Investimentos e Custos Operacionais Incrementais
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Investimentos e Custos Operacionais Incrementais
Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído GRUPO DE TRABALHO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL I ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS Canela, RS, 18 a 21 de novembro de 1997 INVESTIMENTOS E CUSTOS OPERACIONAIS INCREMENTAIS ESTIMADOS PARA ETES DE PEQUENO PORTE, VISANDO O APROVEITAMENTO DO EFLUENTE FINAL GERADO COMO ÁGUA DE ABASTECIMENTO Gino Roberto Gehling , Eng. Civil, Df. e Francisco Ricardo Andrade Bidone, Eng. Civil, PhD Professores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH/UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 - Caixa Postal 15029 - CEP 91501-970 - Porto Alegre, RS Telefone (051)316.65.63 - Fax (051)316.65.65 RESUMO Atualmente, uma das principais metas perseguidas por técnicos em engenharia ambiental é a chamada emissão zero. Em sistemas de abastecimento de água, a matéria prima básica é a água, que pode ser recuperada e reciclada após a sua utilização. Nos últimos 20 anos, a reciclagem da água para fins diversos (uso industrial, torres de resfriamento, duchas e descarga de vasos sanitários, entre outros), tem sido adotada sem problemas. Experimentos mais recentes têm mostrado a possibilidade de reciclar as águas residuárias para fins de abastecimento irrestrito, atendendo a todos os padrões de potabilidade. Neste trabalho são apresentados aspectos econômicos associados à reciclagem de águas residuárias para abastecimento, incluindo-se aspectos técnicos e legais que ainda dificultam a adoção desta prática. ABSTRACT At the moment, one ofthe main objectives that environmental technical engineers wish to fullfill is the so called zero emission. In terrns of water supply systems the basic raw material is the water, wich could be recovered and recycled after usage. In the last twenty years the recycling of water for different tasks (industrial, cooling towers, sanitary flushes, between others) has been adopted without any problems. Recent experiments have revealed that wastewaters are able to be recycled for irrestrictive supplies meeting ali potability pattems. This study presents economical aspects related to the recycling of wastewaters and shows also some technical and legal aspects wich restrict its practical usage. PALA VRAS CRA VE Emissão zero; águas residuárias; reciclagem; aspectos econômicos, técnicos e legais. 273 INTRODUÇÃO Estudos desenvolvidos pelos autores têm demonstrado a potencialidade do uso de ETEs - Estações de Tratamento de Esgotos - de baixo custo (investimentos e custos operacionais), no tratamento de esgotos principalmente de comunidades de pequeno porte. Estas tecnologias alternativas, como lagoas de estabilização e bacias de infiltração rápida, apresentam alta eficiência quanto à remoção de carga orgânica e coliformes fecais. As bacias de infiltração rápida, adequadas às comunidades litorâneas do Rio Grande do Sul, geram um efluente final com um padrão qualitativo (Gehling, 1985), que em muitos casos supera a qualidade de águas superficiais utilizadas como mananciais pelas concessionárias de saneamento em nosso Estado. No caso de pequenas vazões, com um limite máximo de 30 IIs, via de regra a solução para o tratamento de águas de abastecimento de fontes convencionais tem sido conseguida com o uso de ET As - Estações de Tratamento de Água compactas, fabricadas em estruturas metálicas que ocupam espaços significativamente menores do que aqueles exigidos pelas ET As convencionais, e de igual eficiência. A incorporação de ET As compactas às ETEs de pequeno porte, confeririam a estas últimas um tratamento complementar que, combinado à tratamento posterior em "wetlands" e cloração do efluente final, poderia levar à potabilização do efluente das ETEs, com a praticamente completa descontaminação/despoluição, a não ser, por exemplo, da concentração de nitratos. A remoção dos mesmos seria executada por unidades de tratamento complementar, que seriam futuramente construidas, possibilitando o reuso das águas para abastecimento irrestrito da própria comunidade. As vantagens técnico-ambientais de tal