Portugal Capitolo 1

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Portugal Capitolo 1
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO À
LITERACIA MEDIÁTICACA
Num inquérito, perguntaram a crianças entre 4 e 6 anos:"Do que gostas
mais, da TV ou do teu pai?" – 54% responderam "da TV". (1)
Os media têm assumido um papel importante na vida da maior parte das famílias
A definição tradicional de literacia ou alfabetização só se aplica ao conteúdo im-
um pouco por todo o lado. Nos Estados Unidos, por exemplo:
presso: "ter um conhecimento de letras; instruído; escolarizado". No entanto,
• Apenas 59% dos adultos conversam com outros membros da família durante o
final do dia. (2)
• O casal americano médio gasta apenas 4 minutos por dia numa conversa "séria". (3)
• Os pais gastam uma média de 5,5 minutos por dia em "conversa significativa"
com os seus filhos. (4) Ao mesmo tempo:
tendo em vista o surgimento de vários outros canais de comunicação de massa
(ou seja, imprensa, fotografia, cinema, rádio, televisão e meios digitais), esta definição de alfabetização precisa de ser expandida. O Conselho Nacional de Meios
Televisivos dos EUA (National Telemedia Council) define literacia mediática como
"a capacidade de escolher, de compreender – levando em consideração: conteúdo, forma/estilo, impacto, indústria e produção – e de questionar, avaliar, criar
e/ou produzir e responder atentamente aos media que consumimos. Trata-se de
absorver os conteúdos mediáticos de forma consciente, com capacidade crítica”
(9).
Numa Conferência Nacional sobre literacia dos media, patrocinada pelo Instituto
• Ver televisão é a atividade de lazer dominante entre os americanos, e consome
Aspen em dezembro de 1992, os representantes dos grupos concordaram em pro-
mais do que o dobro da quantidade de tempo que gastam a socializar com ou-
mover uma definição básica do conceito: "É a capacidade de um cidadão de
tros. (5)
aceder, analisar e produzir informações para resultados específicos "(10).
• O cidadão americano comum assiste a mais de 70 dias de exibição ininterrupta
A definição de literacia mediática deste autor baseia-se nas ideias anteriores, e
[de TV] por ano (6)
enfatiza os seguintes elementos:
• 40% dos norte-americanos veem televisão quase sempre, ou sempre enquanto
jantam. (7)
1.A alfabetização mediática promove as competências de pensamento crítico que
• 25% dos americanos adormecem com a TV ligada pelo menos três noites por
permitem às pessoas fazer escolhas independentes, no que diz respeito a: 1) que
semana. (8)
programação selecionar, e 2) como interpretar as informações recebidas através
Em Portugal, segundo dados da PORDATA, no ano de 2010, 99,3% dos agrega-
dos canais de comunicação de massas.
dos tinham televisor em casa. Um relatório do OberCom identifica uma tendência
Na Recomendação da Comissão Europeia de 20/08/09, literacia mediática é de-
de crescimento do consumo televisivo na última década. Em 2012, o visiona-
finida como “a capacidade de aceder aos media, de compreender e avaliar de
mento diário de televisão por espectador (tempo médio) era de 3:41:45. Num
modo crítico os diferentes aspectos dos media e dos seus conteúdos e de criar
estudo sobre a TV e as crianças de 20095, o tempo médio de consumo televisivo
comunicações em diversos contextos".
por parte das crianças portuguesas entre os 4 e os 14 anos era de 2:50:44.
