95 sendo narrado. No capítulo 178 de PP, Gioconda narra para Alva

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95 sendo narrado. No capítulo 178 de PP, Gioconda narra para Alva
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sendo narrado. No capítulo 178 de PP, Gioconda narra para Alva o porquê e o
como matou Jorge Tadeu, a voz fica off enquanto a imagem apresenta-a
cometendo o assassinato.
Uma última forma de falas-off observada ocorre ao ouvir a voz ou vozes do
pensamento. O monólogo interior quando Salustiana escreve umacarta para o
filho e o diálogo interior de Camila quando começa a lembrar a conversa com
Remédios, são dois exemplos já citados acima. No fragmento nº 5, encontramos
outra ocorrência de destaque de voz-off ouvida no pensamento de uma
personagem. A voz do diabo é ouvida simultaneamente pelos receptores da
telenovela e por Cândido, mas as outras personagens não podem ouvi-la:
"Acho que é só ele (...) eles não estavam escutando... Eu acho que não, ele
falou que quem está mandando falar isso era o demônio, só ele estava
escutando".
Rita, 20, Canas.
5.1.3 As falas e suas variáveis de contexto
De acordo como o tipo de contexto há uma série de variáveis possíveis nas
falas de uma telenovela. Herbert Zettl apresenta uma quadro sobre estas variáveis
que nos serve como base na análise das falas (Zettl, 1973: 333) (v. Anexo). Os
contextos relacionados são a instrução, a ocupação, a região, o local, o tempo, o
parentesco, a situação e a atitude de quem fala.
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Comecemos pelo grau de instrução da personagem que fala. Apresenta-se
um contraste entre a "alta" e "baixa" escolaridade. As falas de uma personagem
com "alta" instrução possuem um vocabulário amplo, uma sintaxe precisa e um
ritmo lúcido e fluido. Naquelas de "baixa" escolaridade, o vocabulário é limitado,
a sintaxe não é precisa e o ritmo é titubeante e irregular. Nas telenovelas procurase uma padronização "média" nas falas, tenta-se com isto atingir o público de
maneira geral em todos os graus de educação. Em geral, as falam possuem um
nível de linguagem coloquial culto. As personagens que apresentam um nivel de
linguagem coloquial popular são marcadas como caricatas, deixando clara a
presença de erros gramaticais crassos em sua forma de expressão. Em FF
encontramos dois extremos claros. Por um lado o professor Praxedes que, no
intuito de mostrar seu elevado grau de instrução, tem uma fala culta, parecendo
rebuscada e difícil. Ele expressa-se com palavras e frases de pouco ou nenhum
uso coloquial. No diálogo a seguir podemos observar palavras como "acuidade",
"coadunam" e "verniz" que pertencem ao nível culto de linguagem:
(Praxedes) - Olha, essa moça é dona de uma acuidade mental, de uma agudeza de
percepção, que simplesmente não se coadunam com o tipo de vida que tem!
(Querubina) - Como assim, Praxedes?
(Praxedes) - Como assim? Ela é casada com um homem rústico, um comerciante sem
o menor verniz de cultura, trabalha num bar, onde tudo o que faz é lavar copos,
preparar tira-gostos e ouvir conversa de bêbados. Não, não Bininha,
definitivamente a Dona Maria dos Remédios não merece a vida que ela tem.
Ela deveria...
(cap. 5, Fera Ferida)
Sobre a forma de falar de Praxedes alguns entrevistados comentaram:
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"Engraçado é o Professor Praxedes, legal o modo dele falar, é engraçado e
ao mesmo tempo ajuda."
André, 16, São Paulo.
"Ele me irrita, porque eu não entendo as palavras que ele fala. No começo da
novela a gente até parou de assistir, porque não entendia muito o que ele
falava, mas agora a novela tá muito boa, aquela Rubra Rosa é muito
engraçada."
Simone, 24, São Paulo.
