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FESTIVAL DE PAULÍNIA
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Por DANIEL SCHENKER WAJNBERG
17/7/2010
NOITE DE ABERTURA
O Beijo da Mulher Aranha
Confira o que os leitores
têm a nos dizer (e nossas
respostas a eles).
Diante da exibição de O Beijo da Mulher Aranha (1985) na abertura do Festival de
Paulínia – que, nesta terceira edição, presta homenagem ao cineasta Hector Babenco –,
uma questão se impôs: até que ponto o filme teria sobrevivido ao longo de 25 anos?
Ao final da projeção, parece claro que o melhor desse trabalho de Babenco é justamente
o coração da história, extraída da obra de Manuel Puig: a relação entre dois presidiários
confinados na mesma cela – o heterossexual Valentim (Raul Julia), preso por sua
militância política, e o homossexual Molina (William Hurt, vencedor do Oscar de melhor
ator), capturado por sedução de menor.
Babenco e Puig proporcionam uma reflexão sobre a sexualidade que permanece
pertinente nos dias de hoje. “Por que só as mulheres são sensíveis?”, questiona, em
determinado momento, Molina, que, pouco a pouco, vai sensibilizando Valentim por meio
de demonstrações de delicadeza, surpreendentes em contexto tão áspero.
Num outro instante, Molina exclama: “estou sempre esperando um homem de verdade.
Mas isso nunca acontece. Porque um homem de verdade quer uma mulher de verdade”.
Uma frase que sintetiza a frustração do personagem diante do que talvez se possa
chamar de uma heterossexualidade invertida, configuração impossível de ser
solucionada. Lembra bastante um filme que seria realizado um pouco depois, Vera
(1987), de Sergio Toledo, que rendeu a Ana Beatriz Nogueira o Urso de Prata no Festival
de Berlim.
A construção de um Molina sonhador, autor de um mundo ilusório onde passou a morar –
a julgar por seu apego a um filme filiado à gramática mais evidente do melodrama
romântico, que narra insistentemente para Valentim –, lembra algo da Blanche Dubois
(protagonista de Um Bonde Chamado Desejo , uma das principais peças de Tennessee
Williams), que também transita por uma esfera, em certa medida, dissociada do real.
É possível que o procedimento mais questionável em O Beijo da Mulher Aranha seja a
busca de uma correspondência entre narração e imagem. Talvez buscando se distanciar
da origem literária, Hector Babenco tenha optado por ilustrar os momentos em que
Valentim e Molina evocam o passado. Ainda que a encenação da narração não seja
totalmente reiterativa – a imagem concreta do garçom (Nuno Leal Maia) com quem
Molina trava amizade informa sobre o personagem de William Hurt –, o recurso direciona
para a contramão de uma aposta na imaginação do espectador.
Já no que se refere à ilustração do melodrama anti-semita narrado por Molina, Babenco
lança uma proposta estética diferenciada a que imprime na esfera do presídio. No filme
“de Molina”, adota cores esmaecidas, aproximando-se do preto-e-branco, ao passo que
nas cenas da prisão destaca o impacto da luz sobre os rostos dos atores numa
construção formal que tangencia, mas não envereda por completo pelo realismo.
Mesmo que a inserção de uma trama política (concentrada nas cenas em que Molina é
sabatinado pelo diretor do presídio e pelo policial, interpretados, respectivamente, por
José Lewgoy e Milton Gonçalves) se revele menos interessante, a relação visceral entre
os protagonistas é mais do que suficiente para justificar a relevância de O Beijo da
Mulher Aranha.
PRIMEIRA NOITE
A mostra competitiva do Festival de Paulínia começou com Leite e Ferro , documentário
de Cláudia Priscilla centrado no drama de presidiárias obrigadas a se distanciar de seus
filhos após os quatro meses regulamentares de amamentação. Diante de um tema
contundente como este, a diretora, estreante no terreno do longa-metragem, extraiu bons
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busca
depoimentos do grupo de presas. Evidenciou, na estrutura do filme, a preferência por
uma de suas personagens – Luana, que relata com crueza de detalhes os
desdobramentos do desamparo familiar com que se deparou na infância: a vida nas
ruas, o vínculo com as drogas e a gravidez na adolescência. Cláudia Priscilla registra a
transformação radical das mulheres que entrevistou durante os dois meses em que
filmou na penitenciária – da vida bandida ao fervor religioso. Numa das boas (e
incômodas) cenas de Leite e Ferro , as presas tomam como referência uma espécie de
mesa onde estão dispostos alguns bebês ao ilustrarem como embalavam as drogas.
