicamentos para atender os carentes. O Juiz municipal e o representante do
17
Diário de Pernambuco. Recife, 05 de julho de 1995. Caderno A, pg 7.
Dados fornecidos pela 2ª Seção do Estado Maior Geral da PMPE.
19
Relatório do Ministério da Saúde sobre o impacto da campanha do desarmamento. Agosto de 2005.
18
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Ministério Público eram cientificados das medidas e monitoravam as ações. Nas
ocasiões em que não era possível atender, de imediato, o tenente Marcos Aurélio, já
em entendimento com a municipalidade e demais autoridades e segmentos da
sociedade local, procedia ao cadastramento dos agricultores e explicava as
dificuldades do momento, e orientava os agricultores a retornarem em datas
previamente estabelecidas, a fim de receberem suas feiras na forma de cestas
básicas. Aquelas medidas adotadas pelo comandante do Pelotão de Belmonte,
numa visão estratégica de policiamento profissional seriam impossíveis, pois, nessa
concepção, os flagelados seriam tratados como bando de criminosos, assaltantes e
perturbadores da ordem pública. Também não seria o caso de policiamento
estratégico, vez que os flagelados não eram criminosos profissionais e perigosos.
Não seria também o caso de classificar a ação como sendo de policiamento
comunitário, uma vez que as pessoas que integravam o grupo não residiam na área
urbana, e, portanto não interagiam cotidianamente com o policiamento. As ações
adotadas pelo comandante do Pelotão de Belmonte eram típicas da “estratégia do
policiamento por resolução de problema”. Ou seja, a polícia fez o seu diagnóstico, e
concluiu que havia um problema socioeconômico especifico que poderia afetar a
ordem pública, caso não fosse gerenciado com competência e habilidade.
Nos finais dos últimos anos 80 e início dos anos 90, as ações do Movimento
dos “Sem Terra” e dos “Sem Teto” exigiram muito da polícia brasileira. Em
Pernambuco não foi diferente.
Foram vários os conflitos resultantes do
enfrentamento das invasores de terras e de imóveis contra as ações reintegratórias
realizadas com o apoio da Policia Militar. Era uma situação inusitada para as polícias
e não havia um protocolo adequado aos novos procedimentos a serem
desenvolvidos. Nesse sentido, um avanço para Policia Militar de Pernambuco foi a
Nota de Instrução (NI) nº CPI – 006/93, a “Lex Ratio”. A Lex Ratio foi elaborada pelo
Comando do Policiamento do Interior e homologada pelo Comando Geral da
Corporação para que fosse cumprida como norma geral nas operações
de
reintegração de posse20. Em julho de 1996, a Lei nº 11.365 regulou a “presença e o
acompanhamento do Ministério Público estadual nas operações que envolvam a
20
Na época, o comandante do Policiamento de Interior era o coronel Alexandre Nunes de Araújo, que elaborou a
“Lex Ratio”.
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força policial do Estado de Pernambuco em medidas possessórias de caráter e
efeitos coletivos (...)”. Administrativamente, o Comando Geral da Policia Militar
também determinou que sa operações de reirtegração de posse, antes de sua
execução, fossem comunicadas ao Governador do Estado, ao Presidente do
Tribunal de Justiça; ao Presidente da Assembléia Legislativa,ao Procurador Geral de
Justiça; ao Secretario Estadual de Justiça; ao Chefe de Polícia Civil, Comandante de
Bombeiros, ao Juiz e ao Promotor de Justiça da Comarca onde a operação seria
realizada. Com essas medidas as intervenções da Polícia Militar passaram a ser
desenvolvidas com menos riscos, e os conflitos ocasionais resgitrados durante a
execução dos mandados judiciais encaminhados com mais amadurecimento. A
iniciativa de Pernambuco foi recepcionada pelo Ministerio da Justiça que difundiu a
orientação para as policias brasileiras. O condicionamento da execução da operação
a aprovação da Promotoria de Justiça diminuiu a responsabilidade exclusiva da
Polícia, e lhe garantiu maior segurança, na medida em que o Representante do
Ministerio Público, responsável pelo controle externo da atividade policial, passou a
se fazer presente durante todo o periodo em que Policia executava a operação
policial. O diagnóstico da situação e o disciplinamento dos procedimentos policiais, e
a regulação da atuação dos membros do Minstério Público foram fundamentais para
a redução dos conflitos violentos nas operações de reintegração de posse.
O programa do governo Federal “Força Nacional de Segurança Pública –
FNSP”, constitui-se uma típica estratégia de policiamento por resolução de
problemas. A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), resultante de um
arranjo amparado nos artigos 144 e 241 da Constituição Federal “foi criada em 2004
para atender às necessidades emergenciais dos estados, em questões onde se
fizerem necessárias a interferência maior do poder público ou for detectada a
urgência de reforço na área de segurança”. A FNSP composta por policiais e
bombeiros militares das Unidades subnacionais, para muitos especialistas constitui
uma força especializada, em face dos meios que é dotada e do treinamento
diferenciado dos integrantes. Contudo o seu emprego é emergencial com objetivo de
resolver problema especifico no estado que solicitar a sua intervenção. Resolvido o
problema, o contingente é desmobilizado e os seus integrantes devolvidos às suas
Instituições de origens, ou deslocado para outros Estados federativos em crise.
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Da mesma forma, as Unidades de Polícia Judiciária, que tem por fundamento
a “repressão qualificada”, também não devem ser consideradas especiais em face
das suas atividades. Em geral existem unidades de Polícia Judiciária nas quais são
formadas “forças tarefas”, constituídas por policiais, inclusive de outras unidades,
que, temporariamente, são convocados para atuarem no esforço dirigido para
solucionar determinado crime, cujas estatísticas são elevadas e colocam em riscos o
ir e vir e a integridade física das pessoas. Esse é o caso da Delegacia de Homicídio
Proteção da Pessoa (DHPP). A constituição de forças tarefas com o objetivo de
controlar esse ou aquele delito demonstra a decisão da Policia Judiciaria em
priorizar as ações e resolução dos problemas causados pela incidência dos crimes
identificados como aqueles que mais colocam em risco a segurança da sociedade.
Nesse contexto do policiamento por resolução de problemas, desde junho do
ano passado (2013), motivadas pelos altos preços da passagem de ônibus, a baixa
qualidade dos serviços públicos de saúde, educação, transportes, moradia,
segurança pública e uma corrupção generalizada colocadas em confronto com a
exuberância dos gastos para a realização da copa do mundo, a sociedade brasileira
passou a demonstrar suas insatisfações através de movimentos sociais de rua. A
grandeza do movimento registrado nas capitais e nas cidades mais importantes do
País, o surgimento dos “mascarados” infiltrados nas multidões, os chamados “black
bloc”, e a falta de um diagnóstico preciso sobre o que estava acontecendo levaram e
à violência institucional e a acerbidade da violência dos manifestantes. Em São
Paulo, após a elaboração de um diagnóstico desenvolvido a partir das violências
constadas nas manifestações e as críticas recebidas, a Polícia Militar passou a
empregar tropa desarmada e com treinamento em artes marciais e, ao que parece
os resultados têm sido favoráveis, em face da redução das violências registradas
comparadas as truculências das primeiras contestações populares.
Com a mesma intensidade de esforços, as policias brasileiras se deparam
com as ações depredadoras das torcidas organizadas, que sob o manto das paixões
clubistas, aproveitam os dias de jogos para praticarem agressões mútuas, e ocupam
as ruas no entorno dos Estádios, além dos limites determinados pelo Estatuto do
Torcedor, para liberarem suas violências. Agridem os torcedores dos times
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adversários, depredam coletivos, lojas comerciais, transeuntes e os policiais. E
mesmo as determinações judicias e as intervenções do Ministério Público no sentido
de coibirem as suas presenças nos Estádios não têm tido os resultados desejados.
Proibidas de ingressarem nos campos de futebol uniformizadas, os grupos marcam
encontro com trajes diferenciados e extravasam suas sanhas criminosas pelas ruas.
Esses eventos tem exigido das policias um estudo detalhado dos perfis das torcidas,
a fim de elaborarem diagnósticos que permitam o lançamento de força policial
treinada adequadamente para garantir a ordem, preservando as integridades de
torcedores e transeuntes e, também o patrimônio público e privado que também são
alvos das depredações.
A última estratégia a ser discutida é a do Policiamento Comunitário, que
paradoxalmente, apesar dos modismos, “o consenso acerca de seu significado ainda
é pequeno” (Skolnick e Bayley, 2002:15). Contudo, Moore e Trojanowicz insistem
que a distinção dessa estratégia das demais é a forma de relacionamento com a
comunidade, que deve ser “vista como uma aliada essencial para lidar com o crime e
o medo” (Moore e Trojanowicz, 1993, p. 91 e 92). Para Moore (2003):
A ideia fundamental por trás do policiamento comunitário, ao contrário, é a de que
o trabalho conjunto efetivo entre a polícia e a comunidade pode ter um papel
importante na redução do crime e na promoção da segurança (Skolnick e Bayley,
1986; Sparrow, Moore e Kennedy, 1990). O policiamento comunitário enfatiza que
os próprios cidadãos são a primeira linha de defesa na luta contra o crime.
Consequentemente, para que estes esforços possam ser melhor mobilizados, é
necessário muito raciocínio. Uma técnica importante é a polícia abrir-se para os
problemas que as comunidades identificam. (Moore, in TONRY e MORRIS, 2003,
p. 139).
Esse envolvimento de cidadãos na “primeira linha de defesa na luta contra o
crime”, preconizado por Moore, não deveria causar estranheza aos membros da
polícia, vez que no Brasil a “segurança pública é um direito e responsabilidade de
todos”, conforme dispõe o artigo 144 da Carta Magna. Mas isso não significa armar a
população, ou condicionar a ação policial ao fornecimento de “informações” que a
coloquem em risco a integridade física do cidadão. A proposta é que os assuntos da
segurança pública sejam discutidos com a sociedade, que não se restrinjam aos
gabinetes policiais. Significa que a sociedade não deve ser um ator passivo. A
participação de “todos” implica na exigência na melhoria da segurança oferecida, na
sua contribuição para o planejamento das ações, e na cobrança aos demais órgãos
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públicos pelos serviços que favoreçam o trabalho policial, o ir e vir das pessoas, e a
proteção do patrimônio público e privado.
Um outro aspecto do policiamento comunitário que perturba a inteligência e
os valores institucionais clássicos das polícias é a descentralização. Jerome H.
Skolnick e David H. Bayley (2002), se referindo a necessidade da autonomia dos
comandantes operacionais e patrulhas lançadas no terreno, afirmam que:
Embora operações policiais com frequência sejam geograficamente
descentralizadas para a jurisdição de algum distrito policial relativamente pequeno
ou para postos polícia, os comandantes locais têm tido, em geral, uma habilidade
limitada para caracterizá-las. (...) O policiamento deve ser adaptável. Para realizar
esta tarefa, deve-se dar aos comandantes subordinados liberdade para agir de
acordo com suas próprias leituras das condições locais. A descentralização do
comando é necessária para ser aproveitada a vantagem que traz o conhecimento
particular, obtido e alimentado pelo maior envolvimento da polícia na comunidade.
Disso se conclui que nem toda a descentralização pode ser considerada como um
degrau em direção ao policiamento comunitário. (BAYLEY e SKOLNICK, 2002, pg.
33).
A questão da descentralização exigida pelo policiamento comunitário não
significa deixar os comandantes de subunidades e as patrulhas dos bairros sem
coordenação, operando à mercê do livre arbítrio do comandante da guarnição. Pelo
contrário, a descentralização exigirá dos policiais comunitários mais disciplina e
correção em suas decisões. Por outro lado, chama-se a atenção que na medida em
que a descentralização cresce, também aumenta a responsabilidade e a
responsabilização do policial de linha. E em contrapartida, os escalões superiores
devem zelar por uma supervisão efetiva, que contribua para a correção e a melhoria
do desempenho das patrulhas, e também para as avaliações à posteriori que
permitam qualificar os resultados do policiamento de per si e no todo.
O
policiamento
comunitário,
embora,
tenha
assumido
um
destaque
extraordinário somente a partir da 2ª metade dos anos 1990, no Brasil, desde os
anos 1980, já se registravam algumas experiências de sucesso desenvolvidas pelas
Policia Militar de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. A experiência em nosso
Estado data de 1985, quando o governo estadual criou os Núcleos Comunitários de
Segurança Preventiva (NUSEP). A experiência com os NUSEP foi desenvolvida,
quase simultaneamente às experiências das cidades norte-americanas de Santa
Ana, Detroit, Houston, Denver, Oakland e Newark, iniciadas na primeira metade dos
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anos 198021. O Projeto foi elaborado com riquezas de detalhes, porém naquele
período o envolvimento da sociedade civil era pífio e carecia de estímulos dos
próprios organismos policiais22. Como nas cidades norte-americanas, não houve
preocupação de construir bases fixas. Os NUSEP, criados a partir de Decreto
Governamental23, foram instalados em imóveis cedidos pelas comunidades, e tinham
por objetivos estimular a segurança preventiva e aproximar a Força Pública das
sociedades locais. Para isso, foram desenvolvidos esforços que envolveram
autoridades, representantes de entidades comerciais, industriais e bancárias, além
dos representantes das comunidades e órgãos das prefeituras municipais sediados
na área do Batalhão de Polícia responsável pelo policiamento ostensivo geral. Os
procedimentos necessários à proteção da comunidade através dos NUSEP foram
orientados por Portaria Administrativa do Comando Geral da Policia Militar 24. A
norma administrativa disciplinou a criação e constituição dos Núcleos, e disciplinou
os procedimentos para as realizações das reuniões ordinárias e extraordinárias, as
quais seriam realizadas em locais de fácil acesso ao público. Os NUSEP tinham
estatuto próprio e os problemas das comunidades, inclusive de segurança pública,
eram discutidos em reuniões realizadas nas sedes dos equipamentos comunitários,
salões paroquiais, escolas e quartéis. O Estatuto propunha que as comunidades
deveriam colaborar com a fiscalização e a melhoria da ação policial-militar; participar
do planejamento da ação comunitária voltada para a segurança preventiva e
avaliação dos resultados; levar ao conhecimento dos escalões responsáveis pelo
policiamento as reivindicações e propostas voltadas para a eficiência do serviço
policial, o controle da violência e da criminalidade; participar do planejamento e
implementação de campanhas educativas. O Estatuto também estabelecia que para
todas as reuniões fossem produzidas Atas, cujas cópias deveriam ser encaminhadas
ao comandante do Batalhão e para o Estado-Maior Geral da Policia Militar, a fim de
21
Para uma melhor compreensão desse assunto, sugiro a leitura de “Nova Polícia. Inovações nas
Policias de seis Cidades norte-americanas”. David H. Bayley e Jerome H. Skolnick. EDUSP. São
Paulo –SP. 2001.
22
Naquele período o Brasil ainda estava sob o regime autoritário inaugurado em 1964.
23
Decreto nº 10.617, de 31 de julho de 1985, publicado no Diário Oficial de 1º de agosto de 1985,
transcrito no Suplemento Normativo nº 15/85.
24
Portaria Administrativa nº 429 de 29 de agosto de 1985, publicada no Suplemento Normativo nº
10/85.
49
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que as questões fossem analisadas, e as soluções propostas fossem apreciadas e
apoiadas. O Projeto dos NUSEP foi a primeira experiência planejada com o objetivo
de envolver as comunidades nas discussões da segurança pública local. Os NUSEP
foram criados em bairros e localidades periféricas da Região Metropolitana do Recife
e, além de oferecer os clássicos serviços de segurança individual e coletiva, as
guarnições mediavam e solucionavam ocorrências de menor valor de risco e
assistenciais25.
Naquele mesmo ano (1985), foi lançada a "Patrulha do Bairro (PB)". O novo
projeto foi lançado com excelente aporte de comunicação. As patrulhas do bairro
foram planejadas para atuarem nos centros comerciais dos bairros e áreas
residenciais circunvizinhas, e sua guarnição era constituída por 5 (cinco) policiais:
um graduado, um motorista, e três patrulheiros. A guarnição era instruída para
interagir diretamente com os membros das comunidades e transeuntes em geral. No
quarteirão sob sua responsabilidade, a PB realizava patrulhamento motorizado e a
pé, além de ocupar, periodicamente, pontos de estacionamento em locais de
maiores afluências de pessoas e reincidência de ocorrências policiais.
Outras experiências de sucesso desenvolvidas pela Força Pública de
Pernambuco são a “Escola Comunitária” e a “Patrulha Escolar”. A primeira Escola
Comunitária foi criada em 1987, na sede do 6° Batalhão, localizado em Prazeres, na
cidade de Jaboatão dos Guararapes. Essas escolas foram idealizadas para oferecer
ensino fundamental e profissionalizante a crianças carentes e menores em situação
de risco. Os meninos eram matriculados e posteriormente transferidos para os
Estabelecimentos formais da rede pública, em face do convênio com o governo
estadual e as prefeituras municipais, que disponibilizavam professores e merendas.
Em 1990, a Fundação das Nações Unidas para a criança – UNICEF “considerou a
Polícia Militar de Pernambuco como a mais capacitada, em todo País, no tratamento
aos meninos e adolescentes de rua” 26.
25
As ocorrências assistenciais consistiam em socorro de urgência, encaminhamento de parturientes,
doentes mentais e outros eventos não caracterizados especificamente como fatos policiais. As
assistências representavam em torno de 20% do total de ocorrências registradas.
26
Diário de Pernambuco. “Unicef vê PM preparada para lidar com meninos”. Recife-PE, 25 de
outubro de 1990. Pg A-12.
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O “Projeto Patrulha Escolar” surgiu em 1999, na cidade Palmares, idealizado
pelo então Major Reginaldo José do Nascimento, então Comandante do 10° BPM. O
Major Reginaldo, percebendo as dificuldades de relacionamento dos professores
com alguns alunos em situação de risco, inicialmente convidou alguns oficiais e
praças para serem voluntários na atenção daqueles alunos. Cada voluntário tornouse padrinho de um aluno, que passou a ser assistido pelo novo padrinho. A partir daí
a ação cresceu e foi apropriada por ONGs de Direitos Humanos que atuavam na
rede escolar do Estado. A Patrulha Escolar é uma tropa sem aquartelamento,
composta inicialmente por policiais voluntários. Os oficiais e graduados realizam a
fiscalização nos postos, fazendo contatos com as patrulhas e com os gestores das
Escolas beneficiadas. Dessa forma, há um trabalho duplo de fiscalização: o da
Coordenação, e o da sociedade civil representada pelos gestores, funcionários e
alunos dos Estabelecimentos. O controle interno realizado pela fiscalização funciona,
e a participação em todas as atividades da instrução é obrigatória e as ausências
são passiveis de sanção, que via de regra excluem os faltosos do grupo. Na Patrulha
Escolar, instrução e fiscalização são atividades que caminham juntas. E o resultado
são experiências até certo ponto inusitadas para quem desconhece o trabalho
realizado pela Patrulha Escolar. Como exemplo, vejamos o caso do jovem oriundo
de uma família desestruturada, viciado em droga, que procura o “patrulheiro escolar”
pedindo ajuda, em face da ausência dos pais. O “Patrulheiro Escolar” fardado e
armado, atende o jovem em situação de risco, ouve a sua história e o orienta com
retidão, e o encaminha aos órgãos de apoio específicos para tratamento adequado.
A habilidade do patrulheiro deve-se ao treinamento recebido no PROERD27,
que prepara o policial para atuar preventivamente nas relações com jovens
envolvidos com drogas. Outro exemplo é do soldado enfermeiro que estabeleceu um
dia, na sua folga, para ministrar medicamentos, realizar curativos e instruir os alunos
sobre os cuidados com o corpo. As duplas do Colégio Santo Inácio de Loyola, em
São Benedito, e do CAIC, de Peixinhos, que organizaram um torneio de futebol entre
os alunos dos dois estabelecimentos. A Sargento que trabalha no Hospital da Polícia
27
PROERD – Programa Educacional de Resistência as Drogas.
51
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Militar ministra aulas sobre gravidez na adolescência. Na Escola Alberto Torres, em
Tejipió, o sargento que é programador de sistemas organiza aulas de Informática
para os alunos daquele Educandário. Enfim, todos os Patrulheiros Escolares têm
alguma tarefa além do policiamento de rotina. E não estão dispensados do
expediente e escalas das suas unidades de origem. A Patrulha Escola talvez seja o
melhor exemplo de ação de policiamento comunitário desenvolvido pela Policia
Militar de Pernambuco.
Diante dessas experiências, não há dúvidas que os governos e as
sociedades se esforçam na construção de um modelo de policiamento mais efetivo,
eficiente e que contemple a participação das comunidades. Contudo, para Skolnick
e Bayley (2000), “a realidade, no entanto, é que, ao mesmo tempo em que todo
mundo fala sobre ele, o consenso acerca de seu significado ainda é pequeno. Como
resultado, inovações práticas sob a rubrica do policiamento comunitário não são
muito genuínas nas práticas policiais. Em outros o policiamento comunitário é
utilizado para rotular programas tradicionais, em caso clássico de colocar vinho
velho em garrafas novas” (SKOLNICK e BAYLEY, 2002, p. 15 e 16).
Considerações Finais
A polícia como instituição de vanguarda da garantia da ordem e da lei é o
primeiro segmento do Estado a sofrer os impactos da desordem pública, quer seja
provocada por indivíduos isoladamente, em grupos, ou por movimentos sociais.
Afinal ela é o anteparo dos bons e dos maus governos. No Brasil, a vida tem sido
desvalorizada, a propriedade não é garantida e o medo grassa entre os cidadãos
ordeiros. Em algumas cidades convive-se com um terrorismo urbano28, que decorre
28
Para Luigi Bonanate (2000), “apesar de correntemente o terrorismo ser entendido como a prática
política de quem recorre sistematicamente à violência contra as pessoas ou as coisas provocando o
terror, a distinção entre esta última e o terrorismo representa o ponto de partida para a análise de um
fenômeno que, ao longo dos séculos, viu constantemente aumentar seu peso político.” (Bobbio,
Matteucci e Pasquino. 2000, pg. 1242). O conceito de terrorismo ainda é muito flexível. Pode-se
pensar no terrorismo político inaugurado durante a revolução francesa na ditadura do Comitê de
Saúde Pública; no terrorismo contextualizado nas guerras libertação nacional; e/ou no terrorismo
religioso e de etnias, por exemplo. Aqui quando falamos em “terrorismo urbano” estamos pensando
nas ações práticas, nas táticas, desenvolvidas por grupos criminosos, de movimentos sociais e até de
comunidades (grupo de pessoas insatisfeitas) contextualizadas na violência urbana, como meio de
proclamar suas reivindicações e os seus interesses, e que têm contribuído para o afloramento de um
estado de medo permanente nas ruas. Nesse contexto estão os ataques do PCC (Primeiro Comando
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da corrupção endêmica, a fragilidade da legislação e da impunidade.
Eric Hobsbawm (2007), estudando a violência no Rio de Janeiro e na Cidade
do México questionou as medidas que se poderia adotar “para controlar a situação”.
Para ele “a manutenção da ordem em uma era de violência tem sido mais difícil e
mais perigosa, inclusive para as policias”, e afirma que dessa forma, “a polícia sofre
a tentação de ver-se como um corpo de ‘guardiães’, com conhecimentos
profissionais especializados, separada dos políticos, dos tribunais e da imprensa
liberal, e criticada por todos, com ignorância, por todos eles” (Hobsbawm, 2007, pg.
147). Não há dúvidas de que o problema da violência no Brasil não é um problema
único da polícia. Mas diante de tantas críticas e por estar na linha de frente do
combate e do controle da criminalidade, a sensação da polícia é que realmente ela
está sozinha na luta contra o crime.
Contudo, não há que negar que a polícia também exagera em muitas
intervenções. E esse exageros têm de ser contidos pelos comandos superiores e os
órgãos de controle internos e externos. Entretanto, apesar das falhas da polícia,
como afirma Goldstein “ainda assim, apesar de sua posição anômala, para manter o
grau de ordem que torna possível uma sociedade livre, a democracia depende de
maneira decisiva da força policial”. E que “o vigor da democracia e a qualidade de
vida desejada por seus cidadãos estão determinados em larga escala pela
habilidade da polícia em cumprir suas obrigações.” (Goldstein, 2003, pg. 13). Porém,
para que a polícia eleve a sua performance na busca da excelência dos seus
serviços prestados numa sociedade livre, torna-se imprescindível que tenha em sua
estrutura um Staff eficiente e capaz de desenvolver e formular estudos permanentes,
que fundamentem os diagnósticos para instrução e o emprego eficaz das patrulhas,
e subsidiem o planejamento das políticas de segurança pública.