"O que me chamou atenção nessa novela, é o personagem Praxedes. As
palavras que ele diz, o dicionário que ele tem na boca. (...) E outra coisa, a
parte que eles estavam falando aí, a parte de um testamento que a menina
tem, que o pai deixou, e ele não quer, porque com esse testamento acha que
vai ficar sem ela, e ele tá todo enrolado, tá sempre com dívida por causa do
filho."
Ricardo, 52, São Paulo.
"É uma coisa bem antiga o modo deles falar, que a gente não usa mais, às
vezes meu menino pergunta o que é isso, e eu digo: 'corre no dicionário e vê
'. Algumas ele não consegue porque ele só tem 8 anos. Já, porque aqui em
casa, eu tenho dificuldade de me expressar porque eu só fiz até o primeiro
colegial; meu marido não, meu marido é mais inteligente, o modo da gente
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tirar as dificuldades dele, eu não gosto de dizer 'eu não sei', então eu digo
'corre pro dicionário'. Às vezes ele diz 'eu não sei', aí eu mando procurar
mais. Ontem ele queria saber o que era 'município', ele foi lá e achou. Nem
sempre meu marido tá aqui, então é uma maneira. Agora o Prof. Praxedes
usa palavras que parece de outro século, porque a gente nem usa mais, são
palavras antigas, e parece que às vezes é em latim."
Adriana, 37, São Paulo.
O outro extremo em FF é a personagem Remédios. No início da história, sua
fala era claramente coloquial popular. Os erros começaram a ser marcados quando
ela começou a receber as aulas de alfabetização do Professor Praxedes. No
capítulo 67, vemos uma dessas aulas em que Remédios não consegue acertar o
plural de "anão": "Aninhos, anoinhos, anozinhos". Esta personagem sofre uma
alteração durante a história. Depois da morte do marido, Remédios passa a falar
sem erros, denunciando os resultados positivos de sua educação e que era coibida
pelo marido.
Outros dois extremos são o prefeito Demóstenes e a atriz de cinema pornô
Perla Menescal. Demóstenes é um orador, cuja linguagem é correta, elaborada e
cheia de recursos. Perla é uma personagem que chega de fora e traz um linguajar
vulgar, chamando a amiga de "nega" e o noivo de "bofe", por exemplo. "O
puríssimo português falado em toda a cidade" (Boletim de Programação, de 13 a
19/11/90: 45) é a proposta geral de Aguinaldo Silva para as personagens de FF.
Demóstenes e Praxedes são o extremo alto, e Perla e Remédios, o extremo baixo.
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Em PP, o padrão médio das falas também está presente. A distinção
encontra-se nas três personagens com um grau maior de escolaridade: Marina, que
estudou em São Paulo e em Paris; Leonardo e Jorge Tadeu, formados em São
Paulo. A única personagem que comete erros gramaticais ao falar é Sérgio
Cabeleira, que, além de ter pouca escolaridade, era identificado como um
lobisomem.
A ocupação das personagens também determina suas falas. A ocupação
determina um vocabulário especializado ou jargão de acordo com a profissão: em
PP, Murilo, Leonardo e Marina são advogados; em FF, Flamel e Gusmão são
alquimistas; Demóstenes, Numa e Fabrício são políticos; Major Bentes é militar;
Praxedes e Afonso Henriques são jornalistas e escritores.
A região dos acontecimentos e a região de procedência das personagens
representam outra variável nas falas. O sotaque é o elemento mais evidente de
regionalismo. Entre PP e FF determina-se uma clara distinção: Resplendor está
localizada no interior do Estado da Bahia, portanto, há uma intenção de que todas
as personagens tenham sotaque bahiano. Tubiacanga, por sua vez, não possui uma
localização determinada, é uma cidade pequena do interior do Brasil. Há uma
diferenciação declarada pelas próprias personagens quanto ao sotaque carioca de
Lucineide, empregada de Flamel. O sotaque de Lucineide é marcadamente
carioca, com expressões populares e gírias comuns dentro do nível coloquial
popular carioca e, portanto, soa estranho aos ouvidos dos moradores de
Tubiacanga.
