Perdas irreparáveis - Associação dos Magistrados da Justiça do
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Perdas irreparáveis - Associação dos Magistrados da Justiça do
ANO XI Nº 33 - SETEMBRO 2010 Publicação da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Sexta Região – AMATRA VI MARCAS DA ENCHENTE Perdas irreparáveis no rastro das chuvas Magistrados e servidores tentaram, mas não conseguiram salvar parte dos processos trabalhistas das varas de Catende, Palmares e Barreiros, na Mata Sul pernambucana. Agora, o TRT da 6ª Região estuda alternativa para recuperar o que pode. CONCURSOS ELEIÇÕES Carreiras sepultadas em troca da estabilidade do emprego As armadilhas dos empregos temporários nos comitês 1 DIRETORIA: Presidente: Virgínia Lúcia de Sá Bahia 1º Vice: Hugo Cavalcanti Melo Filho 2º Vice: Edmilson Alves da Silva Diretoria Cultural: Kátia Keitiane da Rocha Porter Diretoria Legislativa: Renata Conceição Nóbrega Santos Diretoria Social: Maria do Carmo Varejão Richlin Secretaria: Marília Gabriela Mendes Leite de Andrade Tesouraria: Lucas de Araújo Cavalcanti CONSELHO FISCAL: Titulares: Gustavo Augusto Pires de Oliveira, Ilka Eliane de Souza Tavares, José Adelmy da Silva Acioli Suplentes: Patrícia Coelho Brandão Vieira, Necy Lapenda Pessoa de Albuquerque Azevedo, Ana Cristina da Silva Ferreira Lima COMISSÃO DISCIPLINAR E DE PRERROGATIVAS: Titulares: Ibrahim Alves da Silva Filho, Aline Pimentel Gonçalves, Saulo Bosco Souza de Medeiros Suplentes: Ivanildo da Cunha Andrade, Ana Maria Schuler Gomes, Sergio Vaisman Expediente: Publicação da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Sexta Região — AMATRA VI Endereço: Avenida Agamenon Magalhães, 2656 - s/1301 - Espinheiro - Recife - PE CEP: 52020.000 - Fone: (81) 3427.3416 www.amatra6.com.br CONSELHO EDITORIAL: Virgínia Lúcia de Sá Bahia, Edmílson Alves da Silva, Hugo Cavalcanti de Melo Filho, Kátia Keitiane da Rocha Porter, José Adelmy da Silva Accioli, Saulo Bosco de Souza Medeiros Projeto Editorial / Textos e Edição: Diálogo Comunicação e Marketing [email protected] Jornalistas Responsáveis: Márcia Guenes (DRT/PE 1.637) Renata Reynaldo (DRT/PE 1.902) Revisão: Laura Cortizo Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno de Souza Leão Foto da Capa: Helder Tavares/DP/D.A Press Impressão: MXM Gráfica 1 Sumário Editorial 03 Entrevista 04 Fábio Farias, Procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho Capa 06 Enchentes comprometem andamento dos processos Saúde 11 Novas tecnologias geram novas lesões Eleições 14 Cuidados com as vagas temporárias Comportamento 18 Hábito de trocar cartas resiste ao tempo Turismo 20 Bonito revela seu lado menos conhecido Literatura 22 Publicar livros está mais fácil e barato Ideias 24 A posição dos juízes sobre assuntos da atualidade Opinião 25 “Orquestra do trânsito procura regentes para sinfonia do caos” Cultura 28 Charme dos LPs ainda desperta paixões Prateleira 32 Sugestões de livros e DVDs Data vênia 33 Súmula de Jurisprudência Nº 14 do TRT6 Comportamento 38 Concurso pode virar sinônimo de frustração Ponto de Vista 40 Festa popular - Imagem que fica Culminância do Programa Trabalho, Justiça e Cidadania (TJC) Data: 12 de novembro de 2010 Horário: a partir das 14h Local: Auditório da Fiepe (Av. Cruz Cabugá, 767, Santo Amaro - Recife/PE) Realização: Amatra VI Editorial Germana Soares • Ag. Renata Victor Interface necessária “A aproximação com o que se passa além das normas blinda o juiz contra o encastelamento” 3 É lastreado na observação atenta e sensível dos acontecimentos sociais, sejam eles subjetivos e novos, como a preferência pelo vinil em lugar do MP3, sejam eles terrivelmente tangíveis e recorrentes, como uma enchente que dizima cidades, que o magistrado constroi sua massa crítica. Essa aproximação com o que se passa além das normas, jurisprudências, resoluções, súmulas e PECs atua como uma blindagem contra o encastelamento de um juiz, contra o “simesmismo” que distorce, triste e implacavelmente, o papel da Justiça na sociedade. Nesta publicação, que na sua segunda edição semestral consolida o novo projeto gráfico e editorial da Revista Amatra VI, a nossa Associação espera contribuir não somente para arejar os corações e as mentes do nosso público-alvo, os magistrados trabalhistas, mas também para assumir posições e abrir espaço a opiniões tão caras à construção de uma sociedade mais justa, como o fazem os juízes Edmilson Alves e Renata Nóbrega Santos e o procurador-chefe do MPT/PE, Fábio Farias. Muitas mudanças sociais, tanto pela sua agilidade quanto pela con- trovérsia que suscitam, se não nos ativermos, nos pegam desprevenidos e resultam em nos imobilizar na nossa atividade. Especificidades do mercado editorial, como a possibilidade de publicação autônoma de livros, e a tendência de jovens (muito jovens!) priorizarem a estabilidade do emprego público em detrimento da vocação e realização profissional são fatores que interferem, sim, na nossa tomada de decisões. Usando a expressão tão em voga, é essa “interface” que irriga o nosso senso crítico. Ao fecharmos nosso ciclo de dois anos à frente da gestão da Amatra VI, que renova sua diretoria ao final deste mês de setembro, aproveitamos essa oportunidade para também agradecer a confiança em nós depositada. Durante o biênio 2008–2010, buscamos uma atuação participativa, crítica e independente, com vista ao fortalecimento do movimento associativo da magistratura. Esperamos ter atendido às expectativas e deixamos aqui o nosso muito obrigado a todos os que nos ajudaram nessa caminhada. Virgínia Sá Bahia Presidente da Amatra VI Entrevista Comunicação • MPT-PE “O Judiciário ainda tem uma ideologia muito produtivista” É preciso analisar a qualidade do que se julga Fábio Farias – Procurador-chefe do MPT/PE Por Clara Cavalcanti A relação entre a Justiça Trabalhista (JT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) vive um novo momento. Nos últimos anos, procuradores e magistrados aproximaram suas atuações e passaram a somar esforços na “luta” pela afirmação dos direitos sociais dos cidadãos brasileiros. Nesta entrevista, o procurador-chefe do MPT em Pernambuco, Fábio Farias, fala sobre a nova configuração que envolve as duas instituições, assume que entraves ainda precisam ser superados e contabiliza os frutos colhidos graças à autuação conjunta MPT–JT. Revista da Amatra [RA] - Como o senhor avalia a atual relação procurador–magistrado? O que pode e precisa mudar? Fábio Farias [FF] - Posso dizer que a história do MPT se divide em dois momentos. Antes de 1988, éramos uma instituição limitada à emissão de pareceres jurídicos, ou seja, restrita a uma atuação passiva. A partir da Constituição Federal, o Estado brasileiro nos deu uma nova missão, a de defender as causas e os interesses sociais indisponíveis. Assim, deixamos de ser um ator passivo para assumir uma postura ativa enquanto instituição, mudança que não ocorreu da noite para o dia. Nos últimos anos, conseguimos, com base no diálogo, construir uma parceria ativa com a Justiça do Trabalho e, a partir desse novo relacionamento, obter juntos importantes vitórias para a cidadania no País, como o combate ao trabalho escravo e a garantia da inserção de portadores de deficiência nos quadros públicos. Acredito que estamos no caminho certo. [RA] - Que barreiras foram superadas para se chegar a esse ponto? [FF] - Certa vez, logo no começo da minha vida como procurador do Trabalho, abandonei uma au4 Entrevista diência porque o juiz não permitiu que me sentasse à sua direita. Sentia uma certa desconfiança dos magistrados para conosco, como se estivéssemos interferindo na sua esfera de poder. Até entendo. Imagine, de uma hora para outra, o procurador começar a “aparecer” nas varas trabalhistas, onde antes o juiz atuava sozinho, e colocar demandas para o Judiciário. Não dava para chegar de repente e querer promover uma revolução. Mas esse é um cenário que ficou no passado. A mudança foi se dando a partir da aproximação entre o procurador e o juiz, um diálogo estabelecido inicialmente dentro dos processos. Hoje, mesmo que haja visões distintas/conflituosas, predomina o respeito entre as duas instituições, assim como o trabalho em parceria. [RA] - Como o senhor avalia a relação entre a PRT6 e TRT6 atualmente? Existem conflitos/entraves carentes de solução? [FF] - Ainda somos uma instituição em formação. Vamos nos ‘construir’ justamente a partir dos conflitos que surgirem ao longo do caminho. Hoje, temos uma boa relação com o Tribunal, somos parceiros em diversas ações. Agora mesmo estamos articulando, em parceria, uma campanha para combater a poluição sonora no ambiente de trabalho e outra para combater a lide simulada. Recentemente, em 5 atendimento à Recomendação Nº 28 do Conselho Nacional de Justiça, também foi firmado um acordo de cooperação mútua entre PRT6, TRE, TRF5 e TJPE, permitindo uma aproximação ainda maior entre os órgãos, que passaram a compartilhar sua estrutura física e de recursos humanos. Agora, por exemplo, nós, que só temos três unidades no Estado (Recife, Caruaru e Petrolina), com 18 procuradores e 58 servidores ao todo, poderemos contar com o apoio das 61 varas trabalhistas para atuar em locais onde antes não chegávamos. Claro que opiniões divergentes e conflitos existem e não se dissipam rapidamente, mas, por hora, prefiro não elencar nenhum deles. Nossa atuação segue independente disso. [RA] - Do que se tratam exatamente essas novas parcerias do MPT com a JT? [FF] - O combate à lide simulada vai acontecer em parceria com a Amatra VI, TRT6, AATP. Vamos distribuir 20 mil cartilhas para os trabalhadores, com orientações sobre como se dá esse “abuso”, que prejuízos gera para o trabalhador e para a Justiça e como denunciar a lide simulada. Também serão distribuídos e afixados cartazes informativos nas varas trabalhistas. É inadmissível que o trabalhador seja coagido economicamente pelo empregador, assim como que a Justiça do Trabalho seja utilizada para o pagamento de verbas rescisórias, atrasando o andamento de outros processos “reais”. Já a campanha da poluição sonora vem sendo articulada junto com o TRT6 e também contará com a divulgação de material gráfico, além de fiscalização, para combater o excesso de barulho no ambiente de trabalho. [RA] - Como podemos contabilizar os avanços conquistados a partir da atuação conjunta entre procuradores e magistrados? O que essa “sintonia” trouxe em termos de resultados para a Justiça? [FF] - Na minha opinião, o Judiciário ainda tem uma ideologia muito produtivista, como se os números justificassem os padrões de Justiça e cidadania. Penso diferente. Acho que é preciso analisar a qualidade do que se julga, não a quantidade. Assuntos como o trabalho escravo, por exemplo, hoje estão no dia a dia da Justiça do Trabalho. A regularização de trabalhadores e o combate às condições insalubres de trabalho, através de ações civis públicas ou da assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta, também são ganhos importantes. Em termos de números, podemos destacar os mais de 25 mil empregos formais gerados de 2002 para cá no Estado, todos frutos dessa parceria entre MPT e JT. Capa Vara de Catende fica submersa com a enchente Cheia da Mata Sul atinge a Justiça do Trabalho Flavio Takemoto • http://www.sxc.hu Por Celso Calheiros No caminho que o Rio Una estabeleceu além das duas margens, algumas cidades na Zona da Mata Sul de Pernambuco submergiram no mês das chuvas intensas. As águas ameaçaram, avançaram, alcançaram níveis inéditos e levaram embora bens insubstituíveis. A Justiça do Trabalho, em suas duas varas em Barreiros e em Palmares e Catende, foi atingida, mas reagiu à catástrofe. 