Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de

Transcrição

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de
U n i ve r s i da de d o E s t a d o do R i o de J a ne i r o
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Mestrado em Educação
Controlar para quê?
Uma análise etnográfica da interação entre
professor e aluno na sala de aula
P a u l a Al m e i d a d e C a s t r o
Rio de Janeiro
2006
Controlar para quê?
Uma análise etnográfica da interação entre professor e aluno na
sala de aula.
Dissertação apresentada à Universidade
do Estado do Rio de Janeiro como
requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Carmen Lúcia Guimarães de
Mattos.
Rio de Janeiro, 26 de Abril, de 2006.
12
APROVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Dissertação: Controlar para quê? Uma análise etnográfica da interação
entre professor e aluno na sala de aula.
Elaborada por Paula Almeida de Castro
Orientadora:
Profª Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Membros da banca examinadora:
Profª Sueli Barbosa Thomaz
Prof. Luiz Antonio Gomes Senna
Profª Helena Amaral da Fontoura
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Dedicatória
A Deus, pois a ele recorremos em todos os momentos da nossa vida.
Dedico este trabalho à minha família, que sempre esteve ao meu lado
suportando meus momentos mais difíceis.
À minha orientadora pelos ensinamentos, pelo carinho, paciência e
compreensão que sempre teve comigo.
À equipe de pesquisa do Núcleo de Etnografia em Educação e em especial
a minha irmã Aline Leal da Silva, minha madrinha Érika Aroucha Silva e
minha pastora Tatiana Bezerra Fagundes.
"Dê-me um ponto de apoio e moverei o mundo”.
Arquimedes
Obrigada por tudo.
14
Agradecimentos
Eu precisaria mais do que palavras bonitas para expressar o meu
agradecimento a todos que durante a minha caminhada estiveram ao meu
lado, especialmente à minha orientadora e à equipe de pesquisa.
Gostaria de agradecer especialmente à oportunidade que tive de conhecer e
trabalhar com pessoas tão talentosas como Aline, Érika e Tatiana. O apoio
de vocês foi mais do que fundamental a mim e ao meu trabalho.
Agradeço aos funcionários da escola onde foi realizado o trabalho de campo
e à professora que abriu as portas da sua sala de aula para o nosso estudo.
Agradeço aos professores do Programa de Pós Graduação em Educação
pelo conhecimento compartilhado.
À Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro pela concessão da Bolsa Nota 10.
15
Resumo
Esta dissertação apresenta as análises produzidas a partir da investigação
etnográfica de uma escola pública de ensino fundamental na cidade do Rio
de Janeiro. O cenário da sala de aula foi estudado a partir do controle
exercido pela professora sobre seus alunos e alunas desvelando como este
ocorre no cotidiano de sala de aula. As observações dos conselhos de
classe subsidiaram o entendimento e explicações dadas pelas professoras e
demais membros desse conselho sobre a prática pedagógica em sala de
aula e sobre a hierarquia escolar. Em nossas análises utilizamos cenas,
eventos, atos, ações e falas para organizar o padrão de recorrência de forma
hierárquica a fim de privilegiar o objeto de estudo – controle – e as
categorias dele derivadas através de um processo de análise indutiva nos
dois contextos: a sala de aula e os conselhos de classe. Os resultados
dessa pesquisa serão apresentados em forma de vinhetas etnográficas de
modo a propiciar ao leitor a mais vívida e precisa experiência pedagógica do
controle exercido pela professora na sala de aula. Assim, este estudo
pretende contribuir para uma visão crítica das práticas de sala de aula no
intuito de ampliar o debate sobre as alternativas visando minimizar a
exclusão escolar. Iniciamos a primeira parte do trabalho com a apresentação
do tema no âmbito educacional justificando a relevância da escolha do
mesmo. A seguir, descrevemos o objeto de estudo e sua inter-relação com o
ambiente escolar. Finalizamos esta parte com a exposição da metodologia
etnográfica que subsidiou as observações de campo e análise de dados. Na
segunda parte, descrevemos as categorias temáticas relacionadas com o
objeto de estudo tanto na sala de aula, quanto nos conselhos de classe e
apresentamos os resultados gerais e as considerações finais. Esperamos
que esta dissertação venha a contribuir na busca de alternativas às práticas
que visem a superação das desigualdades educacionais e da exclusão
escolar.
Palavras-chave: Controle; Etnografia; Ensino – aprendizagem; Fracasso
escolar.
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Abstract
This Master dissertation presents the analyses produced from the
ethnographic inquiry of a public school of basic education in the city of Rio de
Janeiro. The scene of the classroom was studied exploring the control
exerted for the teacher on its pupils unveilling as this control in the daily one
of classroom occurs. The comments of the classroom advice had subsidized
the agreement and explanations given for the teachers and too much
members of this practical advice on the pedagogical one in classroom and on
the pertaining to school hierarchy. Our analyses had privileged the scenes,
the events, the facts, the acts, the actions and you say them. The boarded
subjects had been organized by the standard of hierarchic recurrence of form
to privilege the object of study - control - and the categories of it derived
through a process from inductive analysis in the two contexts: the classroom
and the advice of classroom. The results will be presented in form of
ethnographic vignettes in order to propitiate the reader in the most alive way
and need the pedagogical experience the control exerted for the teacher in
the classroom. Thus, this study intends to contribute for a critical vision of
the practical ones of classroom in order to extend the debate on the
alternatives to minimize the pertaining to school exclusion. We initiate the
first part of the work with the presentation of the subject in the current
educational scope justifying the relevance of the choice of the subject. To
follow, we describe the object of study and its interrelation with the pertaining
to school environment. We finish this part with the exposition of the
ethnographic methodology that subsidized the comments of field and
analysis of data. In the second part, we in such a way describe the thematic
categories related with the object of study in the classroom, how much in the
classroom advice. To follow, we present the general results, the final
considerations and the bibliography used in the theoretical basement of the
work. We wait that this Master dissertation comes to contribute to extend the
debate on the field of the Education and the search of alternatives for
practical that they aim at the overcoming of the educational inequalities and
the pertaining to school exclusion.
Word-keys: Control; Ethnography; Education – learning; Failure schooling.
17
“O que faz a gente ser grande é não perder o futuro de vista.
É chegar a um porto, fincar a bandeira da conquista e nesse
mesmo instante começar a buscar outros portos. É criar
desafios, calcular riscos, avançando sempre, porque a
grande aventura é viver. E a vida, assim como as ondas, tem
um jeito diferente de se repetir. De prometer descobertas e
abrigar todos os tipos de sonhos e embarcações. O que faz a
gente ser grande é ser como o mar; incansável na sua
procura pela onda perfeita. Até descobrir que a perfeição
está na própria busca.”
Autor desconhecido.
18
PARTE 1 – SOBRE O TEMA ...................................................................... 20
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 20
2. APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 25
2.1. O ensino em ciclos: caminhos percorridos..................................... 25
2.2. Controle ......................................................................................... 33
2.3. A estrutura física do CIEP .............................................................. 37
3. SOBRE A ABORDAGEM TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICA-METODOLÓGICA. ............ 42
3.1. Etnografia....................................................................................... 42
3.2. Etnografia e Educação ................................................................... 45
3.3. Justificativa .................................................................................... 49
3.4. Objetivos ........................................................................................ 51
3.4.1 Objetivo Geral ............................................................................. 51
3.4.2 Objetivos Específicos.................................................................. 51
3.5. Questões de pesquisa ................................................................... 51
3.6. Instrumentos .................................................................................. 52
3.7. Participantes .................................................................................. 59
3.8.Setting............................................................................................. 61
3.9. Processo de análise e interpretação dos dados ............................ 63
3.9.1. Reflexividade do pesquisador: trabalho de campo à deriva ....... 63
3.10. Apresentação das categorias temáticas ...................................... 68
PARTE II ...................................................................................................... 85
1. ANÁLISE E RESULTADOS........................................................................... 85
1.1. A sala de aula ................................................................................ 86
1.1.1. Corpo: rebelde ou docilizado?.................................................... 86
1.1.2. Tarefa: “o dever” do aluno.......................................................... 93
1.1.3. Agressão: a norma pela força .................................................. 102
1.1.4. Espaço: o controle da movimentação e da ocupação.............. 109
1.1.5. Barulho: as vozes da sala de aula ........................................... 116
1.1.6. Tempo: chronos ou kairós?...................................................... 122
1. 2. O Conselho de classe ................................................................. 129
1.2.1. Problemas de aprendizagem: a discussão clínica-pedagógica 132
1.2.2. Problemas familiares: justificativa para o fracasso escolar ...... 139
1.2.3. Faltas: presenças controladas ................................................. 143
1.2.4. Medicalização .......................................................................... 148
1.2.5. Violência................................................................................... 152
1.2.6. Estigma .................................................................................... 158
1.2.7. Conceito x Nota........................................................................ 166
1.2.8. Para onde vão as faltas? Conselho Tutelar ............................. 171
2. RESULTADOS GERAIS ............................................................................ 175
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 185
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 189
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PARTE 1 – Sobre o tema
1. Introdução
“A pesquisa é talvez a arte de se criar dificuldades fecundas e de
criá-las para os outros. Nos lugares onde havia coisas simples, fazse aparecer problemas” (BOURDIEU, 2004)
O presente trabalho foi desenvolvido ao longo do curso de mestrado no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
Essa dissertação teve como objetivo estudar o controle exercido pela
professora sobre os seus alunos e alunas em sala de aula, a implicação
deste na rotina pedagógica1, suas conseqüências no desempenho e
avaliação dos alunos e alunas e o aumento das condições de desigualdade
em sala de aula.
Para subsidiar o entendimento da sala de aula observamos as cenas,
eventos, atos, ações e falas nos conselhos de classe compostos por
professoras, diretora, vice-diretora e coordenadora pedagógica. Esta
observação possibilitou uma visão macro da rotina escolar e dos
1
“A pedagogia é um esforço deliberado para influenciar os tipos e os processos de
produção de conhecimentos e identidades em meio a determinados conjuntos de relações
sociais e entre eles. Pode ser entendida como uma prática pela qual as pessoas são
incitadas a adquirir determinado ”caráter moral”. Constituindo a um só tempo atividade
política e prática, tenta influir na ocorrência e nos tipos de influência. Quando se pratica
pedagogia, age-se com a intenção de criar experiências que, de determinadas maneiras,
irão estruturar e desestruturar uma série de entendimentos de nosso mundo natural e social.
O que estamos enfatizando aqui é que a pedagogia é um conceito que enfoca os processos
pelos quais se produz conhecimento” (GIROUX & SIMON, In MOREIRA & SILVA, 1995,
p.97).
20
procedimentos adotados pela professora com seus alunos e alunas na sala
de aula estudada.
“A vida de sala de aula, como a de qualquer outra situação social,
não é dada a priori, nem tomada de empréstimo a outra situação, ao
contrário, é construída, “definida e redefinida” a todo o momento,
revelando e estabelecendo os contornos de uma interação em
construção. Interação enquanto (encontro) em que os participantes,
por estarem na presença imediata uns dos outros, sofrem influência
recíproca, daí negociarem ações e construírem significados dia a dia,
momento a momento” (CAJAL In COX e ASSIS-PETERSON, 2001,
p.127).
Essa construção diária na sala de aula implica no estabelecimento de uma
interação que promova a inclusão dos alunos sem que para isso ocorram
interpretações pré-concebidas das capacidades dos mesmos. Nesta
perspectiva a sala de aula se configura como um espaço interacional que
interfere na vida daqueles e daquelas que dela participam. Por isso a
importância de estudá-la e voltar a ela toda vez que buscamos compreender
a dinâmica que ocorre em seu interior.
Na busca desse entendimento realizamos o estudo em um CIEP – Centro
Integrado de Educação Pública – que em seu projeto inicial visava a
implementação de escolas de horário integral no Rio de Janeiro. A idéia da
construção de escolas de horário integral esteve vinculada com uma
proposta política do então governador Leonel Brizola e do vice-governador e
secretário de Estado e Cultura, Ciência e Tecnologia, Darcy Ribeiro e o
projeto arquitetônico foi desenvolvido por Oscar Niemeyer.
21
O funcionamento diário dos CIEPs seria de oito horas, dividas em
desenvolvimento do currículo básico, atividades de animação cultural,
estudo dirigido e educação física. As escolas também possuíam um centro
de saúde com atendimento médico e odontológico e uma biblioteca.
Há época de sua implantação, a proposta das escolas de horário integral era
vista como utópica pelos próprios educadores que passaram por
treinamentos para desenvolveram suas atividades pedagógicas em oito
horas diárias. O que vemos hoje é que não foi possível construir um espaço
educativo inovador que ficou atrelado a ideais políticos divergentes. Alguns
CIEPs foram entregues à administração municipal e passaram a integrar o
projeto político pedagógico do município2.
A escola onde realizamos o trabalho de campo tem seu funcionamento em
horário integral com atividades criadas a partir das necessidades dos alunos
com relação aos conteúdos pedagógicos. Uma dessas atividades é a
recuperação paralela, onde os alunos e alunas com rendimentos abaixo da
média a freqüentam durante o ano em horários especiais no intuito de
melhorarem seu desempenho acadêmico.
2
O município do Rio de Janeiro, segundo o IBGE, possui 973 escolas de ensino
fundamental e 28.446 docentes. No ano de 2004 foram matriculados 849.319 alunos no
ensino fundamental, sendo 595.907 em escolas municipais e o restante em escolas
estaduais e federais. Não cabe a nós salientar uma discussão sobre o sucesso ou fracasso
do projeto dos CIEPs, o que nos interessa neste trabalho é entender o que é essa escola e
como ela funciona.
22
Nesse contexto a etnografia crítica de sala de aula (MATTOS, 2002)
contribuiu para que os aspectos observados convergissem para o controle
dos alunos e alunas evidenciando como as formas de atuação das
professoras, diretora e coordenadora pedagógica tanto na escola como na
sala de aula não consideram o aluno enquanto principal ator escolar.
Foi possível perceber em nosso estudo como o discurso e a prática
funcionam de maneira excludente e que, apesar dos esforços de
implementação de políticas pedagógicas que visam a criação de uma escola
inclusiva, humanitária, voltada para o atendimento das necessidades
educacionais de seus alunos, há ainda uma lacuna a ser preenchida. Lacuna
esta relacionada com as formas de controle da professora sobre os alunos e
alunas.
Tais formas de controle são apresentadas nas categorias encontradas na
análise indutiva de dados sendo elas: corpo, tarefa, agressão, espaço,
barulho, tempo, problemas de aprendizagem, problemas familiares, faltas,
medicalização, violência, estigma, nota, conselho tutelar.
O entrelaçamento entre as categorias e o objeto de estudo apresentam o
cotidiano escolar mediado pelo controle das práticas escolares estruturando
a dinâmica de sala de aula a partir de um espaço de exclusão e miséria na
escola.
Este trabalho foi divido em duas partes. Na primeira parte fizemos uma
apresentação do tema e do contexto pedagógico da escola. A seguir,
23
delineamos a metodologia utilizada, e descrevemos as cenas dos
participantes e do lócus de estudo. Há ainda, uma consideração sobre o
trabalho do pesquisador no campo.
Na segunda parte apresentamos a análise de dados realizada com a
descrição das categorias e os resultados gerais e finalizamos com as
considerações finais do trabalho.
Com este trabalho acreditamos que seja possível ampliar o debate sobre os
desígnios da Educação que há tanto caminham na tentativa de oferecer
condições de superação de uma realidade excludente e desigual. A escola
pública é ainda, o espaço de construção de conhecimento que pode oferecer
condições sociais, econômicas, culturais e educacionais aos que nela
acreditam.
24
2. Apresentação
2.1. O ensino em ciclos: caminhos percorridos
Compreender a proposta do ensino em ciclos de aprendizagem foi
importante para o desvelamento da prática pedagógica observada na sala
de aula estudada. As discussões sobre os ciclos entre as professoras nos
Conselhos de Classe envolviam quais os procedimentos corretos a serem
adotados quanto à possibilidade de reprovar o aluno e quanto ao conteúdo
pedagógico de cada etapa.
A falta de entendimento pelas professoras da proposta pedagógica a ser
adotada parece gerar dificuldades na prática diária de sala de aula e acaba,
prejudicando os resultados acadêmicos dos alunos e alunas levando a
maioria deles e delas à reprovação / repetência escolar.
“A repetência é um indicador claro da não-funcionalidade e da
ineficiência interna do sistema escolar, para a sociedade, em geral, e
a comunidade educacional, em particular, professores, pais,
estudantes, diretores, deliberadores de políticas nos distintos níveis,
a repetência é aceita como algo “natural”, como um componente
inerente e até inevitável da vida escolar.” (TORRES In MARCHESI &
GIL, 2004, p. 37)
Nos anos 90 chegou-se à idéia de que a escola deveria deixar o papel de
transmissão de conhecimento, passando a ser considerada como facilitadora
do manejo de informações pelos alunos. Este modelo escolar tinha como
premissa que o sujeito aprendia em todos os momentos da vida sendo,
25
portanto, necessário que a escola cultivasse os valores sociais, culturais e
familiares de seus alunos e alunas.
Tal prerrogativa parte do princípio que os programas escolares eram
distanciados das questões sociais e alheios aos interesses e características
dos alunos e alunas. A proposta era de que os programas escolares fossem
diretamente referidos à vida dos alunos, funcionando como elemento de
transmissão e unidade cultural e não visando apenas a diminuição dos
custos do governo com as reprovações. Buscava-se uma visão global do
aluno, valorizando a dimensão cognitiva, afetiva e social integrada à prática
pedagógica.
Nesse ínterim o artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996) é previsto o ensino em ciclo de
aprendizagem:
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino
fundamental em ciclos.
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por
série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão
continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensinoaprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de
ensino.
A partir de uma revisão de literatura sobre a implantação dos ciclos
escolares no Brasil foi possível visualizar a trajetória percorrida pelas
escolas brasileiras, especialmente no Rio de Janeiro. Utilizamos o
referencial teórico de Perrenoud (2004), Barreto e Mitrullis (2001) e do
material fornecido pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro
para tal fim (ANEXO I).
26
No Rio de Janeiro as escolas do Ensino Fundamental da rede municipal de
educação implantaram gradativamente o sistema de ciclos de formação e
foram se adaptando a este novo sistema abandonando o sistema seriado.
A proposta do ensino em ciclos correspondeu à intenção de regularizar o
fluxo de alunos ao longo da escolarização, eliminando ou limitando a
reprovação / repetência.
Os ciclos compreendem períodos de escolarização que ultrapassam as
séries anuais, organizados em blocos cuja duração varia, podendo atingir
até a totalidade de anos prevista para um determinado nível de ensino.
Perrenoud (2004) em seus estudos propôs uma pedagogia diferenciada que
fosse capaz de promover avanços progressivos no conhecimento,
respeitando os diferentes ritmos de aprendizagem de cada aluno. Esta
diferenciação está fundamentada na qualidade dos tratamentos pedagógicos
e didáticos, dispensados, sobretudo aos alunos (as) que possuem
dificuldades de aprendizagem, em detrimento do tempo de estudo.
Barreto e Mitrullis (2001) discutem os esforços implementados na tentativa
de pensar uma solução pra o alto índice de reprovações.
Segundo as autoras, a questão do ciclo não é nova. Desde 1950, após a
percepção da grande retenção de alunos na escola primária brasileira, vêmse discutindo o ciclo – então entendido como promoção automática – a fim
de diminuir o quantitativo de repetentes. Nesse escopo foram realizadas
experiências de implementação dos mesmos no país, sobretudo ao longo
27
das décadas de 60 e 70 sendo adotado por governos nos anos 80. Contudo,
a expressão maior da implementação de ciclos acontece na década de 90. A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - 9394/96) cria a
possibilidade de implementação dos ciclos, mas não obrigatoriamente:
“A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de período de estudos, grupos
não-seriados, com base na idade, na competência e em outros
critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar” (art.
23, p.34).
A organização do ensino em ciclos era, antes de tudo, uma estratégia
política e financeira. O alto índice de reprovações nas séries iniciais
representava um aumento nos custos do governo com a Educação. As
estatísticas apontavam que de cada 100 crianças matriculadas na 1ª série,
apenas 16 concluíam as quatro séries do ensino primário após os 4 anos
propostos para a sua duração.
O tema repetência ou reprovação na Educação Primária ganhou destaque
nas discussões educacionais, se resumindo à questão financeira como
aponta Almeida Júnior (In PATTO, 1999):
“(...) que se procure solucionar o grave problema da repetência
escolar – que constitui prejuízo financeiro importante e retira
oportunidades educacionais a considerável massa de crianças em
idade escolar (...)”.
Há, ainda, que se considerar, além da questão financeira envolvida na
Educação, que a proposta de promoção automática foi criada por países
com realidade sócio-cultural distinta do Brasil. Seria preciso preparar o
professorado para receber tal proposta de ensino.
28
Esta preparação deveria considerar os programas e critérios de avaliação, a
formação do professor e o aumento da escolaridade dos alunos para além
dos quatro anos.
O entendimento da proposta dos ciclos é fator que gera dúvidas por parte
dos professores. Estes não chegaram a um consenso acerca dos conteúdos
de cada etapa do ciclo e quanto à reprovação. Na impossibilidade de serem
reprovados os alunos e alunas passam de um ciclo ao outro sem adquirirem
os conteúdos básicos de cada etapa3.
Tantos foram os equívocos observados na elaboração da proposta do
ensino em ciclos que ainda hoje podem ser percebidos nas salas de aula.
Em nossas observações de campo presenciamos discussões entre as
professoras e coordenadora pedagógica sobre os ciclos.
Isabel: Acho que daí o nome ciclo... É uma coisa cíclica... Um
faz e o outro continua e o outro também.
Arlete: Ah aí a outra turma vai achar que eu não ensinei direito.
Coordenadora pedagógica: A gente sabe que são crianças que
tem problema. Vem pra cá de mãos abanando.
Arlete: A gente sabe dos problemas, mas no mapa estão
outros.
Coordenadora pedagógica: O índice mostra as expectativas de
cada uma. A minha preocupação não é com o trabalho do
professor, mas por não saberem ler e poderíamos salvá-los da
progressão. É melhor pegar uma turma de vinte com seis com
dificuldade, mas só aqueles que têm uma chance.
Arlete: na 4ª série eles não estão sabendo chegar, a gente dá
um teste para eles chegarem num nível de 4ª série, a gente
Na proposta de Perrenoud (2004) os ciclos são a possibilidade do aluno aprender em seu
tempo respeitando assim os diferentes ritmos de aprendizagem. Dentro da escola existe a
implementação da proposta de ciclos ligada ao regime seriado de ensino. Por isso os
professores consideram que o aluno passa de uma etapa para outra.
3
29
trabalha alfabetização, sala de leitura, mas eles saem da 3ª
sem saber... então a lacuna que está quando saindo do ciclo.
Isabel: a lacuna está no ciclo.
Arlete: não do começo até o final.
Os eventos de fala das professoras durante a discussão no Conselho de
Classe sobre as dúvidas da proposta dos ciclos demonstra a compreensão
equivocada das mesmas sobre o funcionamento e a finalidade do ensino em
ciclos de aprendizagem.
Na teoria a proposta sobre os ciclos tem como objetivo valorizar o tempo de
aprendizagem do aluno. Contudo tal objetivo não tem se efetivado na
prática. O que pode ser observado é a tentativa de homogeneizar as turmas
agrupando-as de acordo com os níveis de aprendizagem e idade
cronológica.
A proposta dos ciclos que considerava uma flexibilização do tempo de
aprendizagem (variável crucial de acordo com o princípio de que todos eram
capazes de aprender) culmina com a nossa experiência verificada na sala de
aula estudada. Verificamos que a professora não respeita tal princípio
norteador da proposta pedagógica adotada pela escola, conclamando os
alunos a finalizarem suas tarefas no tempo por ela determinado.
Esta proposta tem como objetivo suplantar um antigo problema que é a
defasagem idade / série. Nos anos 80 os estudos sobre repetência no Brasil
(BRANDÃO et. ali., 1986) apontavam que:
30
“... menos de um terço da clientela está na idade ideal para a série
que freqüenta os dois terços restantes encontram-se atrasados, seja
porque entraram com mais de 7 anos na primeira série, seja porque
abandonaram a escola por algum tempo, voltando mais tarde, seja
porque repetiram alguma série” (p.96)
Os dados se repetem no ano 2000 no relatório de desenvolvimento juvenil
publicado pela UNESCO em 2004, onde lê-se que:
“... mais de 50% dos jovens não freqüentam a escola. Mais grave
ainda se torna a situação quando levamos em conta que, entre os
que não estão na escola na faixa etária aludida [15 aos 24 anos]
mais de 60% não se encontram nas séries correspondentes às
idades que possuem. O problema das distorções idade ou atraso
escolar num país como o Brasil é preocupante. (...) em um sistema
educacional seriado existe uma adequação teórica entre a série e a
idade do aluno. No caso brasileiro, considera-se a idade de 7 anos
como a idade adequada para o ingresso no ensino fundamental e a
idade de 14 para a conclusão.” (p.60)
O que vemos, mais uma vez, é a contradição entre as propostas
pedagógicas adotadas e a prática de sala de aula que gira em torno do
cumprimento do currículo sem considerar a heterogeneidade do tempo de
aprender de cada aluno.
Ao final, concordamos com a afirmação de Bourdieu (1998) sobre a
instituição escolar que:
“(...) tende a ser considerada cada vez mais, tanto pelas
famílias quanto pelos próprios alunos, como um engodo, fonte
de uma imensa decepção coletiva: essa espécie de terra
prometida, semelhante ao horizonte, que recua na medida em
que se avança em sua direção”. (BOURDIEU, 1998 p. 221).
O aluno avança no ciclo de aprendizagem, mas ao chegar ao final ele é
colocado numa classe de progressão. Solução adotada para acelerar a
aprendizagem de alunos e alunas que não conseguiram atingir as metas
31
delineadas para cada etapa. O horizonte, mencionado por Bourdieu (1998),
vai se afastando cada vez mais.
32
2.2. Controle
No estudo que realizamos foi possível visualizar as instâncias tanto
psicológicas como físicas regendo o cotidiano da escola e da sala de aula.
Para definirmos o objeto de estudo foi necessário tecer considerações sobre
os mecanismos de vigilância, a hierarquia escolar e a estrutura física que
atuam como mecanismos de controle exercido na escola sobre os alunos e
alunas.
O conceito de controle que estamos utilizando parte dos pressupostos
teóricos desenvolvidos por Foucault (1987, 1999, 2001 e 2003) e aplicados
nos estudos sobre instituições. Utilizamos o referencial teórico de Goffman
(2005) e Bourdieu (2005) subsidiando a teoria que fomenta o trabalho
realizado.
Por controle
entendemos as
estratégias utilizadas
para
monitorar,
inspecionar e fiscalizar. Os espaços precisam ser vigiados e controlados de
acordo com padrões normativos oriundos de uma sociedade que utiliza cada
vez mais recursos tecnológicos de vigilância, tais como câmeras, escutas e
identificadores de chamada.
O termo controle aparece na obra de Foucault (1987) para designar
mecanismos de vigilância que não servem exclusivamente para punir, mas
corrigir e prevenir. Foucault (1987) nos fala de uma “ortopedia social, para a
qual o desenvolvimento da polícia e da vigilância das populações são os
33
instrumentos essenciais”. Para ele o controle social não está relacionado
somente com a justiça, mas com poderes laterais que seriam as instituições
psicológicas, psiquiátricas, criminológicas, médicas, pedagógicas.
O poder disciplinar envolve o uso de instrumentos de vigilância que atuam
subliminarmente4 no cotidiano escolar. Dentre os diversos instrumentos
existentes destacamos: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o
exame. A aplicação de tais instrumentos e a adequação a eles ocorre o
tempo todas nas interações entre os profissionais da escola e os alunos.
“As instituições disciplinares produziram uma maquinaria de controle
que funcionou como um microscópio do comportamento; as divisões
tênues e analíticas por elas realizadas formaram, em torno dos
homens, um aparelho de observação, de registro e de treinamento”
(FOUCAULT, 1987, p. 145).
A escola não estaria relacionada apenas com a idéia de espaço para a
aprendizagem. Ela abarcaria segundo Foucault (1987):
“O ensinamento propriamente dito, a aquisição dos conhecimentos
pelo próprio exercício da atividade pedagógica, enfim uma
observação recíproca e hierarquizada. Uma relação de fiscalização,
definida e regulada, está inserida na essência da prática do ensino:
não como uma peça trazida ou adjacente, mas como um mecanismo
que lhe é inerente e multiplica sua eficiência” (p.148).
A esta hierarquização escolar consideramos, especificamente na escola
estudada, a organização da gestão escolar. A coordenação pedagógica
representa a figura central na determinação de regras na escola, juntamente
com a vice-direção. A direção e os professores estariam no mesmo nível de
tomada de decisão e os alunos e alunas estariam no último plano apenas se
4
O conceito de subliminar tem fundamentos na psicologia. Pode-se considerar subliminar
um estímulo que, embora, não seja bastante intenso para que o indivíduo tome consciência
dele, atua – quando repetido – no sentido de alcançar um efeito desejado.