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Em PP, a variedade de sotaques acentua-se pela procedência de algumas
personagens. Cândido Alegria é do Estado de Minas Gerais; Alva é do Rio
Grande do Sul; Jorge Tadeu é de São Paulo; Rosemary é carioca; Ximena, Inês e
Ernesto são portugueses. Os entrevistados comentaram os sotaques de Jorge
Tadeu e de Susana (fragmento nº 6):
"A moça fala bem lento, não dá pra perceber o tipo de pessoa que é; meio
caipira pelo modo de falar."
João, 51, Canas.
"A moça fala com outro sotaque... baiano, cearence, sei lá! O dele é sotaque
do Rio, paulista, não sei..."
Rita, 20, Canas.
"Não vi diferença não. Só aquela mulher, aquela velhinha, tinha um
pouquinho. Mas os dois fazendo as fotos, não vi diferença não."
Julio, 30, Canas.
"Ela fala se insinuando e ele querendo conquistá-la. Ele fala assim, normal,
mas ela tem um sotaque meio arrastado, não sei se puxando pro baiano,
meio mole."
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Kátia, 48, São Paulo.
"Pra mim é caipira. Ele já fala bem, uma pessoa estudada, normal."
Simone, 24, São Paulo.
O local onde as personagens realizam suas intervenções influenciam
também no modo de falar. As telenovelas trabalham com um número limitado de
cenários: as casas e alguns cômodos das personagens principais, um bar e alguns
locais de trabalho. Em PP, as salas da casa dos Pontes e da casa dos Batista era o
local das decisões; a igreja, local de encontros dos amantes; o bar, local de
histórias e rivalidades. Em FF, o laboratório de Flamel é o local misterioso onde
ocorrem transformações estranhas; o bar, local de confraternização, amizade; o
sítio, local de encontros amorosos secretos. Em cada cenário, há uma tendência a
uma fala formal ou informal. No fragmento nº 4 de PP, Murilo e Pilar têm um
diálogo informal, porém com um tom solene, pois ambos estão frente ao altar-mor
da igreja. Em FF, a tecelagem assume um duplo papel, o de local de trabalho e
local de encontros de amor. No fragmento nº 11, Linda Inês e Flamel conjugam
um diálogo de briga com uma posterior sedução em um de seus primeiros
contatos amorosos.
O local, porém, não é o fator mais determinante nas falas. Às vezes, o tipo
de interlocutor é mais importante. Assim, o grau de parentesco, de amizade ou
rivalidade, de superioridade ou inferioridade, marcam a forma em que as
personagens dialogam. No mesmo fragmento nº 11, Linda Inês e Flamel
modificam seu status de rivais para amantes. No diálogo, sente-se essa passagem
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nas palavras utilizadas e no tom de voz das personagens. Soma-se, ainda, ao local
e ao interlocutor, a atitude das personagens no momento de falar. Um ser calmo
fala pausada e fluentemente, um ser alvoroçado tende a uma fala rápida e
irregular. Nesta cena, Flamel é calmo e Linda Inês agitada, o que reflete suas
atitudes e personalidades, isto é, racional e impetuosa, respectivamente.
"Eles mudam muito, né, dependendo da cena. Se é uma cena alegre, então é
aquela voz mais feliz; se a cena é triste, já a voz, assim, mais pra baixo. E
mesmo a gente, quando não se
quer falar. Mesmo no telefone, né?
Muda a voz ... Pessoalmente também você pode mudar o seu tom de voz...
dá para fazer."
Cláudia, 16, São Paulo.
Outro contexto em que encontramos variações nas falas é o tempo, seja o
dos diferentes momentos do dia (manhã, tarde e noite), seja os períodos históricos
dos acontecimentos. Tanto PP como FF são telenovelas que ocorrem em tempo
presente, criando uma diégese contemporânea ao seu período no ar. Com relação
ao período do dia, observa-se um contraste entre o primeiro capítulo de PP que
ocorre nas primeiras horas da manhã e o capítulo 57 de FF, que tem a noite como
palco: em PP as falas são mais abertas e rápidas, em FF, os diálogos são pausados
e intimistas.