procedimento são inequívocas. Neste trabalho, além de alguns comentários técnicos relativos a tal procedimento, são mostrados os aspectos econômicos que decorreriam de uma solução como a proposta, com a quantificação dos custos incrementais determinados pela incorporação da ET A compacta como polimento do efluente final de ETEs. Foram estudados módulos de tratamento de 10, 20 e 30 IIs, adequados a muitas comunidades do Rio Grande do Sul. METODOLOGIA Generalidades. A metodologia estabelecida para o desenvolvimento do estudo conSistIU, basicamente, do desenvolvimento de uma proposta de ET A adequada às necessidades do estudo, com uma avaliação preliminar dos dimensionais das unidades que a compõe, e de uma estimativa de valores de investimentos para a implantação da mesma, definindo-se paralelamente os custos operacionais anuais correspondentes. É feita também referência à tecnologias adequadas à remoção de nitratos da água tratada, jà que provavelmente será superada a concentração limite preconizada pelo CONAMA (1986). Descrição sucinta do tipo de ETA estudado. O modelo de ETA compacta proposto no presente trabalho, emergiu da experiência dos autores no desenvolvimento de projetos similares, adquirida a partir de trabalhos realizados para a Companhia Riograndense de Saneamento - CORSAN, notadamente aquele executado para a comunidade de Glorinha/RS (Bidone, 1990). Consiste de uma unidade clarificadora de contato de fluxo ascendente, seguida de duas unidades filtrantes (filtros rápidos) de fluxo descendente de dupla camada (areia e antracito), com os seguintes dimensionais: • clarificador de contato: • foona: circular em planta, dimensionado para uma taxa de aplicação superficial de 125m3/m2dia; • altura do fundo falso: 0.25 m; • camada suporte de seixos: 0,40m de altura, e granulometria variando de 1 y," a 1112"; • camada de areia: 1.50 m de altura com diâmetro efetivo 0,80 mm e coeficiente de uniformidade 1.30; • distância entre a superficie da areia até a borda das calhas coletoras: 1.90 m; • altura total, para uma altura livre de 0.25m acima da borda das calhas: 4,30 m. 274 • filtros de fluxo descendente: • forma: circular em planta, dimensionados • • • • • • para uma taxa de aplicação superficial de 250 m'/m'.dia; altura do fundo falso: 0,25 m; camada suporte de seLxos: 0,40 m de altura, com granulometria variando de I \'I" a 1/12"; camada de areia: 0,25 m de altura, tamanho efetivo 0,45 mm e coeficiente de uniformidade 1,6; camada de antracito: 0,45 1Il de altura, tamanho efetivo 0,90 mm, coeficiente de uniformidade 1,3; disliincia da superficie de antracito à borda da calha coletora de água de lavagem: 0,70 m; altura total, para uma altura livre de 2,25m acima da borda das calhas: 4,30 m. Este conjunto de unidades é adequado à proposta do trabalho pelas seguintes razões: • é especialmente indicado para águas de cor mais ou menos elevada e baixa turbidez, de dificil f1oculação; • a turbidez que irrompe por f1uidificação do leito filtrante da unidade de fluxo ascendente, é removida nas unidades de flllXOdesccndente; • segurança operacional, além da f1exihilidade do sistema de filtração ascendente-descendente; • o cfluente, mesmo em condições desfavoráveis (esgotos tratados mas com grandes conccntrações de sólidos e alta turbidez), terá sempre garantia da sua qualidade. Dimensionamento hidráulico da ETA compacta. O dimensionamento hidráulico das unidades baseou-se nas taxas de aplicação superficial adotadas, para módulos de vazão de 10 IIs, resultando: Ta bel a I. DImensionamento hidr áulico da ET A comoacta. Clarificador de contato Vazão Diâmetro(m) Arca (m') N" de unidades 3,0 6,912 1 10 Vs 3,0 6,912 2 20 Vs 3,0 6,912 3 30 Vs Filtros descendentes Diâmetro(m) Area(m') N" de unidades 1,5 1,728 2 1,5 1,728 4 1,5 1,728 6 Estimativa de custos da ETA. Os valores de investimentos previstos para a implantação dos módulos de ET A compacta, como propostos, bem como dos custos operacionais anuais, são os constantes da tabela 2. Os valores médios de investimentos foram obtidos junto' a fabricantes do equipamento, nas praças de Caxias do SullRS e Passo FundolRS, no mês de março de 1997. Os custos operacionais anuais foram estabelecidos com base em