6 imagem obtida pelo celular do juiz Sau lo Medeiros Capa Quando as águas sobem muito além do leito do rio, o maior drama é humano. Servidores e magistrados se tornaram testemunhas do caos lento e irrefreável, e, pior, alguns tiveram família e patrimônio atingidos. Os processos, um dos principais serviços da Justiça do Trabalho, foram molhados e muitos se perderam. As instalações físicas, duas recém-inauguradas (uma delas em endereço já conhecido por enchentes passadas), foram gravemente danificadas, muitos móveis novos viraram lixo. As enchentes levam tudo quando vêm. Os prejuízos ocorrem de várias formas. Para a Justiça do Trabalho, deixar de servir é uma perda de grandes proporções. Uma reclamação trabalhista pode carregar anos de dedicação de um trabalhador. “Há muita vida dentro dos processos”, testemunha o juiz do Trabalho Saulo Medeiros, substituto em Catende, que foi um dos 7 7 responsáveis por evitar que o pior se estabelecesse. Entre as medidas que tomou para evitar o pior, avisar as varas das cidades que seguiam o curso do rio foi uma delas. A iniciativa do juiz Saulo Medeiros se justifica por causa da posição geográfica de Catende. A cidade é a primeira das três com vara do Trabalho banhadas pelo Una, no seu caminho para o mar. Em Catende, o rio é caudaloso, mas se torna maior em Palmares — por causa do recebimento das águas de seus afluentes — e ainda mais intenso em Barreiros, por sua proximidade com a foz. A partir do alerta do juiz de Catende, os servidores e magistrados em Palmares e Barreiros tomaram as suas primeiras medidas preventivas. No entanto, o rio não esperou. Passada a cheia, é hora da reação. Antes das medidas administrativas do Tribunal Regional do Trabalho, atenção à solidariedade. Magistrados, servidores, advogados, funcionários de empresas contratadas se juntaram a toda a sociedade na coleta de doações para as populações atingidas. Com as águas de volta ao leito normal, algumas ações administrativas fizeram-se necessárias, explica o diretor-geral Wlademir de Souza Rolim, líder do comitê para acompanhamento dos trabalhos de recuperação das unidades judiciais do Tribunal atingidas pelas enchentes em Pernambuco. Primeiro passo: uma operação de limpeza completa. Foram necessários ajustes no contrato com a empresa terceirizada responsável e foi fundamental o apoio de duas usinas, que enviaram caminhõespipa com água limpa para onde só havia sujeira. O TRT também decretou recesso nas quatro varas em Catende, Palmares e Barreiros. A medida foi necessária, explicou o juiz Saulo Medeiros, para os prazos ficarem suspensos em um momento de dificuldades generalizadas, visto o cenário de catástrofe. As varas também foram transferidas, em caráter provisório, durante o mês de julho. A primeira e a segunda varas de Barreiros passaram a atender em Ipojuca (que também possui duas varas), a vara de Palmares funcionou em Escada e a de Catende, em Caruaru. A transferência, disse a juíza Tânia Maria Pereira da Costa, titular da vara de Barreiros, será em atendimento aos casos urgentes, que podem ser prescritos. Outra medida adotada com o retorno das águas ao leito natural do Una determinou que dezesseis servidores das três cidades fossem liberados do registro do ponto. O decreto foi orientado apenas para os servidores que tiveram suas casas atingidas pela cheia. Também foi criado um grupo, com assessoria de pesquisadores e professores da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para estudar formas de se recuperar os processos trabalhistas que sofreram com a ação da água e da lama. Os pesquisadores começaram a trabalhar, encontraram poucos documentos atingidos na vara de Catende, mas ficaram impressionados com as perdas na 2ª Vara de Barreiros e com os prejuízos em Palmares. Filme repetido - Uma opinião comum a todos que conheceram as cidades atingidas, dos desembargadores que sobrevoaram a região aos moradores, foi a de que a Vara de Palmares foi a mais atingida. Em Barreiros, uma das duas varas conseguiu salvar os processos e todos os equipamentos de informática. Em Catende, apenas os processos arquivados, findos, foram molhados. Em Palmares, tudo ficou sob as águas. Os maiores prejuízos ocorreram em Palmares. “E a maior perda”, sintetiza a juíza Virgínia Sá Bahia, presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da Germana Soares • Ag. Renata Victor Capa O juiz Saulo Medeiros, substituto da Vara de Catende, evitou o pior 6ª Região, “é o processo, pois é no processo que cumprimos nossa função de entregar Justiça”. Algumas dessas cidades conhecem o problema das cheias do Una. Em 2000, por exemplo, as águas ultrapassaram o leito do rio e invadiram cidades como Catende e Palmares a ponto de deixarem suas marcas (e seus estragos) nas varas do Trabalho. As varas atingidas em 2000 tiveram de ser reformadas. Em Catende, servidores, advogados e magistrados ainda estavam satisfeitos com a conclusão dos ser- “O processo trabalhista representa a principal função do Tribunal, que é entregar Justiça” viços de reforma, quando a cheia de 2010 voltou a destruir móveis ainda novos. Por que as instituições públicas não são transferidas para um lugar mais seguro na cidade? A busca por essa e outras questões levou os desembargadores da Justiça de Pernambuco, da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho a se reunirem com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para tratar de novas estruturas para o Poder Judiciário nas cidades afetadas, em especial em Palmares. Não é uma solução de decisão simples, uma vez que envolve desapropriações, criação de vias, construção de prédios, mudança de domicílios. Ainda assim, os três desembargadores fizeram a solicitação e foram bem recebidos pelo governador na reivindicação de um prédio para instalação dos três serviços judiciais em um único endereço 8 Capa (localizado em terreno alto e distante do rio e de suas ameaças). Experiências - Depois que o pior passa, as histórias ficam. O juiz Saulo Medeiros, por exemplo, conta que seu conhecimento pessoal em cheias foi útil na hora de tomar a decisão de levar os processos para o primeiro andar da vara, muito antes do avanço das águas. Saulo Medeiros é natural de Jaboatão dos Guararapes e viveu, na sua infância, diferentes cheias. “Quando eu vi o rio ficar mais escuro, com as águas velozes, não tive dúvidas: vamos subir os processos.” A ordem foi dada às 9h30. Às 13h, o magistrado estava com os joelhos molhados retirando o seu notebook da mesa (perdeu a fonte e os cabos do equipamento). Situação semelhante ocorreu com a juíza Tânia Pereira da Costa, da 1ª Vara de Barreiros. Ao final da tarde, recebeu a ligação de um servidor, avisando que as águas estavam subindo. A magistrada deu a ordem e o pessoal da vara providenciou a retirada de processos e equipamentos de informática para o 1º andar. “E a lama quase alcançou o piso do andar superior. O sentimento é horrível — é como se a nossa casa tivesse sido destruída”, conta. Em Palmares, o advogado José Hamilton Lins, 67 anos, perdeu tudo que estava guardado no seu escritório, localizado no primeiro andar de um edifício no centro da cidade. “Meus documentos, móveis, computadores não servem mais para nada. Você imagina um advogado sem memória?”, pergunta. O advogado Eduardo Gris, com atuação em Palmares, se disse chocado com as cenas de destruição que presenciou: “No lugar onde havia uma praça, abriu uma cratera e, nela, caiu uma carreta que ficou com seus 18 pneus para cima”. A presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Palmares, Rosimaria Freire Lins, classifica como tragédia o avanço das águas do Una. “Meu escritório fica no primeiro andar e todos os meus móveis ficaram emperrados, tive de quebrar tudo para poder tentar recuperar documentos.” Rosimaria perdeu como advogada e como líder da OAB. “No escritório da Ordem, a água chegou ao teto.” Ela conta que teve de apoiar a distribuição de cestas básicas, inclusive para advogados. “A cidade ficou sem supermercado. As pessoas, mesmo com algum recurso, não tinham onde comprar o básico”, explicou. Trabalho de restauração inédito Pessoas sábias conseguem tirar da 6ª Região, de buscar diferentes para orientar os servidores sobre ensinamentos mesmo diante de catástrofes. As consequências das enchentes que afetaram quatro varas da Justiça do Trabalho também estão sendo úteis para um trabalho de recuperação e restauração de processos como nunca se viu até então. O pioneirismo teve sua chance a partir da decisão da desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo, presidente do TRT 9 caminhos para salvar os processos atingidos. A coordenadora de Gestão Documental do TRT, Marcília Gama, professora de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o pesquisador da Fundaj Antônio Montenegro e o professor Eutrópio Bezerra (UFPE), visitaram as áreas afetadas alguns dias depois do recuo das águas do Una, como agir em relação ao papel molhado. Marcília conta que, em Barreiros, foi necessário virar e forçar alguns arquivos de aço para os servidores poderem pegar documentos molhados. Em seguida, nos casos menos graves, os processos foram colocados no chão para secar. O grupo formado para dar apoio aos servidores das áreas atingidas Capa Bobby Fabisak • JC Imagem tarão de limpar e varrer com cuidado a poeira que sobrar. Lavar ou congelar? - Os casos mais graves tiveram de ser transferidos para a capital. O grupo de recuperação conseguiu, junto ao Porto do Recife, o uso do Armazém 16 para coloPalmares(PE): destruição total cação dos processos mais orientou com informações gerais danificados pela lama e pela água. sobre como tratar um documento Criaram vários cenários para o trabalho, mas o objetivo é um só: recumolhado. A preocupação maior dos técni- perar o que for possível. Foi criada cos nessa operação de salvamento uma linha de produção para a lafoi com os documentos da 2ª Vara vagem, limpeza e secagem de cada de Barreiros e os de Palmares. Tan- processo. Os casos mais difíceis seto Antônio Montenegro quanto riam restaurados com colas ou fotoEutrópio Bezerra alertaram para a grafados digitalmente. O TRT teve de comprar equipaemergência da situação e o imperativo da pressa. “A cada dia fica mais mentos bastante incomuns à sua difícil. Quanto mais o tempo pas- rotina, como luvas, máscaras, ócusa, maior é a absorção de água e de los de proteção, toucas, batinhas, máscaras com válvulas, varal com lama”, explica Montenegro. O primeiro momento em Bar- telas para secar, desumidificadoreiros foi o de pendurar, em varais, res, ventiladores, pincéis, bisturis, os processos que estavam em me- mergulhões, cubas, duchas, pegalhores condições. “Arejado, o papel dores e mata-borrões a centenas. passou a sofrer menos com a água”, Material de trabalho da rotina de conta Marcília Gama. Os servido- restauradores de documentos hisres de Barreiros ganharam luvas, tóricos será utilizado para a recumáscaras, bisturis, pincéis grossos peração de documentos da Justiça e uma rápida capacitação para usar do Trabalho. Entre as hipóteses levantadas, esse ferramental da forma como um restaurador faz. Eles vão separar as até mesmo a aquisição de uma câfolhas dos processos com cuidado, mara frigorífica foi cogitada. O alto colocar tecido sintético entre elas custo do equipamento (superior a e deixá-las para secar. Depois tra- R$ 70 mil) e sua inutilidade para a atividade judicial, ao fim desse processo (que todos esperam que não volte a ocorrer), tornou a ideia pouco prática. Em paralelo ao processo de recuperação, conta Marcília Gama, cerca de dez jovens estudantes de restauração vão ser capacitados na Fundaj para formar uma equipe que terá como missão trazer os processos de volta à vida. O trabalho é inédito, conforme comenta o professor Antônio Montenegro: “Com essa dimensão, é a primeira vez que vejo um trabalho como esse”. O passo seguinte envolverá paciência, cuidado e dedicação. Os processos vão ser lavados em água corrente para a retirada da lama. Outra ameaça à integridade do papel são os fungos. Se eles aparecerem, vão ser identificados pelo laboratório de restauração da UFPE, para depois serem atacados. Marcília conta que a água do Una estava tão repleta de microrganismos que foi comparada ao Rio Nilo. “No grande rio egípcio, a lama era tão rica em nutrientes, que tudo que se plantava nascia — na Mata Sul, a situação ficou parecida”. Nem tudo será salvo, avalia o professor da Fundaj. Em uma estimativa sem pretensões, calcula que boa parte dos processos danificados será perdida. “Mesmo entre os salvos, alguma coisa pode se perder, como uma assinatura feita com tinta lavável, por exemplo”, prevê. 