O FRACASSO ESCOLAR E AS CONTRIBUIÇÕES DE
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O FRACASSO ESCOLAR E AS CONTRIBUIÇÕES DE
O FRACASSO ESCOLAR E AS CONTRIBUIÇÕES DE CHARLOT E VYGOTSKY: DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL 1 Fabiana Neves Bertolin - UFPR Palavras-chave: relação com o saber, capacidades e educação especial. Introdução O presente artigo propõe uma reflexão inicial sobre o tema fracasso escolar mediante considerações de Charlot cujo principal tema de pesquisa nestes últimos anos é referente a relação dos estudantes com o saber e a escola e que afirma que para ele não existe fracasso escolar; e Vigotski que em seus estudos sobre o processo de ensino aprendizagem traz um enfoque nas capacidades do sujeito, ao invés de destacar habilidades que lhe faltam. O texto de base transcorre relacionando a ideia desses dois autores e inicia uma reflexão sobre as contribuições que essas abordagens oferecem as demandas do trabalho pedagógico frente aos estudantes deficiência intelectual: quais as possibilidades de trabalho em meio a prática educativa e que desafios emergem com vistas em um ensino que prime pela acesso ao conhecimento, por uma educação de qualidade e potencialização da capacidade do sujeito. Partindo desse pressuposto citado por Charlot pode-se considerar que o tema sobre o fracasso escolar considerando crianças com deficiência intelectual necessitem de reflexões mais acirradas, de forma emergente. Vigotski também traz contribuições valiosas a respeito de crianças este diagnóstico (2014, p.34) “interessava-se mais por suas forças do que por suas deficiências”, disse isso ao declarar que no caso de crianças com deficiência concentrava sua atenção direcionava-se ao que elas possuíam, ou seja, em suas capacidades, rejeitando resultados formais de testes unidimensionais. Ao invés disso direciona significativa atenção ao sujeito, seu funcionamento e relações sociais, seu comportamentos e possibilidades de interação. Objetivos -Identificar aspectos que tragam-nos incertezas sobre o tema fracasso escolar; - Refletir sobre relação com o saber e a importância das interações sociais neste processo; 1 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica e em Educação Especial com ênfase em Educação Inclusiva e Gestão Escolar. Atua como pedagoga na SMEC, na área de Educação Especial com enfoque na Formação de Docentes e em Escola Municipal de Educação Especial. E-mail: [email protected] ISSN 21774013 - Conceber o sujeito a partir de suas capacidades; - Contribuir com o trabalho pedagógico escolar de estudantes com deficiência intelectual. Métodos e Resultados O respectivo artigo é resultado de pesquisa bibliográfica, pautado em estudos de Charlot (2000 e 2013) referente a relação dos estudantes com o saber e a escola, e que afirma, em seus estudos e pesquisas que o fracasso escolar não existe, paralelamente aborda aspectos relacionados as ideias de Vigotski (2007 e 2014) que traz contribuições sobre o processo de ensino aprendizagem com enfoque nas capacidades que o sujeito apresenta, ao invés de destacar habilidades que lhe faltam. A discussão inicial suscita uma reflexão plausível referente ao fracasso escolar, o qual não existe segundo Charlot e que o sucesso na vida escolar do estudante está intrinsicamente ligado a relação com o saber que o estudante estabelece no âmbito escolar. Convergindo com essa perspectiva, para Vigotski, o sujeito deve ser concebido dentro de suas capacidades e possibilidades independentemente de suas restrições ou déficits intelectuais. Discussão Em Charlot (2000) o real passa a ser a devolutiva do sujeito, não há mais preconceitos de classe e de situação posta. Valoriza-se o que o sujeito tem aqui e agora. Não se subtrai as suas faltas, mas se evidencia suas possibilidades e habilidades. Considera-se esse sujeito dinâmico e o espaço em que está como elemento propício para o aprendizado. Ao valorizar o espaço e os saberes deste sujeito, gero a empatia, propiciando-lhe novas apropriações e experiências, desse movimento emerge o desejo; elemento essencial para a constituição de novos saberes. Para Charlot (2000) "fracasso escolar não existe", as análises sobre fracasso escolar partem sempre das faltas, das deficiências, no entanto, para Charlot é isso que deve mudar. Essa forma de pensar sobre o fracasso escolar, segundo o autor, pressupõe um referencial do que não é fracasso escolar, conceitua e caracteriza o termo em questão. No entanto, por meio desta perspectiva, é passível cairmos, por vezes, no erro da generalização e de não enxergar o sujeito como indivíduo no tocante as suas especificidades e peculiaridades. Neste sentido, como se nosso reflexo diante de um espelho ficasse turvo, o paradigma do “fracasso escolar” leva-nos a não enxergamos nosso estudante como realmente ele é; daí ISSN 21774013 dizer que a “categoria de potência fala mais alto do que a condição de ato” CHARLOT, 2000, p. 52. De acordo com essa concepção, frente as relações com o saber, o aprendizado é concebido como social. É por meio das relações que nos desenvolvemos, nos fortalecemos e nos construímos. Experenciar é imergir em possibilidades de apropriação e modificação do estado inicial. É em si, a oportunidade de mudança. Ou seja, o ato de aprender é colocar em marcha a nossa condição de aprendizado, é avançar para novos desafios e possibilidades. Aprender com o outro, comigo mesmo e com o mundo. Dele emerge a nossa relação com o saber. Entende-se que fracassos e sucessos são formas de relação com o saber, os quais não podem ser quantificados, tomados como absolutos ou imutáveis. O sujeito é visto na sua integralidade, mas concebido em sua incompletude, e é esta incompletude que permite-lhe o desejo. O desejo evoca sentido, busca, é o que