Finalizando, ressaltamos que os estudos de Moore e Trojanowicz tinham por
da Capital) às instituições de segurança pública em maio de 2006 na cidade de São Paulo, e que se
alastrou pelos estados do Espirito Santo, Paraná, e Mato Grosso do Sul, e totalizou 128 mortes entre
agentes públicos e civis nos 4 primeiros dias da ação. O vandalismo contra os estabelecimentos
comerciais, bancários, repartições e equipamentos públicos. Os ataques incendiários indiscriminados
dirigidos ao transporte público, inclusive atingindo os usuários. Dia 8 de maio último uma greve de
rodoviários no Rio de Janeiro deixou cerca de 500 ônibus depredados. Os assaltos a agências
bancárias e caixas eletrônicos com uso de artefatos explosivos.
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objetivo encontrar uma Estratégia Institucional de Policiamento que possibilitasse a
polícia lidar com os principais “problemas que afligem as comunidades urbanas:
crime, medo, drogas e decadência urbana”. Porém, ao final de suas pesquisas,
vimos que embora eles não tenham encontrado uma Estratégia específica ou única,
os seus estudos revelaram quatro alternativas de fazer policiamento que não são
excludentes entre si. Tanto que eles sugeriram que a Estratégia do futuro poderia ser
denominada de “policiamento profissional, estratégico, comunitário, e por resolução
de problemas” (Moore e Trojanowicz, 1993: 98 e 99). Todavia, talvez, a melhor
contribuição de Moore e Trojanowicz tenha sido a categorização das características
das estratégias do policiamento tradicional, estratégico, por resolução de problemas
e comunitário, oferecendo um norte doutrinário para o desenvolvimento das políticas
de segurança pública e para que a polícia atinja suas metas com eficiência, sabendo
distinguir as praxes, os fundamentos e o significado da cada Estratégia, privilegiando
a lei, a ordem e a cidadania.
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A LUTA PELA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS E A RELAÇÃO POLÍCIA
MILITAR VERSUS SOCIEDADE
Aldo Batista do Nascimento1
Resumo
Este ensaio, sem tentar esgotar o assunto, objetiva lançar olhares sobre a
importância dos Direitos Humanos nas sociedades contemporâneas, sem descuidar
de sua construção histórica e da busca de sua universalidade. Enfatiza ainda, o
exercício destes direitos em meio a difícil relação existente entre policiais, sobretudo
os Militares e os cidadãos, em razão do maior contato interativo entre estes
profissionais e a sociedade, verificado no exercício das atividades da Polícia
ostensiva. Busca apontar que o papel social exercido por estes agentes, muitas
vezes, em rincões longínquos, se traduz na única presença que implica ação de
governo, e a forma como esta relação é construída e exercida, em muito contribui
para solidificar esta relação. Ressalta, por fim, a importância do olhar recíproco da
sociedade e dos policiais sobre a conduta destes, pois as posturas nocivas
verificadas negativam o munus policial e expõem a instituição perante a sociedade,
em que pese ser relevante, as posturas nocivas também presentes no tecido social,
que agrega em seu ethos as mazelas de uma cultura arbitrária, que muitas vezes
tende a verticalizar as relações com relação aos policiais, tornando as mesmas,
cada vez mais difíceis, sobretudo pela cobrança constante, quanto a efetivação e
concreticidade dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Democracia, Cultura autoritária, Relação Polícia
versus sociedade.
Introdução
Os Direitos Humanos, de acordo com Bobbio (Apud COLLETI, 2006, p.81)
“são históricos, nascem no início da era moderna com a afirmação da concepção
individualista de sociedade e constituem o principal indicador da civilização
humana”. Pela ótica civilizadora é interessante observar que tais direitos, pela
1
Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar de Pernambuco, Formado em Licenciatura em
História, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Capacitação de Docência, Pós-Graduado em
História Contemporânea, Pós-Graduado em Políticas Públicas de Segurança, Pós-Graduado em
Gestão Pública, Mestre em Ciência Política, Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (Escola
Superior de Guerra).
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essência da natureza dos seres humanos, dotados de razão e providos do livre
arbítrio, por certo indicam o quão mais civilizado é um povo à medida que, em
termos majoritários, se respeita e universaliza tais direitos em seu universo social.
Com efeito, uma das características dos Direitos Humanos é a sua
universalidade, de sorte que eles devem ser ampliados para alcançarem todos os
cidadãos, e numa visão mais extensiva, todos os seres humanos, já que a
declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 1º assim aduz: “todos os
homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns com os outros com espírito de
fraternidade”.
Ao suscitar a fraternidade, implica que os homens devem cultuar o
princípio do pertencimento, que diz respeito à comunidade internacional, de modo
que ao ser integrante desta, deve pautar suas relações com viés de urbanidade,
civilidade e respeito à condição humana, como forma de atingir ápices esperados
dentro de um processo civilizador.
Entretanto, no caminhar histórico da humanidade, desde os primórdios da
era moderna, temos observado avanços na comunidade internacional quanto ao
respeito aos Direitos Humanos, embora seja coerente afirmar que existem inúmeras
assimetrias neste processo, que depõem contra avanços desta natureza.
Para melhor compreender este processo de pertencimento, faz-se
necessário buscar apoio em um conceito de cidadania, que segundo Dallari (1999,
p.10) “Indica a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha
ou podia exercer”. Pelo exposto, fica evidente que o conceito primaz de cidadania
tem escopo inclusivo ou não a uma comunidade política e, portanto, implica
conforme já dissemos em pertencimento.
Contudo, os direitos vinculam-se a conquistas, muitas delas e quase
sempre sangrentas, vez que é próprio de quem tem poder não ceder ou fazer
concessões que não lhes sejam favoráveis, logo é atual na Ciência Política que o
poder não se entrega, mas sim se conquista.
Por este ângulo, a História da luta pela ampliação da cidadania teve um
marco consubstancial com as Revoluções Burguesas (inglesas, francesa e
americana), cujo escopo final foi à tentativa de se proteger o cidadão contra o
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arbítrio do Estado e eliminar os privilégios das classes políticas, conforme atesta
Dallari (1999, p.11) “foi nesse ambiente revolucionário que nasceu a moderna
concepção de cidadania, que surgiu para afirmar a eliminação de privilégios.”
1. Parte I
A partir dessas acepções as palavras cidadão e cidadã passaram a ser
símbolos da igualdade jurídico-formal entre pessoas unidas pelo consenso do
pertencimento, já que a cidadania em uma visão contemporânea, atual e de
vanguarda, implica em um conjunto de direitos que dá as pessoas à possibilidade
de participarem da vida e do governo de seu país. Isso ocorre, agindo-se de forma
direta ou indireta, ensejando uma condição de inclusão no interior do grupo social,
que formata decisões obrigando a todos, dentro de uma comunidade considerada.
A primo intuito isto parece simples, mas não é. É importantíssimo, pois,
em conjunto, dentro da lógica do consenso da maioria e do pluralismo político,
afirmar que todos os cidadãos têm o potencial de influir nos destinos de sua vida, de
seu país e mesmo da comunidade internacional a que pertence, é esplêndido, daí a
importância dos direitos humanos no contexto da cidadania.
Por este prisma, a Democracia enquanto regime político que cultua o
pluralismo e o respeito aos Direitos Humanos tem ampliado seus cânones na
sociedade global contemporânea e, a despeito das mais diversas ideologias
totalitárias, vêm se consolidando como o regime mais aceito e legitimado, em face
de uma ética transformadora, que prima pelo diálogo e a solução pacífica dos
conflitos.
Assim, com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil, no
campo político e jurídico buscou se libertar do regime autoritário sobre o qual a
nação conviveu por 20 anos. Dentro daquela lógica, foram tolhidos os direitos
amplos com os quais a sociedade deveria conviver, o que causou grandes percalços
para o fortalecimento de uma cidadania mais fraterna entre nós.
Considerando o objeto deste ensaio é prudente se verificar a relação
entre a luta pela consolidação dos Direitos Humanos e a relação com o trabalho
policial. Neste contexto, centrando a análise nos Direitos Civis, Políticos e Sociais,
os quais traduzem lato sensu os Direitos Humanos, observamos que as suas
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garantias pelo texto constitucional constituem um dever ser do Estado para com os
cidadãos e, evidentemente, quando esses direitos estão sendo violados ou
ameaçados, segue a lógica de se procurar as instituições do Estado, que em tese,
garantem o exercício regular deles.
Neste contexto, o papel das instituições formais e informais, políticas,
jurídicas e sociais são importantíssimas, visto que o poder se exerce através das
instituições, e o modo como elas atuam na sociedade, em muito aferem o grau de
civilidade da nação onde elas estão inseridas.
Assim, são as instituições policiais, sobretudo em situações de conflitos
quase sempre postas a prova para dirimir tais contendas e exercerem, através de
seus prepostos, as funções de pedagogos da cidadania, muitas vezes corrigindo
rumos e tomando decisões que os torna um viés da governança no dizer de Muniz
(2006, p. 17) “o exercício do mandato policial é uma materialidade da governança,
correspondendo à tomada de decisão política na esquina (streetcorner politcs)”.
Aqui se verifica um fator importante do papel institucional, pois atuando
diretamente e conjuntamente com a sociedade, em função do escopo interativo
indissociável presente entre os cidadãos e as instituições policiais, estabelece-se
uma relação difícil, de paz e conflito, cooperação e competição, em face quase
sempre dos interesses conflitantes, presentes na busca da resolução dos problemas
naturais da convivência humana em sociedades complexas.
Neste contexto, o trabalho da polícia, com ênfase nas militares, que
exercem o policiamento ostensivo, de relance identificado pela farda, traduz
sobretudo nos rincões mais longínquos, a primeira linha de defesa da sociedade.
Assim, quando se demandam os conflitos, a busca de soluções tem nestes
profissionais seu primeiro impacto, seu primeiro contato, sua primeira esperança de
ajuda, de ser bem atendido ou não, e muito do nível de democracia, em tese, é
medido nesta relação.
Com efeito, é neste sentido que o trabalho das polícias, sobretudo as
militares é tido dentro de uma dimensão pedagógica como um superego social,
conforme afirma Balestreli (2002 p. 28):
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Polícia é, portanto, uma espécie de superego social, indispensáveis em culturas
urbanas, complexas e de interesses conflitantes, [...] zelar, pois, diligentemente,
pela segurança pública, por nossos direitos de ir e vir, de não sermos molestados,
de não sermos saqueados, de termos respeitadas nossas integridades físicas e
morais, é dever da polícia, um compromisso com o rol mais baixo dos Direitos
Humanos que devem ser garantidos à imensa maioria de cidadãos honrados e
trabalhadores.
Assim temos o quanto é dinâmica, importante e vinculada aos Direitos
Humanos à atividade policial, que enfrenta essas demandas dia a dia no convívio
social interativo e nas comunidades, desde as mais humildes as mais abastadas,
sempre de um lado e de outro, mediando conflitos e estabelecendo correção de
rumos e enquadramento das condutas práticas à lei e, com isso, como vimos,
agindo nas ruas e nas esquinas da polis, exercem a autoridade como símbolo
emblemático da presença do Estado, consignando-se na governança pelo
streetcorner.
Esta relação se reveste de importância em razão da atuação diuturna das
Polícias Militares, que regra Geral, são Corporações que atuam com presença certa
em todos os municípios do país, onde há sempre um policial militar, o que tem sido
perfeitamente aferido, em qualquer enquete séria, visto que todas elas atuam
historicamente, moldadas em planos de articulação e desdobramento, que sempre
propiciou tal concepção.
Contudo, por várias razões, esta relação embora totalmente interativa não
é tão amistosa, ensejando muitas vezes diversos conflitos entre o estado e a
sociedade, afinal ao agirem os policiais representam o Estado, quase sempre a
impor a ordem a alguém perante a cidadania, que por vezes, não parece disposta a
enquadrar-se nos padrões estipulados no ordenamento jurídico.
Dessa interação inegavelmente surgem arestas difíceis de aplainar, e
muitas críticas às ações policiais se verificam a partir de reclamos da própria
cidadania. Tais críticas, em sua maioria, dizem respeito à violência policial, pois em
assim agindo estão os agentes estatais desrespeitando o mandato policial
estabelecido pela polity e assim, comprometem a legitimidade do trabalho policial,
afinal o uso legítimo da força não se confunde com a violência, já que a truculência
oficial funciona sempre como ativo da desordem pública, tendo efeito nocivo no
trabalho policial.
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Outra questão visível é a corrupção policial que apõe uma mácula moral
sobre as instituições e afetam o viés valorativo da cidadania para com os policiais.
Deste modo, os maus policiais conseguem um efeito muito pernicioso para as suas
instituições, causando um sentimento de desconforto intenso entre os bons policiais.
Logo, nem a violência arbitrária, tampouco a corrupção policial podem ser toleradas,
já que funcionam como os males maiores das instituições policiais e que mais
abalam a relação interativa com a cidadania estabelecendo uma fraca confiança na
polícia, cuja consequência compromete a efetivação dos Direitos Humanos no
ambiente social.
Entretanto, fazendo recortes necessários, observando o outro lado da
moeda, é preciso considerar no caso brasileiro, alguns aspectos inerentes a nossa
cultura, como de resto o estudo de qualquer sociedade não pode ser descolado de
um escopo antropológico e cultural, já que são variáveis importantes dentro de um
processo dessa natureza.
2. Parte II
No Brasil verificamos a cultura de hipervalorização de determinados
indivíduos pelo seu enquadramento em determinada categoria social como sujeitos
acima da lei e da ordem, ou seja, para seus interesses serem atendidos se
posicionam acima da lei e da ordem, conforme Da Matta (1990 p. 237):
No sistema social brasileiro, então, a lei universalizante e igualitária é utilizada
freqüentemente para servir como elemento fundamental de sujeição e
diferenciação política e social. [...] as leis só se aplicam aos indivíduos e nunca às
pessoas; ou, melhor ainda, receber a letra fria e dura da lei é tornar-se
imediatamente um indivíduo. Poder personalizar a Lei é sinal de que se é uma
pessoa.
Ora, é obvio que tal postura, como assegura o antropólogo, é própria de
nossa cultura autoritária e compromissada no ideário por uma elite, que desde os
primórdios se acha acima do bem e do mal, da Lei e da ordem, diferentemente da
cidadania americana por exemplo, que ao ser abordada por um agente do Estado
inverte tal procedimento de indagação com uma segunda pergunta: who do you
think you are? Quem você julga que é? Que a rigor, coloca o pedante no seu devido
lugar”.(DA MATTA, 1990, p. 197).
Neste contexto, afirma Martins (2002, p.94) “que o ideário moderno
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brasileiro é marcado pelo poder de certas elites que não se comportam como
classes socioeconômicas, mas como clãs despóticos, que se legitimam a partir de
vários fatores, entre os quais os econômicos, financeiros e políticos.”
Logo, o poder não pressupõe ou enfatiza em maior ou menor grau, uma
relação de potencialidade socioeconômica, mas sim pelas relações de mando,
típicas de clãs autoritárias, que muitas vezes obtém riqueza e poder não por razões
meritocráticas, mas sim pela dádiva patrimonial, no dizer de Martins (2002 p.95):
A dádiva patrimonial é uma lógica tradicional de poder que confere aos seus
detentores prestígio e honra, qualidades aristocráticas vedadas aos situados fora
do circulo daqueles tidos como próximos: Os membros das grandes famílias
proprietárias, os agrupamentos políticos e burocráticos influentes, os segmentos
militares poderosos e, também industriais e dirigentes de importantes grupos
econômicos (que se apresentam como classes do mundo burguês do trabalho, e
como clãs no mundo oligárquico – patrimonial da ostentação e da glória).
Por outro lado, tal classe política dominante, como segmento importante
do aparelho de estado brasileiro, em suas ações administrativas e condutora das
ações operárias, é obvio que exerce influência e tendência a agir com o viés cultural
que são detentores, consubstanciando-se em um sistema próprio de administrar
brasileiro, conforme afirma Barros (1996 p. 75,76):
A concentração de poder coloca nas mãos de uma pessoa os destinos da
organização [...] neste momento é que se revela o personalismo como traço
atuante, pois a solução será dada por uma única pessoa. [...] Este estilo visa a
manutenção do poder, seja pela preservação das informações, seja pelo ritual de
pedir a benção. Esta é a frente do personalismo para que todos saibam quem
manda na empresa.
Temos então, o caráter autoritário destas práticas que lato sensu
perduram no ambiente empresarial brasileiro, embora haja sinais de que está
havendo mudanças, contudo elas são lentas, como de resto são, as mudanças de
ordem cultural. Todavia, o relevante para a nossa análise é que essas relações de
personalismo, concentração de poder, viés autoritário e cultura da dádiva
patrimonial, que angaria patrimônio e poder sem mérito, transcendem as empresas
e ambientes familiares e privados e ganham as ruas exercendo influência na
sociedade, e aí reside à relevância para a nossa pretensão, pois vai causar impacto
no trabalho policial nas ruas, que por sua vez, também não está imune a tais
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influências em seus ambientes corporativos.
Visto isto, outra variável importante que impacta sobre o trabalho da
polícia é a questão das consequências da modernidade que tem acelerado o
processo de mudanças socioculturais em velocidade astronômica com riscos e
acasos reflexivos, causando descompassos nas instituições tão tradicionais e
conservadoras quanto às polícias militares, que não deixa de causar impactos nas
relações interativas com a sociedade a que presta serviços, conforme atesta
Giddens (1991 p. 175):
Uma das conseqüências fundamentais da modernidade é a globalização. (...) A
modernidade
é
inerentemente
globalizante,
e
as
conseqüências
desestabilizadoras deste fenômeno se combinam com a circularidade de seu
caráter reflexivo para formar um universo de eventos onde o risco e o acaso
assumem um novo caráter.
De fato, com a mais recente onda de globalização político-econômica,
advinda da terceira revolução industrial (revolução técnico-científica), observa-se um
crescimento exponencial nas mudanças comportamentais em todos os ramos. Isto
implica em uma corrente de mutações sobre o comportamento das organizações e
dos indivíduos, até porque para sobreviverem às mudanças as empresas precisam
se modernizar o que importa em mudança no padrão de gestão, mesmo
reconhecendo o viés cultural, arcaico e tradicional que a rigor, tem dificultado tais
mudanças.
Uma frente importante dessas mudanças tem sido, por exemplo, a
questão do meio ambiente, também inserido no rol dos Direitos Humanos, que incita
a preocupação de toda comunidade internacional quanto a saúde do planeta, que
por sua vez, impacta sobre o trabalho da polícia ostensiva, a qual cabe no
geral à responsabilidade pela polícia ambiental. Neste contexto novas demandas
vão surgindo, e em meio a esta sociedade em mudanças, aumenta a importância do
trabalho policial em face desta difícil relação interativa e dialética, presente em uma
sociedade em constante mutação.
Neste cenário, tem se firmado em nível internacional e nacional, o
fortalecimento do viés democrático ─ para o qual o exercício dos Direitos Humanos
é imprescindível ─ além do que, tem se verificado uma maior cobrança pela
efetivação e concreticidade desses direitos. Logo, em meio a uma sociedade que a
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cada dia agrega novos significados e amplia o foco quanto ao exercício desses
direitos, termina por oportunizar um choque de interesses entre as pretensões dos
policiais e da sociedade quanto o ser protetor e receptor recíproco desses direitos.
Considerações Finais
Por concluso é fato que a importância dos Direitos Humanos ganhou
dimensão internacional, desde a positivação dos direitos de primeira aos de última
geração e que, a busca por sua concretização, perpassa em muito pelo agir policial,
com
relevo
no
Brasil,
pelo
trabalho
das
Polícias
Militares,
instituições
constitucionalmente responsáveis, pelo policiamento ostensivo.
Com efeito, o modus operandi destes profissionais, em virtude do maior
ou menor grau de respeito a tais direitos, afetam a dimensão do grau de
democracia, em que vive a sociedade, daí a relevância desta relação. Contudo, em
sociedades balanceadas por padrões de convivência autoritária, fruto de nossa
construção histórico-cultural, bem como a evidência de novos padrões de
convivência social, advindos da globalização político-econômica, tem tornado difícil
esta relação, sendo prudente às instituições policiais estarem sempre atentas a esta
questão.
Esta componente é relevante, pois é preciso agir sempre evitando as duas
principais chagas do trabalho policial: “ a violência e a corrupção policial”, onde a
primeira se verifica mais efetivamente com as classes sociais menos abastadas, e a
segunda, em meio as classes mais abastadas, mas ambas depõem contra o
trabalho policial e afetam a concretização efetiva dos direitos humanos, com reflexo
no grau de democracia da sociedade.
Referências
BALESTRELI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: coisa de Polícia, Passo Fundo:
Berthier, 2002.
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COLETTI, Luciana. Norberto Bobbio: historicidade dos direitos humanos in
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In
Cultura
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MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; PROENÇA JÚNIOR, Domício. Da Accountability
seletiva à plena responsabilidade policial. Rio de Janeiro: Instituto de combate ao
crime (IBCC), 2006.
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CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBELO
INSTAURAÇÃO NO CONSELHO DE
abrangência dos limites da acusação
ACUSATÓRIO X PORTARIA DE
JUSTIFICAÇÃO: delimitação da
José Henrique Marinho de Barros1
RESUMO
No Estado de Pernambuco com o advento da criação da Secretaria de Defesa
Social, propiciou a integração dos órgãos operativos como a Polícia Militar, Polícia
Civil, Corpo de Bombeiro Militar e a Polícia Científica. Ocorre que, em face disto
mudanças legislativas foram implementadas na Corregedoria Geral da SDS, a todo
custo e, por vezes sem respeitar as legislações específicas das corporações
militares, causando uma insegurança jurídica, e consequente prejuízo aos militares
estaduais.Neste diapasão é que trouxemos à reflexão sobre o instituto do libelo
acusatório e a portaria de instauração do Conselho de Justificação, como
delimitadores da abrangência da acusação e as garantias constitucionais da ampla
defesa e do contraditório.
Palavras-chave: Libelo Acusatório, Conselho de Justificação, Limites da acusação
Introdução
Tem o presente artigo o objetivo de trazer ao debate o atual
processamento do Conselho de Justificação a luz da legislação pertinente a espécie,
quanto ao emprego da Portaria de Instauração do Conselho de Justificação em
substituição ao Libelo Acusatório, o que a princípio, por vezes, pode trazer prejuízos
a realidade fática da apuração, ou até mesmo dificultar a ampla defesa e o
contraditório, garantias constitucionais essenciais ao fortalecimento do estado
democrático de direito.
1. Das Legislações Pertinentes a Matéria
Há de se considerar que o Conselho de Justificação é um
procedimento administrativo disciplinar típico das instituições militares, o qual tem
1
Major da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-graduado em Direito Penal e
Processo Penal
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por objetivo apurar e julgar a conduta do oficial, no nosso caso, da Polícia Militar de
Pernambuco, culminando ao final pela incapacidade ou não da permanência do
miliciano nas fileiras da Corporação policial militar.
No magistério de Jorge César de Assis verificamos que a declaração
de indignidade e de incompatibilidade para o oficialato apresenta-se em duas
modalidades: A declaração de indignidade ou incompatibilidade para o oficialato de
natureza administrativa e, a declaração de incompatibilidade ou indignidade para o
oficialato de natureza penal, decorrente esta última da condenação em crime militar
ou comum.
A Constituição Federal prescreve no seu § 1° do Art. 42, combinado
com o inciso VI, §§ 2° e 3°, do Art. 142; as garantias e prerrogativas dos oficiais
militares estaduais, in verbis:
Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares,
instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 1° Aplicam-se aos militares dos Estados, do distrito Federal e dos
Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8°; do
art. 40, § 9°; e do art. 142, §§ 2° e 3°, cabendo a lei estadual específica dispor
sobre as matérias do art. 142, § 3°, X, sendo as patentes dos oficiais conferidas
pelos respectivos governadores.
Art. 142...
VI – o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato
ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em
tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;
Na mesma esteira, a Constituição do Estado de Pernambuco, também
referenda a matéria atribuindo competência ao Tribunal de Justiça do Estado para o
julgamento final do oficial, quanto à perda da patente, conforme preceitua o §§ 5° e
6° do Art. 100 do diploma legal.
Art. 100 São militares do Estado os membros da Polícia Militar de Pernambuco e
do Corpo de Bombeiros Militar.
...
§ 5° O oficial da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar só perderá o
posto e a patente se for julgado indigno ao oficialato, ou com ele incompatível, por
decisão do Tribunal de Justiça Militar, quando este existir, ou do Tribunal de
Justiça do Estado, devendo a lei especificar os casos de submissão a processo e
a seu rito.
