Texto reflexivo - Escola Interativa
Transcrição
Texto reflexivo - Escola Interativa
Vínculos e Aprendizagem: construindo caminhos para a aprendizagem significativa Júlio Furtado¹ Formamos vínculos por meio da alteridade. Ser o outro, colocar-se ou constituir-se como o outro. Essa é a mais breve e frequente definição de alteridade encontrada em dicionários. A ideia de alteridade é se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, com consideração, valorização, identificação e diálogo. Não basta reconhecer as diferenças do outro e “permitir” que ele as possua. É preciso valorizá-lo e contemplá-lo em busca de identificações ou diferenciações enriquecedoras do que somos. A alteridade nas relações é pré-requisito para o exercício da cidadania e para se estabelecer uma relação pacífica e construtiva com as diferenças, na medida em que se identifique, entenda e aprenda a aprender com o diferente. A criação de vínculos afetivos é fundamental para que ocorra uma aprendizagem significativa, assim como para que ocorra um real processo de inclusão na escola. A transição do discurso para a prática exige um grande exercício de alteridade, que inclui a adoção de uma firme atitude de lidar com a diferença, composta de três dimensões a serem colocadas em prática por todos os atores da escola, em especial pelo professor: aceitar e incluir as diferenças do outro, aceitar e incluir as próprias diferenças e assumir uma postura diante das diferenças produzidas historicamente. Lidar com as diferenças do outro é o mais consagrado sentido que conhecemos. Costumamos pensar que aceitando e “permitindo” que o outro seja como é, estaremos lidando com as diferenças. Respeitar o outro vai muito além de “permitir” que ele ocupe lugar no espaço, com base no pensamento reducionista “cada um na sua e tudo bem”. Mediar a aprendizagem significa colocar-se, intencionalmente, entre o objeto de conhecimento e o aluno, modificando, alterando, organizando, enfatizando e transformando os estímulos que vêm do objeto, para que o aluno tire suas próprias conclusões. Esse processo é composto basicamente por dois tipos de mediação: didática e relacional. A mediação didática ocorre quando o professor faz perguntas, dá devoluções aos alunos sobre suas colocações e produções, problematiza o conteúdo com o objetivo de colocar o pensamento do aluno em movimento. A mediação relacional tem a finalidade de motivar o aluno a aprender, ajudando-o a seguir em frente e superar as dificuldades do caminho. Essa mediação se dá por meio de ações como encorajar, incentivar, desafiar, supervisionar, apoiar, escutar, aconselhar etc. A mediação relacional, como o próprio nome já diz, é de natureza psicológica e se estabelece a partir de valores e crenças. O incentivo para que o aluno aprenda é diretamente proporcional à crença do professor de que ele é capaz de aprender. O encorajamento, o incentivo, o apoio e o aconselhamento são realizados a partir da crença na capacidade do aluno, o que influi significativamente no desempenho dele. Existem alguns pré-requisitos para que ocorra o processo de mediação da aprendizagem tanto por parte do professor quanto por parte do aluno. Entre os pré-requisitos discentes, estão: (1) reconhecer a autoridade do professor no assunto, como alguém que já trilhou um caminho e por isso tem mais experiência; (2) ser consciente e seguro de sua capacidade de aprender. É preciso que o olhar do aluno para o professor seja um olhar de respeito e admiração, e que a atitude do professor seja viabilizadora de segurança para aprender. Os principais pré-requisitos docentes são: (1) reconhecer que pode ajudar o outro a aprender e (2) ter pelo aluno um sentimento de consideração positiva que inclui a crença de que ele pode aprender. Essas atitudes são geradas por meio do exercício da alteridade, da postura essencial ao professor que é um mediador da aprendizagem. texto reflexivo.indd 1 28/01/15 15:43 A interação cultural é outro pré-requisito fundamental na potencialização da aprendizagem significativa. Esse processo começa na percepção do outro como membro de nossa cultura. Essa interação é responsável por aproximar ou afastar relacionamentos. A partir dessa interação, automaticamente nos aproximamos de pessoas. É uma atitude inconsciente, que só se revela quando nos pegamos conversando animadamente com aquelas pessoas que possuem vivências em comum conosco. Na relação professor–aluno, a interação cultural é facilitadora da predisposição afetiva. Aproximamo-nos mais facilmente das pessoas que percebemos como parte de nosso mundo, membros de nossa cultura, habitantes de nosso “planeta”. Essa identificação cria certa segurança para uma relação afetiva. Quando a postura do professor é de distanciamento e diferenciação cultural, o resultado, quando muito, é de idolatria, sentimento muito vulnerável para temperar uma relação de ensino e aprendizagem, uma vez que ídolos são incontestáveis e perfeitos. Ao perceber o professor como parte de seu mundo, o aluno sente-se livre para se arriscar nos desafios. Ao se mostrar falível, o professor autoriza que o aluno também o seja e desse modo faz com que ele se lance de maneira mais ousada nas experiências de aprendizagem. Podemos dizer que o processo de aproximação psicológica entre professor e aluno favorece a segurança para aprender e que tal aproximação é facilitada pela interação cultural. Aproximar os mundos do professor e do aluno é condição essencial para aproximar os conhecimentos. Essa aproximação de conhecimentos requer que o professor seja um bom negociador de sentidos e significados. É preciso que façamos uma diferenciação entre sentido e significado. O sentido é a soma dos eventos psicológicos que a palavra evoca na consciência. É um todo fluido e dinâmico, com zonas de estabilidade variável. O significado é a zona mais estável e precisa, que é uma construção social, de origem convencional (ou sócio-histórica) e de natureza relativamente estável. O sentido é formado de maneira rápida, a partir de correlações diretas que o aluno faz entre o novo e o que ele já sabe. É, porém, revestido de subjetividade e deve ser depurado para que se converta em um significado socialmente aceito. Pode ser, por exemplo, que o educando forme um sentido de altitude que somente se aplique a situações em que ele identifique o ponto mais baixo e o ponto mais alto (influência do conceito prévio de altura que ele já traz). Nesse caso, ele terá dificuldade em entender quando falamos da altitude de um planalto ou de uma cidade. Lidar com as diferenças inclui a predisposição para construir vínculos com as gerações Y e Z, por exemplo. É processo que deve começar com a exploração e o conhecimento dos valores e das atitudes dos integrantes dessas gerações. O nosso desafio como educadores, porém, é grande, já que ambas as gerações apresentam características que precisam ser muito bem compreendidas e assimiladas. ¹ Júlio Furtado é doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Havana (Cuba); mestre em Educação pela UFRJ; psicopedagogo pela Universidade de Havana (Cuba). Psicólogo, pedagogo, professor de Geografia texto reflexivo.indd 2 28/01/15 15:43