34
adequando às sanções escolares. Esta hierarquia implica numa maquinaria
de poder (FOUCAULT, 2001).
“Passou-se de uma tecnologia do poder que expulsa, que exclui, que
bane, que marginaliza, que reprime, a um poder que é enfim um
poder positivo, um poder que fabrica, um poder que observa, um
poder que sabe e um poder que se multiplica a partir de seus
próprios efeitos”. (p. 61).
As formas de exercício de poder para a obtenção de uma vigilância
hierarquizada estão ligadas às relações de poder em que ela implica. Se o
aluno sabe que seu comportamento está sendo avaliado pelo olhar do
professor e ainda que será considerado no seu resultado final, ele
permanecerá de forma que a professora o avalie positivamente.
Foucault (1987) afirma que a vigilância assume um papel de supervisão
direta do trabalho dos subordinados pelos superiores, assim como a
execução da tarefa em sala de aula: os alunos sentam-se às mesas ou
carteiras, normalmente dispostas em fileiras, todos em função do professor.
Os alunos devem parecer alerta, ou então estar absorvidos em seu trabalho.
Entretanto na prática, isso dependerá das habilidades do professor e das
inclinações dos alunos no sentido de agirem de acordo com o que se espera
deles.
A escola e a sala de aula possuem um modelo quase ideal para o exercício
da vigilância: a disposição das carteiras dos alunos e da mesa do professor
é feita de modo a proporcionar o controle pelo olhar. É um diagrama de um
poder que age pelo efeito de uma visibilidade geral (FOUCAULT, 1987).
35
Foucault alude à estrutura física das salas de aula para salientar os
mecanismos de vigilância utilizados. Ele explica que os velhos esquemas de
encarceramento são substituídos pelos espaços vazios, as passagens, as
janelas de vidro, entre outras formas de dar visibilidade ao interior dos
ambientes fechados, como a sala de aula.
Pela utilização de tais mecanismos a atuação escolar poderia ser
considerada como local de aplicação de um controle rígido sob todo e
qualquer desvio às normas estabelecidas que seriam: o cumprimento dos
horários de saída e chegada na escola, a obrigatoriedade de permanecer em
silêncio, sentados com “modos” e executando as tarefas.
Desse modo a escola se constituiria de:
“(...) uma micropenalidade do tempo (atrasos, ausências,
interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência,
falta de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos
discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes “incorretas”,
gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia,
indecência).” (FOUCAULT, 1987, p.149).
A partir de tais considerações foi possível perceber a importância da
estrutura física bem como das diversas formas de vigilância presente na
escola para o exercício do controle.
36
2.3. A estrutura física do CIEP
O projeto arquitetônico dos CIEPs foi desenvolvido por Oscar Niemeyer, com
a seguinte estrutura física: no primeiro plano uma quadra de esportes e um
refeitório. No segundo plano, estão as salas da direção, de aula, de leitura,
de informática, banheiros e uma sala destinada ao atendimento do programa
Bolsa Escola5. No terceiro plano somente salas de aula e no quarto plano a
chamada residência – alojamentos para doze crianças que podem morar na
escola quando necessitam e ficam sob os cuidados de um casal ou uma
mãe social.
As salas de aula são vazadas, a parede não atinge o teto, o que viabiliza o
acompanhamento das aulas de uma turma por todos da escola. Durante as
observações de campo era comum ouvirmos as aulas das outras turmas,
principalmente a voz da professora.
É possível, devido à estrutura das salas identificar vozes, gritos e ainda o
conteúdo que está sendo trabalhado. Nos conselhos de classe os
professores eram advertidos quanto à dinâmica de suas aulas. A diretora e a
coordenadora alertavam as professores quanto aos gritos com os alunos e
ainda com relação ao tratamento dispensado aos mesmos. Ela sugere, em
5
O Programa Nacional Bolsa Escola foi criado em 2001 com a proposta de conceder
benefício monetário mensal a milhares de famílias brasileiras em troca da manutenção de
suas crianças nas escolas.
37
uma das reuniões, que as professoras ao sentirem vontade de agredir um
aluno que coloquem a mão no bolso e contem até dez.
Diretora: Eu sou uma pessoa muito gostada na comunidade. As
mães de modo geral, gostam de mim, as crianças e tal e eu já fui
ameaçada aqui. Imagine uma pessoa que está chegando de repente.
A gente não conhece a clientela assim, eu sei e eu vou repetir um
pouquinho o tratamento. Volto, a gente não está aqui fazendo um
favor, a gente ganha para trabalhar com a criança e eu presumo que
a gente esteja trabalhando naquilo que gosta, até porque eu estou
na estrada a trinta e oito anos por gostar, senão eu já teria pego o
meu boné a muito tempo, c... Vamos maneirar assim nestas coisas.
A coisa está ficando preta, e eu estou sempre em defesa do
professor e, mas eu quero defender o professor com consciência, ta
bom então? Vamos maneirar e tem um ditado que é assim: Se você
está mais nervosa e quer tomar uma atitude drástica, conta até dez,
senão conta até cem, senão até mil. (Conselho de classe).
A diretora, no evento de fala acima, se refere aos alunos que freqüentam a
escola como uma clientela desconhecida pelas professoras e que, portanto,
devem adotar o comportamento sugerido pelo dito popular de contar até dez
antes de “tomar uma atitude drástica”.
A possibilidade de ouvir os gritos e saber qual o tratamento que os alunos
estão recebendo por parte da professora, se dá pela configuração
arquitetônica das salas de aula. Assim, a diretora pode a todo o momento
gerenciar a dinâmica da sala de aula pelas vozes de professoras e alunos.
Giddens (2005), Foucault (1987) e Goffman (2005) apontam em seus
estudos que a arquitetura das instituições foi especialmente projetada para o
atendimento e funcionamento a que se propõe. A divisão física possui
particularidades relevantes para as atividades que são desempenhadas em
seu interior.
38
“Uma escola, ao ser projetada, necessita de salas de aula, salas de
direção, laboratórios, sala de leitura, refeitório, banheiros e uma área
de recreação. Tal organização configura um layout específico de um
ambiente escolar” (GIDDENS, 2005, p. 290).
Giddens (2005) pressupõe a existência de uma semelhança entre os prédios
que abrigam as organizações modernas. Isso se confirma quando
relacionamos a estrutura física de uma organização com os propósitos de
vigilância, controle e hierarquização de poder.
Foucault (1987, 2001) demonstrou um envolvimento direto da arquitetura de
uma organização na sua composição social e no seu sistema de autoridade.
A disposição das salas, dos corredores e dos espaços abertos nos prédios
de uma organização indicam o modo como se opera um sistema autoritário
cuja ênfase está na visibilidade, determina e influencia padrões de
autoridade.
Encontramos na escola e na sala de aula estudada alguns exemplos desta
visibilidade que possibilita ao professor controlar seus alunos e alunas pela
submissão a esse controle.
Para que um aluno seja incluído no sistema regular de ensino ele precisa
incorporar (o controle é exercido fundamentalmente sobre os corpos dos
indivíduos, como veremos na descrição das categorias temáticas) as normas
escolares num processo de aprender o “ofício de aluno” (PERRENOUD,
1995). O ofício de aluno inicia-se com o ofício de criança:
“(...) trata-se, para o indivíduo, desde o nascimento, de consagrar o
melhor de si mesmo a adequar-se às expectativas dos adultos e,
particularmente, a preparar-se para se tornar um bom aluno. O ofício
39
de aluno é apenas um componente do ofício de criança ou de
adolescente nas sociedades em que esta fase da existência é
definida, antes de mais, como uma preparação” (PERRENOUD,
1995, p. 15).
Dessa forma o desenvolvimento humano passa por uma série de
normatizações que tem como objetivo o atendimento de expectativas sociais
controlados pelos adultos e professores.
Berger e Luckmann afirmam que o controle institucional prevê que “toda
atividade humana está sujeita ao hábito” (1985).
Assim como as normatizações que são impostas por alunos e alunas na
instituição escolar.
Os alunos e alunas devem “aprender a comportar-se” e, uma vez que
tenham aprendido, precisam manter este comportamento. O mesmo se dá
naturalmente com os adultos. Quanto mais a conduta é institucionalizada
tanto mais se torna predizível e controlada (BERGER & LUCKMANN, 1985).
O controle não é exercido exclusivamente pelos professores sobre seus
alunos. Ao estarem sob as normas e exigências de uma instituição os
professores são controlados a partir da hierarquização de poder produzida
no interior da escola.
A caracterização da relação estabelecida entre o controle e a escola se dá
pela homogeneização do ambiente escolar. Ao instituir um controle diário
sobre seus alunos o professor mascara a prática pedagógica utilizando o
controle como método para avaliar o desempenho e os resultados
acadêmicos dos mesmos.
40
Dessa forma torna-se inerente à prática pedagógica a utilização de
instrumentos de controle que atuam no intuito de prever comportamentos,
medir e avaliar o desempenho acadêmico e garantir o cumprimento das
normas impostas pelo cronograma escolar.
A vigilância e controle que atuam diretamente na escola foram identificadas
nesse trabalho como produzindo um espaço de exclusão escolar pelo não
enquadre às normas e regras impostas.
41
3. Sobre a
metodológica.
abordagem
teórico-epistemológica3.1. Etnografia
Etnografia vem do grego ethno, que significa povo, nação e graphein,
escrever. É um método por excelência utilizado pelos antropólogos como
forma de coleta de dados, baseando-se no contato intersubjetivo6 entre o
pesquisador e o seu objeto de estudo.
A escolha pela utilização da etnografia neste estudo levou em conta as
características básicas da pesquisa qualitativa apresentadas por Lüdke e
André (1986). A primeira seria a de que a pesquisa qualitativa tem o
ambiente natural como fonte direta de obtenção de dados e o pesquisador
como principal instrumento de observação. Via de regra esse contato direto
do pesquisador no ambiente investigado e o envolvimento na situação de
pesquisa é prolongado e se dá através de um trabalho intensivo no campo
de observação. A segunda característica é de que os dados são
predominantemente descritivos. O material é rico em descrições de pessoas,
situações, acontecimentos, incluindo transcrições de áudio, desenhos que
serão utilizados para subsidiar uma afirmação ou esclarecer um ponto de
vista de acordo com C. Geertz (1989) essas são descrições densas. A
6
Para intersubjetivo diz-se do campo formado por sistemas organizados diferentemente e
interagindo reciprocamente: os mundos subjetivos. (ORANGE, ATWOOD & STOLOROW,
1997).
42
terceira característica é que a preocupação com o processo é muito maior
do que com o produto, isto é a verificação de como o problema estudado se
manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas.
Estamos preocupados com a visão geral e concreta das situações, mas
estamos igualmente preocupados com a visão particular e subjetiva dessas
situações. A quarta relaciona-se ao “significado” que as pessoas dão às
coisas e à sua vida. Estas são focos de atenção especial pelo pesquisador,
isto seria a tentativa de capturar a “perspectiva dos participantes”, sendo a
maneira como os informantes encaram as questões que estão sendo
focalizadas. Nesta dissertação, destaco esta como a principal característica
para análise, pois procurei, o quanto possível, captar a percepção que o
aluno teve sobre o controle que a professora exerceu sobre ele no ambiente
de sala de aula. Por último, estaria o procedimento indutivo da análise de
dados, onde os pesquisadores se preocupam em buscar evidências que
consubstanciam as inferências sobre as categorias levantadas antes do
início do estudo tanto quanto durante o processo de coleta, quanto depois no
processo de análise propriamente dito.
Em resumo, a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos,
obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza
mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva
dos participantes (BOGDAN e BIKLEN, 1982 In LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.
13)
43
Desse modo, ao seguir tais características, a utilização da etnografia tornou
possível um aprofundamento no campo estudado a fim de buscar
explicações pelo cotidiano dos participantes. A observação de gestos,
comportamentos e falas nos ofereceram pistas sobre o entendimento que
eles possuem sobre as suas próprias práticas.
A abordagem etnográfica utilizada nesse trabalho foi baseada nos estudos
de Mattos (1992, 2005) onde a pesquisadora argumenta a importância da
contribuição da etnografia nos estudos sobre as desigualdades e exclusões
sociais. Mehan (In MATTOS, 2002) aponta que a relevância da etnografia
estaria em: primeiro, por se preocupar com uma análise holística ou dialética
da cultura. A cultura não é vista como um mero reflexo de forças estruturais
da sociedade, mas como um sistema de significados mediadores entre as
estruturas sociais e a ação humana; e segundo, por introduzir os atores
sociais com uma participação ativa e dinâmica no processo modificador das
estruturas sociais.
44
3.2. Etnografia e Educação
O interesse pela utilização da abordagem etnográfica na Educação tornouse evidente no final dos anos 70 com o olhar voltado para o estudo da sala
de aula e a avaliação curricular. Até essa época André (1995) comenta que
os estudos da sala de aula eram conhecidos como “análises de interação”
pois a observação visava o registro de comportamentos de professores e
alunos numa situação de interação.
A alternativa encontrada para superar a observação baseada em esquemas
de interação foi a incorporação da abordagem antropológica nas
investigações de sala de aula.
“A investigação de sala de aula ocorre sempre num contexto
permeado por uma multiplicidade de sentidos que, por sua vez,
fazem parte de um universo cultural que deve ser estudado pelo
pesquisador” (ANDRÉ, 1995, p.37).
O estudo se daria pela observação participante da sala de aula utilizando os
registros de campo, entrevistas, análises de documentos, imagens de vídeo
e gravações de áudio. É míster nas pesquisas de cunho etnográfico
considerar que os dados são sempre inacabados. Pois o pesquisador não
pretende comprovar teorias nem generalizar seus dados. O etnógrafo busca,
em seu trabalho investigativo, descrever, compreender a situação revelando
seus múltiplos significados.
Ao longo das décadas a pesquisa etnográfica tornou-se amplamente
difundida na área educacional podendo ser considerada como um modismo
45
em descrever atividades de sala de aula com base nos pressupostos
etnográficos.
Em defesa da utilização da pesquisa etnográfica em educação André (1995)
aponta que esta permite que:
“se chegue bem perto da escola para tentar entender como operam
no seu dia-a-dia os mecanismos de dominação e de resistência, de
opressão e de contestação ao mesmo tempo em que são veiculados
e reelaborados conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de
ver e de sentir a realidade e o mundo” (ANDRÉ, 1995, p. 41).
Mattos (2005) afirma em seus estudos sobre a utilização da etnografia como
abordagem teórico-metodológica que para estudar a realidade do aluno e da
aluna,
faz-se
necessário
um
olhar
minucioso
sobre
a
escola
e,
particularmente, sobre a sala de aula, que serve como pano de fundo para
essa realidade, pois ela é o espaço físico eleito pela sociedade moderna
para o exercício da comunicação e disseminação de sentido e valores sócioculturais.
Um outro ponto a ser considerado nos estudos etnográficos diz respeito à
isenção de valoração da realidade estudada. Uma interpretação ou uma
descrição etnográfica não estão isentas das características de quem a faz,
tais como: idade, sexo, cor, naturalidade, grau de instrução entre outras.
Senna ao analisar o conceito de categoria à luz das práticas de pesquisas
qualitativas, em especial as de natureza etnográfica, faz uma crítica quanto a
descrição etnográfica e a natureza “alegórica” dos procedimentos analíticos
indutivos.
46
O autor expõe a Etnografia enquanto:
“um ramo de pesquisa que se institui a partir da ruptura com a
metodologia clássica dos estudos históricos, impondo-se como
prática de leitura de mundo em devir, como prática, portanto, de
olhar e interpretar as dinâmicas sociais e os fatores simbólicos que
lhes determinam nas intenções interacionais” (SENNA, 2005, no
prelo).
Ele aponta ainda, que pela indissociabilidade da Etnografia e da pesquisa
qualitativa que na escrita interpretativa, característica das análises indutivas
realizadas em etnografia, “perpassa necessariamente o julgamento de valor,
um olhar não neutro, não cartesiano, em outras palavras”.
Embora as críticas sejam relevantes e pertinentes para se pensar os estudos
etnográficos ainda encontramos na etnografia uma abordagem teóricometodológica-epistemológica que tem como premissa dar voz aos atores
pesquisados e que permite ao pesquisador uma troca genuína de
significados com o participante ao descrever de modo significativo a
realidade estudada. Assim, acredito ser a etnografia não apenas uma
técnica de pesquisa, mas um aporte teórico que possibilita uma leitura da
realidade. Portanto, elegemos a Etnografia para subsidiar este estudo por
permitir a compreensão do espaço da escola e a dinâmica das interações
de sala de aula tendo em vista o fato de que para isto é necessário estar o
mais perto possível desse cotidiano a fim de melhor visualizar o interagir
diário entre alunos e professores. Dessa forma será possível:
“apreender as forças que a impulsionam ou que a retêm,
identificando as estruturas de poder e os modos de organização do
trabalho escolar e compreendendo o papel e a atuação de cada
sujeito nesse complexo interacional onde ações, relações, conteúdos
47
são construídos, negados, reconstruídos ou modificados” (ANDRÉ,
1995, p. 41).
A dinâmica de sala de aula, assim como as práticas pedagógicas, carecem
de estudos que possibilitem uma visão ampla e específica sobre o impacto
da escolarização de alunos e alunas em risco sócio-educacional. Vale
ressaltar que este estudo e aqueles que serviram de base teórica para o
mesmo
foram
realizadas
no
âmbito
de
instituições
públicas,
por
entendermos que estas requerem atenção especial por parte dos
pesquisadores. Por ser aquela que deveria oferecer a todos indiferente da
classe social, cor e gênero um espaço para o desenvolvimento de suas
potencialidades intelectuais.
48
3.3. Justificativa
A escolha do objeto de estudo foi feita considerando as práticas
pedagógicas exercidas no interior da sala de aula.
No cenário da Educação encontramos estudos (MATTOS, 1992, PATTO,
1984, CARRAHER e colaboradores, 1991, PERRENOUD, 2004) apontando
que apesar da implementação de políticas públicas e propostas pedagógicas
(por exemplo, os ciclos) “inovadoras” a perspectiva de superação da
exclusão escolar não se mostra efetiva no desenrolar das práticas de sala de
aula.
Devemos considerar que muitas das propostas que o sistema escolar
brasileiro recebe foram construídas para a realidade escolar de outros
países e quando utilizamos pelo nosso sistema não apresentam resultados
positivos e acabam por criar mais dificuldades entre os professores e alunos.
Exemplo disso é a proposta de ciclo de aprendizagem. De um lado, os
professores que não compreendem a idéia central da proposta e de outro, os
alunos que se tornam vítimas de propostas que não modificam o processo
de ensino – aprendizagem em favor do aluno.
Dessa forma as questões relacionadas ao fracasso escolar e às práticas
pedagógicas utilizadas pelas professoras passam a ser vistas como algo que
não pode promover uma educação de qualidade para os alunos da rede
pública de ensino, em especial as escolas do município do Rio de Janeiro. A
49
questão da classe social, dos valores transmitidos pela família, a convivência
na comunidade, a relação com os professores e com a escola tangenciam
as discussões sobre as possíveis causas para o fracasso escolar. Contudo,
ainda, não é possível delinear formas de superação dessa realidade
excludente com que convivem esses alunos.
Dessa forma, a escolha pelo objeto de estudo se faz necessária uma vez
que a prática pedagógica em sala de aula está pautada em mecanismos
coercitivos e de controle para que o aluno aprenda sobre a égide do medo e
da punição.
A realidade da escola pública que nos é apresentada nos estudos de
(MATTOS, 1992 e PATTO, 1984) concorre para o fato de que as práticas
pedagógicas são autoritárias e injustas, promovendo a exclusão e injustiça
social.
Para tal, reforçamos a idéia de que o professor precisa estar em contato com
a diversidade presente na sala de aula e na escola e promover neste espaço
propostas voltadas para a superação das desigualdades educacionais de
alunos e alunas em risco sócio-educacional.
50
3.4. Objetivos
Os objetivos do presente trabalho foram:
3.4.1 Objetivo Geral
•
Descrever e analisar os fatores que interferiram no controle exercido
pela professora sobre os seus alunos e alunas na classe de 4ª série.
3.4.2 Objetivos Específicos
•
Analisar a relação entre o controle exercido pela professora e o
processo de avaliação através do conselho de classe e do cotidiano
de sala de aula.
•
Observar, analisar e descrever criticamente o comportamento do
aluno frente ao controle exercido pela professora e como esse
comportamento interferiu na relação dele com a professora e com os
outros alunos e dela com os outros alunos.
•
Descrever e explicar a natureza interacional das ações entre as
pessoas da comunidade, as da escola, a professora e os alunos da 4ª
série estudada, isto é, como se dá a dialética interativa entre eles.
3.5. Questões de pesquisa
As questões que orientaram a pesquisa de campo realizada foram:
Qual a natureza do controle exercido pela professora em sala de aula, como
ele interfere na avaliação do aluno?
51
Como as relações de poder existentes na escola foram determinantes para o
sucesso ou o fracasso do aluno? Quais foram as suas manifestações?
Como a utilização de instrumentos de vigilância e controle cria no ambiente
escolar um espaço de exclusão?
3.6. Instrumentos
Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram:
•
Observação
participante,
como
principal
instrumento
(visitas
semanais);
•
Microanálise do contexto;
•
Análise documental (legislação, atas escolares, fichas de alunos).
A observação participante consistiu em visitas semanais à escola e à sala de
aula no horário da manhã que foram previamente combinados e autorizados
pela professora e pela direção da escola. Além da rotina da sala de aula
acompanhamos os conselhos de classe realizados bimestralmente durante o
ano. A observação participante em Etnografia possibilita ao pesquisador um
aprofundamento da dinâmica interativa entre os sujeitos objetos de
pesquisa.
A microanálise é considerada como micro porque se estuda particularmente
um evento ou parte dele, ao mesmo tempo em que se dá ênfase ao estudo
das relações sociais em grupo como um todo holisticamente (LUTZ, 1983
apud MATTOS, 2001).
52
Análise documental privilegiou a organização do material produzido em sala
de aula pelos alunos. Analisamos as leis comentadas nos conselhos de
classe e as pautas de reuniões periódicas que eram realizadas com a
secretária municipal de Educação e transmitida aos demais professores da
escola. A leitura desse material foi feita para ampliar o entendimento da
dinâmica escolar com as instâncias administrativas do governo municipal.
Para a efetivação deste projeto de pesquisa foram utilizados: material para
anotação das observações (caderno e caneta esferográfica), gravador digital
para a gravação de áudio, câmera e fitas de vídeo para análise através de
imagens de vídeo.
O uso das imagens de vídeo contribuiu para um maior entendimento das
ações ocorridas nos eventos interativos de sala de aula. Os dados coletados
em videoteipe permitiram o registro mais detalhado do contexto estudado
auxiliando na compreensão que temos dos eventos, ações, atos, fatos e
falas que implicaram em mudanças na rotina dos sujeitos pesquisados.
O vídeo permite a recursividade ao ambiente pesquisado. Isto é, o evento
pode ser revisado quantas vezes se fizerem necessárias pelo pesquisador.
O pesquisador deseja, ao usar esse tipo de análise, determinar se as
conclusões e generalizações identificadas num determinado evento
recorrente são pertinentes e validadas particularmente para cada evento no
contexto estudado, assim como, para outros contextos. Este procedimento
facilita a identificação de pontos importantes de contraste e semelhança
53
entre eventos recorrentes, assim como eventos raros. O pesquisador deve
manter sua atenção a todos esses eventos.
O uso do vídeo facilita a descrição de conjuntos de ações complexas e
difíceis de serem descritas, pois em geral exigem vigilância atenta do
observador que pode não conseguir captar alguns detalhes interativos das
situações rotineiras. Por exemplo, observar o movimento de professores e
professoras, de alunos e alunas em uma sala de aula ou observar uma
reunião de conselho de classe.
Os procedimentos de filmagens envolvem pelo menos cinco fases
(ERICKSON, 1992). Inicialmente o foco é no evento como um todo, o
pesquisador está interessado na seqüência completa da cena, sem pausa
ou diminuição da velocidade do vídeo. Anotações de campo são revistas e
novas anotações são feitas enquanto o vídeo é re-visitado, desta forma,
novas informações de campo sobre o contexto são inseridas. As notas são
utilizadas na identificação e localização aproximada das principais atividades
dentro do evento e das seqüências da ação verbal e não verbal que possam
ser de interesse.
A segunda fase envolve a identificação das principais transições (limites)
entre os eventos. Movimentar a fita de vídeo para frente e para traz é o
procedimento geralmente utilizado para identificar essas transições entre os
eventos. Existem pelo menos três pontos seqüenciais principais em um
evento: o início, o foco principal da ação e a conclusão.
54
Por exemplo, as mudanças na arrumação físicas do setting de pesquisa
podem fornecer pistas para mudanças na natureza da atividade no evento. A
postura, troca de olhares e distância interpessoal que definem os padrões
das relações físicas entre os participantes, chamadas por Kendon (1979), de
formações em F. Os papéis sociais, identidades sociais e hierárquicas são
aspectos do padrão total da organização social, chamado de enquadre ou
estrutura de participação (GOFFMAN, 1981, ERICKSON e SHULTZ, 1977,
ERICKSON, 1982).
A terceira fase de análise de vídeo envolve os aspectos de organização do
evento. O pesquisador define, nesta fase, a estrutura de participação social
em detalhes ainda maiores do que no estágio dois, especificando as
contribuições relativas dos vários participantes do evento. Por exemplo, a
fala e a ação não verbal são identificadas pela freqüência em que aparecem
no discurso do participante em várias situações de sua rotina. As falas típicas
são associadas a ações que elas envolvem ou podem ser definidas pela
seqüência de ação não verbal. O que caracteriza esta fase é a dialética
interativa entre os participantes, a influência mútua entre eles ou elas no
evento, não as ações de pessoas individualmente consideradas isoladas das
ações umas das outras. Destacamos que na participação interativa pode
existir um participante primário e dois ou mais diferentes participantes
secundários (audiência). Na estrutura de organização do evento o foco vai
ser selecionado de acordo com a sua importância para o evento.
55
A fase quatro tem como foco as ações individuais através da descrição
detalhada do comportamento verbal e não verbal dos participantes na ação
identificada na fase anterior. O tipo de transcrição realizada para esta fase é
a mesma feita por lingüistas, analistas de discurso e pesquisadores em
comunicação não verbal. É uma transcrição teoricamente guiada por
convenções de transcrição e por propósitos analíticos definidos previamente
pelo pesquisador e deve mostrar as relações entre as atividades dos vários
participantes. Por exemplo, se a fala de uma pessoa é mostrada, as ações
não verbais simultâneas de um ouvinte podem ser mostradas na transcrição
de tal modo que, não somente a ocorrência da ação não verbal é
evidenciada, mas sua posição seqüencial em relação à fala do participante.
O que se pretende dar atenção são as diferenças culturais evidentes nas
formas de organização da interação. Tais diferenças podem produzir para os
eventos, diferentes ambientes para as pessoas de diferentes origens ou
disposição temperamental.
Portanto, uma compreensão detalhada da
organização comportamental dos eventos interacionais tem significado
potencial na pesquisa educacional: pode nos ajudar a entender como
diferentes tipos de interação nas situações de ensino e aprendizagem podem
ser vivenciados.
A quinta e última fase propõe uma análise comparativa das situações
selecionadas como recorrentes e sua pertinência no corpo de análise da
pesquisa como um todo e em outras situações externas à pesquisa. As
interações, típicas ou atípicas, que ocorrem em todas as interações gravadas
56
em vídeo são comparadas ao que foi observado e documentado nas notas
de campo, mas não foi registrado.
Tal comparação pode ser realizada
identificando situações através de diferentes eventos e das diferentes fases
dentro deles. Separa-se uma das cenas a ser microanalisada e após essa
comparação é identificada sua representatividade dentro do âmbito da
totalidade dos eventos selecionados. As notas gerais feitas nos estágios um
e dois da revisão do vídeo servem como um índice para a essa comparação.
Por exemplo, todas as tarefas realizadas por um determinado grupo de
alunos e alunas podem ser selecionadas e revisadas. Esta revisão pode ter
como foco uma função ou atividade específica (ex: se durante a execução da
tarefa o aluno ou aluna demonstrou um artifício – verbal ou não – para
persuadir alguém no grupo).
Os eventos, típicos e atípicos, podem ser comparados e suas freqüências
relativas são relatadas em quadros sinóticos ou quadros de freqüência.
Deste modo o pesquisador identifica as discrepâncias que poderiam validar
ou invalidar as conclusões e que podem ser inadvertidamente ignorados.
O uso de imagens de vídeo nesse trabalho foi feito por auxiliar na pesquisa
educacional nas discussões com o orientador e o grupo de pesquisa
suscitando novas interpretações ou ainda, interpretações adicionais
derivadas da observação participante. É possível, ainda, que o uso do vídeo
forneça uma nova dimensão às pesquisas sobre as interações face a face,
57
ampliando as lentes de visualização e significação dos fenômenos
psicossociais nessas interações (MATTOS & CASTRO, 2004).
58
3.7. Participantes
No que se refere à relação entre os participantes do processo de pesquisa
etnográfica, a utilização dos termos objeto ou sujeito se dá, nesse estudo, de
modo espontâneo e colaborativo. O participante é entendido por Geertz
(1989) como um indivíduo que elabora conhecimentos sobre a realidade que
o circunda e, deste modo, pode contribuir para significar os dados de
pesquisa e interpretá-los.