10 Saúde Novas tecnologias: aproveite sempre, mas com moderação Por Rafael Carvalheira 11 Definitivamente, o ser humano não é mais um animal independente. Depende sobretudo de ferramentas tecnológicas. Elas estão em tudo. Ajudam na educação, nos esportes, na ciência. São como uma extensão do corpo, um quinto membro aliado a braços e pernas. Os benefícios são imensuráveis. Mas é bom tomar cuidado. Às vezes, podem também fazer o papel de vilões. Saúde Notebooks, netbooks, tablets, de uma parte do corpo resulta no conta do peso excessivo de um smartphones, iPods... parentes modernos dos computadores tradicionais que apareceram para suprir necessidades profissionais e como ferramentas de entretenimento. Utilizar editores de texto, acessar veículos de comunicação, e-mails e redes sociais tornouse uma tarefa possível a partir de qualquer lugar. Basta ter em mãos uma dessas “engenhocas”. Mas o uso inadequado ou exagerado dessas maravilhas dos novos tempos também pode ocasionar problemas, igualmente associados ao modo de vida contemporâneo: lesões músculo-esqueléticas, incômodo visual — não há um risco real comprovado — e até dependência psicológica. Os netbooks, por exemplo, são notebooks em miniatura rigorosamente associados ao cotidiano de trabalho. Possuem peso, monitores e teclados bem menores; e são geralmente utilizados fora dos ambientes convencionais, como em viagens. O uso constante potencializa lesões comuns a quem passa muito tempo em frente ao computador. Em cima de uma mesa, ele força a inclinação da cabeça para frente, a curvatura da coluna, o desalinhamento dos ombros e a falta de apoio dos punhos e cotovelos. Ou seja, possíveis cervicalgias, dores lombares e tendinites à vista. “O desalinhamento desalinhamento de todo o restante”, explica a fisioterapeuta do Sesi e mestranda em Ergonomia Ana Paula Regueira. O analista de sistemas Daniel Raposo passa, pelo menos, oito horas diárias na frente do computador. “Não sou tão cuidadoso com a minha postura, mas procuro não exagerar. Uso o netbook quando viajo, na hora do almoço, em casa, no sofá, na cama. É meio desconfortável”, relata. “O ideal é utilizar com a moderação devida, porque não são aparelhos fabricados com a preocupação ergonômica, mas feitos para serem usados esporadicamente. Não dá para adotá-los como principal instrumento de trabalho sem adaptações”, aconselha Ana Paula Regueira. O problema de Raquel Rodrigues, professora do curso de Jornalismo da Faculdade Maurício de Nassau, foi de mobilidade. Começou a sentir dores nas costas por “O ideal é usar notebooks e netbooks com moderação” notebook, assessório que levava para cima e para baixo. “Primeiro, carregava em uma pasta. Troquei por uma mochila para tentar equilibrar o peso. Mesmo assim, as dores continuavam. Às vezes, tomava analgésicos e relaxantes musculares. Melhorei mesmo quando passei a utilizar o netbook no trabalho”, comenta. Mas Raquel imagina que futuramente vai adotar suportes com rodinhas para acomodar o material utilizado em suas atividades profissionais e exorcizar as dores de uma vez. “Nós, professores, não podemos nos desvencilhar das tecnologias, internet, essas coisas. Não somente eu, outros colegas de trabalho também procuraram se articular para diminuir os impactos físicos desse transporte.” Vício - Fora do ambiente do escritório, Felipe Paiva carrega consigo sempre um notebook, um smartphone e dois videogames portáteis. Trabalha com desenvolvimento para web e é um frequentador assíduo das redes sociais, como Facebook, Myspace e Twitter. “Criamos nossos vícios de dia a dia. Agora mesmo, estou almoçando, dou uma olhada no Twitter, conferindo as coisas que estão acontecendo”. Não gosta nem de pensar como seria uma semana sem acesso a qualquer tipo de tecnologia. “Seria traumatizante.” 12 Saúde Evite lesões com netbooks e notebooks Olhos O aparelho deve ser utilizado em local iluminado, desde que a luz não incida diretamente nos olhos ou no monitor. Manter distância, de pelo menos, 50 centímetros do monitor. Quando aparecerem sinais de ardência ou irritação, piscar mais os olhos para melhorar a lubrificação. Tirar os olhos do monitor por pelo menos cinco segundos a cada dez minutos. Superfície O menos prejudicial é utilizá-los em um local onde o monitor não fique muito abaixo da cabeça — uma mesa, por exemplo. Membros superiores Os cotovelos devem ser dobrados em 90 graus em relação ao corpo, em cima de um descanso de braço. Os punhos devem ficar apoiados e na mesma altura dos dedos. Membros inferiores A altura do assento deve estar um pouco abaixo da rótula. A parte posterior da coxa 90% apoiada no assento. Os joelhos um pouco abaixo do quadril, e toda a superfície dos pés encostada no chão ou em um descanso. Coluna Procurar sempre manter a coluna apoiada e ereta. Intervalos - É importante levantar-se a cada hora trabalhada, alongar-se um pouco, descansar os olhos e caminhar, mesmo que percursos mínimos. Obs.: O uso para trabalho fora dessas condições nunca é aconselhado. Se for utilizar o notebook ou o netbook para assistir a um vídeo na cama, o ideal é deitar-se de lado, com um apoio entre as pernas para a coxa ficar na altura do quadril. Na cabeça, um travesseiro que deixe o pescoço alinhado com a coluna. E o monitor a, pelo menos, 50 centímetros de distância dos olhos. 13 Artes: Bruno de Souza Leão Em casos extremos, as facilidades de acesso à internet e a permanência constante neste universo pode gerar um transtorno denominado de Dependência de Internet (DI). “À medida que as tecnologias invadem as rotinas de vida, o número de atividades mediadas pela internet aumenta de maneira significativa. A DI pode ser encontrada em qualquer faixa etária, nível educacional e estrato socioeconômico”, detalha a psicóloga Tereza Schettini, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A especialista explica que o tratamento é complexo e multidisciplinar. Envolve medicamentos, sessões psiquiátricas e de psicoterapia, em grupo e individuais. Em Pernambuco, o Hospital das Clínicas recebe pacientes com Dependência de Internet. A invasão das maquininhas é um caminho sem volta. A introdução de novas ferramentas acontece de forma acelerada. Não dá para ignorá-las. O mundo não funciona mais sem elas. Portanto, a dica dos especialistas é juntar-se a elas. Aproveitar todos os benefícios para o dia a dia. Mas não se esquecer de ler a “bula” e consumir com moderação. Eleições Política movimenta vagas temporárias Por Micheline Batista Quem vê o colorido das ruas em época de eleições, com tantas bandeiras, panfletos, cartazes e muros pintados, geralmente não imagina o que pode estar por trás de tudo isso. As campanhas políticas geram ocupação e renda através de vagas temporárias, movimentam a economia, animam o comércio e, sobretudo, o setor de serviços. Mas a que preço? Muitas vezes, ao preço do emprego informal e precário e da terceirização irregular. Renata Victor • Ag. Renata Victor 14 A contratação de pessoal para ganhar entre R$ 60 e R$ 100. Do trabalhar nas ruas e em eventos faz parte do processo de profissionalização das campanhas. No Brasil, foi o então candidato à presidência Fernando Collor de Mello quem primeiro contratou um marketeiro, Marcos Coimbra, que promoveu sua imagem de “caçador de marajás”. Em 2002, Lula se elegeu presidente após três derrotas graças à “repaginada” dada por Duda Mendonça. Quanto maior o orçamento, maior a estrutura de marketing. Este ano, os três candidatos à presidência melhor colocados nas pesquisas — Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) — anunciaram que vão gastar mais de R$ 430 milhões em suas campanhas. As previsões foram apresentadas junto aos pedidos de registro de candidaturas à Justiça Eleitoral, no início de julho. Além de bolar estratégias eleitorais e encomendar pesquisas, o marketeiro também trabalha com a coordenação-geral da campanha na confecção dos materiais de divulgação e na contratação de quem vai distribuí-los, de acordo com o orçamento. As ocupações mais comuns são distribuidor de panfletos, homem-placa e condutores de bike-banner e bike-jingle, além de recepcionistas em comitês e festas, contratados diretamente pelos políticos, pelos partidos ou de forma terceirizada. Por dia, é possível 15 outro lado, estão os assessores e coordenadores de campanha, que, obviamente, costumam receber bem mais que isso. O coordenador-geral da campanha da Coligação Pernambuco Pode Mais (PMDB/PPS/DEM/ PMN/PSDB), Charles Ribeiro, explica que boa parte das pessoas trabalha como voluntárias. “São militantes ou servidores públicos licenciados, como eu, que trabalham por amor à causa”, filosofa. Entretanto, ele afirma que, quando as eleições ficam mais próximas, é comum a contratação de pessoas para a distribuição de panfletos. “Antes contratávamos diretamente, mas hoje é preferível terceirizar. Contratamos uma empresa de mídia e exigimos o pagamento de todos os encargos trabalhistas correspondentes àquele período, que normalmente é de 30 dias”, assegura Charles. A Coligação Pernambuco Pode Mais é encabeçada pelo candidato ao governo do Estado, o ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), adversário político do governador Eduardo Campos (PSB), candidato à reeleição pela Frente Popular de Pernambuco (PRB/PP/PDT/ PT/PTB/PSL/PSC/PR/PSDC/PHS/ PTC/PSB/PRP/PCdoB/PTdoB). Jarbas prevê gastar R$ 18 milhões na campanha; Eduardo, R$ 19,5 milhões. Cecília Sá • Ag. Renata Victor Eleições Ocupações temporárias em período de eleição podem render até R$100 por dia Diversas empresas fazem terceirização de pessoal em época de eleições em Pernambuco, entre elas a Stylo Promoções e Eventos, a Promolog e a Midia Service. A Stylo Promoções e Eventos, que funciona em Boa Viagem, possui um banco de dados com cerca de 700 currículos. “Temos desde modelos para eventos top, promotores e recepcionistas para atuar em convenções, lançamentos de candidatura, inaugurações de comitê, por Eleições exemplo, até o pessoal de apoio, que é o que vai para a rua panfletar e empunhar bandeiras”, detalha o gerente de contas da Stylo, Alex Rocha. Segundo ele, é preciso apenas ter uma boa aparência e ser maior de idade. Para funções de apoio, não há restrições de escolaridade. O trabalho nas eleições, qualquer que seja a ocupação, é conhecido como temporário. Segue o mesmo formato da contratação que os lojistas costumam fazer em datas festivas, como Dia das Mães, São João e Natal, com prazo máximo de 90 dias — e três meses é justamente o período de campanha eleitoral oficial. De acordo com o artigo 100 do Código Eleitoral (Lei nº 9.504/1997), a contratação de temporários não indica vínculo empregatício com o candidato nem com a legenda. Porém, vem aumentando o número de decisões da Justiça do Trabalho responsabilizando o contratante da empresa terceirizadora pelos conflitos trabalhistas que podem surgir dessa relação. “Cada caso é um caso, mas o problema é que esse trabalho raramente é terceirizado de fato. A terceirização pressupõe um mínimo de formalização. Se a pessoa trabalhar 40 horas semanais, isso já caracterizaria vínculo empregatício, implicando no pagamento de um salário-mínimo, depósito do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e hora extra, se for o caso. Direitos como alimentação e transporte também devem ser observados pelos políticos, partidos ou empresas”, pontua a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT-PE), Melícia Carvalho. Segundo ela, a ausência de formalização nos contratos temporários não implica necessariamente o não cumprimento da legislação, isto é, tem que haver, pelo menos, uma remuneração definida e o recolhimento da previdência, mesmo que a pessoa seja contratada por apenas um dia. “Nesse caso, não há vínculo, mas a obrigação permanece. O que gera a obrigação previdenciária é o trabalho”, completa a procuradora. Outro problema apontado por Melícia Carvalho é a cooptação de eleitores sob a máscara do trabalho. “É mais comum do que a gente pensa candidatos irem a comunidades pobres amealharem pessoas para trabalhar na campanha. De “Cooptação de eleitores sob máscara do trabalho é comum” uma forma indireta, a intenção é comprar o voto dessas pessoas e de suas famílias”, critica. O processo de participação política mudou qualitativamente, para pior. O fato de as pessoas estarem nas ruas não mais por uma ideologia, mas por interesse econômico, é mais um reflexo da profissionalização das campanhas. “Alguns políticos chegam a prometer empregos aos colaboradores de campanha caso sejam eleitos”, diz Melícia. Não custa lembrar que a Lei nº 12.034/2009, em seu artigo 41-A, configura como captação de sufrágio o fato de um candidato oferecer ou prometer emprego ou função pública em troca de voto. Igualmente irregulares são os atos de violência ou grave ameaça a funcionários de instituições públicas (inclusive terceirizados) para obtenção de voto. O parágrafo 2º do mesmo artigo da Lei nº 12.034/2009 prevê sanções para o candidato que, estando concorrendo nas eleições e também fazendo parte da administração pública, adotar essas práticas. Em troca da “colaboração” dos funcionários, promete-se, por exemplo, a permanência no cargo que já ocupam. Além