Igreja evangelizando a Escola? Escola educando a Igreja?

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Educação
para a paz
Igreja evangelizando a Escola?
Escola educando a Igreja?*
The Church evangelizing Schools?
Schools educating the Church?
Clovis Pinto de Castro
É doutor em Ciências da Religião e Mestre em Filosofia da Educação. ViceReitor Acadêmico da Universidade Metodista de São Paulo.
* Estudo apresentado na 4ª Jornada Wesleyana “Duncan Alexander Reily”,
promovida pelo Instituto Educacional Piracicabano (IEP), Piracicaba, 2005.
[email protected]
R e s u m o
O texto aborda a tensa e conflituosa relação entre educação e evangelização na história da Igreja Metodista e de
suas Instituições de ensino, procurando mostrar que educação e evangelização são faces distintas e complementares
da missão da Igreja. Essa relação mal resolvida explicita interpretações equivocadas do pensamento wesleyano
sobre missão. O autor afirma que Wesley conseguiu relacionar ambas as instâncias – educação e evangelização –
numa perspectiva soteriológica da Educação pois, para ele educação é um ato de amor e manifesta uma das
dimensões da multiforme Graça de Deus.
Unitermos: educação; evangelização; missão; Reino de Deus.
S y n o p s i s
The text approaches the tense and conflicting relationship between education and evangelization in the Methodist
Church’s history and that of its Educational Institutions, attempting to show that education and evangelization are
distinct and complementary facets of the Church’s mission. This unresolved relationship specifies mistaken interpretations
of Wesleyan thought regarding “mission”. The author affirms that Wesley was able to relate both instances – education
and evangelization – in a soteriological perspective of Education, since for him, education is an act of love and
manifests one of the dimensions of God’s multiformed Grace.
Terms: Education, evangelization, mission, God’s Kingdom.
Resumen
El texto aborda la tensa y conflictiva relación entre educación y evangelización en la historia de la Iglesia Metodista
y de sus Instituciones de Enseñanza, procurando mostrar que educación y evangelización son caras distintas y
complementarias de la misión de la Iglesia. Esa relación mal resuelta explicita interpretaciones equivocadas del
pensamiento wesleyano sobre la misión. El autor afirma que Wesley consiguió relacionar ambas instancias – educación
y evangelización – en una perspectiva soteriológica de la Educación, pues para él, educación es un acto de amor y
manifiesta una de las dimensiones de la multiforme Gracia de Dios.
Términos: Educación, Evangelización, misión, Reino de Dios.
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A doutrina wesleyana da santidade, corretamente entendida, há
de levar-nos para mais além de
qualquer pseudo-santidade privada e individualista, e chamar-nos
a ser fiéis nos âmbitos mais
amplos da vida social, política e
econômica (...) A santidade
consiste em atuar com base no
amor, e em colocar o amor em
ação, especialmente em prol
daqueles que não têm quem os
defenda ou proteja (González,
2003, p. 74-75).
H
á anos, a relação educação e
evangelização desafia a
ação missionária da Igreja. Por
exemplo, em sua tese de doutorado, Schützer (2005, p. 58s) relata
parte dos discursos (muitas vezes
antagônicos) sobre as intenções
proselitistas que marcaram o processo de implementação da educação metodista em terras brasileiras. Para ilustrar, citamos dois:
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uma crítica feroz àqueles que
pretendiam transformar as
escolas em ‘fábricas de metodistas’. “Não estamos empenhados
no fabrico de methodistas. (...) se
as nossas instituições de ensino
no Brasil se atirarem à faina de
forjar methodistas, far-se-ão indignas da Egreja. Infelizmente
registram-se entre nós escolas,
cujo alvo é a campanha exclusiva
de suas acanhadas idéias religiosas. Necessitamos hoje de grande
parcella de desprehendimento e
assim poderemos fazer frente às
necessidades reaes do povo”
(Expositor Cristão, 1923, p. 7).
A santidade
consiste em atuar
com base no
amor, e em
colocar o amor
em ação, especialmente em prol
daqueles que não
têm quem os
defenda ou
proteja
O 2º Concílio Geral da Igreja
Metodista, em 1934, apresentou
explicitamente um outro desafio à
educação metodista, especialmente em nível superior, pressupondo a parceria Igreja e Escolas na capacitação de pessoas para
análises sociais à luz das ciências:
A nós nos parece que as nossas
escolas, sendo estabelecidas para
serem meios de propaganda da
nossa fé, devem ter francamente
uma atmosfera evangélica,
bíblica e methodista. A nossa
missão no Brasil é bem claramente determinada: é a de
estabelecer a Egreja Methodista;
não como um fim, porém, como
o melhor meio que conhecemos
para estabelecer o reino de Deus
– reino de justiça, retidão e paz
(Expositor Cristão, 1911, p. 1).
Reconhecemos a grande dificuldade que há na solução dos
graves problemas sociais e a necessidade dos conselhos de técnicos especializados nos respectivos
assuntos. É nosso dever, todavia,
estudar os problemas sociais
contemporâneos e estar informados das transformações sociais
e industriais que se realizam
hoje. Este vasto campo exige
pesquisas e educação especializada. Faremos tudo o que estiver
ao nosso alcance para estudar
tais questões à luz da ciência1.
Numa visão oposta, em 1923, o
missionário J. M. Moore, diretor
do Instituto Granbery, já fazia
1. Igreja Metodista. Atas do 2º Concilio
Geral da Igreja Metodista do Brasil. Porto
Alegre, R.G. Sul, de 4 a 19 de janeiro de
1934, São Paulo: Imprensa Metodista,
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Atualmente, estamos ainda
mais inseguros nessa relação,
especialmente pela forte presença
de um pragmatismo de tendência
neopentecostal no discurso e na
prática das igrejas locais, que
provoca reducionismos na compreensão da ação missionária da
Igreja, culminando num divórcio
entre os documentos oficiais,
aprovados em concílios ou editados pelo Colégio Episcopal, e as
práticas das comunidades locais.
Na história da Igreja Metodista no Brasil, a tentativa mais
significativa e polêmica para
lidar com essa relação – Educação e Evangelização – aconteceu
em 1982, com a aprovação do documento “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”
(DEIM) e do “Plano para a Vida
e a Missão da Igreja” (PVM), textos balizadores da missão da
Igreja Metodista, hoje são editados nos Cânones da Igreja. Na
época, alguns líderes educacionais de tendência progressista
chegaram a alimentar a esperança (utopia) de que poderia haver
com as novas Diretrizes uma
ruptura completa com a situação
educacional presente no País.
Elias Boaventura, naquele tempo
reitor da Universidade Metodista
de Piracicaba (na minha opinião,
p. 95-97. O texto foi redescoberto para
a Igreja por RENDERS, Helmut. Credo
e Compromisso: Do significado e do uso
litúrgico da Confissão Social do chamado
‘Credo´ Social da Igreja Metodista. Caminhando, São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia, Universidade
Metodista de São Paulo, ano VIII, n.
11, 1 semestre 2003, p. 601, rodapé 40.
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Alguns líderes
educacionais de
tendência
progressista
chegaram a
alimentar a
esperança (utopia)
de que poderia
haver com as
novas Diretrizes
uma ruptura
completa com a
situação
educacional
presente no País
A educação como
parte da Missão é
o processo que
visa oferecer à
pessoa e comunidade, uma
compreensão da
vida e da
sociedade,
comprometida
com uma prática
libertadora
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foi o metodista mais comprometido com as DEIM), sintetizou
bem o desejo utópico desses
educadores: “Los metodistas han
assumido últimamente en el Brasil
una posición que, llevada a sus
últimas consecuencias, significaria
completa ruptura com el sistema
educacional vigente en el país”
(BOAVENTURA, 1983, p. 189).