Foram participantes primários dessa pesquisa a professora, alunos e alunas
de uma 4ª série de Ensino Fundamental Público do município do Rio de
Janeiro. São participantes secundários os outros professores, diretores e
membros da comunidade escolar, as famílias e pessoas responsáveis pelas
crianças e jovens estudados e os membros dos conselhos de classe assim
como membros da comunidade onde se localiza esta escola sempre que os
mesmos se envolverem com os alunos estudados durante o período de
coleta de dados e sempre que necessário para esclarecer alguma dúvida.
Os alunos da 4ª série do ensino fundamental com idades variando entre 09
(nove) e 11 (onze) anos são, em sua maioria, residentes da comunidade
onde está localizada a escola estudada. São alunos dessa escola desde o
início do processo de escolarização, apenas 2 (dois) alunos dessa sala eram
novatos tendo vindo um do nordeste do Brasil e o outro do norte fluminense.
59
Os pais dos alunos, em geral, não possuem escolaridade completa, são em
sua maioria oriundos da região nordeste do país. Eles têm como ocupação
funcional trabalhos ligados à construção civil, transporte de cargas,
atividades religiosas (muitos são pastores das igrejas locais) e atividades
domésticas. Há ainda, na escola pais e mães que se encontram em regime
carcerário e os filhos são criados por familiares ou vizinhos.
A professora da sala de aula estudada colaborou com a pesquisa auxiliando
no entendimento da prática pedagógica. Ela foi bastante cordial com a
pesquisadora fornecendo explicações, sempre que solicitada, para significar
o material coletado.
Contamos ainda, em nossas visitas com a participação dos professores da
escola, da diretora e vice-diretora e coordenadora pedagógica. Os encontros
com esses atores se davam, especialmente, durante as observações dos
conselhos de classe.
Vale ressaltar o agradecimento à professora Sheila7, aos alunos e alunas e
funcionários da escola pela cordialidade com que nos receberam e pela
colaboração com a nossa pesquisa.
7
Assim chamada a fim de preservar a identidade dos participantes da pesquisa.
60
3.8.Setting
A escolha do lócus de estudo está relacionada à importância de aprofundar
os estudos sobre a sala de aula mesmo que esta se apresente de forma
amplamente conhecida por nós.
A análise produzida por Mattos e Castro (2005) sobre a visão da sala de
aula demonstra que apesar de possuirmos em nosso imaginário uma
descrição nítida desse espaço existem aspectos que carecem de um estudo
aprofundado.
Tal familiaridade nos desperta a sensação de que as imagens que
construímos podem ser enganadoras, quando revivemos cenas que nos
marcaram a vida toda. Como pessoas portadoras de um conhecimento
vivido sobre a sala de aula e, sobretudo o mais que acontece nesse espaço,
o que é meramente evidente, não podemos simplesmente “enquadrar” a
imagem que nos vem à mente. Podemos, portanto, afirmar que as nuances
das cenas vividas em sala de aula são enganadoras aos olhos de quem vive
cotidianamente essa experiência. É necessário, para descortinar essas
imagens mais tênues da sala de aula, um olhar mais atento para as sutilezas
das práticas pedagógicas por meio das quais ambientes de aprendizagem
são constituídos interativamente. (MATTOS & CASTRO, 2005).
A escola onde realizamos o trabalho de campo está localizada na zona norte
da cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de uma escola pública – Centro
61
Integrado de Educação Pública – com funcionamento em horário integral
para alunos de 1ª a 4ª série do ensino fundamental.
A sala de aula que visitamos durante quatro meses de trabalho de campo é
4ª série do ensino fundamental. Ainda, durante o ano de 2004 freqüentamos
os Conselhos de Classe que aconteciam na sala de leitura.
As visitas aos conselhos de classe completavam o entendimento que
possuíamos da rotina de sala de aula e o modo como os alunos são
avaliados. As análises dos conselhos nos deram, ainda, pistas sobre o
funcionamento da escola com atores externos tais como: a comunidade, a
Secretaria Municipal de Educação, a Coordenadoria Regional de Ensino e
demais instâncias governamentais.
62
3.9. Processo de análise e interpretação dos dados
3.9.1. Reflexividade do pesquisador: trabalho de
campo à deriva
Reflexividade8 é o processo de refletir sobre a própria prática. Em etnografia
o pesquisador utiliza a reflexividade para proceder as análises de dados.
A utilização da abordagem etnográfica requer longos períodos de
observação do campo estudado. Após esse período de contato com os
participantes da pesquisa é comum sentir-se parte do local integrando-o ao
seu campo de conhecimento. As considerações a seguir foram traçadas a
partir da minha experiência enquanto pesquisadora.
Acredito que os momentos de tensão onde o pesquisador esteja
extremamente concentrado em seu trabalho de campo e não seja possível
preservar a postura do pesquisador com relação ao pesquisado, ou seja,
sem realizar interpretações a priori do campo, ele deve se afastar, de modo
que aconteça um terceiro momento em sua pesquisa.
Considerei em meu trabalho de pesquisa três momentos. O meu primeiro
momento do trabalho de campo foi o contato com a escola, a entrada no
campo, a coleta de dados; o segundo foi o início do processo de análise e
8
“A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são
constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas
próprias praticas, alterando assim constitutivamente seu caráter”. (GIDDENS, 1991, p.45)
63
categorização dos dados e o terceiro momento foi o afastamento em busca
de re-significação dos dados à luz das teorias que sustentam a prática de
pesquisa a partir da intersubjetividade que foi criada no setting9 pela
subjetividade do sujeito pesquisado. Esse momento de saída do setting
ocorreu a fim de não ficar a análise dos dados “contaminada”, transformada
em mera especulação de dados e apreensões que não estivessem pautadas
em uma abordagem teórica que pudesse oferecer sustentação para a
análise de dados.
Inicialmente foi criado um setting um espaço analítico para que fosse
possível estabelecer uma relação entre o pesquisador e o sujeito. Portanto,
de acordo com a definição utilizada, a postura do pesquisador determina o
setting a ser explorado. A seguir durante a finalização do processo de coleta
de dados, houve uma negação dos dados.
Freud (1969) nos explica que essa negação ocorre quando:
“o ego se encontra em posição de desviar alguma exigência do
mundo externo que acha aflitiva, e que isto é feito por meio de uma
negação das percepções que trazem ao conhecimento essa
exigência oriunda da realidade” (FREUD, 1969, Edição Eletrônica).
Sabemos que o trabalho etnográfico requer um grande número de visitas e
envolvimento com o material pesquisado, citando Geertz (1989), onde o
pesquisador estuda o campo no campo, resultando num aprofundamento
diário da rotina pesquisada.
9 Em psicoterapia, assim como em pesquisa, o setting é o ambiente analítico, o todo que
possibilita a análise. O Setting é o limite entre o espaço social e terapêutico, cria um novo
espaço, com regras e papéis diferentes. (...) A postura do analista determina o setting.
(MELLO FILHO, SILVA & Col., 1995, p.99).
64
O lócus do estudo não é o objeto do estudo. Os antropólogos não
estudam as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...), eles estudam nas
aldeias. (GEERTZ, 1989, p.32)
Tal envolvimento e aprofundamento causaram um descontentamento da
pesquisadora com a realidade da escola e com as condições pedagógicas
da sala de aula.
Dessa forma, para que esse trabalho não fosse contaminado e descartado,
ocorreu o afastamento e finalmente a preservação do setting havendo a
possibilidade de resgatá-los sem a carga afetiva que impossibilita a
interpretação dos mesmos.
“A partir de uma análise da estrutura dos atos de fala, por meio da
identificação de diferenças na textura da atividade dos participantes
no decorrer do tempo e da especificação das alternativas que são
culturalmente apropriadas nos pontos de mudança na textura, o
analista se torna capaz de descrever as inferências feitas pelos
participantes quando estes produzem a ocasião social. A elaboração
de modelos, derivados empiricamente da organização do
desempenho interacional com ênfase nas partes elementares das
ocasiões e nas articulações entre elas é, portanto, o primeiro passo
na direção do desenvolvimento de modelos da competência social
dos participantes de uma interação. É adequado, portanto, trabalharse analiticamente do nível mais orgânico do plano para baixo, ao
invés de partir do nível molecular da palavra, gesto, ou frase – ou
mesmo do ato de fala – para cima” (ERICKSON & SHULTZ, In
RIBEIRO & GARCEZ, 1998, p.147).
Durante o trabalho de campo enquanto assistíamos às aulas e aos
conselhos de classe, pensávamos como seria possível alfabetizar ou
trabalhar pedagogicamente em condições tão precárias. Depois de um certo
tempo, durante minhas observações, começava a pensar sobre o meu
processo de alfabetização, minha escola e meus professores. Isso se deu
por entender que haviam inúmeras mudanças a serem implementadas para
65
que aquele local pudesse oferecer melhores condições sócio-educacionais
para seus alunos e alunas, professoras e demais funcionários.
Ao fim das observações de campo nos sentíamos parte daquele lugar. Os
sentimentos de raiva e angústia tomaram conta das análises. Por muitas
vezes, questionamos como seria possível alcançar as metas que são
previstas pelas leis educacionais sentíamo-nos deslocados no meio de falas,
gritos, comportamentos que caracterizavam a prática pedagógica daquele
ambiente escolar. Teríamos que transformar o conhecimento das práticas da
sala de aula e dos conselhos de classe em teorias significativas e construí-lo
com esforço permanente na passagem da teoria à prática de maneira
dialética contando com a colaboração da abordagem etnográfica de
pesquisa.
“Não temos a possibilidade de entender tudo o tempo todo. Mas o
importante é sabermos reconhecer que estamos sem entender,
perdidos dentro do material, sem que isso nos cause maiores
aflições, já que faz parte do processo. Devemos nos dar conta
destes momentos e não perder a perspectiva, mantendo a
capacidade de estarmos atentos, na expectativa de voltar a
entender, assim que possível” (MARCHEVSKY, 1995, p. 27).
Para analisar o processo de ruptura com esse trabalho, mergulhamos nos
acontecimentos circundantes do mesmo estudamos a realidade social da
escola, as leis, a proposta pedagógica, re-visitamos o setting pela
microanálise de vídeo e chegamos às categorias desse trabalho. Isso
culminou com o entrelaçamento das categorias / temas com a educação
pelo controle.
66
Foi preciso ampliar os sentidos que nos guiaram em meio às tempestades
para conseguir re-significar o material e transformá-lo em dado passível de
análise.
67
3.10. Apresentação das categorias temáticas
A análise de dados partiu das observações da interação em sala de aula
entre professora e alunos e dos conselhos de classe que culminaram nas
categorias. A palavra categoria, em grego, significa atribuir uma qualidade a
um sujeito (caráter, espécie). Atualmente, este sentido de atribuir uma
qualidade surge com a finalidade de “possibilitar” a análise do objeto ou
campo de estudo. Porque eu atribuo a sujeitos distintos a mesma qualidade
posso assim agrupá-los.
Em pesquisa, este agrupamento se dá a partir das semelhanças que
encontramos entre as diferentes manifestações do objeto. No nosso
trabalho, a partir da interação professor – aluno e professor – professor
nomeamos as categorias à medida que analisávamos o material transcrito
das imagens de vídeo. Este foi o primeiro momento de nossas análises.
Num segundo momento re-visitamos as transcrições e contabilizamos o
número de vezes que cada categoria emergiu indutivamente10 das
interações em sala de aula e nos conselhos de classe recursivamente, num
procedimento de ir e vir procurando fazer sentido do que era aparente no
vídeo. Tal procedimento foi feito à luz do que constava em nossas notas de
10
O método indutivo baseia-se na crença de que é possível confirmar um enunciado
universal (lei) através de um certo número de observações singulares. O argumento
indutivista baseia-se na crença no princípio da indução que, dentre outras formas, pode ser
enunciado como: "Se, em dadas condições, um determinado fenômeno, sempre que
pesquisado, se repetiu, em futuras verificações o mesmo sucederá” (FILHO, p.5).
68
campo, com a ajuda da nossa memória do local pesquisado. Embora
determinadas categorias tenham tido um padrão de recorrência maior que
outras, isso não invalidou a sua importância em função da inter-relação
existente entre elas e a temática central.
Derivadas das categorias de análise apresentaremos os resultados sob a
forma de vinhetas etnográficas11. A vinheta etnográfica é uma forma peculiar
de descrição narrativa onde o pesquisador utiliza-se da fala do informante
para sustentar suas hipóteses, e as hipóteses das teorias que emprega
como pressuposto de suas análises teóricas.
As vinhetas etnográficas são utilizadas em nosso trabalho para ilustrar os
momentos onde evidenciamos a prática controladora por meio das
categorias elencadas.
A apresentação dos resultados da análise de dados foi dividida em dois
momentos: a sala de aula e os conselhos de classe. A divisão foi
estabelecida porque durante a análise do material percebemos a existência
de uma inter-relação entre os acontecimentos ocorridos no cotidiano de sala
de aula e as decisões tomadas nos conselhos de classe.
Os nomes das professoras, dos alunos e demais funcionários da escola aqui
retratados são fictícios no intuito de preservar a ética na pesquisa. Nenhuma
associação com nomes é intencional ou deve ser inferida.
11
Vinhetas etnográficas são ilustrações produzidas a partir das descrições e interpretações
dos dados de campo acompanhadas de material de ligação e interpretação
consubstanciadas ou não por elementos teóricos (MATTOS, 2001).
69
Na sala de aula encontramos as seguintes categorias descritas abaixo, o
seu padrão de recorrência, a tipicalidade dos fatos ou fenômenos, eventos,
ações e falas na sala de aula.
Dessa forma, organizando as categorias pela recorrência e tipicalidade foi
possível identificar e nomeá-las para efeito de análise12.
Quadro I – Categorias temáticas da sala de aula
Freqüência
Categoria
Significado
temática
74
45
31
21
14
10
Corpo
Tarefa
Agressão
Espaço
Barulho
Tempo
Refere-se
ao
controle
exercido sobre o movimento
dos corpos dos alunos em
sala de aula.
Apresenta-se
como
a
dificuldade dos alunos em
compreenderem o sentido da
tarefa.
Agressões verbais e físicas
em sala de aula entre
professor x aluno e aluno x
aluno.
Determinação do espaço
ocupado pelos alunos dentro
e fora da sala de aula.
As conversas de alunos e
professores dentro e fora das
salas de aula.
A delimitação/ordenação do
tempo pela professora para a
realização das atividades dos
alunos
e
necessidades
fisiológicas.
Nos Conselho de Classe evidenciamos nos eventos, ações, cenas, fatos,
atos e falas dos professores, coordenadora pedagógica, diretora e vicediretora as seguintes categorias:
12
Os quadros foram baseados nos pressupostos Spradley (1980) e no processo bottom-up
Mattos (1992).
70
Quadro II – Categorias temáticas do conselho de classe
Freqüência
102
Categoria temática
Problemas de aprendizagem
74
Problemas familiares
71
Faltas
60
Espaço
52
Medicalização
51
Tempo
50
Violência
44
Estigma
36
Nota
10
Conselho Tutelar
Significado
Dificuldades apresentadas pelos
alunos
e
apontados
pelos
professores como problemas de
aprendizagem
Responsabilização dos pais, pelos
professores,
por
problemas
psíquicos e de aprendizagem
apresentados pelos alunos.
Atribuição aos alunos de baixo
rendimento escolar devido a
freqüência.
Definição pelos professores e
coordenadores dos espaços a
serem utilizados pelos alunos na
escola. Atribuição do espaço como
fator de dificuldade na interação de
sala de aula.
Encaminhamento de alunos para
diagnóstico clínico. Definição de
parâmetros médicos para identificar
a ação e / ou aparência de alunos
Identificação do tempo para as
atividades dos alunos.
Violência
relacionada
ao:
funcionamento da escola; relações
com a comunidade; relacionamento
entre alunos e professores; relação
entre alunos.
Atribuição de estereótipos aos
alunos a partir de características
pessoais e familiares.
Atribuição de notas de acordo com
critérios
não
acadêmicos:
comportamentais, de utilização do
tempo, de atividades relacionadas
à violência.
Utilização do Conselho como uma
instituição de punição fora do
alcance da família; ameaça de
encaminhamento de pais e alunos
faltosos para o Conselho.
Foi a partir da definição de quais categorias guiariam o nosso processo de
análise que pudemos observar o entrelaçamento que elas possuíam. A
temática central do trabalho – controle – está diretamente relacionada com
71
as categorias uma vez que elas passam a ser objetos e objetivos do
exercício do controle.
Selecionamos cenas, eventos, fatos, atos, ações e falas do material coletado
que possibilitassem o entendimento dos mecanismos de controle utilizados
tanto em sala de aula como nas interações entre professores, coordenação
e direção da escola. Foi somente após a leitura criteriosa e profunda do
material que se estabeleceram as categorias de análise e as cenas que
explorassem a temática do trabalho.
Na sala de aula entendemos por controle dos corpos o estabelecimento pela
professora de limites para a circulação dos alunos nesse espaço.
Presenciamos, durante nossas visitas, solicitações da professora para que
os alunos se mantivessem em suas carteiras, que não andassem pela sala e
que sentassem “com modos”.
Sheila: Quer sentar direito? Dá pra sentar com modos?
A categoria tarefa tornou-se objeto privilegiado de nossas análises, uma vez
que percebemos sua dupla funcionalidade. Ela aparece ora como objeto de
controle da professora, ora como mecanismo utilizado pela mesma. A tarefa
é objeto de controle quando a professora através do controle dos corpos e
do espaço, sobretudo, maneja a turma para o engajamento no trabalho
escolar. Por outro lado, a tarefa se constitui enquanto mecanismo de
controle, quando a partir das mudanças constantes na atividade proposta, a
professora mantém o controle sobre os alunos para que eles estejam
72
engajados na tarefa em sala de aula sem a dispersão habitual com assuntos
relacionados ao cotidiano deles.
Consideramos agressão todos os eventos em que se tornou evidente pela
interação professor x aluno e aluno x aluno onde um dos atores envolvidos é
lesado na sua integridade física ou moral. A utilização de expressões
populares para ameaçar os alunos quanto a uma possível reprovação
representa uma agressão verbal assim como a solicitação de silêncio: “Cala
a boca”, o escrutínio dos alunos: “Você lê muito baixinho” e lições do tipo
“você já tá bem grandinho” e quando a professora, numa postura autoritária,
intimida os alunos com uma régua. Isso ocorre quando ela anda por entre as
carteiras batendo a régua na mão e nas mesas, alertando quanto ao tempo
gasto para as tarefas.
A agressão física é percebida na sala de aula na interação entre os alunos
quando estes agridem uns aos outros. Tal comportamento tumultua o
ambiente da sala de aula e a solução é a ameaça de expulsão da sala. O
evento abaixo é um dos momentos onde eles iniciam uma briga e o aluno
denominado Breno é solicitado a sair da sala de aula.
André: Ô tia, olha aqui tia, tá me atrapalhando.
Breno: Você só fica falando, bate logo.
A definição do espaço a ser ocupado em sala de aula pelos alunos torna
possível a vigilância e controle dos corpos, uma vez que é a professora que
delimita a ocupação deste espaço. Ocorre, entretanto, que ao infringir os
73
limites estabelecidos por ela, o aluno é expulso de sala e passa a utilizar o
corredor como espaço na escola para a aprendizagem.
Na categoria barulho destacamos dois momentos distintos. A elevação da
entonação de voz e o tráfego intenso de veículos nas proximidades da
escola atuam diretamente sobre as condições de ensino-aprendizagem.
Inicialmente levantamos a hipótese de que a altura da voz da professora
estava relacionada ao fato de existir um barulho constante e excessivo da
rua dentro da escola. Por este motivo, a professora para ser ouvida pelos
alunos precisava de um tom de voz elevado. Contudo, percebemos que tal
elevação ocorria nos momentos em que ela tentava retomar o controle da
turma pela imposição de voz, fato este que estava relacionado com a
dinâmica da sala de aula e não com o tráfego de veículos.
Ao considerar o barulho externo estamos mencionando um fato que interfere
na dinâmica da escola como um todo, uma vez que existe por parte dos
professores tal consideração nos conselhos de classe. A reclamação de
rouquidão é freqüente entre professores e direção que atribuem a esse fluxo
de veículos a causa de ter necessidade de elevar a voz a todo instante.
A dimensão temporal é explorada em nossas análises como fator de
delimitação do tempo gasto para a realização de cada atividade e para a
satisfação das necessidades fisiológicas.
O tempo gasto para a realização da tarefa é entendido aqui como sendo
utilizado para medir a capacidade do aluno no cumprimento da tarefa,
74
inviabilizando o seu tempo de aprender. Tempo este que difere de um
indivíduo para o outro.
Outro tempo controlado é o de ir ao banheiro. O aluno ao solicitar à
professora a ida ao banheiro recebe uma resposta negativa. A solução
encontrada nos conselhos de classe para as idas ao banheiro foi a de
marcar no relógio e vigiar na porta o tempo gasto pelos alunos para irem ao
banheiro e retornarem à sala de aula.
A solicitação dos alunos para saírem da sala e irem ao banheiro é
inicialmente negada pela professora sob a alegação de que ele não
retornará para a sala e ficará passeando pelos corredores da escola
conseqüentemente importunando os alunos de outras salas. A solução
encontrada nos conselhos de classe foi a de delimitar no relógio o tempo
gasto entre a saída de sala e o retorno à mesma.
As categorias encontradas nos conselhos de classe estão ligadas à
percepção que as professoras, a coordenadora e a direção possuem sobre
os alunos. É comum encontrarmos nos conselhos de classe o que Mattos
(2005) define como orquestração;
“A orquestração caracteriza-se por expressões articuladas,
de forma interpolada, em conjunto, pelo grupo, constituindose numa decisão final sobre o sucesso ou fracasso do
aluno ou da aluna” (MATTOS, 2005, p. 215).
Isto é, a percepção de um professor a respeito de determinado aluno é
acatada pelos demais em um processo que leva à estigmatização e a
eminente exclusão escolar do mesmo.
75
Nos conselhos de classe visitados, percebemos constantemente situações
em que os professores se reportam ao histórico comportamental, familiar e
de saúde física e mental dos alunos, para sustentar a sua argumentação, na
maioria dos casos negativa, com relação ao aluno. Tal discurso dos
professores acaba por definir o futuro escolar desses alunos, como a
reprovação iminente. A reprovação é determinada por fatores que
tangenciam as interações em sala de aula, mas não podem ser tomados
como condição sine quo non para tal. Dentre esses fatores encontramos os
seguintes: problemas de aprendizagem, problemas familiares, faltas,
espaço, medicalização, tempo, violência, estigma, nota e Conselho Tutelar.
A discussão pedagógico x clínica surge nos conselhos de classe para
justificar que as dificuldades de aprendizagem, inerente ao processo de
aprender de todo aluno, encontram-se fora do contexto escolar.
Os problemas de aprendizagem se caracterizam por serem uma
incapacidade ou impedimento temporário ou permanente para aquisição da
lecto-escritura, cálculo ou aptidões sociais. Contudo, o conceito é tomado
pelos professores sem que para isso haja a devida constatação clínica, ou
seja, um diagnóstico sobre o problema. Um exemplo encontrado em nossas
análises é a associação da ansiedade de uma aluna com um diagnóstico de
dislexia. Na definição de Mousinho (2004) a dislexia é um transtorno
específico de leitura que não está ligado a fatores tais como: dificuldades
visuais, auditivas, problemas emocionais, distúrbios neurológicos ou
dificuldades socioeconômicas.
76
A participação da família na escola cria um espaço de diálogo que auxilia no
rendimento escolar do aluno. Contudo, percebemos que o contato com a
família do aluno é utilizado como uma ferramenta de exclusão escolar. Os
problemas familiares são evocados pelos professores nos conselhos
também como alternativa para encontrar um culpado para as dificuldades
escolares dos alunos.
A questão “de quem é a culpa do fracasso escolar” ainda permeia as
discussões dos professores que tendem a projetar toda e qualquer
dificuldade encontrada no âmbito escolar para fatores externos a ele.
Os professores associam o comportamento dos filhos às atitudes e
comportamento dos pais quando de sua ida à escola. E ainda, com os
irmãos e demais parentes que estão matriculados na mesma escola.
A falta escolar é prevista em lei (LDB) como sendo um direito tanto de
professores quanto de alunos. O ano possui 200 dias letivos e o limite de
faltas do aluno é de 25%, o equivalente a 50 dias.
Os professores afirmam nos conselhos de classe que as faltas prejudicam
os
rendimentos
escolares.
Concordamos
com
esta
afirmativa
dos
profissionais em parte, pois existe um limite de faltas que eles não
consideram ao associar o aluno faltoso com o aluno “fraco”. Nossos estudos
evidenciaram que os alunos tidos como faltosos não ultrapassaram o limite
de faltas previsto. Assim sendo, podemos inferir que se as faltas previstas
em lei dificultam ou prejudicam o rendimento escolar do aluno, o problema
77
não está na quantidade de faltas que ele tenha, mas no estabelecido pela lei
como o número permitido de faltas que não devem influenciar nos resultados
escolares.
A categoria espaço evidenciada na fala das professoras nos conselhos de
classe aponta uma preocupação com o espaço a ser ocupado em sala de
aula – as carteiras – e com a movimentação na estrutura física da escola
que é limitada pelas regras estabelecidas pela direção, dentre as quais
destacamos: a não permissão ao aluno para circular pelos corredores, entrar
em salas de aula de outros professores e utilizar a quadra de esportes
durante o recreio ou atividades esportivas.
A distinção entre ocupação e movimentação no espaço escolar está
relacionada com o controle do espaço pela visibilidade. Na sala de aula
observada é permitido ao aluno somente permanecer sentado no espaço de
sua carteira, o que facilita a identificação do mesmo pelo professor e o
controle sobre a sua movimentação dentro da sala de aula.
No espaço físico da escola um acontecimento que nos chamou a atenção foi
quanto à impossibilidade de utilização da quadra pelos alunos. O argumento
utilizado pela direção e coordenação foi o de que a quadra de esportes
estaria situada fora da visibilidade das janelas da escola. Uma vez que os
alunos estão na quadra não é mais possível controlá-los.
Os exemplos acima elucidam uma forma de controle a partir do espaço físico
e determina, na visão dos professores, que a partir da visibilidade adquirida
78
por tal controle seja possível determinar o grau de rendimento que o aluno
terá na sala de aula. O aluno que permanece sentado em sua carteira e não
anda pelos corredores é um aluno que tem possibilidade de apresentar
resultados escolares satisfatórios. Com isso, queremos destacar que a
prática recorrente entre os professores de atribuir fatores secundários ao
desempenho escolar também se evidencia na delimitação do espaço físico.
A medicalização como categoria está implicada na atribuição de aspectos
médicos aos eventuais problemas encontrados na sala de aula. Quando
analisamos os problemas de aprendizagem apontados, ressaltamos a
importância de um diagnóstico médico adequado para a constatação de
algum desses possíveis problemas. Entretanto, ao destacarmos a
medicalização como uma categoria em nossos estudos, fazemos referência
a uma prática dos professores em considerar doença todo e qualquer
problema que o aluno venha a apresentar em seu processo de
aprendizagem. Reportamo-nos novamente ao exemplo onde a professora
associa a dislexia à ansiedade e esta como causa da dificuldade de
aprendizagem da aluna. Tal fato nos revela um duplo equívoco por parte dos
docentes: o diagnóstico fundamentado em saberes empíricos e a falta de
conhecimento acerca dos fatores que caracterizam uma doença e o
tratamento adequado a ser dado. O recorte desse evento no conselho de
classe demonstra tais equívocos e ainda ao invés de proporcionar um
encaminhamento adequado, as professoras estão baseando o diagnóstico
de dislexia em materiais recolhidos entre elas.
79
Se no discurso está presente a tentativa de esgotar na escola as
possibilidades de solução de um suposto problema (dislexia), na prática isso
pode acarretar dificuldades mais profundas no cotidiano desse aluno. Até
que seja encontrada uma solução para o problema levantado, o aluno
portará o diagnóstico atribuído a ele, possivelmente causando outros
problemas em sala de aula.
Coordenadora: Josy, a Rose está desconfiada de que ela tem
dislexia.
Vice-diretora: ela é muito ansiosa.
Rose: eu acho que ela tem dislexia sim.
Coordenadora: eu acho, aliás, que quem tiver algum material, a
gente tá recolhendo material pra tentar resolver o problema,
contribuições.
O professor deve, juntamente com os outros membros escolares, esgotar as
possibilidades do processo de aprendizagem na prática pedagógica, que
está no âmbito de sua atuação. Caso se apresentem dificuldades que
extrapolem seus conhecimentos acadêmicos, este deve buscar a orientação
de um profissional que lhe pareça mais adequado ao diagnóstico inicial dado
por ele.