de crime eleitoral, trata-se de uma agressão à dignidade do trabalhador. Moda antiga – Apesar do processo de profissionalização das campanhas estar cada vez mais evidente, 16 Eleições Candidatos e partidos que exploram o trabalho de crianças e adolescentes na campanha eleitoral não podem representar o povo. Se isso acontece agora, imagine quando assumirem o poder... Nessas eleições, assuma seu papel de cidadão: ainda é possível encontrar candidatos que preferem trabalhar à moda antiga, recrutando voluntários para trabalhar nas ruas. É o caso do deputado federal Fernando Ferro (PT), candidato à reeleição. A coordenadora-geral de sua campanha, Pompéia Pessoa, diz que só recruta quem se identifica ideologicamente com o partido e/ou com o candidato. “Ferro tem uma das campanhas mais baratas de Pernambuco porque não gasta dinheiro para contratar pessoal. O que temos aqui é um trabalho voluntário de pessoas politizadas”, garante. Trabalho que, de acordo com Pompéia, não se restringe à campanha. Quem se engaja é porque já realiza algum trabalho de base junto às comunidades, nos movimentos sociais e sindicais. Caso de Janio da Silva Martins, 41 anos, que atua em bairros como Alto José Bonifácio, Bomba do Hemetério, San Martin e Areias, no Recife. Oriundo dos movimentos populares, não é de hoje que Janio milita com Fernando Ferro. “A formação de militância é um trabalho difícil, árduo, mas que precisa ser feito. Não é fácil encontrar pessoas dispostas a fazer uma discussão política”, resigna-se. Em época de eleição, quando é preciso “colocar a mão na massa”, os militantes voluntários recebem apenas uma ajuda de custo para alimentação e transporte, que varia de R$ 15 a R$ 20 por dia. 17 Trabalho infantil Não tem acontecido, mas é preciso ficar de olho. O trabalho infantil, rigorosamente proibido seja qual for a situação, deve ser combatido também no período eleitoral. Em 2008, 20 legendas assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPT-PE comprometendo-se a não utilizar mão de obra de criança ou adolescente com menos de 16 anos durante a campanha. Os que não assinaram o documento foram acionados através de uma ação civil pública (ACP). O descumprimento do TAC acarreta em multa de R$ 10 mil por criança ou adolescente encontrado em situação irregular, dinheiro que é revertido ao Fundo de Infância e Adolescência ou convertido em doações. Este ano, no início de julho, o MPT-PE realizou uma audiência pública para reforçar o compromisso junto aos partidos, mas apenas cinco das 27 legendas notificadas compareceram — DEM, PCdoB, PPS, PSDC e PTB. Na ocasião, foram produzidos dez mil cartazes com o tema “Vote contra o trabalho infantil”, com o objetivo de fortalecer a ação e sensibilizar a sociedade. Para Melícia Carvalho, procuradora do MPT-PE, o fato de apenas cinco legendas terem comparecido à audiência pública convocada Recursos oriundos dos Termos de Ajustamento de Conduta Nºs. 46 e 47/ 2010 Vote contra o Trabalho Infantil TRAB A INFA LHO NTIL NÃO Contatos e denúncias: www.prt6.mpt.gov.br Recife - 81 - 2101.3200 Caruaru 81 - 3721.4336 Petrolina - 87 - 3861.6864 �1�0�0 Realização: MPT Ministério Público do Trabalho �9�5 �7�5 �2�5 �5 �0 este ano não é preocupante. “Felizmente, o trabalho infantil não tem acontecido. Não temos recebido denúncias nos últimos processos eleitorais. A audiência foi mais uma forma de mostrarmos que estamos vigilantes. O uso de mão de obra infantil é algo escandaloso e pode até acarretar na cassação do registro de candidatura”, dispara Melícia. Uma das grandes dificuldades para coibir práticas trabalhistas irregulares é o processo de fiscalização. São apenas 18 procuradores em todo o Estado de Pernambuco — apenas 11 atuam na abertura e apreciação de inquéritos. Felizmente, na fiscalização do TAC e da ACP referentes à proibição de contratação de menores, o MPTPE conta com o apoio da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, do Ministério Público Estadual, do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e dos conselhos tutelares espalhados por todo o Estado. Marcello Casal Jr Comportamento de Símbolo romantismo Por Talitha Accioly Trocar cartas é um hábito em desuso na era digital. A chegada das correspondências às residências ou escritórios, muitas vezes, é sinônimo de contas a pagar, propagandas e, ocasionalmente, entrega de encomendas. O que um dia foi a única forma de contato com quem estava longe tornou-se algo lúdico, que resgata um tempo em que as tempos tão impessoais como os que vivemos atualmente”, afirma. mensagens instantâneas e a praticidade dos e-mails nem faziam parte Já a cantora e compositora perdos sonhos da humanidade. nambucana Karina Buhr manteve Pensando bem: se a intenção o que se escreve, traz credibilidade é escolher bem as palavras, falar o que quiser sem ser interrompido ou dar um toque pessoal, e-mails e outras ferramentas disponíveis no computador foram criadas para isso. Buscando a praticidade, para que se dar ao trabalho de escolher o papel, cuidar para não cometer erros, caprichar na letra, envelopar, ir até uma agência dos Correios, pagar e postar, quando se está conectado à rede? Quem mantém o hábito de enviar cartas afirma que há muitas razões: além de um carinho especial, escrever cartas de próprio punho aos amores, amigos e familiares é algo que muita gente faz questão de preservar, pois estimula a atenção com ao discurso e desperta o interesse do destinatário, justamente pelo tempo que se “perde” ao utilizar um recurso de comunicação antigo e, de certa forma, pouco prático. O estudante de História Deni Rubbo, que nasceu e mora em São Paulo, corresponde-se com amigos de todo o Brasil através de cartas. As correspondências que ele escreve trazem, além de palavras, cheiros, cores e lembranças, já que procura sempre imprimir um pouco de si no que escreve e acrescentar lembranças às palavras. “Acredito que a pessoa que recebe uma carta se sente valorizada pelo zelo de quem a envia. É um sinal de carinho e atenção, além de personalizar as relações, em o hábito durante anos com seus tios que moravam na Alemanha. “Até meu tio falecer, ano passado, trocamos belas cartas. Perdi um pouco o ritmo, justamente com a morte dele.” Ex-integrante do grupo Cumadre Fulozinha, trabalhando a carreira solo em São Paulo já há seis anos, ela vive cercada por tecnologia: notebook, iPod, celular com internet fazem parte do seu dia a dia. Apesar disso, tenta escrever sempre. “Mesmo sem postar, envio sempre para o meu marido bilhetes e cartas de amor escritos do próprio punho. Acho carinhoso. Atualmente, estou devendo uma bela carta para a tia que ficou na Alemanha, em breve enviarei”, promete. Na própria rede, especificamente no Orkut, há diversas comunidades 18 Comportamento Nova realidade No Brasil, a Empresa de Correios palmente aqueles ligados à inter- que falam sobre o tema. Uma delas, sob o título “Eu escrevo cartas!”, tem mais de 20 mil participantes . O espaço reúne amantes das cartas, que chegam a se questionar se nasceram na época errada. Há também os que acabam, curiosamente, trocando correspondências com os membros da própria comunidade e gente que se oferece para enviar carta para os outros. A estudante Ana Lua, de Juiz de Fora (MG), é uma delas. Pediu e recebeu mais de 40 cartas. “Respondi a todas elas”, diz. Ela afirma que fez grandes amigos em diversos locais do Brasil através das cartas. “Acho que a confiança que se passa numa carta escrita à mão é diferente de um e-mail, por exemplo. Foi incrível o número de pessoas que confiaram em mim para mandar seus endereços e contar um pouco de suas vidas sem me conhecerem.” e Telégrafos (ECT), principal responsável pelo vai e vem de correspondências, um dia sobreviveu ao envio de cartas. Hoje, se adaptou à era digital. Além dos tradicionais serviços de cartas, malotes, selos e telegramas — cujo monopólio é da ECT —, há a família Sedex e o serviço de encomendas expressas, que rendem a maior parte dos lucros. Ao todo são mais de 100 produtos e serviços oferecidos, vários deles podem ser adquiridos pela internet, no site da instituição, que é bastante funcional. Estatal fundada em 1969, vinculada ao Ministério das Comunicações — a partir do então Departamento de Correios e Telégrafos (DCT) —, a ECT possui 17.345 pontos de atendimento, entre agências de Correios próprias, agências filatélicas, postos de venda de produtos e agências comunitárias e franqueadas. Atualmente, a ECT é a maior empregadora do Brasil — no início de 2008, eram mais de 109 mil empregados próprios, além dos terceirizados —, sendo a única empresa a estar presente em todos os municípios do País. Com a era digital, os Correios têm registrado, nos últimos anos, queda no número de mensagens de pessoa física. Por outro lado, a empresa registra grandes crescimentos em outros nichos, princi- net: entregas de encomendas do e-commerce, telegramas e cartas via internet. O segmento de encomendas e expressos, por exemplo, cresceu 22% no ano passado — lembrando que, nesse segmento, a ECT não detém monopólio. Outro exemplo é o serviço de logística reversa — que inclui devolução de produtos por clientes, retorno de excedentes para as empresas de origem, entre outros serviços. Esta é uma das grandes apostas dos Correios, que movimentaram 960 mil encomendas em 2007 e 2,3 milhões em 2009 — no ano passado, teve aumento de 46% na receita em relação a 2008. Além dos serviços de postagem, em 2004 foi criada a política de patrocínio para potencializar as ações de comunicação da estatal. Atualmente, as modalidades de desportos aquáticos, futebol de salão e tênis são apoiadas pelos Correios. O investimento total é de aproximadamente R$ 23 milhões anuais, podendo chegar a R$ 25 milhões. Os Correios deixaram de ser apenas uma empresa de entregas postais e atua fortemente nas áreas cultural, social, ambiental, educacional, esportiva e de eventos institucionais e mercadológicos, demonstrando que se adaptou perfeitamente aos novos tempos. Em 2009, a receita dos Correios foi de R$ 12,4 bilhões. *Com informações da Assessoria de Comunicação dos Correios. 19 Turismo Muito além das belezas naturais Por Rafael Souza Considerada uma das sete maravilhas do Estado e famosa por suas estonteantes paisagens, em especial as cachoeiras, a cidade localizada no Agreste pernambucano chama a atenção pelas boas opções de esporte e lazer. Para quem busca grandes manifestações populares, tem bacamarteiros, religiosidade e até um festival de motocicletas. Com atrativos para todos os gostos, ritmos e idades, Bonito se apresenta encantadora aos seus visitantes. Dá para imaginar que na mes- tes japoneses incrustada em pleno ma cidade em que acontece uma das maiores festas religiosas do Estado, a de São Sebastião, seja realizado também o principal encontro de motoqueiros da região? E como visualizar uma colônia de imigran- Agreste pernambucano? Famosa pelas suntuosas cachoeiras, a cidade de Bonito, a 132 km do Recife, oferece aos visitantes encantos que vão muito além dos atrativos naturais: esportes de emoção, aventura, Divulgação • Secretaria de Turismo de Bonito história e cultura popular enriquecem o roteiro de quem se propõe a descobrir o “lado B” de Bonito. A 20 km do centro da cidade, o Camping do Mágico é parada obrigatória para as pessoas que querem reviver a prática do acampamento, já não tão em voga hoje em dia. De acordo com um dos administradores do espaço, Ivaldo Apolônio, mais de 4 mil pessoas acampam por ano no local. “Recebemos gente de todos os lugares, desde jovens até o pessoal da terceira idade, ansiosos para sentir a natureza bem de pertinho”, diz. Para quem curte esportes radicais, Bonito também é ideal para a prática de rapel, arvorismo e tirolesa, além de trilhas. A cachoeira conhecida como Véu de Noiva é a preferida pelos praticantes do rapel, devido aos seus 15 metros de altura e 10 de largura, perfeita para os escaladores, além de conter uma base de rapel molhado. As cachoeiras também fazem sucesso para quem gosta de fazer Turistas fazem rapel na cachoeira Véu de Noiva 20 trilhas, com o circuito das águas, onde se percorre uma área que envolve sete cachoeiras. Já quem pretende aproveitar as quedas-d’água, mas procura algo mais voltado à família, em especial, às crianças, encontra em Barra Azul — tão calma que parece uma piscina — uma das melhores opções. Tanta beleza e aventura são reforçadas pelo conforto da rede hospitaleira de Bonito. A cidade conta com dois grandes hotéis e dez pousadas que recebem elevado número