A literacia mediática – também conhecida, em Portugal, como educação para os
Não esquecer, contudo, que a televisão representa apenas um sistema dos me-
media – é, em primeiro lugar, uma competência de pensamento crítico que se
dia.
deve centrar n fonte de onde recebemos a maior parte da informação que consumimos: os canais de comunicação de massas. No entanto, por uma variedade de
2
razões que serão discutidas mais adiante neste capítulo, muitas vezes aceitamos
3. Consciência do impacto dos meios de comunicação nos indivíduos e na socie-
cegamente as informações que recebemos através da media – e isso gera resulta-
dade.
dos desastrosos. Respondemos com fidelidade a certas marcas que pouco têm a
ver com a qualidade do produto. Baseamos a nossa compreensão do nosso
mundo na palavra (ou imagens) dos jornalistas. E selecionamos os políticos em
que votamos com base em "impulsos" que nos despertam os seus sedutores dire-
Os meios de comunicação têm transformado a maneira como pensamos o
mundo, as outras pessoas e como nos vemos a nós mesmos. Os meios de comunicação transmitem mensagens que, através de efeito cumulativo, formam, refletem
itos de antena, gizados por astutos consultores de comunicação política.
e reforçam as atitudes, valores, comportamentos, preocupações e mitos que de-
Ao invés de sintonizar um programa específico, muitas vezes o público simples-
acia mediática pode afetar o comportamento e as atitudes de jovens estudantes
mente escolhe o veículo ("eu vou ver TV"). Na verdade, muitos espectadores não
no que diz respeito ao consumo de álcool, (13) uso de tabaco (14) e transtornos
se preocupam em conferir a programação de TV antes de ligar o aparelho; em
alimentares. (15)
vez disso, fazem simplesmente “zapping” para escolherem o que querem ver (ou
finem uma cultura. De acordo com esta perspectiva, é pertinente notar que a liter-
o que é menos indesejável). (11)
Além disso, “intervenções” que promovem a literacia mediática têm ajudado a
Um dos critérios para a formação de pessoas educadas é o desenvolvimento de
(16)
reduzir comportamentos agressivos e antissociais entre alunos dos 3º e 4º anos.
capacidades críticas que permitem a compreensão do ambiente em que vivemos
– um ambiente que, cada vez mais, está a ser moldado pelos media. Como Bill
Moyers observa: "O que está em jogo é a nosso noção de sentido e de linguagem, a nossa noção de história, da democracia, da cidadania e as nossas
próprias noções de beleza e de verdade." (12)
4. Desenvolvimento de estratégias com as quais se pode analisar e discutir
mensagens mediáticas.
A literacia mediática oferece estratégias que permitem aos indivíduos decifrar as
informações que recebem por meio dos canais de comunicação de massas. Estes
2. Compreender o processo de comunicação de massas.
pontos-chave também proporcionam um sistema estruturado de pensamento e
Por si só, um medium é simplesmente um canal de comunicação e, por isso, não
com crianças, colegas, ou mesmo com quem é responsável pela produção de pro-
significa que seja por si só bom nem mau. Uma série de fatores determinam o im-
gramação de media.
de reflexão que facilitam discussões de conteúdo e mensagens dos media – seja
pacto de uma apresentação de um determinado conteúdo mediático, incluindo a
compreensão dos elementos envolvidos no processo de comunicação de media:
1) comunicador: quem está produzindo a mensagem, 2) qual é a função (ou
propósito) por trás da produção da mensagem, 3) comparação entre veículos –
características que distinguem cada veículo e 4), quem é o público-alvo. (Ver
Capítulos 2-5)
5. Consciência de que o conteúdo produzido para os media é um "texto" que
possibilita compreensão a respeito da cultura contemporânea, bem como de nós
mesmos.
3
Como veremos no capítulo 6 (Contexto Cultural), mensagens e apresentações
dos media muitas vezes oferecem ideias e perceções sobre atitudes, valores, comportamentos, preocupações, padrões de pensamento e mitos que definem uma
cultura. E, inversamente, a compreensão de uma cultura pode oferecer perspectivas a respeito de como interpretar as mensagens de media que são produzidas
naquele contexto cultural.
