Estudo sobre formação de óxidos em aço elétrico

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Estudo sobre formação de óxidos em aço elétrico
Estudo sobre formação de óxidos em aço elétrico
J. O. Santos
Laboratório de Fenômenos de Superfície – LFS, Departamento de Engenharia Mecânica,
Escola Politécnica, Universidade de São Paulo – USP, [email protected]
A. Sinatora
Laboratório de Fenômenos de Superfície – LFS, Departamento de Engenharia Mecânica,
Escola Politécnica, Universidade de São Paulo – USP, [email protected]
Resumo
Estudou-se a produção de filmes de óxido sobre substrato de aço elétrico mediante
tratamento térmico em forno do tipo mufla, sem controle atmosférico, nas temperaturas de
575 ºC e 1000 ºC, respectivamente. Na temperatura de 575 ºC foi avaliado o
crescimento do filme de óxido para intervalos de tempos que variaram de 0,25 a 60
horas; verificou-se ainda o efeito do resfriamento ao ar e no forno. Utilizaram-se técnicas
de microscopia óptica, microscópia eletrônica de varredura, difração de raio-X,
microdureza Vickers e microdureza instrumentado para caracterização microestrutural e
das propriedades mecânicas do filme de óxido. Os resultados obtidos indicaram que a
natureza dos óxidos formados depende da temperatura, e que suas
propriedades
mecânicas dependem não apenas do tipo de óxido formado, mas também da taxa de
resfriamento durante o tratamento térmico.
Palavras-chave: Aço elétrico, Óxidos, Propriedades mecânicas, Taxa de crescimento.
Resumen
En este trabajo se estudió la fabricación de capas de óxido sobre un sustrato de acero
eléctrico mediante tratamiento térmico, sin control atmosférico, en temperaturas de 575ºC
y 1000ºC, respectivamente. En la temperatura de 575ºC se evaluó el crecimiento de la
capa de óxido en intervalos de tiempo que variaron entre 0,25 y 60 horas; fue evaluado el
efecto del enfriamiento al aire o en el horno. Para la caracterización microestructural y de
propiedades mecánicas de la capa de óxido se utilizaron técnicas de microscopía óptica y
electrónica de barrido, difracción de rayos-X, microdureza Vickers y microdureza
instrumentada. Los resultados obtenidos indican que la naturaleza de los óxidos formados
depende de la temperatura, y que sus propiedades mecánicas no solo dependen del
óxido formado, sino que también de la tasa de enfriamiento durante el tratamiento térmico.
Palabras-clave: Acero eléctrico, Óxidos, Propiedades mecánicas, Taza de crecimiento.
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1. Introdução
Há muito se sabe que o ferro forma em condições de oxidação os mais variados tipos
de óxidos a hematita, a magnetita e a wustita. Sabe-se também que os óxidos servem
como lubrificantes sólidos evitando ou minimizando o contato metal/metal nas diversas
formas de deslizamento ou rolamento entre corpos [1,2]. Por isto os tratamentos de
oxidação são os tratamentos de superfícies mais econômicos, portanto, freqüentemente
empregados quando se quer prevenir ou minimizar o contato metal/metal, mesmo no caso
de se empregar lubrificante entre os corpos. Entretanto estes estudos tribológicos embora
clássicos muitas vezes são feitos sem uma correta identificação ou caracterização do
filme de óxido. A proposta deste trabalho é verificar a possibilidade de se produzir óxidos
de ferro sob um substrato de aço elétrico, de modo a que se possam medir suas
propriedades mecânicas e, futuramente efetuar ensaios tribológicos sobre estas
superfícies.
2. Materiais e métodos
Empregaram-se neste trabalho 15 (quinze) amostras de aço elétrico laminado da
Cosipa, submetido a tratamentos térmicos de oxidação em um forno do tipo mufla sem
controle atmosférico. A composição química do aço elétrico analisado é apresentada na
Tabela 1.
Tabela 1- Composição química do aço elétrico (% em Massa).
C
0,03
Si
1,25
Ni
0,05
Mn
0,3
Al
0,27
O trabalho foi dividido em duas séries de experiências, na primeira série foram
conduzidos tratamentos térmicos de oxidação à 575ºC nos tempos de 0,25, 1, 3, 6, 9, 12,
18, 24, 36, 48 e 60 horas. Nesta série, determinou-se a taxa de crescimento do filme de
óxido bem como verificou-se o efeito do resfriamento ao ar ou no forno. Na segunda série
de experiências foram conduzidos tratamentos térmicos à 1000 ºC por 45 min, para
verificar o efeito da temperatura.