O tempo é tido pelos professores como fundamental no controle das
atividades gerais da escola, tais como: o tempo que os alunos utilizam em
sala de aula para a execução das tarefas pedagógicas, o tempo utilizado
para as necessidades fisiológicas, para a merenda e o caminho percorrido
para a sala de aula. Nesta categoria podemos afirmar que o tempo a que se
referem às professoras é regido pelo chronos. Entretanto, um outro tempo o
80
qual não é referido na fala dos professores, mas em que está imbricado o
processo de ensino – aprendizagem é o chamado tempo Kairós.
Chronos, em português, é o radical das palavras cronologia e cronômetro. A
noção de tempo advém da Grécia Antiga e está ligada à prepotência,
orgulho, arrogância e domínio. Tais idéias nos oferecem subsídios para
entender o caráter controlador que o tempo adquire nas instituições de
ensino. É preciso controlar o tempo para manter a produtividade e atingir
bons índices de rendimento.
Kairós se refere na antiguidade grega aos aspectos qualitativos do tempo,
ao momento certo para a realização de determinadas atividades. É uma
noção de tempo que não está ligada à opressão de chronos onde as coisas
devem ser feitas dentro de um tempo delimitado.
Kairós permite essa
flexibilização do tempo abrindo caminhos para a concretização das
atividades no tempo oportuno.
Posto isto, percebemos que no ambiente escolar os alunos e alunas
recebem um tempo (chronos) para realizarem suas tarefas. A todo o
momento a professora questiona quanto ao final da tarefa não permitindo
que o aluno desenvolva suas potencialidades em seu próprio tempo (kairós).
Vale ressaltar que o reconhecimento de kairós no processo de ensinoaprendizagem não nega ou anula o tempo chronos, apenas o relativiza
colocando no bojo desse processo o aluno e não a tarefa a ser cumprida. O
professor nas atribuições de sua função em sala de aula deve estar ciente
da necessidade de se respeitar o tempo de aprendizado de cada aluno e
81
manter uma dinâmica de sala de aula que fomente a criatividade e a
individualidade de cada aluno.
Um aspecto da realidade social que atinge cada vez mais o funcionamento
das instituições de ensino é o aumento dos índices de violência nas grandes
cidades. Um fator que é determinante para a convivência com a violência é a
proximidade com áreas consideradas de risco pelas entidades de segurança
pública. Embora o termo violência sugira atos violentos e vandalismo, na
escola ele assume diferentes papéis. Em nossos estudos, constatamos que
alguns alunos são apontados pelos profissionais da escola como sendo os
responsáveis pela criação no espaço escolar de núcleos de violência. Esses
núcleos se caracterizam pelas lideranças em sala de aula, brigas entre
alunos e favoritismo junto à direção, coordenação e demais profissionais da
escola em função de uma possível ligação com o tráfico local de drogas. Nos
conselhos de classe, a violência doméstica também serviu de pano de fundo
para expor o comportamento dos alunos na escola. Tais exposições dão
início a um processo de estigmatização do mesmo.
A categoria estigma aparece em nossas análises para demonstrar como
uma característica atribuída ao aluno num determinado momento pode
acompanhá-lo em toda a sua trajetória escolar. Tais denominações são
freqüentes e servem para identificar mais facilmente os alunos e alunas e
seus respectivos parentes matriculados ou não na escola.
82
O conceito, por sua vez, constitui-se como um dos principais elementos do
controle escolar. É através desse ato de atribuir valores ao desempenho
acadêmico que o professor mantém o aluno sob a égide do medo de ser
reprovado.
A utilização do termo conceito prevê uma avaliação global do aluno,
incluindo comportamento e participação na sala de aula. Porém, a avaliação
comportamental
é
demasiadamente
utilizada
pelos
professores
na
classificação conceitual de alunos e alunas, sobrepondo-se aos demais
aspectos a serem considerados na dinâmica de sala de aula.
O Conselho Tutelar (CT) surge como mais uma instância externa à escola
para solucionar questões no âmbito educativo. Está previsto no Estatuto da
Criança e do Adolescente que o CT deverá atuar quando estiverem
esgotadas as alternativas escolares que visem a solução da problemática
apresentada. Contudo, o que se percebe, nos conselhos de classe é a
utilização do CT como mecanismo de controle e ameaça aos pais e alunos.
O Conselho Tutelar que é uma instância jurídica a ser utilizada em benefício
do aluno acaba por se tornar uma ameaça aos mesmos, uma vez que estes
não possuem o devido esclarecimento acerca da função e objetivo dos CTs.
A descrição das categorias encontradas nas análises de dados serviu de
base para a apresentação dos resultados do trabalho. Na segunda parte do
mesmo faremos a apresentação das vinhetas etnográficas utilizando as
83
descrições das categorias encontradas em sala de aula e nos conselhos de
classe observados.
84
PARTE II
1. Análise e resultados
Nesta segunda parte da dissertação, faremos uma análise das categorias /
temas relacionadas ao tema central encontradas nas falas de professores e
alunos em sala de aula e nos conselhos de classe.
A análise e a
apresentação dos resultados foi dividida em dois contextos; a sala de aula e
os conselhos de classe. Percebemos como a avaliação dos alunos feita
nesses conselhos de classe exerce influência direta na rotina da sala de
aula. Assim, foi necessário um acompanhamento tanto da sala de aula
quanto das reuniões bimestrais desses conselhos.
As categorias de sala de aula são: corpo, tarefa, agressão, espaço, barulho
e tempo. A análise da sala de aula privilegiou as cenas, eventos, fatos, atos,
ações e falas que eram freqüentes na rotina pedagógica da professora e dos
alunos. Durante nossas visitas estabelecemos um contato diário com os
atores escolares primários o que possibilitou o entendimento dessa rotina e
a definição de categorias encontradas durante o processo de análise.
85
1.1. A sala de aula
A sala de aula é o local destinado ao aprendizado e onde, a partir da relação
professor e aluno, mediado pelo processo de ensino e aprendizagem, é
definido o sucesso e o fracasso desse aluno. Na análise de dados da sala de
aula exploramos a interação professor – aluno, onde destacamos as cenas
rotineiras e significativas para o nosso trabalho à luz dos pressupostos
etnográficos. A seguir, faremos uma descrição analítica das cenas
destacadas durante a análise de resultados.
1.1.1. Corpo: rebelde ou docilizado?
“Em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes
muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou
obrigações” (FOUCAULT, 1987).
Em Foucault, a descoberta do corpo é tida como objeto e alvo de poder. O
corpo passa de uma noção de suplícios e de castigos para uma idéia de
reforma e disciplina. Nesse sentido, saem de cena as punições físicas e
entra a disciplina dos corpos marcada pela escolarização.
A configuração das salas de aula, desde o seu surgimento até os dias
atuais, sofreu modificações em sua estrutura física sem, contudo,
abandonar seu caráter primordial de docilizar os corpos (FOUCAULT, 1987).
A disposição das carteiras em sala de aula, filas para locomoção dos corpos,
posição das mãos para trás, cabeças baixas e posição do corpo ao sentar
86
(sempre virados para frente) são indícios de controle dos corpos objetivando
a disciplina na sala de aula pela individualização destes. Uma vez ordenados
em fileiras e sentados, a vigilância da professora torna-se mais eficaz,
podendo ela localizar o aluno que desejar a qualquer momento.
O controle dos corpos sugere ainda a noção de vigilância também presente
na obra de Foucault, ou seja, a organização dos corpos no espaço físico
permite a melhor visualização e, portanto o controle eficaz sobre os
mesmos. Os corpos podendo ser vistos de qualquer ângulo da sala de aula
facilitam a identificação daqueles que se encontram fora dos limites
estabelecidos para eles.
O corpo como categoria surgiu em nosso trabalho na tentativa de evidenciar
os métodos coercitivos que são aplicados sobre os corpos dos alunos para a
obtenção do controle em sala de aula.
Na sala de aula estudada percebemos como a movimentação dos corpos
dos alunos e alunas, seus gestos e suas atitudes são medidos e avaliados
pelo olhar atento da professora. O “sentar com modos” é uma fala utilizada
pela professora na sala de aula na tentativa de controlá-los, sem, contudo,
deixar claro o seu objetivo sobre qual a posição a que ela estaria se
referindo. “Vira para frente” e “senta no seu lugar” são também falas
utilizadas pela professora para conter os corpos dos alunos e alunas em
suas carteiras. Os alunos, a seu modo, ora sentam ora continuam de pé,
dependendo do interesse na atividade que está sendo proposta pela
professora.
87
Ocorre que tal investimento de controle dos corpos é interiorizado pelos
alunos e alunas ao longo do seu processo de escolarização. Sendo assim,
ele sabe que deve estar em fila, sentado na sua carteira e realizando a
tarefa proposta pelo professor.
Fazendo uma análise comparativa da sala de aula estudada com a obra de
Foucault podemos tecer algumas considerações relevantes para o nosso
trabalho no que se refere ao corpo.
Nos estudos de Foucault (1987) encontramos uma passagem de uma visão
do corpo como alvo de punições e castigos para a de disciplina e vigilância.
Tais considerações são feitas a partir de instituições totais (GOFFMAN,
2005) e escolas ao longo dos séculos, podendo ser trazidas para os dias de
hoje. As instituições escolares evoluíram no que se refere à estrutura física
que aprisionava e à extinção da aplicação de punições aos corpos. Contudo,
tal estrutura física e punições foram substituídas por uma forma moderna de
disciplina que seria o controle dos corpos funcionando de maneira silenciosa
internalizando normas e regras nesse corpo.
Ao lançarmos mão dos estudos de Foucault (1987) para melhor
compreendermos a sala de aula da atualidade, devemos considerar as
características intrínsecas a esta. O corpo de cada um desses sujeitos entra
em um processo de docilização / disciplinização de forma e em momentos
variados e há ainda aqueles e aquelas que resistem a este processo. A
disciplinalização e a docilização inscrevem marcas nesse corpo que o
tornam investimento de poder submetido à escolarização. Nem sempre os
88
corpos que se pretende docilizar de fato serão. Esses corpos que resistem
são diferentes do contingente dos que se adaptam, sem resistência, sem
contestação, a esse processo promovido pela escola (PERRENOUD 1995,
GIROUX 1997). Silenciosos e obedientes os que se docilizam e se
disciplinalizam são considerados bem sucedidos.
Nossos estudos apontam que para se obter o controle dos corpos em sala
de aula a professora utiliza falas de ordem para os alunos e alunas. A
individualização dos corpos nas carteiras e a vigilância quanto a sua
movimentação indicam a postura da professora no controle da sala de aula.
O controle do corpo na sala de aula é permeado pela execução da tarefa
com os alunos e alunas sentados em suas carteiras.
Sheila: Vamos sossegar aí? Gerson (erra o nome do aluno)... vamos
parar com a necessidade de se aparecer! Vamos sentar...Eu quero
vocês sentados...
Gerson: Mas eu tô sentado...
Sheila: Felipe, você já fez sua tarefa? Senta no seu lugar!
Sheila: Olha só, não quero ninguém em pé. Senão não consigo ver.
(Nesse momento todos os alunos estão sentados)
Nos três eventos de fala destacados a professora procura manter a turma
sentada, entendendo que nos lugares destinados a eles a tarefa proposta
estaria sendo realizada. Tornou-se comum tal preocupação que mesmo
estando os alunos sentados ela solicita que os mesmos ocupem seus
lugares.
89
A organização dos corpos está relacionada com a ocupação do espaço
físico. Os corpos devem estar dispostos de forma a serem vistos e a
atividade executada ser controlada pelo olhar.
Em outro evento destacado em nossas análises a interação entre a
professora e o aluno ocorre pela retirada da cadeira do aluno que se dirigiu
até ela para olhar o livro que ela estava lendo para a turma, como parte da
tarefa a ser executada por eles.
Sheila: Marcelo, vai sentar no seu lugar.
Marcelo: Não quero sentar não.
Sheila: Você não quer ficar sentado não? Então vou tirar sua cadeira
e vou te deixar em pé até o final! Tá bom assim?
Ela arrasta a cadeira para frente da sala. Ele fica passeando pela
sala.
Sheila: Mas também você vai ficar parado aí!
Ela retoma o texto e Marcelo deita no chão, colocando a mochila
como apoio.
Sheila: Marcelo, você vai parar de palhaçada ou vou ter que tirar
você da sala de aula? (agora o aluno está de joelhos e apoiado na
mesa). Pega sua cadeira! Vai lá. (o aluno não se levanta e a
professora pega a cadeira)
90
A não submissão à ordem de sentar acarretou na retirada da cadeira e o
aluno recebendo a ordem de permanecer em sua carteira, deita no chão
apoiando a cabeça na mochila e retomando a atividade proposta. Ao sugerir
que o tiraria da sala de aula, o mesmo se apóia nos joelhos e volta a
escrever sob a mesa.
Qual o sentido de tal punição? No entendimento de Sheila, o sentido residiria
no fato de que ao retirar a cadeira, o aluno permaneceu no espaço destinado
a ele. De outra forma, o mesmo aluno ao terminar suas tarefas se levanta e
fica andando pela sala.
A professora esboça preocupação com o movimento dos corpos na sala de
aula, dentro e fora da escola. Ela chama a atenção para o fato de que
sentados ela pode “controlar melhor a coisa” (palavras da professora). Os
métodos utilizados por ela denotam que o controle só é atingido por meio de
punições.
Assim, as saídas da escola para passeios, como museus, exposição, não
ocorrem devido à preocupação da professora com o comportamento que os
alunos irão adotar fora dos muros da escola. Podemos ainda acrescentar
que a professora também apresentaria dificuldades de controlar os alunos
pelos métodos que comumente utiliza na sala de aula.
Qual seria o comportamento a ser seguido em circunstâncias como uma
visita a um museu? Em visitas a museus o professor ou acompanhante é o
responsável pelo acompanhamento e orientação dos alunos.
91
Sheila: O que as pessoas vão pensar... se forem a um museu. Eles
não sabem se comportar.
No evento destacado, a professora comenta sobre a percepção de outras
pessoas com o comportamento da turma. Se as visitas acontecem sob a
orientação da professora da turma, nesse caso, ela não assumiria o risco por
se tratar de alunos que ela solicita que sentem a todo o momento.
O espaço da sala de aula é ocupado pelos alunos de maneira organizada e
de acordo com a orientação da professora. Mesmo que já tenham finalizado
sua tarefa ou estejam sentados, ela solicita que eles permaneçam em suas
carteiras. A disposição dos corpos na sala de aula implica numa adequação
às normas escolares, tais como sentados e executando as tarefas
propostas; o contrário é visto como rebeldia e é punido pelos gritos de
ordem, expulsão da sala de aula ou retirada da cadeira.
92
1.1.2. Tarefa: “o dever” do aluno
Entendemos que a tarefa nunca deve ser analisada de forma isolada, mas
sempre em conjunto com outros elementos do processo de ensino
aprendizagem. De fato, a tarefa é parte do processo e é reflexo do tipo de
abordagem metodológica, da relação professor e aluno e dos recursos
didáticos disponíveis, culminando na ação do aluno. Afinal, a tarefa deve ser
a produção escolar do aluno.
A tarefa concebida aqui no sentido pedagógico e em conexão com os
demais elementos do processo de ensino - aprendizagem requer um estudo
dos diferentes níveis dentro da escola em que ela se constitui até chegar na
sala de aula e ser aplicada ao aluno. Etimologicamente a palavra tarefa vem
do árabe tareha significando trabalho que há de se concluir num certo
tempo. Por essa definição percebemos a transmissão da idéia de que a
tarefa do aluno é um trabalho que exige o seu cumprimento num período
estipulado, no caso, pelo professor.
O planejamento pedagógico da escola propõe uma orientação para a rotina
da escola (PASSOS, 1995 e MELLO, 2004). A professora organizará sua
dinâmica de sala de aula para atingir os critérios estabelecidos pelo currículo
mínimo13. Para tal, o professor deve conjugar o atendimento das exigências
da política pedagógica e do currículo mínimo em sala de aula para a
13
O currículo mínimo é a organização dos conteúdos que devem ser seguidos pela escola
nas diferentes etapas da escolarização de alunos e alunas.
93
distribuição das tarefas escolares. O cotidiano escolar é então permeado
pela necessidade de se cumprir o programa estabelecido para as atividades
escolares.
A tarefa em nossos estudos surgiu de duas maneiras: a tarefa enquanto
cumprimento de um dever e a tarefa enquanto ofício do aluno
(PERRENOUD, 1995).
Enquanto cumprimento de uma obrigação, a tarefa se caracteriza como
execução de uma proposta de trabalho da professora para os alunos e
alunas. Isso acontece da seguinte forma, a professora lança uma proposta
de atividade e os alunos devem executá-la dentro do tempo previsto e em
suas devidas carteiras. Ocorre que a proposta não é absorvida pela turma.
Durante
nossas
observações
de
sala
de
aula
percebemos
que
sistematicamente a tarefa tem início com a exposição no quadro do que
deverá ser copiado pelos alunos e depois resolvido por eles. Durante a cópia
do exercício do quadro eles conversam entre si e andam pela sala. A
professora ao notar a dispersão, ameaça que irá apagar o quadro. Os alunos
em coro dizem que “ainda não copiaram” e retornam para a atividade em
suas carteiras. Encerrada a cópia do quadro, os alunos se dispersam
novamente ao invés de iniciaram a resolução dos exercícios propostos.
Tadeu: “tia, vou ter que copiar esse todo aí?”
Sheila: Claro, é o texto de hoje!
Tadeu: sim, não, sim, não.
Laura: Oh tia, não apaga não que eu comecei agora hein.
94
Sheila: Roger cadê seu trabalho?
Roger: não fiz... poxa eu comecei agora.
Percebemos que a tarefa é utilizada pela professora como uma forma de
controle pela ameaça. Ela, ao perceber que os alunos não estão copiando,
alerta-os dizendo que apagará o quadro. Assim, o controle da tarefa é
obtido, uma vez que a professora também possui tarefas a serem
cumpridas. Ela controla a turma pela tarefa e controla a tarefa dela mesma
para cumprir sua obrigação.
Isto se dá porque a professora, inserida num sistema sócio-educativo no
qual é necessário o cumprimento de um currículo mínimo pré-estabelecido e
imposto, distribui as tarefas em sala de aula sem considerar a aprendizagem
real do aluno. Dessa forma, percebemos que a professora acredita estar
desempenhando seu papel enquanto profissional que possui deveres
estabelecidos a serem cumpridos em detrimento do binômio ensinaraprender.
Os alunos e alunas, por sua vez, entendem que a tarefa é um dever que eles
possuem em sala de aula, não perpassando por um entendimento maior
quanto à utilidade dela. Os alunos e alunas entendem a tarefa como uma
atividade enfadonha que sendo cumprida o mais rápido possível, ou não
cumprida, os libera para a realização de atividades mais agradáveis, longe
das exigências da sala de aula.
A tarefa que acreditamos ser um dos elementos chave no processo de
ensino aprendizagem fomentadora da atividade pedagógica acaba por se
95
tornar um engodo, uma vez que, nem professora e nem alunos entendem
essencialmente o seu significado para a formação dos mesmos.
Buscamos entender, a partir da interação professor aluno, o porquê da tarefa
possuir tal entendimento. Na fala da professora encontramos uma
explicação. Ela sugere que antes de trabalhar qualquer conteúdo em sala de
aula existe a necessidade de se trabalhar o campo afetivo - social dos
alunos e alunas ainda que o ambiente de sala de aula não se configure
como ideal para o desenvolvimento de relações mutuamente saudáveis e de
qualidade do ponto de vista acadêmico.
Concordamos que a criação de um ambiente saudável – a professora
expondo de maneira a ser compreendida por seus alunos e alunas, estes
por sua vez, assimilando o seu significado realizando a tarefa – pode
favorecer positivamente o desenvolvimento afetivo social do aluno.
Na fala da professora Sheila sobre auto-estima está presente a justificativa
tanto para os baixos rendimentos escolares quanto para a falta de
engajamento na tarefa pedagógica pelos alunos.
A expressão “auto-estima”, nesse caso, está relacionada com o fator social,
ou seja, o fato dos alunos residirem em locais pobres da cidade.
Ela relata a preocupação que tem com o nível de aprendizagem e com a
auto-estima dos alunos:
Sheila: É uma turma heterogênea. Estão mais ou menos no mesmo
nível de leitura e escrita. O problema é que eles são desestimulados.
Primeiro eu trabalho a auto-estima com eles, porque senão não dá.
96
Mas eles já chegam na escola muito cansados e eu nem sei porque,
não deveria né?
As relações pessoais de qualidade dão ao indivíduo acesso a pensamentos,
sentimentos e comportamentos de alto nível e saudáveis. O estado da
mente, estabilidade, confiança e cuidado de professores são pré-condições
para o estabelecimento do senso de “pertencimento” (belongness), autorespeito, auto-aceitação e clima positivo para aprender. Níveis saudáveis de
pensamento são aqueles que são menos auto-conscientes, inseguros,
irracionais e/ou auto-depreciativos. Auto-estima e aprendizagem são
mutuamente reforçadas. Quanto mais o aluno aprende mais ele / ela se
sente interessado na tarefa e auto-consciente de seu desempenho. A
aprendizagem e a auto-estima são altas quando os indivíduos mantêm
relações de “cuidado”, “atenção” com outros que vêem seu potencial,
apreciam genuinamente seus talentos individuais e os aceitam como
indivíduos.
Contudo, percebemos que nas interações de sala de aula embora a
professora evoque a necessidade de se “trabalhar” a auto-estima, esta é a
última instância a ser trazida para a relação professor e aluno, uma vez que
a professora não demonstra respeitar a individualidade dos alunos e alunas
para o pleno desenvolvimento da mesma.
Percebemos como a professora desestimula a iniciativa de uma aluna para a
leitura argumentando que a mesma não lê bem (“Eu quero uma que lê
legal”) e a dispensa por ler em voz baixa.
97
Sheila: Alguém poderia ler...
Alunos se oferecem: Eu, eu ...
Sheila: Eu quero um que lê legal. (Ela escolhe uma aluna e outro
reclama)
Sheila: Eu pedi alguma coisa? Ela que se ofereceu?
A aluna lê muito baixo, ela agradece e diz que ela tinha que ter lido
mais alto.
A professora expõe a aluna perante a turma avaliando-a pela altura da voz.
Este tipo de “avaliação relâmpago”, leitura em voz alta, são rotineiras na sala
de aula estudada e revelam a natureza injusta e inadequada da prática
pedagógica, uma vez que a professora expõe a necessidade de motivar os
alunos pela auto-estima. No evento acima, a professora não tece
comentários significativos nem do ponto de vista acadêmico e nem do
afetivo. A aluna sabe apenas, após a leitura, que seu tom de voz é baixo.
Os dois últimos eventos de sala de aula que retiramos de nossas
observações denotam a incoerência entre o discurso e a prática. O que
vemos é que o discurso é atual, e a prática é medieval. Atualmente, o uso do
termo auto-estima está em voga nas discussões sobre aprendizagem sendo
que, na prática, em nossas observações, a professora se utiliza de
ferramentas de aprendizagem pela intimidação.
Esta incoerência ainda hoje tão marcante nas relações que se estabelecem
entre professores, alunos e alunas nos remete à necessidade de (re)
pensarmos constantemente a prática educativa.
Um outro aspecto relacionado com a tarefa na sala de aula é o início de uma
nova atividade sem a finalização da anterior. Observamos durante nossas
visitas que a professora expõe uma série de conteúdos alternando entre
98
tarefas diferentes. No decorrer da aula a professora finaliza uma tarefa onde
somente ela compreende o sentido da mesma. Após a exposição no quadro
da tarefa, os alunos passam a conversar entre si e não executam o seu
dever. A professora, então, ao perceber a movimentação da turma e a
despreocupação com a atividade, inicia uma nova atividade abandonando a
anterior apenas para a cópia. Os alunos iniciam a cópia da nova atividade
sem obterem os resultados da anterior. Isso ocorre sucessivamente até a
finalização do tempo de aula.
Num dia de visita à sala de aula a professora inicia as atividades do dia com
uma tarefa no quadro em inglês. Eram palavras e números que eles
deveriam copiar. No decorrer da aula, após copiarem o exercício a
professora é questionada quanto à continuidade da tarefa.
Tiago: Eu sei escrever, quero ver falar. Sex=six (compara as
palavras e ri)
Fabiano: Ô professora, ô professora, a gente sabe escrever, e pra
falar hein? E pra falar?
A professora não responde a pergunta dos alunos e começa a apagar o
quadro. Os alunos reclamam que ainda não terminaram de copiar e a
professora inicia a verificação dos alunos presentes pela chamada. Apaga
todo o quadro e inicia uma nova temática com operações matemáticas para
os alunos solucionarem.
Ivan: Professora, a senhora apagou aonde eu estava (abaixa a
cabeça). Então eu não vou fazer mais nada não. (fecha o caderno)
Ivan: Ô tia, você apagou ali.
Sheila: Eu apaguei o que Ivan?
Ivan: A senhora apagou tudo.
99
Durante nossas visitas percebemos que a professora, no cumprimento das
exigências do currículo mínimo, reduz o sentido da tarefa apenas para a
cópia. Os alunos e alunas ao terminarem ou não a cópia da tarefa do quadro
não recebem o feedback pelo seu trabalho e a professora não demonstra se
incomodar em fornecer a correção a eles. É importante que o aluno conheça
o que é considerado acerto e erro com relação ao que está sendo estudado,
pois no ambiente escolar o conhecimento das normas com relação aos
conteúdos de sala de aula e na própria escola é fundamental para a
aprendizagem do ofício do aluno.
O entendimento do ofício do aluno – adequar-se às expectativas dos adultos
e tornar-se um bom aluno – é inerente ao convívio social e escolar
pressupondo a existência de regras a serem seguidas tanto nesta quanto
naquela. Assim como a Constituição brasileira que prevê que todos os
sujeitos sociais gozam de direitos e obrigações, as escolas também orientam
o seu cotidiano em função dessas duas instâncias.
A tarefa na escola denota esse caráter dos deveres existentes na sala de
aula. É direito do aluno ter acesso à educação implicando igualmente a
obrigação no cumprimento de seus deveres.
No que diz respeito ao cumprimento da tarefa, esta, parte do ofício do aluno,
Perrenoud (1994) coloca que a tarefa se constitui como sendo “um recurso
permanente às recompensas ou às sanções externas (notas, competição,
promoção, punições) para por os alunos a trabalhar”. O mesmo aconteceu
100
na sala de aula observada onde a iminente reprovação surge no não
cumprimento das tarefas propostas, sendo esta a certeza que possuem da
sala de aula e do trabalho acadêmico.
Uma forma recorrente de controle da tarefa é a mudança dessa sem um fim
específico, podendo ser caracterizada como uma forma de controle usado
pela professora na gestão da classe. Somente ela sabe o que deve ser feito,
retirando do aluno o domínio da tarefa, do tempo ou espaço em que a
atividade acadêmica ocorre.
O surgimento de tal categoria em nosso trabalho suscita a discussão sobre o
entendimento que o aluno possui sobre o fazer pedagógico. É sabido que o
trabalho realizado na escola deve considerar outras instâncias da vida do
aluno no intuito de promovê-lo acadêmica e socialmente. O conhecimento
construído no âmbito escolar deverá transpor os muros da escola e
acompanhar o aluno em todo o seu desenvolvimento enquanto sujeito
individual e social.
101
1.1.3. Agressão: a norma pela força
“A sociedade adulta não se preocupa com que os professores, aos
quais delegou essa função ao mesmo tempo nobre e ingrata, se
utilizem de forma exageradamente explícita de parte da violência,
doce ou menos doce”(PERRENOUD, 1999).
Agressão em nosso trabalho assumiu uma nova forma de punir os alunos
pela invisibilidade da marca deixada pela agressão simbólica (BOURDIEU
2005). A definição de poder simbólico de Bourdieu pressupõe a existência
de um poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é
obtido pela força e só se exerce se for reconhecido.
A agressão aqui é entendida a partir das manifestações na relação professor
e aluno de coação mútua em função do controle no cumprimento das
normas de sala de aula.
No que tange as punições físicas, Goffman (2005) explica que tiveram início
no século VI, quando São Bento determinava que deveriam receber castigo
corporal os que cometessem erros durante as orações. Essa maneira de
corrigir os erros de ensinamentos permaneceu nas escolas da sociedade
ocidental. Só nas últimas décadas, as escolas norte-americanas passaram a
definir os meninos como “objetos que não deveriam ser tocados, a não ser
por seus pais, no caso de castigos” (p. 164). Os castigos corporais foram
substituídos por outras formas de punição. O entendimento de que o espaço
da sala de aula não é destinado a tais práticas não anula a importância da
aplicação de punições corporais dos pais em seus filhos.
102
Historicamente as escolas reservaram o poder de castigar os alunos aos
pais, não mais cabendo a eles corrigir seus alunos por punições físicas. Em
seu lugar surgiram formas de punição que atuariam na modificação do
comportamento pelo caráter psicológico que possuíam.
Nesse sentido histórico, Giroux e McLaren (1995) sugerem que:
“uma pedagogia crítica da representação pode ajudar os / as
estudantes a questionar a maneira por eles / elas, como atores
sociais individuais e coletivos, estão localizados na história, de forma
que ser um servo do poder do estado é, com freqüência, ser sua
vítima involuntária” (In SILVA & MOREIRA, 1995, p.153).