§ 6° O oficial condenado na justiça comum ou militar à pena privativa de
liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será
submetido ao julgamento previsto no Parágrafo anterior.”
No entanto, o principal mandamento jurídico-normatizador do Conselho
de Justificação é a Lei Federal nº 5.836, de 5 de dezembro de 1972, estabelecendo
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os casos de submissão do oficial ao CJ (Art. 2º), bem como as normas
procedimentais que conduzem os ritos instrumentais da marcha apuratória.
Mais adiante, a Lei Estadual nº 6.957 de 3 de novembro de 1975,
disciplina que a perda do posto e da patente do oficial, por indignidade, só ocorrerá
por decisão da égide do Tribunal de Justiça do Estado, inclusive nomeando os casos
que tornam o oficial das Corporações Militares do Estado indigno ou incompatível
com o oficialato. É bem verdade que a lei estadual pouco ou quase nada acrescenta
aos procedimentos previstos na lei federal.
Por sua vez o Regimento Interno do Tribunal de Justiça editado pela
Resolução nº 84 de 24 de janeiro de 1996, dispõe a partir do seu Art. 256K e
seguintes, o rito procedimental do julgamento do Conselho de Justificação, naquela
corte, finalizando como decisão em última instância sobre a matéria.
Ainda em consonância com o tema a norma estatutária da Polícia
Militar de Pernambuco, Lei nº 6.783 de 16 de outubro de 1974, dispõe no seu bojo,
no Capítulo III Da Violação das Obrigações e dos Deveres, inserções acerca da
submissão do oficial a Conselho de Justificação no seu Art. 47, a seguir: “Art. 47 – o
oficial presumivelmente incapaz de permanecer como policial-militar da ativa será
submetido a Conselho de justificação na forma da legislação específica”.
Com o advento da Lei Complementar nº 158 de 26 de março de 2010,
que alterou o §2º, do Art. 3º da Lei nº 6.957 de 03 de novembro de 1975, atribuindo
competência ao Secretário de Defesa Social e a este Órgão correcional para indicar
ao Governador do Estado, o oficial a ser submetido a Conselho, que até então, era
competência privativa do Comandante Geral da Corporação, como observa-se in
verbis:
Art. 3º O Conselho de Justificação observará as normas de procedimento
estabelecidas pela lei federal, no que não for incompatível com os preceitos desta
Lei.
...
§ 2º Cabe ao Secretário de Defesa Social, ao Corregedor Geral da Secretaria de
Defesa Social, ou aos Comandantes Gerais da Polícia Militar e do Corpo de
Bombeiros Militar a indicação do oficial a ser submetido a Conselho de
Justificação.
2. Da Controvérsia Entre a Portaria Inaugural do Conselho de Justificação x
Libelo Acusatório
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Diante da constatação de situações de irregularidades praticadas por
oficial militar, as quais noticiem os elementos materiais necessários à indicação de
autoria, e se enquadrem, em face de sua gravidade, nos casos previstos na
legislação específica de submissão ao Conselho de Justiça, deverá à autoridade
administrativa provocar o competente ato governamental de submissão, de acordo
com o que prescreve o §2º, do Art. 3º da Lei nº 6.957.
É bem verdade que com a criação da Corregedoria Geral da SDS,
foram criadas duas Comissões Permanentes de Disciplina Policial Militar, compostas
por 03 (três) oficiais superiores da Polícia Militar, sobre os quais recairão as
nomeações para o Conselho de Justificação, estabelecido no inciso III do Art. 7° da
Lei 11.929/01.
Submetido o oficial ao procedimento disciplinar por ato governamental,
caberá em seguida a autoridade administrativa, no caso em questão, o Corregedor
Geral ou o Comandante Geral, fazer baixar portaria instauradora do processo
administrativo – CJ.
Em face disso, no nosso entendimento, deveria a portaria inaugural
revestir-se de conteúdo objetivo claro de forma a permitir, tão somente, as condições
necessárias de legalidade e eficácia do ato administrativo.
Nesse sentido, na seara do Conselho de Disciplina se pronunciou o
então Corregedor Geral, Dr. José Luiz de Oliveira Júnior, por meio do Provimento
Correcional – Cor. Ger. n° 002 de 14 de abril de 2005, pela singularidade objetiva do
ato administrativo, conforme texto abaixo:
Provimento Correcional – Cor. Ger. n° 002 de 14 ABR 05. Dispõe sobre publicação
de Portarias distributivas de Conselho de Disciplina para as Comissões
Permanentes de Disciplina, previstas no Art. 7°, IV e VI, da Lei n° 11.929, de 02
JAN 2001, e dá outras providências. Secretaria de Defesa Social. Corregedoria
Geral. O Corregedor Geral, no uso de suas atribuições; considerando o disposto
no Art. 2° XI, da Lei n°11.929, de 02 JAN 01, c/c o Art. 4°, § 1°, II, “a”, do Decreto
Estadual n° 24.510, de 10 JUL 02, considerando que se faz necessário aplicar os
princípios da razoabilidade, economia processual e financeira também no âmbito
das atividades disciplinares desta Corregedoria Geral; Considerando que
publicações atinentes à distribuição de Conselhos de Disciplina, oriundos da
Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, representam ônus financeiro de
vulto a esta Corregedoria, mas são de interesse público e também das partes
integrantes da relação processual; Considerando que os temas versados em cada
Conselho estão vertidos nas respectivas Portarias de submissão, cujos textos são
publicados em Boletim Geral das respectivas Corporações, para ciência dos
interessados; Considerando a necessidade de se fazer publicar no Diário Oficial
do Estado a distribuição de cada Conselho; Considerando que os acusados, em
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sede de Conselho de Disciplina, têm ciência expressa e formal do libelo
acusatório (Art. 9°, do Decreto Estadual n° 3.639/75; Considerando que as já
referidas publicações em Boletim Geral e as atinentes à Portarias de distribuição
de cada feito atendem ao disposto no Art. 37, caput, da Constituição Federal,
RESOLVE:
Art. 1° - Portarias de distribuição de Conselhos de Disciplina serão
publicadas, em resumo, no Diário Oficial do estado, contendo: n° da Portaria, n° da
Portaria do Comandante Geral que submeteu o militar estadual a Conselho de
Disciplina, n° e data de publicação em Boletim Geral; nome, e matrícula do
aconselhado; fundamento legal da submissão; remissão à Portaria submissiva;
especificação da Comissão Disciplinar por onde tramitará o feito; n° do Conselho
de Disciplina; local, data, nome e cargo da autoridade correicional subscritora.
Art. 2° - Este provimento entra em vigor na data de sua publicação no Diário
Oficial do estado.
Art. 3° - Afixe-se no local de costume. Recife, 14 ARB 05. José Luiz de Oliveira
Júnior – Corregedor Geral. (griffo nosso)
Assim, por ser o Conselho de Justificação um procedimento
administrativo disciplinar específico das Instituições Militares, tendo no seu rito
processual a figura do libelo acusatório, peça singular, que tem por finalidade
precípua informar ao justificante os limites da acusação, contendo as infrações
disciplinares e irregularidades funcionais que lhes são atribuídas, possibilitando a
ampla defesa e o contraditório e, por via de consequência a garantia do devido
processo legal, como adiante se vê no Art. 9° da Lei n° 5.836/72:
Art. 9° Ao justificante é assegurada ampla defesa, tendo ele após o interrogatório,
prazo de 5 (cinco) dias para oferecer suas razões por escrito, devendo o Conselho
de Justificação fornecer-lhe o libelo acusatório, onde se contenham com minúcias
o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados.
Oportuno, são os ensinamentos do professor José Armando da Costa
na sua obra Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, conceituando a
portaria de instauração como:
A portaria é o instrumento idôneo de que se utiliza a autoridade administrativa para
formalizar a instauração do processo disciplinar. Além dessa função iniciatória do
processo, a portaria instauradora constitui a comissão, designa o seu respectivo
presidente e estabelece os limites da acusação 2.
Claro está que o entendimento do insigne professor, contempla o
2
COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar. 3ª Ed. B J, 1999.
P. 183.
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sentido do ato administrativo iniciador do processo administrativo disciplinar - PAD
dos servidores civis, ou seja, para esse procedimento é imprescindível a portaria
inaugural tenha maior abrangência, no sentido de formalizar todas as informações
pertinentes a validade do ato como: embasamento legal, constituição da comissão,
objeto da apuração com as circunstancias delimitadoras da acusação. A partir de
então estará o acusado em condições de responder ao presente PAD na plenitude
de seu exercício de defesa.
Desta forma, questão controversa está na edição da portaria inaugural
do Conselho de Justificação e a função normativa do Libelo Acusatório. Porquanto,
verificamos hoje uma superposição, ou até mesmo, substituição da portaria pela
função específica do Libelo Acusatório, como se fosse uma usurpação do conteúdo
fático do libelo.
Ocorre que a portaria inicial de Conselho de Justificação formulada
dentro dos parâmetros apresentados no conceito do professor José Armando da
Costa, estaria perfeitamente adequada a proporcionar condições da comissão
processante, perquirir em busca da apuração da realidade dos fatos e das condutas
praticadas pelo justificante.
Entretanto, por vezes oficiais são submetidos a Conselho de
Justificação em face de acusações criminais, tanto na justiça militar ou comum, o
que por via de consequência, conduz a prática de infrações disciplinares.
Dentro dessa realidade, verificamos quase sempre que as portarias
inaugurais de Conselho de Justificação limitam-se a reproduzir cópias das denúncias
ministeriais, as quais visam a persecução criminal, não contendo no seu bojo as
condutas disciplinares afrontadas por ação ou omissão, previstas na Lei n°
11.817/00, CDME.
Ressalte-se que tal omissão de conteúdo da portaria compromete a
apuração dos fatos na sua plenitude, todavia neste caso, delimitará a abrangência
da acusação, formando uma vinculação temática do objeto do procedimento
investigatório.
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Considerações Finais
O Direito Administrativo Disciplinar Militar, se assim entendermos como
uma subdivisão do Direito Disciplinar3, por ter como objeto exclusivamente os
diversos processos disciplinares atinentes aos militares, ainda carece de maiores
estudos, levando às vezes, a entendimentos equivocados das tradições e da cultura
dos militares estaduais.
Nesse sentido, encontramos o debate a cerca da Portaria inicial do
Conselho de Justificação, em face da função processual destinada ao Libelo
Acusatório previsto na Lei n° 5.836/72, de delimitação dos limites da acusação, bem
como proporcionar a condição para o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Desta feita, apresentamos como mecanismo de conduta duas
possibilidades de saneamento da questão, a saber:
a) Confecção da Portaria inicial do Conselho de Justificação com os
elementos necessários a legalidade e eficácia do ato administrativo como:
n° da Portaria inicial do Conselho de Justificação, remissão ao ato
governamental de submissão do oficial, com embasamento legal (Lei n°
5.836/72 e Lei n° 6.957/75) e nome e matricula do Justificante, descrição
dos fatos e documentos que deram origem ao CJ, acrescidos da análise
das condutas disciplinares irregulares praticadas pelo Justificante no
objeto móvel do CJ (Lei n° 11.817/2000), especificação da Comissão por
onde tramitará o feito, n° do Conselho de Justificação, local, data, nome,
cargo da autoridade correcional subscritora.
b) Confecção de provimento correcional delimitando o conteúdo da Portaria
inicial do Conselho de Justificação com os seguintes elementos: n° da
Portaria
inicial
do
Conselho
de
Justificação,
remissão
ao
ato
3
O que na realidade existem, seguindo o ensinamento de Damásio de Jesus ao conceituar Direito
Penal, inspirado no magistério de José Frederico Marques, são normas que ligam à transgressão,
como fato, a pena disciplinar como consequência, disciplinando também as relações jurídicas daí
derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das sanções, administrativas disciplinares e a tutela do
direito de liberdade em face do poder de punir do Estado, sendo o este conceito de Direito Disciplinar.
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governamental de submissão do oficial, com embasamento legal (Lei n°
5.836/72 e Lei n° 6.957/75) e nome e matricula do Justificante,
especificação da Comissão por onde tramitará o feito, n° do Conselho de
Justificação,
local,
data,
nome,
cargo
da
autoridade
correcional
subscritora.
Por fim, entendemos, conforme argumentações expostas que tal
controvérsia poderia ser perfeitamente dirimida com a adoção de uma das duas
linhas de procedimentos apresentadas de maneira a proporcionar a segurança
jurídica necessária ao exercício da ampla defesa e do contraditório.
Referências
COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar.
3ª Ed. B J, 1999.
SANTANA, Luiz Augusto de. O Direito Militar aplicável às polícias militares em face
do poder disciplinar. Artigo Revista Estudos & Informações, novembro/2007.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. rev e atual. São
Paulo: Saraiva, 2009.
ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de Direito Disciplinar Militar. 5º ed. 2010.
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A Coação Moral Irresistível nos Crimes Contra o Dever Militar
Vilmarde Barbosa da Costa1
Resumo
O presente artigo trata da coação moral irresistível nos crimes contra o dever militar.
Inobstante o Código Penal Castrense reconheça expressamente que não é culpado
o agente quando age sob coação moral irresistível, o referido diploma também
expressa que o agente não pode invocar tal circunstância quando o crime que
incorreu violar o dever militar. Destarte, o que se vê é a aplicação de
responsabilidade objetiva, contrariando o próprio conceito de culpabilidade e, por
conseguinte, violando a Constituição Federal. Assim, pretende o referido trabalho que explora a inexibilidade de conduta diversa -, apresentar as ponderações
doutrinárias para não recepção do referido dispositivo face a Carta Magna.
Palavras-chave: Culpabilidade, Coação Moral Irresistível, Dignidade da Pessoa
Humana.
Introdução
A palavra culpa e culpado tem sentido lexical comum de indicar que uma
pessoa é responsável por uma falta, uma transgressão, ou seja, por ter praticado um
ato condenável. Somos culpados de nossas más ações, de termos causado um
dano, uma lesão. Esse resultado lesivo, entretanto, só pode ser atribuído a quem lhe
deu causa se essa pessoa pudesse ter procedido de outra forma (MIRABETE,
2003).
Contudo o referido conceito nem sempre teve este entendimento. Na
antiguidade, bastava o fato lesivo, sem que se indagasse a culpa do autor da
conduta. O agente poderia ser responsabilizado penalmente sem culpabilidade.
Percebeu-se, porém, no decorrer da evolução cultural, que somente poderiam
ser aplicadas sanções ao homem causador do resultado lesivo se, com seu
1
Major da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Ciências Criminais Militares,
Pós-Graduado pela Escola Superior de Magistratura de Pernambuco.
75
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comportamento, poderia tê-lo evitado (MIRABETE, 2003).
Destarte, com a introdução do direito penal intitulado de moderno, a
culpabilidade passou a ser elemento caracterizador da reprovabilidade da conduta
típica e antijurídica. Deste, restou claro que toda pena supõe culpabilidade, de modo
que não pode ser castigado aquele que atua sem culpabilidade (JESCHECK apud
MIRABETE, 2003).
A culpabilidade, que se compõe pela imputabilidade, potencial consciência da
ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, é o terceiro elemento do crime no seu
conceito analítico, compondo sua estrutura tripartida.
Entrementes, para fins deste artigo, será tratado somente um dos elementos
da culpabilidade – exigibilidade de conduta diversa, em especial a coação moral
irresistível.
Neste, o que se pretende é avaliar a luz da melhor doutrina, se é possível ou
não a aplicação de uma pena ao autor militar que incorra em um fato típico e
antijurídico previsto no Código Penal Militar, no título III do livro I, de sua parte
especial, que traz o signo de crimes contra o dever militar, visto que o artigo 40 do
referido diploma legal estabelece que não é oponível ao agente alegar coação moral
nos crimes em que há violação do dever militar.
1. A Coação Moral Irresistível nos Crimes Militares Contra o Dever Militar
A coação irresistível encontra-se prevista no artigo 38 do Código Penal Militar,
no qual afirma que não é culpado quem comete o crime sob coação irresistível ou
que tenha a sua faculdade de agir segundo a própria vontade suprimida.
No caso, quando assim o militar age, sob a coação de uma grave afetação
psicológica ligada ao temor de um mal que se expõe de forma irresistível, não lhe
será exigível comportamento diverso da prática de fato típico e antijurídico que
incidiu.
Assim, a pena perde a sua legitimação quando o militar pratica a ação sem a
opção livre de se comportar de acordo com a lei, visto que sua voluntariedade se
encontra viciada.
A ideia, neste caso, de exigibilidade de outra conduta é ligada à ideia de
liberdade, pois se reprova pessoalmente o sujeito que, podendo se comportar
conforme o direito, optou livremente por se comportar contrário ao direito. Por isso, o
referido direito, exigindo do autor uma conduta da que ele praticou, pode imputar-lhe
o juízo de censura da culpabilidade (BRANDÃO, 2010).
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Destarte, a liberdade de opção é eliminada do militar quando ele é
insuperavelmente coagido. Isto significa que, quando a coação é irresistível a
vontade do militar é viciada, pois é o coator quem dirigirá o acontecer finalístico, e
por isto não se pode efetuar sobre o coagido o juízo e censura pessoal da
culpabilidade, porque o coagido não teve vontade livre e consciente de se comportar
contrário ao direito (BRANDÃO, 2010). Só é punível quem é moralmente livre para
optar pelo cometimento ou não de um crime.
É lógico, porém e relevante destacar, que a inexibilidade de conduta diversa
alegada pelo militar deve ser apreciada concretamente e de maneira pormenorizada,
a fim de que se aprecie se realmente a coação era inelutável, visto que possui,
distintamente do civil, preparação para situações extremamente adversas.
Como cita Grego (2008), não se pode conceber um “padrão” de culpabilidade.
As peculiaridades e condições a que foi submetido o militar sob coação moral devem
ser cotejadas caso a caso, até porque o critério de aferição do medo de intimidação
que sofre um civil não pode ser o mesmo usado para apreciar se o militar pode ou
não resistir a coação.
Conquanto, é indispensável que o perigo seja tão sério que o militar sob
coação não possa se eximir, não possa suportar, e que assim constatado, não seria
exigível impô-lo qualquer ação, como à guisa de exemplos: a entrega da sua própria
vida ou de um ente querido.
O direito não pode exigir do militar heroísmo, a ponto que a lei penal seja
aplicada cegamente, sem a análise concreta se a vontade na qual se vê envolvido o
agente de um injusto se encontra ou não viciada.
Assim, havendo coação moral insuportável, não é exigível que o coato resista
bravamente, como se fosse um autômato cumpridor da lei (NUCCI, 2009).
Logo, é fundamental que se aprecie para a configuração ou não da
excludente de culpabilidade pela inexibilidade de conduta diversa, se o militar sofreu
uma intimidação intensa o suficiente para subjugar sua resistência, fazendo-o temer
a ocorrência de um mal tão grave que lhe será extraordinariamente difícil suportar,
obrigando-o a praticar o crime a que idealizou o coator.
Sabemos que os critérios são diversos na avaliação da irresistibilidade.
Assim, na lição de Nelson Hungria (apud LOUREIRO NETO, 2010), na avaliação da
coação moral, o ponto de referência é o homo medius: “Nem o herói, o homo
constantissimus, de Gaio, ou o tenax propositi vir, de Horácio, nem o pusilânime ou
indivíduo que tem medo à flor da pele”.
É irresistível a coação moral, diz Mayer (apud LOUREIRO NETO, 2010),
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quando não pode ser superada senão com uma energia extraordinária, e portanto,
juridicamente inexigível.
Incide contudo que o Código Penal Castrense estabelece que nos crimes que
atentam contra o dever militar, a coação moral ainda que irresistível, não aproveita o
agente. É semelhante a afirmar que, nesses casos, o militar deve ser dotado de uma
energia extraordinária, equiparando-se ao homo constantissimus de Gaio.
O que se vê neste cenário é que foi temerária a opção do legislador ao
excetuar a possibilidade da isenção de pena por decorrência da coação moral
irresistível quando o injusto penal se referir ao Dever Militar, pois é severamente
desproporcional e contrário ao próprio conceito de culpabilidade.
E mais, a negação do reconhecimento de coação moral irresistível nos crimes
contra o dever militar prevista no artigo 40 do Código Penal Militar não se mantém
plausível face a admissão do próprio legislador no artigo 38 do mesmo diploma legal
que prevê que não é culpado quem comete o crime sob coação irresistível ou que
tenha sua faculdade de agir suprimida.
Não nos parece exigível do militar tamanho sacrifício, que o torne infenso a
ameaças, quando, em face das circunstâncias, não lhe era exigível outra conduta
(LOUREIRO NETO, 2010).
Ora, nesse aspecto, um dispositivo penal que negue a inexigibilidade de
conduta diversa como causa exculpante penal afronta o princípio da culpabilidade
(COIMBRA, 2012), e que devido a sua natureza constitucional, deveria ser
declarado não recepcionado pela Carta Política.
Considerações Finais
O militar em razão da sua missão tem deveres e obrigações que em muitas
situações exigem o risco da própria vida. Entrementes, o seu dever legal não é
suficiente para mitigarmos as conquistas do Direito Penal atual, qual seja, nulla
poena sine culpa.
A respeito do tema, Esmeraldino Bandeira (apud LOUREIRO NETO, 2010),
expõe para rebater os argumentos daquele que propugnavam uma Justiça mais
severa para os soldados que:
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...A farda que veste o militar e que exteriormente o qualifica numa classe
profissional, não tem o poder de revesti-lo interiormente de qualidades inferiores e
de separá-lo numa categoria antropológica especial. Não há de identificar a
profissão com a individualidade; a classe com o homem. Seria barbarizar a justiça
incluir os militares, pelo simples fato de sua profissão, entre os indivíduos que
reclamam uma justiça mais severa – os criminosos tarados, reincidentes e
incorrigíveis. Seria barbarizar a justiça equiparar na aplicação de uma pena mais
severa um militar sem antecedentes judiciários e um paisano com história criminal
pregressa. Seria erigir a profissão militar numa circunstância agravante-geral e
comum de criminalidade. E tudo isso seria uma iniqüidade, só compreensível em
um tempo, já muito remoto, em que o soldado era tido por gente de maior
perversidade e de piores costumes; tempo em que as forças armadas se
recrutavam entre os relapsos e contumazes de todos os crimes.
Destarte, o que se espera é que em um país – no caso o Brasil – que adotou
o Estado Democrático de Direito como princípio fundamental, aprecie, pelo menos
em tempo de paz, se o militar na situação em que se encontrava, optou em agir ou
não contrariamente ao exigido pela lei. Ou seja, se estava moralmente livre e apto
para exercer seu livre-arbítrio, pois somente assim se justifica a imposição de
castigo merecido, pela ação criminosa e livremente criminosa (ARAGÃO apud
GREGO, 2008).
Pois não se pode olvidar que o medo, o receio, a ameaça a que foi submetido
o militar, devem ser revestidos de potencialidade intimidadora a tal ponto de lhe
ocasionar um estado de comoção psíquica que lhe subtraia a capacidade de
autodeterminação para que possa ser isento da pena.
Do contrário, aplicar a pena ao militar que cometeu um fato típico e
antijurídico contra o dever militar, mas que inegavelmente se encontrava sob coação
moral irresistível, é violar flagrantemente o próprio conceito de culpabilidade.
Deste modo, por se encontrar a culpabilidade implicitamente em nível
constitucional, no que se refere aos princípios da dignidade da pessoa humana, da
individualidade da pena, legalidade e igualdade, que veda o mesmo tratamento ao
culpável e ao inculpável, infiro que o artigo 40 do CODEX Militar não foi
recepcionado pela Constituição Federal do Brasil.
Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2005.
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BRANDÃO, Claudio. Curso de Direito Penal.Parte Geral. 2ª Ed. Forense:Rio de
Janeiro, 2010.
CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 3ª ed. Bahia: Editora
Jus Podivm, 2010.
FREITAS, Ricardo de Brito A. P. Razão e Sensibilidade. São Paulo: Editora Juarez
de Oliveira, 2001.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10ª ed.Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. 5ª ed. São Paulo: Atlas,
2010.
MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. 2ª ed.rev.
e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19ª ed. São Paulo: Atlas,
2009.
NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcelo. Manual de Direito
Penal Militar. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ªed. Ver., atual e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: Parte Geral, arts. 1º.
a 120. 12ª ed. Ver. Atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
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A CONTRIBUIÇÃO DE UM SISTEMA DE APOIO A DECISÃO PARA O
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE DISTRIBUIÇÃO DO CONTINGENTE
POLICIAL MILITAR: Um estudo de caso de prática de business intelligence no
Microsoft® Excel

Carla Cristina de Oliveira1
Wolney Alexandre Pereira da Silva2
Resumo
A violência tem aumentado de forma sistemática em algumas regiões brasileiras fazendo
com que a população cobre das autoridades competentes medidas urgentes que possam
diminuir os atuais índices que já chegam ao limite do suportável. Por outro lado, as unidades
da Polícia Militar não dispõem de ferramentas de tecnologia da informação (TI) para
armazenar, tratar e analisar dados coletados dos boletins de ocorrências. Faltam sistemas
de apoio a decisão (SAD), ferramentas que possam auxiliar os comandantes durante a
distribuição do contingente voltado ao policiamento ostensivo preventivo. Criado para
atender pessoas com poder de decisão e influência direta sobre os destinos das empresas,
o business intelligence (BI), união de uma série de tecnologias e conceitos, pode ser muito
mais útil na segurança pública do que se imagina. Em sua forma mais ampla, o business
intelligence (inteligência de negócios) pode ser entendido como a utilização de variadas
fontes de informação para se definir estratégias de competitividade nos negócios de uma
empresa. Neste contexto, este trabalho procura mostrar que, a despeito da escassez de
recursos para o combate à violência, é possível melhorar a eficácia e a eficiência da
utilização destes recursos fazendo uso de uma coleta sistemática das ocorrências policiais e
executando um planejamento estratégico da distribuição destes recursos. Neste artigo
tomamos como base do estudo de caso os dados da Companhia de Apoio ao Turista CIATur no período de janeiro a junho de 2007. A utilização de planilhas dinâmicas permitem
mostrar que as ocorrências policiais apresentam um padrão de distribuição temporal,
localização e de natureza que possibilita um planejamento da distribuição do contingente
policial aumentando de forma significativa a ação policial na tentativa de reduzir o número de
ocorrências, a despeito da escassez dos recursos.
Palavras-chave: Criminalidade, Inteligência de Negócios, Planejamento Estratégico,
Planilhas Dinâmicas.
1
Capitã da Polícia Militar de Pernambuco, Especialização em Policiamento Turístico, E-mail:
[email protected]
2
Major da Polícia Militar de Pernambuco, Especialização em Analise Criminal e Estatística pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), Pós-graduado em Gestão Governamental,
Pós-Graduado em Administração de Empresas . E-mail: [email protected]
81
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Introdução
A sociedade contemporânea vive, permanentemente, situações de risco e
ameaça de violência. Seja por conflito militar declarado, por ações terroristas, por
conflagrações sociais ou pelo crescimento das mais variadas formas de
criminalidade. Não há praticamente país ou cidade hoje que possa se considerar
protegido ou imune a ações violentas que põem sob iminente risco seus cidadãos e
habitantes em geral [1].
O aumento dessa violência de forma alarmante em algumas regiões
metropolitanas vem fazendo com que a população cobre das autoridades
competentes medidas urgentes que possam diminuir os atuais índices de
criminalidade que já chegam ao limite do suportável.
Por outro lado, as unidades da Polícia Militar não dispõem de ferramentas de
tecnologia da informação (TI) para armazenar, tratar e analisar dados coletados dos
boletins de ocorrências. Faltam sistemas de apoio a decisão (SAD), ferramentas que
possam auxiliar os comandantes durante a distribuição do contingente voltado ao
policiamento ostensivo preventivo.
Há muito tempo ferramentas como planilhas eletrônicas são utilizadas por
executivos para as mais variadas aplicações como orçamentos, projeções, análises
de projetos e avaliações de negócios. Segundo Henderson & Venkatraman [2] e [3] o
papel da TI nas organizações pode variar de simples suporte administrativo até uma
posição estratégica.
Criado para atender pessoas com poder de decisão e influência direta sobre os
destinos das empresas, o business intelligence (BI), união de uma série de
tecnologias e conceitos, pode ser muito mais útil na segurança pública do que se
imagina. Segundo Nunes [4], em sua forma mais ampla, o business intelligence
(inteligência de negócios) pode ser entendido como a utilização de variadas fontes
de informação para se definir estratégias de competitividade nos negócios de uma
empresa.
Nesse sentido o emprego de tabelas e gráficos dinâmicos no planejamento
estratégico do policiamento seria de alguma forma praticar BI com Microsoft ® Excel.
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Além de atender necessidades prementes de apoio a decisão, serviria também de
preparação para um conceito mais arrojado no futuro.
A qualidade das informações é avaliada pela precisão e segurança. Elas
também devem ser oportunas, ou seja, devem estar disponíveis ao gerente no
momento certo, para que sejam executadas as ações apropriadas. Também devem
ser relevantes e úteis, e em quantidade suficiente para que os gerentes possam
tomar decisões precisas [5].
Neste contexto, esse artigo procura demonstrar o resultado do emprego de
tabelas e gráficos dinâmicos do Microsoft® Excel na tomada de decisão durante o
planejamento operacional de uma unidade Policial Militar de Pernambuco, na
distribuição do contingente voltado ao policiamento ostensivo preventivo.
A necessidade de cruzar e analisar dados gerando informações e
conhecimento para realizar uma gestão eficiente e eficaz é uma realidade tão válida
quanto no passado o foi descobrir se “a alta da maré iria propiciar uma pescaria
abundante”, no passado e no presente não há como “navegar” às cegas.
1. Materiais e métodos
Para o trabalho foram realizados a coleta, o armazenamento, o tratamento e
as análises dos dados de boletins de ocorrência policiais em planilha eletrônica e
sobre os dados foram aplicados os recursos de tabelas e gráficos dinâmicos.
No estudo foi usado o aplicativo Microsoft® Excel, um programa de planilha
eletrônica escrito e produzido pela Microsoft para computadores usando o sistema
operacional Microsoft® Windows e computadores Macintosh da Apple®. Seus
recursos incluem uma interface intuitiva e capacitadas ferramentas de cálculo e de
construção de gráficos [6].
Os dados tabulados referem-se ao período de atendimento de ocorrências
entre janeiro a junho de 2007 da Companhia Independente de Apoio ao Turista
(CIATur).
A CIATur é uma unidade especializada da Polícia Militar de Pernambuco criada
para atuar em áreas e locais de relevante valor turístico, além de eventos culturais.
Em especial a CIATur atua de forma territorial na área estudada que é a Zona
Especial de Interesse Turístico (ZEIT) Olinda, compreendendo o Sítio Histórico do
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Município de Olinda, Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil, que em
2007 recebeu o título de Capital Nacional da Cultura. Segundo dados de setores
censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ZEIT Olinda
agrega uma população de 3.700 habitantes e 1.100 residências.
A CIATur empregava, à época, na área, um efetivo composto de 220 Policiais
Militares, com tempo médio de três anos na Corporação. Desse contingente, cerca
de 20% é bilingüe e 30% do efetivo são de policiais femininos. O policiamento é
realizado na modalidade a pé e motorizado, ou seja, com o uso de motos e carros, e
as equipes cumprem escala de trabalho de 12 horas de trabalho por 36 horas de
folga e são lançadas em turnos. A área é policiada durante 24 horas, 365 dias do
ano.
2. RESULTADOS
De fato, conforme sugere o gráfico 1, é possível observar que as ocorrências
registradas nos boletins de ocorrência (BO) acontecem de forma sazonal ao longo
do dia, concentrando um
número relativamente
grande em algumas horas.
Destacam-se os períodos entre 15 e 17 horas e entre 21 e 23 horas. Nestes dois
períodos concentra-se cerca de 40% das ocorrências.
Gráfico 1. Total de ocorrências distribuídas por horários.
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O gráfico 2 dá uma visão geral das ocorrências da CIATur em Olinda e dentro
da Zona Turística quanto aos turnos de maior atendimento. Fica claro que o turno da
noite, com 36,49% dos registros, é o que requer mais empenho dos policiais.
Gráfico 2. Total de ocorrências distribuídas por turnos.
É possível verificar, no gráfico 3, que quando se trata do dia da
semana destacam-se o domingo e a segunda-feira, que juntos, somam mais de 48%
das ocorrências.
Gráfico 3. Total de ocorrências distribuídas por dias da semana
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Analisadas
192
ocorrências
distribuídas
e
19
naturezas
registradas na ZEIT Olinda, foram selecionadas dentre elas 10 mais relevantes:
observa-se que juntas perfazem um total 48,20% dos registros (gráfico 4 e 5).
Ocorrências na ZEIT por todas natureza
18,00%
16,67%
16,00%
14,00%
12,50%
12,00%
10,71%
10,12%
10,00%
7,14%
8,00%
5,95%
6,00%
4,00%
5,36%
4,17% 4,17%
2,98%
2,38%
2,00%
1,79%
2,38%
1,79%
3,57%
3,57%
2,38%
1,19%
1,19%
0,00%
Gráfico 4.Total de ocorrências distribuídas por natureza do fato.
Ocorrências na ZEIT por principais natureza
30,00%
28,38%
25,00%
20,00%
16,22%
15,00%
13,51%
9,46%
10,00%
8,11%
6,76%
5,41%
5,41%
4,05%
5,00%
2,70%
0,00%
AGRESSÃO
DROGAS
FURTO
PORTE
ILEGAL DE
ARMAS
ROUBO
AMEAÇA
ATRITO
VERBAL
LESÃO
HOMICÍDIO VIOLAÇÃO
CORPORAL
DE
DOMICÍLIO
Gráfico 5. Total de ocorrências distribuídas pelas 10 principais naturezas.
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Verificou-se que 18% dos logradouros detêm mais de 50% dos registros. Os
principais logradouros têm média para o período de 6 registros (gráficos 6 e 7).
Ocorrências na ZEIT por logradouro
16,00%
14,00%
12,00%
10,00%
8,00%
6,00%
4,00%
PRAÇA DO JACARÉ
AVENIDA JOAQUIM NABUCO
PRAÇA MONSENHOR FABRÍCIO
RUA SÃO JOÃO
PRAÇA DE SÃO PEDRO
PRAÇA JOÃO PESSOA
RUA DE SÃO FRANCISCO
PRAÇA DANTAS BARRETO
RUA CEL JOÃO LAPA
RUA FRANCISCO LAURA CASELE
AVENIDA SANTOS DUMONT
RUA SIQUEIRA CAMPOS
LARGO DO VARADOURO
PRAÇA JOÃO LAPA
RUA BERNARDO VIEIRA DE MELO
LARGO DO AMPARO
RUA DOM PEDRO ROSER
LADEIRA DA MISERICÓRDIA
RUA SALDANHA MARINHO
RUA 13 DE MAIO
AVENIDA BEIRA MAR
RUA DO AMPARO
PRAÇA DO CARMO
RUA BISPO COUTINHO
PRAÇA DOS MILAGRES
PRAÇA DO VARADOURO
LADEIRA DA SÉ
RUA DO FAROL
RUA DO SOL
RUA PRUDENTE DE MORAIS
RUA DO BONFIM
RUA DA BOA HORA
RUA MANOEL BORBA
0,00%
AVENIDA SIGISMUNDO …
2,00%
Gráfico 6. Total de ocorrências distribuídas por logradouros do fato.
Variação entre a média e o número de ocorrência nos
principais logradouros
4,00
3,67
3,00
2,00
1,00
0,67
-0,33
0,00
-1,00
RUA DA BOA
HORA
RUA
MANOEL
BORBA
AVENIDA
SIGISMUNDO
GONÇALVES
RUA DO
BONFIM
RUA DO SOL
RUA
PRUDENTE
DE MORAIS
-1,33
-1,33
-1,33
-2,00
Gráfico 7. Total de ocorrências distribuídas pelos principais logradouros.
Também é possível observar que mesmo dentro de uma área considerada
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pequena, existem variações de ocorrências nas menores porções da área, nas ruas,
que também variam entre si, conforme se vê nos gráficos 8, 9 e 10.
Ocorrências na Rua da Boa Hora
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
MANHA
NOITE
TARDE
domingo
0,00%
10,00%
10,00%
segunda-feira
0,00%
0,00%
10,00%
terça-feira
20,00%
0,00%
0,00%
quarta-feira
10,00%
0,00%
0,00%
sexta-feira
0,00%
0,00%
20,00%
sábado
0,00%
10,00%
10,00%
Gráfico 8. Ocorrências na rua da hora, por turno e dia da semana.
Ocorrências na Rua da Boa Hora
8
7
7
6
5
4
3
2
2
1
1
0
DROGAS
AGRESSÃO
HOMICÍDIO
Gráfico 9. Ocorrências na rua da hora por natureza do crime.
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Gráfico 10. Exemplo de distribuição do efetivo policial após analises, considerando ocorrências por
turno e dia da semana (o emprego de recursos humanos otimizados).
Por outro lado, os resultados sugerem sazonalidade das ocorrências no que se
refere ao dia da semana, hora, turno e logradouro o que permite a adoção de ações
mais eficientes na distribuição do contingente policial para tornar a ação policial mais
efetiva no combate à violência conforme sugere a figura 1.
Figura 1. Diagrama PCFontes.
Considerações Finais
Os resultados comprovam que, a despeito da indisponibilidade de ferramentas
de tecnologias sofisticadas e fortes investimentos, é possível melhorar a eficácia do
policiamento
ostensivo
da
Polícia
Militar
através
da
coleta
sistemática,
armazenamento, tratamento, processamento e análise de dados extraídos de
boletins de ocorrências em tabelas e gráficos dinâmicos.
Graeml [7] diz que uma reestruturação tecnológica dentro de uma empresa
implica principalmente na revisão de processos. E comprovadamente a teoria se
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aplica à falta de informações por não preenchimento adequado do BO e às falhas
ainda muito presentes no preenchimento do boletim de ocorrência.
Oficiais da Polícia Militar e gestores de segurança não demonstram conhecer,
em sua maioria, os recursos básicos de aplicativos ou sistemas de apoio a tomada
de decisão.
Segundo Cazorla [8], muitos profissionais e alunos demonstram dificuldades
mesmo na utilização das ferramentas de análise de dados mais simples, como por
exemplo, a representação de dados em gráficos. Entre essas dificuldades, as mais
frequentes referem-se a dificuldades de cunho matemático.
Com o advento do Business Intelligence, que já está sendo considerado um
verdadeiro sucesso em milhares de companhias, é fácil encontrar executivos que
não sabem como utilizar as informações oferecidas por soluções de BI, que, não
raro se aplica à Polícia Militar.
A extensão deste estudo se dá no sentido de ampliação do período estudado e
o geoprocessamento das informações. Os sistemas com características de
informações geográficas (geographic information system - GIS) permitirão a
manipulação de dados para realizar consultas e manipular características
geográficas da área. Todas essas representações espaciais estão organizadas na
forma de camadas, podendo o usuário ativá-las de acordo com sua necessidade [9].
Referências
[1] VELHO, G. 2004. Violência e conflito nas grandes cidades contemporâneas. VIII
Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra.
[2] HENDERSON, J. C.; VENKATRAMAN, N. 1993. Strategic alignment: leveraging
information technology or transforming organizations. IBM Systems Journal, v.
32, n. 1, p. 4-16.
[3] Mc FARLAN, W. E. 1984. Information Technology changes the way you compete.
Harvard Business Review, v. 62, n. 3, p. 98-103, May/Jun. 1984.
[4] NUNES, S. D. 2001. www.uol.com.br/
280/corp_01.htm acessado em 16/10/01.
computerworld/
computerworld/
[5] STONER, J. A. F. 1993 Administração. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 533p.
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[6] WIKIPÉDIA 2008. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo
enciclopédico.
Disponível
em:
<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Microsoft_Excel&oldid=9743923>.
Acesso em: 22 Mar 2008).
[7] GRAEML, ALEXANDRE R. 2000. Sistemas de Informação: O alinhamento da
estratégia de TI com a estratégia corporativa. São Paulo: Atlas. 135p.
[8] CAZORLA, I. M., SILVA, C. B. VENDRAMINI, C., BRITO, M. R. F. 1999.
Adaptação e Validação de uma Escala de Atitudes em Relação à Estatística.
Atas da Conferência Internacional "Experiências e Expectativas do Ensino de
estatística - Desafios para o Século XXI", Florianópolis, setembro.
[9] GONÇAVES, A. S., RODRIGUES, A., CORREIA, L.2004. “Multi-Agent Simulation
within Geographic Information Systems”. In proceedings of 5th Workshop on
Agent-Based Simulation H. Coelho, B. Espinasse, edts (2004).
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JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL: breve panorama após uma década da reforma
pela EC 45
Werner Walter Heuer Guimarães1
RESUMO
Após quase 10 anos da reforma do Poder Judiciário, promovida pela Emenda
Constitucional nº 45, de 08 de Dezembro de 2004 faz-se necessária uma breve
reflexão sobre os efeitos produzidos na Justiça Militar, em especial na Justiça Militar
Estadual, maior afetada pelas transformações. Neste breve trabalho, traremos a
perspectiva histórica da Justiça Militar do Brasil e lançaremos algumas críticas às
mudanças realizadas há quase uma década. Traremos o exemplo de sucesso da
Justiça Militar de Pernambuco com dados que compravam a eficiência, eficácia e
celeridade daquela Especializada, em contraponto aos argumentos de que a Justiça
Militar Estadual deve ser extinta em razão da sua ineficiência e protecionismo.
Palavras-chave: Justiça, Militar, Emenda.
Introdução
Nos dias de hoje ainda muito se questiona a respeito da existência da
justiça militar, em especial a respeito da Justiça Militar Estadual. Corriqueiramente se
argumenta que é uma justiça arcaica e ainda um resquício da ditadura militar. Com
frequência também os olhares se voltam para a questão da celeridade processual da
Justiça Militar, sob o argumento de que não é célere, transparente e, em última
análise, que perdeu seu sentido de existir. É de se registrar, no entanto, que a
celeridade processual é falada em todos os ramos da justiça brasileira, quer federal,
quer estadual. Mas este não é o nosso foco.
Quase 10 anos se passaram após o advento da Emenda Constitucional
nº 45, datada de 08 de Dezembro de 2004, que, entre outras coisas, trouxe
1
Major da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Penal e Direito
Processual Penal, MBA em Planejamento e Gestão Organizacional, MBA em Gestão Governamental.
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consideráveis mudanças para a Justiça Militar brasileira, em especial para a Justiça
Militar Estadual.
Infelizmente, o direito castrense - aí inseridos o Direito Penal Militar e
Direito Processual Penal Militar – sempre foi abordado de maneira muito tímida,
quase imperceptível, nas bancas escolares das academias de Direito, fato que
acarreta uma total alienação destes ramos do direito por parte de boa parcela dos
operadores, inclusive juízes de direito não habituados a manusear a legislação
especial. Tal desconhecimento sugere uma maior divulgação dessa Justiça
Especializada e da sua forma de atuar – com rigor, transparência e isenção.
Cabe-nos salientar que a Justiça Militar vem sendo usada há milhares de
anos, nas mais variadas regiões do planeta e pelos povos mais diversificados,
lembrando-se, por exemplo, os romanos da Roma Antiga, e sempre com resultados
os mais satisfatórios, tanto que, nos países de hoje, continua-se a fazer uso dela,
com os ajustes e as adaptações evidentemente necessárias à adequação das
sociedades da atualidade. Sempre encaramos a Justiça Militar como um
instrumento necessário à realização da justiça e não um mero privilégio da classe.
O Direito Militar é indubitavelmente imprescindível à sobrevivência das
instituições militares, destacando-se que as particularidades da vida na caserna
impossibilitam sobremaneira que as demandas decorrentes das condutas praticadas
no âmbito militar sejam solucionadas pela via do direito comum. Ressalte-se ainda
que em razão das garantias constitucionais e da proteção internacional, essas
regras também devem ser analisadas à luz dos direitos humanos, como vem sendo
feito em tempos atuais.
De certo, se os processos resultantes de crimes militares fossem
remetidos a uma vara criminal comum, exigiriam muitas vezes conhecimentos que
não são peculiares aos operadores do Direito, como o significado de uma deserção,
insubmissão, motim, abandono de posto, Crimes Contra a Administração Militar,
desacato contra superior, crime contra o comandante do navio, oficial-de-dia, entre
outros ilícitos próprios da vida na caserna. (ROSA, 2005).
Nesta perspectiva, é bom que se diga (...) que o Direito Penal Militar é um
Direito Especial, com características próprias e que se destina (...) à tutela
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indispensável dos altos valores que compõem as Instituições Militares. (ASSIS,
2005, p.21).
As dificuldades, discussões e temas debatidos nas Varas e Tribunais
Militares sequer são ouvidos ou comentados nos corredores acadêmicos, o que
leva, ainda, aos futuros juristas a não desenvolverem nenhum interesse por esse
ramo do Direito, resultando numa considerável carência de profissionais
especializados nesta área.
1. Escorço histórico
O termo “castrense” origina-se, etimologicamente, da palavra castrorum
que em latim significa acampamento. Daí a expressão “Justiça Castrense”, como
também é conhecida a Justiça Militar. O surgimento da Justiça Militar data da
antiguidade e vem precedido, na história dos povos, da existência do Exército
constituído para a defesa e expansão de seu território.
A criação de um Tribunal específico para julgar crimes cometidos por
militares remonta, como afirma Carlos Miguel Castex Aidar, aos mais antigos
códigos sumerianos, onde se constatam penalidades consignadas àqueles que
cometessem crimes no campo de batalha, justificando-se a norma penal própria
pela natureza peculiar da condição de militar e na própria caracterização da
instituição das Forças Armadas como responsável pela defesa do Estado. (ROTH,
2003, p.5).
Na Roma Antiga já existia a justiça militar em face da grande necessidade
dos julgamentos ocorridos nos tempos de guerra. Tais julgamentos, no entanto,
ocorriam em plena “praça de guerra”, dada a necessidade de se punir, de imediato e
de forma exemplar, os infratores, fato que justificava naquela época a existência de
uma justiça voltada única e especificamente para os militares.
Ao falar na evolução da Justiça Militar é necessário o registro da realidade
de Roma, que na história do Direito Militar, como afirma José da Silva Loureiro Neto,
destacou-se em duas direções supremas: na legislação e arte militar, as quais
serviram de guia aos povos modernos. (ROTH, 2003, p.5).
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No nosso caso, a origem da Justiça Militar brasileira remonta ao século
XIV com a vinda de Dom João VI e família real para o Brasil, os quais fugiam, na
época, das tropas de Napoleão Bonaparte. Inicialmente foi criado o Conselho
Supremo Militar e de Justiça, mediante o Alvará de 1º de abril de 1808, para o
julgamento dos militares da Armada e da Força Terrestre. Anos após se tornaria o
atual Superior Tribunal de Justiça.
Não deve passar sem destaque a justificativa de D. João VI ao criar a
Justiça Militar no Brasil, expondo as seguintes razões: “por ser conveniente ao bem
do seu real serviço e a tudo o que respeitava à boa ordem e regularidade da
disciplina militar”2.
Ao analisar detidamente a história do Direito Militar chegaríamos à
conclusão de que o Superior Tribunal de Justiça é o mais antigo Tribunal brasileiro.
2. Breve visão sobre a Justiça Militar Brasileira
A Justiça Militar e, consequentemente, toda a legislação penal e
processual penal militar existe para ser um órgão específico de controle dos
militares. No entendimento de Roth, (2003, p.81) o fundamento da existência da
Justiça Militar está na própria existência das Instituições Militares, estas com
valores, princípios e legislação específica, de forma a exigir a aplicação da justiça
por um segmento especializado do Poder Judiciário.
Assim, temos por certo que o objetivo precípuo da Justiça Militar é
aproximar ao máximo a decisão do Juiz Militar à realidade da caserna, mediante
uma visão prática da realidade da vida castrense, tão específica e peculiar.
Diferente do que muitos pensam, inclusive militares, a Justiça Militar não
tem formação essencialmente castrense e sua composição desde a sua criação
sempre foi colegiada, dela participando igualmente os civis, sendo composta por
juízes civis e juízes militares, apresentando-se sob duas vertentes diferentes, a
Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual, ambas disciplinadas no art. 122
e seguintes da Carta Magna, sendo que cada uma apresenta consideráveis
diferenças estruturais entre si.
2
A Justiça Militar da União, pelo seu novo presidente, in Revista Direito Militar, AMAJME, 1998,
n.13, p.3/6.
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Relembrando, a composição dos Conselhos de Justiça Militar é dada por
quatro Oficiais e um Juiz de Direito e pode ser Permanente, ao qual caberá
processar e julgar crimes militares praticados por praças (Suboficiais, Sargentos,
Cabos e Soldados), ou Especial, destinado exclusivamente ao processamento e
julgamento de Oficiais militares, sendo constituído em caráter excepcional para o
julgamento de apenas um Oficial individualmente (réu), e tem duração enquanto
subsistir o processo do qual é responsável. Neste contexto, é forçoso salientar que
quando usamos o termo “militares” estão inseridos os “militares dos Estados”, caso
dos policiais e bombeiros militares, ambos sob a égide da Justiça Militar Estadual.
