Igreja evangelizando a Escola? Escola educando a Igreja?
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Igreja evangelizando a Escola? Escola educando a Igreja?
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Educação para a paz Igreja evangelizando a Escola? Escola educando a Igreja?* The Church evangelizing Schools? Schools educating the Church? Clovis Pinto de Castro É doutor em Ciências da Religião e Mestre em Filosofia da Educação. ViceReitor Acadêmico da Universidade Metodista de São Paulo. * Estudo apresentado na 4ª Jornada Wesleyana “Duncan Alexander Reily”, promovida pelo Instituto Educacional Piracicabano (IEP), Piracicaba, 2005. [email protected] R e s u m o O texto aborda a tensa e conflituosa relação entre educação e evangelização na história da Igreja Metodista e de suas Instituições de ensino, procurando mostrar que educação e evangelização são faces distintas e complementares da missão da Igreja. Essa relação mal resolvida explicita interpretações equivocadas do pensamento wesleyano sobre missão. O autor afirma que Wesley conseguiu relacionar ambas as instâncias – educação e evangelização – numa perspectiva soteriológica da Educação pois, para ele educação é um ato de amor e manifesta uma das dimensões da multiforme Graça de Deus. Unitermos: educação; evangelização; missão; Reino de Deus. S y n o p s i s The text approaches the tense and conflicting relationship between education and evangelization in the Methodist Church’s history and that of its Educational Institutions, attempting to show that education and evangelization are distinct and complementary facets of the Church’s mission. This unresolved relationship specifies mistaken interpretations of Wesleyan thought regarding “mission”. The author affirms that Wesley was able to relate both instances – education and evangelization – in a soteriological perspective of Education, since for him, education is an act of love and manifests one of the dimensions of God’s multiformed Grace. Terms: Education, evangelization, mission, God’s Kingdom. Resumen El texto aborda la tensa y conflictiva relación entre educación y evangelización en la historia de la Iglesia Metodista y de sus Instituciones de Enseñanza, procurando mostrar que educación y evangelización son caras distintas y complementarias de la misión de la Iglesia. Esa relación mal resuelta explicita interpretaciones equivocadas del pensamiento wesleyano sobre la misión. El autor afirma que Wesley consiguió relacionar ambas instancias – educación y evangelización – en una perspectiva soteriológica de la Educación, pues para él, educación es un acto de amor y manifiesta una de las dimensiones de la multiforme Gracia de Dios. Términos: Educación, Evangelización, misión, Reino de Dios. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 75 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A doutrina wesleyana da santidade, corretamente entendida, há de levar-nos para mais além de qualquer pseudo-santidade privada e individualista, e chamar-nos a ser fiéis nos âmbitos mais amplos da vida social, política e econômica (...) A santidade consiste em atuar com base no amor, e em colocar o amor em ação, especialmente em prol daqueles que não têm quem os defenda ou proteja (González, 2003, p. 74-75). H á anos, a relação educação e evangelização desafia a ação missionária da Igreja. Por exemplo, em sua tese de doutorado, Schützer (2005, p. 58s) relata parte dos discursos (muitas vezes antagônicos) sobre as intenções proselitistas que marcaram o processo de implementação da educação metodista em terras brasileiras. Para ilustrar, citamos dois: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ uma crítica feroz àqueles que pretendiam transformar as escolas em ‘fábricas de metodistas’. “Não estamos empenhados no fabrico de methodistas. (...) se as nossas instituições de ensino no Brasil se atirarem à faina de forjar methodistas, far-se-ão indignas da Egreja. Infelizmente registram-se entre nós escolas, cujo alvo é a campanha exclusiva de suas acanhadas idéias religiosas. Necessitamos hoje de grande parcella de desprehendimento e assim poderemos fazer frente às necessidades reaes do povo” (Expositor Cristão, 1923, p. 7). A santidade consiste em atuar com base no amor, e em colocar o amor em ação, especialmente em prol daqueles que não têm quem os defenda ou proteja O 2º Concílio Geral da Igreja Metodista, em 1934, apresentou explicitamente um outro desafio à educação metodista, especialmente em nível superior, pressupondo a parceria Igreja e Escolas na capacitação de pessoas para análises sociais à luz das ciências: A nós nos parece que as nossas escolas, sendo estabelecidas para serem meios de propaganda da nossa fé, devem ter francamente uma atmosfera evangélica, bíblica e methodista. A nossa missão no Brasil é bem claramente determinada: é a de estabelecer a Egreja Methodista; não como um fim, porém, como o melhor meio que conhecemos para estabelecer o reino de Deus – reino de justiça, retidão e paz (Expositor Cristão, 1911, p. 1). Reconhecemos a grande dificuldade que há na solução dos graves problemas sociais e a necessidade dos conselhos de técnicos especializados nos respectivos assuntos. É nosso dever, todavia, estudar os problemas sociais contemporâneos e estar informados das transformações sociais e industriais que se realizam hoje. Este vasto campo exige pesquisas e educação especializada. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para estudar tais questões à luz da ciência1. Numa visão oposta, em 1923, o missionário J. M. Moore, diretor do Instituto Granbery, já fazia 1. Igreja Metodista. Atas do 2º Concilio Geral da Igreja Metodista do Brasil. Porto Alegre, R.G. Sul, de 4 a 19 de janeiro de 1934, São Paulo: Imprensa Metodista, Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 76 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Atualmente, estamos ainda mais inseguros nessa relação, especialmente pela forte presença de um pragmatismo de tendência neopentecostal no discurso e na prática das igrejas locais, que provoca reducionismos na compreensão da ação missionária da Igreja, culminando num divórcio entre os documentos oficiais, aprovados em concílios ou editados pelo Colégio Episcopal, e as práticas das comunidades locais. Na história da Igreja Metodista no Brasil, a tentativa mais significativa e polêmica para lidar com essa relação – Educação e Evangelização – aconteceu em 1982, com a aprovação do documento “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista” (DEIM) e do “Plano para a Vida e a Missão da Igreja” (PVM), textos balizadores da missão da Igreja Metodista, hoje são editados nos Cânones da Igreja. Na época, alguns líderes educacionais de tendência progressista chegaram a alimentar a esperança (utopia) de que poderia haver com as novas Diretrizes uma ruptura completa com a situação educacional presente no País. Elias Boaventura, naquele tempo reitor da Universidade Metodista de Piracicaba (na minha opinião, p. 95-97. O texto foi redescoberto para a Igreja por RENDERS, Helmut. Credo e Compromisso: Do significado e do uso litúrgico da Confissão Social do chamado ‘Credo´ Social da Igreja Metodista. Caminhando, São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia, Universidade Metodista de São Paulo, ano VIII, n. 11, 1 semestre 2003, p. 601, rodapé 40. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Alguns líderes educacionais de tendência progressista chegaram a alimentar a esperança (utopia) de que poderia haver com as novas Diretrizes uma ruptura completa com a situação educacional presente no País A educação como parte da Missão é o processo que visa oferecer à pessoa e comunidade, uma compreensão da vida e da sociedade, comprometida com uma prática libertadora ○ ○ ○ 77 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ foi o metodista mais comprometido com as DEIM), sintetizou bem o desejo utópico desses educadores: “Los metodistas han assumido últimamente en el Brasil una posición que, llevada a sus últimas consecuencias, significaria completa ruptura com el sistema educacional vigente en el país” (BOAVENTURA, 1983, p. 189). O PVM e as DEIM são os documentos que definem ainda hoje, pelo menos do ponto de vista formal e legal (canônico), o que a Igreja Metodista entende por evangelização e educação. Segundo o PVM, “a Missão de Deus no mundo é estabelecer o seu Reino. Participar da construção do Reino de Deus em nosso mundo, pelo Espírito Santo, constitui-se na tarefa evangelizante da Igreja”. O mesmo material ainda afirma que “a educação como parte da Missão é o processo que visa oferecer à pessoa e comunidade, uma compreensão da vida e da sociedade, comprometida com uma prática libertadora, recriando a vida e a sociedade, segundo o modelo de Jesus Cristo, e questionando os sistemas de dominação e morte, à luz do Reino de Deus” (grifos do autor). Entendemos que o tema “A Igreja evangelizando a Escola e a Escola educando a Igreja” exige um resgate crítico e criativo desses documentos, especialmente de parte dos seus conteúdos, e a elaboração de novas diretrizes missionárias para a relação Escola-Igreja tendo como referência o Reino de Deus. Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 1. Questões históricas – educação como ato de amor 2 Não sou especialista em história do Metodismo, mas mesmo assim é fácil perceber que a preocupação com a educação sempre esteve presente na tradição metodista. John Wesley reforçava constantemente a importância de uma boa formação educacional, especialmente para os pregadores leigos. E não poderia ser diferente levando-se em conta o ambiente familiar em que vivia3. Seu pai, Samuel Wesley, estudou no Exceter College, Oxford, onde obteve seu Bacharelado em 1687. Ele publicou vários livros, tornou-se membro da Sociedade Literária em Londres e publicou artigos na Athenian Gazette. Em seus textos, chegou a tratar de modo mais específico da educação, especialmente no tratado Concerning the Education of Dissenters in their Private Academies. Sua mãe, Susanna Wesley, mostrou na troca de correspondências com os filhos, mais particularmente com John Wes- É fácil perceber que a preocupação com a educação sempre esteve presente na tradição metodista Durante os dez anos que Wesley esteve em Oxford, conforme registrado em seus diários, ele leu mais de 900 livros, cujos conteúdos abrangiam diferentes temas 2. Por mais neutralidade que se busque na leitura dos fatos históricos, ela é sempre ideológica. No contexto desse artigo, é uma leitura ‘seletiva’ na busca de elementos que possam iluminar e fundamentar conceitos e idéias aqui defendidas. 3. Parte das informações a seguir estão no artigo de HEITZENRATER, Richard P. Wesley and Education in: HELS, Sharon J. Methodism and Education – From Roots to Fulfillment, General Board of Higher Education and Ministry – The Unidet Methodist Church, Nashville, Tennessee, p. 1-13. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 78 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ley, a profundidade de sua reflexão teológica e sua visão sobre educação. Por exemplo, a convite de John Wesley, em 1730, escreveu uma carta sobre a educação de crianças, que mais tarde foi publicada por Wesley em seu Journal. Todos os seus irmãos e irmãs estudaram na Westminster School, uma das mais respeitadas escolas da Inglaterra, e quase todos se envolveram com a docência em escolas. Uma delas, Hetty, tornou-se poetisa e publicou seus poemas em diferentes periódicos, inclusive no The Poetical Register and The Gentleman’s Magazine de Londres (HEITZENRATER, op. cit., p. 3). O próprio Wesley estudou em instituições de referência. Em 1720, matriculou-se no Christ Church, Oxford, onde obteve seu título de Mestre (Máster of Arts, MA) em 1727. No final de seus estudos no Christ Church, iniciou seu trabalho no Lincoln College, também em Oxford. Heitzenrater afirma que durante os dez anos que Wesley esteve em Oxford, conforme registrado em seus diários, ele leu mais de 900 livros, cujos conteúdos abrangiam diferentes temas além da teologia, tais como, ciências, música, medicina, filosofia e ética (Idem, p. 4). Isso pode nos dar uma idéia da sua sólida formação educacional. Parte desses livros foi incluída no Arminian Magazine, editado por Wesley a partir de 1778. Entretanto, para Wesley, a educação, mesmo que sólida, profunda e consistente precisava Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ responder às demandas que a sociedade de seu tempo apresentava. Assim, o pragmatismo dele também se fez presente nas reflexões sobre educação. Em várias de suas cartas, Wesley argumentou a favor de diferentes níveis de educação, especialmente preocupado em alcançar as classes mais populares, e costumava questionar os interlocutores sobre a validade do saber acadêmico que não consegue dar conta da própria existência humana e dos problemas que a sociedade apresenta. Por exemplo, numa carta a um clérigo de Tullamore, em 4 de maio de 1748, ele coloca a seguinte questão: Imagine um profissional da área da saúde, formado pela Universidade de Dublin, com todas as vantagens de uma excelente formação e com autorização para exercer sua profissão, que depois de alguns anos de atividade profissional, tendo atendido mais de quinhentos pacientes, não consiga curar um único paciente. Além disso, muitos ainda morrem debaixo de seus cuidados ou ficam do mesmo jeito que estavam antes do tratamento. Por outro lado, imagine também uma pessoa com pouca formação na área da saúde, mas em virtude de seu grande cuidado e compaixão por aqueles que ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ estão doentes ou morrendo ao seu redor, consegue curar muitos deles e sem ganhar nada em troca4. Wesley argumentou a favor de diferentes níveis de educação, especialmente preocupado em alcançar as classes mais populares Nessa mesma carta, ele desenvolve um pouco mais seu raciocínio para defender a prática dos pregadores leigos, que mesmo sem uma educação acadêmica formal, atuam como curadores de almas, salvando-as da morte, ação que, segundo ele, muitos com boa formação acadêmica não conseguem fazer. Não era a intenção de Wesley opor esses dois níveis de conhecimento – saber acadêmico e saber popular; de fato, para ele o mais importante era unir conhecimento (saber) e piedade vital, conforme expresso no hino da Escola de Kingswood: Unite the pair so long disjoin’d – Knowledge and vital Piety (HEITZENRATER, op. cit., p. 1). Para Wesley, segundo Reitzenrater, educação e religião têm objetivos comuns, pois conhecimento e piedade vital, sabedoria e santidade, aprendizado e amor são realidades intimamente vinculadas à sua visão do propósito de Deus para a humanidade (Idem, p. 11). Educação, segundo Wesley, é um ato de amor. Portanto, na visão wesleyana, educação e evangelização são tarefas que possuem um vínculo muito estreito Revista de Educação do Cogeime 4. Tradução livre da carta de Wesley a um clérigo em Tullamore, em 4 de maio de 1748, in: Wesley Center Online – Wesley Center for Applied Theology. http://wesley.nnu.edu/ john_wesley/letters/1748.htm. Acesso em: 20 mar. 2005. ○ ○ ○ 79 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Educação, segundo Wesley, é um ato de amor. Portanto, na visão wesleyana, educação e evangelização são tarefas que possuem um vínculo muito estreito. Educação, pode ser vista como uma das dimensões da Graça, pela qual a perfeição original da criação (uma criatura de sabedoria e santidade), perdida após a queda, pode ser restaurada (Idem, p. 11). Uma educação de boa qualidade pode oferecer às pessoas melhores condições para uma decisão de fé mais consciente Wesley desenvolve uma compreensão soteriológica da educação, ou seja, uma educação de boa qualidade pode oferecer às pessoas melhores condições para uma decisão de fé mais consciente. 