de turistas, principalmente, nos meses das férias e também nas festas juninas. Os dois grandes hotéis da cidade, o Casa Branca e o Bonito Plaza Hotel, dispõem de, em média, 30 apartamentos e cinco chalés, todos bem equipados. A boa receptividade é um dos motivos do sucesso da terra com os turistas, que adoram retornar: “Já fui três vezes a Bonito e voltarei lá muito mais”, diz a jornalista Mônica Crisóstomo. Um dos points mais famosos é o cultivo de flores em uma colônia japonesa instalada na cidade, onde 20 famílias trabalham na plantação de belos crisântemos. A plantação virou uma das atrações mais requisitadas pelos turistas de Bonito, chamada por alguns de “cidade das flores”: “está ficando impossível visitar Bonito e não conhecer a colônia japonesa; é muito lindo”, diz a recepcionista de hotel Maria Lucivândia. Além de grandes paisagens, cul21 Divulgação -Secretaria de Turismo de Bonito Turismo tura popular é o que não falta na cidade. Anualmente, é promovido o maior encontro de bacamarteiros da região. Bonito também abriga centros culturais, como igrejas e antigos casarões, boas opções de restaurantes, como o Engenho Verde, e uma infinidade de bares que investem no prato favorito dos bonitenses: a famosa carne de bode. A cidade também realiza a maior festa de São Sebastião do Nordeste, reunindo 30 mil turistas por ano, sempre no mês de janeiro. Além da parte religiosa, que tem na procissão de São Sebastião o seu momento mais aguardado, o festejo atrai pelo lado profano, marcado por uma agenda diversificada de shows e apresentações culturais. O que completa o charme de Bonito é a variedade de atrativos, mesmo que as cachoeiras “monopolizem” a fama do local. Encantadora por suas paisagens e com um estilo bem pacato, a cidade surpreende com opções variadas de esportes e até eventos radicais, como o Bonito Moto Fest, maior encontro de motocicletas do Estado. Bonito é, sem dúvidas, uma maravilha para quem procura beleza, diversão e boas aventuras. • 200 mil turistas visitaram a cidade só em 2009. • A maior parte dos visitantes vem de cidades vizinhas de Pernambuco, além de municípios de Alagoas, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. • A maioria dos turistas é jovem, entre 16 e 30 anos. SERVIÇO: Bonito Plaza Hotel PE-109 (ao lado do Estádio de Futebol Arturzão) Fone: 81 3737.1249 Site: www.bonitoplazahotel.com.br 35 apartamentos, cinco chalés, com piscina, salão de jogos, pista de cooper e Wi-Fi. Hotel Fazenda Água Branca PE-085 – que liga Bonito à cidade de Barra de Guabiraba Fone: 81 3737.2700/2377 Site: www.hotelfazaguabranca.com.br 20 apartamentos, passeio a cavalo, trilha no campo, ordenha de animais Camping do Mágico Margem da PE-03 (Km 20) – a 20 km do centro de Bonito Fone: 81 9666.6190 (Ivinho) / 81 9957.729 (Seu Bonito) E-mail: [email protected] Espaço para acampar custa R$ 15 , quem não tem barraca pode alugar por R$ 25. Cecília Sá • Ag. Renata Victor Literatura Um livro para chamar de seu Por Pollyanna Diniz Escrever um livro não é mais uma possibilidade restrita aos escritores famosos. Profissionais liberais, acadêmicos e jovens autores podem se tornar escritores independentes. Se, há alguns anos, a publicação de uma obra exigia muito investimento financeiro, por conta do alto número de exemplares que deveriam ser publicados, hoje a impressão a laser, inclusive doméstica, pode ser uma opção para quem tem o sonho de materializar pensamentos. Tarcísio Pereira, da Livro Rápido, um dos pioneiros na publicação em pequena escala Aos oito anos de idade, André Telles do Rosário, paulista radicado no Recife, já escrevia. Tornou-se professor, pesquisador e tradutor, mas só conseguiu realizar o sonho de publicar o primeiro livro em 2006. “Tinha feito muitos fanzines antes. Tirava cópia, distribuía, porque lançar um livro ainda custava muito caro”, explica. A dificuldade financeira, antes intrínseca à publicação de um livro, hoje não é mais tão verdade assim. Em muitas empresas, editoras ou gráficas, já é possível lançar uma obra por um preço bem mais acessível. “Na época, gastei R$ 2.250 para publicar Psiconáutica, um livro de poesias. Foram 500 exemplares, cada um com 100 páginas, capa dura, preto e branco”, complementa o escritor. Telles, como é mais conhecido entre os amigos, fez três lançamentos — um deles inclusive numa grande livraria do Recife —, participou de eventos, divulgou a obra na internet. “O livro acabou se pagando, depois de uns dois anos. Mas não é um dinheiro com que você possa contar. É mais um prazer ou até um investimento para que você se torne um pouco mais conhecido.” Desde então, o escritor já lançou outros três livros, sendo apenas um deles de forma independente: Vou-me embora pra Sorocaba! (2007), Abraço e Que lei que nada (2009). Os dois últimos foram publicados pelo selo Livrinho de Papel Finíssimo, criado em janeiro de 2007 por amigos de diferentes áreas profissionais. “Era um grupo de ‘fanzineiros’, muito ligado às artes gráficas, que tinha a necessidade de se publicar. Conseguimos o apoio de uma empresa, uma máquina de cópias, papel, ideias. Hoje somos uma editora, uma incubadora de bons pro22 Literatura jetos”, explica a editora e produtora Sabrina Carvalho. “Muitos escritores nos procuram porque temos a possibilidade de fazer tiragens baixas, com um custo mais acessível. E também pela identificação com a proposta curatorial da Livrinho”, diz. O professor e poeta Fábio Andrade também decidiu, ao lado da esposa, a escritora Júlia Larrê, lançar um selo editorial: o Moinhos de Vento. “Queríamos criar uma forma de escoar a produção que achamos interessante. Os nossos autores são geralmente jovens, que nunca publicaram. Também não há editoras com uma sensibilidade artística aguçada, que tratem o livro como uma obra de arte, do ponto de vista gráfico mesmo. Temos muito cuidado com o papel escolhido, a textura, a cor, a capa”, conta. Com oito anos de atuação no mercado, a Livro Rápido já publicou mais de 3 mil títulos de profissionais do meio acadêmico, da área jurídica, de poetas, de escritores infantis. “Há 10 anos, para imprimir em off-set, tínhamos que fazer tiragens de 500 exemplares. Hoje, com a impressão a laser, fazemos publicações de 20 exemplares”, analisa Tarcísio Pereira, editor da empresa. O autor só tem mesmo o trabalho de escrever o texto, que pode ser digitado, até mesmo, em Word. “Nós temos parcerias com revisores, fazemos a 23 diagramação, a prova do livro, corrigimos, acrescentamos, de acordo com a opção do escritor”, diz. Os livros podem, inclusive, ser comercializados pelo site da empresa. Para se ter uma ideia, publicar 20 exemplares, com 80 páginas cada, capa colorida, pode sair por R$ 300 em média. “As nossas publicações possuem o ISBN, que é uma espécie de CPF do livro, código de barras e ficha catalográfica”, completa. Prós e contras – O publicitário e escritor Fernando Farias já lançou seis livros de forma independente. Todos são contos, histórias curtas, publicadas em livros de 36 páginas. “Eu mesmo faço a cotação nas gráficas pra ver a mais barata. O primeiro foi em 2006. De lá para cá, sem vender em livrarias, já consegui comercializar 5 mil livros pela internet. Quando você coloca nas livrarias, eles querem ganhar 50%”, explica. “Publicar 20 exemplares, com 80 páginas cada, capa colorida, pode sair por R$ 300 em média” Saiba mais • www.livrinhoeditora.blogspot.com • [email protected] • www.livrorapido.com • www.raimundocarrero.com.br O escritor Wellington de Melo conhece os dois lados da moeda: já publicou de forma independente e agora vai lançar um livro por uma editora, da forma tradicional. “Claro que, numa edição independente, você tem um controle maior. Mas isso é meio romântico. Se eu posso publicar sem ter nenhum gasto, é muito melhor. Não tenho nenhuma paranoia ideológica. Quero ser lido e sei que o livro está nas mãos de bons profissionais, inclusive do designer”, conta. Já o premiado e renomado escritor Raimundo Carrero, que ministra oficinas literárias para muitos jovens escritores, diz que o grande problema da publicação independente é, geralmente, a estrutura de venda e distribuição. “Claro que tem o caminho da internet, de vender nos eventos. Publicar, hoje em dia, não é o mais difícil, é só encontrar uma boa gráfica. O mais difícil é escrever. Minha dica é que, antes de pensar em publicar, o escritor possa aperfeiçoar o seu texto, modernizálo, fazer com que ele se torne legível e sedutor. Assim, ele terá leitores, seja através de uma editora convencional ou de forma independente”, atesta. Ideias Revelar ou não revelar, eis a questão Em tempos de eleição, a Revista da Amatra VI levanta a polêmica: os meios de comunicação devem revelar suas opções eleitorais para o grande público? O juiz titular da 22ª Vara do Trabalho do Recife, Edmilson Alves, se posicionou sobre o assunto. Confira a opinião do magistrado. A meu ver, absoluta na cobertura das eleições. os meios de comunicação devem demonstrar explicitamente aquilo que historicamente sempre fizeram, com poucas exceções, de forma implícita, com as inclinações e tendências para um ou outro candidato em eleições majoritárias, de acordo com suas posições ideológicas, simpatias ou conveniências de alguma espécie. É ilusório acreditar na posição de qualquer veículo de comunicação, sejam os jornais ou as revistas impressos, seja rádio ou televisão, quando pregua a imparcialidade Se diria até impossível no plano prático, na medida em que não é apenas o tempo destinado a um ou outro candidato para emitir suas opiniões, mas o contexto em que isso se dá, que vai dizer dessa igualdade de tratamento, do não privilégio e da imparcialidade, afinal. Todo cidadão, ainda que não tenha muita vivência no meio político nem exagerado senso crítico, pode constatar a linha ideológica da maioria dos veículos, conforme eles pertençam a tal ou qual detentor de cargo político ou à respectiva família, a esse ou àquele clã. E a associação de uma coisa à outra e de como isso se reflete numa campanha eleitoral torna-se absolutamente fácil de ser feita. A neutralidade absoluta, portanto, é algo que, ainda quando definido com propósito verdadeiro, torna-se impossível de praticar. E, mais ainda, quando se sabe e se vê, ao longo do tempo, que nem esse propósito pode, a rigor, ser defendido pelos meios de comunicação em geral, dos grandes aos pequenos. Além da questão dos recursos públicos e das isenções que são atribuídas aos meios de comunicação, inclusive na forma de grandes empréstimos por parte de instituições de fomento à atividade privada, que sugeriria a necessária isenção de tais veículos na cobertura de eleições presidenciais, o fato é que, entre a falsa ilusão de que isso pode ocorrer ou, então, a explicitação das tendências que realmente existem, é melhor ser realista. É melhor que o veículo de comunicação perca a credibilidade do leitor, do ouvinte ou telespectador ao se definir por esse ou aquele caminho, explicitamente, no tema proposto à análise, do que perdê-la, como vem perdendo, por conta da permanente e histórica linha tendenciosa e implícita para a esquerda, a direita, o centro ou o apego ao poder independentemente de quem lá esteja. Edmilson Alves da Silva Juiz do Trabalho Titular da 22ª Vara do Recife 24 Opinião Diário de bordo: orquestra do trânsito procura regentes para sinfonia do caos Renata C. Nóbrega Santos Juíza do Trabalho da 6a Região Ilustração: Agenor São cinco horas da manhã. Al- guma luz espreita através da persiana e já escuto o espaço urbano dando seus primeiros sinais de vida. Nesse momento do dia, são os pedestres, ciclistas e coletivos que dão a tônica da sinfonia. Ensaiam a cadência do porvir, e a orquestra em formação já dá sinais de que o poder multifacetado instalará o caos logo mais. Sim, em breve estarei imersa nas relações de poder do trânsito, o qual tem sido regido pela lei do “salve-se quem puder”[1]. Enquanto posso, enquanto minha parcela de poder nas ruas da cidade ainda 1 Embora a Lei 9.553/97, que instituiu o Código Nacional de Trânsito, “pense” que é ele quem rege “O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação” (art. 1º). 