O PVM e as DEIM são os documentos que definem ainda hoje, pelo menos do ponto de vista
formal e legal (canônico), o que a
Igreja Metodista entende por
evangelização e educação. Segundo o PVM, “a Missão de Deus no
mundo é estabelecer o seu Reino.
Participar da construção do Reino
de Deus em nosso mundo, pelo
Espírito Santo, constitui-se na
tarefa evangelizante da Igreja”. O
mesmo material ainda afirma
que “a educação como parte da
Missão é o processo que visa oferecer à pessoa e comunidade,
uma compreensão da vida e da
sociedade, comprometida com
uma prática libertadora, recriando a vida e a sociedade, segundo o modelo de Jesus Cristo,
e questionando os sistemas de
dominação e morte, à luz do Reino de Deus” (grifos do autor).
Entendemos que o tema “A
Igreja evangelizando a Escola e a
Escola educando a Igreja” exige
um resgate crítico e criativo desses documentos, especialmente
de parte dos seus conteúdos, e a
elaboração de novas diretrizes
missionárias para a relação Escola-Igreja tendo como referência o
Reino de Deus.
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1. Questões históricas –
educação como ato de amor
2
Não sou especialista em história do Metodismo, mas mesmo
assim é fácil perceber que a preocupação com a educação sempre
esteve presente na tradição metodista. John Wesley reforçava
constantemente a importância de
uma boa formação educacional,
especialmente para os pregadores
leigos. E não poderia ser diferente levando-se em conta o ambiente familiar em que vivia3. Seu
pai, Samuel Wesley, estudou no
Exceter College, Oxford, onde
obteve seu Bacharelado em 1687.
Ele publicou vários livros, tornou-se membro da Sociedade
Literária em Londres e publicou
artigos na Athenian Gazette. Em
seus textos, chegou a tratar de
modo mais específico da educação, especialmente no tratado
Concerning the Education of
Dissenters in their Private
Academies. Sua mãe, Susanna
Wesley, mostrou na troca de correspondências com os filhos, mais
particularmente com John Wes-
É fácil perceber
que a preocupação com a
educação sempre
esteve presente na
tradição metodista
Durante os dez
anos que Wesley
esteve em Oxford,
conforme
registrado em
seus diários, ele
leu mais de 900
livros, cujos
conteúdos
abrangiam diferentes temas
2. Por mais neutralidade que se busque
na leitura dos fatos históricos, ela é
sempre ideológica. No contexto desse
artigo, é uma leitura ‘seletiva’ na busca de elementos que possam iluminar
e fundamentar conceitos e idéias aqui
defendidas.
3. Parte das informações a seguir estão no
artigo de HEITZENRATER, Richard P.
Wesley and Education in: HELS, Sharon J.
Methodism and Education – From Roots to
Fulfillment, General Board of Higher
Education and Ministry – The Unidet
Methodist Church, Nashville, Tennessee,
p. 1-13.
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ley, a profundidade de sua reflexão teológica e sua visão sobre
educação. Por exemplo, a convite
de John Wesley, em 1730, escreveu uma carta sobre a educação
de crianças, que mais tarde foi
publicada por Wesley em seu
Journal. Todos os seus irmãos e
irmãs estudaram na Westminster
School, uma das mais respeitadas
escolas da Inglaterra, e quase todos se envolveram com a docência em escolas. Uma delas,
Hetty, tornou-se poetisa e publicou seus poemas em diferentes
periódicos, inclusive no The Poetical Register and The Gentleman’s
Magazine de Londres (HEITZENRATER, op. cit., p. 3).
O próprio Wesley estudou em
instituições de referência. Em
1720, matriculou-se no Christ
Church, Oxford, onde obteve seu
título de Mestre (Máster of Arts,
MA) em 1727. No final de seus
estudos no Christ Church, iniciou
seu trabalho no Lincoln College,
também em Oxford. Heitzenrater
afirma que durante os dez anos
que Wesley esteve em Oxford,
conforme registrado em seus
diários, ele leu mais de 900 livros,
cujos conteúdos abrangiam diferentes temas além da teologia, tais
como, ciências, música, medicina,
filosofia e ética (Idem, p. 4). Isso
pode nos dar uma idéia da sua
sólida formação educacional.
Parte desses livros foi incluída no
Arminian Magazine, editado por
Wesley a partir de 1778.
Entretanto, para Wesley, a
educação, mesmo que sólida,
profunda e consistente precisava
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responder às demandas que a
sociedade de seu tempo apresentava. Assim, o pragmatismo dele também se fez presente nas reflexões sobre
educação. Em várias de suas
cartas, Wesley argumentou a
favor de diferentes níveis de
educação, especialmente preocupado em alcançar as classes
mais populares, e costumava
questionar os interlocutores
sobre a validade do saber
acadêmico que não consegue
dar conta da própria existência humana e dos problemas
que a sociedade apresenta.
Por exemplo, numa carta a
um clérigo de Tullamore, em
4 de maio de 1748, ele coloca
a seguinte questão:
Imagine um profissional da
área da saúde, formado pela
Universidade de Dublin,
com todas as vantagens de
uma excelente formação e
com autorização para exercer
sua profissão, que depois de
alguns anos de atividade
profissional, tendo atendido
mais de quinhentos pacientes, não consiga curar
um único paciente. Além
disso, muitos ainda morrem
debaixo de seus cuidados ou
ficam do mesmo jeito que
estavam antes do tratamento.
Por outro lado, imagine
também uma pessoa com
pouca formação na área da
saúde, mas em virtude de
seu grande cuidado e
compaixão por aqueles que
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estão doentes ou morrendo ao
seu redor, consegue curar
muitos deles e sem ganhar nada
em troca4.
Wesley argumentou a
favor de diferentes
níveis de educação,
especialmente preocupado em alcançar as
classes mais populares
Nessa mesma carta, ele
desenvolve um pouco mais seu
raciocínio para defender a
prática dos pregadores leigos,
que mesmo sem uma educação
acadêmica formal, atuam como
curadores de almas, salvando-as
da morte, ação que, segundo
ele, muitos com boa formação
acadêmica não conseguem
fazer. Não era a intenção de
Wesley opor esses dois níveis de
conhecimento – saber acadêmico
e saber popular; de fato, para
ele o mais importante era unir
conhecimento (saber) e piedade
vital, conforme expresso no hino
da Escola de Kingswood: Unite
the pair so long disjoin’d –
Knowledge and vital Piety
(HEITZENRATER, op. cit., p. 1).
Para Wesley, segundo
Reitzenrater, educação e religião
têm objetivos comuns, pois
conhecimento e piedade vital,
sabedoria e santidade, aprendizado e amor são realidades
intimamente vinculadas à sua
visão do propósito de Deus para
a humanidade (Idem, p. 11).
Educação, segundo
Wesley, é um ato de
amor. Portanto, na
visão wesleyana,
educação e
evangelização são
tarefas que possuem um
vínculo muito estreito
Revista de Educação do Cogeime
4. Tradução livre da carta de Wesley a
um clérigo em Tullamore, em 4 de
maio de 1748, in: Wesley Center
Online – Wesley Center for Applied
Theology. http://wesley.nnu.edu/
john_wesley/letters/1748.htm.
Acesso em: 20 mar. 2005.
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Educação, segundo Wesley, é
um ato de amor. Portanto, na
visão wesleyana, educação e
evangelização são tarefas que
possuem um vínculo muito
estreito. Educação,
pode ser vista como uma das dimensões da Graça, pela qual a
perfeição original da criação (uma
criatura de sabedoria e santidade),
perdida após a queda, pode ser
restaurada (Idem, p. 11).