Mas, em que pesem as muitas qualidades, o problema principal do documentário reside
no fato de a diretora ter lançado determinados tópicos para as personagens discutirem
em roda: a relação com os maridos, a contaminação por HIV, a diferença entre o presídio
no passado e no presente (“As presidiárias devem agradecer a nós pelo conforto que
encontram hoje na cadeia”, dizem – uma das frases que suscitaram risos na plateia
presente ao Theatro Municipal de Paulínia) e, principalmente, a experiência de viver a
maternidade na prisão. A construção, além de à mostra, resulta um tanto evidente.
A primeira ficção exibida foi As Doze Estrelas , de Luiz Alberto Pereira. Trata-se de um
projeto antigo do diretor de Hans Staden e O Tapete Vermelho , sobre um astrólogo
(Leonardo Brício) contratado por uma emissora de televisão para ajudar na escalação e
estabelecer contato direto com as atrizes encarregadas de representar cada um dos 12
signos. O resultado, infelizmente, é destituído de qualidades. O elenco narra o texto sem
verdade interpretativa (exceção feita a Debora Duboc, em plano mais discreto, como a
autora da novela) e o diretor tangencia o humor sem jamais acertar o tom e flerta com o
erótico sem enveredar por esse gênero esquecido pelo cinema brasileiro recente. O
mote do homem cercado de beldades por todos os lados lembra um pouco Eu (1986) ,
um dos filmes menos felizes de Walter Hugo Khouri, que, porém, alcançou sucesso de
bilheteria.
SEGUNDA NOITE
Evaldo Mocarzel começa a revelar aos espectadores sua conexão com outras
manifestações artísticas através de São Paulo Companhia de Dança , filme decorrente
do processo e da realização da primeira criação coreográfica, Polígono , da companhia
que intitula o filme. Apesar de mergulhar no universo da dança, Mocarzel tem estreita
relação com o teatro (já pertenceu ao Círculo de Dramaturgia do Centro de Pesquisa
Teatral, de Antunes Filho), que poderá ser percebida a partir de seus projetos
cinematográficos ligados a algumas das mais destacadas companhias de São Paulo,
como Teatro da Vertigem, Os Satyros e Grupo XIX.
Em São Paulo Companhia de Dança , Mocarzel procura decompor o resultado de
Polígono a partir do passo a passo do processo de ensaios. Não é um procedimento
propriamente original, mas essa recorrência não chega a prejudicar um filme que valoriza
o empenho extremado dos bailarinos (sintetizado na imagem do chão riscado) e a leveza
que alcançam em cena. Nesse sentido, São Paulo Companhia de Dança pode ser visto
como uma obra sobre a questão da construção. O bailarino seria aquele que encobriria
do público a construção minuciosa de seu trabalho; já Evaldo Mocarzel, como cineasta,
não parece preocupado em ocultar o seu processo de construção – e isto não é
necessariamente um demérito. Até porque não há dúvida de que o diretor corre riscos
ao, por exemplo, realizar um documentário sem entrevistas, no qual a palavra entra de
modo circunstancial. Ambienta o filme em salas de ensaio e em teatros, sem, porém,
deixar de destacar o espaço externo por meio de janelas sempre abertas para a rua. O
meio externo, contudo, não interfere na rotina rigorosa dos bailarinos, cujos corpos são
captados em close. Mocarzel desloca a posição da plateia, ao “transferi-la” do cinema
para a apreciação do espetáculo de dança. E alcança um resultado que pode se tornar
até hipnótico para os espectadores que se disponibilizarem a uma experiência de
natureza sensorial.