25 Opinião é real naquele breve tempo da matina, circulo sobre as duas rodas da bicicleta observando os que, embora executando o mesmo acorde de pedal, não estão nas ruas àquele horário por mero deleite: estes já estão apressados para deixar os filhos nas escolas (públicas) e trabalhar, poupando a passagem, o meio ambiente e o tempo, tudo com algumas boas pedaladas. Mas não importa se a prioridade é do menor para o maior, pois o “empoderamento” que o Estado deu aos pedestres e ciclistas em face dos motorizados cede à lei do mais forte. Se o Código Nacional de Trânsito determinou que “em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres” (art. 1º, § 1º), na execução da peça musical do trânsito, do primeiro ao último movimento, os ônibus são os grandes e fortes, são as tubas. É bem verdade que as bicicletas nem sempre são as “mocinhas” do ensaio. A norma diz que “a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos au- tomotores” (art. 58) e só permite a circulação sobre os passeios com autorização prévia e sinalização. Bom, nem sempre é isso que fazemos sobre o trompete de duas rodas, embora eu sempre ache que, na hora do ponto alto do movimento, na disputa dos instrumentos, a culpa é “mais” da tuba. Na medida em que perco espaço e o relógio acelera a passagem para o segundo movimento, retorno ao ponto de partida para recuperar minha parcela de poder: agora, às sete horas, estou novamente na via. Desta vez, em veículo automotor. Não raro, antes mesmo de deixar o espaço comum do condomínio, ainda nas manobras de estacionamento, os deslocamentos e ruídos dos veículos ajustam espaços no ensaio da desarmonia que se anuncia: todos estão com pressa, e a buzina assume “É bem verdade que as bicicletas nem sempre são as ‘mocinhas’ do ensaio” o papel de trompa no movimento. Acompanhada de arranques de motor, freadas, e por vezes, colisões, a buzina definitivamente rouba a cena. A sinfonia segue as claves do pentagrama com notas de trombone que ninguém se acusa ter escrito: filas duplas em frente às escolas; sinal amarelo dizendo “passe”; sinal vermelho dizendo “passe com atenção”; “pisca” direito ou esquerdo indicando que você levará um “tranca”; um “tranca” sem, sequer um “pisca” avisando; lanternas de alerta dizendo “problema seu que está atrás de mim”. Às oito horas, percebo que sobrevivi ao trajeto musical casa–trabalho. Já são quinze horas e, dependendo do local onde esteja trabalhando, o terceiro movimento começa a entoar as primeiras notas. Reativar a memória das trompas da manhã, atenuada na transição silenciosa dos recintos fechados e, de repente, dar conta de que o ápice do caos será apresentado no terceiro movimento. Suas notas mais destacadas vibram entre dezessete e dezenove horas. Nesta passagem, nenhum dos instrumentos está preocupado com o papel de cada um deles e vence o que tocar mais alto, andar mais rápido e chegar primeiro. A sinfonia se rearranja em um frenético turbilhão que compõe, mas não agrega um todo: é resultado da soma de cada individualismo musical. A violência, a insegurança 26 27 Arte: Bruno de Sou pública, a falta de tempo, a pressa para retornar ao lar e usufruir, por pouco que seja, do direito à desconexão emprestam ritmo particular, no qual os culpados sempre são os outros. No quarto movimento, a triste percepção de que amanhã a sinfonia será novamente apresentada a despeito de a regente titular ter permanecido no papel. Mas será que a culpa é só dela? A lei instituiu o Sistema Nacional de Trânsito, o qual tem, dentre os seus objetivos básicos, o propósito de “estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento” (art. 6º, I), mas a observância dessa regência depende de todos. O acesso à educação para o trânsito, com a ampla divulgação das regras básicas de tráfego e estruturação dos espaços urbanos, reconheço, é tarefa do Estado. Indiscutível que este é omisso, principalmente quando responsável por equipar as vias com sinalizações adequadas e construções específicas, a exemplo de ciclovias. Mesmo que eu considere uma iniciativa interessante, não é suficiente, como ocorre no Detran-PE, contratar estudantes ou profissionais de artes cênicas para que eles permaneçam nos sinais e faixas de pedestre fan- za Leão Opinião tasiados de palhaço, repassando de modo lúdico noções de circulação nas vias. Entretanto, o modo como nos portamos no trânsito revela a “ética” contemporânea da supremacia do interesse privado sobre o coletivo, beirando ao estágio primitivo da humanidade no campo das disputas de poder. A eficácia com que a tecnologia permite a troca de informações no mundo contemporâneo nos faz experimentar uma percepção mais rápida e intensa da realidade e, com isso, perdemos de vista o elemento agregador do homem, o ser social que se constrói enquanto sujeito pela oportunidade que lhe é dada pelo outro. Nesse cenário, redesenhamos a ética, transigimos princípios, muitas vezes sem nem nos darmos conta, e entramos em um “ciclo vicioso de padrões de comportamento, em que o normal é infringir a lei, mesmo que todos se considerem [seus] fiéis cumpridores”. Além disso, no desiderato de nos defendermos, imputamos a outrem todos os nossos pecados. Seguimos a nossa “sinfonia patética” [2] de cada dia humanizando objetos e “coisificando” pessoas, numa sociedade do espetáculo em que o amarelo é siga e a verossimilhança tem mais destaque do que a verdade. E, na orquestra de metais, o coletivo, em sonora tuba, segue lotado! 2 A Sinfonia n. 6 de Tchaikovsky, a Pathétique, foi composta entre fevereiro e agosto de 1893, sendo a sua última obra publicada em vida e também a última por ele dirigida aos 28 de outubro de 1893 em São Petersburgo. É composta de quatro movimentos: I. Adagio — Allegro non troppo; II. Allegro con grazia; III. Allegro molto vivace; IV. Finale — Adagio lamentoso. Nos metais: trompas, trompetes, trombones e tuba. A diferença é que a Patética de Tchaikovsky apenas dura em torno de quarenta e cinco minutos e a nossa, a depender, dura uma vida. Cultura Germana Soares • Ag. Renata Victor Mayara Pêra sonha com o tocadiscos para poder ouvir o álbum “bolachão” Gita, de Raul Seixas, lançado em 1974 O vinil resiste ao MP3 Por Carlos Henrique Silva A era da internet acaba produzindo casos curiosos de convivência entre avanços e resgates. E, especialmente entre os jovens, se dá um fenômeno não visto há até pouco tempo: uma parcela deste público resiste às facilidades dos downloads e começa a apreciar sons outrora considerados ultrapassados. É o relegado vinil voltando com ares de colecionismo e preço de preciosidade. 28 Cultura Por trás de um balcão de madei- evangélicos, boêmios como Waldi- cerca de cinco anos por fãs de “dira, num desses antigos edifícios que povoam o centro do Recife, o músico João Marinho batalha há mais de 15 anos no comércio de um produto que já deveria ter saído de linha e de consumo há bastante tempo. Desenvolvido ainda na década de 50, o ruidoso LP continua cativando corações de fãs e colecionadores. O curioso é que um público cada vez mais jovem vem se interessando pelo “bolachão”: um paradoxo num contexto em que a música pop, tocada em boates e baladas, é facilmente distribuída em bancas de CDs piratas e ouvida nos celulares e iPods. Marinho lembra que os novos fãs enfrentam hoje muito menos dificuldades do que ele encontrou no início da coleção. “Quando eu fiquei desempregado e comecei a trabalhar com LP, já era a época do CD, e pra achar os vinis era muito difícil pela falta de contato com pessoas de outros Estados. Hoje você tem a internet com Mercado Livre, o Orkut, os blogs, e ficou muito mais fácil pesquisar e comprar os discos num preço bom.” Mas se engana quem acredita que os bolachões se tornaram um negócio barato com o ressurgimento. É claro que nos points onde eles são encontrados, os mais comuns, de pouco valor comercial pela grande oferta, saem na faixa de R$ 1 a R$ 10. Essa lista inclui cantores 29 ck Soriano e Moacir Franco, forrós, MPB e trilhas de novelas. A diferença está entre os mais cotados, que enchem a vista de vendedores e compradores, começando a ser negociados num piso mínimo de R$ 50 a R$ 100. Dentre as raridades, o mais caro e raro disco brasileiro, Paêbirú, lançado em parceria com Lula Côrtes pela extinta gravadora recifense Rozemblit, em 1975. Os cerca de 300 exemplares que sobreviveram à cheia que atingiu o estúdio naquele ano estão nas mãos de fãs, e os únicos que se dispõem a passá-los à frente colocam preço de ouro na venda: R$ 5.000 em média. “Só uma capa desse disco eu vendi por 500 reais aqui”, lembra José Miranda, comerciante da Vinil Discos, loja que funciona no térreo de um prédio na rua Sete de Setembro. Em música internacional, o rock dos anos 60 e 70 é o campeão de procura, principalmente por músicos que buscam influência para novas bandas. Dentre esses artistas, está José Aluísio Júnior, vocalista da banda Tao, formada no Recife há nossauros” como Black Sabbath e Jimi Hendrix: “Sem dúvida, o nosso estilo vem do som saído dos LPs clássicos dessa turma. O que a gente fez foi se reunir e juntar as cabeças pra fazer um rock’n’roll típico, de raiz”, lembra Júnior. Em casa, uma coleção considerável conta com cerca de 500 discos. E as compras não param: o artista sempre anda procurando alguma raridade pelos sebos e lojas especializadas. “Já gastei de R$ 60 a R$ 80 num vinil”, comenta, mesmo tendo que, muitas vezes, conciliar os gastos com o sustento da família, formada pela mulher e dois filhos pequenos num bairro da periferia oeste da capital. No meio do acervo, o disco Live at Last, de Ozzy Osbourne, é uma das preciosidades que ele diz ter a sorte de possuir. Gravado ao vivo em 1980, o álbum foi lançado à revelia da banda e distribuído numa tiragem limitada pela gravadora. Hoje os poucos exemplares disponíveis para venda não são adquiridos por menos de R$ 1.300 ou R$ 1.500. “O esforço de quem continuou remando contra a maré do domínio dos CDs já começa a dar frutos” Cultura Kit vinil Para fazer uma boa coleção de LPs, o segredo é se equipar com produtos de qualidade sem abrir mão de uma conversa com quem entende do assunto. Há bons espaços de compra e venda na cidade e na internet, onde o colecionador pode se informar e sair satisfeito Ritual – Um dos aspectos que mais atraem o músico é o ritual que se configura na colocação de um LP no toca discos. “Existe toda uma arte de tirar o disco da capa, acertar a agulha na faixa e ouvir o chiado das músicas. A diferença do som dos instrumentos também me atrai muito. Eu não abro mão do meu toca discos nem dos meus LPs por nada”, enfatiza. A opinião é compartilhada pelo comerciante João Marinho, para quem ouvir o vinil não é escutar de qualquer maneira: “Tem gente que escuta, mas não sabe ouvir vinil. Não se coloca o disco e vai tomar banho. Você tá só ouvindo a música, mas não está por dentro das letras nem dos acordes”. Não se deve esperar, contudo, ao comprar um toca-discos, simplesmente plugá-lo no som, botar o vinil e ter o som “maravilhoso” apregoado pelos entusiastas. Marinho lembra que é necessária a conjunção de diversos fatores para uma boa reprodução, desde um ótimo amplificador até pequenos detalhes como o melhor tipo de agulha, do braço e até do prato que gira o disco. O problema é o preço de tudo isso, a conferir em sites, como o da Casa dos Toca-Discos. A dificuldade para encontrar um novo toca-disco — tanto pelo preço, quanto pela oferta — tem privado a estudante e vocalista da Banda Lulu Champagne, Mayara Pêra, 20 anos, de um dos seus maiores prazeres: escutar o álbum Gita, de Raul Seixas. Lançado em 1974, quando a estudante nem era nascida, o disco foi o primeiro “bolachão” comprado por Mayara, na época com 14 anos. “Tinha matado aula nesse dia e, ao caminhar com uma amiga pelas ruas do Barro, me deparei com um rapaz vendendo vinis na calçada. Bati o olho em Gita, não resisti e com- Ali ne Ga lvã o Carlos Henrique Silva José Aluísio Júnior, vocalista da banda Tao, se inspira no som saído dos LPs. Em casa tem uma coleção com mais de 500 discos. 