Uma educação de
boa qualidade
pode oferecer às
pessoas melhores
condições para
uma decisão de fé
mais consciente
Wesley desenvolve uma compreensão soteriológica da educação, ou seja, uma educação de
boa qualidade pode oferecer às
pessoas melhores condições para
uma decisão de fé mais consciente.
2. Questões pragmáticas –
necessidade de um projeto
nacional de missão
Ao falar da relação EscolaIgreja (educação e evangelização), é preciso pensar no coletivo
e no plural – são escolas e igrejas.
Por isso, tomamos a liberdade de
colocar duas interrogações no tema central da Jornada, que assim, como questões, se desdobram em muitas outras que
precisarão ser respondidas, de
forma crítica e participativa,
pelas várias instâncias da Igreja
Metodista: de que Igreja e Escola
estamos falando? Qual é o
conceito (entendimento) de evangelização que vai direcionar a
ação da Igreja na Escola? Que
compreensão de educação vai
orientar a ação da Escola na
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Pensar a relação
Escola-Igreja
exigirá respostas
objetivas às
indagações aqui
colocadas
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Igreja? Quem formulará o projeto de evangelização das
escolas? Quem terá o papel de
estabelecer o projeto de educação das igrejas? Que instâncias
serão responsáveis pela implementação e supervisão dos
projetos? Quais serão os critérios
de avaliação deles? Além dessas
indagações, deveríamos pensar
também na possibilidade (necessidade) da auto-evangelização (a
Igreja evangelizando a Igreja) e
da auto-educação (a Escola educando a Escola), ou seja: não
deveria a Igreja rever suas práticas evangelizadoras à luz de
suas decisões conciliares? À Escola também não caberia a tarefa
de rever suas práticas pedagógicas à luz dos documentos
oficiais da Igreja e das novas
compreensões de educação?
Possivelmente, esse deveria
ser o primeiro movimento: a
Igreja se auto-evangelizando e a
Escola se auto-educando. Pensar
a relação Escola-Igreja exigirá
respostas objetivas às indagações
aqui colocadas. Porém, devido à
confusa estrutura de poder da
Igreja Metodista, ao descompromisso (nem sempre explícito)
das autoridades (laicato e corpo
clerical) com os documentos da
Igreja, à visão utilitarista com
relação às escolas e à falta de um
projeto nacional de Igreja que
consiga se efetivar nas práticas
missionárias das comunidades
locais, entre muitas outras razões, é praticamente impossível
oferecer respostas objetivas a essas questões.
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Certamente, não é falta de
vontade – acreditamos que haja
muitos metodistas preocupados
com uma relação mais adequada
entre Escola-Igreja. O problema
de fato é a ausência de um projeto de missão nacional que seja
assumido por todos, especialmente pelas autoridades da Igreja, e
de uma estrutura que facilite sua
implementação e supervisão. Por
outro lado, não podemos deixar
de reconhecer que a relação entre
Escola-Igreja-Escola é algo que
acontece nas esferas político-eclesiásticas nacional e regional, e
que passa pelas instâncias formais da estrutura da Igreja (especialmente Cogeam e Cogeime no
âmbito nacional, e Coream no regional). A distância entre a Igreja
e a Escola é testemunhada pelas
pesquisas realizadas pela própria
Igreja e pelos comentários em
reuniões conciliares. As igrejas
locais não conhecem o que se
passa nas instituições de ensino
da Igreja, pelo menos não com o
mínimo de profundidade necessária. E as escolas também não
conhecem a Igreja e, possivelmente, seus documentos5.
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O problema de
fato é a ausência
de um projeto de
missão nacional
que seja assumido
por todos,
especialmente
pelas autoridades
da Igreja
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ja. Portanto, é um assunto da esfera missiológica. Apesar de suas
diferenciações, há uma imbricação entre elas, pois a educação
tem uma dimensão evangelizadora e a evangelização requer
também um trabalho educativo.
Isso equivale dizer que são faces
interdependentes da Missão com
muitas características comuns.
Além disso, é possível uma agenda comum a esses dois empreendimentos, que pode ser sintetizada em educar-evangelizar
para afirmar a condição humana
e indicar a importância da dimensão transcendente da existência humana.
Numa pesquisa junto aos Diretores de Faculdades e Coordenadores de Cursos da Metodista, para ouvi-los sobre a
relação Escola-Igreja, especialmente no contexto da 4ª Jornada
Wesleyana, encontramos a seguinte afirmação:
Questiono parcialmente o tema
da 4ª Jornada: Igreja Evangelizando a Escola e Escola
educando a Igreja, porque pode
sugerir que os papéis são estanques (igreja evangeliza, escola
educa). Se é verdade que evangelização é tarefa primeira da igreja, há espaços de evangelização
em diferentes contextos da vida,
assim como é verdade que a escola educa, mas só educa bem se
conseguir ler com sensibilidade
as diferentes formas de educação
na sociedade. Sendo bem concreto: creio que fui educado na
3. Questões conceituais – dois
lados de uma mesma moeda
Evangelização e educação são
faces distintas da missão da Igre5. A Igreja Metodista, por meio do Cogeime, está desenvolvendo junto às
principais IEs Metodistas uma pesquisa
de opinião para subsidiar proposta do
Cogeime para a revisão do documento
“Diretrizes para a Educação na Igreja
Metodista”, que será apresentada ao
18º Concílio Geral, em julho de 2006.
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igreja e já me senti evangelizado pelo mundo6.
O conceito de evangelização
nos documentos da Igreja Metodista vem sofrendo alterações
significativas nos últimos anos,
especialmente pela influência do
movimento evangelical e do
neopentecostalismo. Em 2001,
atendendo a uma solicitação da
Coordenação do Sistema Metodista de Educação, o bispo Paulo
Ayres Mattos fez um levantamento das definições de Missão
e Evangelização dos principais
documentos da Igreja Metodista
e dos pronunciamentos feitos
pelo Colégio Episcopal entre os
anos de 1982 a 1997 (retoma
também definições conciliares a
partir de 1970), enfocando especialmente os conceitos missio-
Não há espaço, no
contexto desta
conferência, para
expor e comentar
as definições
conciliares e os
pronunciamentos
do Colégio
Episcopal
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lógicos e eclesiológicos. Infelizmente, esse trabalho não foi publicado. Não há espaço, no contexto desta conferência, para
expor e comentar todas as definições conciliares e os vários
pronunciamentos do Colégio
Episcopal. Destacamos apenas
dois exemplos para mostrar
como vamos agregando nos
discursos oficiais novos valores e
novas ênfases teológicas, que
nem sempre representam um
compromisso com as definições
e orientações conciliares.
Por exemplo, no Concílio
Geral de 1970/1971, apesar do
posicionamento mais conservador de boa parte do plenário, deram-se duas decisões
a nova definição da missão da
Igreja Metodista e o novo Credo
Social – manifestaram o posicionamento mais liberal dos setores
que postulavam por uma nova
Teologia da Missão, que buscava
encontrar novos referenciais que
respaldassem a inserção da Igreja no mundo em favor das lutas
pela justiça que procuravam dar
resposta aos questionamentos
missiológicos levantados pela
situação do país e do mundo
(MATTOS, 1997).
6. A pesquisa qualitativa (desenvolvida
pelo autor), realizada entre os dias 9-11
de maio de 2005, com os gestores das
unidades acadêmicas da Universidade
Metodista de São Paulo (com vistas a
melhor fundamentar a nossa participação num dos painéis da 4ª Jornada
Wesleyana) colocou a seguinte questão:
“qual é a sua opinião, enquanto gestor de
uma das áreas acadêmicas da Metodista, a
respeito da relação ‘Igreja-Escola’. Fique
totalmente à vontade para expressar em
poucas palavras (dois ou três parágrafos) o
que você pensa sobre a Igreja Metodista e
sobre a presença da Igreja na universidade.