Depois de São Paulo Companhia de Dança , o público presente ao Theatro Municipal de
Paulínia conferiu o aguardado 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos , projeto coletivo
coordenado por Carlos Diegues a partir do modelo do primeiro 5 X Favela , de 1962, que
reuniu curtas-metragens realizados por Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade,
Miguel Borges, Marcos Farias e pelo próprio Diegues. Agora, Diegues agregou jovens
cineastas moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro em novos cinco
episódios. Algumas características sobressaem ao longo da projeção: o otimismo (ou
talvez mais adequado seria dizer a idealização) presente em boa parte dos curtas, seja
ao louvarem a convivência festiva na favela, seja ao ressaltarem a boa índole de
personagens nada abastados economicamente que lutam por oportunidade; e o
excelente trabalho dos atores, em especial no que se refere ao elenco masculino (com
destaque para Silvio Guindane, Gregório Duvivier, Flavio Bauraqui, Feijão, Thiago
Martins, Marcio Vito e os atores mirins de Arroz com Feijão ).
O curta que abre 5 X Favela é Fonte de Renda , assinado por Manaíra Carneiro e
Wagner Novais, que aborda o empenho de um rapaz morador da periferia em entrar para
a universidade. Ele consegue, mas não tem dinheiro para o transporte. Para resolver a
situação, passa a levar drogas para os colegas de faculdade. Os diretores tomam
cuidado para não vilanizar o personagem rico, mas acabam canonizando o protagonista
pobre, mesmo que os métodos empregados por ele para resolver seu drama financeiro
não sejam exatamente ortodoxos. O clímax, envolvendo o irmão mais novo do
personagem principal, é quase antecipado pelo momento em que a câmera o mostra
dormindo perto do lugar onde a droga é guardada. E o desfecho desse curta, valorizado
pelas atuações de Guindane e Duvivier, soa um tanto burocrático.
Tudo funciona bem no segundo curta, Arroz com Feijão , de Rodrigo Felha e Cacau
Amaral, que, como o anterior, capta algo bem brasileiro: a necessidade de se virar para
conseguir aquilo que se almeja. Os diretores mostram o empenho de dois garotos em
comprar um frango para o pai de um deles, que não aguenta mais comer arroz com
feijão todos os dias. O terceiro, Concerto para Violino , se destaca dos demais pelo
desfecho trágico. O diretor Luciano Vidigal se vale de um recurso conhecido ao
entrelaçar passado e presente de seus três protagonistas, amigos que tomaram rumos
diferentes na vida e se reencontram numa situação-limite. Há algo de repetitivo no mote
desse curta potencializado, como os demais, pelo bom trabalho dos atores. Cadu
Barcellos acerta na condução do quarto, Deixar Voar , ao apostar na possibilidade de
integração entre moradores de comunidades rivais a partir de um incidente com uma
pipa. E Luciana Bezerra, apesar de exagerar um pouco na disposição festiva de seus
personagens, também soma pontos com Acende a Luz , no qual aborda a determinação
de um grupo de moradores do Vidigal em não deixar o técnico sair antes de ver resolvido
o blecaute em pleno dia de Natal.
TERCEIRA NOITE
Na primeira parte, a austeridade; na segunda, a descontração. A terceira noite de
competição do Festival de Paulínia foi marcada por extremos. Em As Cartas
Psicografadas por Chico Xavier , a diretora Cristiana Grumbach entrevistou mães e
casais que perderam filhos e recorreram às cartas do título para aplacar, em alguma
medida, o sofrimento. A diretora não facilita a vida do espectador – e isto não é um
demérito. Entrevista suas personagens em close, frequentemente de frente para a
câmera, sem qualquer firula visual. Lê em off cada uma das longas cartas do início ao
fim, também mostrando-as de frente para a câmera, numa proposta estética que assume
a monotonia visual. Filma imagens de sofás vazios, antes ou depois dos depoimentos
dos entrevistados. Talvez a diretora tenha procurado transmitir ao espectador a sensação
de exasperação decorrente de uma perda trágica como a da morte de um filho. A
proposital estrutura de repetição parece ainda frisar que a dor dos pais,
independentemente da classe social a qual pertençam, é a mesma. O documentário de
Grumbach só é prejudicado pela longa duração (excessivos 105 minutos) e pelo fato de
a diretora, vez por outra, investir em super closes nos instantes em que algumas mães
vertem lágrimas. Mas não seria justo deixar de valorizar um filme corajoso, que caminha
na contramão do vapt-vupt descartável dos dias que correm – como Grumbach já havia
feito no ótimo Morro da Conceição .