Utilizaram-se técnicas de microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura e
difração de raio-X, para a identificação do tipo de óxido. Utilizaram-se ensaios de
microdureza convencional e instrumentada para a análise das propriedades mecânicas
como dureza e módulo elástico do filme de óxido em função da temperatura. Os ensaios
de microdureza instrumentados foram realizados com aplicação de carga de 10 mN (1 gf)
e os ensaios de microdureza Vickers foram realizados com aplicação de carga de 0,49 N
(50 gf), na seção transversal do filme de óxido formado à 575 ºC e 1000 ºC,
respectivamente. Os valores dos resultados apresentados são a média e desvio padrão,
em um intervalo de confiança de 95 %.
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3. Resultados e discussão
3.1 Caracterização do filme de óxido
A camada de óxido formada a 575 ºC é constituída de diferentes óxidos como pode ser
visto na Figura 1 (a) em corte e na vista de topo como mostra Figura 1(b). Os óxidos
foram identificados e quantificados por difração de raio–X, Figura 1 (c). A camada é
constituída por 80 % de Fe2O3 (hematita), 15 % de Fe3O4 (magnetita) e 5 % de FeO
(Wustita), [575 ºC – 48 horas], constituiçao que se repetiu em todas as amostras tratadas
nesta temperatura. Nesta temperatura a espessura do óxido é uniforme, diferentemente
do óxido formado à 1000 ºC, que apresenta maiores variações de espessura não
uniforme, como pode ser observado na Figuras 2 (a) e (b).
Camada Superior
Camada Inferior
(a)
(b)
(c)
Figura 1- Òxido formado à 575 ºC – 48 h. (a) Seção transversal, (b) Superfície do óxido,
(c) Difração de raio-X em Fe2O3 , Fe3O4 e FeO.
A análise de difração de raio–X, para o corpo-de-prova tratado termicamente à 1000
ºC - 45 minutos, mostrou a formação apenas de Fe2O3 (hematita) 100 %, como mostra a
Figura 2(c).
Camada Superior
1112 HV
Camada Inferior
527 HV
(a)
(b)
(c)
Figura 2- Òxido formado à 1000ºC – 45 minutos. (a) Seção transversal, (b) Superfície do óxido, (c)
Difração de raio-X em Fe2O3 .
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3.2 Taxa de crescimento do óxido
A Figura 3 mostra a espessura do óxido à 575ºC em função do tempo.
y = -0,0018x 2 + 0,365x + 2,3962
Espessura (µ m)
18
R2 = 0,9939
15
12
9
6
3
0
0
6
12
18
24
30 36 42
Tempo (h)
48
54
60
66
Figura 3- Espessura do óxido em função do tempo.
Obteve-se um ajuste polinomial para o intervalo de tempo estudado, permitindo obter
uma curva parabólica para temperatura de 575ºC. Este crescimento parabólico é devido à
difusão de íons e o deslocamento de elétrons que controlam o desenvolvimento da
camada de óxido para o intervalo de temperatura de 400 à 1250ºC [5].
3.3 Dureza do óxido
No ensaio de microdureza instrumentado obtêm-se a dureza plástica (HP), dureza
universal (HU) e módulo elástico (E). A Figura 4 mostra a representação esquemática da
curva de carga aplicada versus profundidade de penetração. Sendo Wp o trabalho
plástico e We o trabalho elástico. Somando o trabalho plástico (Wp) e o trabalho elástico
(We), tem-se o trabalho total de indentação.
Figura 4- Representação esquemática do ensaio instrumentado.
Adaptado de Oliver e Pharr (1992).
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Os resultados de microdureza instrumentado para a amostra tratada termicamente à
575 ºC, são apresentados na Tabela 2 para a magnetita e a hematita apenas uma vez
que a wustita esta não pode ser distinguida metalograficamente. O óxido formado na
camada mais externa é mais duro, com menos poros e possui maior módulo elástico do
que o da camada inferior.
Tabela 2- Ensaio de dureza instrumentado na camada de óxido superior e inferior.
575 ºC-36 hs
Superior
Inferior
HP[GPa]
12 + 1
6+2
HU[GPa]
7 + 0,4
4+1
Mód. E [GPa]
HV
158 + 11
1140 + 101
89 + 11
605 + 147
Os resultados de microdureza instrumentada, para amostra tratada a 1000 ºC, estão
na Tabela 3. As propriedades mecânicas do óxido formado à 1000 ºC, apresentam
algumas diferenças em relação a dureza (HP / HU / HV) e módulo elástico (E),
principalmente na camada inferior, comparando-as com as formadas à 575 ºC. Isto se
deve, provavelmente as maiores irregularidades nas camadas de óxido formadas a 1000
ºC em relação as amostras oxidadas a 575 ºC.