A simbologia das punições acontece por meio de discursos morais
proclamados pelos professores. Na sala de aula estudada foi possível
visualizar uma forma silenciosa de agressão aos alunos e alunas.
Chamamos de agressão silenciosa porque ela se manifesta a partir de falas
e comportamentos e não por agressões corporais.
Em um evento na sala de aula, a professora, ao avaliar a leitura dos alunos,
demonstrava para a mãe de uma delas ressaltando o avanço que a aluna
conseguiu. Após o término da demonstração, a professora comenta sobre as
faltas excessivas da aula ressaltando a importância da presença da mesma
na sala de aula. A mãe ao saber do número de faltas, utiliza o espaço da
sala de aula para punir fisicamente a filha. A professora alerta para o fato, já
internalizado por professores, de que na escola não é possível aplicar
castigos corporais nos alunos e alunas, mas que em qualquer outro lugar tal
prática é permitida. Esse discurso reforça a secularização dos castigos e
punições corporais como forma de correção para qualquer erro. Acredito que
103
se a referida aluna adquiriu a capacidade de leitura, tal imposição subliminar
de castigo proposta pela professora torna-se desnecessária, pois o objetivo
foi alcançado: a aluna está lendo.
Roseli: (...) Ontem eu botei os meninos pra ler: Aí olha sua filha tá
lendo. Eu mostrei pra ela: Você tá vendo. Ela até deu uma bronca na
menina, foi até pra dar uns tapas, mas eu falei: Aqui não. Lá fora é
outra coisa.
O aluno ao longo de seu percurso acadêmico adquire um conhecimento
relativo às estratégias que precisa para não ser reprovado. Ele sabe que o
seu comportamento em sala de aula será decisivo na sua avaliação pelo
professor.
Sheila: Ibraim não faça eu me aborrecer com você! Ah você vai
repetir.
Sheila: É muito simples... é só reprovar todo mundo botar todo
mundo pra fazer a 4ª série novamente (...).
Nesse evento a reprovação torna-se instrumento de agressão na fala da
professora para intimidar a turma mencionando a simplicidade de seu ato de
reprovar a turma toda. Contudo, sabemos que tal medida não é possível
legalmente. Se a professora reprovar toda uma turma ela teria que justificar
a medida perante o conselho de classe e a respectiva Coordenadoria
Regional de Educação (CRE). Reprovar um aluno ou aluna pela
inadequação de seu comportamento em sala de aula não é previsto pela
LDB. A avaliação do comportamento integra os itens que a professora deve
considerar nos resultados finais, sem ser decisivo na atribuição de conceitos
escolares. Assim a adoção de procedimentos de avaliação pelo professor
104
deve ser feita não apenas por aspectos do cotidiano escolar, mas pelo
aspecto pedagógico das interações que ocorrem entre professor e aluno.
“Os procedimentos de avaliação pedagógica constituem, segundo
Bernstein, um revelador privilegiado do modo pelo qual os códigos
do saber escolar podem contribuir para a construção da identidade
individual e para a gênese da ordem social. No contexto dos códigos
seriais a avaliação efetua-se geralmente segundo critérios altamente
explícitos e repousa sobre um leque bem definido de conhecimentos
e de competências: sabe-se antecipadamente o que são uma boa e
uma má respostas, um bom e um mau desempenhos. No contexto
dos códigos integrados, deve-se tomar em consideração níveis mais
profundos da personalidade, aptidões e atitudes gerais, mais do que
saberes ou savoir-faire pontuais. Sob as aparências de
abrandamento e de liberação, isto pode significar de fato, sugere
Bernstein, um modelo de socialização mais envolvente e mais global.
Do mesmo modo o abrandamento dos “enquadramentos”, ao
atenuar a separação entre os saberes escolares e os saberes da
vida cotidiana, pode ter o efeito paradoxal de fazer entrar no campo
do que é pedagogicamente interessante uma parte crescente daquilo
que é e daquilo que faz o indivíduo enquanto pessoa privada e
ampliar, assim, as tarefas da socialização escolar” (FORQUIN, 1993,
p.91).
Com esta citação confirmamos os nossos pressupostos sobre a prática
avaliativa em sala de aula.
Uma outra cena identificada em nossas análises relaciona-se com a
agressão física. Durante a execução das tarefas com os alunos sentados em
suas carteiras, a professora de posse de uma régua caminha entre as fileiras
batendo a régua na mão e vez ou outra nas mesas.
Ela adota uma postura de intimidação com um objeto – régua. Ao observar a
cena, logo nos remetemos, à figura de um comandante de tropas militares.
No comando de suas tropas ele vistoria os soldados, corrigindo qualquer
desvio observado.
105
Nota-se que nesses momentos em que a professora percorre a sala, os
alunos estão sentados e executando a tarefa, tornando tal atitude
em
princípio desnecessária.
No discurso a professora sentia necessidade de enfatizar determinados
aspectos de sua fala tocando o corpo dos alunos.
Ao explicar que a cabeça deveria estar cheia e não o caderno ela sacode a
cabeça do aluno sentado à sua frente. O mesmo permanece sentado e
imóvel. A professora, demonstrando exaltação, prossegue a aula e os alunos
se dispersam na sala de aula, levantam e conversam uns com os outros.
Sheila: o que tem que ta cheio é isso aqui ó... (sacode a cabeça do aluno)
A agressão ocorrida, que pode ser considerada tanto verbal como física, não
foi reconhecida como legítima pelos alunos, tendo em vista a preferência por
atividades recreativas na sala de aula e não as relacionadas à tarefa
pedagógica.
106
Mesmo enfatizando a importância da aquisição de conhecimento – cabeça
cheia – ela retoma a tarefa de cópia do exercício do quadro sem finalização
ou correção da mesma até a finalização da aula.
Percebemos uma incoerência no discurso da professora, uma vez que ela
demonstra essas explosões na sala, mas não muda o planejamento da sua
aula. Ela apenas expõe a tarefa, intimida, agride física e moralmente os
alunos, inalterando o rendimento da turma com tal comportamento punitivo.
No conselho de classe a coordenadora explica que a questão da
agressividade está ligada ao fato de afetar outrem ou a si mesmo e é
determinante na atribuição de valores ao desempenho do aluno. O
comportamento agressivo do aluno ou a agressão por ele sofrida é o que
será “levado em conta” no momento da avaliação do professor.
Coordenadora pedagógica: Agressividade de afetar o outro e ser
afetado. É isso que tem que ser levado em conta, tanto para dar nota
alta quanto para obter uma nota baixa.
Os alunos, de certa forma, sabem que se ficarem quietos na sala de aula
receberão o aval da professora para realizarem atividades que não estejam
ligadas à tarefa.
Durante essa discussão no conselho de classe sobre a agressividade dos
alunos nas salas de aula, a professora da 3ª série expõe a dificuldade dela
em lidar com seus alunos.
Alda: As questões mais difíceis para mim são de relacionamento
entre eles, sabe, e alguns comigo. Tem crianças que com tapa ou
beijo reagem da mesma forma, alguns são muito arredios, não
107
cedem nunca. Entre eles acho que existe uma agressividade muito
grande, sabe, se você não quer emprestar um lápis, é chute e soco o
tempo todo, eles já sobem a rampa, assim.
Ela considera que o tratamento dispensado aos alunos é indiferente, uma
vez que eles reagem da mesma maneira a um tapa ou a um beijo. A
dificuldade com alguns alunos é que estes não cedem nunca, “são arredios”.
Não cedem à normatização da escola e da professora sendo portanto
considerados alunos difíceis de lidar na sala de aula.
Ocorre que pela necessidade de se estabelecer normas disciplinares, a
professora se utiliza de formas agressivas para o controle da turma tais
como gritos, ameaça de reprovação, expulsão da sala de aula e
encaminhamento de alunos para a coordenação pedagógica da escola. A
utilização desses mecanismos reflete uma prática pedagógica voltada para
uma agressão invisível exercida para a normatização em detrimento da
aprendizagem.
108
1.1.4. Espaço: o controle da movimentação e da ocupação
“Cada coisa se encontra, por assim dizer, em um espaço de coisas
possíveis” (WITTGENSTEIN, 1992).
Na análise de dados, a categoria espaço surgiu tanto nos conselhos de
classe quanto na interação professor e aluno em sala de aula. A
preocupação em controlar o espaço – como lugar ocupado e como
movimentação – foi registrada nos dois momentos de observação na escola.
Nos dois ambientes observados foi possível visualizar a maneira como os
professores privilegiam o controle da ocupação desse espaço em detrimento
da relação pedagógica e das necessidades individuais de alunos e alunas.
As considerações acerca do espaço físico e de movimentação que ocorrem
nos conselhos de classe são comprovadas através da prática pedagógica do
professor em sala de aula. Portanto, a categoria espaço será trabalhada nos
dois espaços observados de forma dialógica.
A categoria espaço evidenciada na fala das professoras nos conselhos de
classe aponta uma preocupação com o espaço a ser ocupado em sala de
aula – as carteiras – e com a movimentação na estrutura física da escola
que é limitada pelas regras estabelecidas pela direção, dentre as quais
destacamos: a não permissão ao aluno para circular pelos corredores, entrar
em salas de aula de outros professores e utilizar a quadra de esportes
durante o recreio ou atividades esportivas.
109
A distinção entre ocupação e movimentação no espaço escolar está
relacionada com o controle do espaço pela visibilidade. Na sala de aula
observada é permitido, ao aluno, somente permanecer sentado no espaço
de sua carteira, o que facilita a identificação do mesmo pelo professor e o
controle sobre a sua movimentação dentro da sala de aula.
Outro evento de demonstração de controle do espaço pela visibilidade é
quanto à impossibilidade de utilização da quadra esportiva. O argumento
utilizado pela direção e coordenação foi o de que a quadra de esportes
estaria situada fora da visibilidade das janelas da escola. Uma vez que os
alunos estão na quadra não é mais possível controlá-los. Mesmo estando os
alunos acompanhados do professor de Educação Física, a direção da escola
aponta uma série de prováveis acidentes, inclusive se algum aluno utilizasse
o banheiro que fica atrás da quadra, e elas não poderiam visualizar para
prestar socorro.
Tal evento da quadra de esportes aponta a importância da visibilidade na
escola e sala de aula. Os argumentos utilizados seriam pertinentes no caso
de acidentes se os alunos freqüentassem o local sem a presença do
professor de Educação Física, o que não acontece durante as aulas.
Os exemplos acima elucidam uma forma de controle a partir do espaço físico
e determina, na visão dos professores, que a partir da visibilidade adquirida
por tal controle seja possível determinar o grau de rendimento que o aluno
terá na sala de aula. O aluno ao permanecer sentado em sua carteira e não
110
andar pelos corredores é um aluno que tem possibilidade de apresentar
resultados escolares satisfatórios. Com isso, queremos destacar que a
prática recorrente entre os professores de atribuir fatores secundários ao
desempenho escolar também se evidencia na delimitação do espaço físico.
A definição de espaço físico de Bourdieu (1997) nos auxiliou no
entendimento dessa categoria encontrada tanto na sala de aula estudada
como na escola como um todo.
“O lugar pode ser definido absolutamente como o ponto do espaço
físico onde um agente ou uma coisa se encontra situado, tem lugar,
existe. Quer dizer, seja como localização, seja, sob um ponto de
vista relacional, como posição, como graduação em uma ordem. O
lugar ocupado pode ser definido como extensão, a superfície e o
volume que um indivíduo ou uma coisa ocupa no espaço físico, suas
dimensões, ou melhor, seu entulhamento (como às vezes se diz de
um veículo ou de um móvel)”. (BOURDIEU, 1997, p. 160).
Ao definir a localização e a forma que um aluno irá ocupar na sala de aula a
professora está, além de controlando o espaço físico como também os
corpos, derivando assim o espaço de movimentação.
A definição da categoria espaço engloba duas concepções: a de espaço
físico e a de espaço de movimentação. Por espaço físico entendemos ser
toda a estrutura da escola, da sala de aula incluindo as carteiras e
banheiros. Esse espaço é o lugar ocupado unicamente por um sujeito, é
onde ele está localizado, por exemplo, na sala de aula; o aluno está sentado
em sua carteira ou o aluno está em pé no fundo da sala. Assim na sala de
aula cada aluno possui a sua carteira – o seu espaço – e nela deverá
permanecer até o final de suas atividades.
111
O controle do espaço físico está relacionado com o papel vigilante que o
professor exerce em sala de aula.
Em nossas análises não consideramos o espaço apenas como lugar
ocupado, pois deixaríamos de lado a dimensão de controle que existe neste
termo. Controlar o espaço pelos alunos e alunas é ao mesmo tempo
controlar os corpos, o tempo e a tarefa. Controlar os corpos significa
controlar o lugar, ou seja, espaço ocupado. Enquanto controlar o espaço
pelo tempo está ligado ao controle de tempos em tempos da atividade que
está sendo executada naquele local.
No que concerne o espaço da escola e da sala de aula, podemos afirmar
que, de uma maneira ou de outra, todos nós já vivemos uma situação, um
evento, uma cena em sala de aula. Observadas algumas diferenças
geográficas e regionais, as salas de aula no último século não mudaram
muito em aparência, são muito similares, especialmente tomando por
referência as escolas públicas. Portanto, conhecemos suas características
físicas e podemos, sem muito esforço, imaginar uma cena de sala de aula.
Nesse retrato vemos uma construção retangular, com janelas em pelo
menos uma das paredes, um quadro-negro na frente e uma porta ao lado,
também na frente, na parede oposta à da janela. Nessa configuração não
rara as carteiras escolares estão dispostas em frente ao quadro-negro e
enfileiradas e posicionadas frente ao professor e à professora, e de costas
para o colega uns atrás dos outros (MATTOS & CASTRO, 2005). Essa
112
descrição do espaço físico da sala de aula nos auxiliou no processo de
análise de dados uma vez que tais características físicas contribuem para o
exercício do controle pela professora.
É no espaço escolar que o aluno irá desenvolver algumas de suas
potencialidades intelectuais e sociais. Ele utilizará o espaço de sala de aula
para participar das atividades propostas pela professora e para interagir com
outros alunos ampliando sua rede social de conhecimento.
O que percebemos na escola que estudamos foi o estabelecimento de
regras de ocupação desse espaço que possibilitassem o controle do espaço
e dos corpos. Os alunos devem ocupar o espaço de suas carteiras e assim
permanecerem até o encerramento das atividades do dia. Percebemos que
isso não acontece.
Na tentativa de impedir essa circulação em sala de aula a professora expõe
o aluno perante a turma. Um exemplo foi retirado dessa cena;
Sheila: “Ai caramba. Vou colocar pra fora. Olha o nome que eu
colocar aqui é de quem vai ficar aqui na aula de educação física e
depois da hora, vai sair depois do meio dia. Ah perai! Eu vou botar
você! (anda em direção do quadro) Você vai ficar aqui!”
A punição pela utilização do espaço da sala de maneira inadequada é
realizada pela prática de expulsar o aluno para fora da sala de aula. Nos
casos que presenciamos, o espaço de aprender passa a ser a porta da sala
e o corredor. Outros alunos se encaminham para a sala da direção. O
objetivo que fica claro nessa cena é o de retirar o aluno agent provocateur
113
da sala e assim prosseguir pela ameaça o controle do espaço da sala de
aula.
Sheila: Rodrigo sai.
Rodrigo: mas é só eu?
Sheila: Rodrigo sai, quem vai escutar gritando aqui é você. Vai me
escutar gritando.
O aluno que está sentado na mesa discute com a professora que o coloca
para fora da sala de aula, o mesmo tampa os ouvidos, afirmando que prefere
sair a ouvir os gritos da professora. Ele se posiciona na porta da sala para
copiar a tarefa do quadro mesmo estando expulso da sala de aula,
permanecendo na porta até que a coordenadora solicita à professora que ele
retorne para a sala.
114
A professora comunica à turma o destino dado ao aluno que foi expulso da
sala de aula. Ao retirar o aluno da sala, a professora desloca a problemática
do aluno que não se submeteu às normas impostas por ela de ocupação do
espaço físico para fora da sala de aula. O espaço da coordenação ou os
corredores da escola são o destino daqueles que não ocuparam o espaço da
sala de aula como a professora solicitou.
Um outro evento que surgiu nas análises do espaço foi quanto à mudança
constante pela professora da posição da sua mesa. Ela posiciona a mesa ao
lado da porta da sala de modo que ao entrar e sair da sala os alunos
passariam por ela.
A professora justifica a mudança da posição da mesa ao ser questionada
pelos alunos com a seguinte fala:
Sheila: É, daqui eu posso controlar melhor qualquer coisa. (Sheila
explicando a localização da mesa)
Nesse sentido, o controle do espaço, ocorre pelo olhar minucioso da
professora que se posiciona de maneira a visualizar todos os movimentos.
Pela fala da mesma, ela afirma que poderia “controlar melhor a coisa”, coisa
esta que seria a sala de aula com os alunos.
As diferentes formas de controlar a ocupação do espaço estariam
relacionadas com a movimentação dos alunos, estar sentado ou em pé, o
tempo de ocupação dos banheiros, por exemplo. Dessa forma, com horários
estipulados e locais a serem ocupados pelos alunos os professores
monitoram pela visibilidade o controle do espaço escolar.
115
1.1.5. Barulho: as vozes da sala de aula
“Cala a boca e faz o seu trabalho”
Nos primórdios da civilização o homem associava todo ruído a situações
perigosas. O barulho o alertava sobre a proximidade de animais e/ou
predadores enquanto dormia, assim a identificação de ruídos ativava seus
sinais de alerta a fim de preservá-lo contra possíveis ameaças. Os
predadores não representam, nos dias de hoje, ameaça ao homem, porém,
sempre que escuta um ruído alto o sistema de defesa do homem aumenta a
liberação de adrenalina fazendo subir a pressão arterial e ocasionando
estresse instantâneo.
As explicações para o processo de defesa do organismo humano são
encontradas em estudos da Associação Brasileira de Qualidade de Vida
sobre os efeitos do stress urbano.
O aumento da liberação de adrenalina é decorrente da estimulação do
sistema nervoso simpático. A liberação gera entre outras, a elevação da
pressão arterial e dos batimentos cardíacos, um maior grau de atividade
mental, aumento do metabolismo, dilatação dos brônquios pulmonares,
dilatação das pupilas e aumento no teor de glicose sangüínea para suprir a
maior demanda de energia das células, o que poderia ser considerado
saudável. Porém, se o organismo permanecer sobre constante liberação de
adrenalina ele entra numa fase denominada “fase de exaustão”, e passará
dos estímulos benéficos para o esgotamento e a exaustão, quando o
116
organismo apresentará baixa imunidade, podendo desenvolver hipertensão
arterial e correr riscos de sofrer de doenças como infarto do miocárdio,
alergias e úlceras. Sendo assim, a ativação do estado de alerta pela
identificação de ruídos pelo ser humano pode tanto auxiliar quanto prejudicar
sua saúde e bem-estar ao ultrapassar os limites toleráveis que afetam o
equilíbrio do corpo.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o limite
estabelecido como suportável pelo ouvido humano é de 65 decibéis. Esse
limite quando ultrapassado é considerado prejudicial ao organismo. Para o
ambiente escolar, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
estabeleceu o limite de 40 a 50 decibéis. Limites que não são respeitados
na maioria dos casos.
O ser humano é frágil em meio à turbulência da vida dos grandes centros
urbanos. Diversos fatores devem ser considerados ao se estabelecer limites
de barulho para o ser humano tais como: o aumento do número de veículos
circulando pelas ruas e o aumento da população.
Em pesquisa realizada por Baring (1998), sobre a conscientização pelo
Poder Público para a diminuição dos ruídos nas escolas, foram identificados
níveis acima dos limites estabelecidos e dos prejuízos que acarretam. Foi
criado pela Prefeitura Municipal de São Paulo o Programa de Saúde
Auditiva, iniciando um trabalho de controle de ruídos nas escolas com alunos
e professores. Tal controle seria realizado pela aplicação da disciplina nas
117
salas de aula, o que não representa a nossa visão para a solução da
problemática do barulho nesse trabalho. A análise do barulho em nossos
estudos envolve outras esferas que tangenciam o ambiente da sala de aula,
além da disciplina.
A estrutura física de uma sala de aula não foi projetada adequadamente
para uma aula de qualidade. Na maioria das escolas o prédio das salas de
aula
está
localizado
próximo
a
ruas
e
estradas
que
elevam
consideravelmente o barulho no interior da escola. Além do barulho externo
a professora eleva o tom de voz constantemente para se dirigir aos alunos
para controlar o barulho, os corpos e o espaço físico. A constante elevação
da voz acarreta o aparecimento de calos nas cordas vocais e laringite, além
de irritabilidade, ansiedade, excitação, desconforto, medo e tensão. Dessa
forma, há um somatório de barulhos que acarretam sérios prejuízos à
aprendizagem e à saúde de alunos e professores.
Sem o devido entendimento dos distúrbios provocados pelo barulho
excessivo na sala de aula é criado, então, um círculo vicioso: os alunos
conversam paralelamente, a professora fala cada vez mais alto e soma-se
ao barulho externo tanto o de outras turmas como o da rua, de automóveis,
entre outros. A situação de barulho intenso na escola é agravada pela
estrutura arquitetônica, onde as paredes não atingem o teto, sendo
praticamente abertas. Tal círculo passa despercebido na gestão da turma
118
pelo professor; ele continua tentando controlar a turma pelo tom de voz cada
vez mais elevado.
Ao considerarmos as condições ideais que um ambiente deve oferecer para
o desenvolvimento da aprendizagem, verificamos que o mínimo de ruído é o
ideal. Ao observar que tais limites estão prejudicando a aprendizagem, o
professor poderá oferecer propostas que visem a melhoria do ambiente
escolar, como falar mais baixo quando o barulho está excessivo. Foi
possível identificar em nossas visitas que a professora apenas alerta, aos
gritos, para que os alunos parem de conversar entre si.
Sheila: Você veio para a escola para estudar e não para conversar,
vira pra frente.
O espaço escolar representa mais do que a aprendizagem da lecto-escritura.
O aluno não se dirige à escola apenas para estudar, como afirma a
professora, mas também para criar vínculos sociais. A permanência na
escola
envolve
aprendizagem
cultural,
social
e
acadêmica
e
o
desenvolvimento de suas potencialidades. Pois como afirma Perrenoud
(1995) um adulto, ao evocar suas memórias escolares, relatará os
momentos de socialização com os amigos, as brincadeiras, o carinho da
professora, raramente ele se lembrará apenas da tarefa de sala de aula.
Dessa forma onde o autor afirma que o ofício do aluno envolve não somente
o trabalho acadêmico como também os momentos agradáveis que ele
vivenciou no espaço escolar.
119
A professora na gestão da classe solicita aos alunos que façam silêncio e
executem o trabalho acadêmico.
Sheila: Cala a boca e faz o seu trabalho.
A ordem para calar surge no intuito de silenciar a turma para a execução do
trabalho, que seria a tarefa, na sala de aula. Há que se considerar que o uso
de certas expressões, como calar a boca, carregam um tom de desaforo
quando em circunstâncias de desentendimentos.
Durante a exposição de um exercício de matemática no quadro, os alunos
ao chegarem ao resultado final deveriam conferir a que letra tal numeração
correspondia. Ao final das operações as letras formariam uma frase. Ocorre
que durante a execução da tarefa, um aluno aponta um erro em uma das
operações, pois o resultado não era correspondente a nenhuma letra. A
professora inicialmente não atenta para o fato de o aluno tentou mostrar o
erro para ela.
Sheila: Gente, essa conta aqui é menos! (corrige no quadro)
Pablo: Então o que eu tava falando pra senhora. A senhora não tava
acreditando.
Sheila: tava tanto barulho que não dava nem pra prestar atenção
(justificando o exercício de matemática que estava errado no
quadro).
Após verificar que os alunos deveriam subtrair para obter o resultado
correto, ela justifica a sua desatenção pelo barulho excessivo na sala.
Durante a exposição no quadro, os alunos permanecem em pé ou copiando.
120
O erro do aluno é atribuído à sua incapacidade enquanto o da professora é
ocasionado por fatores ambientais, como o barulho, que prejudica a atenção
da mesma. A credibilidade do aluno não foi reconhecida por ela, onde o
mesmo afirma que ela não estava acreditando nele.
Assim, o barulho suplanta as falas e as interações entre os alunos existindo
apenas o som do comando para “calar a boca”.
121
1.1.6. Tempo: chronos ou kairós?
O tempo descrito nas categorias encontradas evidenciou-se, assim como o
controle do espaço, nos dois ambientes observados, tanto nos conselhos de
classe quanto na sala de aula.
O interesse pelo tempo advém de épocas muito remotas, existindo
diferentes explicações nas áreas de conhecimento.
A discussão sobre a temporalidade é extensa envolvendo inúmeros
questionamentos. Contudo, o interesse sobre o tempo em nosso trabalho é a
delimitação temporal para as atividades escolares e como esse tempo é
administrado em função das necessidades dos alunos.
As horas do relógio, os dias e as noites, o calendário, entre outras formas de
orientação foram criadas para nos auxiliar na localização temporal.
Giddens (2005) aponta que nas sociedades modernas, o zoneamento de
nossas atividades é fortemente influenciado pelo tempo do relógio. Ele cita
os monastérios do século XIV como tendo sido as primeiras organizações
que esquematizavam as atividades de maneira precisa ao longo dos dias e
semanas.
O planejamento das atividades de acordo com as horas, para Giddens
(2005), é fundamental para o “zoneamento” das atividades nas instituições.
122
O horário de início, os intervalos e o fim dessas atividades são previamente
estabelecidos para o cumprimento das mesmas por todos.
Em uma instituição escolar, o professor e os alunos possuem horários
delimitados para o cumprimento da carga horária. Os que se atrasam, seja
professor ou aluno, são prontamente advertidos e orientados quanto ao
horário estabelecido para eles.
A preocupação com o controle do tempo pela delimitação e aproveitamento
do mesmo está presente em quase todas as atividades realizadas na escola.
Percebemos que esta forma de entender o tempo está relacionada com a
cronologia distribuída no calendário acadêmico.
Entretanto, existe ainda a dimensão individual para o entendimento e a
incorporação das atividades distribuídas na escola e na sala de aula.
Dizemos que cada aluno possui o seu “tempo” de aprendizagem e este não
está diretamente relacionado ao planejamento escolar.
Consideramos, em nosso trabalho, que no âmbito escolar coexistem duas
dimensões que envolvem o controle do tempo. Este se divide em tempo
cronológico (Chronos) e tempo oportuno (kairós). A distinção entre o tempo
cronológico
estabelecido
pelo
calendário
escolar
e
o
tempo
de
aprendizagem de cada aluno se fez necessário no intuito de evidenciar as
práticas escolares voltadas apenas para o cumprimento do currículo
estabelecido.
123
Assim descrito anteriormente Chronos e Kairós são dimensões temporais
que regem o cotidiano escolar.
Retornando à descrição feita das categorias desse trabalho denominamos
Chronos o tempo cronológico pelo qual a professora controla as tarefas em
sala de aula e a movimentação dos alunos e Kairós o tempo imbricado no
processo de ensino – aprendizagem que é diferenciado para cada aluno.
Na sala de aula estudada observamos que a professora distribui a tarefa
enquanto os alunos, em suas carteiras, copiam para o caderno e
posteriormente iniciam a execução. Ocorre que, após distribuir a tarefa,
alguns alunos não permanecem atentos ao que está sendo proposto pela
professora.
Ela denota impaciência, passando a questionar o tempo gasto por eles na
realização de qualquer tarefa apontando o grau de dificuldade das mesmas.
Sheila: Pedro você ainda não acabou...Pedro você já acabou?
Pedro: Mas eu não faço rápido tia? Mas eu to fazendo tia.
Sheila: Mas está batendo muito papo.
A descrição da categoria tarefa nos auxilia no entendimento desse tempo
que rege a sala de aula. A tarefa proposta, não fazendo sentido para o
aluno, passa a ser mascarada pelos mesmos frente a constante cobrança da
professora para a realização da mesma. Essa fala “eu faço rápido” denota a
entrada do aluno no jogo do tempo cronológico suplantando a aquisição do
conhecimento específica para cada um.
124
Após algumas solicitações de término da atividade a professora inicia uma
nova atividade no quadro desconsiderando a anterior. Esse ciclo ocorreu
durante todo o nosso período de observações evidenciando a invalidação do
tempo de aprendizagem de cada aluno em função do tempo cronológico.
No decorrer das atividades em sala de aula e das interações entre alunos e
professora, surgem as necessidades fisiológicas. As solicitações para ir ao
banheiro e beber água são as mais freqüentes.
Edgar: oh professora, posso ir no banheiro?
Sheila: Você veio pra cá foi pra estudar não foi, então vamos
estudar.
Na fala da professora Sheila, foi possível visualizar a anulação da
necessidade fisiológica do aluno justificando que este veio para a escolar
para estudar.
Ocorre que a professora, no cumprimento das determinações estabelecidas
no Conselho de Classe, somente permite a saída de um aluno de cada vez e
controla o tempo que ele leva para utilizar o banheiro ou beber água e
retornar para a sala de aula.
A sugestão feita por uma professora na reunião é a de estabelecer horários
para ir ao banheiro. Estes horários ocorrem duas vezes no período de aula,
no início e no final, desconsiderando que as necessidades fisiológicas não
funcionam ao mesmo tempo em todos os alunos.