2. Questões pragmáticas – necessidade de um projeto nacional de missão Ao falar da relação EscolaIgreja (educação e evangelização), é preciso pensar no coletivo e no plural – são escolas e igrejas. Por isso, tomamos a liberdade de colocar duas interrogações no tema central da Jornada, que assim, como questões, se desdobram em muitas outras que precisarão ser respondidas, de forma crítica e participativa, pelas várias instâncias da Igreja Metodista: de que Igreja e Escola estamos falando? Qual é o conceito (entendimento) de evangelização que vai direcionar a ação da Igreja na Escola? Que compreensão de educação vai orientar a ação da Escola na Revista de Educação do Cogeime Pensar a relação Escola-Igreja exigirá respostas objetivas às indagações aqui colocadas ○ ○ ○ 80 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Igreja? Quem formulará o projeto de evangelização das escolas? Quem terá o papel de estabelecer o projeto de educação das igrejas? Que instâncias serão responsáveis pela implementação e supervisão dos projetos? Quais serão os critérios de avaliação deles? Além dessas indagações, deveríamos pensar também na possibilidade (necessidade) da auto-evangelização (a Igreja evangelizando a Igreja) e da auto-educação (a Escola educando a Escola), ou seja: não deveria a Igreja rever suas práticas evangelizadoras à luz de suas decisões conciliares? À Escola também não caberia a tarefa de rever suas práticas pedagógicas à luz dos documentos oficiais da Igreja e das novas compreensões de educação? Possivelmente, esse deveria ser o primeiro movimento: a Igreja se auto-evangelizando e a Escola se auto-educando. Pensar a relação Escola-Igreja exigirá respostas objetivas às indagações aqui colocadas. Porém, devido à confusa estrutura de poder da Igreja Metodista, ao descompromisso (nem sempre explícito) das autoridades (laicato e corpo clerical) com os documentos da Igreja, à visão utilitarista com relação às escolas e à falta de um projeto nacional de Igreja que consiga se efetivar nas práticas missionárias das comunidades locais, entre muitas outras razões, é praticamente impossível oferecer respostas objetivas a essas questões. Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Certamente, não é falta de vontade – acreditamos que haja muitos metodistas preocupados com uma relação mais adequada entre Escola-Igreja. O problema de fato é a ausência de um projeto de missão nacional que seja assumido por todos, especialmente pelas autoridades da Igreja, e de uma estrutura que facilite sua implementação e supervisão. Por outro lado, não podemos deixar de reconhecer que a relação entre Escola-Igreja-Escola é algo que acontece nas esferas político-eclesiásticas nacional e regional, e que passa pelas instâncias formais da estrutura da Igreja (especialmente Cogeam e Cogeime no âmbito nacional, e Coream no regional). A distância entre a Igreja e a Escola é testemunhada pelas pesquisas realizadas pela própria Igreja e pelos comentários em reuniões conciliares. As igrejas locais não conhecem o que se passa nas instituições de ensino da Igreja, pelo menos não com o mínimo de profundidade necessária. E as escolas também não conhecem a Igreja e, possivelmente, seus documentos5. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O problema de fato é a ausência de um projeto de missão nacional que seja assumido por todos, especialmente pelas autoridades da Igreja ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ja. Portanto, é um assunto da esfera missiológica. Apesar de suas diferenciações, há uma imbricação entre elas, pois a educação tem uma dimensão evangelizadora e a evangelização requer também um trabalho educativo. Isso equivale dizer que são faces interdependentes da Missão com muitas características comuns. Além disso, é possível uma agenda comum a esses dois empreendimentos, que pode ser sintetizada em educar-evangelizar para afirmar a condição humana e indicar a importância da dimensão transcendente da existência humana. Numa pesquisa junto aos Diretores de Faculdades e Coordenadores de Cursos da Metodista, para ouvi-los sobre a relação Escola-Igreja, especialmente no contexto da 4ª Jornada Wesleyana, encontramos a seguinte afirmação: Questiono parcialmente o tema da 4ª Jornada: Igreja Evangelizando a Escola e Escola educando a Igreja, porque pode sugerir que os papéis são estanques (igreja evangeliza, escola educa). Se é verdade que evangelização é tarefa primeira da igreja, há espaços de evangelização em diferentes contextos da vida, assim como é verdade que a escola educa, mas só educa bem se conseguir ler com sensibilidade as diferentes formas de educação na sociedade. Sendo bem concreto: creio que fui educado na 3. Questões conceituais – dois lados de uma mesma moeda Evangelização e educação são faces distintas da missão da Igre5. A Igreja Metodista, por meio do Cogeime, está desenvolvendo junto às principais IEs Metodistas uma pesquisa de opinião para subsidiar proposta do Cogeime para a revisão do documento “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”, que será apresentada ao 18º Concílio Geral, em julho de 2006. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 81 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ igreja e já me senti evangelizado pelo mundo6. O conceito de evangelização nos documentos da Igreja Metodista vem sofrendo alterações significativas nos últimos anos, especialmente pela influência do movimento evangelical e do neopentecostalismo. Em 2001, atendendo a uma solicitação da Coordenação do Sistema Metodista de Educação, o bispo Paulo Ayres Mattos fez um levantamento das definições de Missão e Evangelização dos principais documentos da Igreja Metodista e dos pronunciamentos feitos pelo Colégio Episcopal entre os anos de 1982 a 1997 (retoma também definições conciliares a partir de 1970), enfocando especialmente os conceitos missio- Não há espaço, no contexto desta conferência, para expor e comentar as definições conciliares e os pronunciamentos do Colégio Episcopal ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ lógicos e eclesiológicos. Infelizmente, esse trabalho não foi publicado. Não há espaço, no contexto desta conferência, para expor e comentar todas as definições conciliares e os vários pronunciamentos do Colégio Episcopal. Destacamos apenas dois exemplos para mostrar como vamos agregando nos discursos oficiais novos valores e novas ênfases teológicas, que nem sempre representam um compromisso com as definições e orientações conciliares. Por exemplo, no Concílio Geral de 1970/1971, apesar do posicionamento mais conservador de boa parte do plenário, deram-se duas decisões a nova definição da missão da Igreja Metodista e o novo Credo Social – manifestaram o posicionamento mais liberal dos setores que postulavam por uma nova Teologia da Missão, que buscava encontrar novos referenciais que respaldassem a inserção da Igreja no mundo em favor das lutas pela justiça que procuravam dar resposta aos questionamentos missiológicos levantados pela situação do país e do mundo (MATTOS, 1997). 