Você não precisa se identificar. Solicite à
secretária de sua unidade que entregue
em mãos sua resposta (em envelope
lacrado) nos seguintes locais...” (foi
designado um local em cada campus). Alguns preferiram se identificar, entre eles, o Dr. Antonio
Carlos de Melo Magalhães, Diretor
da Faculdade de Filosofia e Ciências
da Religião, autor dessa citação.
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A Missão da Igreja Metodista
foi definida nos seguintes termos:
“A missão da Igreja Metodista é
participar da ação de Deus no seu
propósito de salvar o mundo”. O
Credo Social aprovado afirmava:
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Cremos que o Evangelho, tomando a forma humana em Jesus
de Nazaré, filho de Maria e José,
o carpinteiro, é poder de Deus
que liberta completamente o homem, proclamando que não existe nenhum valor acima da pessoa
humana, criada à imagem e semelhança com Deus.
A reconciliação do mundo em Jesus Cristo é fonte da justiça, da
paz e da liberdade entre as nações;
todas as estruturas e poderes da
sociedade são chamados a participar dessa ordem nova. A Igreja é a
comunidade que exemplifica essas
relações novas de perdão, da justiça e da liberdade (...)
A reconciliação do homem em
Jesus Cristo torna claro que a pobreza escravizadora em um mundo de abundância é uma grave
violação da ordem de Deus; a
identificação de Jesus Cristo com
o necessitado e com os oprimidos,
a prioridade da justiça nas Escrituras proclamam que a causa dos
pobres do mundo é a causa dos
seus discípulos.
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une preocupação com o ser
humano enquanto corpo, alma e espírito; trabalhamos e
anunciamos a vida plena hoje
e a vida eterna. Nós, metodistas, somos zelosos, por isso, em anunciar que todos os
homens e mulheres precisam
aceitar Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Nós, metodistas, cremos que a Igreja tem a
responsabilidade profética de
agir e denunciar toda forma de
injustiça, que oprime o ser
humano e a criação como um
todo harmônico e perfeito, criado
por Deus. Nós, metodistas,
cremos que é responsabilidade
dos cristãos colocar as dependências e recursos da Igreja a
serviço das necessidades das
comunidades onde estamos
instalados. Nós, metodistas, somos ecumênicos, ou seja, buscamos tornar concreta e histórica
a oração de Jesus, “(...) para que
todos sejam um”. Nós, metodistas, enfatizamos uma vida
de santidade e oração ao indivíduo e à sociedade (grifos
do autor).
A Igreja é a
comunidade que
exemplifica essas
relações novas de
perdão, da justiça
e da liberdade
Nós, metodistas,
enfatizamos uma
vida de santidade
e oração ao
indivíduo e à
sociedade
Já em 1997, num relatório ao
XVI Concílio Geral, o Colégio
Episcopal apresentou uma declaração missiológica que tem no
seu início e na sua conclusão
uma atenuação (mesmo que inconsciente) das afirmações conciliares, dando maior ênfase a
uma teologia de caráter evangelical. Assim afirmam os bispos:
Mas, o ‘alargamento’ dos conceitos missiológicos se manifesta
também na prática evangelizadora das igrejas locais, em que a
confusão é maior ainda, pois cada um (clérigos e leigos) é ‘dono
de seu próprio nariz e a medida
de si mesmo’ (característica da
fragmentação de poder na pósmodernidade). Há uma diminuição no nível de submissão às
autoridades ou na aceitação de
Nós, metodistas, somos um
povo comprometido com a
evangelização integral, que
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diretrizes, normas e leis estabelecidas pela denominação. Assim,
é comum testemunhar-se no cotidiano das comunidades locais
práticas totalmente opostas à tradição e aos valores metodistas.
Vivemos um tempo
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Igreja é Missão. A Igreja existe
no envio (missio). Tudo na Igreja deve estar orientado para a
Missão (Plano para a Vida e a
Missão da Igreja. In: Cânones,
1998, p. 76). Missão e evangelização são dois aspectos fundamentais da vida da Igreja. Missão
é envio; evangelização é o
conteúdo do projeto contido no
envio. Jesus Cristo é o centro do
evangelho. A Graça de Deus é a
origem, a possibilidade e a força
dinamizadora da missão e da
evangelização. Missão e evangelização estão implicadas uma
na outra. O sentido determinante
é o de evangelização. Na missão e
na evangelização podemos visualizar, de forma abrangente, o
essencial da ação da Igreja.
O ser Igreja
acha-se ameaçado
por movimentos e
práticas que
refletem mais os
carismas e projetos
individuais que o
carisma maior da
Igreja de Cristo
3.1 A Graça de Deus como
origem da Missão – uma
compreensão mais wesleyana
Assim, a Igreja Metodista deve
ser percebida como “parte da
missão de Deus no mundo, cujo
propósito central é o estabelecimento do seu Reino” (no item 3.2,
desenvolvemos uma reflexão sobre
o símbolo ‘Reino de Deus’). O
documento resgata a centralidade
do Reino de Deus na missão:
No contexto da Igreja Metodista, o documento “Linhas de
7. Movimento iniciado por César Castellanos Dominguez, pastor da Missão
Carismática Internacional na Colômbia,
inspirado no modelo de igrejas em células de Paul Young Choo. No Brasil, o
movimento ganhou força com a participação de Valnice Milhomens e Rene
Terra Nova, considerados discípulos de
Castellanos.
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Vida e Missão da Faculdade de
Teologia da Igreja Metodista”8 é,
numa opinião mais particular, o
que melhor sintetiza a compreensão de missão e evangelização à
luz da tradição wesleyana. Ele
afirma que
em que o ser Igreja acha-se
ameaçado por movimentos e
práticas que refletem mais os
carismas e projetos individuais
que o carisma maior da Igreja de
Cristo (IGREJA METODISTA,
2003, p. 167).
No momento, a maior influência vem do mundo neopentecostal. Um bom exemplo é o
Programa de Discipulado, aprovado como atividade nacional da
Igreja Metodista, cuja prática em
algumas regiões é fortemente
inspirada no movimento G-12,
que incentiva o crescimento
quantitativo e a estruturação das
igrejas locais por meio da criação
de pequenas células7.
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8. Documento que fundamenta o Plano
Diretor da Faculdade de Teologia da
Igreja Metodista; não está publicado.
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O Reino de Deus é o alvo do Deus
trino e significa o surgimento do
novo mundo, da nova vida, do
perfeito amor, da justiça plena,
da autêntica liberdade e da completa paz (PVM. In Cânones,
1998, p. 82).
A evangelização, como conteúdo da missão, deve ser entendida como “princípio determinante da ação da Igreja”. Ainda,
segundo o documento:
Evangelizar quer dizer transformar e formar continuamente no
evangelho pessoas, comunidades,
sociedade e a própria criação. Esse
sentido geral pode ser desdobrado
nos seguintes itens:
• confrontar as pessoas com o
evangelho e a pessoa de Cristo,
oferecendo-lhes a opção de fé como
começo do processo transformador
e formador do novo homem e da
nova mulher em Cristo;
• formar a vida das pessoas que
crêem, na força do evangelho de
Jesus Cristo; e, em comunhão
com as pessoas, através da
Graça, promover maior plenitude de vida em meio às contradições da sociedade e da própria existência humana;
• formar a comunidade de fé
(Igreja) como uma forma de viver a Graça de Deus, uns em
comunhão com os outros, cultivando a comunhão comunitária
com o Deus trino;
• testemunhar o evangelho de
Jesus Cristo na sociedade e agir
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nos processos sociais por atitudes e serviços coerentes com o
evangelho.