um consumo médio de 1,6 gim' de hipoclorito de cálcio para desinfecção de água, a um custo de R$ 3,50/kg, e no pessoal de operação, assumindo-se um salário médio por operador, com encargos sociais, de R$ 750/mês. Tabela 2. Estimativa de custos da ETA com cta. Custos o * Vazão Investimento Cloro (Vs (R$ Consumo(k ) 10 18.000,00 504,576 20 30.000,00 1.009,152 30 37.000,00 1.513,728 Para um turno de trabalho de 8,00 horas/dia. Custo(RS 1.766,02 3.532,03 5.928,05 racionais anuais Pessoal Custo (R$) Funcionários* 9.000 I 9.000 I 9.000 I Total anual ) 10.766,02 12.532,03 14.928,05 Polimento em "wetland". Os "wetlands" são referidos como técnicas adequadas à paises em desenvolvimento (WEF & ASCE, 1992). Nos "wetlands" o sistema radicular de culturas selecionadas para tal fim retirariam do meio (tratado), os nutrientes - no caso, nitratos, sulfatos e fosfatos - solúveis necessários à sua manutenção/crescimento, atenuando o referido problema. O efluente da ET A seria direcionado a um sistema de "wetlands" artificiais, com escoamento subsuperficial em leito de cascalho, com uso de plantas emergentes como a Typha lati/alia. O fluxo d'água se daria de O,15m a O,30m abaixo da superficie de brita, como recomenda Hamer (1992). O efluente do "wetland" poderia ser diretamente usado para irrigação, ou mediante cloração de seu efluente, para duchas e usos diversos. 275 Tratamento adequado à remoção de nitratos. Embora não seja a finalidade precípua do trabalho, cabe aqui referenciar técnicas de remoção de nitratos, tais como as citadas por Arden (1994), que são a denitrificação biológica, troca iônica, eletrodiálise e o processo Carix. Cabe destacar que os custos das tecnologias aplicáveis à denitrificação de efluentes líquidos estão em continuo declínio. Isto permite considerar que a médio prazo, algumas técnicas sofisticadas como a que está sendo implantada na ETE De Groote Lucht, em Vlaardingen, Holanda, venham a ser viáveis em ETE's de menor porte. A referida planta, que atende a 350.000 pessoas, está sofrendo reformas que incluem a construção de leitos biológicos de areia fluidizados de fluxo ascendente (Muller et aI., 1997). Estes terão condições de satisfazer aos novos padrões de emissão para efluentes de ETE, que vigorarão na Holanda a partir de 01.01.98, e que não permitem concentrações de Ntotalsuperiores a 10 mgl!. O custo de 3implantação da primeira etapa do sistema de leitos fluidizados, para uma capacidade de 3.600 m /h, é de US$ 23,43 por habitante. Posteriormente o sistema será expandido até uma capacidade final de 12.000 m 3th. Tal como se observa na figura I (Muller et aI, 1997), a primeira etapa já atenderá a nova exigência legal de 10 mgl! para Notai, e quando o sistema for expandido para a capacidade final, o N"'ta!no efluente não superará a 5 mgll. 30 Capacidade de projeto ~20 ~ o :~ limile para o cfJuente ------------------- 10 e ~ O O 2000 4000 6000 6000 10000 12000 Capacidade do filtro dinâmico de areia (m'lh) Figura I. Capacidade dos filtros versus concentração de Notaino efluente, em De Groote Lucht. Também na Holanda, está sendo construida uma pequena planta em escala real para tratamento de águas residuárias, que baseia-se no inovador processo 3-S (three-sludge), que deverá garantir um efluente com NotaIinferior a 10 mgl! e Ptotalinferior a I mgl! (Marsman et ai., 1997). RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos mostram que com valores de investimentos de R$ 18.000,00, R$ 30.000,00, R$ 37.000,00, e custos operacionais anuais de R$ 10.766,02, R$ 12.532,03, R$ 14.928,05, respectivamente para as vazões de 10, 20 e 30 IIs, é possível implementar a ET A compacta anteriormente detalhada. Esta seria uma das unidades integrantes no polimento e reaproveitamento de efluentes com as caracteristicas de águas residuárias domésticas, que tenham sido objeto de tratamento em etapa anterior, por processos biológicos secundários. Com isto, principalmente em comunidades de pequeno porte onde a vazão tratada não exceda 30 IIs, como é o caso presente, é possível uma razoável aproximação do efluente zero. Há que se ter presente, no entanto, que qualquer tratamento biológico convencional a nivel secundário, seja ele lodo ativado, lagoa de estabilização, filtro biológico, entre outros, geram significativas concentrações de nitratos, sulfatos e fosfatos. Pelos padrões da comunidade européia os nitratos tem a sua concentração máxima admissível fixada em 50 mgl! (Reeve, 1994), para evitar a ocorrência da metemoglobinemia. 