Investindo em proposta totalmente diversa, Rosane Svartman dá continuidade ao cinema
descontraído de Como ser Solteiro e Mais uma vez Amor nesse Desenrola , registro do
rito de passagem de uma adolescente de 16 anos (Olivia Torres), às voltas com a perda
da virgindade no momento em que a mãe (Claudia Ohana) a deixa sozinha em casa
durante 20 dias. Na primeira metade do filme, Svartman parece tão-somente reeditar
diálogos pueris de um grupo de adolescentes, oferecendo, como único atrativo, uma
direção de arte (de Fabiana Egrejas) que aposta em cores intensas. À medida que os
personagens amadurecem, o filme melhora, ainda que permaneça distante da ousadia
das produções realizadas para o público jovem nos anos 80, como a trilogia de Lael
Rodrigues ( Bete Balanço , Rock Estrela , Rádio Pirata ) e as produções de Antonio
Calmon ( Menino do Rio , Garota Dourada ).
QUARTA NOITE
Uma Noite em 67 contagia o espectador de imediato ao proporcionar uma oportuna hora
da saudade através do resgate de imagens preciosas do Festival da Record, que reuniu
cantores e compositores célebres – Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo, Gilberto
Gil, Roberto Carlos, Sergio Ricardo. Os diretores Renato Terra e Ricardo Calil resgatam
acontecimentos emblemáticos (Sergio Ricardo quebrando o violão e o lançando em
direção à plateia que o vaiava antes da apresentação de Beto Bom de Bola ) e respostas
divertidas (“O que me levou a falar em Coca Cola, Brigitte Bardot e Cardinale foi Coca
Cola, Brigitte Bardot e Cardinale”, diz Caetano Veloso a Reali Jr., sobre Alegria, Alegria ).
Mas os cineastas não correram riscos, a julgar pela estrutura convencional de um
documentário que se limita a entrelaçar cenas de arquivo com entrevistas. Algumas
vezes, depoimentos e imagens de arquivo são inseridos de maneira reiterativa. Por
exemplo: Nelson Mota lembra como as vaias recebidas por Caetano Veloso antes da
apresentação de Alegria, Alegria se converteram em aplausos. Logo depois, o
espectador assiste ao que Mota acabou de dizer. Mas há inegavelmente bons
momentos, como Chico Buarque lembrando sobre Roda Viva e contando sobre como o
arranjo da música puxava aplausos do público ao final.
As eventuais restrições a Uma Noite em 67 são insignificantes se comparadas aos
problemas que assolam Dores & Amores , de Ricardo Pinto e Silva, diretor de Sua
Excelência, o Candidato , um dos primeiros filmes da fase da Retomada – lançado
juntamente com Conterrâneos Velhos de Guerra , de Vladimir Carvalho, e A Maldição de
Sanpaku , de José Joffily, antes do “fenômeno” Carlota Joaquina, Princeza do Brasil , de
Carla Camuratti – e Querido Estranho . Pinto e Silva costuma buscar inspiração no teatro
– no caso de Sua Excelência... , a peça de Marcos Caruso e Jandira Martini e no de
Querido... , o texto Intensa Magia , de Maria Adelaide Amaral. Em Dores & Amores , o
diretor se escorou no livro da escritora Claudia Tajes e na peça Intervalo , de Dagomir
Marquezi. Seja como for, não acertou o tom do humor. Além de não ser engraçado (nem
como comédia romântica despretensiosa, nem como sátira ao melodrama), o filme é
prejudicado por atuações fracas, excesso de recursos visuais e inverossimilhanças (o
protagonista mora nas Casas Casadas, em Laranjeiras!)
QUINTA NOITE
O nível razoável dos documentários apresentados na seleção do Festival de Paulínia foi
mantido com Programa Casé , homenagem de Estevão Ciavatta a Adhemar Casé, avô
de sua mulher, a atriz Regina Casé, que lançou nomes importantes no programa que
intitula o filme. O espectador acompanha o vínculo de Casé com uma série de feitos: o
primeiro jingle, a primeira radionovela. Muitos programas e roteiros amarelados,
marcados pela passagem do tempo, são estampados na tela, em oportuna hora da
saudade. Casé é ainda louvado por sua capacidade de alcançar o sucesso graças ao
próprio esforço. Um documentário agradável, sustentado por boas imagens de arquivo,
que resolvem o fato de se abordar justamente uma trajetória ligada ao rádio. Há
sequências divertidas, como a da entrevista realizada com a família Caymmi, e
informações sobre um homem “de delicadeza rude”, cuja postura de grande patriarca “foi
sendo suavizada pela mulher” e que se viu obrigado a praticamente parar de trabalhar
após sofrer dois infartos, na década de 60, muito antes de sua morte, nos anos 90. Bons
depoimentos de Braguinha e de Boni (frisando que a televisão brasileira é filha do rádio)
emolduram o filme.