Evangelizar quer
dizer transformar e
formar
continuamente no
evangelho pessoas,
comunidades,
sociedade e a
própria criação
Formar a
comunidade de fé
(Igreja) como uma
forma de viver a
Graça de Deus,
uns em comunhão
com os outros
Percebe-se que a evangelização implica em ações e momentos diferenciados. No senso comum do ambiente evangélico,
evangelização é quase sempre
reduzida ao primeiro momento –
confrontar as pessoas com o evangelho e a pessoa de Cristo – mais
conhecido como evangelismo. No
entanto, evangelização é muito
mais do que evangelismo.
O documento ainda destaca
a importância da compreensão
wesleyana da multiforme Graça
de Deus (Graça Preveniente,
Graça Justificadora e Graça
Santificadora), que para os metodistas é o fundamento da missão. Graça, nesta perspectiva,
pode ser traduzida como “amor
gratuito em ação”.
Essa compreensão de evangelização apresenta contribuições
significativas para o estabelecimento de um caminho mais
adequado para a relação EscolaIgreja e Evangelização-Educação.
A seguir, listo algumas delas:
1. Coloca a Graça de Deus
como fundamento e referência
primeira da missão da Igreja.
2. A Igreja deve ser entendida
como parte primordial da missão
de Deus. Porém, ela faz parte de
um processo missionário que a
transcende. Deus, na liberdade
do Espírito, manifesta sua Graça
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por meio de outros “veículos”.
Nesse sentido, a Escola seguramente também pode ser um veículo da manifestação da multiforme Graça de Deus.
3. A evangelização tem múltiplas faces e se desdobra em diferentes momentos. No caso da
evangelização das (e mediante
as) escolas, a Igreja deveria optar
pelo princípio do “testemunho”
do amor de Deus revelado na
pessoa e no evangelho de Jesus
Cristo. Enquanto no puro evangelismo o anúncio é primordial, no
testemunho, por sua vez, são fundamentais as ações que revelam
o amor de Deus. O evangelho é
para ser vivenciado por meio de
atos concretos em favor da vida.
Como diria Wesley, é a educação
como ato de amor.
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O evangelho é
para ser
vivenciado por
meio de atos
concretos em favor
da vida
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PVM como nas DEIM, pode
ajudar os metodistas a desfocalizar a salvação de uma ótica
privatizada ou como algo a ver
com ‘o outro mundo’ e reforçar a
vocação pública do metodismo.
O Plano Nacional da Igreja
Metodista, aprovado para o
qüinqüênio 2002-2006, recoloca a
importância desse símbolo para a
Missão da Igreja:
A proposta do Reino de Deus
constitui a ‘chave de leitura’ ou
o critério para construir o proWirth, da Pós-Graduação em Ciências
da Religião da Metodista, como parte
de um diálogo que tivemos sobre o
assunto: “O que significa concretamente
“participar da construção do reino de
Deus?” Este enunciado parece expressar
uma coincidência entre o universo utópico
(reino de Deus) e as ações concretas e
reais, entendidas como etapas na
construção do Reino. Esta visão foi muito
comum na Teologia da Libertação e hoje
está sendo revista. A idéia nova que ganha
corpo é a da necessária tensão entre o
universo utópico e a plausibilidade prático
produtiva de nossas ações. Se nos
entendermos como construtores do reino de
Deus, corremos o risco de atribuir um
caráter sagrado e absoluto a nossas ações.
Perdemos assim a capacidade de
autocrítica. Como universo utópico o reino
de Deus interpela a todos, também os que
se referenciam nele, seja na escola, seja na
igreja. Podemos assim assumir a
fragilidade de nossas ações concretas e
constantemente submetê-las ao crivo do
Deus que nos interpela. Isto vale tanto para
as ações estritamente religiosas, como para
as ações do campo civil, espaço do
sacerdócio universal de todos os crentes (...)
No máximo, colocamos sinais, testemunhos
de quem se sabe interpelado pela utopia de
reino, que só será pleno e real pela graça,
quando Deus for tudo em todos. Penso que
temos aí um tema de longo alcance capaz de
reorientar nossas utopias”.
3.2. Reino de Deus como
referência primeira para a
relação Escola-Igreja e
Educação-Evangelização
O símbolo “Reino de Deus”9,
fortemente presente tanto no
9. A idéia mais presente nos documentos
da Igreja Metodista, especialmente naqueles mais influenciados pela Teologia da Libertação, é a da “construção
do Reino de Deus”. Hoje, deveríamos
pensar no Reino de Deus como “símbolo que nos interpela” e nos anima a
semear e testemunhar no presente eon
a plenitude do Reino de Deus
(eschaton). No final desse artigo, há
uma reflexão de Paulo Suees que coloca uma nova possibilidade de interpretação desse símbolo. A seguir, apresento uma reação do Dr. Lauri Emílio
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jeto missionário da Igreja. Podemos afirmar, tendo a nosso
favor todo o testemunho bíblico e
o de João Wesley, que a nossa
evangelização, ao sinalizar o
Reino de Deus, manifesta o amor
que transforma as pessoas e afeta
as estruturas da sociedade
(IGREJA METODISTA, op.
cit., p. 169).
Groome (1985, p. 64) afirma
que a expressão “Reino de Deus”
implica em dimensão política,
social e infra-histórica e, por ser
uma estrutura política não muito
conhecida em nossos dias, “fica
aberta à reinterpretação sem ser inevitavelmente identificada, por associação de idéias, com qualquer estado ou nação em particular”.
Ainda segundo Groome, malkut
Yahweh nas escrituras hebraicas é
o desejo de Deus para todas as
pessoas e a criação. As escrituras
revelam a caminhada do povo
peregrino em busca de um lugar
bom para se viver debaixo da
soberania de Yahweh (Reino do
Shalom). Jesus deu continuidade à
tradição hebraica, vivendo e exercendo seu ministério no horizonte do Reino de Deus. Suas palavras e seus atos se concentram na
temática do Reino de Deus.
O símbolo “Reino de Deus”,
mesmo não tendo sido um eixo
importante da pregação da Igreja
Primitiva, tornou-se tema central
nas principais expressões teológicas contemporâneas. Não há
entre os teólogos um consenso
sobre as implicações e significado
da expressão, porém “existe uma
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O símbolo “Reino
de Deus”, mesmo
não tendo sido um
eixo importante da
pregação da Igreja
Primitiva, tornou-se
tema central nas
principais
expressões
teológicas
contemporâneas
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concordância básica em ser este
um tema central dos evangelhos e
em que o viver cristão deve fazerse em resposta a esse Reino” (op.
cit., p. 65). Para Walter Rauschenbusch (1861-1918), líder do movimento do Evangelho Social no
início do século XX nos Estados
Unidos da América e um dos
responsáveis diretos pelo (re)surgimento do símbolo do “Reino de
Deus” na teologia cristã,
Deus é ativo na história, na luta
social pela paz e pela justiça, e os
cristãos devem participar com Deus na luta para a criação do Reino
de Deus” (Idem, p. 78-79).
Os livros de Rauschenbusch
foram lidos pelos metodistas brasileiros logo depois de publicados
(RENDERS, p. 14-15) e o título do
seu livro “Cristianização da
Ordem Social” aparece numa
declaração do 2º Concílio Geral
de 1934.
Resgatamos uma observação
do bispo Paulo Ayres Mattos que
mostra a centralidade do Reino de
Deus nos documentos conciliares:
A teologia da missão aprovada
pelo Concílio de 1974 colocava
um novo eixo para a ação missionária da Igreja, o Reino de
Deus, explicitando o deslocamento do lugar da Missão da
Igreja para o mundo. Esta maneira distinta de compreender a
Missão a colocava dentro do mesmo marco teológico que se tinha
estabelecido na definição constitucional da Missão e no Credo
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Social aprovados pelo Concilio de
1970, e por isso respaldando
inserção dos cristãos no mundo
nas lutas pela justiça, pela paz e
pelos
direitos
humanos
preferencialmente na perspectiva
dos pobres (MATTOS, 1997).