OBSTÁCULOS PARA A LITERACIA MEDIÁTICA
Poderia ser dito que o desenvolvimento da indústria dos media contribui para
que as barreiras tradicionalmente encontradas no processo de alfabetização sejam menos relevantes. Afinal de contas, é preciso ser educado para que se possa
ler. No entanto, vale a pena lembrar que o que é necessário para que se possa
ver televisão é simplesmente um polegar capaz de carregar num botão do comando. No entanto, o acesso universal aos media não deve ser confundido com
6. O cultivo do gosto por uma compreensão mais aprofundada e pela apreciação
dos conteúdos mediáticos.
alfabetização mediática. Apesar da profusão de canais de comunicação de massas, a ileteracia mediática continua a existir, por várias razões:
A literacia mediática não deve ser considerada apenas como uma oportunidade
para criticar negativamente os meios de comunicação. A capacidade de análise
crítica pode também elevar e aguçar a consciência no que toca às melhores
mensagens produzidas pelos media, desde artigos perspicazes, programas noticiosos, até filmes inspiradores. Além disso, a compreensão dos princípios de literacia para os media nem deve limitar a fruição de determinados programas (de TV,
de rádio, online), mas sim melhorar o seu capacidade de compreensão dos seus
conteúdos.
Elitismo
Num estudo, perguntando-se "Até que ponto os meios de comunicação têm
efeito na sociedade?", oitenta por cento dos respondentes "claramente concordam" que os media têm um efeito sobre a sociedade como um todo. Ao mesmo
tempo, no entanto, apenas 12% dos entrevistados "claramente concordam" que
os media exerçam um impacto pessoal sobre eles. (17)
As implicações desta investigação são tão intrigantes quanto perturbadoras. Os
participantes do estudo, aparentemente, não tiveram dificuldade em ver a influên-
7. A respeito de quem produz conteúdo, os “comunicadores dos media”: a capa-
cia dos media sobre as outras pessoas. No entanto, essas mesmas pessoas não
cidade de produzir mensagens eficazes, de forma responsável.
foram capazes de reconhecer o impacto dos meios de comunicação nas suas
Para serem bem sucedidos, os profissionais da área dos media devem demonstrar
conhecimento dos processos bem como o domínio das técnicas e estratégias de
criação, produção e distribuição de comunicação de massas. Mas para que haja
próprias vidas. E quanto mais as pessoas negam a influência que os meios de
comunicação exercem sobre si, mais suscetíveis são às mensagens por eles veiculadas.
uma verdadeira melhoria da indústria dos media, os comunicadores também pre-
Um estudo constatou que a educação não é uma variável significativa nesta con-
cisam de estar cientes dos desafios e das responsabilidades envolvidas na
siderável disparidade entre a percepção das pessoas a respeito dos efeitos que
criação, produção e distribuição de programação inteligente, de conteúdo que
os media têm sobre os outros e sobre elas mesmas (18). A probabilidade de pes-
sirva os interesses do público e que sirva o interesse do público.
soas com educação superior reconhecerem o impacto dos media nos outros, menosprezando os efeitos desses mesmos media nas suas próprias vidas, é semelhante àquelas que são menos escolarizados. Uma possível explicação para esta
descoberta é que as pessoas com elevada escolaridade têm vergonha de admitir
4
que assistem a programas supostamente direcionados a uma camada menos es-
O poder que impressões visuais têm para estimular as nossas emoções tem sido
clarecida ou que leem tabloides sensacionalistas tal como todos os outros. Como
observado desde os tempos antigos... Pregadores religiosos e professores preced-
resultado, as pessoas “bem-educadas” (no sentido tradicional) podem ser tão sus-
eram a publicidade moderna no conhecimento que tinham a respeito das manei-
cetíveis à influência de mensagens dos media quanto membros da população em
ras em que a imagem visual pode afetar-nos, quer queiramos ou não. A fruta ten-
geral.
tadora, o nu sedutor, caricaturas repelentes, e o horror que arrepia são capazes
Consequentemente, o primeiro passo para a literacia mediática requer um recon-
de manipular as nossas emoções e de captar a nossa atenção. (19)
hecimento de que estamos expostos, diariamente, a inúmeras mensagens me-
Devido à natureza afetiva dos meios visuais e auditivos, pode parecer mais natural
diáticas, e de que essas mensagens podem ter algum impacto nas nossas ati-
(e consideravelmente mais fácil) simplesmente "desfrutar" de uma música ou um
tudes, valores e comportamentos.