O Conselho Permanente de Justiça tem duração de três meses e tem
competência para processar e julgar Praças e civis acusados de crimes militares (os
civis apenas na esfera federal - Justiça Militar Federal). Assim, o Conselho
Permanente não acompanha toda a instrução criminal, pois passado o trimestre de
sua duração, ocorrerá novo sorteio do qual participarão Oficiais da ativa, e, assim,
será nomeado novo Conselho por igual duração.
3. Críticas à Emenda Constitucional nº 45 e à Reforma da Justiça Militar
Estadual
Recentemente, a Justiça Militar Estadual tem sido alvo de diversas
reportagens sobre possíveis extinções dos tribunais específicos nos estados de
Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. As críticas tomam mais corpo, tendo
em vista que não se vê com frequência operadores do Direito com disposição de
levantar esta “bandeira” pelo fato de ser um ramo pouco difundido, como já ditou,
pelo fato de ser aplicável somente a parcela diminuta da sociedade, a saber, os
militares.
A Justiça Militar nos outros Estados é exercida pela Justiça Estadual, pois
a Constituição Federal (CF), em seu artigo 125, § 3º, possibilita a criação da Justiça
Castrense nos casos onde o efetivo militar seja acima de vinte mil integrantes, caso
dos Estados acima.
O Conselho Nacional de Justiça constituiu, por meio de uma portaria, um
Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do diagnóstico da Justiça Militar nos
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âmbitos federal e estadual. Esse grupo terá o prazo de 90 dias para apresentar
relatório final com as propostas que serão encaminhadas ao Congresso Nacional e
às Assembleias Legislativas dos três Estados mencionados.
O próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho
Nacional de Justiça, Ministro Joaquim Barbosa, afirmou que a Justiça Militar
Estadual não tem “necessidade” de existir, tendo em vista que poderia ser absorvida
pela justiça comum, fato que garantiria mais celeridade processual aos processos
militares. Dentre outras críticas, relaciona-se o fato do alto custo dos Tribunais
Militares e do Superior Tribunal Militar, por exemplo: o TJMMG consome R$ 30
milhões por ano de recursos públicos para manter a estrutura com sete
desembargadores e seis juízes que julgam em torno de 300 processos. Já em São
Paulo, o custo estadual é de R$ 40 milhões por ano e no Rio Grande do Sul, R$ 30
milhos anuais. Por sua vez, o Superior Tribunal Militar (STM) consome R$ 322
milhões de recursos públicos com 15 ministros e 962 servidores. A corte julga em
torno de 600 processos por ano. (NÓBREGA, 2014).
Por outro lado, analisando o caso com outra perspectiva, os Estados que
se enquadram na previsão constitucional de criação de Tribunais de Justiça
Militares, ou seja, que possuam efetivos maiores que 20 mil homens, a nosso ver já
os merecem há muito, uma vez que um Tribunal Militar no Estado certamente
solucionaria dois problemas emblemáticos da Justiça Militar Estadual: a demora no
julgamento dos recursos dirigidos ao Tribunal de Justiça na qualidade de segunda
instância, e a judicialidade desse julgamento ad quem.
Outra crítica que registramos mesmo passados quase 10 anos da EC
45/2004, é o fato de que pela formação completamente diferente da Justiça Militar,
dita Emenda, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não incluiu membros
daquela Corte especial na composição do órgão externo, apesar de ter contemplado
todos os demais órgãos do Judiciário brasileiro. Não é demais registrar que com esta
posição deu-se um primeiro passo para a extinção da própria Justiça Militar, fato que
se observa atualmente com os recentes movimentos do STF e CNJ neste sentido,
conforme já exposto.
Uma grande crítica que lançamos à EC 45 era que acreditávamos que tal
Emenda pudesse corrigir o absurdo que ainda permanece no contexto da Justiça
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Militar Estadual. Ocorre que a Carta Constitucional limitou a competência da Justiça
Militar Estadual para apenas processar e julgar os militares estaduais, eliminando a
possibilidade de julgamento de civil, em virtude de cometimento de crime militar,
como ocorre ainda hoje na Justiça Militar no âmbito federal.
Ora, entendemos que não há nenhuma aberração jurídica em possibilitar à
Justiça Militar Estadual tal competência, nem que para isso, fosse atribuída
exclusivamente ao Juiz de Direito (Juiz togado) como hoje ocorre em relação nos
crimes onde a vítima é civil. Muito embora haja previsão no Código Penal Militar de
cometimento de crime militar por civil, observamos que, na prática, um civil não
comete crime militar contra uma instituição militar em face de uma limitação
constitucional.
Um comentário em relação ao § 4º do art 125 da CF também é
importante, haja vista que neste caso a Emenda trouxe mudanças significativas e
polêmicas. Tivemos, na situação em apreço, a inclusão da possibilidade de
julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares militares, reformulando, desta
feita, a competência da Justiça Militar estadual.
Senão vejamos,
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares
dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra
atos disciplinares militares, ressalvada a competência do Tribunal do Júri
quando a vítima for civil, cabendo tribunal competente decidir sobre a perda do
posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Grifo nosso)
Com essa determinação legal, a Justiça Militar passou a ter uma
competência civil, que era antes exercida por Varas da Fazenda Pública estadual.
Assim, é dizer que todas as ações ordinárias, incluindo-se também os mandados de
segurança impetrados por militares estaduais que tenham por fim a análise de vícios
de legalidade de atos administrativos disciplinares hoje são ajuizados junto à Justiça
Militar Estadual, fato que apenas gerou um aumento na demanda de processos de
uma Justiça Especializada que já é muito criticada por sua suposta morosidade.
Assim, é forçoso salientar a preocupação que é gerada ante esta situação
haja vista o crescimento no número de processos de natureza civil que passaram a
tramitar no âmbito das Justiças Militares Estaduais, prejudicando sobremaneira a
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celeridade no andamento das ações ajuizadas, principalmente por que em muitos
Estados, como Pernambuco, há quando muito, apenas um juiz-auditor (antiga
denominação aplicada ao juiz togado da Justiça Militar Estadual).
Outro complicador, infelizmente ainda recorrente quanto à suposta
morosidade da justiça castrense reside no fato de que vários processos são julgados
como se processos comuns fossem, gerando, desta feita, outro grande problema
para a Justiça Militar Estadual: a incontestável falta da especialidade dos julgadores
de segundo grau, que pelo indiscutível desconhecimento do Direito Militar, proferem
decisões equivocadas e, por consequência, causam sérios prejuízos à Corporação e
à sociedade e, em última análise e alguns casos, ao militar julgado. (NÓBREGA,
2014).
Merece nosso destaque o fato que o § 4º do artigo 125 da Carta Magna
deu às praças militares dos Estados garantias até então estendidas apenas aos
Oficiais, uma vez que condicionou a perda de suas graduações a uma decisão de
segundo grau da Justiça Estadual. Tal fato, a nosso ver, tem uma vertente positiva e
uma negativa. Positiva, porque se valendo do princípio da isonomia, hoje, oficiais e
praças são julgados de forma igualitária. Negativa, pois criou mais um protecionismo
no âmbito do serviço público, considerando que colocou num mesmo patamar posto
e graduação e, mais que isso, tornou seus detentores praticamente inatingíveis, uma
vez que não raro se observa ainda atrelados às fileiras das Corporações oficiais e
graduados condenados à penas de reclusão superiores a dois anos, com sentenças
transitadas em julgado. Como dito, mesmo com representações no sentido de perda
do posto (oficiais) e da graduação (praças) é difícil constatar decisão que os expulse
em definitivo da Corporação de origem.
4. O exemplo da Justiça Militar do Estado de Pernambuco
Neste tópico procuraremos demonstrar como caso prático o exemplo da
Justiça Militar do Estado de Pernambuco (JME). Contando com apenas um juiz de
direito titular daquela Vara Especializada, e com um Conselho Permanente de
Justiça, além dos Conselhos Especiais, a JME conta atualmente com 577
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processos-crime em trâmite e 258 ações judiciais contra atos disciplinares (ações
de natureza cível), totalizando 835 ações que tramitam naquela “vara”.
Fato que merece destaque é que como há apenas um juiz de direito em
exercício na JME aquele magistrado tem jurisdição em todo o território de
Pernambuco, vez que não há mais nenhuma outra célula da JME em nenhum outro
município do Estado.
Desta forma, fica claro perceber que deveria haver certo grau de dificuldade
no desdobramento e andamento das ações judiciais em trâmite na JME justificando,
assim, a máxima de que as Justiças Militares perderam a razão de existir posto que
são morosas, ineficientes e protecionistas, mesmo após o advento da reforma
provocada pela EC 45.
Pois bem, mostraremos que o exemplo em Pernambuco é bem diferente do
que pregam os que defendem o fim da Justiça Militar Estadual com base nos
argumentos acima.
De posse de dados catalogados pela própria JME pudemos observar que
desde a criação da antiga Auditoria da Justiça Militar Estadual (AJME) em 16 de
dezembro de 1933 até a presente data um total de 7.913 ações judiciais foram
distribuídas. Deste montante, 7.078 processos já foram solucionados, ou seja, um
número bastante expressivo.
Ao analisarmos a última década, de 2003 à 2013, podemos observar que os
Conselhos de Justiça condenaram mais do que absolveram os réus naquele juízo,
jogando por terra a tese do protecionismo. Para se ter uma idéia, na última década
foram 247 condenações contra 164 absolvições.
Número expressivo também foi o de solicitações de arquivamento por parte
do titular da Ação Penal, ou seja, o Ministério Público. No mesmo período foram 668
pedidos de arquivamento. Diante desta marca, algumas conclusões podem ser
tiradas. Mais uma vez não há que se falar em “corporativismo” ou protecionismo
uma vez que na JME não há carreira de Promotor Militar, como na Justiça Militar da
União, e tal solicitação não depende vontade de nenhum componente dos
Conselhos de Justiça. Os promotores que recepcionam as peças de Inquérito
Policial Militar são os mesmos que, na Central de Inquéritos do Ministério Público de
Pernambuco, recepcionam os Inquéritos da Polícia Civil. Os pedidos de
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arquivamento que são dirigidos ao magistrado da JME são realizados com base no
convencimento do promotor que toma como base o Relatório do Presidente do IPM.
Dados recentes que compravam a celeridade da JME (Pernambuco) dão
conta de que em 2013 foram distribuídos 159 processos naquela Vara. Por sua vez,
foram julgados 211 ações, numa clara demonstração de eficiência e eficácia de uma
justiça que, mesmo secular, mostra-se necessária e célere3.
Considerações Finais
Parafraseando Rosa, a busca do aprimoramento das instituições faz parte do
Estado Democrático de Direito e é, sem sombra de dúvidas, o caminho para o
fortalecimento da democracia. A Justiça Militar, ao contrário do que vem sendo
alegado por alguns críticos, tem cumprido com seus objetivos, dentre eles o de
oferecer uma prestação jurisdicional de qualidade aos administrados sujeitos àquela
Justiça Especializada. (ROSA, 2005)
(...) Ao se falar em Justiça Militar, o estudioso deve se desatrelar da incorreta
afirmação de que ela é fruto de regimes ditatoriais ou autoritários, como têm
afirmado os poucos críticos que desconhecem essa Justiça Especializada, mas,
deve sim, reconhecer seu valor real, sua existência histórica no mundo, no Brasil,
(...) constatando sua harmonia com as instituições democráticas e com o Estado de
Direito, como lhe garante a lei maior. (ROTH, 2003, p.131).
No entanto, concluímos nosso pensamento com a certeza de que a reforma
empreendida pela Emenda Constitucional 45 trouxe poucos benefícios à Justiça
Militar Estadual.
Não analisamos como louváveis e necessárias as modificações, sobretudo a
fixação da competência ao Juiz de Direito para julgar os militares estaduais quando
a vítima for civil, haja vista que entendemos que tal mudança feriu claramente o
Princípio Constitucional da Isonomia, pois, como vimos, os militares federais não
estarão sujeitos a esta alteração da Carta Magna.
3
Fonte: Justiça Militar do Estado de Pernambuco (Cartório da JME).
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Assim, também concluímos que ao retirar do Conselho de Justiça a
competência para processar e julgar os crimes militares, quando a vítima for civil,
excetuando-se, porém, os casos de competência do Tribunal do Júri, a EC 45
acabou mitigando a ideia de que os militares - neste caso, somente os militares
estaduais - quando do cometimento de crimes militares, deveriam ser processados e
julgados pelos seus pares. Mesmo após todos estes anos da já reformada Justiça
Militar Estadual, afirmamos que tal alteração também feriu profundamente um dos
princípios que justificam a existência da própria Justiça Militar que é a possibilidade
de o militar ser julgado por seus pares, o que não implica necessariamente em
corporativismo ou protecionismo classista como frequentemente argumentam os que
não conhecem a realidade castrense.
Referências
ASSIS, Jorge César de. Direito Militar. Aspectos Penais, Processuais Penais e
Administrativos. 1ª edição, Curitiba: Juruá, 2005.
_____________________. A Reforma do Poder Judiciário e a Justiça Militar.
Breves considerações sobre seu alcance. Direito Militar. Revista da Associação
dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais - AMAJME; Número 51 Janeiro/fevereiro de 2005.
NÓBREGA, Thalita Borin. A questão da Justiça Militar. Rio Grande, 2014.
Disponível
em:
http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Especialização dos Conselhos de Justiça –
Julgamento
pelos pares como
preceito
constitucional.
Disponível em:
<http://www.jusvi.com.br/doutrinas_e_pecas/ver/16476>
_______________________. Especialização dos Conselhos de Justiça Julgamento
pelos pares como
preceito
constitucional.
Disponível em:
<http://www.jusvi.com.br/doutrinas_e_pecas/ver/16476>
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ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na
atuação jurisdicional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003.
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FORMAÇÃO PROFISSIONAL NAS ACADEMIAS DE POLÍCIA: reflexões sobre a
construção de política formativa voltada para proteção dos Direitos Humanos
Benôni Cavalcanti Pereira1
Kátia Maria da Cruz Ramos2
RESUMO
O clamor da sociedade por segurança faz da formação policial uma área desafiante
e necessária diante da superação do paradigma repressivo e reconhecimento do
caráter preventivo como fundamento formativo do profissional de segurança pública.
Nesta perspectiva, o presente estudo teve como foco de atenção a natureza do
policiamento ensinado na respectiva Academia de Formação desse profissional,
nomeadamente através da percepção dos Oficiais lá formados e da análise da
malha curricular do CFO/PM. Para tanto, foram realizadas entrevistas junto a
tenentes que atuaram na operacionalidade entre os anos de 2009 a 2011, cujos
dados obtidos apontam para percepções distintas em torno da teoria ensinada e da
prática institucional, suscitando reflexões em torno da construção de política
formativa voltadas à proteção dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Formação Policial; Segurança Pública; Direitos Humanos.
Introdução
O clamor social por uma polícia mais eficiente e protetora dos direitos
humanos é patente. E dentro do contexto atual da Segurança Pública, a formação
policial deve receber destaque e atenção de todos os segmentos da sociedade, não
mais somente dos que fazem as instituições policiais. A segurança pública passou a
ser um tema complexo e analisado sob a ótica das mais diversas camadas da
1
Capitão da Polícia Militar de Pernambuco, Doutorando do Programa de Pós-graduação em
Educação
(PPGE)
da
Universidade
Federal
de
Pernambuco
(UFPE),
e-mail
[email protected]
2
Professora da UFPE, membro do Núcleo de Formação Continuada Didático-Pedagógica dos
Professores da UFPE (NUFOPE) e membro colaborador do Centro de Intervenção e Integração
Educativa (CIIE) da Universidade do Porto (U.Porto), e-mail [email protected]
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sociedade – principalmente tendo em conta a transição paradigmática que aponta
para uma redefinição da atividade de policiamento e reflexão sobre a reforma da
polícia e a formação de seus profissionais no sentido mais protetor dos direitos
humanos.
É nessa perspectiva que o presente estudo se insere. E para dar conta do seu
propósito, na primeira seção trataremos dos estudos a respeito das concepções
sobre as atividades de policiamento na perspectiva da proteção dos direitos
humanos. Na segunda, apresentaremos a perspectiva curricular da formação do
Oficial da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) na sua relação com os conteúdos
relacionados com a atividade de policiamento e direitos humanos. Por fim, na
terceira seção, traremos dados de uma pesquisa junto a Oficiais Subalternos
atuantes das unidades operacionais, evidenciando desafios para uma reformulação
curricular perspectivada em função do caráter educativo e protetor dos direitos
humanos, que devem ser inerentes à formação policial.
1. Concepções sobre as atividades de policiamento na proteção dos direitos
humanos
Nas origens das atividades de policiamento percebemos que se trata de uma
atividade das mais antigas. Segundo os trabalhos de Bayley (2002) sobre os
padrões de policiamento, já no ano cinco a.C., em Roma, os governantes definiam o
policiamento público como aquele designado através de uma polícia com
responsabilidade de manter a Ordem Pública.
A polícia nos moldes atuais tem suas origens no século XIX, passando pela
experiência de reorganização do aparelho policial em Londres, criada para atuar no
controle social, de natureza equilibrada entre militar e civil. No mesmo século, foi
criada nos Estados Unidos nos moldes da hierarquia militar. As polícias militares no
Brasil têm seu surgimento também neste século, embora se tenha registro da força
militar de patrulhamento, no ano de 1775. No caso da PMPE sua origem remonta ao
início do Império, com a criação de um Corpo de Polícia, tendo como incumbência
manter a tranquilidade e a segurança pública, respondendo pela estabilização da
paz social.
É importante notar que a perspectiva de manutenção da ordem pública se
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perpetua ao longo dos tempos. O policiamento ostensivo é entendido como
exclusividade da Polícia Militar para o cumprimento de suas missões, legitimando
sua ação tanto nas atividades preventivas quanto nas repressivas, quando assim for
preciso.
O pesquisador francês Monjardet (2003, p.299), levanta a reflexão em torno
das atividades de policiamento a serviço dos valores da sociedade democrática,
chega à conclusão de que “a polícia é a instância que, dispondo da força, é a que
tem mais condições para se libertar do direito”. Defendendo que toda ação policial
seja mediatizada, ou seja, reinserida na sociedade democrática na construção
permanente da ordem social.
Discutindo o policiamento moderno, Tonry e Morris (2003, p.428) afirmam que
o policiamento “refere-se à preservação da paz, isto é, à manutenção de uma forma
de fazer as coisas, em que as pessoas e propriedades estão livres de interferência
não justificada”. A idéia de paz concebida nesta definição substitui a ordem pública
numa nítida idéia de consistência em tratar das questões que envolvem a segurança
na sociedade, agregando ao policiamento valores maiores do que a simples
presença, pois deve promover a continuidade da paz, livre de ameaças, ou seja,
promotora dos direitos humanos.
Todavia, como atualmente é concebido, vem falhando no controle e na
prevenção do crime, pelo fato de se resumir em aplicar a lei de forma profissional,
defendendo que o policiamento deve ser entendido como atividade profissional que
venha a fortalecer os laços com a comunidade. No seu ensaio, Tonry e Morris (2003)
acrescentam que a atividade de policiamento deve englobar a preservação da paz,
garantindo segurança às pessoas, seus direitos e sua propriedade.
Percebe-se assim, a preocupação com o reducionismo na definição de
policiamento, para que suas atividades não se limitem apenas às respostas da
polícia aos cometimentos de ilicitudes, mas sim às ações voltadas para promoção da
paz social e proteção dos direitos inerentes à pessoa humana. O debate acerca da
atividade de policiamento ganha um enfoque próprio na discussão promovida nos
estudos de Brodeur (2002) acerca das questões entre um policiamento de reação,
prevenção e manutenção da ordem desenvolvida pelas forças policiais modernas,
instituídas há um século, e um policiamento orientado para administração e
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minimização dos riscos a ser desenvolvido por uma força policial contemporânea.
Para Goldstein (2003) o bom policiamento é aquele desempenhado pela
polícia de modo a combater incansavelmente aos crimes e, ao mesmo tempo, estar
dentro da lei, além de proteger os direitos dos cidadãos. O trabalho da polícia deve,
portanto, ser baseado no equilíbrio das relações entre polícia e uma sociedade livre
e democrática. Debate fortalecido por Balestreri (2003) que aponta para
caracterização do policial como agente de segurança pública, como atributos de
ouvidor social, tratando da perspectiva de afirmação de um novo paradigma de
segurança pública.
Nesse contexto, a formação policial tem lugar de destaque por constituir-se
lugar privilegiado de onde emanam os padrões de policiamento e políticas de ação
policial, no sentido de cumprir a missão constitucional, manter a ordem pública e
garantir a paz social.
2. Perspectiva curricular na formação do Oficial da PMPE
A formação do Oficial da PMPE é realizada na Academia de Polícia Militar do
Paudalho (APMP). O Curso de Formação de Oficiais (CFO/PM) é reconhecido como
de nível superior. Em termos curriculares, sua última atualização ocorrida no ano
2002, deu-se através da Comissão Permanente de Validação de Currículo,
composto por membros internos da PMPE
Na oportunidade do primeiro momento da pesquisa, a APMP passava por um
processo de integração, passando à condição de Campus de Ensino da Academia
Integrada de Defesa Social (ACIDES). No ano de 2008, foi credenciada como
Instituição de Nível Superior, passo considerado importantíssimo na construção de
uma política educacional na formação dos profissionais de segurança pública no
Estado de Pernambuco.
É importante notar que esta nova relação entre os operadores de segurança
pública e os profissionais da área do ensino superior tende a render frutos
imensuráveis. Na experiência americana acerca desta relação, trazida por Goldstein
(2003, p.349), “[...] faculdades e universidades criaram programas de estudo para o
pessoal da polícia, e neles se matricularam milhares de policiais que aspiravam a
uma carreira no policiamento.” Fica claro que, esta proximidade, além de benéfica,
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trará consigo a pesquisa e o estudo mais avançado em torno da própria natureza do
trabalho e a formação profissional do policial.
3. Caracterização do Currículo do CFO/PM
A malha curricular do CFO/PM dividiu-se em três etapas bem definidas
durantes os anos de formação profissional, sob a coordenação disciplinar e
pedagógica da APMP. As distribuições das cargas horárias por ano podem ser
observadas na tabela abaixo, bem como a relação entre as disciplinas que envolvem
o estudo do policiamento executado pela PMPE e o total da carga horária ministrada
no aludido curso de formação.
Tabela - Distribuição da Carga Horária (CH) do CFO/PM, relacionando-a com as
disciplinas atinentes ao estudo do policiamento, referente às turmas de
formação nos anos de 2004, 2005 e 2006.
Estudo do Policiamento
CH ANUAL
Ano
% CH Anual
(h/a)
(h/a)
1°
285
1215
23%
2°
390
1230
32%
3°
555
1095
51%
Total dos 03 anos
1230
3540
35%
Outras Disciplinas
2310
65%
Fonte: Divisão de Ensino da APMP.
Constata-se, nesta tabela acima, que a grande concentração do estudo sobre
policiamento dar-se-à no terceiro e último ano do curso, consolidando os conteúdos
traçados para os anos anteriores e relacionados com o tema, representando 51% da
carga horária relativa àquele ano letivo.
No cômputo geral, as disciplinas cujos conteúdos são relacionados com as
atividades de policiamento que serão desenvolvidas, acompanhadas ou planejadas
pelo futuro Oficial da PMPE representam 35% da carga horária total do curso de
formação.
Verificando os conteúdos das disciplinas, identificamos aquelas relacionadas
diretamente com a natureza do policiamento ensinado na formação policial,
excluindo as disciplinas que tratam das leis penais por entender, de forma análoga
ao raciocínio de Muniz (2001), que tais ensinamentos são limitados, no que se refere
às estratégias de ação e execução do policiamento.
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Neste contexto, destacamos as disciplinas de Policiamento Ostensivo I, II e III,
as quais se desenvolvem ao longo dos três anos, perfazendo o total de 390 h/a,
iniciando com o estudo teórico inicial da atividade de policiamento, a começar pelo
fundamento básico até as estratégias de policiamento, antes de desenvolver os
conteúdos de procedimentos em ocorrência e as técnicas de abordagem policial.
Em termos de direitos humanos, os cadetes tiveram a oportunidade de
trabalhar a temática no primeiro ano de formação, representando 30 horas-aula de
estudos, tratando das questões ligadas ao direito internacional humanitário e
princípios dos direitos humanos, relações de respeito à diversidade, debate sobre a
olícia e os direitos humanos e visitas de estudos, mas sem relacionar diretamente
com a prática do policiamento.