Os demais concílios, inclusive
o de 2001, apenas referendaram
essa opção teológico-missionária.
Portanto, não há como pensar a
relação Evangelização-Educação
sem levar em consideração o paradigma do Reino de Deus. Pelo menos, não no contexto da Igreja
Metodista. Caso contrário, teremos
que nos desfazer dos documentos
que orientam e dão sentido à missão da Igreja em terras brasileiras e
em outras para onde formos.
Desde a Autonomia da Igreja
Metodista, em 1930, a centralidade
do Reino de Deus passou a ser
uma determinante missionária:
A visão do Reino de Deus deve
elevar-nos acima das correntes da
história e das mudanças complexas do mundo de modo que,
com vistas elevadas, possamos
observar os interesses humanos
antagônicos e voltar novamente
ao seio da vida humana para fazer a nossa parte pela cristianização da ordem social com
nova coragem e fé renovada.
Combatemos a tentação de fugir
da vida, com seus problemas e
lutas para nos enclausurarmos na
religião pessoal (IGREJA METODISTA, p. 95-97).
Para ele, participar
da Democracia
Participativa de
Deus implica num
esforço por
defender e
preservar a vida
em sua totalidade
Num esforço
sempre precário de
contextualização
histórica, podemos
caracterizar a meta
do povo de Deus
no paradigma da
‘Democracia
Participativa de
Deus’
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Deus – tais como solidariedade,
inclusão, amor, esperança, misericórdia, paz, justiça e fraternidade – devem ser traduzidos e
vivenciados de múltiplas formas.
Suees apresenta uma proposta
alternativa para a expressão reino
de Deus: “num esforço sempre
precário de contextualização histórica, podemos caracterizar a
meta do povo de Deus no paradigma da ‘Democracia Participativa de Deus’ [que significa] uma
nova forma de ‘parceria’ e ‘aliança’ entre Deus e a humanidade.
Segundo Suees, esse paradigma
possibilita uma melhor relação
entre “autonomia e parceria, entre criatura adulta e criador
sábio” (SUESS, 1996, p. 7).
Para ele, participar da Democracia Participativa de Deus implica num esforço por defender e
preservar a vida em sua totalidade.
Nessa direção, devemos convidar aqueles e aquelas que estão
nas Instituições Metodistas de
Educação a participarem da restauração do mundo bom criado
por Deus, como esforço para defender a vida em todas as suas
dimensões. Para isso, devemos
também acreditar que essa é uma
tarefa possível; ou mais ainda,
precisamos estar apaixonados por
tal empreendimento missionário,
pois só assim teremos condições
de sensibilizar outras pessoas.
4. Em busca de novas
diretrizes para a educação
na Igreja Metodista
No caso da evangelização das
escolas, os valores do Reino de
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Como afirmamos anteriormente, a resposta mais objetiva e
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corajosa dada pela Igreja Metodista na tentativa de equacionar
a relação Escola-Igreja foi a aprovação dos documentos “Plano
para a Vida e Missão da Igreja
Metodista” e “Diretrizes para a
Educação da Igreja Metodista”.
Porém, por mais significativos
que tenham sido para a vida e a
missão da Igreja Metodista, eles
precisam ser vistos agora como
elementos históricos de referência
que enriquecem a memória da
ação missionária e, particularmente, da educação metodista e
protestante no Brasil. Conseguiram, na época (1982), expressar
pelo menos parte dos anseios da
ala mais progressista da Igreja
Metodista. No caso mais específico da questão educacional, as
DEIM apontaram para a necessidade de superação de um projeto de cunho liberal, elitista, individualista e conservador. Até
então, como principal meta da
educação de tendência liberal, o
objetivo era formar ‘bons cidadãos’, especialmente da e para a
elite da nação. A partir de 1982, o
maior desafio passou a ser a formação de pessoas para o exercício da cidadania em todas as
possibilidades. Portanto, a essência desses documentos deve permanecer nas próximas DEIM, que
se traduz na dimensão pública e
cidadã das Instituições de Ensino
(IEs) da Igreja Metodista à luz dos
valores do Reino de Deus.
Não podemos correr mais o
risco de ‘fetichização’ das DEIM.
Walter Benjamin nos oferece outra possibilidade de lidar com o
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Eles precisam ser
vistos agora como
elementos históricos
de referência que
enriquecem a
memória da ação
missionária e,
particularmente, da
educação metodista
e protestante no
Brasil
Há novas questões
epistemológicas que
precisam ser refletidas e consideradas
por todos que
trabalham tanto na
área de educação
como de
evangelização
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passado: trata-se da rememoração, como memória ativa, que
possibilita o projetar-se para o
futuro. Assim como vários outros
documentos gerados por setores
progressistas da sociedade nas
décadas de 1980 e 1990, as DEIM
estão repletas de desejos utópicos, não como sonhos impossíveis de serem concretizados,
mas como utopias possíveis na
construção de uma história coletiva e na perspectiva do Reino
de Deus. Hoje, as utopias já não
são tão freqüentes. Vivemos num
tempo histórico (denominado por
alguns como pós-modernidade),
em que o passado já não existe
(sociedade sem raízes, sem tradições) e o futuro ainda não chegou. Estamos vivendo no “entre”
– massacrados e desorientados
pelas incertezas do presente.
A crise da modernidade também chegou ao Brasil tardiamente,
assim como a própria modernidade. Quem lida com educação
sabe dos limites e desafios que é
educar num mundo moderno ou
pós-moderno (como afirmam
alguns). Quem lida com evangelização também deveria saber. Há
novas questões epistemológicas
que precisam ser refletidas e
consideradas por todos que
trabalham tanto na área de
educação como de evangelização.
Por outro lado, em termos de
educação, foram promovidos encontros e gerados documentos
referenciais em nível nacional e
internacional, tais como a Lei n.
9.394, de 20 de dezembro de 1996
(Nova Lei de Diretrizes e Bases da
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Educação Nacional); a Lei n.
10.172, de 9 de janeiro de 2001, que
aprova o Plano Nacional de Educação; a declaração da Conferência
Mundial de Educação Superior,
promovida pela Unesco, de 5 a 9
de outubro de 1998, em Paris; a
publicação do texto “Educação
para o Século XXI” pela Aliança
por um Mundo Responsável,
Plural e Solidário, uma ONG com
sede em Paris; o texto adotado
pela Cúpula Mundial de Educação, em Dakar (2000), sobre
“Educação para Todos: atingindo
nossos compromissos coletivos”; e
reflexões sobre educação nos
Fóruns Mundiais Sociais e nos
Fóruns Mundiais de Educação.
Todos propõem temas que não
estavam na agenda da sociedade
brasileira, pelo menos não como
prioritários, no início da década de
1980, quando as nossas DEIM
foram elaboradas e aprovadas.