276 Provavelmente a potabilidade na questão dos nitratos, que nos EUA (Liu, 1997) e no Brasil (CONAMA, 1986) é 10 mgll, não será satisfeita pela ETA compacta proposta. Isto porque os nitratos, todos solúveis em água, terão plenas condições de ultrapassar as restrições fisicas da areia no c1arificador, bem como da areia e do antracito nos filtros rápidos, embora o antracito possa reduzir adsortivamente (de forma limitada) a sua concentração. Para superar o problema das altas concentrações do íon nitrato, é imprescindível que seja adotada, após á ET A compacta, um processo adequado para a remoção desse elemento. Logo, aos custos referidos neste trabalho, relativos á ETA compacta, devem ser incorporados os custos da alternativa adotada para proceder a remoção dos nitratos: "wetland" artificial, filtro biológico de areia como o de De Groote LlICh, ou outra tecnologia adequada. A desinfecção com cloro gasoso liquefeito realizar-se-ia em efluente de "wetland" artificial com escoamento subsuperficial, ou em efluente de unidade denitrificante. É inequívoco reconhecer que a concentração de matéria orgânica remanescente no efluente tratado a nivel secundário será muito baixa, da ordem de 20 a 40 mgll, e será menor ainda para o efluente do "wetland". Logo, é razoável admitir que a geração de c1oraminas, se ocorrer, o será em níveis insignificantes do ponto de vista de saúde pública. Assim, o efeito carcinogênico do cloro ou dos elementos organoclorados não se fará presente. Uma sequência a ser obedecida no sistema integrado de tratamento poderia ser a que é representada na figura 2. Em traço descontínuo apresenta-se a futura conveniência de dirigir o efluente do "wetland" á uma unidade denitrificante, como a que está sendo implantada em De Groot Lucht. Na inexistência da referida unidade o efluente do "wetland" seria usado para irrigação ou dirigido á comunidade para abastecimento restrito (não potável). Em se implantando a unidade denitrificante, o efluente final livre de nitratos, poderia ser dirigido para abastecimento irrestrito da comunidade, tal como se representa na figura 2. Cloração Irrigação Abastecimento ~Unidade : dcnitrificantc Esgoto bruto Comunidade Wetland artificial ETE - Tratamento secundário ET A compacta Figura 2. Sequência de tratamento de águas residuais domésticas, visando á sua reciclagem. CONCLUSÕES Para por em prática a reciclagem para abastecimento irrestrito a partir de águas residuárias tratadas, é necessária a existência de legislação específica relacíonada a este tema. Este é o princípal motivo pelo qual esta prática ainda não é adotada em outros países como os EUA e Austrália, embora águas residuárias recicladas em plantas-piloto já superem amplamente os padrões de potabilidade. O emprego de uma ET A do tipo proposto neste trabalho, é atualmente viável para abastecimento restrito, e a médio prazo deverá ser para abastecimento irrestrito. Já existe tecnologia para atingir estes objetivos, e os custos relativos às mesmas estão em constante declínio. O que ainda falta é a criação de leis que disciplinem a prática, e naturalmente, vencer ao compreensível preconceito relacionado ao tema. 277 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq e à FAPERGS pelo apoio recebido para a realização deste trabalho. REFERÊNCIAS ARDEN, T.V. The removal ofnitrate from potable water supplies. New /Vorld /Vater, 1994, p.59-{í2. BIDONE, F.RA. Sistema de abastecimento de água de Glorinha - Relatório preliminar. Porto Alegre. 1990, 90p. CORSAN/ ENGEPLUS, CONAMA. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução N" 20, de 18 de junho de 1986. GEHLING, G.R. Disposição de esgotos domésticos por infiltração em solos arenosos. Tese de Mestrado. Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1985, 137p. HAMER, D.A. Constructed wetlands for wastewater treatment: municipal, industrial and agricultural. 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