É a partir do segundo ano de curso que percebemos a inserção de um nível
mais ampliado de disciplinas presentes no primeiro ano e outras disciplinas que se
relacionam com a forma de pensar e agir em termos de policiamento, entre as quais:
Sociologia do Crime e da Violência e Fundamentos de Polícia Comunitária. Já no
terceiro, as disciplinas terminam seu ciclo de complexidade, como no caso de
Policiamento Ostensivo III, contudo, deveriam se relacionar com as disciplinas de
Planejamento Operacional de Policiamento Ostensivo, Sistema de Segurança
Pública no Brasil, Abordagem Sócio-Psicológica da Violência e Gerenciamento de
Crises, que oportuniza o discente a entender a natureza do policiamento, do crime
como fenômeno psicossocial e conhecer os estudos sobre segurança pública na
contemporaneidade.
4. Caracterização da pesquisa de campo
As entrevistas foram realizadas junto a 09 (nove) Oficiais formados nas
turmas dos anos de 2004, 2005 e 2006 - alvo das últimas alterações curriculares
promovidas pela Corporação – sendo 03 (três) de cada turma, dentre aqueles
atuantes no policiamento há pelo menos dois anos. Os sujeitos foram escolhidos por
representar a base do oficialato que se envolve diretamente nas ações de comando
das atividades de policiamento, agindo também como gestores operacionais das
ações e desdobramentos do trabalho da polícia.
Na parte da entrevista sobre a natureza do policiamento notamos que os
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tenentes
detêm
uma
visão
legalista
acerca
dessas
questões,
afirmando
categoricamente que é de características ostensivas, atuando na prevenção, mas,
nessa parte, sem fazer menção à proteção dos direitos humanos. Tanto que, na
grande maioria das entrevistas, ficou evidente que o atual foco da atuação do
trabalho policial é o policiamento repressivo, atuando nas ocorrências e na redução
de índices de violência, como se vê na expressão (OF.2) “policiamento ostensivo e
preventivo, mas atuando mais na repressão aos delitos e redução dos homicídios”,
ou ainda (OF.4) “um policiamento ostensivo apenas atendendo ocorrências”.
No que se refere ao sentimento de preparo profissional para atuar nas
atividades de policiamento ao qual está submetido na Instituição Policial Militar,
encontramos de forma predominante a sensação de que os militares estaduais se
sentem preparados, mas com pouca prática de vivência policial, mas que, ao passar
do tempo, advêm à segurança almejada na execução das atividades de
policiamento, demonstradas nos termos (OF.8) “sinto preparado em termo de base
teórica”, (OF.6) “sinto-me preparado, no curso temos o norte, a segurança vem com
o pós-formação”.
Quando tratamos acerca da visão deles em torno do nível de formação que
tiveram no CFO/PM, em termos de suas atuais atividades de policiamento, os
Oficiais apresentaram uma harmonia interessante deixando a sensação de que o
CFO/PM foi
uma
atividade
pedagógica
muito
proveitosa
em
termos
de
aprendizagem, fazendo inclusive referencias comparativas interessantes, tais como
(OF.1) “nível muito bom, acho que não deixa a desejar a nenhum outro na área de
segurança pública”, (OF.4) “gostei muito, a gente tem no nível de qualquer outro
curso superior”.
Apesar disso, a metade dos entrevistados deixou a entender que, embora
classifiquem o aludido curso como de bom nível, a parte prática concernente à
aplicabilidade dos conhecimentos teóricos e práticos estudados na Escola de
Formação, exatamente no cotidiano das atividades de policiamento desempenhadas
pelos Oficiais nas próprias Unidades Operacionais, o que representa a realidade do
trabalho da polícia, deixou a desejar nesse ponto, como podemos comprovar nas
seguintes afirmativas: (OF.7) “Nível bom, mais faltou mais prática do dia-a-dia”, (OF.
3) “bom nível, mas um pouco falho, pois deveria ter mais estágios”.
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Quando os entrevistados se viram à frente das questões que envolviam os
conteúdos estudados durante sua formação, refletindo sobre aqueles que julgavam
mais importantes diante das atividades atuais de policiamento, a tendência
majoritária foi apontar as disciplinas voltadas para o campo do conhecimento
operativo, tais como policiamento ostensivo (abordagem policial) e tiro policial, mas
sem se esquecer afirmar a imprescindível necessidade de relacionar estas
disciplinas com as do conhecimento cognitivo das áreas de direito e gestão
operacional e administrativa, como pode se constatar nas passagens a seguir:
(OF.3) “Os conteúdos práticos, abordagem, tiro e modalidades de policiamento, por
exemplo, aliada a parte teórica”, (OF.9) “os mais importantes que considero foram as
aulas de abordagens a edificações, veículos e pessoas, que é o que fazemos
diariamente, junto a parte de direito, que está atrelada.”, (OF.2) “os voltados para a
gestão e direção junto com as técnicas de abordagem e policiamento”.
Nesta linha da entrevista, ficou bem caracterizada, por unanimidade, a
importância de aliar as disciplinas de natureza teóricas às de natureza práticas,
(OF.4) “parte legal de direito e legislação junto com a parte operacional de
abordagem e tiro”, ora citando a parte das disciplinas atinentes à gestão
administrativa/operacional (planejamento), (OF.7) “abordagem, tiro policial e
policiamento em geral conjuntamente com a parte de planejamento”.
Excetuando-se um dos entrevistados, quando o assunto foi relacionado à
insuficiência ou não contemplação de conteúdos julgados indispensáveis, na visão
profissional de cada um, mas com foco na atividade de policiamento, o alvo maior da
totalidade das entrevistas foi exatamente a falta de aproveitamento das
oportunidades de estágios durante a vida acadêmica e de exploração dos momentos
destinados a essa prática. Nas entrevistas, era possível notar a ênfase e as
expressões corporais ao falar deste tema, das quais destaco as seguintes: (OF.1)
“Os estágios ao final de cada ano deveriam ser melhor aproveitado, o diretor deveria
ser mais efetivo”, (OF.3) “Insuficiente nenhuma, mas poderia focar mais a prática
cotidiana do Oficial, o EHP3 deveria ser mais explorado”, (OF.7) “Foram muitos
conteúdos importantes, deveríamos ir mais às Unidades Operacionais para aliar a
3
Estágio de Habilitação Profissional – refere-se ao período em que o cadete em formação é alocado numa
OME para desenvolver a prática supervisionada das futuras atribuições do Oficial de Carreira (QOPM).
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teoria à prática junto com a sociedade”. Note aqui, a relevância do tema na visão
dos discentes.
Verificamos ainda a preocupação de alguns tenentes com a prática de
realização de procedimentos administrativos (OF.8) “só aprendi a fazer sindicância,
inquéritos e processo de licenciamento, aqui na prática mesmo”, e com a relação
sistêmica dos Direitos Humanos com a atividade de policiamento (OF.6) “há uma
relação entre a parte de direitos humanos e a parte de policiamento ostensivo geral,
mas só é dado no primeiro ano” que acendem mais um importante alerta
pedagógico, agora na articulação das disciplinas.
Na parte final da entrevista, notamos as mais diversas percepções em torno
da sua prática de policiamento, os Oficiais Subalternos apresentaram apenas um
elemento em comum quando estimulados a testemunhar como se vêem nesta
atividade profissional, que fora justamente o fato de que se constituem os policiais
com características de estarem à frente das situações, na condição de
comandamento, nos fragmentos a seguir: (OF.1) “policial à frente das situações” ou
(OF. 2) “policial treinado para estar à frente das operações”.
No âmbito da pesquisa foi interessante relacionar a atividade de policiamento
com a sociedade, pois quando pedimos para expressar sua percepção acerca do
policiamento esperado pela sociedade, parte dos entrevistados demonstrou um
pensamento de que a sociedade não aceita ser abordada ou deseja nossa constante
presença, ora vejamos (OF.3) “a sociedade espera é que sejamos onipresentes, isso
não dá” e ainda (OF.5) “a sociedade quer mais presença, mas não quer ser
abordada”.
Outra parte dos entrevistados, por sua vez, mostrou-se mais perspicaz ao
tema (OF.6) “espera um policiamento pró-ativo, não apenas repressivo, com uma
integração maior, melhorando a relação interpessoal”, entendendo o lado
humanitário do policiamento (OF.4) “espera um bom atendimento, respeitador e
reduzindo a violência”.
Um dos entrevistados levantou a tese de que a visão da sociedade sobre a
polícia é prejudicada pelo seu passado, (OF.2) “sua visão é pré-formada da polícia,
resquícios antigos, mas ela espera mais proximidade”, credito esta fala, pelo
andamento da entrevista, numa perspectiva de tentativa de justificativa pela não
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proximidade da polícia, nos dias atuais.
5. Perspectivas e desafios na formação dos Oficiais da PMPE
Da análise que se pode fazer do currículo na formação do Oficial da PMPE,
observa-se que policiamento ensinado não se alinha bem com a execução oferecida
na ponta pela polícia, apresentando-se como proposta ainda legalista e distanciada
da prática. Como apresentou Poncioni (2005) em seus estudos, a postura legalista
resumida não tem surtido muitos efeitos positivos dentro da atual realidade social,
sendo indispensável repensar o papel de polícia no cenário da segurança pública,
sob pena de formarmos policiais simplistas e irreais, descartando a essência do
aprendizado.
Quando pesquisamos em torno das origens e definições do trabalho de
polícia, pudemos constatar nos estudos de Bayley (2002) e Monjardet (2003) o
quanto é antiga a perspectiva da manutenção da ordem pública, mas, embora as
atividades de policiamento desenvolvidas pelos policiais militares pareçam óbvias,
elas se revestem de extrema complexidade frente aos avanços da nossa sociedade
democrática, e o que mais chama a atenção é a dificuldade apresentada pelos
gestores em operacionalizar esta mudança, como verificou também Mesquita Neto
(2004) em suas análises.
Ficou bem caracterizado o sentimento do preparo policial, mas não o
direcionamento deste sentimento em termos de policiamento. Obviamente, o
conceito em si do trabalho policial, em termos da natureza do policiamento
repressivo ou preventivo é muito importante, pois reflete diretamente na sua prática
de ação. Tudo bem que, como diria Kahn (2002), a percepção destes profissionais
em torno da necessidade de agir de forma preventiva para combater o crime já se
constitui num grande avanço, contudo, é preciso que, já na formação, o policial
entenda que a essência do policiamento ostensivo é a prevenção, a causa deve ser
combatida com ações efetivas e duradouras, embora se saiba que a repressão é
igualmente necessária, e as conseqüências devem ser remediadas. Isto precisa ser
estudado, discutido e incrementado na formação.
Como notou Bayley (2002), é possível na mente desses jovens Oficiais, mas
lhe faltam oportunidade e liberdade de exercitar. A ótica da prevenção dos delitos,
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com a polícia trabalhando ativamente e próxima da população, já está permeando o
pensamente deles, contudo, ainda um pouco desordenado.
É imprescindível notar, portanto, que a base de formação do policial
consubstancia-se num elemento fundamental neste processo de mudança de
filosofia de policiamento, como pudemos aprender no trabalho coordenado por
Ratton e Barros (2007, p.267):
Embora a polícia tenha sido instituída para atuar muito mais como força
repressiva do que preventiva, ou seja, atuando na ótica da punição do que
da prevenção, os novos paradigmas constitucionais têm exigidos processos
de redefinição tanto no modelo de gestão, quanto dos processos de
formação, de regulamentação da ação policial e de controle social.
Não adianta, por exemplo, implantar qualquer filosofia de trabalho preventivo,
sem antes preparar uma formação focada para atuar nesse policiamento. Revisitar o
currículo constitui-se num ponto crucial do processo evolutivo do trabalho policial,
principalmente em se tratando dos futuros gestores operacionais. Constatamos isso
também na pesquisa dos profissionais Marcineiro e Pacheco (2005, p.85) “Para que
o policial venha a ter esse papel na comunidade é necessário um amplo programa
de treinamento e de conscientização, não só do policial, mas também de toda a linha
de supervisão e comando.”
6. A formação policial na perspectiva de debate educacional
Poncioni (2005, p. 592) destaca uma discussão importante acerca da
formação e o trabalho policial em termos do “descompasso entre o conhecimento
adquirido para o desempenho do trabalho policial nos bancos das academias e a
realidade na qual se realiza o trabalho cotidiano da polícia”. Portanto, não se pode
tratar o trabalho da polícia de forma simplista, e quando o assunto é a formação
profissional do policial, é preciso enxergar a sua complexidade.
O desafio de debater currículo é muito grande, mas deve ser enfrentado com
muita pesquisa e profissionalismo. Atualmente, percebemos uma crescente
enfatização de concepções curriculares mais abertas e flexíveis, centradas em
processos de gestão das aprendizagens adequadas às finalidades e aos que se
destinam, por oposição ao currículo como listagem rígida de conteúdos, conforme
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nos ensina Roldão (2003).
Como vimos anteriormente, a distribuição da carga horária do estudo do
policiamento é gradativa. Contudo, em termos de conteúdos abordados, não
observamos a presença desta gradação, pois o discente praticamente não estuda as
correntes teóricas e experiências em policiamento e tem apenas uma oportunidade
de refletir e debate as questões ligadas aos direitos humanos, além da ausência de
articulação entre eles, apontando para necessidade de revisar criteriosamente o
currículo e seus propósitos.
É óbvio que estamos tomando como referência as competências e
habilidades pretendidas para o futuro policial, dado os desafios da sociedade
contemporânea, e a formação enquanto processo educativo, que deve agregar
conteúdos, valores, atitudes e experiências de forma crítica para execução de suas
atividades. É um propósito que se aproxima do esforço de outras áreas, como a
Pedagogia, na busca de afirmar o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos, que, como nos diz Dias e Porto (2010, p.29), seu objetivo principal "é a
difusão de uma cultura de direitos como forma de prover sustentação às ações de
promoção, proteção e defesa dos direitos humanos".
No seu estudo sobre o modelo policial e sua formação, Poncioni (2005)
destaca a importância da formação nas academias de polícia para a construção da
identidade profissional, como etapa que faz considerável diferença para a vida
profissional. E o momento de busca na formação, o desenvolvimento de valores da
profissão bem como das competências e habilidades para o campo de trabalho
policial. Ele precisa, então, entender o que é ser policial num determinado modelo de
policiamento, cuja essência permeia a proteção social.
De forma bem categórica, os sujeitos do presente estudo, Oficiais formado na
APMP, atestaram o desejo de aproximação, enquanto antigo discente, com sua
futura atividade de policiamento. O planejamento de um curso de formação,
principalmente numa área como a segurança pública, deve se preocupar com esta
maior interação do formando com os integrantes de sua futura Instituição e, por que
não, da sociedade, seu objeto de proteção, atuando como sujeito ativo no processo
formativo.
Nos seus estudos sobre o ensino policial, Lima et. al. (2006) aponta que
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planejar a atuação de maneira flexível permite uma adaptação às necessidades dos
alunos. É preciso, assim, ir além da execução das atividades de estágio
supervisionado, o ideal é justamente o acompanhamento disciplinar dos docentes
nestas atividades contextualizadoras do conhecimento teórico ensinado na escola de
formação, devendo, para tanto, promover atividades que permitam relação direta
com o conteúdo trabalhado.
No que se refere à proteção aos direitos humanos - debate bem atual da
sociedade contemporânea - ficou evidenciada a carência da relação interdisciplinar
do tema com as disciplinas responsáveis por desenvolver a capacidade de realizar
policiamento. Se considerarmos a relevância de se desenvolver um trabalho de
integração dos conteúdos das disciplinas que tratam do policiamento com as outras
importantes áreas do conhecimento para atividade policial, sem dúvida, trazer os
avanços na área de direitos humanos para o debate de realizar o policiamento
ostensivo e preventivo é imprescindível para uma melhor formação policial. Candau
e Sacavino (2010, p.128) nos ensina a respeito do princípio da integração que:
Os temas e questões relativas aos direitos humanos devem ser integrados
no desenvolvimento das diferentes áreas curriculares [...] Não se trata de
incluir novas disciplinas ou unidades didáticas [...] O desafio está em
integrá-los tato no plano cognitivo, quanto afetivo e comportamental no dia a
dia das escolas em suas diferentes dimensões.
Em síntese, relacionar as teorias trabalhadas nas disciplinas a cada momento
da formação policial com a prática das ações, em termos de policiamento, e integrar
os conteúdos nos planos cognitivos, afetivo e comportamental, trata-se de atividade
pedagógica indispensável. Nesta pesquisa, ficou esse alerta, que nos parece indicar
a necessidade de revisitar o currículo numa perspectiva de inclusão de uma política
de proteção dos direitos humanos na atividade de policiamento.
Numa passagem de sua obra sobre a polícia e os direitos humanos, Balestreri
(2003, p.14) entende o policial como um legítimo educador por meios de suas
atitudes e comportamentos, afirmando que:
É por esse caminho, da busca de paradigmas novos no campo a formação
do agente, que gostaria de fazer um primeiro bloco de afirmações: na
qualificação da prestação de qualquer tipo de serviço, a qualificação do
servidor tem primazia, antecedendo e transcendendo até mesmo as
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condições objetivas que se lhe oferecem para trabalhar.
Por fim, é importante notar que a afirmação do paradigma preventivo exige
um novo enfoque da atuação policial e, consequentemente, da sua formação, cujo
papel apresenta-se como decisivo neste momento transformativo. Dessa forma, a
criação de uma estrutura organizacional capaz de permitir maior integração social
para resolução dos problemas da insegurança pública requer mudanças na forma de
agir, ser e atuar do policial, voltada para aprimoramento de suas ações e, assim, dar
conta de sua missão institucional: a prevenção dos delitos e proteção dos direitos
humanos.
Considerações Finais
Destacamos, novamente, que não teve o propósito de generalizar as
informações e percepções detectadas nos Oficiais Subalternos da PMPE,
entrevistados sobre a natureza do policiamento ensinado na formação, mas sim,
proporcionar subsídios necessários ao debate acerca da construção de política
formativa de seus profissionais de segurança pública voltada para proteção aos
direitos humanos.
Reforçamos também que, assim como foi percebido por Caruso et. al. (2007),
é preciso discutir a realidade da polícia com seus próprios integrantes, no interior de
sua instituição, e assim, romper com os pré-conceitos, construindo um ambiente
propiciador de diálogo ativo. Para, assim, ser capaz de permitir aos seus integrantes
falar abertamente de seus dilemas, inquietações e desafios na formação do
profissional de segurança pública e no estabelecimento de uma política de
policiamento mais voltado para proteção dos direitos humanos.
Nesse sentido, ficou evidenciado que é imprescindível promover o debate
curricular sem perder de vista os temas atuais em torno do trabalho policial e a
formação de seus profissionais. Dessa forma, é igualmente importante refletir sobre
o requisito de ingresso na carreira. A graduação em Direito, por exemplo,
possibilitaria focar mais a matriz curricular da formação profissional na atuação
policial, considerando que o cadete já entraria qualificado no que se refere aos
conteúdos jurídicos.
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Entretanto, a revisão dos parâmetros curriculares deve romper com préconceitos e paradigmas, estendendo este debate em fóruns interdisciplinares,
permitindo o diálogo entre policiais e profissionais de ensino na construção de
políticas educacionais para formação dos profissionais de segurança pública.
A pertinência do debate permanente acerca da formação dos Profissionais de
Segurança Pública, pelo seu caráter dinâmico, perspectivada na atuação preventiva
e educativa é notória. As atividades futuras de policiamento a ser desempenhadas
pelos futuros policiais devem se alinhar à realidade da nossa sociedade
contemporânea.
O avanço das ações formativas é fundamental. O enfrentamento de desafios
nesse debate - em construção - na perspectiva de efetivar políticas de policiamento
em proteção aos direitos humanos, no âmbito das Academias de Formação dos
Policiais, faz parte da caminhada pela formação profissional do agente de
Segurança Pública voltada para atender os anseios da sociedade contemporânea. E
trilhar o ensino policial no compromisso de qualidade, em busca do maior objetivo da
função policial: a paz social e proteção dos direitos humanos.
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COMO ELABORAR
JURISPRUDÊNCIA
UMA
SINDICÂNCIA
A
LUZ
DA
DOUTRINA
E
Demétrios Wagner Cavalcanti1
RESUMO
O artigo propõe um apertado debate sobre os principais traços da elaboração de
Sindicâncias Administrativas nas Corporações Militares Estaduais. Se de um lado
não anula a grande valia das Instruções Gerais para elaboração de Sindicância
adotadas atualmente, de origem do Exército Brasileiro, de outro afasta possíveis
equívocos de interpretação de seus institutos. O texto foi elaborado com foco nos
institutos normativos, na jurisprudência e na doutrina pátria.
Palavras-chave: Sindicância Militar, Doutrina, Jurisprudência.
Introdução
O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, tem ressaltado que "[...] O
Direito, especialmente o instrumental, é orgânico e dinâmico [...] (STF - RMS: 28758
DF , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 22/11/2011, Primeira
Turma, Data de Publicação: Ac. E. DJe-231 D. 05-12-2011 P. 06-12-2011). Daí o
presente artigo prestar-se não a confundir ou trazer novas regras ao instituto da
Sindicância no âmbito da PMPE mas, ao contrário, aperfeiçoar-lhe, aproximando-a
do ordenamento jurídico pátrio.
De acordo com Hely Lopes Meirelles, a Sindicância “[...] é meio sumário de
elucidação de irregularidades no serviço público para subsequente instauração de
processo e punição ao infrator. Ademais, a sindicância tem sido desvirtuada e
promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em
que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada.
1
Capitão da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito
Processual Civil, Penal e Trabalhista, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Ciências
Criminais Militares.
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(MEIRELLES, 1996)”2.
Já Maria Sylvia Di Pietro, recorrendo-se a um processo de cognição dedutivo
a partir de um estudo semântico discorre que "No idioma de origem, os elementos
componentes da palavra sindicância, de origem grega, são o prefixo syn (junto, com,
juntamente com) e
dic (mostrar, fazer ver, pôr em evidência), ligando-se este
segundo elemento ao verbo deiknymi, cuja acepção é mostrar, fazer, ver. Assim,
sindicância significa, em português, à letra, a operação cuja finalidade é trazer à
tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto. (DI PIETRO, 2005)"3.
Na Polícia Militar de Pernambuco, por força da Portaria do Comando Geral nº
122, de 04/06/12, publicada no SUNOR nº 011, de 15/06/12, utilizamo-nos da
Portaria do Comando do Exército nº 107, de 13/02/2012 que estabeleceu as
Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância no Âmbito do Exército Brasileiro
(EB10-IG-09.001), o que a partir deste ponto iremos tratar apenas como "Manual de
Sindicância".
Primeiramente
é
preciso
entender
que
o
instrumento
Sindicância
Administrativa não é um privilégio das Corporações Militares, sendo a figura utilizada
também em todos os órgãos que compõem o serviço público, cada qual é verdade,
com sua própria regulação. Podemos classificar o gênero Sindicância de acordo
com algumas espécies conhecidas na literatura, das quais destacamos duas, a
saber: a Sindicância Investigativa, como sendo aquela em que é conhecido o fato a
apurar e desconhecido o autor; e, a Sindicância Acusatória, quando o fato discorrido
já aponta um autor possível a ser investigado. Assim podemos também aferir que
enquanto a Sindicância Investigativa é mero procedimento administrativo, a
Sindicância Acusatória é um Processo em si e por isso mesmo deve obedecer
princípios constitucionais processuais especialmente a obediência ao Devido
Processo Legal, a ampla defesa e ao contraditório.
A fim de tornar mais didático, subcapitulamos o presente artigo obedecendo
ao rito estabelecido no Manual de Sindicância, ou seja, o "passo-a-passo" da
sindicância, deixando para cada qual seus respectivos comentários.
2
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
1996. p. 602.
3
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005 pág. 559.
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1. A Portaria
A Portaria de uma Sindicância é o documento oficial de acusação, tal qual a
Denúncia do Ministério Público para o Processo Crime. Assim sendo é dos fatos
narrados na Portaria Inicial que irá se defender o sindicado, não podendo, por isso
mesmo, ser ele punido por qualquer fato que não esteja ali presente.
Neste sentido ainda podemos destacar a Portaria do Comando Geral da
PMPE nº 638, de 10/07/03, publicada no SUNOR nº 036, de 14/07/03 que diz
taxativamente que "Art. 1º. Os Comandantes, Chefes e Diretores deverão mencionar
nas Portarias de instauração de Processos Administrativos Disciplinares ( Processo
de Licenciamento ex officio, a bem da Disciplina e Sindicância) e de Procedimentos
investigatórios (Inquérito Policial Militar) a narração sucinta do fato e quando
possível a autoria do mesmo" ( grifos nossos).
Em mesmo sentido, entendem os tribunais. Vejamos:
Administrativo. Recurso em Mandado de Segurança. Processo Disciplinar.