Na sequência, o público conferiu Malu de Bicicleta , filme de Flávio R. Tambellini
escorado no livro de Marcelo Rubens Paiva. Na primeira metade da projeção,
Tambellini/Paiva segue os rumos do Otelo , de Shakespeare, através de Luiz Mario
(Marcelo Serrado), personagem repleto de namoradas, que, porém, desenvolve ciúme
paranóico ao se envolver com a Malu do título (Fernanda de Freitas). A história, porém,
não segue o rumo mais previsível: ao invés de enlouquecer, Luiz Mario esfria diante de
Malu – e o filme se torna mais interessante. Em todo caso, Malu de Bicicleta é
prejudicado pela direção um tanto impessoal de Flávio R. Tambellini (que produz
resultado inferior a Buffo & Spallanzani e O Passageiro, Segredos de Adulto ) e bate na
tela como um típico filme médio, correto em todos os quesitos, mas sem sinais de
brilhantismo à vista. Boa a trilha sonora, a cargo de Dado Villa Lobos.
SEXTA NOITE
Lixo Extraordinário , documentário de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, foi o
filme que mais sensibilizou a plateia durante o Festival de Paulínia. Ao final da sessão,
as portas do cinema se abriram, mas o público não queria deixar a sala de projeção.
Muitos fizeram questão de cumprimentar os catadores de material reciclável de Jardim
Gramacho, em Caxias, que travaram parceria artística com Vik Muniz. Mas a reação
emocionada da plateia não serve aqui como indicador seguro: o mérito de todo o
trabalho realizado com os trabalhadores no maior aterro sanitário da América Latina é
bem superior à qualidade cinematográfica. Os diretores reuniram bons personagens, que
ressaltam a solidariedade oriunda do convívio diário, mas investiram num documentário
edificante que não hesita em se valer do lugar-comum (a exemplo da passagem em que
Muniz pergunta a um dos catadores sobre a visão dele acerca da arte contemporânea).
A periferia voltou a bater forte na tela de Paulínia com Bróder! , aguardado filme de
Jeferson De já exibido na última edição do Festival de Berlim e na África do Sul, durante
a Copa do Mundo. Ao contrário do otimismo que atravessa os episódios de 5 X Favela –
Agora por Nós Mesmos , Bróder! traz à tona uma periferia mais violenta – no caso, o
Capão Redondo, onde se reencontram Macu (Caio Blat), Pibe (Silvio Guindane) e
Jaiminho (Jonathan Haagensen). O primeiro mora lá e deu partida a um flerte sem volta
com o crime; o segundo se sacrifica para manter um padrão de vida classe média baixa;
e o terceiro se projetou em esfera internacional como jogador de futebol. Bróder! lembra
um pouco demais De Passagem , bom filme de Ricardo Elias (também com Silvio
Guindane no elenco), sobre antigos amigos que se reencontram na periferia e
atravessam uma São Paulo marcada por contrastes sociais e econômicos. Mas Jeferson
De voa acima de eventuais comparações ao lançar uma interessante reflexão sobre a
questão racial: apesar de branco, Macu sente-se branco na integração com os
moradores de Capão Redondo. Quando os amigos se desentendem, xingam-se de
branco. Há uma busca pelo máximo de naturalidade, a ponto de o espectador ter a
sensação de que está diante de pessoas e não de personagens, vertente bastante
comum no cinema brasileiro contemporâneo. Além dos atores principais, Cassia Kiss,
presença constante nas telas, desponta como destaque.