filme, ao invés de assumir a árdua tarefa de conceptualizar, articular e analisar as
reações emocionais que eles nos causam. Consequentemente, o nível do discurso
e do debate sobre programação dos media é muitas vezes reduzido a respostas
A natureza afetiva das imagens e dos sons – fotografia, cinema, televisão, rádio e
meios digitais
Imagine que tirou os olhos deste texto e direcionou seu olhar para o que está do
lado de fora da janela. Imagine que, de repente, você avista uma criança pequena e aparentemente abandonada a vaguear pela rua. A reação imediata pode
ser/incluir:
• Um choque repentino, na medida que o seu sistema nervoso carrega essa informação para o seu cérebro.
emocionais, como este programa [ou filme, ou música] “é fixe” ou “é uma porcaria”.
Mas da mesma forma que reações simplesmente afetivas e emocionais podem,
inicialmente, desencorajar discussões mais profundas, elas podem, eventualmente, servir como plataforma para análises mais minuciosas, e subsequente debate. Como resultado, uma estratégia efetiva para a interpretação das mensagens
mediáticas é perguntar por que alguém reagiu de uma forma ou de outra ao assistir a um determinada programa. (Para uma discussão mais detalhada a esse respeito consulte o Capítulo 4, “Processo: Reação Afetiva”)
• Uma sensação de aperto no seu peito.
• Um “ataque” de suor.
Padrões de comportamento da audiência
• Uma dificuldade em traduzir esses sentimentos e palavras em ações que pos-
Durante o processo de comunicação, a audiência acaba por selecionar as partes
sam vir a amparar e ajudar esta criança.
mais pertinentes das informações que recebe a fim de armazená-las e assimilar
Ao contrário das possíveis reações que temos ao ler a palavra escrita, os estímu-
outras atividades ao mesmo tempo que recebem mensagens mediáticas. Tendo
los visuais e auditivos tocam-nos em níveis afetivos, ou seja, emocionais. Na sua
em conta a possibilidade da sua atenção primária estar voltada para outras
discussão sobre o impacto da imagem visual nas pessoas, o historiador de arte
atividades (por exemplo, conduzir enquanto escuta o rádio), pode acontecer que
EH Gombrich observa,
haja uma maior suscetibilidade para mensagens subtis que afetem atitudes e com-
seus significados. No entanto, as audiências estão, muitas vezes, envolvidas com
portamentos. Além disso, ao atender o telefone ou sair da frente da televisão enquanto se assiste um programa, a continuidade daquele “texto” (da informação)
5
foi alterada. Como resultado, uma pessoa pode acabar por receber e assimilar
uma mensagem completamente diferente daquela que tinha sido inicialmente
intencionada pelo comunicador. (Para uma discussão mais aprofundada, consulte
o Capítulo 4, “Processo: Audiência”)
Credibilidade dos Media
O público está, muitas vezes, predisposto a acreditar no que é veiculado nos media. Uma das interpretações particularmente preocupante a respeito do que
passa nos meios media é que as informações apresentadas, por exemplo, na televisão ou no jornal, são a verdade, simplesmente porque aparecem nos meios de
Expectativas do público
Em muitos casos, a função ou propósito da seu ligação com uma atividade dos
media nada tem a ver com a sua intenção de fazer uma análise acerca do conteúdo daquela mensagem. Por exemplo, depois de um dia longo e stressante na
escola, talvez queira ligar a televisão para relaxar, ou para se atualizar sobre a atualidade. Esta forma de "meditação electrónica” deixa claro para quem está por
perto que não se está na disposição de manter uma conversa. Além disso, nestas
ocasiões é possível que alguém não esteja a sentir-se particularmente inclinado a
comunicação.
