LER - Ana Bárbara Matos

Transcrição

LER - Ana Bárbara Matos
O Violoncelista de Sarajevo
Análise e reflexão sobre uma imagem fotográfica
Tecnologia dos Media: Fotografia
Fotógrafo: Mikhail Evstafiev
Cello player Vedran Smailovic in the National Library, Sarajevo 1992
“Photography allows one to share with other people what you have seen and understood, writing helps
express your thoughts, art is about showing your feelings.”
-Mikhail Evstafiev
É a partir desta citação de Mikhail Evstafiev que inicio a análise e reflexão sobre uma
das suas próprias fotografias, pois é nesta que encontro resposta à primeira pergunta que
devo colocar a mim própria: porquê esta fotografia? Arrisco-me a dizer que o que me atraiu
nesta imagem em particular foi o sentimento de que Mikhail Evstafiev nos fala na sua citação
e nos tenta transmitir na sua fotografia. Efetivamente, Roland Barthes afirmou que “como
Spectator eu só me interessava pela fotografia por ‘sentimento’” e o mesmo acontece
comigo.
Os sentimentos são de difícil descrição, mas posso dizer que a primeira sensação que
tive foi a de surpresa devido à raridade do referente, isto é, aquilo que é fotografado
(Barthes, 1980). Nem todos os dias sou confrontada com uma imagem constituída por dois
elementos tão antagónicos: a destruição e a calma. Porque é precisamente isto que, a meu
ver, está retratado nesta fotografia. E são estes elementos, a par com o meu conhecimento
prévio sobre o contexto em que a fotografia se insere, que despertam em mim sentimentos
inúmeros. Susan Sontag declarou que “as fotografias podem ser mais memoráveis do que as
Ana Bárbara Lopes Matos | Turma 5 | Ano 1
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imagens móveis, pois são frações de tempo nítidas, que não fluem” e neste caso é disso que
se trata: quando por algum motivo ouço falar da guerra nos Balcãs, é esta a imagem que me
ocorre de imediato – é marcante.
O autor desta fotografia é o fotógrafo e pintor russo Mikhail Evstafiev, que deixou a
sua carreira de jornalista e editor para se dedicar a viajar pelo mundo e a desenvolver a sua
arte. Talvez devido à sua ligação ao jornalismo, acontecimentos e factos marcantes que se
dão por todo o mundo são os temas mais recorrentes na sua obra. Fotografar é conferir
importância, pelo que podemos, assim, detonar uma preocupação social por parte do artista
que procura, através dos seus trabalhos, revelar “a verdade” (Sontag, 1977) e sensibilizar
para esses acontecimentos.
Desta forma, procuro perceber a essência da fotografia segundo o fotógrafo (a emoção
do Operator), o que me está muito limitado, pois esta cabe unicamente ao próprio autor.
Tenho apenas à minha disposição duas experiências: a do sujeito olhado (Spectrum) e a do
sujeito que olha (Spectator) (Barthes, 1980).
Perceber o significante fotográfico não é impossível, mas exige reflexão. Na fotografia
há sempre alguma coisa que é representada (Barthes, 1980), comecemos então por analisar
o seu contexto histórico, já que a fotografia está em relação com a história.
A presente fotografia foi tirada em Sarajevo (Bósnia), em 1992, aquando da guerra que
aí se travava entre as diferentes etnias que constituíam a ex-Jugoslávia. Essa guerra resultou
na morte de milhares de pessoas e numa destruição maciça do território, nomeadamente da
capital bósnia (Sarajevo). É essa destruição que está representada nas ruínas da Biblioteca
Nacional apresentada na fotografia em causa.
Trata-se de uma imagem ampla, que procura abranger toda uma área que
corresponde aquilo que era anteriormente um compartimento da Biblioteca Nacional.
Permite a quem a observa ter uma ampla visão sobre a destruição e as ruínas do edifício
que, pela arquitectura das paredes que encontramos no plano de fundo, pela altura destas e
pelas pedras que a constituíam, aparenta ter sido um edifício majestoso.
É delimitada, quer do lado esquerdo, quer do lado direito, por uma coluna, cuja forma
arqueada molda a foto e foca o Spectator no centro da foto. Este efeito é auxiliado pelo
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contraste sombra-luz: nas extremidades encontramos sombra, enquanto no centro
encontramos luz e claridade que vêm do exterior através das aberturas existentes no teto. É
possível percepcionar que a fotografia foi tirada no sentido de baixo para cima, com o intuito
de captar toda a parede e as colunas, de modo a permitir o efeito de focalização na parte
central da imagem.
A palete de cores presente na fotografia é, a meu ver, crucial para a imagem em
causa, na medida em que os tons castanhos, beges, cinzentos, etc., conferem à imagem
seriedade, gravidade e estão associados à própria destruição. A harmonia existente nas
cores da fotografia remete-nos para a calma e simplicidade que, apesar de toda a
devastação e seriedade que caracterizam a fotografia, estão presentes.
No plano mais próximo da imagem encontramos um grande número de pedras caídas
e amontoadas que, mais uma vez, nos remetem para a devastação de um edifício nobre
resultante da guerra. É sobre estas pedras que podemos encontrar ‘o violoncelista de
Sarajevo’. Este não se encontra no centro da imagem, mas sim num dos lados, pelo que
podemos inferir que o objectivo do fotógrafo não seria retratar o violoncelista, mas sim a
destruição que o rodeia. Também por isso o violoncelista não se encontra num plano
aproximado. A apresentação e a pose do músico é imponente e clássica. A sua expressão é
de concentração, mas também de uma certa angústia. Podemos dizer que com esta postura
o Spectrum queria transmitir-nos algo, pois a partir do momento em que o sujeito
fotografado se sente olhado pela objetiva, tudo muda: põe-se a “posar” e metamorfoseia-se
antecipadamente em imagem (Barthes, 1980). Do violoncelista e do seu violoncelo podemos
adivinhar uma mensagem, ou pelo menos imaginá-la: apesar da destruição deste
monumento cultural e de muitos outros monumentos e edifícios, a cultura subsistirá e
continuará, bem como toda a Bósnia que renascerá dos escombros.
Trata-se de uma interpretação pessoal, provavelmente resultante dos sentimentos
despertados em mim pela fotografia. Penso que esta cumpre as funções que Roland Barthes
considerou serem importantes na fotografia: informa, representa, surpreende, faz significar,
dá vontade. Sem dúvida, é um desafio criar uma imagem perfeita e singular, mas a fotografia
em causa supera-se a si própria e por essa razão teve repercussões por todo o mundo.
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