RESULTADO
A disputa corria entre 5 X Favela – Agora por nós Mesmos , projeto coletivo (dirigido por
Manaira Carneiro, Wagner Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu
Barcellos e Luciana Bezerra e coordenado por Carlos Diegues) e Bróder! , de Jeferson
De, filmes que retratam a favela de modo, até certo ponto, contrastante. Enquanto o
primeiro investe numa visão solar, otimista e, vez por outra, festiva, o segundo mostra
que a barra continua pesada em bairros como o Capão Redondo, em São Paulo. O júri –
formado pelo roteirista Di Moretti, pela diretora Ana Luiza Azevedo, pelo sócio-fundador
da Europa Filmes Wilson Feitosa, pelo crítico de cinema Sergio Augusto e pela atriz
Barbara Paz – preferiu a leveza de 5 X Favela e destinou seis troféus Menina de Ouro ao
filme, que ainda ganhou o prêmio do público. Já Bróder! recebeu três prêmios do júri e
mais o da crítica.
É sempre delicado discutir o resultado de um júri e não houve absurdos na premiação.
As Doze Estrelas , de Luiz Alberto Pereira, e Dores & Amores , de Ricardo Pinto e Silva,
felizmente saíram sem qualquer prêmio. Preferências à parte, a vitória de 5 X Favela não
foi injusta. Mais discutíveis parecem ser os prêmios de melhor ator (para Marcelo
Serrado, por Malu de Bicicleta , quando havia Caio Blat em Bróder! ) e diretor (para
Flávio R. Tambellini, apesar de sua condução impessoal em Malu de Bicicleta ). A
preferência do júri por Leite e Ferro , documentário de Cláudia Priscilla, é menos
questionável que o prêmio especial destinado ao edificante Lixo Extraordinário , sobre o
vínculo entre o artista plástico Vik Muniz e catadores de material reciclável de Jardim
Gramacho. O júri de curtas – formado por Juliano Luccas, Cristina Lago, Bia Barcellos,
Miguel Barbieri Jr e Simone Yunes –, por sua vez, acertou ao contemplar o delicado Eu
não quero voltar Sozinho , de Daniel Ribeiro, sobre a aproximação entre dois
adolescentes (um deles cego, na história) com os prêmios de melhor filme e roteiro, além
do prêmio do júri e da crítica.
Filmes de longa-metragem:
Melhor Filme ficção: 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos
Melhor Documentário: Leite e Ferro
Melhor Diretor ficção: Flavio Tambellini ( Malu de Bicicleta )
Melhor Diretor Documentário: Claudia Priscilla ( Leite e Ferro )
Melhor Ator: Marcelo Serrado ( Malu de Bicicleta )
Melhor Atriz: Fernanda de Freitas ( Malu de Bicicleta )
Melhor Ator coadjuvante: Marcio Vitto ( 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos )
Melhor Atriz coadjuvante: Dila Guerra ( 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos )
Melhor Roteiro: Rafael Dragaud ( 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos )
Melhor Fotografia: Gustavo Hadba ( Bróder! )
Melhor Montagem: Quito Ribeiro ( 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos )
Melhor Som: Miriam Biderman e Ricardo Reis ( Bróder! )
Melhor Direção de arte: Alessandra Maestro ( Bróder! )
Melhor Trilha Sonora: Guto Graça Melo ( 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos )
Melhor Figurino: Marcia Tacsir ( Desenrola )
Especial Júri: Lixo Extraordinário
Filme de curta-metragem
Melhor filme: Eu não quero voltar Sozinho
Melhor Direção: Cesar Cabral ( Tempestade )
Melhor Roteiro: Daniel Ribeiro ( Eu não quero voltar Sozinho )
Filme de curta-metragem - Regional
Melhor filme: Depois do Almoço
Melhor Direção: Jonas Brandão ( Um Lugar Comum )
Melhor Roteiro: Elzemann Neves ( Depois do Almoço )
Júri Popular
Melhor longa ficção: 5 X Favela – Agora por Nós Mesmos
Melhor documentário: Lixo Extraordinário
Melhor curta metragem nacional: Eu não quero voltar Sozinho
Melhor curta-metragem regional: Meu avô e Eu
Prêmio da Crítica
Melhor curta-metragem: Eu não quero voltar Sozinho
Melhor longa-metragem: Bróder!
FESTIVAL DE PAULÍNIA 2010 por DANIEL SCHENKER WAJNBERG
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