ATUALIZAÇÃO Para ilustrar este ponto, observe-se que uma pesquisa feita pela
Times-Mirror constatou que 50 por cento das pessoas que assistem a programas
de televisão – como, por exemplo, noticiários – que recorrem à dramatização
para reportar crimes, interpreta as imagens que ilustram a informação como se
fosse a própria notícia, ainda que fique claro – através de legendas que aparecem
na tela, por exemplo – que aquela cena é uma reconstituição dramática de um
crime. (20)
analisar citicamente o conteúdo da programação que está assistindo. Mas a única
A fotografia, por causa da capacidade que tem de preservar um momento es-
maneira de descobrir as mensagens mediáticas é procurar mensagens dos media.
pecífico no tempo e no espaço, cria a ilusão de verosimilhança, ou seja, dispõe
de uma qualidade realista. Contudo, nunca é demais sublinhar que uma fotografia apresenta somente uma imagem manipulada da realidade. Por exemplo,
Natureza da Programação
O sistema mediático português, à semelhança do que acontece em muitos outros
países, é orientado na sua maioria pelas leis do mercado, e esta indústria procura
gerar lucro. Longa-metragens, música popular, jornais e revistas precisam de atrair
e manter suas audiências para se manterem o negócio sustentável. Para ilustrar
este comentário, note que programas jornalísticos agora pressionados a apresentar a notícia num registo de entretenimento. Essa tendência de “infotainment”
tem comprometido seriamente o conteúdo de diversos novos programas. Ao
mesmo tempo, programas que não são originalmente criados para instruir a população acabam por transmitir mensagens sobre o funcionamento do mundo, fornecendo modelos ideológicos a respeito do que se entende como comportamentos
aceitáveis e inaceitáveis, acabando assim por reforçar definições culturais de
sucesso e fracasso.
uma fotografia captura apenas um breve instante, sem capturar necessariamente
o contexto que daria maior sentido àquela imagem. Além disso, a atenção do
público, de quem observa a fotografia, é confinada ao que está dentro do enquadramento da câmara. O espectador somente vê o que o fotógrafo ou cineasta
quer que seja visto; não podemos ver o que está a acontecer fora do limite da
lente da câmara fotográfica. Além disso, porque a tecnologia digital permite que
imagens fotográficas possam ser parcialmente ou completamente alteradas, é
possível que uma fotografia não represente o que foi originalmente capturado
pela câmara.
Na verdade, a presença de qualquer artifício de produção de conteúdo para
quaisquer veículos de comunicação altera o evento que se pretende capturar.
Considere-se este exemplo: uma festa de casamento. É comum o fotógrafo retirar
os recém-casados da mesa, ou da pista de dança, para que os noivos posem para
as fotografias tradicionais: segurando o bouquet, cortando o bolo, em miniestúdios montados no evento com o propósito de capturar imagens dos noivos
6
com os convidados, familiares e amigos. O evento, do ponto de vista do
cado real das coisas. Eles, portanto, tendem a descartar qualquer explicação mais
fotógrafo, pode ser transformado em uma sessão de fotos para que as imagens
aprofundada como uma tentativa de análises desnecessárias"(22). Por exemplo,
possam ser apreciadas depois quando o casal folheia o álbum de casamento.
muitas crianças são incapazes de detetar variações espaciais e temporais retrata-
Dentro deste contexto, um dos elementos fundamentais da literacia mediática,
conforme identificado pela Associação Canadiana de Literacia mediática (Canadian Association of Media Literacy) é que:
Tudo o que vemos através dos media são construções da realidade": Este é sem
dúvida o conceito mais importante. Os meios de comunicação não refletem a realidade externa; ao contrário, eles apresentam construções da realidade que são
cuidadosamente trabalhadas, que refletem muitas decisões, e que são o resultado de vários fatores determinantes. A literacia mediática trabalha para que essas construções da realidade sejam desconstruídas (quer dizer, para demonstrar
como elas são feitas). (21)
Um indivíduo mediaticamente alfabetizado aprende a examinar as informações
apresentadas pelos media com um ceticismo saudável, o que lhe permite determinar por si próprio se um conteúdo mediático tem fiabilidade.
das em filme ou vídeo, na TV ou no cinema. Daniel Anderson explica: "a falta de
apetência [das crianças] para compreender transições cinematográficas [e televisivas] dá-lhes uma compreensão fragmentada de narrativas longas. À medida que
vão ficando mais velhas e mais experientes como espectadoras, no entanto, as
crianças passam a fazer mais rapidamente as deduções necessárias para alcançar
uma compreensão coerente [da narrativa]" (23).