Destacaremos outros dois elementos de sonoridade nas falas: a entonação e
o tom de voz, e os efeitos sonoros na voz. "A entonação é um meio importante
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para diferençar sentidos a partir da variabilidade da altura da voz durante as
emissões sonoras, e a partir das variações musicais que se apreendem de modo
relativo - umas em relação às outras " (Lopes, 1979: 121).
Como já anotamos, a voz é um fator determinante no som. A capacidade de
interpretação de cada ator é essencial na entonação das falas. Essa entonação
conjugada ao tipo de voz podem criar efeitos sonoros com uma profunda carga
emotiva. No fragmento nº 5, a voz do demônio que possui uma entonação
diferenciada, aliada a um efeito sonoro de desaceralação da voz, que pontuou
todas as entrevistas:
" O tipo de voz dá a impressão que está se apossando da pessoa, obrigando a
pessoa. Por causa do tipo de voz a gente nota que é totalmente diferente."
João, 51, Canas.
"Bom, uma pela voz, porque eu ja vi coisa disso aí..."
Luiz, 49, Canas.
"É a voz, aquela voz, o pessoal diz que o diabo fala assim: voz estranha...
Não, nem quero ver, é uma história da novela, ele ficou tão louco por
dinheiro que achou que havia dado a alma dele pro diabo. Tivesse dado não
tinha acontecido dele ter que correr, pra mim é uma fantasia. Tudo que eles
passam na TV, eles pegam da vida real mesmo, mas tem certas coisas que
eles fazem que é fantasia."
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Sonia, 34, Canas.
" Eu acho que como na cabeça foi passado assim uma coisa de que o diabo
estava nas profundezas, a voz tinha que ser como vindo de uma caverna, ela
não pode soar ao ar livre, no campo,como eles estavam ali... (...) Não, eu
não cheguei a ouvir. Mas uma pessoa que está bêbada, por exemplo, que é o
máximo que cheguei a ver, ela muda pra aquela voz fanhosa, pastosa, mole.
Agora, tem gente que diz que se a pessoa está drogada, ela fala assim, mas
eu nunca vi."
Helena, 43, São Paulo.
"Porque é uma voz mais assim que deixa, por exemplo, um personagem que
está possuído pelo demônio, não vai falar assim como uma pessoa normal,
ele vai falar um pouco mais grosso, uma voz diferente, com ecos. Fica uma
voz mais forte que sobressai dos outros. Se fosse uma voz de um anjo, seria
pouco mais calma, não tão forte."
André, 16, São Paulo.
Neste caso específico, a voz do demônio possui um trabalho de efeitos
sonoros: primeiro, para obter um tom mais grave, a voz original foi desacelerada;
segundo, para dar a impressão de caverna, profundeza, espaço fechado, utiliza-se
o eco. Este último recurso também é utilizado para diferenciar as vozes de
monólogos interiores e diálogos interiores. O eco marca a distinção de que a voz
que se ouve não provém do espaço externo e sim da mente, do pensamento, das
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personagens. Outra ocorrência do eco foi registrada nas passagens de tempo,
quando Sérgio Cabeleira contava o passado a Jorge Tadeu. Quando a voz-off de
Sérgio fazia as interligações presente-passado-presente, a voz era trabalhada com
eco.
A forma de falar de uma personagem destaca-se também pela sonoridade
das falas. Um ligeiro tom de voz efeminado denuncia o homossexualismo de
Adamastor desde sua primeira fala. Por sua vez, Sérgio Cabeleira e Fabrício
fazem da gagueira uma marca da personagem, sendo que a mudança na vida de
Sérgio (quando livrou-se da maldição da lua cheia através do amor de Alva) fez
com que ele parasse de gaguejar, no entanto, a dificuldade na fala voltou nos
capítulos finais, quando ele decidiu entregar-se à lua em definitivo. Fabrício, em
FF, também deixa de gaguejar ao fazer os discursos políticos liderando o povo de
Tubiacanga.