Sabemos também que as
DEIM não se constituem em documento de profunda reflexão
teórica (pelo menos, não de teor
mais acadêmico) sobre educação
ou sobre a relação entre Igreja
(Missão) e Educação. Esse não
era seu objetivo. Como o próprio
nome indica, são diretrizes para a
ação educativa da Igreja Metodista em um determinado
período histórico e, portanto, um
documento datado. Sua preocupação maior era e ainda é
oferecer aos metodistas diretrizes
gerais e específicas para a educação secular, a educação teológica e a educação cristã. Diretrizes são “um conjunto de
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Sabemos também
que as DEIM não
se constituem em
documento de
profunda reflexão
teórica sobre
educação ou sobre
a relação entre
Igreja (Missão) e
Educação
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instruções ou indicações para se
tratar e levar a termo um plano,
uma ação, um negócio etc.” (Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa). Elas não podem ter
valor perene, sempre são circunstanciais a um determinado plano
de ação. Tanto que o item IV das
DEIM – O que devemos fazer –
ocupa a maior parte do documento. Os itens I (O que estamos
vendo) e II (O que nos diz a Bíblia)
apontam para os limites históricos do próprio documento, pois o
que estamos vendo hoje é, em
vários aspectos, muito diferente
do cenário sociocultural e político-econômico da década de
1980. Por outro lado, a Bíblia só é
resposta se elaborarmos as perguntas. Nesse sentido, as perguntas que os metodistas têm
hoje são diferentes daquelas que
tinham naquele tempo; na verdade, nem os metodistas são
mais os mesmos. A porta de entrada para entendermos a Bíblia
(chave hermenêutica) é a nossa
própria vida com todos os seus
limites e contradições. Assim, as
respostas sempre serão novas,
pois as perguntas se renovam
permanentemente, assim como as
chaves hermenêuticas.
É bem provável que nenhuma organização, quer pública
ou privada, desenvolva suas
ações com base em diretrizes
geradas há mais de duas décadas. Atualmente, instituições,
especialmente aquelas que se
organizam e desenvolvem suas
atividades por meio de um
planejamento estratégico, preciAno
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sam estabelecer uma visão e uma
missão que, geralmente, são
expressas em poucas linhas. A
missão e a visão de uma instituição devem ser mais duradouras. Neste caso, podemos
encontrar nas DEIM elementos
que nos ajudam a determinar a
Visão e a Missão de nossas
instituições. Como temos afirmado, é um documento que aponta
a vocação pública e cidadã de
nossas instituições de educação:
A partir dessas diretrizes a Igreja
desenvolverá
sua
prática
educativa, de tal modo que os
indivíduos e os grupos: desenvolvam consciência crítica da realidade; compreendam que o interesse social é mais importante
que o individual; exercitem o
senso crítico e a prática da justiça
e solidariedade; alcancem a sua
realização como fruto do esforço
comum; tomem consciência de
que todos têm direito de participar de modo justo dos frutos
do trabalho; reconheçam que,
dentro de uma perspectiva cristã,
útil é aquilo que tem valor social.
(IGREJA METODISTA, 1982,
p. 38-39).
Conclusão
Hoje, em pleno século XXI,
precisamos pensar missiologicamente numa nova filosofia educacional e propor novas diretrizes para a educação no contexto
da Igreja Metodista. A sociedade
mudou e a Igreja também. O
mundo passou por profundas
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Os indivíduos e os
grupos:
desenvolvam
consciência crítica
da realidade;
compreendam que
o interesse social é
mais importante
que o individual
No entanto, cabe
à Igreja, como instituidora, interpelar
as IEs quanto ao
cumprimento de sua
vocação enquanto
instituições
confessionais
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transformações nas duas últimas
décadas que interferem diretamente no cotidiano de nossas
Instituições de Ensino. Nesse
sentido, compartilhamos a seguir
um elenco de questões que, em
nossa opinião, deveriam estar
presentes num novo documento
com a filosofia, políticas e diretrizes para a educação na Igreja
Metodista:
• Apontar, na relação IgrejaEscola, a especificidade e a
identidade de cada uma. Deve-se
partir do conceito de relação e de
co-responsabilidade. Para que a
convivência seja saudável, não se
pode exigir da Escola aquilo que
é próprio da Igreja e nem da
Igreja aquilo que é próprio da
Escola. No Brasil, a Educação é
um bem público. Somos autorizados pelo Estado, portanto
precisamos de permissão para
atuar nessa área. Além de
autorizados, somos também
supervisionados e avaliados pelo
Estado, por meio dos diversos
órgãos governamentais (federais,
estaduais e municipais). Além
disso, somos também monitorados e avaliados pelos públicos
internos (corpo técnico administrativo; docentes e discentes) e
pela própria sociedade. Portanto,
temos limites nessa relação que
precisam ser identificados. No
entanto, cabe à Igreja, como instituidora, interpelar as IEs quanto
ao cumprimento de sua vocação
enquanto instituições confessionais, pois mesmo com limites, há
muitos espaços para o testemunhar e semear as sementes do
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Reino de Deus no contexto
educacional. Por outro lado, cabe
às IEs colaborar na capacitação
de fiéis para atuar nos diversos
ministérios e nas próprias IEs,
pois não pode haver ‘Escolas
Metodistas’ sem uma presença
mais significativa de metodistas.
• Reforçar a compreensão da
dimensão pública da Igreja e das
Instituições de Ensino, identificando as implicações políticopedagógicas da relação entre
cidadania e educação e destacando
o papel da educação na construção
de uma cultura de paz, conforme
estimula a Declaração Mundial sobre
Educação Superior da Unesco (1998).
Para isso, é fundamental traduzir
permanentemente o significado do
Reino de Deus 10 para o presente
eon (e não como expectativa para o
futuro – eschaton).
• Recuperar o sentido mais
original do que é educar – enfatizando a dimensão do ‘cuidado’
(uma possível tradução da visão
wesleyana da educação como ato
de amor) como co-responsabilidade. Um cuidado que possibilita
a construção de novos sentidos
para a recuperação da dimensão
mais humana do ser. Nesse sentido, a educação requer envolvimento e compromisso com processos que provoquem rupturas
com toda e qualquer situação de
‘submetimento’ (dominação e dependência). A formação do hu-
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Somos ao mesmo
tempo seres
racionais e afetivos
Nesse sentido, a
educação requer
envolvimento e
compromisso com
processos que
provoquem
rupturas com toda
e qualquer
situação de
‘submetimento’
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mano solicita uma relação de
reciprocidade. Somos ao mesmo
tempo seres racionais e afetivos.
• Aprofundar a compreensão
metodista de confessionalidade; o
que nos difere das demais instituições de ensino do País, especialmente daquelas que também
têm credibilidade e seriedade em
seus propósitos; muitas delas,
mesmo sem ser confessionais, defendem os mesmos valores que
acreditamos; portanto, qual é o
nosso plus? Por exemplo, poderíamos refletir sobre a educação
confessional como possibilidade
de construção da personalidade
moral. Nesse sentido, a experiência das escolas públicas da
Espanha, que acolheram em suas
práticas educativas as contribuições de Josep Maria Puig
(1998), poderia nos ajudar a perceber a importância que a educação moral – centrada na construção das virtudes – pode ter
para as escolas confessionais,
especialmente aquelas que atuam
no Ensino Fundamental. Uma
das principais características das
primeiras escolas fundadas pelo
movimento metodista não era a
formação moral das crianças?
Porém, não podemos confundir
educação do sujeito moral com o
ensino de Moral e Cívica. A formação do sujeito moral pode ajudar os indivíduos no processo de
desalienação, que ocorre quando
o ser humano
10. Ver no final desse texto o item 3.2:
Reino de Deus como referência primeira para a relação Escola-Igreja e
Educação-Evangelização.
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supera o mundo individual como
mundo do indivíduo isolado –
preso aos valores absolutos das
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particularidades – e se vê como
totalidade, agindo moralmente
em direção ao humano-genérico
(PELISSARI, 1995, p. 30).