A competência para compreender as diferentes "linguagens" dos media é essencial no mundo dos negócios. Em 2009, o americano médio consumia cerca de 34
gigabytes de dados e informações a cada dia – um aumento de cerca de 350 por
cento ao longo de quase três décadas. Ao mesmo tempo, porém, a quantidade
de tempo que as pessoas gastam na leitura diminuiu. (Bilton) Consequentemente,
muitas empresas, hoje, valorizam funcionários que têm a capacidade de interpretar, construir e difundir mensagens, utilizando as diferentes "línguas" dos meios
de comunicação, como cinema, televisão, áudio e a internet. Além disso, a familiaridade com vários elementos de produção (ou seja, edição, escolha de cores,
iluminação, seleção de ângulos de câmara) pode melhorar a sua compreensão e
apreciação do conteúdo apresentado pelos media. (Para discussão adicional de
Complexidade da linguagem dos media
elementos de produção ver Capítulo 10-11).
De modo geral, é perfeitamente concebível que os espectadores se tornem capazes de identificar os sistemas simbólicos utilizados pelos media. Por exemplo,
embora a narrativa de um filme seja geralmente apresentada por ordem cronológica, o realizador muitas vezes manipula a sequência de tempo do filme para
estabelecer relações entre as pessoas, lugares e eventos. Poe exemplo, um “flashback” é uma técnica da narrativa utilizada na ficção audiovisual, através da qual
um evento do passado é incluído na história para demonstrar sua influência no
tempo presente.
No entanto, como observa Mark Crispin Miller, o público muitas vezes subestima
NÍVEIS DE SIGNIFICAÇÃO: MENSAGENS DECLARADAS E LATENTES
Mensagens declaradas são aquelas que comunicam algo direta e claramente com
o público. Não é difícil reconhecer essas mensagens quando estamos a prestar
atenção ao que esta a ser veiculado nos media. Por exemplo, já reparou no modo
como muitos anúncios “conversam” com a audiência no imperativo?
• "American Express: Não saia de casa sem ele"
a "linguagem" da produção mediática. "A maioria dos americanos ainda veem os
media como transparente, como um canal que sempre oferece e veicula o signifi-
7
• "Just Do It" (Nike)
tes, repetindo-se com frequência em produções mediáticas. Como exemplo, o
ator Dwayne Johnson (também conhecido como "The Rock"), é um herói de filmes de ação. Contudo, a sua imagem viril, característica de inúmeras outras personagens, incluindo John Wayne, Sylvester Stallone, e o “Marlboro Man”, transmite uma mensagem na qual está subentendida um determinado ideal de masculinidade.
Ponto de vista
Uma história pode ser contada a partir de uma variedade de perspectivas, ou pontos de vista:
• O ponto de vista do comunicador
!
http://www.youtube.com/watch?v=aPkyPdubqDs
Mas, além de mensagens declaradas ou explícitas, o conteúdo e as mensagens
dos media podem também conter mensagens latentes implícitas. Mensagens
latentes são indiretas, isto é, estão num nível “abaixo da superfície” e, consequen-
• O ponto de vista dos personagens
• O ponto de vista predominante do período em que o conteúdo foi produzido
• O seu próprio ponto de vista
temente, muitas vezes acabam por nos escapar. Mensagens latentes podem não
A escolha do ponto de vista tem um impacto sobre: 1) Como a história é contada,
só reforçar as mensagens declaradas como também oferecer significados comple-
2) Que informação é transmitida, e 3) Como o público reage à informação que
tamente diferentes.
está a ser apresentada.
Por exemplo, os anúncios do “G.I. Joe” promoviam uma
linha de brinquedos de guerra. Essa campanha publicitária transmite mensagens
latentes que glorificam, por isso, a guerra e correlacionam a violência com a masculinidade.