Uma última variável nas falas que têm destaque nas telenovelas são os
chamados "bordões" das personagens. Os bordões são palavras ou frases
características as quais refletem uma condição ou atitude específica de certa
personagem: "Procuro externar uma psicologia. Se há coerência com o
personagem, pega. Se não, não. O Zeca Diabo, por exemplo, rezava quando se
sentia desamparado: 'Ai, meu padim, padim Cícero'. E o Sassá (personagem de O
salvador da Pátria) , no início da novela, quando ficava perdido: 'Hein? Ieu? Ieu?'
Coitado, parecia um sapo. Funcionou. Todo mundo brinca: 'Ieu? Ieu?' E as
crianças, se o pai ralha? Repetem a mesma coisa. Quer dizer, está correto. Ou não
aceitariam." (Lima Duarte, 1989: 41).
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Em PP, Cândido Alegria acentuava sua origem e falsa humildade valendo-se
de diminutivos e da expressão mineira "sabe...". Murilo Pontes tratava sua mulher
de "Hilda, minha filha"; esse tom carinhoso misturava a condição de "filha" e não
de mulher-amante no relacionamento a dois. Em FF, o Major Bentes emprega
frases como "A segurança nacional de Tubiacanga", "Em Tubiacanga não há
tortura", que são referências à ditadura militar que assumiu o governo do Brasil
em 1964. Outro bordão utilizado pelo Major é a forma eufêmica de se referir a
seus assassinatos: "providenciar o óbito". Otros dois bordões marcantes são o do
gari Fabrício com seu repetido "companheiro", alusão evidente à sua militância de
esquerda, e o "pimba" do prefeito Demóstenes, pronunciado sempre que acerta
algo ou descobre alguma falcatrua.
" Pimba! Hoje ele falou bastante."
Simone, 24, São Paulo.
" É ele fala muito "pimba". Já o Major fala 'que vai providenciar o óbito'."
Ricardo, 52, São Paulo.
5.1.4 As funções das falas
Para Syd Field (Field, 1984: 71-2) um diálogo pode apresentar as seguintes
funções:
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1. Levar a história adiante.
2. Comunicar fatos e informações para o público.
3. Revelar a personagem. Uma personagem pode falar de si mesma, e/ou
outras pessoas podem falar sobre ela.
4. Estabelecer relações entre as personagens.
5. Comentar a ação.
6. Comentar cenas.
Por sua vez, Roberto Aprato aponta (1979:118-9) os seguintes usos para os
diálogos:
1. A possibilidade de informar sobre as personagens e a trama.
2. Podem referir-se a situações passadas sem requerer um apoio visual.
3. Podem dar saltos na realidade presente e animar o futuro possível ou
imaginário.
4. Podem referir-se a abstrações, à realidade irrepresentável que a palavra
possibilita com os discursos filosóficos.
A partir destas duas classificações, podemos observar que as falas da
telenovela reiteram constantemente estas funções. No primeiro diálogo de PP,
encontramos o seguinte diálogo:
(Gioconda) - Essa história de vir a cavalo e lhe mandar na frente de carro... A mim é
que o meu irmão não engana. Não é para rever a paisagem, como ele lhe falou...
Ele quer é chegar bem na hora do tal encontro, assim não precisa conversar
com ninguém, vai direto pra igreja rever a outra. Lá fora não se fala noutra
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coisa. Vinte anos sem visitar Resplendor e, mal chega, vai atrás de Pilar
Batista!
(Hilda) - Meu marido não vai atrás de ninguém, Gioconda. Ele só marcou um
encontro com ela.
(G)- Pior é que minha cunhada procede como se não estivesse acontecendo nada.
Claro, ela vai dizer que o que houve entre Murilo e Pilar é coisa do passado.
Vinte e cinco anos que eles nem se falam. Mas ele nunca esqueceu. Ou minha
cunhada achava que o interesse de Murilo por Pilar era um segredo que ela não
compartilhava com ninguém?
(H)- Interesse, Gioconda? Murilo odeia Pilar!
(G)- Então por que é que você ficou todo esse tempo em Brasília? Foi para mantê-lo
longe dela, não foi?
(H)- Pois se Murilo voltou pra cá foi mais a pedido meu, criatura, eu adoeci, eu...