30 Cultura 31 lizou, desde março deste ano, os primeiros lançamentos em LP no Brasil. São projetos paralelos aos CDs das bandas Cachorro Grande e Nação Zumbi, e das cantoras Pitty e Fernanda Takai, a um preço médio de R$ 75. Outras gravadoras planejam seguir o exemplo, ainda com a cautela de não prenunciarem um estouro de vendas, mas um crescimento entre um público segmentado. Alheio aos interesses econômicos que movem a indústria fonográfica, José Aluisio Jr. continua fiel ao vinil, venha a onda que vier. O artista também nem se interessa pelos aspectos visuais de capas e encartes que valem fortuna, mas pela sonoridade que sai do LP e percorre o longo caminho até os ouvidos. A falta da visão, que o impede de admirar aparências, acaba aprimorando conteúdos. Lojas especializadas Blackout Rua do Riachuelo, 189, sala 202, Edf. Almirante Barroso, Boa Vista. Fone: (81) 3221.2091; Vinil Discos Rua 7 Setembro, 105, Edf. Mandacaru, Boa Vista. Fone: (81) 3222.2385; Discos Shalom Camelódromo da Av. Dantas Barreto, próximo ao Pátio do Carmo Internet 7 Polegadas (lançamentos 2010): www.7polegadas.com, no link ‘Vinil’; Sempre Vinil: www.semprevinil.com.br in e Ga lv ão Toca-discos e acessórios Al prei”, conta a estudante, que pagou R$ 10 pelo disco. Além do álbum de Raul Seixas, de quem se declara fã incondicional, Mayara coleciona outros 80 LPs, boa parte deles “herança de família”. “Comecei a gostar de vinil ainda criança, quando meu pai colocava os discos da Jovem Guarda para tocar. Mesmo quando surgiu o CD e, depois as tecnologias mais modernas, a paixão continuou. O LP tem um som especial. Pena que, hoje em dia, são poucas as bandas que lançam seus projetos também em vinil. Adoraria que ele voltasse com força total”, lamenta. Retomada – A resistência de fãs como Mayara e José Aluísio, aliada ao esforço dos comerciantes que continuaram remando contra a maré, já está dando seus frutos. A tendência do vinil começa a ser vista por artistas e empresários da música como uma saída econômica à pirataria. Um exemplo é o da gravadora Deckdisc, que no ano passado comprou instalações e maqu i ná r io da extinta Polysom e já disponibi- Site da Casa dos Toca-Discos www.catodi.com.br Prateleira As mulheres de Freud Elvis Sinopse: O maior astro do rock mundial, Elvis Presley, ganha biografia em versão quadrinhos, organizada por Reinhard Kleist (também autor de Cash: uma biografia) e Titus Ackermann. Com cerca de 200 páginas, o álbum reúne histórias do rei do rock ilustradas por artistas como Nic Klein, Uli Oesterle, Isabel Kreitz e Thomas von Kummant. Tradutores: Margit Neumann e Michael Korfmann Organizadores: Titus Ackermann e Reinhard Kleist Editora: 8INVERSO Páginas: 136 Edição: 1ª (2010) Preço: R$ 63,00 Sinopse: Os autores investigam as relações entre Freud e as mulheres que fizeram parte de sua vida, tanto como pacientes quanto como companheiras e parentes. Ao longo de 762 páginas, os escritores Lisa Appignanesi e John Forrester explicam como a filha do psicanalista, a mulher, a mãe e personagens como Marie Bonaparte e Lou Andreas Salomé tiveram papel central no desenvolvimento das ideias freudianas. Autores: John Forrester e Lisa Appignanesi Tradutores: Sofia de Souza e Nana Vaz Editora: Record Edição: 1ª (2010) Páginas: 762 Preço: R$ 89,90 Fonte: Livraria Cultura e Saraiva Mega Store Lindos casos de Chico Xavier contados por seus amigos Sinopse: Formadores de opinião que conviveram com o mais famoso médium brasileiro relatam histórias protagonizadas por Chico Xavier e revelam como ele mudou as suas vidas para sempre. Os vídeos foram gravados durante o I e II Encontro Nacional dos Amigos de Chico Xavier e Sua Obra, realizados em Uberaba e Pedro Leopoldo (MG), respectivamente. Mídia: DVD Gênero: Documentário Volumes: 4 Duração: 800 min Preço: R$ 109,60 Aprendiz de cozinheiro – Separar, viajar e... cozinhar na França e na Itália. Sinopse: Em plena crise dos 50 anos e abalado pelo fim de um longo casamento, o jornalista Bob Spitz decidiu atravessar o Atlântico para reencontrar o rumo da sua vida, dedicandose a uma grande paixão: cozinhar. Na Europa, teve aulas com chefs renomados e, como bom jornalista, conseguiu extrair valiosos segredos dos seus mestres. Nesta obra, Spitz compartilha técnicas culinárias e revela como a aventura o ajudou a superar dificuldades e reencontrar a alegria. Autor: Bob Spitz Tradutor: Roberto Franco Valente Editora: Jorge Zahar Edição: 1ª (2010) Páginas: 240 Preço: R$ 39,00 Help! Sinopse: Considerado o melhor dos quatro filmes da banda britânica, Help! ressurge em DVD duplo para alegria dos eternos “beatlemaníacos”. O lançamento é uma versão ampliada e restaurada digitalmente do segundo longa-metragem do grupo formado por Paul McCartney, Ringo Starr, George Harisson e John Lennon. No filme, os Beatles são perseguidos por membros de um culto indiano interessados no anel usado por Ringo. Mídia: DVD Gênero: Musical Volumes: 2 Duração: 153 min. Preço: R$ 69,90 32 Data Venia SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA Nº 14 DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO Ana Freitas Juíza do Trabalho da 6ª Região Em 30 de setembro de 2009, por intermédio da Resolução Administrativa TRT – 025/2009, foi publicado o teor da súmula de jurisprudência nº 14 do TRT 6ª Região: SÚMULA Nº 14 – A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVISTA NO ARTIGO 195, INCISO I, LETRA “A”, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL OCORRE QUANDO HÁ O PAGAMENTO OU O CRÉDITO DOS RENDIMENTOS DE NATUREZA SALARIAL DECORRENTES DO TÍTULO JUDICIAL TRABALHISTA, RAZÃO PELA QUAL, A PARTIR DAÍ, CONTA-SE O PRAZO LEGAL PARA O SEU RECOLHIMENTO, APÓS O QUE, EM CASO DE INADIMPLÊNCIA, COMPUTAR-SE-ÃO OS ACRÉSCIMOS PERTINENTES A JUROS E MULTA MENCIONADOS NA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA APLICÁVEL À ESPÉCIE. Data venia, a primeira observação a ser feita é que parece ocorrer certa “confusão jurídica” quanto aos conceitos técnicos de hipótese de incidência e fato gerador, pois, a bem da verdade, hipótese de incidência é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato1, ao passo que a concretização da hipótese é a conceituação de fato gerador: “Fato imponível é o fato concreto, localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que — por corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela h. i. — dá nascimento à obrigação tributária.2” Outra questão diz respeito ao momento da ocorrência do fato gerador do tributo, ou seja, o entendimento que findou prevalecendo no nosso Egrégio Tribunal é que o fato gerador ocorre apenas com o pagamento do crédito trabalhista, quando então, segundo essa ótica, surge a obrigação tributária de o sujeito passivo recolher a contribuição previdenciária que deixou de reconhecer durante todo o período de labor, quer em sentenças de reconhecimento de vínculo de emprego, quer em sentenças condenatórias de parcelas de natureza salarial. E tem mais: no final da tramitação processual da ação trabalhista, ao ser pago o crédito ao trabalhador, é que passa a contar o prazo legal para o recolhimento, ou seja, no dia 20 do mês posterior ao efetivo pagamento na ação trabalhista, e, caso não recolha, somente a partir de então passa a ser inadimplente o devedor trabalhista da contribuição previdenciária e os juros e correção monetária passam a ser contados. A prevalecer essa tese, os empregadores que mantêm seus empregados na clandestinidade, não pagam os direitos trabalhistas e não recolhem os tributos serão beneficiados em detrimento do trabalhador que 1 ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária, 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, pág. 56 2 Idem, ibidem, pág. 56 33 Data Venia labora ao longo de vários anos na clandestinidade, à margem da sociedade; dispensado, tem que propor ação trabalhista, e, na eventualidade de comprovar seu tempo de serviço e seus direitos trabalhistas — o que não é tão simples assim, já que necessita apresentar provas de suas alegações —, o empregador recolhe o tributo quando quer, e, contra ele, não correm juros, multa, correção monetária alguma da contribuição previdenciária de anos em que deixou de recolher, uma vez que “a hipótese de incidência da contribuição social [...] ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos de natureza salarial decorrentes do título judicial trabalhista”. Aliomar Baleeiro destaca que o Código Tributário Nacional não apenas definiu o fato gerador de cada tributo, mas, ainda, que a “obrigação tributária ou penalidade ‘surge com a ocorrência do fato gerador’ ” 3. Destaque-se que o art. 201 da Constituição Federal consagra que “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial[...]”. Sendo um dos pilares do Sistema da Previdência Social o caráter contributivo e a filiação obrigatória, com observância de critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, essa previsão constitucional coaduna-se com o disposto no art. 195, inciso I, letra a, que, por sua vez, é complementada com o art. 28 da Lei nº 8.212/91. E a previsão contida no disposto no art. 201 da Constituição Federal não teria como ser suportada pela Previdência Social — equilíbrio financeiro e atuarial —, beneficiando os maus pagadores em detrimento daqueles que mantêm suas obrigações trabalhistas em dia. Segundo o entendimento de sua Excelência o Desembargador Federal do Trabalho Nelson Soares Júnior, nos autos do Incidente de Uniformização nº 00381-2003-020-06-85-2 e que findou ensejando a redação da súmula 14 acima transcrita, a Lei nº 8.212/91, ao ter a redação do art. 22, que trata sobre a contribuição previdenciária devida pelo empregador, alterada pela Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 19994, teria criado um novo tributo, uma vez que teria inserido uma contribuição incidente sobre os salários devidos, ao passo que a Constituição Federal previa essa contribuição incidente sobre os salários pagos e creditados. Observe-se o trecho do voto condutor que trata sobre essa questão: Observa-se, portanto, que foi instituída nova espécie de contribuição para seguridade social por meio de lei ordinária, tendo como sujeito passivo a empresa, porquanto, conforme o professor Alfredo Augusto Becker leciona, quando “um artigo de lei cria determinado tributo e simplesmente enumera os fatos e ou atos em que ele se tornará devido, cada espécie de fato ou ato enumerado é a hipótese de incidência de uma distinta regra jurídica”. Ou seja, paralelamente aos núcleos dos fatos geradores das contribuições sociais descritas na Constituição da República, foi criada uma contribuição social sobre o total das remunerações devidas pelas empresas, isto é, que não foram pagas nem creditadas aos trabalhadores. (os grifos constam no original) Nilson Martins Lopes Júnior5 ressalva a constitucionalidade do art. 28 da Lei nº 8.212/91 e esclarece qual o alcance da expressão “devidas” no texto da lei e não contida no texto constitucional, ressaltando que o 3 BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, pág. 455. 4 BRASIL, Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999 5 LOPES JÚNIOR, Nilson Martins. Direito Previdenciário: custeio e benefícios. São Paulo: Rideel, 2009, páginas 114-115 34 Data Venia trabalhador que não recebe a contraprestação, nem por isso deixa de possuir um crédito salarial, sendo-lhe devido o pagamento. Para esse autor, mesmo que o trabalhador não receba a contraprestação devida pelo trabalho prestado, basta que esse valor seja lançado contabilmente como devido e, mesmo que nunca venha a ser pago o salário do obreiro, nem por isso a contribuição social deixa de ser devida. Posteriormente, ainda no transcorrer de seu voto, sua Excelência afirma que “a cláusula ‘nos termos da lei’, constante do caput do artigo 195 da Constituição da República, não é uma autorização em branco para ela, a União, instituir novas espécies de contribuição para a seguridade social, por meio de lei ordinária, vez que se refere, exclusivamente, ao respectivo financiamento e não às contribuições sociais instituídas nos incisos desse preceito constitucional”. Deixa claro o julgado que haveria sido criado um novo tributo ao ser modificada a redação originária do art. 22 da Lei nº 8.212/91 para inserir como hipótese de incidência da contribuição previdenciária os valores devidos ao trabalhador. Segundo o entendimento que prevaleceu, haveria duas contribuições previdenciárias devidas pelos empregadores e empregados: a primeira, contida no art. 195 da Carta Magna e relativa a “salários pagos e creditados”, considerando que salário pago é aquele que o trabalhador recebe em espécie e creditado, aquele que é depositado em conta bancária, e a outra contribuição previdenciária seria aquela que surgiu com os “salários devidos”, prevista no art. 22 (contribuição patronal) e 28 (conceito de salário de contribuição) da Lei nº 8.212/91. Parece haver equívoco, contudo, nesse entendimento, pois nenhum outro tributo foi criado, mas apenas esclarecido na norma positivada que, até mesmo nas hipóteses de o trabalhador prestar o serviço e não receber a contraprestação que lhe é devida haverá a incidência da contribuição previdenciária, obrigação de elaborar a folha de pagamento, lançar contabilmente e recolher, conforme disposto no art. 32 da Lei nº 8.212/91. Em outro trecho do voto, sua Excelência atribui a necessidade de qualquer nova contribuição social ser instituída por meio de lei complementar, e, sobre isso, tem absoluta razão, em vista do que dispõe o art. 154, inciso I, da Constituição Federal. O equívoco está na compreensão de que a expressão “creditado” teria relação com o pagamento por intermédio de crédito em conta bancária, quando, na realidade, cuida-se de expressão contábil — débito/crédito —, inexistindo, por evidente, distinção contábil se o pagamento do salário ocorreu em dinheiro, diretamente nas mãos do trabalhador, ou por meio de cheque, com depósito em conta-salário deste. A partir desse entendimento, o fato gerador que a lei diz ser a prestação do serviço (já que o fato de o trabalhador não receber a contraprestação devida não exime o empregador do dever de informar e recolher o tributo) passaria a ser o recebimento do salário, ensejando toda ordem de medidas protelatórias nas ações trabalhistas por aqueles que não desejam recolher tal tributo, por evidente. Observe-se o trecho final do julgado: A conclusão que daí se extrai, como corolário, é de que a hipótese de incidência da contribuição social prevista no artigo 195, inciso I, letra “a”, da Constituição da República somente ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos decorrentes do título executivo judicial trabalhista, porquanto, conforme Alfredo Augusto Becker também leciona, “nas regras jurídicas de tributação, o núcleo da hipótese de incidência é sempre a base de cálculo” O Superior Tribunal de Justiça já tem pensamento pacificado acerca da ocorrência do fato gerador da 35 Data Venia contribuição previdenciária, conforme se observa do julgamento proferido no Recurso Especial 221365/RS, publicado no D.J., de 17/12/1999: TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. FATO GERADOR. 