• Entender o papel do Projeto
Político-Pedagógico e do Plano
de Desenvolvimento Institucional
na implantação de uma identidade metodista nas Instituições
Metodistas de Educação e destacá-los como instrumentos de
gestão. São dois documentos que
na época em que as DEIM foram
aprovadas, não tinham o valor
que têm hoje, especialmente no
caso das Instituições de Ensino
Superior. O Inep, órgão do MEC
responsável pela supervisão e
avaliação das IES, dá muito valor
a esses documentos. A compreensão metodista de Missão
(incluindo evangelização e
educação) precisa estar explícita
nesses documentos e na vida
cotidiana das instituições.
• Ampliar os processos de
auto-avaliação institucional de
todas as IEs metodistas. Nessa
auto-avaliação, devem-se garantir, além das questões didáticopedagógicas, itens que avaliem
também o compromisso dessas
instituições com as diretrizes e
decisões conciliares mais voltadas
para a responsabilidade pública e
social. O Instituto Ethos 11 , por
exemplo, possui um roteiro que
facilita a auto-avaliação das empresas que querem ser reconhecidas pela sua atuação na área
A compreensão
metodista de
Missão (incluindo
evangelização e
educação) precisa
estar explícita
nesses documentos
e na vida cotidiana
das instituições
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social (responsabilidade social).
No mundo corporativo12, aumenta aos poucos a preocupação com
processos e políticas mais transparentes e com a geração de
valores para os seus diferentes
públicos (além, é lógico, da
geração de lucros). Porém, esse
instrumento, com as devidas
adaptações, poderia ser um instrumento para avaliarmos algumas práticas institucionais, por
exemplo: Quais são os espaços
para a atuação de mulheres e negros nos cargos de direção?
Como é a relação com o entorno,
ou seja, com a comunidade? Qual
é o comprometimento da instituição com a melhoria da qualidade ambiental? Qual é a sua
política de remuneração, benefícios e carreira? Quais são os cuidados com saúde, segurança e
condições de trabalho? Qual é o
compromisso com o desenvolvimento profissional e a empregabilidade? Existe incentivo e estruturas apropriadas que permitam
o envolvimento dos diferentes
públicos internos na gestão da
instituição? Quais são as ações
efetivas para a inclusão de pessoas portadoras de deficiências?
Quanto se investe em programas
de ação social e de promoção hu12. Não defendemos a transformação das
IEs da Igreja Metodista em corporações
puramente mercantis. Entretanto, devemos nos concientizar que a administração (gestão) de nossas IEs devem ser
cada vez mais profissionais e menos
amadoras, pois corremos o risco de não
termos num futuro (não muito distante)
instituições para implementarmos nossa
confessionalidade.
11. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. www.ethos.org.br
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mana? No roteiro proposto pelo
Instituto Ethos há centenas de
outras questões muito pertinentes
às nossas IEs. As novas diretrizes
da educação deveriam exigir,
além do Balanço Contábil, a elaboração e a publicação de um
Balanço Social13.
•Refletir sobre as conseqüências da crise da modernidade
(identificada por muitos nomes:
pós-modernidade; ultra-modernidade; alta-modernidade; modernidade reflexiva; modernidade
líquida; modernidade sem ilusões), especialmente na área da
educação; o documento DEIM foi
construído sob a lógica da modernidade; baseia-se em metanarrativas – com um discurso sobre
o mundo ou sobre a realidade
como totalidade – apresentando
respostas a todos os problemas
humanos; traz uma visão dicotômica da realidade e com alguns
reducionismos que não cabem ou
não dão conta do novo momento
sociocultural e político-econômico. Ao olhar a educação pelo
viés da crise da modernidade é
necessário pensar a razão no
plural; perceber a emancipação
das diferenças; compreender as
racionalidades locais de minorias
étnicas, sexuais, religiosas, culturais e estéticas. É necessário
também entender a educação a
partir das subjetividades e das
singularidades, sem abandonar a
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Vivemos num
tempo ambíguo
que precisa ser
decifrado para
melhor pautar a
ação missionária
da Igreja
Vivemos numa
sociedade bem
mais complexa do
que a existente em
1982
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importância do comunitário, do
social, pois a subjetividade é também produção cultural e social; é
o reconhecer-se a partir da
existência do outro (intersubjetividade). Vivemos num tempo
ambíguo que precisa ser decifrado para melhor pautar a ação
missionária da Igreja. A academia pode colaborar nessa tarefa
de ‘interpretação dos tempos’,
especialmente numa sociedade
onde a religião se coloca com
tanta força, provocando o surgimento de movimentos que
oferecem respostas de ‘consumo
fácil’ e que distorcem valores e
fundamentos da fé cristã, pelo
menos quando vistos numa
perspectiva wesleyana.
Superar a visão, em alguns
momentos, ingênua sobre educação presente nas DEIM e percebê-la como atividade humana
complexa (neste caso, a Teoria da
Complexidade, do francês Edgar
Morin, pode nos ajudar).
Vivemos numa sociedade bem
mais complexa do que a existente em 1982. Hoje, estamos
mais conscientes dos limites para
lidar com tal complexidade. O
ser humano não tem condições
para conhecer plenamente a realidade em que vive (CASTRO,
2003, p. 65-66).
Segundo Jung Mo Sung
(2002, p. 11), ele também:
13. O Instituto Metodista de Ensino Superior publicou, em 2004, seu primeiro
balanço social. Em 2005, deverá seguir,
pelo menos em parte, o roteiro proposto pelo Instituto Ethos.
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é incapaz de controlar todos os
efeitos de suas ações e de produzir
uma sociedade segundo seus
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projetos e desejos. Mas, ao mesmo
tempo, reconhecer a complexidade
do próprio ser humano é
reconhecer também que somos
capazes de desejar um mundo
para o além do existente, de criar
símbolos que nomeiem e indiquem esse mundo desejado, de
elaborar utopias que expressem
mais sistematicamente os nossos
horizontes de esperanças, e de nos
comprometermos com belas e
justas causas que dão um sentido
mais humano à nossa existência.
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Ao mesmo tempo,
reconhecer a
complexidade do
próprio ser humano
é reconhecer
também que somos
capazes de desejar
um mundo para o
além do existente
Vejam um exemplo para
ilustrar o nível de complexidade
que há na gestão das IEs Metodistas: como lidar com a relação
‘mercantil’ no caso das instituições filantrópicas?
• Explicitar melhor as razões
pelas quais optamos por ser instituições filantrópicas e sem fins
lucrativos; isso ainda é algo que
não está muito claro para vários
metodistas; por outro lado, percebe-se uma relação econômicofinanceira cada vez mais difícil
entre Igreja e escolas, que chega a
colocar em risco, inclusive, a dimensão filantrópica das instituições de educação e a dimensão
profética da Igreja. As instituições,
além de estarem em risco de perder seus certificados de filantropia
(alguns deles já perdidos), estão
também envolvidas em desgas-
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tantes processos judiciais em
função dessa relação insegura.
• Identificar os potenciais e
as contradições da presença das
novas tecnologias na educação e
na igreja; pensar criticamente no
papel da educação a distância
(não-presencial ou semipresencial), especialmente no caso da
Educação Cristã e da Educação
Teológica. Esse pode ser um instrumento valioso para a educação
das igrejas locais.
• Discutir o modelo de gestão
das Instituições Metodistas de
Educação na busca de modelos
cada vez mais participativos,
democráticos e eficazes, especialmente porque a evangelização
(boas-novas do Evangelho) precisa também permear as estruturas e as instâncias de poder.
Estes são apenas alguns
pontos que devem ser considerados na elaboração de novas
diretrizes para a educação metodista nas suas três vertentes: educação secular, educação teológica
e educação cristã. Porém, por
fidelidade à tradição wesleyana,
não podemos pensar em novas
diretrizes sem relacioná-las à
vocação pública e cidadã do metodismo, que pressupõe um
compromisso ético-político daqueles e daquelas envolvidos
com a educação no contexto da
Igreja Metodista.
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