Omissão dos fatos imputados ao acusado. Nulidade. Provimento. Segurança
concedida. 1. A Portaria inaugural e o mandado de citação, no processo
administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado; 2. Ninguém
pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe
são imputadas; 3. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer
às regras do devido processo legal; 4. Recurso conhecido e provido (ROMS
0001074/91-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, ac. Unân., DJ 30-03-92,
pág. 03968)
Assim sendo, é um equívoco crasso estabelecer uma sindicância "de acordo
com os fatos narrados na comunicação" ou ainda "para apurar irregularidades
praticadas pelo sindicado". É um múnus, uma obrigação legal, da autoridade que
assina a Portaria Instauradora - o acusador - deixar bem claro os limites da
acusação para que com isso possa o sindicado se defender.
Reportando-nos às espécies de Sindicância, o manual de Sindicância
concorda na coexistência de duas espécies distintas, assim dizendo: "Art. 2º ... § 1º.
Na hipótese de não ser possível identificar a pessoa diretamente envolvida no fato a
ser esclarecido, a sindicância terá caráter meramente investigatório; entretanto,
sendo identificada a figura do sindicado desde sua instauração ou ao longo da
apuração, o procedimento assumirá caráter processual, devendo ser assegurado
aquele o direito ao contraditório e ampla defesa." (grifos nossos)
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Na PMPE a Sindicância Investigativa se assemelha aquela hodiernamente
chamada de Sindicância Sumária. Devido ao seu prazo curto - de acordo com
a Portaria do Comando Geral da PMPE nº 119, de 16ABR12, publicada no SUNOR
nº 008, de 30/04/12, de apenas 10 dias corridos - não é possível nesta obedecer os
prazos para o exercício da ampla defesa e contraditório. Daí inclusive ressaltarmos a
impossibilidade de utilizar nos dias atuais a Sindicância Sumária como "meio mais
rápido para apuração de pequenos casos", só sendo coerente sua utilização quando
inexistir totalmente qualquer imputado do fato a ser investigado.
O Art. 2º §1º no entanto fere o sentido jurídico da própria Portaria pois, em
dada interpretação cria a trágica hipótese do imputado, que é descoberto só após o
último depoimento, ser a partir dali considerado sindicado e daí, passar a responder
pelo que foi ventilado antes mesmo de sua intimação, com isso suprimindo-lhe o
direito de acompanhar os atos e defender-se, e neste sentido, como bem visto na
última citação jurisprudencial, a desobediência aos princípios da ampla defesa e
contraditório causam a nulidade de qualquer ato processual. Assim, vejamos como
se posicionam os Tribunais:
Polícia militar. Licenciamento. Mera investigação sumária dos fatos em que se
envolveu o autor. Violação do princípio da garantia de defesa. Aplicação do art. 5º,
inciso LV, da ConstituiçãoFederal. [...] A Constituição vigente instituiu, em prol dos
acusados em geral, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os
meios e recurso e ela inerentes. Assim, qualquer ato punitivo da Administração
com violação dessa garantia é visceralmente nulo. Dano moral - Inexistência de
comprovação. Pedido que não merece acolhimento. 5º LV Constituição Federal.
(579237 SC 1988.057923-7, Relator: Nestor Silveira, Data de Julgamento:
21/10/1993, 2ª Câm. de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação cível n.
40.289, da Capital.)
Assim sendo, surgindo um imputado - não é necessário que haja provas
concretas de sua participação, até porque será este o objeto na sindicância - durante
uma sindicância investigativa, deve-se estabelecer nova portaria e, dessa vez,
criando uma sindicância acusatória em substituição a sindicância investigativa.
O mesmo raciocínio deve ser adotado quando restar "fatos novos". Se
conexos, uma nova Portaria poderá aditar os fatos novos e a partir daí tratar deles
na instrução. Se fatos desconexos, nova portaria deve ser estabelecida a fim de
inclusive respeitar a individualização de cada conduta.
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2. Notificação Citatória
A citação foi prevista no Art. 6º, V, do manual de Sindicância. A notificação
citatória se presta "para conhecimento do fato que lhe é imputado,
acompanhamento do feito, ciência da data de sua inquirição e da possibilidade de
defesa prévia, além da possibilidade de requerer a produção ou juntada de provas".
De tudo o que foi descrito pelo Manual de Sindicância, o primeiro objetivo é o mais
importante de todos, devendo, por isso mesmo, ser no mesmo ato entregue cópia
integral da Portaria. Vale ressaltar também que nesta notificação não é aberto o
prazo para a defesa prévia, mas apenas a informação de que esse prazo será
ofertado posteriormente, pois de acordo com o Art. 13 esse prazo é aberto quando
do interrogatório.
3. O Interrogatório
O interrogatório, ao contrário do que parece, não é peça de acusação, mas de
defesa. É por isso mesmo que é pacífico o entendimento de que este ato é uma
faculdade e não uma obrigação do sindicado: “O comparecimento do réu ao
interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui uma
faculdade e não um dever do mesmo ( Correição Parcial: RJ, 2007.02.01.007301-4,
Rel. Des. Federal Maria Helena Cisne)”.
Assim, se o sindicado é intimado para comparecer ao interrogatório e não
comparece, não comete nenhuma transgressão disciplinar para com o oficial
sindicante. Pode, no entanto, responder para com o seu Comandante, caso este o
tenha apresentado por ofício, e o sindicado simplesmente não cumprir a ordem de
comparecimento, mas isso de forma alguma poderá ser levado em consideração,
sequer citado, quando do julgamento do mérito da Sindicância.
Por outro modo, caso compareça, não poderá o sindicado ser ouvido caso
declare que não tem interesse em prestar o interrogatório. Neste sentido inclusive,
sugerimos sequer registrar as perguntas pois se assim o fizer poderá, em casos
remotos, responder por abuso de autoridade (Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de
1965).
Ainda descrevendo a autonomia de vontade do sindicado quando de seu
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interrogatório, em nenhum momento deve ele ser obrigado a dizer a verdade,
podendo silenciar ou até mesmo não relatar a verdade dos fatos e ainda assim não
lhe podendo ser imputado por isso qualquer transgressão disciplinar ( como por
exemplo o Art. 128 do CDME-PE, que não é cabível quando do exercício da defesa).
Isso decorre do preceito constitucional previsto no "Art. 5º. (...) LXIII - O preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, (...)" o que
segue o Pacto de San José da Costa Rica que em seu Art. 8º, §2º, alínea g.
assegura que "Toda pessoa tem o direito de (...) não ser obrigada a depor contra si
mesma, nem a confessar-se culpada". Desse raciocínio decorre a velha expressão
de que "ninguém será obrigado a produzir provas contra si mesmo":
[...] III. Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não ser obrigado a
prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver interpretado contra
ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a condenação" (STF, HC n.
84.517/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 19.10.2004)
Não há nenhuma ilegalidade em encerrar uma Sindicância sem Interrogatório,
desde que sejam juntados aos autos da Sindicância prova de que o Sindicado foi
regularmente intimado para comparecer.
Por fim, ao término do interrogatório pode, o sindicante, aproveitar-se do
próprio termo para abrir o prazo para defesa prévia, em conformidade com o Art. 13
do Manual de Sindicância, com isso evitando elaborar um ofício para fazer o ato em
conformidade com o princípio da Economia Processual.
4. A Defesa Prévia
A Defesa Prévia é a segunda oportunidade de defesa do sindicado. Além dos
argumentos de defesa, é nesse documento que o Sindicado deve apresentar as
testemunhas que deseja que sejam ouvidas. Outrossim, caso venham a ser
apresentadas posteriormente, deve o sindicante ouvi-las sob risco de permitir a
alegação de prejuízo à ampla defesa.
A ausência de Defesa Prévia também não leva a Sindicância à nulidade, salvo
se o Sindicado não tiver sido intimado para esse ato. Assim, vejamos o que dizem os
tribunais: "Não há falar em nulidade se a defesa do paciente, regularmente por este
constituída, deixa de oferecer defesa prévia no tríduo legal, embora devidamente
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intimada (HC 141153 CE 2009/0131042-4, Rel. Ministro OG FERNANDES)".
5. A Colheita de Outras Provas
5.1 Prova Testemunhal
Acerca da oitiva de testemunhas, diz o Manual de Sindicância que "Art. 31. As
testemunhas do denunciante ou ofendido serão ouvidas antes das do sindicado". No
entanto, vale lembrar que em casos excepcionais é possível sim fazer a inversão
dos depoimentos.
Neste sentido, temos:
A inversão da ordem de oitiva de testemunhas de defesa e acusação [...] não
acarreta nulidade ao Processo Administrativo se em razão disso, não houver
qualquer prejuízo para a defesa do acusado"(MS 24487/GO, Rel. Min. Félix
Fischer).
Outro ponto a esclarecer é a quantidade de testemunhas. De acordo com o
Manual de Sindicância esse número é de 03 testemunhas para a defesa e 03
arroladas pelo Sindicante (acusação). Esse número pode ser alterado desde que
não haja prejuízo para a defesa e que prevaleça a "paridade de armas" entre
acusação e defesa, ou seja, ocorrendo aumento do número de testemunhas de uma
ou outra parte ( acusação/defesa), deve o mesmo número ser ofertado a outra.
Por outro modo, se ao acusado é possível faltar com a verdade em seu
depoimento, o mesmo não ocorre com a testemunha. Excluindo disso aquelas que
não são obrigadas a prestar o compromisso ( Vide Art. 354 do CPPM), todas as
demais estão subjugadas a dizer toda a verdade sobre o que sabem e não têm o
direito de se calar. Por outro modo, em Sindicância não há a possibilidade de trazer
coercitivamente uma testemunha para depor. Assim também entende Ivan Barbosa
que diz que no "[...] caso do processo administrativo disciplinar, onde a autoridade
pode apenas convidar, solicitar que compareça, mas nunca obrigar nem impor
comparecimento ( RIGOLIN, 1995)"4.
4
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. São Paulo:
Saraiva, 1995, p. 264.
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5.2 Provas de outros documentos como processo judiciais, inquéritos,
processo de licenciamento e outras sindicâncias.
É perfeitamente possível simples juntada de cópias de documentos de outros
processos desde que estes também estejam submetidos ao crivo da ampla defesa e
contraditório. O documento trasladado nessas hipóteses será chamado de prova
emprestada. Neste sentido: "Conforme precedentes é legal a utilização de prova
emprestada de processo criminal na instrução do processo administrativo disciplinar
( MS 10874 DF 2005/0123370-1, Relator Min. Paulo Callotti)"
Só não é possível utilizar-se de documentos de IPM e Sindicância
Investigativas pois estes instrumentos não se submetem a ampla defesa e
contraditório.
5.3 Depoimento da Vítima
A "vítima" nos autos da sindicância deve ser ouvida como ofendida(o) e nesse
sentido não se faz necessário que preste compromisso de dizer a verdade. Deve-se
evitar a nomenclatura vítima uma vez que a vítima será sempre a Administração
Pública, sendo o particular mero ofendido.
É por isso mesmo que não é coerente que uma sindicância seja arquivada
sob a justificativa a "vítima não teve o interesse de prosseguir" na investigação,
conforme assim leciona Sandro Lúcio Dezan que enfaticamente diz que "(...) A
Administração Pública, parte autora, deve se encarregar de iniciar e findar a
persecução disciplinar, independentemente de manifestação da outra parte (DEZAN,
2010)"5.
5.4 Da retirada do sindicado durante os depoimentos de ofendido e
testemunhas
Situação constrangedora mas muitas vezes necessária, é a retirada do
Sindicado da sala de audiência quando do depoimento do ofendido(a). É importante
entender que, decorrente do contraditório, é direito do sindicado permanecer na sala
5
DEZAN, Sandro Lucio. Fundamentos de Direito Administrativo Disciplinar. Curitiba: Juruá, 2010.
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e acompanhar o ato, sendo sua saída uma exceção. Caso haja a necessidade, é
importante seguir o Art. 358 do CPPM que aponta que "(...) Neste caso, deverá
constar da ata da sessão a ocorrência e os motivos que a determinaram (...) ". Sobre
o tema, assim tem se manifestado o STF:
É certo que a jurisprudência deste Superior Tribunal não vê nulidade na retirada
do réu da sala de audiências a pedido de testemunhas ou vítimas (art. 217 do
CPP). Porém, a retirada em razão da simples aplicação automática do comando
legal, sem que se indague os motivos que levam à remoção do acusado, fere
o próprio conteúdo daquela norma, bem como o art. 93, IX, da CF/1988. Dever-seia fundamentar concretamente a remoção, pautando-se no comportamento do
acusado (HC 83549-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
22/4/2008)
Ainda que haja a retirada do sindicado, deve este ser representado para que
se exerça o contraditório. O contraditório é direito que se exaure no tempo, portanto
incompatível com o que prevê o Art. 21 §3º do Manual de Sindicância. Ao contrário
do que ali foi proposto equivocadamente, deve o sindicante adotar a seguinte
conduta: Caso o sindicado possua advogado, será por este representado; caso não
possua, deve ser nomeado um defensor ad hoc, ou seja, para acompanhar aquele
ato, podendo esse defensor ser qualquer outro militar estadual disponível para o
feito, preferencialmente oficial e com formação em Direito.
6. Alegações Finais
Previsto no Art. 13, §2º do Manual de Sindicância, temos nas alegações finais
a última e mais importante oportunidade de defesa do sindicado. Assim sendo, a
jurisprudência é pacífica em apontar a impossibilidade de encerrar o feito sem ela.
Daí nossos Tribunais sempre alertarem que “As alegações finais constituem ato
essencial do processo, cuja ausência acarreta a sua nulidade absoluta (APELAÇÃO
CRIMINAL ACR 14 AM 2004.32.01.000014-6, Relator Desembargador Federal
Tourinho Neto):
STJ. Defesa. Ausência de alegações finais. Nulidade. Princípios da ampla defesa
e contraditório. Precedentes do STJ. Réu indefeso. CPP, arts. 267 e 497, V. CF/88,
art. 5º, LV. A falta de alegações finais, imediatamente anteriores ao julgamento do
mérito da causa, consubstanciam-se em termo essencial do processo penal, razão
pela qual a sua ausência implica em nulidade, por ofensa aos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. (STJ - Rec. Ord.
em HC 10.186 - RS - Rel.: Min. Edson Vidigal - J. em 01/03/2001 - DJ 02/04/2001 Boletim Informativo da Juruá 290/024892)
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Assim, podemos asseverar em garrafal apontamento que é ilegal o disposto
no Art. 13, §2º, do Manual de Sindicância, quando sugere que a Sindicância pode
prosseguir a marcha processual sem que sejam juntadas as alegações finais.
Caso encerre-se o prazo para que o Sindicado e/ou seu advogado apresente
as Alegações Finais sem que este documento seja juntado, deve o sindicante
nomear um defensor ad hoc, ou seja, para executar aquele ato, podendo esse
defensor
ser
qualquer
outro
militar
estadual
disponível
para
o
feito,
preferencialmente oficial e com formação em Direito. Nesse sentido, vejamos a
possibilidade no entendimento do próprio STF de caso semelhante em Processo
Administrativo Complexo ( Conselho de Disciplina):
ADMINISTRATIVO.
POLICIAL
MILITAR.
EXCLUSÃO.
INFRAÇÃO
DISCIPLINAR. DESNECESSIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO.
PROCESSO ADMINISTRATIVO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.
REEXAME PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. O Supremo Tribunal
Federal possui jurisprudência consolidada de que não há ofensa aos princípios da
ampla defesa e do contraditório no fato de se considerar dispensável a presença,
no processo administrativo, de advogado, cuja atuação, no âmbito judicial, é
obrigatória. (Precedentes: AGRRE n. 244.027-2/SP, relatora Ministra Ellen Gracie;
RE n. 282.176-4/RJ, relator Ministro Moreira Alves; AGRAG n. 207.197, relator
Ministro Otávio Galloti). No caso, não houve qualquer prejuízo para a ampla
defesa do apelante, pois ele foi defendido de forma técnica, efetiva, profissional e
competente pelo OFICIAL MILITAR designado para o caso, que possui
conhecimento altamente especializado para os casos submetidos ao Conselho
Disciplinar. Apurada em processo administrativo disciplinar a prática de falta grave
e submetido o policial militar a Conselho de Disciplina, em que se observou o
contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, reveste- se de legalidade
o ato administrativo que excluiu o faltoso dos quadros da Corporação (citado em
STF quando do julgamento da Apelação Cível n. 1.0024.03.790008-3-004,
MG. STF - AI: 602844 MG , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento:
28/09/2007, Data de Publicação: DJe-129 DIVULG 23/10/2007 PUBLIC
24/10/2007 DJ 24/10/2007 PP-00040)
Outra forma de promover a economia processual na Sindicância, é utilizar o
próprio termo de audiências ( no caso, o último) e ao término incluir a expressão "
fica a defesa intimada para o prazo das alegações finais".
7. Relatório
É no relatório que serão descritas todas as provas em sequência lógica e que
darão sustentáculo ao parecer final do Sindicante, conforme o Art. 6º do Manual de
Sindicância. Deve ele quando de seu parecer final apontar claramente se houve ou
não a transgressão disciplinar e qual o enquadramento cabível, as circunstâncias
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atenuantes e agravantes que vislumbra, deixando para a autoridade solucionadora
apenas o crivo de acompanhar ou não seu parecer.
Outrossim, vale ressaltar que, caso a figura se afigure um crime, deve o
sindicante propor que os autos sejam encaminhados ao Ministério Público, não
sendo nos dias atuais necessário instalar um Inquérito Policial Militar sobre o mesmo
fato que foi investigado na Sindicância, tudo isso em plena conformidade com o Art.
28. do CPPM que diz que "O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de
diligência requisitada pelo Ministério Público:a) quando o fato e sua autoria já
estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais [...]"
É importante ressaltar que, em decorrência da independência das instâncias,
mesmo que o caso se afigure um crime ( militar ou comum), deve o sindicante
externar seu parecer quanto à repercussão administrativa, podendo aqui apontar a
prática de uma transgressão - afinal de contas em decorrência dos Arts. 1º e 7º do
Dec. 22114, de 13/03/00, se houve a transgressão de uma lei incorre-se no descrito
no Art. 139 do CDME-PE - e qual a pena aplicável, ou se melhor é proceder à
Processo de Licenciamento, Conselho de Justificação ou Disciplina, conforme o
caso.
8. Solução
É na solução que a autoridade delegante irá aplicar o desfecho cabível ao
caso.
Se houver entendimento de que a conduta coaduna com algum dispositivo do
CDME, deve na solução a autoridade impor a reprimenda cabível, não sendo mais
necessário notificar para se defender de algo que foi largamente defendido durante a
instrução da sindicância.
Noutro ponto, vale esclarecer que o princípio da motivação dos atos
administrativos impõe ao Comandante que, caso discorde de algum ponto traçado
pelo sindicante, descreva-o sucintamente e demonstrando as razões pela qual não
acompanha o entendimento do sindicante. Nesse sentido, leciona Di Pietro:
O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os
fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela
doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas
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que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os
atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua
obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade
necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.( DI
PIETRO, 2008)6.
9. Recursos
Após a solução do Comandante, é possível utilizar-se de todos os recursos
descritos no CDMEPE como ainda do próprio judiciário. Os tribunais assim se
manifestam:
SERVIDOR PÚBLICO Ação ordinária de reintegração no cargo c.c. indenização e
pedido de tutela antecipada Improcedência. - O que não se permite ao Judiciário é
pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência,
oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria
emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. O mérito
administrativo, relacionando-se com conveniências do Governo ou com elementos
técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a
conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do
Direito. Não há confundir, entretanto, o mérito administrativo do ato, infenso a
revisão judicial, com o exame de seus motivos determinantes, sempre passíveis
de verificação em juízo. Exemplificando: o Judiciário não poderá dizer da
conveniência, oportunidade e justiça da aplicação de uma penalidade
administrativa, mas poderá e deverá sempre examinar seu cabimento e a
regularidade formal de sua imposição. - Procedimentos administrativos regidos
pelos princípios constitucionais e legais. (TJ-SP - APL: 1073455020088260000 SP
0107345-50.2008.8.26.0000, Relator: Oscild de Lima Júnior, Data de Julgamento:
06/06/2011, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 09/06/2011)
Considerações Finais
A segurança jurídica em qualquer processo administrativo só é possível a
partir da estrita obediência aos preceitos legais, em especial aquilo que foi
apregoado na Constituição Federal. Nesse sentido, a Sindicância Administrativa
deve ser usada no interesse da busca da verdade real mas sem perder de vista que
o principal patrimônio do serviço público é o próprio servidor que é responsável pelo
perfeito funcionamento da máquina pública e pelo sucesso de sua missão
institucional.
É por isso mesmo que é inafastável a necessidade de promover instrumentos
de investigação alicerçados no garantismo processual e com isso punindo-se com
6
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 77.
131
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máxima eficiência aos culpados ao mesmo passo que se afasta dos inocentes as
duras penas da lei.
Referências
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1996. p. 602.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas,
2005 pág. 559.
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis.
São Paulo: Saraiva, 1995, p. 264.
DEZAN, Sandro Lucio. Fundamentos de Direito Administrativo Disciplinar. Curitiba:
Juruá, 2010.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas,
2008, p. 77.
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ANÁLISE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR PELA
CORREGEDORIA GERAL DA SECRETÁRIA DE DEFESA SOCIAL SOB A
PERSPECTIVA DO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO
Davison Alves Gonçalves dos Santos 1
RESUMO:
O presente artigo objetiva a análise relativa à atribuição da Corregedoria Geral da
Secretária de Defesa Social de instaurar Inquérito Policial Militar, sob o panorama da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Código de Processo
Penal Militar, sem, contudo, subestimar a importância e a representatividade dos
serviços realizados pelo órgão superior de controle disciplinar interno para o Estado
de Pernambuco, aplicando a ética e a justiça. Direcionando sobremaneira a visão
imparcial a respeito do tema, serão apresentados argumentos no sentido de apontar
equívocos, que possibilitam o surgimento de transtornos em desfavor das Unidades
Militares do Estado.
Palavras-chave: Constituição da República Federativa do Brasil, Código de
Processo Penal Militar, Corregedoria Geral, Lei Complementar N° 158/10,
Controvérsias.
Introdução
As corregedorias relacionadas à segurança pública evoluíram de forma
sólida e paulatina após a concretização dos direitos individuais, sociais e coletivos
alicerçados pela Constituição Cidadã. Começando a ganhar espaço na seara
legislativa, com a formulação de normas e procedimentos acerca do tema.
Nesse diapasão, emergiu a Corregedoria Geral da Secretária de Defesa
Social do Estado de Pernambuco, órgão destinado à apuração de faltas cometidas
por servidor público pertencente ao ramo da segurança pública e contemplado com
o manto protetor das garantias constitucionais e infraconstitucionais.
1
3ºSargento da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduando em
Planejamento Estratégico.
133
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Contudo, algumas polêmicas foram suscitadas e expostas, principalmente
no que tange ao surgimento da Lei Complementar Estadual N° 1582 de 26 de março
de 2010, a qual atribui competência a Corregedoria Geral para instaurar o Inquérito
Policial Militar, causando um transtorno na relação jurídica entre administrador e
administrado.
1. Polícia Judiciária Militar: fundamento de validade e conceito
O Inquérito Policial Militar (IPM) situa-se no campo da jurisdição militar,
incidindo, inclusive, a jurisdição militar estadual. Sendo assim, a expondo a previsão
legal via Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 19883 a atribuir
poderes para a Justiça Militar Estadual processar e julgar os militares dos Estados
em relação aos crimes militares previstos em lei, e ainda de estabelecer atribuições
na investigação da infração penal militar à polícia judiciária militar, via exceção.
Observemos:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios
estabelecidos nesta Constituição.
[...]
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos
Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos
disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil,
cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos
oficiais e da graduação das praças. (grifo nosso)
§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar,
singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais
contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a
presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. (grifo
nosso)
[...]
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração
de infrações penais, exceto as militares. (grifo nosso) (BRASIL, 1988)
2
PERNAMBUCO. Lei Complementar N° 158, de 26 de março de 2010. Disponível em:
http//legis.alepe.pe.gov.br/legis_superior_norma.aspx?nl=LC158. Acesso em 30 Abr. 2014
3
BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em:
30 Abr. 2014.
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Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal
Logo, havendo a prática de um fato tipificado como infração penal militar,
cabe ao Estado, por meio do jus puniendi, aplicar sanção ao transgressor da norma
substantiva vigente. Apesar disto, deve o Estado exercer o jus persequendi, com a
finalidade de reconhecer a autoria do ato delituoso e coletar elementos probatórios
necessários para que a ação penal seja proposta.