6. A pesquisa qualitativa (desenvolvida pelo autor), realizada entre os dias 9-11 de maio de 2005, com os gestores das unidades acadêmicas da Universidade Metodista de São Paulo (com vistas a melhor fundamentar a nossa participação num dos painéis da 4ª Jornada Wesleyana) colocou a seguinte questão: “qual é a sua opinião, enquanto gestor de uma das áreas acadêmicas da Metodista, a respeito da relação ‘Igreja-Escola’. Fique totalmente à vontade para expressar em poucas palavras (dois ou três parágrafos) o que você pensa sobre a Igreja Metodista e sobre a presença da Igreja na universidade. Você não precisa se identificar. Solicite à secretária de sua unidade que entregue em mãos sua resposta (em envelope lacrado) nos seguintes locais...” (foi designado um local em cada campus). Alguns preferiram se identificar, entre eles, o Dr. Antonio Carlos de Melo Magalhães, Diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, autor dessa citação. Revista de Educação do Cogeime ○ A Missão da Igreja Metodista foi definida nos seguintes termos: “A missão da Igreja Metodista é participar da ação de Deus no seu propósito de salvar o mundo”. O Credo Social aprovado afirmava: ○ ○ ○ 82 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Cremos que o Evangelho, tomando a forma humana em Jesus de Nazaré, filho de Maria e José, o carpinteiro, é poder de Deus que liberta completamente o homem, proclamando que não existe nenhum valor acima da pessoa humana, criada à imagem e semelhança com Deus. A reconciliação do mundo em Jesus Cristo é fonte da justiça, da paz e da liberdade entre as nações; todas as estruturas e poderes da sociedade são chamados a participar dessa ordem nova. A Igreja é a comunidade que exemplifica essas relações novas de perdão, da justiça e da liberdade (...) A reconciliação do homem em Jesus Cristo torna claro que a pobreza escravizadora em um mundo de abundância é uma grave violação da ordem de Deus; a identificação de Jesus Cristo com o necessitado e com os oprimidos, a prioridade da justiça nas Escrituras proclamam que a causa dos pobres do mundo é a causa dos seus discípulos. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ une preocupação com o ser humano enquanto corpo, alma e espírito; trabalhamos e anunciamos a vida plena hoje e a vida eterna. Nós, metodistas, somos zelosos, por isso, em anunciar que todos os homens e mulheres precisam aceitar Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Nós, metodistas, cremos que a Igreja tem a responsabilidade profética de agir e denunciar toda forma de injustiça, que oprime o ser humano e a criação como um todo harmônico e perfeito, criado por Deus. Nós, metodistas, cremos que é responsabilidade dos cristãos colocar as dependências e recursos da Igreja a serviço das necessidades das comunidades onde estamos instalados. Nós, metodistas, somos ecumênicos, ou seja, buscamos tornar concreta e histórica a oração de Jesus, “(...) para que todos sejam um”. Nós, metodistas, enfatizamos uma vida de santidade e oração ao indivíduo e à sociedade (grifos do autor). A Igreja é a comunidade que exemplifica essas relações novas de perdão, da justiça e da liberdade Nós, metodistas, enfatizamos uma vida de santidade e oração ao indivíduo e à sociedade Já em 1997, num relatório ao XVI Concílio Geral, o Colégio Episcopal apresentou uma declaração missiológica que tem no seu início e na sua conclusão uma atenuação (mesmo que inconsciente) das afirmações conciliares, dando maior ênfase a uma teologia de caráter evangelical. Assim afirmam os bispos: Mas, o ‘alargamento’ dos conceitos missiológicos se manifesta também na prática evangelizadora das igrejas locais, em que a confusão é maior ainda, pois cada um (clérigos e leigos) é ‘dono de seu próprio nariz e a medida de si mesmo’ (característica da fragmentação de poder na pósmodernidade). Há uma diminuição no nível de submissão às autoridades ou na aceitação de Nós, metodistas, somos um povo comprometido com a evangelização integral, que Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 83 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ diretrizes, normas e leis estabelecidas pela denominação. Assim, é comum testemunhar-se no cotidiano das comunidades locais práticas totalmente opostas à tradição e aos valores metodistas. Vivemos um tempo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Igreja é Missão. A Igreja existe no envio (missio). Tudo na Igreja deve estar orientado para a Missão (Plano para a Vida e a Missão da Igreja. In: Cânones, 1998, p. 76). Missão e evangelização são dois aspectos fundamentais da vida da Igreja. Missão é envio; evangelização é o conteúdo do projeto contido no envio. Jesus Cristo é o centro do evangelho. A Graça de Deus é a origem, a possibilidade e a força dinamizadora da missão e da evangelização. Missão e evangelização estão implicadas uma na outra. O sentido determinante é o de evangelização. Na missão e na evangelização podemos visualizar, de forma abrangente, o essencial da ação da Igreja. O ser Igreja acha-se ameaçado por movimentos e práticas que refletem mais os carismas e projetos individuais que o carisma maior da Igreja de Cristo 3.1 A Graça de Deus como origem da Missão – uma compreensão mais wesleyana Assim, a Igreja Metodista deve ser percebida como “parte da missão de Deus no mundo, cujo propósito central é o estabelecimento do seu Reino” (no item 3.2, desenvolvemos uma reflexão sobre o símbolo ‘Reino de Deus’). O documento resgata a centralidade do Reino de Deus na missão: No contexto da Igreja Metodista, o documento “Linhas de 7. Movimento iniciado por César Castellanos Dominguez, pastor da Missão Carismática Internacional na Colômbia, inspirado no modelo de igrejas em células de Paul Young Choo. No Brasil, o movimento ganhou força com a participação de Valnice Milhomens e Rene Terra Nova, considerados discípulos de Castellanos. Revista de Educação do Cogeime ○ Vida e Missão da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista”8 é, numa opinião mais particular, o que melhor sintetiza a compreensão de missão e evangelização à luz da tradição wesleyana. Ele afirma que em que o ser Igreja acha-se ameaçado por movimentos e práticas que refletem mais os carismas e projetos individuais que o carisma maior da Igreja de Cristo (IGREJA METODISTA, 2003, p. 167). No momento, a maior influência vem do mundo neopentecostal. Um bom exemplo é o Programa de Discipulado, aprovado como atividade nacional da Igreja Metodista, cuja prática em algumas regiões é fortemente inspirada no movimento G-12, que incentiva o crescimento quantitativo e a estruturação das igrejas locais por meio da criação de pequenas células7. ○ 8. Documento que fundamenta o Plano Diretor da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista; não está publicado. ○ ○ ○ 84 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Reino de Deus é o alvo do Deus trino e significa o surgimento do novo mundo, da nova vida, do perfeito amor, da justiça plena, da autêntica liberdade e da completa paz (PVM. In Cânones, 1998, p. 82). A evangelização, como conteúdo da missão, deve ser entendida como “princípio determinante da ação da Igreja”. Ainda, segundo o documento: Evangelizar quer dizer transformar e formar continuamente no evangelho pessoas, comunidades, sociedade e a própria criação. Esse sentido geral pode ser desdobrado nos seguintes itens: • confrontar as pessoas com o evangelho e a pessoa de Cristo, oferecendo-lhes a opção de fé como começo do processo transformador e formador do novo homem e da nova mulher em Cristo; • formar a vida das pessoas que crêem, na força do evangelho de Jesus Cristo; e, em comunhão com as pessoas, através da Graça, promover maior plenitude de vida em meio às contradições da sociedade e da própria existência humana; • formar a comunidade de fé (Igreja) como uma forma de viver a Graça de Deus, uns em comunhão com os outros, cultivando a comunhão comunitária com o Deus trino; • testemunhar o evangelho de Jesus Cristo na sociedade e agir Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ nos processos sociais por atitudes e serviços coerentes com o evangelho. Evangelizar quer dizer transformar e formar continuamente no evangelho pessoas, comunidades, sociedade e a própria criação Formar a comunidade de fé (Igreja) como uma forma de viver a Graça de Deus, uns em comunhão com os outros Percebe-se que a evangelização implica em ações e momentos diferenciados. No senso comum do ambiente evangélico, evangelização é quase sempre reduzida ao primeiro momento – confrontar as pessoas com o evangelho e a pessoa de Cristo – mais conhecido como evangelismo. No entanto, evangelização é muito mais do que evangelismo. O documento ainda destaca a importância da compreensão wesleyana da multiforme Graça de Deus (Graça Preveniente, Graça Justificadora e Graça Santificadora), que para os metodistas é o fundamento da missão. Graça, nesta perspectiva, pode ser traduzida como “amor gratuito em ação”. Essa compreensão de evangelização apresenta contribuições significativas para o estabelecimento de um caminho mais adequado para a relação EscolaIgreja e Evangelização-Educação. A seguir, listo algumas delas: 1. Coloca a Graça de Deus como fundamento e referência primeira da missão da Igreja. 