Amélia: A minha turma é assim, quando dá 9:30 vão dois meninos e
duas meninas ao banheiro, olho na porta, controlo o tempo, não
sobe. Depois eles vão ao banheiro de novo 11:30, mesma coisa,
125
olho, controlo, eles não sobem. Há duas semanas atrás o banheiro
das meninas estava interditado... (Conselho de classe).
Se por um lado tal medida parece ir contra as necessidades dos seres
humanos por outro, a escola é o espaço de socialização que privilegia o
estabelecimento de regras. Os alunos passam a ter contato com novas
regras de socialização pautadas na forma como a escola organiza suas
funções burocráticas e administrativas, ou seja, horários de entrada, saída,
merenda, recreação e conteúdos pedagógicos.
O estabelecimento de regras na escola se dá a partir de uma situação que
foi considerada problemática pela direção da escola e pelos professores. As
regras são criadas levando em consideração a necessidade de controle e
bem estar escolar definido pelos docentes. Se permanecer fora da sala de
aula por muito tempo causa transtornos ao ambiente escolar, tal tempo
passará a ser delimitado e controlado. Isso significa que as regras são
criadas por uma realidade que se torna problemática, sobretudo, na
perspectiva dos professores.
A real problemática nessas saídas da sala de aula consiste no fato de que o
aluno não vai somente ao banheiro, ele também, anda pelos corredores, em
alguns casos chamando alunos de outras turmas para conversar. Dessa
forma, tornou – se necessária a implementação do controle do tempo de
saída e retorno para a sala e da movimentação pelos corredores. Essa
medida que nos pareceu, num primeiro momento, uma forma de rigidez
126
quanto às necessidades fisiológicas que nem sempre ocorrem no horário
determinado pela professora, num segundo momento, foi vista como sendo
uma forma de controlar o espaço escolar.
Pensamos que as saídas da sala de aula para o atendimento das
necessidades fisiológicas deveriam ser organizadas de maneira menos
rígida permitindo que os alunos saiam de modo a não comprometer o
funcionamento das demais turmas da escola.
O controle do tempo tem a ver com uma sociedade aprisionada num tempo
cronológico. O tempo gasto pelos alunos, por exemplo, para se
encaminharem para a sala de aula após a utilização do refeitório é, em dada
medida, importante para o início da compreensão da necessidade de
cumprir horários. De certa forma, o controle das atividades pelo tempo
prepara o aluno para a inserção na sociedade cronológica. O tempo kairós
foi desconsiderado na escola em sua funcionalidade, tendo em vista, a
suplantação do tempo oportuno do aluno pela cronologia do calendário
acadêmico.
Percebemos que na escola estudada o tempo passível de controle por parte
dos professores é aquele que pode ser mensurado: o tempo de cópia da
tarefa, o tempo de entrada e saída da sala de aula, a hora da merenda, o
horário de ir ao banheiro e beber água. O tempo de aprendizagem, por
exemplo, não permite medidas exatas em função do seu caráter subjetivo e,
portanto, não pode ser controlado.
127
“Tempo é chronos e kairós. É chronos como tempo horizontal e
kairós como tempo transversal, que atravessa a temporalidade
cotidiana e usual, dando-lhe especial significação” (NOVAES, 1994).
Significação essa, que na escola estudada, foi dada apenas em função do
zoneamento das atividades por chronos.
Uma vez analisados os aspectos que regem a dinâmica do controle na sala
de aula passaremos para a análise das categorias distintas que emergiram
nos conselhos de classe.
Foi possível visualizar na sala de aula estudada um entrelaçamento entre as
categorias apontadas ora ressaltando a importância de uma ora a de outra.
No centro encontra-se o aluno no cumprimento de seu dever que, em
nossas
análises,
ocupa
a
última
posição
na
hierarquia
escolar.
Hierarquização construída da seguinte forma: coordenadora pedagógica,
vice-diretora, diretora, professores e alunos, funcionando para fins de
controle do ambiente escolar e do aluno.
128
1. 2. O Conselho de classe
O conselho de classe é uma reunião dos professores das turmas da escola
juntamente com a direção e coordenação pedagógica da escola. O conselho
de classe foi instituído oficialmente no Rio de Janeiro em 19/02/1972 através
do Parecer 1.367 do Conselho Estadual de Educação. Atualmente os
conselhos funcionam em todos os estabelecimentos de ensino do Estado e
na rede particular. Os conselhos de classe acontecem ao final de cada
bimestre com o intuito de avaliar os alunos. Essa avaliação deve ser global
visualizando as potencialidades dos alunos, sendo ele um ser humano único
e diferenciado. Portanto, não se deve esperar que todos os alunos atendam
às expectativas de aprendizado da mesma maneira.
O que se pretendia com a criação dos conselhos de classe era;
“Uma reforma com o objetivo declarado de democratizar o ensino
que almejava organizar um sistema escolar fundado na observação
sistemática e contínua dos alunos com vistas a oferecer a cada um o
ensino que corresponda a seus gostos e aptidões” (Institut de
Recherche et Documentation Pédagogiques INRD – 1971 In
ROCHA, 1984, p. 19).
Foram participantes das reuniões de conselho de classe: a diretora, a vicediretora, a coordenadora pedagógica, todos os professores da escola, um
representante dos pais de alunos, um representante da comunidade local e
um representante dos alunos.
Porém, o que percebemos nesses encontros foi a formação de uma
hierarquia de controle onde o aluno ocupa a posição menos privilegiada. Na
129
análise de dados dos conselhos nos perguntávamos o que foi para aquele
grupo o aluno. Qual o perfil que elas traçaram a partir da avaliação que
promoveram dos alunos? E ainda, entender essa hierarquia que determinou
a relação entre diretores, coordenadores, professores e alunos.
Observamos durante nossas visitas a formação de uma hierarquização de
poder de controle de professores e alunos.
As funções foram definidas de acordo com a liderança adquirida na escola.
Nesse caso, a coordenadora pedagógica articulou, além das suas
atribuições, uma rede de poder entre professores, direção e alunos. Ela
representou a figura central na escola.
Os professores atuaram no controle da sala de aula atentos às normas e
procedimentos estabelecidos nas reuniões de COC14.
A direção atuou de forma neutra se considerando uma “pessoa muito
gostada na comunidade”. A vice-diretora atuou juntamente com a
coordenadora pedagógica na articulação das atividades da escola.
Por fim, os alunos encontraram-se sob o julgo de decisões pensadas longe
das
prioridades
deles.
As
dimensões
familiares
e
sociais
foram
determinantes no seu processo de avaliação. Pela situação de excluídos dos
alunos, os professores desacreditaram as chances deles em se tornarem
bem sucedidos e acabaram por fracassá-los. É a chamada profecia auto-
14
Sigla esta, como afirma Senna (2004) que pela ambigüidade dos sentimentos que se
encontram nessas reuniões o surgimento da sigla COC é desconhecido (p.9).
130
realizadora: sempre fracassando aqueles de quem esperam baixo
desempenho.
Ao avaliar o aluno os professores acrescentaram dados relacionados ao diaa-dia da comunidade, à dinâmica e ao histórico familiar. Na maioria dos
casos relatados esses dados são utilizados para estigmatizar o aluno e
reproduzir na escola a situação de miséria e exclusão em que vivem,
inviabilizando o desenvolvimento social, cultural e acadêmico do aluno.
A avaliação realizada foi impregnada de fatores secundários ao desempenho
escolar do aluno. Foram consideradas, sempre que possível, todas as
dimensões da vida do aluno, sem, contudo, privilegiar uma em detrimento de
outras.
Os preceitos da gestão democrática da escola que visam promover a
participação da comunidade e da família no ambiente escolar acabaram por
se tornar, nesse caso, como mais uma ferramenta de exclusão do aluno. Os
membros da comunidade ao participarem dos conselhos de classe
forneceram informações sobre a participação dos alunos nas atividades do
tráfico de drogas, os familiares doentes, a circulação dos alunos pela
comunidade no horário de aulas e ainda, atividades de trabalho que
realizaram com a permissão dos pais.
131
1.2.1. Problemas de aprendizagem: a discussão clínicapedagógica
“É melhor vocês aprenderem alguma coisa” (Professora Sheila).
O problema de aprendizagem é um assunto discutido desde a sua
constatação nos meios escolares. Embora compreendamos que tais
problemas, assim como a própria aprendizagem, não sejam uma
prerrogativa da escola, é nesse ambiente que ela se destaca, seja porque o
aluno de fato possui alguma dificuldade que necessite de auxílios
específicos dentro ou fora da escola, ou seja, porque os profissionais da
educação dentro do ambiente escolar utilizam-se desta expressão para
avaliar, caracterizar o aluno.
Entendemos problema de aprendizagem no ambiente escolar como sendo
uma dificuldade encontrada pelos alunos na aquisição dos conteúdos
escolares.
Para melhor definir a natureza dos problemas de aprendizagem utilizamos o
estudo realizado por Figueiredo (1992) onde a autora faz uma análise
comparativa entre a concepção de Visca (1987) e de Pain (1985).
De acordo com Pain (1985) os problemas de aprendizagem estão
diretamente ligados aos problemas surgidos nas instituições escolares,
enquanto para Visca (1987) estes se relacionam à construção e à interação
que coloca em jogo a pessoa total.
132
Na perspectiva de Visca (1987) o problema de aprendizagem é “o que
emerge da personalidade em interação com o sistema social ou seus
mediadores”. É decorrente da interação que ocorre no meio que o sintoma
irá se manifestar.
Pain (1985), por sua vez, define que “os problemas de aprendizagem se
manifestam na resistência às normas disciplinares, na má integração no
grupo de pares, na inibição mental ou expressiva, etc”.
Os problemas ou distúrbios de aprendizagem podem ocorrer por diversos
fatores e em épocas diferentes deste processo. Os principais são a dislexia,
a disgrafia e a dicalculia.
A dislexia se apresenta como uma falha no processamento da habilidade da
leitura e da escrita durante o desenvolvimento do indivíduo. A disgrafia seria
uma falha na aquisição da escrita, implicando numa inabilidade ou
diminuição no desenvolvimento da mesma. A discalculia seria uma falha na
aquisição da capacidade e na habilidade de lidar com conceitos e símbolos
matemáticos.
Esses problemas de aprendizagem são recorrentes no âmbito escolar,
contudo, o desconhecimento por parte do corpo docente acerca dos
sintomas
que
caracterizam
cada
uma
das
disfunções
ligadas
à
aprendizagem faz com que estes atribuam toda e qualquer dificuldade
apresentada na sala de aula a um distúrbio de aprendizagem (grifo nosso).
133
Haveria, portanto a necessidade da entrada da interdisciplinaridade na
análise e tratamento dos problemas de aprendizagem. A proposta de Visca,
para que seja possível apontar os problemas de aprendizagem é de que se
deve lançar mão da pauta formal, ou seja, os programas escolares para a
aprendizagem sistemática exigida pra o aluno, a idade cronológica e o nível
de pensamento alcançado.
Krell (In FIGUEIREDO, 1992) sugere que ao detectar o sintoma ou problema
de aprendizagem, deve-se vê-lo já como a expressão de situações mais
profundas que não chegam a se organizar no indivíduo.
Autores como Visca, Pain, Correia e Martins (2005) também apontam que ao
observar um sintoma deve-se analisar a história de vida do sujeito, buscar
compreender a estrutura do pensamento e o nível em que se encontra,
como é a adequação perceptivo-motriz, sua lateralidade, transtornos
neurológicos, metabólicos ou genéticos.
No conselho de classe foi possível visualizar a análise feita de um
determinado aluno quanto às suas características no processo de
aprendizagem que não consideram as etapas sugeridas pelos autores que
apontamos. A professora expõe o trabalho que é realizado com ele nos
momentos em que ele comparece às aulas. A seguir a vice-diretora coloca
que a dificuldade não estaria relacionada às faltas do aluno, mas a um
distúrbio de aprendizagem pelo qual ele foi encaminhado para atendimento
psicológico.
134
Graça: a Gislaine (fica folheando o caderno). A Helen assim (faz um
gesto de mais ou menos com a mão) sabe o quê que acontece? ,
você bate bate bate aí quando ele pega, ele some (apóia a cabeça
com a mão) é uma situação difícil sabe.
Vice-diretora:tem até um distúrbio não tem?
Graça: tem sim (volta a olhar o caderno)
Vice-diretora: foi até pra psicóloga com distúrbio de aprendizagem.
(Conselho de Classe)
Vale ressaltar que neste evento de fala percebemos uma orquestração
característica dos conselhos de classe estudados por Mattos (2005) onde os
professores, na avaliação do aluno, apresentam características que são
reforçadas pela fala das outras professoras e ao final, produzem uma
avaliação que irá definir a situação de fracasso ou sucesso do aluno.
A vice-diretora avalia que o aluno possui um distúrbio e a professora afirma
que o aluno possui de fato um distúrbio e é reforçado pela constatação de
que o aluno foi ao psicólogo.
Elas recorrem a uma instância fora da escola para justificar o distúrbio do
aluno, utilizando–se de uma informação da procura de um profissional que
se sobrepõe à avaliação da professora. Esta inicialmente atribuiu a
dificuldade do aluno à sua ausência da sala de aula.
Dentre outros eventos que confirmam nossa análise anterior destacamos um
que substancia essa atribuição de diagnósticos na escola.
Em um dos conselhos de classe analisados, a professora apresenta o que
ela considera a dificuldade da aluna para a leitura. Enquanto ela expõe que
a aluna dá a falsa impressão de que lê, a coordenadora sugere que a aluna
135
tem dislexia e a vice-diretora acrescenta que a referida aluna é muito
ansiosa.
Marly: e a Catia, a Catia que a Catia dá a falsa impressão de que
está lendo, mas não está. Fotografa as a palavras e aqui diz ali está
escrito papai, né tia, é entendeu?!
Coordenadora (falando junto com a professora): a Catia, a Rosália
está desconfiada de que ela tem dislexia.
Vice-diretora: ela é muito ansiosa.
Rosália: eu acho que ela tem dislexia sim.
Coordenadora: eu acho, alias, que quem tiver algum material, a
gente tá recolhendo material pra tentar resolver o problema,
contribuições.
O ato de fotografar palavras deu à professora o significado de uma falsa
impressão de leitura ou dislexia. Para solucionar o problema da aluna, a
coordenadora solicita às professoras contribuições com materiais sobre o
tema. A ansiedade da aluna é apontada pelas professoras como sendo um
diagnóstico de dislexia.
Nesse evento, apesar da atribuição de um diagnóstico a partir da leitura
fotográfica da aluna, a coordenadora solicita materiais para o entendimento
da possível dislexia. Outra forma de lidar com os problemas apresentados
pelos alunos é o encaminhamento para profissionais da área de saúde.
O encaminhamento dos alunos para psicólogos e médicos refere-se a uma
tendência a deslocar problemas do âmbito escolar para instâncias exteriores
a ela que dêem suporte às justificativas por eles encontradas.
Coordenadora: O Jorge eu vou encaminhar. O Jorge eu vou tentar
encaminhar pro psicólogo porque o problema dele eu acho que é
psicológico.
136
O problema do aluno foi solucionado com um plano de encaminhamento
para um especialista. A situação acusada pela professora foi a de o aluno
está agressivo na sala de aula com ela e com os demais alunos.
O entendimento de que os problemas de aprendizagem não ocorrem
isoladamente torna os problemas familiares e a medicalização instâncias
que se relacionam entre si e atuam na vida escolar do aluno.
Em nosso trabalho destacam-se os problemas familiares e a medicalização
como prerrogativas para o fracasso escolar.
Pesquisas realizadas por Mattos (1992) e Patto (1993) apontaram um
contingente de alunos que recebem, em virtude do meio social, a atribuição
de fracassados pela escola.
“Os destinatários destes diagnósticos serão, mais uma vez, as
crianças provenientes de segmentos das classes trabalhadoras dos
grandes centros urbanos, que tradicionalmente integram em maior
número o contingente de fracassados na escola”. (PATTO, 1993, p.
67).
No contexto do trabalho de Patto sobre a medicalização do ensino
encontramos uma das atribuições que são feitas aos alunos que fracassam
na escola. A justificativa encontrada é a de que estes seriam oriundos de
famílias de classes baixas e não apresentam condições de superação da
realidade excludente em que vivem. Estes são os que, em suas dificuldades
nas salas de aula, recebem o diagnóstico de alunos portadores de alguma
anormalidade. Tal diagnóstico define a situação desse aluno na escola,
sendo ele considerado inapto para as funções escolares.
137
“As dificuldades de aprendizagem escolar da criança pobre decorrem
de suas condições de vida. Este pressuposto, bem como várias
afirmações derivadas, encontra-se em plena circulação no
pensamento educacional, o que mostra que ainda estamos sob a
influência da teoria da carência cultural, em sua versão que afirma a
presença de deficiências ou distúrbios no desenvolvimento das
capacidades e habilidades psíquicas da clientela. Este postulado
tendo sido um dos princípios norteadores da maneira atual de pensar
os problemas da escola e sua solução” (PATTO, 1999, p. 121).
Em nosso trabalho percebemos que a atribuição de um problema de
aprendizagem ocorre quando o professor estabelece padrões de um aluno
ideal e os outros alunos se afastam desse padrão. Nesse ínterim, emerge o
controle como uma forma de garantir a adequação dos alunos aos padrões
estabelecidos. Os que não se encaixam nesses padrões recebem o rótulo
dos problemas de aprendizagem e são encaminhados para atendimento fora
da escola.
Desse modo, os problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos em
nossas análises não receberam a avaliação, o diagnóstico e o tratamento
adequado, uma vez que, as professoras e a direção não possuíam o devido
entendimento do que seriam os problemas de aprendizagem e como eles se
apresentam na sala de aula.
138
1.2.2. Problemas familiares: justificativa para o fracasso
escolar
“Eles são realmente difíceis, tem problemas sérios, os que não tem
problemas de aprendizagem, tem problemas sociais” (Coordenadora
pedagógica).
Os problemas familiares não ocorrem de forma isolada em nossas análises.
Estes se relacionam diretamente com a compreensão dos professores
acerca dos problemas de aprendizagem. Isto é, os problemas familiares,
assim como a medicalização, atuam na dinâmica escolar como justificativas
reais para os problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos.
Em todo momento no conselho de classe os participantes relacionam as
características dos familiares com as condições sociais precárias em que
vivem os alunos freqüentam a escola. Os pais são sempre inferiorizados
sem condições de proporcionar aos filhos recursos mínimos para que eles
superem a situação de miséria em que nasceram e estão crescendo. Para
essas professoras, a herança cultural é fator preponderante para definir a
condição de fracasso dos alunos.
“Justificar o “êxito escolar” de alguns alunos, aludindo à bagagem
inicial de docência de suas famílias, serve para questionar
claramente a “ideologia do dom” ao se pôr em evidência fenômenos
de herança cultural, mas essa explicação não acrescenta nada em
relação a essa bagagem docente inicial num dado momento da
história da escola e nem aos métodos empregados para transmiti-la”.
(LAHIRE, In MARCHESI & GIL, 2004, p. 70).
Encontrar justificativas para a situação escolar dos alunos pela bagagem
escolar de seus pais e demais familiares é reafirmar um espaço de exclusão
na escola. A citação de Lahire (2004) nos remete ao destino que é dado
139
àqueles alunos que durante o seu processo de escolarização são
freqüentemente comparados aos seus familiares no que tange à carreira
acadêmica.
À atribuição de fracassos à condição familiar dos alunos, os professores
associam o comportamento dos membros da família ao comportamento do
aluno na escola.
Durante a descrição da visita do pai de um aluno à escola, a coordenadora
justifica o comportamento do aluno pelo do pai. De qualquer forma sendo o
aluno bem ou mal comportado na escola a associação leva a considerar
que, se o aluno se comporta de determinada maneira foi em função da
similaridade com os familiares.
Coordenadora: mais olha só, veja pelo lado bom, quando você viu o
pai com aquele comportamento, você entendeu porque a criança era
daquele jeito né! Tudo se iluminou na sua cabeça.
A alteração do pai em uma visita à escola contribuiu para o entendimento do
comportamento do aluno. A “iluminação” que a coordenadora e a professora
receberam com a visita do pai do aluno foi utilizada para enquadrar o aluno
em função do seu meio familiar.
A escola, que deveria oferecer condições de superação, apenas atribui a
causas externas os problemas de alunos sem novas possibilidades. Ele será
entendido, em toda a sua dimensão, pelo comportamento apresentado pelo
pai.
140
O conhecimento da vida familiar não é obtido para excluir o aluno, mas para
entender o aluno em sua totalidade. Ele, ao chegar na escola traz as
experiências que adquiriu ao longo de sua socialização primária. Isso implica
em experiências positivas para um desenvolvimento saudável, mas também
em traumas que, por vezes, dificultam a socialização de acordo com as
regras escolares.
Um tema que suscitou nosso interesse foi o tratamento dispensado a um
determinado aluno que protegia os irmãos por uma passagem de abuso
sexual ocorrida com um deles. Todos estudam na mesma escola e em salas
distintas. O irmão mais velho recebeu a incumbência dos pais de proteger os
irmãos mais novos. Embutido de tal responsabilidade, o referido aluno se
envolvia constantemente em brigas na escola em função dos irmãos.
Coordenadora: eu vou só explicar essa situação, que eu já venho
reparando isso a algum tempinho. É o seguinte: o Rafael é o filho
mais velho dessa família, depois que o irmão sofreu com a questão
do abuso sexual, a mãe e literalmente o pai “incubiu” ele de superproteger os irmãos. Então qualquer coisa que qualquer dos irmãos
fale que acontece, sumiu um lápis, por exemplo, ele se sente na
obrigação de ir lá procurar o lápis e tomar uma providência. Então a
gente tem que dar uma...mas isso aí ta vindo de casa, a mãe e o pai
tão dando essa incumbência para ele. Ele é o responsável por tudo
que acontece com os menores.
A definição encontrada sobre abuso sexual é a de que este remete:
“(...) à palavra sedução, ligada à idéia de uma cena sexual em que
um sujeito, geralmente adulto, vale-se de seu poder real ou
imaginário para abusar de outro sujeito, reduzido a uma posição
passiva: uma criança ou uma mulher, de modo geral”.
(ROUDINESCO e PLON, 2004, p. 696-697).
A dimensão da problemática do aluno envolve, de acordo com o evento de
fala da coordenadora: o abuso sofrido por um dos irmãos, a incumbência
141
dos pais para que o aluno proteja os irmãos e, em função dessa proteção,
ele agride outros alunos que importunam os irmãos. Ao afirmar que esta
situação é oriunda do meio familiar, a coordenadora retira da escola a
solução para a dificuldade apresentada na escola pelo aluno. Mais uma vez,
ocorre a externalização dos problemas escolares.
O modo como a escola enfrenta a problemática de seus alunos não
representa uma forma de compreensão e possibilidade de enfrentamento
dos mesmos. Os professores apenas atribuem uma carga de culpa à família
e ao aluno sem oferecer caminhos para a superação de problemas que
acabam por afetar o seu desempenho enquanto aluno.
142
1.2.3. Faltas: presenças controladas
“Você fica impressionada com o número de faltas” (Coordenadora
pedagógica).
A garantia governamental de acesso à escolarização para todos os
brasileiros faz parte de muitas campanhas educativas. Paralelo à criação de
vagas nas escolas existe a obrigatoriedade de freqüência às aulas salvo em
condições justificadas e mediante o conhecimento dos pais ou responsáveis.
A Constituição Federal afirma que o controle pedagógico da freqüência é
obrigação da escola e compete ao poder público o seu acompanhamento.
“Artigo 208 – § 3° - Compete ao poder público recensear os
educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola”.
Sabemos ainda, que o acompanhamento das faltas é de interesse público na
condição de controle dos benefícios que são concedidos mediante a
comprovação de matrícula regular na rede pública e freqüência escolar. Não
podemos afirmar se o interesse em zelar pela presença escolar estaria
relacionado à importância do ensino ou à atribuição de benefícios sociais.
Contudo, sabemos que perpassa pela freqüência escolar um controle da
escola e das instâncias governamentais.
A implicação do aluno presente ou não na sala de aula não é considerada
sob o aspecto pedagógico. O aluno, mesmo que possa aprender em
qualquer ambiente, ao estar presente na sala de aula recebe novas
143
informações que vão, ao longo do seu processo de escolarização,
constituindo a sua bagagem escolar.
O problema das faltas excessivas é fator de preocupação constante nos
conselhos de classe observados.
Ocorre, ainda, a associação do excesso de faltas com os baixos
rendimentos escolares.
Yolanda: A 1202 está se preparando aqui (procurando os
óculos)... Essas crianças, elas estão com um problema
seríssimo que é o problema das faltas, tipo assim...
Coordenadora: Esses fracos coincidem com os que mais
faltam?
Yolanda: Yasmim 29 faltas, Douglas 23, Helana 20, Raquel 27,
Eduarda 24, Fanny 22, entende?, mas é que aí, dentre esses, a
gente vai destacar o problema do Carlos..
A divergência quanto ao número de faltas que o aluno tem direito suscita
dúvidas e não há um acordo entre a direção e os professores. Após um
número de faltas consecutivas o aluno é reprovado. Os pais são
comunicados pela direção da escola ou encaminhados ao Conselho Tutelar.
O CT funciona como uma instituição externa ao ambiente escolar no controle
das faltas. Assim como a gestão democrática que prevê a participação da
comunidade na escola e em conselhos de classe.
A participação de membros da comunidade nos conselhos de classe se
tornou um instrumento de denúncia da vida cotidiana dos alunos. Quando
uma professora mencionar o problema de faltas de um aluno no COC, o
membro da comunidade presente possui uma explicação para a ausência do
mesmo à escola.
144
Eles são pessoas conhecidas na comunidade local além de possuírem
respeitabilidade no meio escolar. Possuem informações sobre familiares,
locais freqüentados pelos alunos, atividades laborais dos familiares e dos
alunos. O interesse dos professores surge uma vez que podem punir o aluno
com tais informações.
Membro da comunidade: o que eu posso dizer é que a minha
preocupação com o Bruno nunca a favela esteve assim... como
dizem os meninos por aí a favela tá um favo de mel como dizem os
meninos por aí a favela tá um favo. Nunca a firma faturou eu to aqui
a 18 anos nunca teve tanto comércio e faturamento como agora.
Quando aumenta o faturamento e o comércio aumenta a oferta de
mão-de-obra que tá cada vez mais para vez mais de baixa idade
mas a mão-de-obra mais oferecida agora é pra muleques de 10 anos
... é o que mais se vê agora é muleque de 10, 9 anos com AR15 na
mão, então a oferta de trabalho tá sabe, nas minhas contas hoje se
tem mais de 1200 pessoas trabalhando para o tráfico hoje, mas de
80% tem menos de 14 anos de idade. E a mãe do Bruno eu digo
porque eu conheço ela, ela é minha vizinha conheço ela desde a
época que ela foi porta-bandeira do Quilombo, ela já perdeu um filho
com 15 anos pro tráfico, tem um que tá trabalhando, ele dá muita
bobeira, dá muito mole, sabe ela tá dando muito mole com o Iago ela
passa a mão do Bruno e não é só com relação ao Iago não é com
relação a uns 20 ou 30 alunos que tem aqui, Vitor que saiu. Então ta
145
muito fácil ganhar 200 reais por semana e ganhar status na
comunidade15.
Na cena destacada dos conselhos de classe estão os representantes da
comunidade, dos pais, da associação de moradores e a dos alunos da
escola.
O entendimento dos motivos que levaram o aluno a estar ausente na sala de
aula, no evento destacado não poderá ser considerado como fator de
avaliação dos alunos. Os membros da comunidade apontam os alunos que
fazem parte de atividades ilegais na comunidade, mas que ainda assim são
considerados como justificativas para o controle das faltas dos alunos.
As professoras descrevem os alunos associando faltas e baixo desempenho
acadêmicos, os “fracos”.
Poliana: Essas crianças, elas estão com um problema seríssimo que
é o problema das faltas, tipo assim...
Coordenadora pedagógica: Esses fracos coincidem com os que mais
faltam?
Poliana: Adonias. 29 faltas, Antonio 23, Isabele 20, Luan 27, Ivo 24,
Jaqueline 22, entende? Mas é que aí, dentre esses, a gente vai
destacar o problema do Al. Você bate bate bate aí quando ele pega,
ele some (apóia a cabeça com a mão) é uma situação difícil sabe.
No relato acima, o baixo rendimento dos alunos está relacionado com o
número de faltas, sendo a relação aprendizado e presença na sala de aula
fundamental para o rendimento dos alunos. O processo de aprendizagem é
um fenômeno do dia-a-dia, que ocorre desde o início da vida, talvez até
15
Na fala acima coube destacar o significado de algumas expressões ligadas ao tráfico de
drogas. Favo de mel significa que a venda de drogas aumentou e não há interferência
policial; firma e comércio: tráfico, grupo que atua na comunidade local; mão-de-obra:
pessoas que vendem drogas ou exercem outras funções no tráfico local; AR15: arma de
guerra utilizada pelo tráfico local; a mãe perder um filho para o tráfico: o filho foi morto em
algum confronto com a polícia ou com traficantes rivais.