Identificar o ponto de vista dominante num conteúdo mediático permite que
cada um filtre as informações e chegue às suas próprias conclusões. Por exemplo,
nos Estados Unidos o canal Fox apoia uma agenda política conservadora, enquanto a MSNBC geralmente apresenta programação a partir de um ponto de
Mensagens cumulativas
Mensagens cumulativas ocorrem com tanta frequência ao longo do tempo que
elas acabam por criar novos significados, independente de qualquer produção
individual. Mensagens consistentes em relação a papéis tradicionais de género,
estereótipos raciais e culturais, e definições de sucesso ou fracasso são recorren-
vista progressista. Mas nada há de errado em ver as notícias da Fox ou da
MSNBC, contanto que o espectador saiba o que cada uma significa. O perigo
está em pensar que esses canais, informados por diversos eixos ideológicos, apresentam notícias objetivamente. (Para uma discussão mais aprofundada, ver
Capítulo 12: Jornalismo.) O projeto “Chaves para Interpretar Mensagens Media”
fornece ferramentas para que se possa identificar o ponto de vista de qualquer
8
programa, bem como o do comunicador de media, ou dos personagens princi-
zado no programa também pode fornecer perspectiva sobre as atitudes e valores
pais de uma narrativa mediática.
que o comunicador tem em relação ao assunto levantado no programa. Para ilustrar, considere as seguintes manchetes de dois artigos de jornal relatando um
mesmo atentado que ocorreu em Bagdá em 2003, durante a Guerra no Iraque:
Estratégias afetivas
Cinco operações consecutivas de martírio abalam Badgá. (24)
Como foi mencionado anteriormente, os media que tiram partido de recursos
Bagdá sangra: homens-bomba explodem quatro carros em atentados suicidas,
auditivos e visuais (fotografia, cinema, televisão, rádio e meios digitais) são particularmente eficientes no que diz respeito à promoção de apelos emocionais.
matando 34 e ferindo 224. (25)
Comunicadores dos media podem influenciar as atitudes e comportamentos do
No primeiro título, que apareceu num jornal propriedade do governo egípcio, a
público apelando às suas emoções.
Por exemplo, alguns anunciantes vendem
palavra "martírio" é uma indicação de que o comunicador considerou esta ação
produtos através do recurso a emoções primitivas, como culpa ou necessidade de
como moralmente justificável. Em contraste, o termo "atentados suicidas", no
aceitação. Além disso, os elementos de produção, tais como escolha de cores,
Newsday, uma publicação americana, revela, de acordo com o repórter, que este
formato e iluminação, transmitem significados ao evocarem respostas emocionais
é um ataque brutal e sem sentido.
na audiência. Ou seja, comunicadores de media transmitem significado através
de suas escolhas de produção, envolvendo o uso de iluminação, música, palavras
e imagens conotativas.
Valores “embutidos”
A análise da literacia mediático pode oferecer perspectiva a respeito de quais são
os valores defendidos por quem produz conteúdo, identificando assim qual é a
leitura preferida de uma narrativa. Os comunicadores dos media estabelecem a
preferência interpretativa para o programa, através da qual são determinadas
quais serão as respostas do público. A preferência interpretativa “pede” ao público para que assuma o papel, a perspectiva e a orientação dos “heróis e
heroínas”, e esses podem vir a servir de substitutos para os valores e perspectivas
de quem criou aquele programa.
Elementos de produção, tais como música, iluminação e ângulo de câmara, distinguem claramente os “heróis” dos “vilões”, e assim direcionam a forma como a
audiência deve responder a essas personagens. Desta forma, as simpatias do público estão alinhadas com os seus valores e crenças. A escolha do vocabulário utili-
9
NOTAS
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18. Tiedge, James, Arthur Silverblatt, Michael J. Havice, and Richard Rosenfeld, “the
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11. Absher, Frank, “Media on Media,” St. Louis Journalism Review Oct. 1999, p. 3
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11