1. [...] 2. [...] 3. Recurso conhecido em parte para discutir e decidir sobre a matéria jurídica enfrentada pelo acórdão e impugnada: efetivo momento do fato gerador da contribuição previdenciária paga pelo empregado. 4. Improvimento do recurso. Homenagem prestada ao acórdão recorrido que entendeu materializar-se o fato gerador da contribuição do empregado com a prestação do serviço decorrente da relação de emprego e o direito, no final do período mensal ajustado, a receber o salário devido. 5. Inconsistência da tese de que o fato gerador, na espécie, só ocorre com o efetivo pagamento. 6. Recurso improvido na parte em que foi conhecido.(grifei) E, do corpo do voto proferido pelo Ministro-relator José Augusto Delgado, extrai-se ainda que é a prestação do serviço o momento de ocorrência do fato gerador: “O acórdão recorrido não merece censura. Está correto, ao meu entender, quando assenta que o fato gerador da contribuição dos empregados para a seguridade social é determinado, materializado, pela prestação de serviço e situado, quanto ao tempo, no mês em que tal foi prestado, por, a partir da conjugação desses dois elementos,surgir o direito à remuneração”. Tudo indica que se olvidou o Egrégio Tribunal da 6ª Região acerca da necessidade de uma interpretação sistêmica da Constituição, pois, da forma como prevaleceu o entendimento no Incidente de Uniformização, há um choque fatal com o disposto no art. 201 do mesmo texto constitucional, já que de forma alguma haveria o equilíbrio atuarial necessário para a própria sobrevivência do sistema previdenciário, pois, se o fato gerador da contribuição previdenciária ocorre apenas com o pagamento do crédito trabalhista, além de haver sido transmudado o regime de competência típico dessa contribuição social para o regime de caixa — o que, obviamente, cria desequilíbrio das contas públicas —, ainda afronta a Lei e a Constituição. Walber de Moura Agra dispõe que, a fim de a Constituição possuir uma “eficácia concretiva integral, impedindo que as normas constitucionais se choquem, provocando antinomias normativas, é necessário interpretá-las de maneira sistêmica, compatibilizando os princípios com os valores sociais”6.Da forma como interpretado o art. 195, inciso I, alínea a da Constituição em conjunto com o art. 22 da Lei nº 8.212/91, findou gerando essa “antinomia” mencionada. Walber Agra reforça a necessidade de ser dada interpretação à norma pelo operador jurídico, já que esta é criada de forma abstrata, geral e impessoal. Portanto, não se atinou para o fato de o texto constitucional dever ser conciso, a fim de prever abstratamente o maior número possível de casos, e, ao interpretar a expressão “devidos” contido no art. 22 da Lei nº 8.212/91 como a criação de uma outra contribuição social, findou concluindo ser necessária essa criação por meio de lei complementar, conforme os termos do art. 154, I, CF — aqui, sim, corretamente interpretado o 6 AGRA, Walber de Moura, Curso de Direito Constitucional, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 67 36 Data Venia dispositivo constitucional. Mas, repita-se: somente na hipótese de haver sido criada uma nova contribuição previdenciária, o que não ocorreu. Demais disso, ainda segundo Walber Agra7, as normas constitucionais não têm por fim o disciplinamento acurado das matérias contidas no seu texto, pois objetivam oferecer um direcionamento geral e que deve ser especificado pelas normas infraconstitucionais. Por fim, durante a apreciação do Incidente de Uniformização nº 00381-2003-020-06-85-2, já havia sido editada a Medida Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008, cujo art. 24, ao alterar o teor do art. 43 da Lei nº 8.212/91, previa o fato gerador da contribuição previdenciária como sendo o momento da prestação de serviços e a sua apuração mês a mês nas ações trabalhistas, ou seja, considerando o regime de competência, e não o regime de caixa, que findou prevalecendo na redação da Súmula 14: Art. 43. [...] § 1o Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado. § 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço. § 3o As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento das importâncias devidas ser efetuado até o dia dez do mês seguinte ao da liquidação da sentença ou da homologação do acordo. (grifei) Após, essa Medida Provisória foi transformada na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, mantendo basicamente a mesma redação anterior. Observe-se que, publicada a Súmula 14 somente em setembro de 2009, não há apenas a violação ao disposto no art. 201 da Carta de 1988, mas, ainda, à própria Medida Provisória e à Lei: Art. 43. [...] § 1o Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado. § 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço. § 3o As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que, nesse último caso, o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas. (grifei) Isto posto, considero imprescindível a revisão do teor da Súmula 14. 7 Idem, ibidem, pág. 70 37 Cecilia Sá • Ag. Renata Victor Comportamento A advogada Elvira Barroso já perdeu as contas de quantos concursos fez Estabilidade faz jovens abandonarem vocações Por Carla Seixas O que você quer ser? Cada vez mais, profissões como as de engenheiro, médico e professor têm perdido espaço nas respostas para uma classe que tomou lugar de profissão: a de funcionário público. Mas a troca dos desafios profissionais da iniciativa privada pela estabilidade do setor público tem seus riscos, abrindo a possibilidade para criar trabalhadores frustrados e entediados, mesmo que bem remunerados. Um levantamento da Associa- ção Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac) aponta que, só em 2009, dez milhões de inscrições foram feitas em concursos no Brasil. Influenciados por fatores como altos salários e estabilidade, jovens estão abrindo mão dos desafios da iniciativa privada e chegando a pedir demissão antes mesmo da aprovação nos disputados concursos. Para alguns psicólogos, é como se a geração atual fosse fruto de uma outra cuja vida profissional foi muito sacrificada, e uma vaga no ente público passasse a ser vista como a solução dos problemas. O resultado são pessoas que, no futuro, sem a sonhada aprovação, dificilmente encontrarão novamente espaço no mercado de trabalho privado. Para se ter ideia do descasamento entre interessados e as vagas existentes, enquanto as inscrições chegam a dez milhões, o Governo Federal abriu cerca de 32 mil vagas em 2009. E foi um dos anos com maior número de oportunidades. A advogada Elvira Maria Fernandes Barroso já perdeu as contas de quantos concursos fez. “Acho que fiz uns 20. Desde que me formei, tomei essa decisão. Entre os cargos, tenho como meta seguir carreira na Advocacia Geral da União, por exemplo”, comenta ela. Já são quase três anos de es38 Comportamento tudos, com aprovação em alguns casos, mas sem uma classificação suficiente para ser nomeada. Desde julho deste ano, ela passou a exercer a função de advogada da Agência Condepe/Fidem pelo prazo de dois anos, depois de um processo seletivo simplificado. “Estou organizando meu tempo para estudar.” Questionada se há algum arrependimento sobre ter, de certa forma, estacionado sua vida profissional para estudar, ela rebate. “Claro que chego a pensar, mas estou certa de que quero a vida do setor público”, assegura. Elvira já está inscrita para disputar uma vaga de analista processual do Ministério Público da União (MPU). Em jogo: um salário de R$ 6 mil. Ritmo diferente - Sócia da Dimensão Consultoria, a psicóloga Edilza Rejane Guimarães vê com preocupação o crescimento da procura por concursos. “Em alguns casos, já virou até ocupação. Você pergunta qual atividade e a pessoa responde: ‘Estudo para concurso’. É preciso estar preparado para um ritmo de trabalho diferente. A tomada de decisão do poder público é mais lenta e não há uma avaliação de resultados como acontece na iniciativa privada”, pontua. Para ela, essas diferenças são os maiores choques sentidos por quem resolveu mudar de área. A própria Edilza é um exemplo. Já atuou em um banco público e vi39 via pedindo para ser transferida de função para encontrar novos desafios, até que desistiu e partiu para a iniciativa privada. Para reduzir o impacto, os psicólogos defendem que é preciso conhecer bem a função para a qual se está disputando a vaga. “Quando a gente busca um emprego no setor privado, normalmente procura saber qual será nossa função. Deve ser assim também no público. Ocupar uma vaga sem ter qualquer afinidade é o primeiro erro para cair na chamada zona de conforto e ficar desestimulado”, comenta a consultora Patrícia Barbosa, da Gelre Consultoria. Ela lembra que é comum servidores públicos sofrerem de depressão. A doutoranda em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Cristiany Queiroz pondera que para algumas pessoas a estabilidade e a falta de sobressaltos na política organizacional terminam compensando. “O emprego público se transformou em sonho. Não que as pessoas estejam deixando de lutar pelos “Conhecer bem a função que vai exercer no setor público pode evitar decepção” seus ideais, mas a busca pela estabilidade ganhou importância”, lembrou. A administradora de empresas Anna Oliveira tem 24 anos e dois deles foram dedicados à iniciativa privada. Ela largou um emprego na Baterias Moura para fazer concursos. Já foi aprovada em dois — na Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) para a função de analista administrativo, e na Secretaria de Administração do Estado para o cargo de analista de planejamento. O primeiro oferece remuneração de R$ 2.600 e o segundo, de R$ 3.500. Sua única indecisão é se assume as funções ou se continua estudando para cargos na área fiscal. “Sei que não terei o mesmo desafio e o reconhecimento da empresa privada, mas, para mim, o importante é a qualidade de vida.” Tiago Silva, formado em Administração em Sistemas de Informação, 28 anos, é o oposto. Apesar das 14 horas diárias de trabalho, dos poucos finais de semana de folga e das incertezas e disputas do mercado privado, essa é uma área que ele nem pensa em deixar. “De tanta pressão da família, cheguei a fazer uma prova para sargento do Exército, mas não quero a carreira pública. Tenho medo da estagnação profissional”, afirmou o supervisor de Service Desk da Faculdade Maurício de Nassau. Ponto de Vista Dragão do bloco carnavalesco Eu Acho é Pouco pela juíza Renata Nóbrega 40 Indústria AMATRA VI Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Sexta Região Avenida Agamenon Magalhães, 2656 - s/1301 - Espinheiro - Recife - PE CEP: 52020.000 - Fone: (81) 3427.3416 www.amatra6.com.br