146
mesmo antes do nascimento. Nesse sentido, a justificativa dos baixos
rendimentos escolares a partir do número de faltas seria apenas uma forma
de mascarar as práticas de sala de aula que não perpassam o entendimento
do aluno. Se o referido aluno tivesse realmente “pego”, ou agregado
conhecimento necessário dos conteúdos transmitidos pela professora, ao
retornar para a sala de aula ele seria capaz de recordar o que lhe foi
ensinado. A aprendizagem implica numa mudança proveniente de algum tipo
de treinamento, que supõe repetições, exercícios e prática. Contudo, não se
pode prever, a priori, o tempo de aprendizado de cada aluno e as estratégias
que ele utiliza para aprender.
Acreditamos que o aluno seja capaz de aprender independente de sua
presença em sala de aula, uma vez que eles podem aprender pelo esforço
dos professores ou por eles mesmos. Desse modo, relacionar a presença do
aluno na sala de aula com níveis de aprendizagem torna-se uma estratégia
segregadora, pois se ele falta e depois retorna é excluído da atividade diária
considerando que ele esqueceu o que aprendeu. Devemos considerar que
muitas vezes o espaço de sala de aula não se apresenta com um local que
propicie concentração e esforço para aprender. Na sala de aula atuam
concomitantemente à aprendizagem o barulho excessivo, as discussões da
professora com outros alunos e as interrupções constantes nas aulas por
outros funcionários da escola e alunos.
147
1.2.4. Medicalização
“Encaminha ele ué” (Vice-diretora)
O desenvolvimento das ciências médicas no final do século XVIII e o século
XIX contribuíram para os avanços nos estudos da psiquiatria sobre a
conceituação e tratamento das doenças mentais.
Foucault em seus estudos também aponta a ocorrência da medicalização
como forma de atribuir normas de conduta aos sujeitos sociais.
“Por pensamento medicalizado, eu entendo uma maneira de
perceber as coisas que se organiza em torno da norma, isto é, que
separa o que é normal daquilo que é anormal, o que não coincide
exatamente com a repartição entre o lícito e o ilícito; o pensamento
jurídico distingue o lícito do ilícito, o pensamento medicalizado
distingue o normal e o anormal; ele se atribui os meios de correção
que não são exatamente os meios de punição, mas meios de
transformação dos indivíduos, toda uma tecnologia do
comportamento do ser humano que está ligada a eles” (FOUCAULT,
2005, p 65-66).
A norma traz consigo ao mesmo tempo um princípio de qualificação e um
princípio de correção. A norma não tem por função excluir, rejeitar. Ao
contrário, ela está sempre ligada a uma técnica positiva de intervenção e de
transformação, a uma espécie de poder normativo.
Assim, a escola também adotou a nomenclatura médica para encaminhar os
problemas apresentados em seu interior. Nos estudos de Patto (1998) o
termo medicalização do fracasso escolar se refere ao destino dado aos
problemas escolares.
A medicalização ou patologização do ensino é tema recorrente nos debates
sobre a Educação. Os problemas enfrentados pela escola e que não são
148
passíveis de solução imediata passam a ser explicados pela ótica da
doença. É evidente que, em determinados casos, um diagnóstico realizado
por um profissional especializado faz-se necessário. De qualquer forma, o
que nos interessa em nossas análises é o número de encaminhamentos
feitos na escola e que não foram devidamente identificados como um
problema de saúde.
A professora, durante o conselho de classe, relata a conversa que teve com
a mãe de uma aluna que esquecia os conteúdos da aula anterior. A
professora afirma que a aluna esquece rapidamente apagando da memória
dela. A professora, então, sugere que a mãe a leve a um médico para que
este administre um remédio para memória para a aluna.
Janete: eu conversei com a mãe dela, perguntei pra mãe dela: a
senhora já levou ela ao médico, pra tomar um remédio pra memória,
porque hoje ela sabe você ensinou a ela, ela sabe vem amanhã,
amanhã ela não sabe mais. Ela esquece rapidamente, ela apaga da
memória dela
Vice-diretora: é ela tinha que ir
Janete: Aí eu fiquei até de fazer, quando eu conversei com a mãe
dela o relatório pra dar, pra mãe dela levar ‘ah leva aqui no postinho
mesmo’ só que precisa marcar, então a senhora leva e pede um
remédio pra memória. Porque eu coloquei no relatório da menina,
não consegue ler, as vezes médico sempre ajuda. Eu não sei que
recurso usar com ela, a garota não aprende, então essa criatura eu
dei I. Pro cara que no início do ano não sabia ler D e hoje lê dado pra
mim, é lógico que ele evoluiu pra caramba, então pra ele eu dei R,
Beatriz: ela eu lembro, ela não retia as coisas que ela lia
A professora não específica qual o profissional adequado para avaliar a
aluna, podendo a mãe levá-la ao posto de saúde ao lado da escola. Nesse
caso, o diagnóstico de perda de memória da aluna requer um tratamento
especializado e a longo prazo.
149
Cabe ressaltar no evento acima a orquestração dos professores para afirmar
o problema apresentado pela aluna. A professora Janete relata o problema
de
memória
da
aluna,
logo
depois
a
vice-diretora
sugere
um
encaminhamento e, ao final, uma segunda professora, Beatriz, acrescenta
que a mesma aluna não retém o que lê.
Outro encaminhamento freqüente nos conselhos de classe é para
atendimento
psicológico.
Em
alguns
casos,
os
alunos
já
foram
encaminhados outras vezes, mas pela falta de informação sobre a demanda
de atendimento psicológico, os pais não atendem o pedido da escola.
Vice-diretora: tem que encaminhar ele para o psicólogo
Coordenadora: ele já foi encaminhado dezena de vezes
Vice-diretora: mas a mãe não leva...é outra que só vem reclamar de
bolsa, disso aquilo...
A vice-diretora aponta que a preocupação da mãe está relacionada com
questões financeiras, como a bolsa escola, e não se interessa pelo
tratamento do filho. Por vezes, a situação sócio-econômica da família
suplanta certos problemas surgidos, tais como, os que ocorrem na escola.
Patto (1998) sugere que a educação crie,
“mecanismos de avaliação psicológica e de encaminhamento escolar
justos, a escola se encarregue de criar uma nova mentalidade nas
novas gerações, cabendo aos professores destruir algumas ficções
democráticas e levar os cidadãos à aceitação do que os autores
chamam de a “dura realidade dos fatos” (PATTO, 1999, p.70-71).
Entendemos que na tentativa de solucionar as ocorrências que se
apresentam na sala de aula sem uma avaliação criteriosa das mesmas, os
professores invalidam o fato de que muitas vezes os alunos apresentam
150
dificuldades ao longo do processo de escolarização que não estão
relacionados a problemas de saúde.
151
1.2.5. Violência
“O que eu to colocando aqui é que tem que ter uma ação mais
coercitiva do professor” (Professora Dora)
A violência nos centros urbanos apresenta a cada dia índices alarmantes. A
mídia apresenta fatos violentos que estão relacionados a situações que
ocorrem na sociedade e que, na maioria dos casos, a escola está localizada
próxima aos locais considerados de risco pela ocorrência diária de tais
situações.
A questão da violência na escola está relacionada, em muitos casos, a
aspectos concernentes à desigualdade na sociedade atual e que se refletem
na exclusão sócio-educacional do sujeito social. A violência surge, no
cenário escolar, como uma reação desses sujeitos na tentativa de denunciar
as condições desiguais e excludentes em que se encontram.
Segundo Dubet (2003) as desigualdades sociais existem desde sempre,
mas foi somente, a partir da Modernidade16, que elas passaram a serem
consideradas relevantes, como um problema que envolve todas as
dimensões da vida humana e das relações sociais.
Com a centralização da exclusão na dimensão social, a busca de
entendimento para essa realidade parte de uma situação social que se torna
problemática. Tomemos a situação violenta do Rio de Janeiro com notícias
diárias sobre confrontos entre jovens e a polícia, aumento do número de
16
Modernidade refere-se ao estilo, costume de vida ou organização social que emergiram
na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais
em sua influência. (GIDDENS, 1991).
152
homicídios, proliferação de favelas, que a cada dia ocupam mais espaços
nos grandes centros urbanos. Essa transformação social ocorre em função
do descaso com que a violência é tratada pelas autoridades policiais,
judiciais e educacionais. A violência pode ser caracterizada por uma
expressão que diz que seria como um “elefante na sala de jantar”. A
expressão foi cunhada na África à época do extermínio de elefantes para o
comércio do marfim. As autoridades foram tão negligentes que se dizia que
um elefante poderia estar na sala de jantar que eles não notariam a sua
presença. O mesmo ocorre quando, ao relatar fatos relacionados a
fechamentos de escola e alunos envolvidos no tráfico de drogas ou mortos,
a escola comenta o fato e este acaba por passar despercebido no cotidiano
escolar.
O sujeito é situado nas marcas da exclusão e violência que são atribuídas a
ele. Dubet (2003) cita ainda o reforço “sofrido” pelos indivíduos (alunos e
professores) para construir autonomia e identidade17 numa sociedade (ou
instituição) em processo de transformação e de “decomposição”.
“O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio
um sentimento ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto
prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência
ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco definido,
num lugar teimosamente, perturbadoramente, “nem-um-nem-outro”,
torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de
ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade
17
Entendemos a identidade como um conjunto de imagens, representações, conceitos de
si, e consideramos, especialmente, o caráter dialético de sua construção, a saber, da
importância da alteridade nesse processo, fez-se também necessária a inclusão de
procedimentos que possam fornecer dados para a compreensão da importância do outro
nesse processo.
153
de possibilidades também não é uma perspectiva atraente. Em
nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente
flutuante, desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” – ser
“identificado” de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez
mais malvisto” (BAUMAN,2005, p.35)
A construção da identidade dos jovens e crianças que residem em áreas
consideradas violentas pela população é mediado pelos valores familiares,
da escola e acima de tudo do tráfico local de drogas. Esta construção é
dialética; além de determinada é também determinante, pois o jovem tem um
papel ativo, quer na construção desse contexto a partir de sua interação,
quer na sua apropriação. A identidade só pode ser construída a partir da
interação. Interessa, portanto, a percepção da interação dos alunos na sala
de aula e na escola e da violência na qual estão inseridos em seus locais de
moradia e na escola.
““Identificar-se com...” significa dar abrigo a um destino
desconhecido que não se pode influenciar, muito menos controlar”
(BAUMAN, 2005, p. 36).
Nos conselhos de classe a preocupação com a violência surge nos relatos
das professoras sobre a inscrição das iniciais de facções criminosas que
dominam a região onde a escola estudada está situada. Efetivamente elas
não demonstram interesse pelo conteúdo do que os alunos escrevem sobre
o tráfico de drogas e sim com a utilização do material escolar de forma
inadequada e da utilização de uma boa caligrafia com atividades fora do
contexto escolar.
Sheila: “o cara gasta a tinta da caneta dele todo, rasga as folhas do
caderno dele todo pra ficar escrevendo TCP, TCP com uma letra
linda”.
154
Yolanda: “a gente tá com um grau... ficar escrevendo TCP (e dá um
soco na mesa)”.
Sheila: “aí ele bota terceiro e embaixo coloca TCP (...) gastou a
caneta dele toda”. (Conselho de classe).
A sigla escrita pelo aluno se refere ao Terceiro Comando Puro (Isto É
Mai/04), facção criminosa que domina o tráfico local de drogas. Esse tipo de
manifestação é freqüente na sala de aula. Os alunos, ainda, cantam músicas
que fazem apologia ao crime organizado da comunidade local.
Notamos como a professora e os alunos lidam com as manifestações que
mencionam siglas violentas, onde nenhuma demonstração é coibida pela
professora e por outro funcionário da escola.
Em um encontro com a coordenadora pedagógica questionei como é comum
à turma escrever siglas, como TCP e cantar músicas relacionadas à
violência urbana.
Ela cita o exemplo de um aluno que representa na sala de aula a maioria
dessas manifestações.
Coordenadora: É como se ele (Vitor) criasse um microcosmo
da comunidade na sala de aula.
A explicação da coordenadora nos fez pensar sobre a criação de um
microcosmo na sala de aula. O termo é pensado partindo da noção de
campo utilizada por Bourdieu (2004).
“A noção de campo está aí para designar esse espaço
relativamente autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis
próprias” (BOURDIEU, 2004, p. 20).
155
O autor explica que o microcosmo se liberta das imposições externas –
pressões externas, créditos, ordens, instruções, contratos – e passa a ter
condições de reconhecer apenas suas próprias determinações internas.
Cada vez mais o campo vai se tornando autônomo, derivando daí a
explicação para o “microcosmo” criado pelo referido aluno. Ele circula pela
sala de aula e pela escola de forma diferenciada dos demais alunos. A
coordenadora acredita que a presença do aluno na escola dá um caráter
comunitário à escola, uma vez que, ao cantar e desenhar siglas que aludem
ao tráfico de drogas ele se torna um representante da comunidade local na
escola e na sala de aula.
Se considerarmos que a gestão democrática prevê a participação da
comunidade na escola, a coordenadora está utilizando o termo “microcosmo”
de forma errônea que não representa a idéia central da democratização do
ensino. Tal aspecto representa um ato caracterizado como incivilidade, onde
o caos impera.
Em Debarbieux (In ARAÚJO, 2001) encontramos a associação da violência
à incivilidade18, destacando a desorganização da ordem, a introdução do
caos, a perda de sentido e de compreensão. O autor denuncia o fracasso da
escola em cumprir seu papel na sociedade, uma vez que não apresenta
condições favoráveis para que o aluno aprenda os conceitos transmitidos
pelo professor.
18
Indelicadeza, falta de urbanidade e ausência do conjunto de formalidades que os
cidadãos observam entre si quando são educados.
156
“É bem possível que a incivilidade de certos jovens seja uma
incivilidade reativa à expressão de um amor decepcionado com uma
escola incapaz de cumprir suas promessas de inserção”
(DEBARBIEUX 1998 In ARAÚJO, 2001, p.27).
A afirmação do autor aponta para o fracasso da escola em cumprir seu papel
de contribuir com a formação cultural, social e acadêmica de seus alunos.
Ao acreditar que a criação de um “microcosmo da comunidade” na sala de
aula é algo positivo a escola está falhando no seu caráter transformador da
realidade social violenta. Ela deixa de ser o diferencial numa comunidade
dominada pelo crime organizado e pelo tráfico de drogas e se transforma
num espaço de reprodução (BOURDIEU, 1982) da realidade social
excludente.
157
1.2.6. Estigma
“Crianças de aparência absolutamente normal, aquela criatura não
aprende” (Coordenadora pedagógica).
A compreensão acerca do que venha a ser o estigma perpassa os padrões
de normalidade presentes na sociedade. A definição de normalidade, por um
lado, expressa a conformidade com um tipo médio e, por outro, a ausência
de patologia. Entretanto, na atualidade, existe a formação de grupos e ou a
formação individual que implica um padrão de normalização que se
aproxima ou se afasta de determinado grupo ou pessoa.
Tudo o que apresenta características que não se assemelham às nossas
nos chamam a atenção. Quando nos deparamos com imagens que nos
chocam por suas características grotescas estas nos causam estranhamento
e tomamos tal imagem como referencial de diferença. Depois do
estranhamento inicial procuramos manter esta imagem longe de nossos
olhos, pois o que não é belo e semelhante não é aceito em nosso meio
social. Tentamos sempre tornar invisíveis cenas que nos desagradam. Isso
pode ser visualizado principalmente nos grandes centros urbanos, quando
ao andarmos pelas ruas passamos por pessoas doentes, com feridas
expostas, exibindo a falta de membros dos corpos ou até mesmo pessoas
com aparência descuidada, usando roupas sujas e rasgadas. Nos
deparamos todos os dias com essas imagens que, embora cotidianas e
evidentes, são por vezes ignoradas porque ferem o que é considerado belo.
158
Goffman (1978) explica que o termo estigma foi criado pelos gregos para se
referir a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa
de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava.
Assim os ladrões, escravos e traidores eram identificados em locais públicos
pelas marcas feitas com fogo e assim mantidos à distância das pessoas
moralmente aceitas pela sociedade. A partir desta perspectiva, podemos
inferir que as marcas feitas pela própria sociedade naqueles que fugiam a
regra de conduta moral estabelecida tornavam-se vítimas do estigma. A
partir de então, o diferente passa a ser ignorado, isto é, todas as pessoas
que possuem uma marca. Na contemporaneidade, esta marca possui outras
características: são marcas que advém do campo simbólico e consideram
não somente a diferença no corpo físico, mas as diferenças sociais de um
modo geral. Nesse sentido, o estigma se configura como um mecanismo de
exclusão.
Em Foucault (2001) encontramos modelos de exclusão e controle
relacionados com as doenças tais como lepra e peste que, no final do século
XVII e início do século XVIII, assolaram a Europa. Os indivíduos que
possuíam alguma dessas doenças eram considerados perigosos para a
sociedade
e
mantidos
sob
rigoroso
policiamento
para
que
não
contaminassem as pessoas saudáveis. Essa exclusão, como afirma
Foucault, implicava a desqualificação do indivíduo. A expulsão era então
substituída pelo rigoroso policiamento e justificada como medida preventiva
dentro da sociedade:
159
“Não se trata de uma exclusão, trata-se de uma quarentena. Não se
trata de expulsar, trata-se ao contrário de estabelecer, de fixar, de
atribuir um lugar, de definir presenças controladas” (FOUCAULT,
2001, p. 57).
Foucault se refere ao controle imposto àquele que, ao ser considerado
portador de alguma mazela, passa a ser monitorado para que não contamine
outras pessoas com a doença que possui. A exclusão ocorre pela
delimitação do espaço a ser ocupado pelos corpos estigmatizados tornando,
assim, invisível à sociedade o sujeito do estigma.
Na sociedade atual, a aparência denota essa característica própria do termo
estigma. Retomamos a definição de Goffman (1978) para salientarmos que a
aparência é a primeira idéia que nos vem à mente quando pensamos em
estigma, mas está também relacionado com o comportamento, com a fala ou
com o modo de se vestir. Tais aspectos nos causam estranheza e tendemos
a excluir as pessoas que mantêm um modus vivendi avesso ao nosso.
“As pessoas nos desgostam não só quando têm uma aparência
grotesca, ou mau hálito, mas quando o seu ou seus comportamentos
parecem vulgares, baratos e enjoativos quando personificam o
contrário do que é puro, delicado e fino” (MILLER In HARGREAVES,
2004, p.184).
Dessa maneira criamos padrões de comportamento que ao estarmos na
presença de alguém tentamos manter e esperamos que os outros também
sigam tais padrões.
“O desgosto e seu contrário, a distinção, são emoções básicas da
exclusão social: os meios pelos quais retrocedemos diante dos
incapacitados, marginalizamos os que se encontram numa situação
social ou econômica inferior, e expressamos repulsa diante de
diferenças raciais étnicas” (GOFFMAN, In HARGREAVES, 2004,
p.185 ).
160
Na escola como na sociedade podemos visualizar essa repulsa ao diferente.
Os alunos, quando não se encaixam nos padrões de normalidade impostos
pelos professores, recebem uma marca atribuída por eles, passando a ser
reconhecido no meio escolar por tais atribuições. Há na fala dos professores
um controle, que torna essa marca visível a todos que convivem com esses
alunos.
A estigmatização dos alunos é freqüente nos conselhos de classe que
participamos. Ao receber uma marca atribuída pelo professor, o aluno passa
a ser reconhecido no meio escolar por tais atribuições. Há, na fala dos
professores, um controle dos que não se encaixam nos padrões de
normalidade por eles impostos. Tal marca torna-se então visível a todos que
convivem no ambiente escolar.
Durante as discussões sobre o comportamento de um determinado aluno a
professora o justifica com a fala: “A Porto da Pedra explica tudo”. Logo
depois ela expõe qual seria a explicação da “Porto da Pedra”. Porto da
Pedra é uma escola de samba do estado do Rio de Janeiro e que em seu
enredo intitulado “No Reino da Folia cada louco com a sua mania” trazia
uma ala – Ala camisa de força – com pessoas vestidas em camisas de força
e cabelos desgrenhados. A referida professora comenta que esse aluno e
sua família guardavam uma estreita semelhança com os componentes da
161
Ala camisa de força, por terem os cabelos desgrenhados e se vestiram com
roupas velhas e rasgadas, apenas lhes faltando a camisa de força19.
Célia: E a Cíntia...
Diretora: Irmã da Carolina?
Vice-diretora: não é a Liliane... 402.
Célia: Acho que é da sala delas (apontando para as professoras da
401 e da 402)
Diretora: não é irmã da Janaina não?
Karla: Quem que é irmã?
Célia: é uma alta magrinha, moreninha...
Vice-diretora: A moreninha da 402.
Karla: A Janaina é minha.. será que é a minha Janaina?
Continuam tentando descobrir o parentesco da aluna. Enquanto a
Célia fica folheando novamente o diário de classe
Vice-diretora: entrou a pouco tempo?
Diretora: Ah! Do Edvan do Porto da Pedra...
Vice-diretora: Isso parente do Edvan... Eles saíram daqui todos
pequenos, ficaram um tempo fora e agora voltou tudo de novo.
As professoras comentam entre si rindo dos alunos.
Diretora: Juliana, Cíntia e Jean... Terceira série
Coordenadora pedagógica: Porto da Pedra explica tudo...
Célia: a gente olha pra ela... ela é maluca!
Coordenadora: não é?
Célia: Ela caiu e bateu com a cabeça, a garota não vai, ela não
engata a primeira.
Coordenadora: Olha só ser parente do Porto da Pedra já explica
metade de todos os problemas dessa criança (rindo)
Célia tenta dar continuidade a avaliação da turma enquanto a
Diretora, a vice-diretora, coordenadora e outras professoras falam
sobre a suposta loucura da mãe da aluna e ainda sobre o seu modo
de se vestir e pentear.
Coordenadora: mas peraí o Porto da Pedra explica. Não teve um
enredo logo no início sobre hospício? Que o povo vinha com o
cabelo pintado de louro, aí Prof3 apelidou: é a componente da Porto
da Pedra!
Vice-diretora: então até hoje (ri)
Rosália: aquela escola de samba que veio cheia de doido
Coordenadora: então foi...Ta vendo como eu lembro da história! Aí
né a escola veio cheio de pessoal do Pinel, e tal...aí a Rosália
apelidou: aí ta vendo um componente da porto da pedra, escola de
samba.
19
Espécie de camisa de tecido forte, que envolve os braços e impede movimentos
agressivos de indivíduos agitados.
162
Para
essas
professoras,
as
condições
familiares
da
aluna
são
preponderantes na determinação de seu sucesso ou fracasso na escola. Ao
ser identificada pela suposta loucura da família, a aluna é considerada
incapaz de aprender, de desenvolver suas habilidades no espaço escolar.
Durante a discussão, as professoras tentam identificar sem sucesso a
referida a aluna. Inicialmente pelo parentesco com outros alunos da escola,
depois pela descrição física e de cor, ainda pela data de matrícula e
finalmente pela marca atribuída ao irmão. Foi somente a partir de uma
característica de loucura atribuída à família que foi possível avaliar a aluna.
Nesse evento, quem é o aluno? Um integrante da ala Camisa de Força da
escola de samba Porto da Pedra.
A capacidade ou incapacidade dos alunos e alunas é enfatizada pelas
professoras a todo o momento. A expectativa delas é a de que a cada
atividade proposta, em sala de aula, todos sejam capazes de atendê-la
prontamente. Ocorre que, incluir não significa que todos sejam iguais, mas
que cada aluno, de forma diferenciada, tenha condições de aprender. Diante
desse impasse o aluno é considerado pela professora como preguiçoso.
Nádia: Aí tem uma observação que eu coloquei lá porque a menina
começa a faltar e a Aluna1 é aquela você sabe né, é aquela que
quer que o mundo acabe em barranco pra ela morrer encostada...
Vanusa: preguiçosa né?
Nádia: se eu não ficar em cima dela o tempo todo sabe, faz isso e
cobro não sei o que... ela não faz nada, nada, nada, nada, então eu
coloquei lá que teve um dia que ela ficou enrolou, enrolou e ela é
espertinha pra caramba esconde o caderno, guarda, ela é toda
articulada nesse ponto ela é. Aí eu me estressei fui lá peguei o
caderno e (faz o gesto de escrever com a mão) e falei que a mãe
dela tinha que assinar, falei com a mãe dela ontem.
163
A professora aponta a preguiça da aluna para as atividades propostas, mas
a esperteza da mesma para tentar escapar da sala de aula. O controle à
execução das tarefas e participação na sala de aula surge em forma de
punição. A assinatura dos pais atesta a incapacidade deles em contribuir
para o futuro escolar dos filhos e sem saber dão consentimento para a
eminente eliminação por faltas.
Coordenadora: olha só, gente brincadeira, a mãe da Deyse já foi
avisada que a filha dela vai poder ser eliminada por falta?
O espaço dos conselhos de classe torna-se um local de acusações onde o
aluno é o réu sem direito a defesa.
Em um outro evento destacado nos conselhos de classe está relacionado
com a dificuldade da compreensão da proposta pedagógica de ciclos de
aprendizagem. A dúvida está ligada à possibilidade de reprovar ou não os
alunos com baixos rendimentos. A falta de entendimento da proposta
pedagógica gera inúmeras contradições que prejudicam a avaliação da
aprendizagem do aluno ocasionando desentendimentos até mesmo entre os
professores e a direção da escola.
A professora relata a experiência vivenciada por ela numa outra escola,
onde todos os alunos da turma eram analfabetos. O desejo da professora
era de reprovar todos os alunos, mas acrescenta que a diretora não permitiu.
Para substituir o termo reprovação ela utiliza a expressão “segurar no ciclo”,
164
deixando implícito que os alunos passam de um ciclo ao outro sem a devida
avaliação de sua capacidade de leitura e escrita.
Hilda: eu tive uma turma... pergunte a Neide (quase gritando) que
trabalhou comigo nessa escola eu tinha uma turma de 4ª série
totalmente analfabeta, eu queria reprovar a turma a diretora não
deixou, foi ou não foi Neide, analfabetos de carteirinha, segurasse no
ciclo mesmo, eu queria reprovar, ela não deixou.
Ao definir os alunos como analfabetos de carteirinha ela está relacionando a
escolarização do aluno àqueles que na impossibilidade de assinar o nome
utilizam a marca digital nos documentos. Os documentos de identificação
dos analfabetos possuem apenas a marca digital do dedo polegar. Esses
seriam analfabetos comprovados pela documentação que o identifica. Não
se pode afirmar, a priori, o analfabetismo de uma turma inteira sem que haja
uma avaliação prévia, donde se conclui que a fala da professora não está
relacionada a nenhum dado empírico que comprove o índice apontado por
ela. A referida professora apenas repete o bordão: “analfabetos de
carteirinha” dando ênfase à incapacidade dos alunos.
A percepção de um professor a respeito de determinado aluno é acatada
pelos demais em um processo que leva à estigmatização e à eminente
exclusão escolar do mesmo.
Desse modo, acreditamos que a escola percorreu um longo caminho no
sentido de promover a inclusão da adversidade presente em nossa
sociedade, contudo, há ainda muitas considerações a serem tecidas rumo à
um sistema educacional que proporcione a valorização da diferença e o
respeito ao diferente.
165
1.2.7. Conceito x Nota
“Segura no I” (Diretora).
A categoria nota surge no trabalho como mecanismo de controle através da
atribuição de valores ao desempenho acadêmico dos alunos. Na escola
estudada foi implantado o sistema de conceitos, atribuição de notas através
de letras, sendo elas: O de ótimo, MB de muito bom, B de bom, R de regular
e I de insuficiente. A atribuição de tais conceitos está expressa no quadro
abaixo fornecido pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
Quadro III – Significado das letras / conceito
O
Ótimo - O aluno atingiu os objetivos propostos para o período, revelando envolvimento nas
tarefas, interesse, assiduidade, organização e bom relacionamento com professores e colegas.
Muito Bom - O aluno atingiu os objetivos propostos necessitando ainda ser trabalhado
MB pedagogicamente em relação a um ou mais aspectos: envolvimento nas tarefas, interesse,
assiduidade, organização e bom relacionamento com os professores e colegas.
B
Bom - O aluno atingiu parcialmente os objetivos propostos para o período, revelando
envolvimento nas tarefas, interesse, assiduidade, organização e bom relacionamento com
professores e colegas.
R
Regular - O aluno atingiu parcialmente os objetivos propostos para o período necessitando
ainda ser trabalhado pedagogicamente em relação a um ou mais aspectos: envolvimento nas
tarefas, interesse, assiduidade, organização e bom relacionamento com os professores e
colegas.
I
Insuficiente - O aluno ainda não atingiu os objetivos propostos para o período.
Fonte: Secretária Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
Na escola estudada as professoras utilizam tais conceitos, expressos em
letras, para avaliar os alunos e alunas.
A nota ao ser atribuída à tarefa realizada pelo aluno em sala de aula ganha
um caráter econômico e não mais acadêmico. Quanto maior a nota, maior
será o valor do aluno no mercado.