Tabela 3- Ensaio de dureza instrumentada na camada de óxido superior e inferior.
1000 ºC-45 min HP[GPa]
Superior
11 + 0,5
Inferior
2+1
HU[GPa]
8 + 0,2
2 + 0,5
Mód. E [GPa]
195 + 8
72 + 13,5
HV
1071 + 44
206 + 65
A Tabela 4 apresenta a dureza média para 5 medições, empregando a técnica de
dureza Vickers. Nota-se que os valores são mais próximos dos obtidos na tabela 2. Estes
resultados podem ter decorrido da maior carga aplicada e consequentemente da maior
área entre indentador e amostra, minimizando o efeito das porosidades da camada.
Tabela 4- Dureza média do Fe2O3 (hematita).
1000ºC-45 min
Camada Superior
Camada Inferior
Média
1112 + 36
527 + 35
A Tabela 5 apresenta dureza em escala Mohs e Vickers conforme a literatura dos
respectivos óxidos em discussão, mostrando que o óxido da camada superior é Fe2O3
(hematita) e o óxido da camada inferior é Fe3O4 (magnetita) [1, 6, 7, 8, 9].
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Tabela 5- Dureza em escala Mohs e Vickers dos óxidos FeO, Fe3O4 e Fe2O3.
HV
Escala Mohs
Hutchings
Herbert Uetz
Loung e Heijkoop
Skoczynski et al
Stachowiak e Batchelor
FeO
5
370
470
460
****
****
Fe3O4
5,5
600
490-660
540
****
****
Fe2O3
6-7
****
900-1350
1050
1000-1050
1038
Obs: **** Os autores não mencionam os valores dos respectivos óxidos.
3.4 Aderência do óxido ao substrato de aço elétrico
A aderência do óxido está fortemente ligada ao modo de resfriamento em que o óxido
é submetido, como pode ser observado nas Figuras 5 (a) e (b). A camada de óxido
resfriado ao ar desprende-se do metal formando uma descontinuidade, isto se deve à
contração do metal durante o resfriamento, gerando tensões térmicas. Este mesmo
fenômeno foi observado por Villabón, onde detectou a presença de descontinuidade do
óxido à 750ºC, para determinação do coeficiente de atrito [2].
Já para a camada de óxido das amostras resfriadas no forno, as tensões térmicas
parecem ter sido menores mantendo-se a adesão do filme ao substrato em áreas maiores
da amostra do que para o caso anterior [3,4,5].
(a)
(b)
Figura 5- (a) Resfriamento ao ar (b) Resfriamento no forno.
4. Conclusão
As principais conclusões deste trabalho foram:
Os óxidos formados a 575ºC foram identificados como sendo FeO (Wustita),
Fe2O3 (Hematita) e Fe3O4 (Magnetita); e a 1000ºC como Fe2O3 (Hematita).
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O filme de óxido formado a 575 ºC e a 1000 ºC é constituído por duas camadas:
Superior (Hematita) e Inferior (Magnetita e Wustita).
O módulo de elasticidade e a dureza da camada de óxido superior é duas vezes
maior que a da camada inferior.
A taxa de crescimento dos óxidos formados a 575ºC segue um comportamento
parabólico.
A adesão entre o substrato e os filmes de óxidos é maior quando o aço é resfriado
dentro do forno (baixa taxa de resfriamento) do que quando é resfriado ao ar (alta
taxa de resfriamento).
Provavelmente com tratamentos térmicos a 575ºC será possível a produção de
filmes de óxidos adequados também para estudo do atrito.
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Congresso Brasileiro de Engenharia de Fundição, 2005.
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Bibl-Ex., Mit zahlr. Abb.
Gebrauchsspuren. p. 30-57.
und
Tabellen.,
Einband
mit
minimalen
[7] Loung, L. H. and Heijkoop, T. Wear. In: The Influence of Scale on Friction in Hot
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[8] Skoczynski, R. J., Walmag, G. and Breyer, J. P. In: Improvement of the Work Roll
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Conference, Vanderbijlpark, Gauteng, South Africa. 1997. p. 19-25.
[9] Stachowiak, G. W. and Batchelor, A. W. Engineering Tribology. Butterworth –
Heinemann, 2º edition 2001. p. 495.
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