(G)- Eu sei, eu já ouvi essa história mais de mil vezes. Você ia morrer de tédio se
ficasse lá! Então aí Murilo desistiu da vida política e voltou pra Resplendor. E
antes mesmo de chegar, já marcou encontro com a outra! Claro que Murilo não
lhe disse, eles vão ter uma conversa secreta, íntima... As coisas que vão dizer,
as coisas que vão recordar, pode ser forte demais! Às nove horas vão estar lá
na igreja, um na frente do outro. Eu se fosse você já começava a me preocupar.
Note-se como, neste diálogo inicial da telenovela, todas as funções
apontadas pelos autores acima já estão presentes. Somente a função de referir-se a
abstrações não faz parte da conversa entre as cunhadas. Na primeira fala,
Gioconda comunica fatos ("vir a cavalo", "mandar de carro"); revela a sua própria
personalidade, a do irmão e a de Hilda ("a mim é que meu irmão não engana");
leva a história adiante, anunciando o que vai acontecer. No diálogo, encontramos
as relações entre as personagens ("meu irmão", "meu marido", "minha cunhada",
"interesse de Murilo por Pilar" e "Murilo odeia Pilar"). Vale destacar o último
encontro entre Murilo e Pilar (fragmento nº 4), onde amobs reiteram suas relações
passadas e futuras de amor-ódio:
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Pilar: Nós vamos brigar, nos odiar... (...)
Murilo: Esse é nosso jeito de nos amarmos...
" Pelo jeito, pelo modo de se olharem e falarem, eles se amam, o ódio é só
fachada."
Ana, 36, Canas.
Neste primeiro diálogo já são comentadas as cenas e as ações. Este diálogo
faz alusão a situações passadas e anima os acontecimentos futuros:
Gioconda: As coisas que vão dizer, as coisas que vão recordar, pode ser forte demais! Às
nove horas vão estar lá na igreja, um na frente do outro. Eu se fosse você já
começava a me preocupar.
Porém, há um outro elemento nas palavras faladas que é essencial às
personagens: o próprio nome de cada uma. Em PP os nomes das duas personagens
principais confrontam-se e se complementam: Murilo Pontes e Pilar Batista - um
muro e uma ponte são sustentados por pilares ou colunas, mas esses pilares não
são estáticos, eles também têm o sentido do "bater" inerente às atitudes de Pilar.
Já Cândido Alegria guarda uma contradição do caráter da personagem, pois ele
apresenta uma falsa candura e é o eixo das infelicidades da história.
Em FF também encontramos estas relações dos nomes. Primeiro porque a
história é baseada nos livros e contos de Lima Barreto (os nomes Numa, Clara dos
Anjos e Camila são extraídos desses textos). O poeta e bêbado da cidade leva o
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nome do próprio escritor Afonso Henquires Lima Barreto. Aqui há uma
homenagem à vida do escritor que, como a personagem, teve problemas de
censura de seus livros e artigos, possuía ideais socialistas e era alcoólatra. O nome
da cidade também carrega o sentido geral da história, já que Tubiacanga significa
em tupi-guarani "ossos dos antepassados". Flamel é um nome inspirado no
alquimista francês do século XV, Nickolas Flamel (1330-1418). O prefeito
Demóstenes, que possui o dom da palavra, é homônimo do político e orador
ateniense da Grécia antiga (384-322 a. C.). Linda Inês refere-se à história de Inês
de Castro, a conhecida amante de Pedro II de Portugal, que, segundo se conta, foi
coroada depois de morta; Flamel transforma Linda Inês em estátua de ouro nos
cinco últimos capítulos da novela.
As falas, então, nas relações da voz com os atores, nas alterações de voz-in e
voz-off, no uso de bordões e até nos nomes das personagens, ganham um
significativo valor na trilha sonora da telenovela. Como nos diz Antonio Januzelli
(Janô), "A voz, como fonte de energia sonora, deve repercutir sobre a
sensibilidade e os nervos do espectador através de qualidades e vibrações de sons
não-habituais." (Januzelli, 1980: 22).

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