2. A Igreja deve ser entendida como parte primordial da missão de Deus. Porém, ela faz parte de um processo missionário que a transcende. Deus, na liberdade do Espírito, manifesta sua Graça ○ ○ ○ 85 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ por meio de outros “veículos”. Nesse sentido, a Escola seguramente também pode ser um veículo da manifestação da multiforme Graça de Deus. 3. A evangelização tem múltiplas faces e se desdobra em diferentes momentos. No caso da evangelização das (e mediante as) escolas, a Igreja deveria optar pelo princípio do “testemunho” do amor de Deus revelado na pessoa e no evangelho de Jesus Cristo. Enquanto no puro evangelismo o anúncio é primordial, no testemunho, por sua vez, são fundamentais as ações que revelam o amor de Deus. O evangelho é para ser vivenciado por meio de atos concretos em favor da vida. Como diria Wesley, é a educação como ato de amor. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O evangelho é para ser vivenciado por meio de atos concretos em favor da vida ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ PVM como nas DEIM, pode ajudar os metodistas a desfocalizar a salvação de uma ótica privatizada ou como algo a ver com ‘o outro mundo’ e reforçar a vocação pública do metodismo. O Plano Nacional da Igreja Metodista, aprovado para o qüinqüênio 2002-2006, recoloca a importância desse símbolo para a Missão da Igreja: A proposta do Reino de Deus constitui a ‘chave de leitura’ ou o critério para construir o proWirth, da Pós-Graduação em Ciências da Religião da Metodista, como parte de um diálogo que tivemos sobre o assunto: “O que significa concretamente “participar da construção do reino de Deus?” Este enunciado parece expressar uma coincidência entre o universo utópico (reino de Deus) e as ações concretas e reais, entendidas como etapas na construção do Reino. Esta visão foi muito comum na Teologia da Libertação e hoje está sendo revista. A idéia nova que ganha corpo é a da necessária tensão entre o universo utópico e a plausibilidade prático produtiva de nossas ações. Se nos entendermos como construtores do reino de Deus, corremos o risco de atribuir um caráter sagrado e absoluto a nossas ações. Perdemos assim a capacidade de autocrítica. Como universo utópico o reino de Deus interpela a todos, também os que se referenciam nele, seja na escola, seja na igreja. Podemos assim assumir a fragilidade de nossas ações concretas e constantemente submetê-las ao crivo do Deus que nos interpela. Isto vale tanto para as ações estritamente religiosas, como para as ações do campo civil, espaço do sacerdócio universal de todos os crentes (...) No máximo, colocamos sinais, testemunhos de quem se sabe interpelado pela utopia de reino, que só será pleno e real pela graça, quando Deus for tudo em todos. Penso que temos aí um tema de longo alcance capaz de reorientar nossas utopias”. 3.2. Reino de Deus como referência primeira para a relação Escola-Igreja e Educação-Evangelização O símbolo “Reino de Deus”9, fortemente presente tanto no 9. A idéia mais presente nos documentos da Igreja Metodista, especialmente naqueles mais influenciados pela Teologia da Libertação, é a da “construção do Reino de Deus”. Hoje, deveríamos pensar no Reino de Deus como “símbolo que nos interpela” e nos anima a semear e testemunhar no presente eon a plenitude do Reino de Deus (eschaton). No final desse artigo, há uma reflexão de Paulo Suees que coloca uma nova possibilidade de interpretação desse símbolo. A seguir, apresento uma reação do Dr. Lauri Emílio Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 86 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ jeto missionário da Igreja. Podemos afirmar, tendo a nosso favor todo o testemunho bíblico e o de João Wesley, que a nossa evangelização, ao sinalizar o Reino de Deus, manifesta o amor que transforma as pessoas e afeta as estruturas da sociedade (IGREJA METODISTA, op. cit., p. 169). Groome (1985, p. 64) afirma que a expressão “Reino de Deus” implica em dimensão política, social e infra-histórica e, por ser uma estrutura política não muito conhecida em nossos dias, “fica aberta à reinterpretação sem ser inevitavelmente identificada, por associação de idéias, com qualquer estado ou nação em particular”. Ainda segundo Groome, malkut Yahweh nas escrituras hebraicas é o desejo de Deus para todas as pessoas e a criação. As escrituras revelam a caminhada do povo peregrino em busca de um lugar bom para se viver debaixo da soberania de Yahweh (Reino do Shalom). Jesus deu continuidade à tradição hebraica, vivendo e exercendo seu ministério no horizonte do Reino de Deus. Suas palavras e seus atos se concentram na temática do Reino de Deus. O símbolo “Reino de Deus”, mesmo não tendo sido um eixo importante da pregação da Igreja Primitiva, tornou-se tema central nas principais expressões teológicas contemporâneas. Não há entre os teólogos um consenso sobre as implicações e significado da expressão, porém “existe uma Revista de Educação do Cogeime O símbolo “Reino de Deus”, mesmo não tendo sido um eixo importante da pregação da Igreja Primitiva, tornou-se tema central nas principais expressões teológicas contemporâneas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ concordância básica em ser este um tema central dos evangelhos e em que o viver cristão deve fazerse em resposta a esse Reino” (op. cit., p. 65). Para Walter Rauschenbusch (1861-1918), líder do movimento do Evangelho Social no início do século XX nos Estados Unidos da América e um dos responsáveis diretos pelo (re)surgimento do símbolo do “Reino de Deus” na teologia cristã, Deus é ativo na história, na luta social pela paz e pela justiça, e os cristãos devem participar com Deus na luta para a criação do Reino de Deus” (Idem, p. 78-79). Os livros de Rauschenbusch foram lidos pelos metodistas brasileiros logo depois de publicados (RENDERS, p. 14-15) e o título do seu livro “Cristianização da Ordem Social” aparece numa declaração do 2º Concílio Geral de 1934. Resgatamos uma observação do bispo Paulo Ayres Mattos que mostra a centralidade do Reino de Deus nos documentos conciliares: A teologia da missão aprovada pelo Concílio de 1974 colocava um novo eixo para a ação missionária da Igreja, o Reino de Deus, explicitando o deslocamento do lugar da Missão da Igreja para o mundo. Esta maneira distinta de compreender a Missão a colocava dentro do mesmo marco teológico que se tinha estabelecido na definição constitucional da Missão e no Credo ○ ○ ○ 87 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Social aprovados pelo Concilio de 1970, e por isso respaldando inserção dos cristãos no mundo nas lutas pela justiça, pela paz e pelos direitos humanos preferencialmente na perspectiva dos pobres (MATTOS, 1997). Os demais concílios, inclusive o de 2001, apenas referendaram essa opção teológico-missionária. Portanto, não há como pensar a relação Evangelização-Educação sem levar em consideração o paradigma do Reino de Deus. Pelo menos, não no contexto da Igreja Metodista. Caso contrário, teremos que nos desfazer dos documentos que orientam e dão sentido à missão da Igreja em terras brasileiras e em outras para onde formos. Desde a Autonomia da Igreja Metodista, em 1930, a centralidade do Reino de Deus passou a ser uma determinante missionária: A visão do Reino de Deus deve elevar-nos acima das correntes da história e das mudanças complexas do mundo de modo que, com vistas elevadas, possamos observar os interesses humanos antagônicos e voltar novamente ao seio da vida humana para fazer a nossa parte pela cristianização da ordem social com nova coragem e fé renovada. Combatemos a tentação de fugir da vida, com seus problemas e lutas