A legislação penal militar atual atribui competência a polícia judiciária
militar para executar a primeira fase elencada acima, sendo primordial a colheita de
provas materiais e testemunhais, por meio do IPM, com a finalidade de obter o maior
quantitativo de elementos de convicção relacionados à autoria e à materialidade do
crime militar, atribuindo condições para que assim, o titular da ação penal militar
atue.
Eliezer Pereira Martins esclarece:
A disciplina em matéria de apuração de crimes militares não discrepa do sistema
de apuração de crimes comuns, daí falar-se na polícia judiciária militar. Como visto
a polícia judiciária militar não teve seus órgãos e atribuições explicitadas na
Constituição Federal, tendo sido disciplinada na legislação ordinária (Código de
Processo Penal Militar). Neste sentido, a polícia judiciária militar pode ser definida
como órgão ou autoridade militar incumbida, por lei, do dever de desenvolver toda
atividade necessária para o fornecimento ao Ministério Público, em funcionamento
na Justiça Militar, dos elementos necessários ao conhecimento judicial do fato que
em tese configure crime militar, ou seja, a polícia judiciária militar é órgão auxiliar
da Justiça Militar4.
2. Inquérito Policial Militar
O termo inquérito origina do latim inquisitu, que representa inquisição, ato
ou efeito de inquirir, ou seja, ato ou efeito de perseguir dados relativos a
determinado acontecimento.
O artigo 9° do Código de Processo Penal Militar (CPPM) 5 demonstra a
definição e a finalidade do procedimento inquisitorial militar, dispondo que “O
inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais,
configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja
finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação
4
MARTINS, Eliezer Pereira. Inquérito policial militar. 2. ed. São Paulo: LED, 1996, p.18-9.
BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n. 1002, de 21 de outubro, de 1.969, Código de
Processo Penal Militar. Brasília: Diário Oficial da União, 1969. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso em: 30 Abr. 2014.
5
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penal.”. O parágrafo único completa: “São, porém, efetivamente instrutórios da ação
penal os exames, perícias e avaliações realizados regularmente no curso do
inquérito, por peritos idôneos e com obediência às formalidades previstas neste
Código”.
Ao comentar sobre o procedimento pré-processual militar, Eliezer Pereira
Martins demonstra que esse é “procedimento administrativo de polícia judiciária
militar, destinado a coligir elementos de autoria e materialidade necessários à
apuração de infração penal de competência da Justiça Militar. É de natureza
provisória, destinando-se a fornecer elementos de autoria e materialidade para
ensejar a propositura de ação penal militar. Trata-se de procedimento administrativo
preliminar e meramente informativo”.
Finaliza-se, então, que o Inquérito Policial Militar é a junção de
expedientes formais que descreve atos, ações e atividades realizadas pela
autoridade competente com a finalidade de investigar determinado crime penal
militar, com o objetivo de encontrar o autor dos fatos e a materialidade do crime,
para que subsidie, com informações necessárias, o Ministério Público para propor a
ação penal junto à Justiça.
3. Corregedoria Geral da Secretária de Defesa Social: importância e atribuições
É dever do Estado assegurar aos cidadãos seus direitos e garantias
individuais, restringindo qualquer tipo de abuso que proporcione prejuízo a
democracia. Logo, é essencial a existência das organizações policiais para proteger
a sociedade, atuando de forma a garantir o cumprimento do que preceitua as
legislações.
Destarte, o Estado, mediante previsão legal, utiliza-se do poder coercitivo
na busca de garantir os direitos humanos, principalmente em relação aos direitos à
vida e liberdade.
Porém, o uso desse instrumento de coerção deve ser aplicado de forma
apropriada, conforme a necessidade, para que a ação legítima não incida em
ilegalidade pelos servidores públicos. Diante desta análise é que nasce a
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necessidade de organismos internos de controle da conduta dos militares das
organizações policiais.
Desta forma, havendo procedimento irregular, por parte dos militares
vinculados as organizações policiais, é primordial que se instaure o devido processo
para que seja apurado.
A Lei Ordinária Estadual n° 11.929/20016, define a Corregedoria Geral
como órgão superior de controle disciplinar interno, em relação aos órgãos e
agentes vinculados a Secretaria de Defesa Social, além dos Agentes de Segurança
Penitenciária ligados à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos,
conforme artigo 1º da referida Lei Estadual.
Art. 1º A presente Lei define a competência e as atribuições da Corregedoria Geral
da Secretaria de Defesa Social, como órgão superior de controle disciplinar interno
dos demais órgãos e agentes a esta vinculados, bem como, dos Agentes de
Segurança Penitenciária vinculados à Secretaria de Desenvolvimento Social e
Direitos.
Assim sendo, a missão principal da Corregedoria Geral da SDS é de
prevenir a prática de delitos funcionais por parte dos servidores atrelados a referida
Secretaria com a finalidade de adequar os serviços prestados aos princípios
norteadores que constituem os Direitos Humanos e ainda reeducar, corrigir e punir
os abusos administrativos realizados pelos servidores pertencentes à SDS em ação
profissional excedente ou particular ilegal no cotidiano.
Em uma abordagem simplória, a Corregedoria Geral da SDS representa
um órgão gestor dos assuntos referentes aos desvios de conduta cometidos pelo
público interno da SDS.
Desde sua criação até o presente momento, o trabalho executado pela
Corregedoria Geral incide nos aspectos administrativo-disciplinar, utilizando-se como
fontes as legislação do Estado, União e da Carta Magna.
Tudo isso demonstra, a grande preocupação existente com o combate as
violações aos Direitos Humanos, principalmente no âmbito dos órgãos policiais, nos
quais possuem o monopólio legal e legítimo do uso da força.
6
PERNAMBUCO. Lei N° 11.929, de 02 de janeiro
http://legis.alepe.pe.gov.br/pdftexto/LE11929_2001.pdf.
Acesso
de 2001.
em
30
Disponível em:
Abr.
2014.
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No tocante as atribuições, inicialmente há de se considerar que antes da
existência da LC N° 158/10, as atribuições da Corregedoria Geral da SDS eram da
seguinte forma:
Art. 2º São atribuições institucionais da Corregedoria Geral da Secretaria de
Defesa Social:
I - acompanhar os atos de afastamento previstos no artigo 14, desta Lei,
relacionados a policiais civis, militares e bombeiros estaduais, bem como, a outros
servidores públicos da Secretaria de Defesa Social;
II - realizar, inclusive por iniciativa própria, inspeções, vistorias, exames,
investigações e auditorias;
III - instaurar, proceder e acompanhar sindicâncias;
IV - instaurar, proceder e acompanhar processos administrativos disciplinares;
V - requisitar a instauração de Conselhos de Disciplina e Justificação para
apuração de responsabilidade;
VI - requisitar diretamente aos órgãos da Secretaria de Defesa Social toda e
qualquer informação ou documentação necessária ao desempenho de suas
atividades de fiscalização;
VII - requisitar a instauração de inquérito policial civil ou militar e acompanhar a
apuração dos ilícitos;
VIII - requisitar informações acerca do fiel cumprimento das requisições
ministeriais e de cartas precatórias;
IX - criar grupos de trabalho ou comissões, de caráter transitório, para atuar em
projetos e programas específicos, contando com a participação de outros órgãos e
entidades da administração pública estadual, federal e municipal, conforme
autorização governamental;
X - manter arquivo atualizado e pormenorizado com todos os dados relativos aos
integrantes da Secretaria de Defesa Social, que estejam ou estiveram
respondendo a processos judiciais, procedimentos administrativos disciplinares,
Conselhos de Disciplina e Justificação ou a inquéritos policiais civil ou militar;
Até então, não havia nenhuma celeuma quanto às atribuições definidas
na lei estadual. Porém, com as modificações advindas da Lei Complementar N° 158,
sancionada pelo Poder Executivo Estadual em 26 de março de 2010, incide no
surgimento da dúvida quanto à competência da Corregedoria Geral da SDS de
propor a nova atribuição, em relação à alteração imposta ao artigo 1º, inciso VII da
LC N° 158/10. Vejamos:
Art. 1º A Lei nº 11.929, de 02 de janeiro de 2001, e alterações, passa a vigorar com
as seguintes modificações:
"Art. 2º São atribuições institucionais da Corregedoria Geral da Secretaria de
Defesa Social:
[...]
VII – instaurar ou requisitar a instauração de inquérito policial civil ou militar,
acompanhando, nos casos de requisição, a apuração dos ilícitos;
A partir da edição da LC N° 158/10, originou a controvérsias em torno de
sua compatibilidade com o sistema jurídico nacional e seus reflexos.
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4. A controvérsia do artigo 1°, da lei complementar n° 158/10 diante da
competência privativa da União
A expressão “instaurar” contida no artigo 1° da Lei Complementar N° 158
usurpa os limites quanto à competência privativa da União, por afrontar às regras
constitucionais de repartição de competência legislativa.
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 22, elenca de forma
terminante e taxativa as competências legislativas privativas, envolvendo as
atividades normativas da União. Consequentemente, havendo matéria não contida
no mencionado artigo, significa concluir que não faz parte do rol de competências
privativa da União.
Deve-se enaltecer a importância dos incisos pertencentes a este artigo,
visto que trata dos assuntos mais relevantes e de interesse comum à vida social do
Brasil.
Vejamos o que dispõe o mencionado artigo:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho; (grifo nosso)
[...]
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. (BRASIL, 1988)
O destaque fica por conta do parágrafo único do dispositivo legal acima,
na qual permite que a União autorize aos Estados-Membros a criar normas acerca
de questões especificas das materiais elencadas no artigo mencionado acima.
À vista disto, a autorização é uma faculdade atrelada ao legislador
complementar federal e nada obsta para que a União retome a sua competência,
editando normas sobre o mesmo assunto a qualquer tempo, pois a delegação não
se equivale a uma abdicação de competência.
Manoel Jorge e Silva Neto, em relação aos requisitos para a União
delegar aos Estados-Membros competência, leciona da seguinte forma:
A possibilidade de delegação legislativa aos Estados-Membros está balizada pelo
Comando do parágrafo único do art. 22, cujo conteúdo apresenta os requisitos
indispensáveis à mencionada atividade legiferante.
São eles:
a)
requisito formal: delegação expedida através de lei complementar
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com o acréscimo da adoção do rito preconizado para a lei delegada;
b)
requisito material: autorização para legislar apenas sobre questões
especificas das materiais tratadas nos incisos do artigo 22;
c)
requisito implícito: caráter genérico da norma de delegação,
destinando-a a todos os Estados-Membros e também ao Distrito Federal7.
Nesse sentido, citamos Motta e Barchet:
1º) delegação aos Estados-membros e ao Distrito Federal, não se admitindo
a transferência de competência para os municípios;
2º) requisito formal: o instrumento delegatório é uma lei complementar
editada pela União, regularmente aprovada pela maioria absoluta da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sancionada e promulgada
pelo Presidente da República;
3º) requisito material: a delegação deve circunscrever-se a um ponto
específico das matérias constantes do art. 22 da CR, não se admitindo que
a União delegue, na integralidade, a competência para regular qualquer das
matérias enumeradas no dispositivo;
4º) requisito implícito: a delegação deve ser feita na mesma extensão e
amplitude a todos dos entes federados regionais ou à parcela deles.
Necessariamente, deve abranger todos, sob pena de inconstitucionalidade.
Isto decorre diretamente do art. 19 da Constituição que, no inciso III, veda
na sua parte final que os entes federados criem preferências entre si,
instituindo, assim, o princípio da igualdade federativa, que veda o
8
tratamento diferenciado entre os entes integrantes da federação .
Não havendo lei de natureza complementar federal que autorize o EstadoMembro a criar norma acerca de determinada questão especifica, não é possível
que a lei estadual ultrapasse os limites da competência delegada, uma vez que,
acontecendo tal fato, a Lei Complementar estadual estará viciada em relação a sua
constitucionalidade.
No caso, a União se quer criou Lei Complementar delegando poderes
aos Estados-Membros pra criar dispositivos legais referentes à competência quanto
à instauração do Inquérito Policial Militar.
Portanto, a Assembleia Legislativa Estadual atuou fora dos limites da
delegação, pois editou norma sem possuir competência em relação a atribuição de
competência para a Corregedoria Geral da SDS para instaurar inquérito policial civil
ou militar, ensejando na extrapolação da competência legislativa.
7
NETO, Manoel Jorge e Silva. Curso de direito constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009, p. 349.
8
MOTTA Filho, Sylvio Clemente da. Curso de direito constitucional/ Sylvio Motta, Gustavo Barchet.
2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 284.
140
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Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco:
É formalmente inconstitucional a lei estadual que dispõe sobre matérias
enumeradas no art. 22, se não houver autorização adequada a tanto, na forma do
parágrafo único do mesmo artigo. Por isso mesmo o STF disse, na Súmula
Vinculante n. 2, que “é inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital
que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias 9.
Prontamente, há condições de afirmar que o ato gerou uma transgressão
constitucional.
5. A controvérsia do artigo 1° da lei complementar n° 158 diante do decreto-lei
1.002 de 21 de outubro de 1969
O Inquérito Policial Militar, como já vimos, é uma atividade de polícia
judiciária militar, cujo objeto é à apuração das infrações penais de natureza militar,
assim definida com base no artigo 9º, do Código de Processo Penal Militar 10.
Assim, trata-se do procedimento administrativo de caráter exclusivamente
inquisitorial, empregado pela administração pública militar nas atividades de polícia
judiciária militar, com o fito de apurar as infrações penais de natureza militar,
determinando a sua autoria e o delito cometido. O procedimento inquisitorial policial
militar é responsável pela abertura da persecução penal, servindo de alicerce para
que o Ministério Público proponha a ação penal militar.
Célio Lobão (2009, p.49) entende que:
O inquérito policial militar é a atividade investigatória de polícia judiciária militar,
com a finalidade de apurar a infração penal militar e indicar seu possível autor,
realizando a primeira fase da persecutio criminis, que prossegue com a
propositura da ação penal militar pelo MP.
Logo, o IPM necessita da devida instauração, executada pela policia
judiciária militar, representada pelas seguintes autoridades competentes, conforme
dispõe o artigo 7º, do CPPM:
Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes
autoridades, conforme as respectivas jurisdições:
9
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio
Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 5ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p 953.
10
BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n. 1002, de 21 de outubro, de 1.969, Código de
Processo Penal Militar. Brasília: Diário Oficial da União, 1969. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm.
Acesso
em:
15
Out.
2011.
141
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a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território
nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus
Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial,
permanente ou transitória, em país estrangeiro;
b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que,
por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;
c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos,
forças e unidades que lhes são subordinados;
d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos
órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de
comando;
e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos
e unidades dos respectivos territórios;
f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério
da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados;
g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços
previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica;
h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios; (BRASIL, 1969)
Por meio da previsão legal supramencionada, são expostas de forma
taxativa as autoridades de polícia judiciária inerentes às Forças Armadas e em
ordem decrescente de poder de comando conforme suas especificidades
normativas.
Cabendo, inclusive, a Justiça Militar Estadual processar e julgar os
crimes militares cometidos pelos militares estaduais. De forma que o militar indiciado
no IPM instaurado pela Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar será sempre
militar estadual, com base no artigo 6° do CPPM, observemos:
Art. 6º Obedecerão às normas processuais previstas neste Código, no que forem
aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de
sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei
Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de
Bombeiros, Militares. (BRASIL, 1969)
Jurisprudência do Supremo Tribunal Militar afirma tal entendimento:
HABEAS CORPUS. INQUERITO POLICIAL MILITAR. TRANCAMENTO.n MILITAR
FEDERAL INDICIADO EM INQUERITO POLICIAL MILITAR INSTAURADO E EM
CURSO NO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL.
ATRIBUIÇÕES DA POLICIA JUDICIARIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL (CBM
E PM-DF) RESTRITAS A APURAÇÃO DE ILICITOS CASTRENSES PRATICADOS
POR
MILITARES
DA CORPORAÇÃO.
LEGISLAÇÃO
PERTINENTE.
PRECEDENTES DO STF. ORIENTAÇÃO SUMULADA PELO ENTÃO EG. TFR.
CONSTRANGIMENTO RECONHECIDO – ORDEM DEFERIDA PARA TRANCAR
O IPM.INDICIOS RESIDUAIS DE PROIBIDO EXERCICIO DE COMERCIO POR
OFICIAL DO EB. REMESSA DAS PEÇAS INFORMATIVAS AO MINISTERIO
PUBLICO MILITAR DA UNIÃO. DECISÃO UNANIME11.
11
BRASIL, Superior Tribunal Militar. HC 1991.01.032714-2 DF, – Rel. Min. Paulo César Cataldo, j. em
26.03.1991, DJU 15.05.1991965. Disponível em:< http://www.stm.jus.br/jurisprudencia>.
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Devemos atentar que para ser iniciado o IPM, é primordial observar o que
preceitua o artigo 10 do CPPM, em relação aos modos:
Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:
a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja
ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator;
b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de
urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada,
posteriormente, por ofício;
c) em virtude de requisição do Ministério Público;
d) por decisão do Superior Tribunal Militar, nos têrmos do art. 25;
e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em
virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de
infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar;
f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da
existência de infração penal militar. (BRASIL, 1969)
Nos dispositivos legais relacionados acima, não foi mencionado às
corregedorias de policia, como competentes para instaurar o IPM. Portanto não há
condições da LC N° 158/10 atribuir a Corregedoria Geral da SDS poderes para
instaurar IPM, em respeito ao CPPM.
Considerações Finais
O presente artigo não possui a intenção de desmerecer o importante
trabalho executado pela Corregedoria Geral da SDS, e sim questionar os transtornos
gerados pela LC N° 158/10 em desfavor das Unidades Militares do Estado, visto que
atribui uma competência na qual é originária dos Comandantes, conforme o artigo
7º, h, do CPPM.
Cumpre, então, advertir que a instauração do IPM na Corregedoria Geral
da SDS em desfavor de militar estadual poderá, através de um dos remédios
constitucionais conhecidos como Mandado de Segurança, se impetrado em tempo
hábil, ou ainda uma ação judicial ordinária, representa um procedimento nulo,
produzindo transtornos a Administração Pública.
A nulidade do procedimento emitido pelo Poder Judiciário representa
afirmar que a Gestão Pública agiu com inobservância a legalidade, visto que a
Corregedoria Geral da SDS ao instaurar o Inquérito Policial Militar não possuía
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competência, com fundamento na Competência Privativa da União e aos modos e
autoridades responsáveis pela instauração do Inquérito Militar.
Como se nota, o artigo 5º, inciso XXXV, da CRFB/88, na qual promove o
Principio da Inafastabilidade do Poder Judiciário para apreciar qualquer ameaça ou
violação a direito, oferece condições para haver um controle judicial a posteriori, de
caráter unicamente legal, reservado a comprovar se existe harmonia do ato
administrativo com o dispositivo legal que o conduz.
Para sanear os contratempos apresentados, é primordial que haja uma
reforma do texto normativo contido no artigo 1º, da LC N° 158/10, em que o Poder
Legislativo Estadual atribui a Corregedoria Geral da SDS, competência para
instaurar o IPM, obedecendo às regras previstas na CRFB/88 e no Decreto-Lei Nº
1.002/69.
Em síntese, o foco principal do artigo se constituiu na avaliação da
modificação do artigo 2º, inciso VII, da Lei 11.929/01, oriunda da LC N° 158/10,
reconhecendo os aspectos controvertidos ao final do estudo, sem, contudo,
desprezar a importância e o valor dos serviços realizados pelo órgão superior de
controle disciplinar interno para o Estado de Pernambuco.
Referências
BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do
Brasil,
de
1988.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm.
Acesso
em: 30 abr. 2014.
BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n. 1002, de 21 de outubro, de 1.969,
Código de Processo Penal Militar. Brasília: Diário Oficial da União, 1969.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso
em: 30 abr. 2014.
BRASIL, Superior Tribunal Militar. HC 1991.01.032714-2 DF, – Rel. Min. Paulo César
Cataldo,
j.
em
26.03.1991,
DJU
15.05.1991965.
Disponível
em:
< http://www.stm.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 30 abr. 2014.
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LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. 1. ed. São Paulo: Método, 2009.
MARTINS, Eliezer Pereira. Inquérito policial militar. 2. ed. São Paulo: LED, 1996.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/ Gilmar Ferreira
Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 5ª Ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
MOTTA Filho, Sylvio Clemente da. Curso de direito constitucional/ Sylvio Motta,
Gustavo Barchet. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
NETO, Manoel Jorge e Silva. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009.
PERNAMBUCO. Lei Complementar N° 158, de 26 de março de 2010. Disponível
em: http//legis.alepe.pe.gov.br/legis_superior_norma.aspx?nl=LC158. Acesso em 30
Abr. 2014
PERNAMBUCO, Lei 11.629, de 28 de janeiro de 1999. Jan, 1999. Disponível em
http://legis.alepe.pe.gov.br/legis_inferior_norma.aspx?cod=LE11629. Acesso em 30
Abr. 2014.
PERNAMBUCO. Lei N° 11.929, de 02 de janeiro de 2001. Disponível em:
http://legis.alepe.pe.gov.br/pdftexto/LE11929_2001.pdf. Acesso em 30 Abr. 2014.
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Normas para Publicação
Normas para Publicação
Considerando o contido na Portaria do Comando Geral nº 1901, de 16 de
novembro de 2007, publicada no SUNOR nº 043, de 22 de novembro de 2007, que
aprova as Instruções Gerais para a confecção da Revista Doutrinária da PMPE, criada
pela Portaria do Comando Geral nº 633, de 04 de agosto de 1999, publicada no SUNOR
nº 020, de 10 de agosto de 1999, informamos as seguintes orientações e normas para
publicação de artigos:
Linhas de Pesquisas: As linhas de pesquisas prescritas na Diretriz Geral de Educação
Profissional da PMPE, e que servem como balizamento para os temas dos artigos
destinados a Revista DOUTRINAL, são as seguintes:
I – políticas públicas de defesa social / segurança pública;
II – gestão da defesa social / segurança pública;
III – controle do crime – homicídios;
IV – educação e formação do policial;
V – polícia e direitos humanos;
VI – saúde do policial.
Normas Técnicas para envio de artigo:
1) O artigo deve conter no máximo 30 (trinta) laudas, possuir resumo e 03 (três) a 05
(cinco) palavras-chave. O texto deve ser digitado em fonte arial tamanho 12 justificado,
espaço entre linhas 1,5, margens de 2,5 cm. O título do artigo deve estar centralizado no
texto, em negrito Arial, tamanho 12 maiúscula e o subtítulo na mesma fonte, sendo
apenas os nomes próprios maiúsculos. O nome do autor digitado em itálico, posicionado
abaixo e à direita do título, contendo nota de rodapé com informações acadêmicas sobre
o autor.
2) As citações devem preferencialmente seguir o sistema de chamada: Autor, data:
página.
3) Notas devem se restringir a itens extremamente necessários e devem vir no rodapé.
4) As citações no corpo do texto devem vir em Itálico. As citações com mais de três linhas
devem vir fora do corpo do texto, com fonte Arial, Tamanho 10, espaçamento simples e
recuo de 3,0 cm à esquerda.
5) Imagens podem ser publicadas desde que citadas às fontes e com as devidas
autorizações, de acordo com a legislação vigente. Fica condicionada a publicação das
imagens às viabilidades técnicas das mesmas.
6) O artigo enviado para publicação na Revista DOUTRINAL da PMPE, além de se
enquadrar nas normas técnicas da ABNT, deve conter ao final do texto, todas as
referências utilizadas na pesquisa, e deve ser digitado em formato compatível com o
sistema Microsoft Word ou BR Office.
7) O trabalho apresentado deve se configurar como contribuição original e inédita, não
devendo estar submetido ao mesmo tempo a avaliação para publicação em outra revista.
8) O artigo deve ser enviado para avaliação e possível publicação através do e-mail:
[email protected]
9) Além do artigo, deve ser encaminhado por e-mail, devidamente preenchido, assinado e
digitalizado, o termo de autorização para publicação na Revista DOUTRINAL da PMPE.
O referido termo de autorização está disponível para download na parte final desta
página.
10) O Autor do artigo ao enviar seu trabalho para a Revista DOUTRINAL da PMPE, fica
ciente de que não receberá qualquer tipo de remuneração pela publicação e divulgação
do referido artigo.
11) Serão aceitos trabalhos com co-autoria, desde que todos os autores sejam
identificados individualmente, conforme especificado no item 9 supra.
12) Os artigos enviados para publicação são de responsabilidade exclusiva dos autores.
O conteúdo dos artigos não correspondem necessariamente, à opinião da Revista
DOUTRINAL da PMPE.
Acesse neste local o: Termo de Autorização para publicação de artigo na Revista
DOUTRINAL da PMPE