mobiliza, impulsiona, nos faz ficar em posição receptiva para aprender e saber. Ainda, segundo Charlot (2013) a escola deve ser um espaço que viabilize a aventura intelectual. No entanto, há um engessamento do processo educativo a começar pelo sistema de notas como elemento de supervisão, e por vezes, punitivo. O autor ainda confere um tom de crítica ao referir-se a escola como escola da nota e da concorrência em detrimento da escola enquanto mobilização intelectual. Ressalta ainda que nas últimas décadas, no Brasil, as práticas pedagógicas docentes são mascaradas pelo construtivismo, ocultando a roupagem das reais dificuldades que enfrenta o nosso professor que seria, em linhas gerais, apresentar ao estudante o conhecimento científico enquanto saber histórico: consciente, voluntário e sistemático. Para Charlot (2013, p. 114) “ensinar é, ao mesmo tempo, mobilizar a atividade dos alunos para que construam saberes e transmitir-lhes um patrimônio de saberes sistematizados legado pelas gerações anteriores de seres humanos”. Ou seja, ao professor cabe levar o estudante ao mundo de possibilidades, de questionamentos, da gostosura que é conhecer, entender, descobrir e inventar. A gostosura de viajar por tempos e espaços, contextualizá-los, de forma a compreender melhor o nosso presente com o objetivo de redimensionar nosso futuro, ainda que considerando a sua imprevisibilidade. Neste sentido Vigotski (2007) contribui para a reflexão sobre o fracasso escolar, pois segundo a perspectiva sócio histórica o professor tem papel preponderante na construção dos ISSN 21774013 saberes. Para ele é por meio da atividade mediada que o sujeito é capaz de internalizar conhecimentos e desenvolver-se enquanto sujeito histórico e social. Vigotski (2007, p. 55) utiliza-se dos signos e instrumentos para fundamentar sua teoria sobre o processo de mediação: A diferença mais essencial entre signo e instrumento, e a base da divergência real entre as duas linhas, consiste nas diferentes maneiras com que eles orientam o comportamento humano. A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar a mudança nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente. Ou seja, um instrumento é algo que pode ser usado para alguma transformação nas circunstâncias ou na natureza exemplo: o machado. O signo é algo que significa, que tem um conceito (processos internos) e é também um instrumento mediador. É esta combinação entre instrumentos e signos que culmina no desenvolvimento de funções mentais superiores (pensamento, linguagem, comportamento volitivo, atenção consciente, memória voluntária, etc). Diferentemente de muitos pesquisadores anteriores que estudavam a criança deficiente, Vigostkii, concentrou sua atenção nas habilidades que tais crianças possuíam habilidades estas que poderiam formar a base para o desenvolvimento de suas capacidades integrais. Interessava-se mais por suas forças do que por suas deficiências. Consistente com seu modo global de estudo, rejeitava as descrições simplesmente quantitativas de tais crianças, em termos de traços psicológicos unidimensionais refletidos nos resultados dos testes. Em vez disso, preferia confiar nas descrições qualitativas da organização especial de seus comportamentos. (VIGOTSKY, 2014, p. 34). Em Vigotski a deficiência não deve ser entendida como um aspecto somente orgânico é necessário que as crianças com deficiência sejam percebidas e trabalhadas de acordo com as suas habilidades e capacidades entendendo-as sob o ponto de vista da tríade: social, psíquica e orgânica. O distúrbio de uma forma complexa de atividade humana por uma certa lesão cerebral localizada indica que esta zona cerebral particular é importante para a atividade normal de todo o sistema funcional, e se esta parte do cérebro for destruída, o sistema funcional transforma-se plasticamente no sentido de superar a dificuldade e trabalha diferentemente. (Vigotski, 2014, p. 202). Para Vigotski (2014, p. 114) “o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”. O desenvolvimento do sujeito está associado às aprendizagens que estabelece a partir de interações multiformes com o meio em que vive e convive e sua ISSN 21774013 maturação biológica. O comportamento que apresenta e a qualidade destas interações certamente influenciará seu potencial de aprendizagem e desenvolvimento. Conclusão Longe de propor uma conclusão para o tema Charlot em seus estudos pondera aspectos relacionados à relação com o saber que o sujeito funda ao longo de sua vida escolar. Essa relações podem estar permeadas de sucessos ou fracassos o que acarretará a aproximação ou aversão aos saberes categorizados como saberes escolares. Ressalta ainda a importância das relações sociais, bem como, a interação do sujeito com o meio no qual está inserido. Quanto melhor for a qualidade dessas relações, melhor a mobilização frente as aprendizagens escolares e a aventura intelectual. Considerando as contribuições de Charlot, podemos dizer que Vigotski também traz contribuições importantes sobre esta temática referentes aos estudantes com deficiência intelectual, pois seus estudos valorizam as capacidades que o sujeito apresenta ao invés de focar em habilidades que lhe faltam. Enfatiza a atividade mediada onde, por meio dela, o sujeito é capaz de internalizar conhecimentos e desenvolver-se enquanto sujeito histórico e social. Referências CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Tradução: Bruno Magne, o Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas. Coleção Docência em Formação: saberes pedagógicos. 1ª edição – São Paulo, 2013. VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 7ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007. VYGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 12ª edição. São Paulo: Ícone, 2014. ISSN 21774013