para nos enclausurarmos na religião pessoal (IGREJA METODISTA, p. 95-97). Para ele, participar da Democracia Participativa de Deus implica num esforço por defender e preservar a vida em sua totalidade Num esforço sempre precário de contextualização histórica, podemos caracterizar a meta do povo de Deus no paradigma da ‘Democracia Participativa de Deus’ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Deus – tais como solidariedade, inclusão, amor, esperança, misericórdia, paz, justiça e fraternidade – devem ser traduzidos e vivenciados de múltiplas formas. Suees apresenta uma proposta alternativa para a expressão reino de Deus: “num esforço sempre precário de contextualização histórica, podemos caracterizar a meta do povo de Deus no paradigma da ‘Democracia Participativa de Deus’ [que significa] uma nova forma de ‘parceria’ e ‘aliança’ entre Deus e a humanidade. Segundo Suees, esse paradigma possibilita uma melhor relação entre “autonomia e parceria, entre criatura adulta e criador sábio” (SUESS, 1996, p. 7). Para ele, participar da Democracia Participativa de Deus implica num esforço por defender e preservar a vida em sua totalidade. Nessa direção, devemos convidar aqueles e aquelas que estão nas Instituições Metodistas de Educação a participarem da restauração do mundo bom criado por Deus, como esforço para defender a vida em todas as suas dimensões. Para isso, devemos também acreditar que essa é uma tarefa possível; ou mais ainda, precisamos estar apaixonados por tal empreendimento missionário, pois só assim teremos condições de sensibilizar outras pessoas. 4. Em busca de novas diretrizes para a educação na Igreja Metodista No caso da evangelização das escolas, os valores do Reino de Revista de Educação do Cogeime ○ Como afirmamos anteriormente, a resposta mais objetiva e ○ ○ ○ 88 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ corajosa dada pela Igreja Metodista na tentativa de equacionar a relação Escola-Igreja foi a aprovação dos documentos “Plano para a Vida e Missão da Igreja Metodista” e “Diretrizes para a Educação da Igreja Metodista”. Porém, por mais significativos que tenham sido para a vida e a missão da Igreja Metodista, eles precisam ser vistos agora como elementos históricos de referência que enriquecem a memória da ação missionária e, particularmente, da educação metodista e protestante no Brasil. Conseguiram, na época (1982), expressar pelo menos parte dos anseios da ala mais progressista da Igreja Metodista. No caso mais específico da questão educacional, as DEIM apontaram para a necessidade de superação de um projeto de cunho liberal, elitista, individualista e conservador. Até então, como principal meta da educação de tendência liberal, o objetivo era formar ‘bons cidadãos’, especialmente da e para a elite da nação. A partir de 1982, o maior desafio passou a ser a formação de pessoas para o exercício da cidadania em todas as possibilidades. Portanto, a essência desses documentos deve permanecer nas próximas DEIM, que se traduz na dimensão pública e cidadã das Instituições de Ensino (IEs) da Igreja Metodista à luz dos valores do Reino de Deus. Não podemos correr mais o risco de ‘fetichização’ das DEIM. Walter Benjamin nos oferece outra possibilidade de lidar com o Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Eles precisam ser vistos agora como elementos históricos de referência que enriquecem a memória da ação missionária e, particularmente, da educação metodista e protestante no Brasil Há novas questões epistemológicas que precisam ser refletidas e consideradas por todos que trabalham tanto na área de educação como de evangelização ○ ○ ○ 89 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ passado: trata-se da rememoração, como memória ativa, que possibilita o projetar-se para o futuro. Assim como vários outros documentos gerados por setores progressistas da sociedade nas décadas de 1980 e 1990, as DEIM estão repletas de desejos utópicos, não como sonhos impossíveis de serem concretizados, mas como utopias possíveis na construção de uma história coletiva e na perspectiva do Reino de Deus. Hoje, as utopias já não são tão freqüentes. Vivemos num tempo histórico (denominado por alguns como pós-modernidade), em que o passado já não existe (sociedade sem raízes, sem tradições) e o futuro ainda não chegou. Estamos vivendo no “entre” – massacrados e desorientados pelas incertezas do presente. A crise da modernidade também chegou ao Brasil tardiamente, assim como a própria modernidade. Quem lida com educação sabe dos limites e desafios que é educar num mundo moderno ou pós-moderno (como afirmam alguns). Quem lida com evangelização também deveria saber. Há novas questões epistemológicas que precisam ser refletidas e consideradas por todos que trabalham tanto na área de educação como de evangelização. Por outro lado, em termos de educação, foram promovidos encontros e gerados documentos referenciais em nível nacional e internacional, tais como a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Nova Lei de Diretrizes e Bases da Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Educação Nacional); a Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação; a declaração da Conferência Mundial de Educação Superior, promovida pela Unesco, de 5 a 9 de outubro de 1998, em Paris; a publicação do texto “Educação para o Século XXI” pela Aliança por um Mundo Responsável, Plural e Solidário, uma ONG com sede em Paris; o texto adotado pela Cúpula Mundial de Educação, em Dakar (2000), sobre “Educação para Todos: atingindo nossos compromissos coletivos”; e reflexões sobre educação nos Fóruns Mundiais Sociais e nos Fóruns Mundiais de Educação. Todos propõem temas que não estavam na agenda da sociedade brasileira, pelo menos não como prioritários, no início da década de 1980, quando as nossas DEIM foram elaboradas e aprovadas. Sabemos também que as DEIM não se constituem em documento de profunda reflexão teórica (pelo menos, não de teor mais acadêmico) sobre educação ou sobre a relação entre Igreja (Missão) e Educação. Esse não era seu objetivo. Como o próprio nome indica, são diretrizes para a ação educativa da Igreja Metodista em um determinado período histórico e, portanto, um documento datado. Sua preocupação maior era e ainda é oferecer aos metodistas diretrizes gerais e específicas para a educação secular, a educação teológica e a educação cristã. Diretrizes são “um conjunto de Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Sabemos também que as DEIM não se constituem em documento de profunda reflexão teórica sobre educação ou sobre a relação entre Igreja (Missão) e Educação ○ ○ ○ 90 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio etc.” (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa). Elas não podem ter valor perene, sempre são circunstanciais a um determinado plano de ação. Tanto que o item IV das DEIM – O que devemos fazer – ocupa a maior parte do documento. Os itens I (O que estamos vendo) e II (O que nos diz a Bíblia) apontam para os limites históricos do próprio documento, pois o que estamos vendo hoje é, em vários aspectos, muito diferente do cenário sociocultural e político-econômico da década de 1980. Por outro lado, a Bíblia só é resposta se elaborarmos as perguntas. Nesse sentido, as perguntas que os metodistas têm hoje são diferentes daquelas que tinham naquele tempo; na verdade, nem os metodistas são mais os mesmos. A porta de entrada para entendermos a Bíblia (chave hermenêutica) é a nossa própria vida com todos os seus limites e contradições. Assim, as respostas sempre serão novas, pois as perguntas se renovam permanentemente, assim como as chaves hermenêuticas. É bem provável que nenhuma organização, quer pública ou privada, desenvolva suas ações com base em diretrizes geradas há mais de duas décadas. Atualmente, instituições, especialmente aquelas que se organizam e desenvolvem suas atividades por meio de um planejamento estratégico, preciAno 