Coordenadora: O quê que adianta o cara acertar de ponta a ponta se
ele é uma pessoa que não se relaciona bem com as pessoas? Esse
166
lado conta até porque não se diz que o preparo do aluno é para o
mercado de trabalho. (Conselho de Classe)
A coordenadora utiliza uma fala de que a escola prepara o aluno para o
mercado de trabalho para afirmar a necessidade de ser a escola uma
facilitadora nos relacionamentos que o aluno estabelece. Aqui, não importa a
aprendizagem do aluno e o conteúdo pedagógico, interessa a qualidade dos
relacionamentos interpessoais que ele irá estabelecer na escola.
O evento de fala expressa um dos artigos do ECA: “A criança e o
adolescente têm direito à educação, visando o pleno desenvolvimento de
sua pessoa para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”
(ECA, art. 53). Contudo, uma instância não invalida a outra devendo a
escola conjugar as diferentes áreas do conhecimento para a formação de
seus alunos.
Nos dados de campo da pesquisa etnográfica sobre o fracasso escolar
realizada por MATTOS (1992-1996) encontramos que tal substituição de
números por conceitos produz um efeito de falsa justiça. Sob a ótica do
professor ou professora, atribuir um conceito E significa que o aluno não
participou em nenhuma atividade de ensino, enquanto atribuir a nota 0
significa que o aluno não conseguiu completar nenhuma das tarefas que
valiam para a nota. No limiar do fracasso, o aluno pode merecer um D ou um
C, mas não merece um E, enquanto uma nota 5, 3 ou 0 são medidas exatas
que sugerem reprovação, são notas no vermelho. Nossa interpretação da
percepção dos professores e professoras sobre a atribuição de notas e
167
conceito sugere que eles ainda confundem “medir” com “avaliar” o que faz
com que fiquem com impressão de terem sido imparciais. Este fato foi
evidenciado não só em nossas pesquisas, mas em outros trabalhos sobre o
mesmo tema.
Em recente artigo sobre a avaliação significativa Bordoni confirma essa
interpretação,
“Avaliar não significa necessariamente medir e nem o referencial
quantitativo significa necessariamente objetividade. A prática de uma
educação positivista deixou-nos esse ranço. Aliás, quando tentamos
traduzir em números ou ”conceitos" frios o que é incomensurável, as
aberrações são evidentes. Que tipo de avaliação tem um aluno que
"tirou" 5 ou C? Significa "suficiente", mas suficiente para que? O que
ele não sabe, não vai fazer falta? Por que não sabe? A avaliação
"medida" mais esconde do que mostra. E não adianta transformar
nota em conceito, pois o que tem que mudar é o objeto da
avaliação.” (BORDONI, 2004)
Podemos também derivar dessa interpretação de que a avaliação continua
sendo um fenômeno pouco entendido pelo professor/a como instrumento de
ensino e aprendizagem, como nos afirma Hoffmann em seus estudos, os
professores/as percebem a avaliação como um fenômeno indefinido, usam o
termo
atribuindo-lhes diferentes
avaliativa
tradicional:
prova,
significados,
nota,
conceito,
relacionados à prática
boletim,
recuperação,
reprovação. (HOFFMANN, 1993) O fato da avaliação se traduzir num
resultado concreto para o aluno e os pais, faz com que, muitas vezes, seja
utilizada pelo professor ou professora com o objetivo não só de medir seu
rendimento, mas também de promover mudanças no aluno – corrigir desvios
de comportamento, por exemplo. O aluno que resiste a esse controle é
aconselhado a agir de acordo com as normas ou será punido, tanto com a
168
nota, quanto com a reprovação. O aluno resiste a estas normas e à própria
prática avaliativa. Essa resistência do aluno se manifesta de diversas formas
em situações de sala de aula e é comumente explicitada através da
indisciplina.
A supervalorização da nota está intimamente ligada à relação assimétrica de
poder entre o professor ou professora e os alunos e alunas (ERICKSON,
1986). O professor ou professora tem dificuldade para lidar com pequenos
grupos indisciplinados em sala de aula. Não sabem lidar com as lideranças
negativas.
O conteúdo e a nota são usados como instrumento de
normatização, isto é, para ameaçar o aluno indisciplinado.
O conceito, a avaliação e a nota se confundem com a percepção negativa
sobre o comportamento do aluno. Além do fato de as professoras e a
coordenadora utilizarem mecanismos de avaliação que não estão de acordo
com os critérios para uma avaliação global do aluno.
A professora ao atribuir um conceito Bom (B) ao aluno não poderá ao longo
do ano mudá-lo para Regular (R). Ela deverá manter o conceito R durante o
ano e ao final, se o aluno apresentar condições impostas por ela, poderá
receber um B. O número de faltas está diretamente relacionado à nota que o
aluno irá receber na avaliação da professora.
Coordenadora: Por que ele está faltando tanto?
Dalva: Porque ele é turista. Ele vem 2 vezes na semana e falta 3. Ele
é turista.
Coordenadora: Então ele tem mais do que 4 faltas... mas tem que
colocar gente.
Dalva: Então vou largar “I” nele, na Lourdes. Eles eram “R”.
169
Coordenadora: Mas tem que largar, ele vai continuar não vindo, ele
vem um dia, falta dois. Você vai segurar o R o ano todo. Ele era pra
ser I, mas ele foi R no primeiro. O que a gente conversou? Pra dar o
R pra ele eu tenho que fazer as faltas dele desaparecerem. Tem 7
faltas ele não tem 30 pra ser eliminado. Pra dar R pra esse garoto
tem que aparecer, você entende? A Lourdes..
Coordenadora: se você não quiser fazer isso com o outro não faça,
faz com o Daniel porque a mãe sempre tem uma desculpa descabida
pra não comparecer na escola e o irmão dele estudou anos aqui na
escola e a mãe... (gesto de suar para a mãe aparecer)
Vice-diretora: faz sim
A expressão “largar I” denota um caráter distanciado dos pressupostos
educacionais na avaliação dos professores. O outro evento de fala explícita
essa atribuição de conceitos calcada em prejudicar o aluno no lugar de
justificar as instâncias educacionais os conceitos atribuídos aos alunos. A
professora no evento acima é orientada a manter o aluno durante todo o ano
com um conceito para baixo. Se ele obtiver um conceito alto e depois for
rebaixado para um conceito inferior, a escola deverá justificar o
rebaixamento junto à Coordenadoria Regional de Educação (CRE).
O conceito atribuído ao aluno não possui representatividade quanto ao
desempenho escolar dele. A nota ou conceito é apenas um instrumento
utilizado pela escola para aprovar, rebaixar ou reprovar o aluno.
170
1.2.8. Para onde vão as faltas? Conselho Tutelar
“Começar a anotar da agora e manda pro conselho tutelar”
(Coordenadora pedagógica).
A criação dos Conselhos Tutelares foi sancionada no Projeto de Lei do
Senado Federal, em 31 de maio de 1990, que explicitava a finalidade dos
mesmos: “O Conselho Tutelar é órgão administrativo, permanente e
autônomo, não jurisdicional, tendo por finalidade o atendimento dos direitos
da criança e do adolescente”.
Assim, a função dos CTs foi estabelecida para o atendimento dos direitos da
criança e adolescente baseado nos artigos do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
O conselho tutelar nesse trabalho surgiu nas falas das professoras como
uma instância capaz de intimidar e coibir as faltas dos alunos repreendendo
os pais ou responsáveis.
No cenário escolar marcado por faltas, onde esgotadas as possibilidades de
controle da escola, o Conselho Tutelar surge como uma alternativa para a
solução de tal problemática. Consta no Estatuto da Criança e do
Adolescente Art. 56:
Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental
comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
I – maus-tratos envolvendo seus alunos;
II – reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados
os recursos escolares;
III – elevados níveis de repetência.
Torna-se obrigação da escola informar ao Conselho Tutelar quando o
número de faltas do aluno ultrapassar 50% do percentual de faltas permitido
171
pela lei, sendo que o planejamento escolar prevê o mínimo de 200 dias
letivos, o aluno poderia faltar, no máximo, a 50 dias de aula para cumprir os
75% de freqüência mínima para a aprovação. Sendo assim, caso o aluno
ultrapasse 25 dias de falta (50% do total permitido pela lei), a escola deve
comunicar o fato ao Conselho Tutelar, ao juiz competente da Comarca e ao
respectivo representante do Ministério Público. A escola, instituição baseada
em preceitos de liberdade e igualdade, passa a aplicar penalidades
baseadas no poder judiciário.
Nos conselhos de classe os professores se queixam excessivamente do
número de faltas dos alunos. Alguns afirmam que o grande problema das
turmas são as faltas. Porém não há entre eles um consenso, quanto ao real
número de faltas que os alunos podem ter, gerando uma série de equívocos
e justificativas sem embasamento legislativo. No artigo 12 da Lei de
Diretrizes e Bases, inciso VII consta que:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas
comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
(...)
VII – informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e
rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua
proposta pedagógica.
A atribuição de faltas e o encaminhamento para o Conselho Tutelar são
medidas aplicadas de forma diferenciada dependendo das circunstâncias
que envolveram as faltas.
Nos conselhos de classe analisados destacamos falas que sugerem uma
indefinição quanto ao número real de faltas, se o aluno é ou não para ser
172
reprovado, o que é a medida legal a ser adotada e quanto à omissão por
parte do CT.
Coordenadora: Anote as faltas justifique as faltas, é o primeiro
bimestre ainda, é o primeiro COC, de repente a criança para ser
reprovada e aí você aplica a falta com rigor e de repente você está
reprovando a criança por falta. O nome dela vai para o Conselho
Tutelar e manda o bom senso que a gente evite o máximo mandar
para o Conselho Tutelar, porque até ameaça para a gente, eu não
tenho medo não dessas coisas.
Coordenadora: Se o aluno ta faltando começa a botar falta mesmo e
chega lá e reclama no Conselho Tutelar, se ele ta muito fraco
começa a notar e daí de agora...
Haideé - Não depende das contas? Mais ou menos tem o número de
faltas.
Vice-diretora - No calendário tem o número de dias letivos. São 54
dias letivos e aí o que acontece, o pessoal não quer muito
envolvimento com o Conselho Tutelar, as pessoas não gostam do
envolvimento do Conselho Tutelar. Eu tenho criança com carta para
a residência e que ainda não veio porque? É que mãe não quer
chegar no Conselho Tutelar.
Diretora: Então a gente vai fazer o que é legal. E o que é Legal? É
mandar o nome dos faltosos para o Conselho Tutelar, nós fizemos
isso e o Conselho Tutelar nada fez.
Os eventos de fala destacados apresentam uma incoerência quanto ao que
seria a medida a ser adotada nos casos onde os alunos excedem o limite de
faltas. Num primeiro instante, segundo a fala da coordenadora, as
professoras devem anotar e enviar os nomes para o Conselho Tutelar, num
segundo elas devem recorrer ao “bom senso” e não enviarem os nomes
para o CT. Por outro lado se os alunos estão “fracos” e faltosos os
professores devem atribuir as faltas e encaminhar os nomes para o CT.
Foi possível após a análise dos conselhos de classe que o Conselho Tutelar
é utilizado como mecanismo de controle das faltas pela coerção. As
173
professoras sabem que os pais não querem os nomes de seus filhos e os
seus envolvidos em processos do Conselho Tutelar. Apesar das professoras
utilizarem “bom senso” e não enviarem os nomes para o CT, elas continuam
afirmando aos pais que se os filhos continuarem faltosos, o encaminhamento
a ser dado será mesmo o CT.
Assim, os Conselhos Tutelares não estariam exercendo as funções a que se
destinam aos casos de excesso de faltas na escola. Esta seria uma instância
de controle para as faltas escolares dos alunos, sem um trabalho efetivo
para tornar o espaço escolar um ambiente no qual os conflitos são
valorizados no sentido de estabelecer um canal de discussão onde as regras
sejam claras tanto para professores quanto para os alunos.
174
2. Resultados gerais
A análise realizada neste trabalho permitiu visualizar as características da
prática pedagógica em sala de aula ao direcionarmos nosso olhar para a
relação professor e aluno bem como o modo como esta se estabelece
baseada no controle.
Questionamo-nos sobre para que o controle era exercido na escola,
procuramos compreender a sua natureza e o seu funcionamento podendo
desencadear o sucesso ou fracasso escolar de alunos e alunas pela
vigilância do espaço escolar. Ao final entendemos que o controle ocorre
para que alunos e alunas sejam mantidos de acordo com as normas
escolares instituídas para educar pelo controle.
Os estudos de Foucault (1987), Goffman (2005) e Giddens (2005)
contribuíram para o entendimento sobre a relação da estrutura física das
instituições influenciando as interações que se estabelecem em seu interior.
A estrutura física do CIEP permite a circulação constante de vozes das
professoras pela escola. Estas podem ser ouvidas em dois momentos das
aulas: ao exporem os conteúdos pedagógicos e ao advertirem seus alunos e
alunas quanto à conduta adotada pelos mesmos. Desse modo a direção e
coordenação da escola podem controlar a dinâmica da sala de aula e
interferirem quando acreditam ser necessário.
175
Se a direção controla a professora, e a mesma controla os alunos e alunas
na sala de aula, podemos inferir que a dinâmica pedagógica está subjugada
ao controle inserido nas estruturas de poder do espaço escolar.
No interior da sala de aula foi possível perceber que o controle é uma
tentativa da professora de conter os corpos dos alunos no espaço para a
realização da tarefa, mas que este é burlado pela turma para a execução de
atividades mais agradáveis do ponto de vista deles, tais como cantar e
dançar pela sala de aula.
As nuances dessas interações de controle visualizadas na interação
professor e aluno foram retratadas nas categorias temáticas encontradas
nas análises do espaço da sala de aula e dos conselhos de classe.
A apresentação das categorias temáticas no trabalho foi desenvolvida em
função do padrão de recorrência encontrado durante o processo de análise
de dados. Contudo, o que ocorre no cotidiano escolar é a inter-relação entre
as categorias e a totalidade da sala de aula em função do controle de alunos
e alunas.
Na sala de aula foi possível perceber como o controle era exercido pela
professora a partir do corpo dos alunos e alunas, da tarefa a ser realizada
por eles, das agressões verbais e físicas, do espaço da sala de aula e da
escola, do barulho das vozes, do tempo chronos em detrimento do tempo
kairós.
176
Ao passo que nos conselhos de classe foram encontradas como
justificativas do desempenho acadêmico dos alunos e alunas os problemas
de aprendizagem, os problemas dos familiares, as faltas escolares, a
medicalização, a violência presente na escola, a estigmatização das
avaliações dos professores de seus alunos, a atribuição de conceitos (nota)
e a utilização do Conselho Tutelar enquanto instância de coerção para as
faltas que excedem os 25% previsto pela LDB.
A disciplinalização dos corpos de alunos e alunas é a forma como o controle
é instituído pelo professor na sala de aula e na escola. Na interação
professor e aluno tornou-se evidente a utilização de métodos coercitivos
para que estes se adaptassem ao sistema formal de ensino. A didática
utilizada pela professora explora a dimensão do controle pela ironia na
tentativa de docilizar os corpos rebeldes de alunos e alunas na sala de aula.
O olhar atento da professora ao movimento dos corpos dos alunos e alunas
passa por uma internalização de regras e normas para que o papel docente
se faça cumprir na escola perante a vigilância da direção e na sala de aula
nas interações entre a professora e os alunos.
Os procedimentos de controle objetivam a execução da tarefa, enquanto
ofício do aluno, uma vez que esta é parte do processo de ensino aprendizagem. Em contrapartida está o “ofício” da professora de cumprir as
exigências da política pedagógica e o currículo mínimo. Dessa forma o
controle da tarefa pela professora incide sobre a execução do trabalho pela
177
turma e como cumprimento das suas obrigações enquanto docente, se
manifestando em diferentes momentos na sala de aula.
Ao tentar manter o controle da turma a professora se orienta pela coação da
turma inserindo marcas de submissão ao processo de escolarização. Estas
marcas seriam os discursos da professora proclamados na tentativa de
instituir ou corrigir o comportamento dos alunos e alunas, atrelada à ameaça
de reprovação pela inadequação deles. A agressão física está ligada à
postura corporal adotada pela professora para enfatizar a sua fala. O que se
caracterizaria como uma agressão física gratuita, uma vez que, a professora
já está ameaçando pelo modo como grita com os alunos no espaço da sala
de aula.
A necessidade de controle da ocupação do espaço escolar ocorreu na sala
de aula e na escola em detrimento da relação pedagógica. A sala de aula é
um espaço por excelência, destinado ao processo de ensino-aprendizagem,
mas foi identificado neste estudo como um lócus de gerenciamento da
ocupação e movimentação dos alunos e alunas. Ao entender que alunos e
alunas deveriam permanecer em suas carteiras e sentados a professora
solicita a todo o momento que eles assim estejam até o término da aula.
Acontece que os alunos na maioria dos eventos observados não atendem à
exigência de permanecerem sentados passando a ocupar os corredores da
escola em função de serem expulsos da sala.
178
Frente a isso o controle pela professora da ocupação e movimentação na
escola e na sala de aula pelos alunos e alunas tornou-se uma estratégia de
controle do espaço pela visibilidade dos corpos.
O olhar atento da professora para o comportamento dos alunos detonava
gritos de ordem sendo percebidos em nossas análises pela necessidade de
controle ou descontrole frente à turma.
A temática do barulho está relacionada, além das condições de controle do
comportamento dos alunos na sala de aula, com a estrutura física da escola.
As paredes e a localização da escola interferem no volume da voz dos
funcionários e alunos da escola. Como já mencionamos, o aumento do
volume da voz de um sujeito cria um círculo de aumento de vozes na sala de
aula e na escola. Um fato paralelo, a se considerar no controle do barulho é
o de que, muitas das vezes que estivemos presentes nas aulas, a professora
se aproximava do aluno para gritar com ele. Pela proximidade entre a
professora e o aluno o controle pelo barulho dos gritos poderia ter sido
amainado.
A questão do barulho não somente na sala de aula, mas na escola, estaria
relacionada além do controle para obter silêncio para a tarefa, mas também
com a estrutura física da mesma. A escola está situada nas proximidades de
uma das principais vias de acesso ao Rio de Janeiro, tendo um fluxo intenso
e constante onde tal questão é motivo de reclamações por parte dos
professores nos conselhos de classe pelos efeitos maléficos à saúde que a
179
elevação de voz e o barulho constante provoca. Contudo, não há uma
proposta efetiva para melhorar as condições sonoras da escola. A diretora
solicita apenas que as professoras evitem gritar com as crianças, pedido
este, que não é atendido pelas mesmas.
A dimensão do controle do tempo na sala de aula denota uma outra
instância dessa necessidade de zoneamento do ofício do aluno. O tempo
surge também como mais uma forma de exercer controle na sala de aula,
uma vez que, a professora delimita o tempo para todas as atividades
inclusive as necessidades fisiológicas, onde a ida ao banheiro é controlada
no relógio ou é entendida como não sendo necessária naquele momento. O
tempo está também relacionado com o horário para os alunos irem para o
almoço, pois se não estiverem “quietinhos” (barulho), em seus lugares e com
a cabeça abaixada (corpos) eles não recebem permissão para almoçar. O
tempo descrito nos conselhos de classe está relacionado à prática diária de
sala de aula. As discussões que aconteceram nas reuniões foram agregadas
à prática pedagógica da sala de aula observada. A categoria foi ressaltada
na escola como um todo, uma vez que, o controle do tempo foi explicitado
nos conselhos de classe como exigência para as professoras. A sala de aula
observada apresentou o cumprimento de tais exigências na dinâmica diária
da professora com seus alunos e alunas.
Pela
iminente
impossibilidade
de
definir
como
os
problemas
de
aprendizagem ocorrem, como se fazer um diagnóstico e qual o especialista
180
que cuidará do caso. Seguido a isto, os problemas familiares foram assim
nomeados pela maneira como os professores, coordenadora pedagógica,
diretora e vice-diretora caracterizam a família dos alunos e alunas da escola.
A associação dos problemas familiares são naturalmente atribuídos aos
alunos que freqüentam a escola. Torna-se, para elas, ao atribuir a causa da
problemática dos alunos aos parentes destes, uma forma de compreender a
os rendimentos escolares pela dimensão familiar e a social.
As categorias temáticas problemas de aprendizagem, problemas familiares e
medicalização
encontram-se
relacionadas
da
seguinte
forma:
a
culpabilização de instâncias externas e circundantes à sala de aula dos
fatores que atuam na mesma.
A problemática do controle na escola estudada começa no entendimento da
proposta pedagógica do ensino em ciclos de aprendizagem e termina com a
evasão de alunos ao longo do ano. A falta de entendimento quanto à
aplicabilidade da proposta, especialmente relacionada à retenção ou
reprovação do aluno, acaba por contribuir com a exclusão no espaço
escolar. É comum, na fala dos professores, atribuir ao professor do ciclo
anterior o não cumprimento do currículo mínimo. Nos eventos, cenas, fatos,
atos, ações e falas que estudamos os professores afirmam que os alunos
passam de um ciclo ao outro sem dominar a leitura e a escrita. A testagem
diagnóstica,
realizada
pela
coordenadora
pedagógica,
aponta
tal
descumprimento do mínimo que o aluno deve possuir, uma vez que ele não
181
consegue estabelecer a intertextualidade do texto lido e dominar cálculos
matemáticos considerados simples pela coordenadora.
Em outro momento é atribuído ao aluno diagnósticos clínicos realizados sem
a devida compreensão do problema apresentado ou apontando a família e o
meio social miserável como a causa do sintoma.
Em nosso trabalho, concordamos com a afirmação de Silva (1999) onde “o
professor é percebido, sobretudo como profissional que reflete, questiona,
problematiza, interroga permanentemente a sua prática político-pedagógica
cotidiana” (p.48).
Na avaliação das professoras os baixos rendimentos de seus alunos e
alunas são associados às dificuldades de aprendizagem e para justificá-los
recorrem a diagnósticos clínicos. A comparação dos níveis de aprendizagem
entre alunos é constantemente utilizada como medida para caracterizar um
aluno apto à aprendizagem ou não. Ao utilizar a comparação como base os
professores estão invalidando a heterogeneidade inerente a todo e qualquer
sujeito social.
As categorias encontradas denotam a importância de se controlar o aluno
em suas atividades, sejam pedagógicas, sociais ou individuais na escola.
Acontece que, ao controlar a permissão e o horário para ir ao banheiro o
professor retira do aluno a autonomia de suas ações. Constituir-se como ser
autônomo e social faz parte do processo de desenvolvimento de todo
indivíduo.
182
A partir dessa revisão foi possível visualizar o entrelaçamento das categorias
em sala de aula exercendo umas sobre as outras influência mútua no
controle dos alunos na sala de aula.
Dessa forma ora, ele é o objeto
controlador ora, é exercido sobre algo para alguma finalidade. Como
exemplo a tarefa que por vezes é entendida como sendo um mecanismo de
controle dos alunos em outras como objetivo de controle.
Há ainda que se considerar o entendimento da hierarquia de poder existente
na escola que determina a relação entre diretores, coordenadores,
professores e aluno no entrelaçamento das categorias da sala de aula e dos
conselhos de classe.
Foi possível perceber nesse estudo que o intuito dos professores de
controlar os alunos através do corpo, das agressões, do espaço, do barulho
e do tempo é feito para que a tarefa seja executada pelos mesmos. Dessa
forma, as categorias encontradas em cenas rotineiras na sala de aula
estudada
estão
relacionadas ao
cumprimento
do
ofício
do
aluno
(PERRENOUD, 1994), o que implica, necessariamente, no seu engajamento
no trabalho escolar.
Acreditamos que o aluno vai para a escola para realizar a sua tarefa. Sendo
assim, o objetivo principal da permanência na sala de aula é o trabalho
escolar, que, portanto, é controlado pela professora em suas diferentes
instâncias pelo; corpo, agressão, espaço, barulho e tempo. Por isso a
ocorrência elevada de situações relacionadas ao corpo. Para Foucault
183
(1987) os corpos dóceis representam essa adequação ao trabalho, no nosso
caso, ao trabalho escolar. Quanto mais controle for exercido sobre os corpos
mais os alunos estarão executando suas tarefas. As agressões verbais e
físicas representam neste estudo uma forma de intimidação dos corpos.
Presenciamos diversas cenas onde a professora, ora ameaça os alunos com
reprovação, ora anda por entre as carteiras batendo com a régua na mão e
nas mesas. Tal comportamento se aproxima da definição de Bourdieu (2005)
de violência simbólica, que seria essa adaptação invisível que fazemos à
determinados contextos sociais.
Portanto, entendemos que a inter-relação entre categorias temáticas e o
controle na sala de aula acontece para que tanto o trabalho docente quanto
o discente cumpra as exigências impostas a eles.
184
3. Considerações finais
“Não há nenhum conhecimento absoluto, e aqueles que o
reivindicam, sendo cientistas ou dogmatistas, abrem a porta à
tragédia” (BRONOWSKI, J. 1974).
A clientela atendida pela escola aumentou em número e em diversidade. Se
antes somente os filhos das classes abastadas ocupavam os bancos
escolares, com a revolução Industrial, os filhos das classes baixas passaram
a integrar esses bancos.
Senna explícita em seu trabalho que ainda é muito forte em nosso
imaginário o princípio sintetizado no dito popular em que se declara ser
preciso ir à escola para ser gente na vida, aludindo-se, assim, aos não
escolarizados como não-gentes, como sujeitos desprovidos de Razão, como
os outros. (SENNA, 2004).
A importância da escola pela sociedade não é vista pela mesma ótica pelos
professores que não vêem o seu papel como possibilidade de transformação
de uma realidade social e escolar que não oferecem aos sujeitos uma
alternativa para o que eles acreditam ser o destino. A profecia auto
realizadora permeia o ambiente escolar e os índices brasileiros da educação
comprovam que apesar dos esforços de reverter a exclusão há ainda muito
que se fazer para mais do que manter crianças nas escolas.
185
Estar presente na sala de aula sem que seja criado um espaço de
aprendizagem implica somente numa presença física onde o aluno não vê
sentido na tarefa pedagógica.
Do mesmo modo, ter acesso ao ensino não significa ter êxito e nem ao final,
a certificação de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior não
garantem o acesso à posições sociais privilegiadas. Se fracassarem fora da
escola isso quer dizer que eles tiveram a sua chance, mas que não foram
capazes de superar as dificuldades sociais que lhes são inerentes. Muitos
acreditam que o tempo que passaram ou passam na escola é um tempo
desperdiçado ou sem sentido. Se na escola e fora dela as condições de
desigualdade permanecem, não vislumbram a importância do processo de
escolarização como transformador da realidade social.
O trabalho realizado ressalta uma preocupação, no âmbito escolar, do
controle dos alunos em detrimento da aprendizagem, fato este que sempre
acompanhou a escola desde o seu surgimento. Na sala de aula estudada tal
característica surgiu como uma espécie de pano de fundo para o
entendimento do ofício do aluno. Era mais importante para a professora
cumprir as exigências do currículo mínimo estabelecido do que criar um
espaço de aprendizagem na sala de aula.
A professora no cumprimento de suas atribuições impõe ao aluno o seu
tempo de execução das tarefas propostas desconsiderando o processo de
ensino – aprendizagem de cada aluno. A professora também possui suas
186
tarefas e quanto mais rápido elas forem transmitidas ela também poderá
estar livre para atividades menos exaustivas do que a gestão da sala de
aula.
Qualquer profissional, em suas atribuições diárias, sente a necessidade de
desempenhar suas tarefas com êxito, porém ao estar consciente da
importância de seu papel na sociedade ele deverá proporcionar aos seus
alunos e alunas uma pedagogia voltada para a cidadania e a inclusão. O
papel do professor é determinante no processo de aprendizagem e ele será
o mediador entre as experiências individuais, sociais e acadêmicas de seus
alunos.
O educar pelo controle suplanta a possibilidade de uma escola inclusiva, no
sentido, de explicar sem compreender as diferenças e fracassos daqueles
que escapam à padronização escolar, mas ainda pela incoerência entre o
discurso emancipatório e a prática pedagógica elitista.
Freud, ao explicitar as dificuldades de sucesso encontradas em algumas
profissões cita a Educação como uma delas.
“Quase parece como se a análise fosse a terceira daquelas
profissões impossíveis quanto às quais de antemão se pode estar
segura de chegar a resultados insatisfatórios. As outras duas,
conhecidas há muito tempo, são a educação e o governo.
Evidentemente, não podemos exigir que o analista em perspectiva
seja um ser perfeito antes que assuma a análise, ou, em outras
palavras, que somente pessoas de alta e rara perfeição ingressem
na profissão. Mas onde e como pode o pobre infeliz adquirir as
qualificações ideais de que necessitará sua profissão? A resposta é:
na própria análise, com a qual começa preparação para a futura
atividade” (FREUD, 1969, Edição Eletrônica)
187
Assim, o professor ao se deparar com a realidade das salas de aulas das
escolas públicas, em destaque nesse trabalho as escolas do Rio de Janeiro,
deve não somente sentir-se parte da vida escolar de seus alunos e alunas,
mas como desempenhando um papel fundamental na leitura de mundo
desses que acreditam ser a escola o caminho para a superação das
desigualdades sociais em que vivem.
188
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