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sam estabelecer uma visão e uma missão que, geralmente, são expressas em poucas linhas. A missão e a visão de uma instituição devem ser mais duradouras. Neste caso, podemos encontrar nas DEIM elementos que nos ajudam a determinar a Visão e a Missão de nossas instituições. Como temos afirmado, é um documento que aponta a vocação pública e cidadã de nossas instituições de educação: A partir dessas diretrizes a Igreja desenvolverá sua prática educativa, de tal modo que os indivíduos e os grupos: desenvolvam consciência crítica da realidade; compreendam que o interesse social é mais importante que o individual; exercitem o senso crítico e a prática da justiça e solidariedade; alcancem a sua realização como fruto do esforço comum; tomem consciência de que todos têm direito de participar de modo justo dos frutos do trabalho; reconheçam que, dentro de uma perspectiva cristã, útil é aquilo que tem valor social. (IGREJA METODISTA, 1982, p. 38-39). Conclusão Hoje, em pleno século XXI, precisamos pensar missiologicamente numa nova filosofia educacional e propor novas diretrizes para a educação no contexto da Igreja Metodista. A sociedade mudou e a Igreja também. O mundo passou por profundas Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Os indivíduos e os grupos: desenvolvam consciência crítica da realidade; compreendam que o interesse social é mais importante que o individual No entanto, cabe à Igreja, como instituidora, interpelar as IEs quanto ao cumprimento de sua vocação enquanto instituições confessionais ○ ○ ○ 91 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ transformações nas duas últimas décadas que interferem diretamente no cotidiano de nossas Instituições de Ensino. Nesse sentido, compartilhamos a seguir um elenco de questões que, em nossa opinião, deveriam estar presentes num novo documento com a filosofia, políticas e diretrizes para a educação na Igreja Metodista: • Apontar, na relação IgrejaEscola, a especificidade e a identidade de cada uma. Deve-se partir do conceito de relação e de co-responsabilidade. Para que a convivência seja saudável, não se pode exigir da Escola aquilo que é próprio da Igreja e nem da Igreja aquilo que é próprio da Escola. No Brasil, a Educação é um bem público. Somos autorizados pelo Estado, portanto precisamos de permissão para atuar nessa área. Além de autorizados, somos também supervisionados e avaliados pelo Estado, por meio dos diversos órgãos governamentais (federais, estaduais e municipais). Além disso, somos também monitorados e avaliados pelos públicos internos (corpo técnico administrativo; docentes e discentes) e pela própria sociedade. Portanto, temos limites nessa relação que precisam ser identificados. No entanto, cabe à Igreja, como instituidora, interpelar as IEs quanto ao cumprimento de sua vocação enquanto instituições confessionais, pois mesmo com limites, há muitos espaços para o testemunhar e semear as sementes do Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Reino de Deus no contexto educacional. Por outro lado, cabe às IEs colaborar na capacitação de fiéis para atuar nos diversos ministérios e nas próprias IEs, pois não pode haver ‘Escolas Metodistas’ sem uma presença mais significativa de metodistas. • Reforçar a compreensão da dimensão pública da Igreja e das Instituições de Ensino, identificando as implicações políticopedagógicas da relação entre cidadania e educação e destacando o papel da educação na construção de uma cultura de paz, conforme estimula a Declaração Mundial sobre Educação Superior da Unesco (1998). Para isso, é fundamental traduzir permanentemente o significado do Reino de Deus 10 para o presente eon (e não como expectativa para o futuro – eschaton). • Recuperar o sentido mais original do que é educar – enfatizando a dimensão do ‘cuidado’ (uma possível tradução da visão wesleyana da educação como ato de amor) como co-responsabilidade. Um cuidado que possibilita a construção de novos sentidos para a recuperação da dimensão mais humana do ser. Nesse sentido, a educação requer envolvimento e compromisso com processos que provoquem rupturas com toda e qualquer situação de ‘submetimento’ (dominação e dependência). A formação do hu- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Somos ao mesmo tempo seres racionais e afetivos Nesse sentido, a educação requer envolvimento e compromisso com processos que provoquem rupturas com toda e qualquer situação de ‘submetimento’ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mano solicita uma relação de reciprocidade. Somos ao mesmo tempo seres racionais e afetivos. • Aprofundar a compreensão metodista de confessionalidade; o que nos difere das demais instituições de ensino do País, especialmente daquelas que também têm credibilidade e seriedade em seus propósitos; muitas delas, mesmo sem ser confessionais, defendem os mesmos valores que acreditamos; portanto, qual é o nosso plus? Por exemplo, poderíamos refletir sobre a educação confessional como possibilidade de construção da personalidade moral. Nesse sentido, a experiência das escolas públicas da Espanha, que acolheram em suas práticas educativas as contribuições de Josep Maria Puig (1998), poderia nos ajudar a perceber a importância que a educação moral – centrada na construção das virtudes – pode ter para as escolas confessionais, especialmente aquelas que atuam no Ensino Fundamental. Uma das principais características das primeiras escolas fundadas pelo movimento metodista não era a formação moral das crianças? Porém, não podemos confundir educação do sujeito moral com o ensino de Moral e Cívica. A formação do sujeito moral pode ajudar os indivíduos no processo de desalienação, que ocorre quando o ser humano 10. Ver no final desse texto o item 3.2: Reino de Deus como referência primeira para a relação Escola-Igreja e Educação-Evangelização. Revista de Educação do Cogeime ○ supera o mundo individual como mundo do indivíduo isolado – preso aos valores absolutos das ○ ○ ○ 92 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ particularidades – e se vê como totalidade, agindo moralmente em direção ao humano-genérico (PELISSARI, 1995, p. 30). • Entender o papel do Projeto Político-Pedagógico e do Plano de Desenvolvimento Institucional na implantação de uma identidade metodista nas Instituições Metodistas de Educação e destacá-los como instrumentos de gestão. São dois documentos que na época em que as DEIM foram aprovadas, não tinham o valor que têm hoje, especialmente no caso das Instituições de Ensino Superior. O Inep, órgão do MEC responsável pela supervisão e avaliação das IES, dá muito valor a esses documentos. A compreensão metodista de Missão (incluindo evangelização e educação) precisa estar explícita nesses documentos e na vida cotidiana das instituições. • Ampliar os processos de auto-avaliação institucional de todas as IEs metodistas. Nessa auto-avaliação, devem-se garantir, além das questões didáticopedagógicas, itens que avaliem também o compromisso dessas instituições com as diretrizes e decisões conciliares mais voltadas para a responsabilidade pública e social. O Instituto Ethos 11 , por exemplo, possui um roteiro que facilita a auto-avaliação das empresas que querem ser reconhecidas pela sua atuação na área A compreensão metodista de Missão (incluindo evangelização e educação) precisa estar explícita nesses documentos e na vida cotidiana das instituições ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ social (responsabilidade social). No mundo corporativo12, aumenta aos poucos a preocupação com processos e políticas mais transparentes e com a geração de valores para os seus diferentes públicos (além, é lógico, da geração de lucros). Porém, esse instrumento, com as devidas adaptações, poderia ser um instrumento para avaliarmos algumas práticas institucionais, por exemplo: Quais são os espaços para a atuação de mulheres e negros nos cargos de direção? Como é a relação com o entorno, ou seja, com a comunidade? Qual é o comprometimento da instituição com a melhoria da qualidade ambiental? Qual é a sua política de remuneração, benefícios e carreira? Quais são os cuidados com saúde, segurança e condições de trabalho? Qual é o compromisso com o desenvolvimento profissional e a empregabilidade? Existe incentivo e estruturas apropriadas que permitam o envolvimento dos diferentes públicos internos na gestão da instituição? Quais são as ações efetivas para a inclusão de pessoas portadoras de deficiências? Quanto se investe em programas de ação social e de promoção hu12. Não defendemos a transformação das IEs da Igreja Metodista em corporações puramente mercantis. Entretanto, devemos nos concientizar que a administração (gestão) de nossas IEs devem ser cada vez mais profissionais e menos amadoras, pois corremos o risco de não termos num futuro (não muito distante) instituições para implementarmos nossa confessionalidade. 11. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. www.ethos.org.br Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 93 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mana? No roteiro proposto pelo Instituto Ethos há centenas de outras questões muito pertinentes às nossas IEs. As novas diretrizes da educação deveriam exigir, além do Balanço Contábil, a elaboração e a publicação de um Balanço Social13. •Refletir sobre as conseqüências da crise da modernidade (identificada por muitos nomes: pós-modernidade; ultra-modernidade; alta-modernidade; modernidade reflexiva; modernidade líquida; modernidade sem ilusões), especialmente na área da educação; o documento DEIM foi construído sob a lógica da modernidade; baseia-se em metanarrativas – com um discurso sobre o mundo ou sobre a realidade como totalidade – apresentando respostas a todos os problemas humanos; traz uma visão dicotômica da realidade e com alguns reducionismos que não cabem ou não dão conta do novo momento sociocultural e político-econômico. Ao olhar a educação pelo viés da crise da modernidade é necessário pensar a razão no plural; perceber a emancipação das diferenças; compreender as racionalidades locais de minorias étnicas, sexuais, religiosas, culturais e estéticas. É necessário também entender a educação a partir das subjetividades e das singularidades, sem abandonar a ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Vivemos num tempo ambíguo que precisa ser decifrado para melhor pautar a ação missionária da Igreja Vivemos numa sociedade bem mais complexa do que a existente em 1982 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ importância do comunitário, do social, pois a subjetividade é também produção cultural e social; é o reconhecer-se a partir da existência do outro (intersubjetividade). Vivemos num tempo ambíguo que precisa ser decifrado para melhor pautar a ação missionária da Igreja. A academia pode colaborar nessa tarefa de ‘interpretação dos tempos’, especialmente numa sociedade onde a religião se coloca com tanta força, provocando o surgimento de movimentos que oferecem respostas de ‘consumo fácil’ e que distorcem valores e fundamentos da fé cristã, pelo menos quando vistos numa perspectiva wesleyana. Superar a visão, em alguns momentos, ingênua sobre educação presente nas DEIM e percebê-la como atividade humana complexa (neste caso, a Teoria da Complexidade, do francês Edgar Morin, pode nos ajudar). Vivemos numa sociedade bem mais complexa do que a existente em 1982. Hoje, estamos mais conscientes dos limites para lidar com tal complexidade. O ser humano não tem condições para conhecer plenamente a realidade em que vive (CASTRO, 2003, p. 65-66). Segundo Jung Mo Sung (2002, p. 11), ele também: 13. O Instituto Metodista de Ensino Superior publicou, em 2004, seu primeiro balanço social. Em 2005, deverá seguir, pelo menos em parte, o roteiro proposto pelo Instituto Ethos. Revista de Educação do Cogeime ○ é incapaz de controlar todos os efeitos de suas ações e de produzir uma sociedade segundo seus ○ ○ ○ 94 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ projetos e desejos. Mas, ao mesmo tempo, reconhecer a complexidade do próprio ser humano é reconhecer também que somos capazes de desejar um mundo para o além do existente, de criar símbolos que nomeiem e indiquem esse mundo desejado, de elaborar utopias que expressem mais sistematicamente os nossos horizontes de esperanças, e de nos comprometermos com belas e justas causas que dão um sentido mais humano à nossa existência. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Ao mesmo tempo, reconhecer a complexidade do próprio ser humano é reconhecer também que somos capazes de desejar um mundo para o além do existente Vejam um exemplo para ilustrar o nível de complexidade que há na gestão das IEs Metodistas: como lidar com a relação ‘mercantil’ no caso das instituições filantrópicas? • Explicitar melhor as razões pelas quais optamos por ser instituições filantrópicas e sem fins lucrativos; isso ainda é algo que não está muito claro para vários metodistas; por outro lado, percebe-se uma relação econômicofinanceira cada vez mais difícil entre Igreja e escolas, que chega a colocar em risco, inclusive, a dimensão filantrópica das instituições de educação e a dimensão profética da Igreja. As instituições, além de estarem em risco de perder seus certificados de filantropia (alguns deles já perdidos), estão também envolvidas em desgas- Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 95 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tantes processos judiciais em função dessa relação insegura. • Identificar os potenciais e as contradições da presença das novas tecnologias na educação e na igreja; pensar criticamente no papel da educação a distância (não-presencial ou semipresencial), especialmente no caso da Educação Cristã e da Educação Teológica. Esse pode ser um instrumento valioso para a educação das igrejas locais. • Discutir o modelo de gestão das Instituições Metodistas de Educação na busca de modelos cada vez mais participativos, democráticos e eficazes, especialmente porque a evangelização (boas-novas do Evangelho) precisa também permear as estruturas e as instâncias de poder. Estes são apenas alguns pontos que devem ser considerados na elaboração de novas diretrizes para a educação metodista nas suas três vertentes: educação secular, educação teológica e educação cristã. Porém, por fidelidade à tradição wesleyana, não podemos pensar em novas diretrizes sem relacioná-las à vocação pública e cidadã do metodismo, que pressupõe um compromisso ético-político daqueles e daquelas envolvidos com a educação no contexto da Igreja Metodista. Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referências bibliográficas CASTRO, Clovis Pinto de. A dimensão pública e cidadã das Instituições Metodistas de Educação. In: RIBEIRO, Cláudio; LOPES, Nicanor (org.). 20 anos depois: a vida e a missão da igreja em foco. São Bernardo do Campo: Editeo, 2003, p. 65-66. EXPOSITOR CRISTÃO. Órgão oficial de comunicação da Igreja Metodista, 20.07.1911, p. 1, citado por SCHÜTZER, Darlene Barbosa, op. cit. , 12.09.1923, p. 7, citado por SCHÜTZER, Darlene Barbosa, op. cit. GONZÁLEZ, Justo. Wesley para a América Latina Hoje. São Bernardo do Campo, EDITEO, 2003, p. 74-75. GROOME, Thomas H. Educação Religiosa Cristã – compartilhando nosso caso e visão. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 64. IGREJA METODISTA. Atas do 2o Concilio Geral da Igreja Metodista do Brasil. Porto Alegre, R.G. Sul, de 4 a 19 de janeiro de 1934, São Paulo: Imprensa Metodista, p. 9597. O texto foi redescoberto para a Igreja por BOAVENTURA, Elias. El papel de Metodismo en la educación brasilena – contexto actual. In: DUQUE, José (ed.). La tradición protestante em la teologia latinoamericana. Primer intento: lectura de la tradición metodista, San José, Costa Rica, DEI, 1983, p. 189. HEITZENRATER, Richard P. Wesley and Education. In: HELS, Sharon J. 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