Satisfazer as Expectativas Divinas

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Satisfazer as Expectativas Divinas
Comentário a Isaías 5:1-14 por Virgílio Barros
1 de Março
Satisfazer as Expectativas Divinas
Passagem Bíblica: Isaías 5:1-14
CONTEXTO DA PASSAGEM
O Livro de Isaías contém três temas importantes da profecia bíblica. O primeiro
é o elemento do julgamento divino. Isaías confrontou, com ousadia, o pecado dos seus
dias e predisse o julgamento sobre Israel e Judá, no futuro. O segundo tema é a oferta da
promessa da misericórdia de Deus e a restauração de um remanescente fiel. Isaías
profetizou sobre a fidelidade de Deus para renovar e redimir o Seu povo. O terceiro
tema é o elemento de revelação concernente à vinda do Messias, Jesus Cristo. As
profecias de Isaías são inigualáveis no antigo Testamento tanto em número como em
extensão sobre a primeira e a segunda vinda de Jesus Cristo.
O contexto desta passagem pode ser dividido em quatro secções. A primeira,
Isaías 1:1-31, começa a listagem dos reis de Judá que reinaram durante o ministério de
Isaías, que foi aproximadamente de 50 anos (740-690 a.C.) Isaías denunciou,
imediatamente, a nação pecadora de Judá por causa da sua rebelião contra o Santo de
Israel (1:4). Ele revelou como é que Deus desprezava a hipocrisia do povo e esperava o
verdadeiro arrependimento (1:13-17). Isaías apresentou-lhes a possibilidade de escolha.
Se eles se arrependessem, Deus perdoá-los-ia e os protegeria. Se continuassem a pecar,
Deus enviaria o julgamento devastador.
A segunda secção, Isaías 2:1-4:1, descreve como Isaías predisse o
estabelecimento futuro do reino de Deus (2:1-4), o qual seria precedido pelo julgamento
(2:5-22). O profeta especificou os pecados dos líderes de Judá (3:1-15) e das mulheres
(3:16-4:1).
Na terceira secção, Isaías 4:2-6, Deus promete uma purificação futura do pecado
para o remanescente justo, o qual ocupará o monte glorioso de Sião (Jerusalém).
Também promete que estará com eles como esteve com a geração que saiu do Egipto.
Na quarta secção, Isaías 5:1-30, o profeta usou a parábola de uma vinha para
dramatizar o desapontamento de Deus por Judá não ter vivido de acordo com as Suas
expectativas. Ele especificou os pecados de Judá que ofendiam o Senhor e descreveu
como Deus convocaria exércitos estrangeiros para castigar o povo pela sua rebelião.
Reconhecer as Expectativas do Senhor (Isaías 5:1-2)
Isaías começou o seu ministério profético por volta do ano 740 a.C. A nação fora
dividia, depois da morte de Salomão, em Reino do Norte (Israel) e Reino do Sul (Judá).
O profeta viveu em Jerusalém e as suas mensagens eram dirigidas, primeiramente, para
Judá. Os dois reinos estavam a viver momentos de prosperidade, mas tornaram-se
rebeldes contra Deus. A queda de Israel perante a Assíria ocorreu em 722 a.C. e Judá
experimentaria um destino semelhante se não se arrependesse.
Versículo 1.
O texto é apresentado em forma poética e, segundo Crabtree, “é um dos mais
lindos exemplos da perícia literária do profeta Isaías” (A Profecia de Isaías, vol. I,
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1967, 117). No texto hebraico encontramos uma sonoridade muito agradável, mas ao
mesmo tempo carregada de um sentimento de desolação. Portanto, de acordo também
com o seu início, podemos afirmar que estamos perante um cântico com forma de
parábola para transmitir uma mensagem que será de extrema importância para os seus
ouvintes.
O versículo começa com o verbo “cantar” (ryvi – shir) no Imperfeito Coortativo,
o qual dá ênfase à determinação sublinhando a acção. Desta forma o autor expressa um
certo auto encorajamento. Ele não está a pedir autorização para cantar, mas está a dar
coragem a si mesmo dizendo: “deixa-me cantar”. Também é importante dizer que ele
não está a cantar “para o meu bem amado”, mas sim “em nome do meu amado”
(ydiydiyli - lididi).
O profeta vai cantar em representação do seu amado, certamente uma referência
ao Senhor, um cântico (tr"yvi) de amor concernente à vinha do Senhor. A palavra
“vinha” (µr,K, - kerem) é muitas vezes usada para representar o povo de Deus (Sl 80:815; Jr 2:21; 12:10). A vinha pertence àquele a quem o profeta ama e quer neste
momento representar. Ao mesmo tempo, o cântico é dirigido às pessoas personificadas
na vinha.
Literalmente podíamos traduzir da seguinte maneira: “a vinha era do meu
amado” e estava localizada numa zona bem fértil. Uns traduzem a palavra ˆr,q, (qeren)
por “outeiro” e outros por “encosta”. O interessante é que é o único texto em que a
palavra é traduzida desta maneira, porque o seu significado habitual é “chifre” ou
“força” (cf. Am 6:13).
O termo “fertilíssimo” traduz duas palavras hebraicas, cuja tradução literal seria:
“filho de azeite” (ˆm,v;AˆB, - bem-shamen). Mas nós estamos perante uma perífrase que
expressa uma ideia atributiva (cf. Gesenius’ Hebrew Grammar, §128v). O azeite é
símbolo de fertilidade ou de muito fruto. Portanto o solo (seja encosta ou outeiro) tinha
condições favoráveis para que a vinha desse muito fruto e bom.
Deus dá-nos condições favoráveis para que produzamos bom fruto nas nossas
vidas. A questão é se as aproveitamos ou as desperdiçamos.
Versículo 2.
As pessoas naquela época estavam familiarizadas com os passos do processo que
Isaías menciona neste versículo sobre o tratamento a dar à terra para a plantação das
videiras. A primeira coisa a fazer é revolver (qz"[) a terra. A forma verbal (Piel)
demonstra uma certa intensidade aplicada à acção e com conotação iterativa. O mesmo
se passa com os verbos seguintes. O verbo lq"s; (saqal) que significa “apedrejar” no
grau Piel significa “livrar de pedras (cf. Is 62:10).
Depois da terra preparada, chegou o momento de plantar as videiras (qrec soreq). Dizem os especialistas que esta qualidade de vide produz uvas pretas com
sementes pequenas. Normalmente esta palavra era usada para referir uma qualidade
superior de videira e era a videira de eleição (IDB, vol. 4, 785). Ross conclui que “a
abundância de vides e de vinhas é uma expressão do favor de Iavé”.
A torre construída no meio dela para que durante a época os vinhateiros e os
guardas pudessem permanecer ali até que a vindima terminasse. A torre normalmente
era feita em pedra e também servia como posto de observação para proteger a vinha. A
ideia que o texto transmite é que Iavé estava atento e permanente no meio do seu povo.
Por fim, há uma referência a um lagar. A expectativa de que haveria muito fruto era
tanta que se antecipou a construção do lagar.
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Feito todo o trabalho de preparação, restava esperar pelas uvas. O termo
hebraico bn;[e (‘enab) aponta para uma boa qualidade de uvas, e contrasta com o
resultado final, “produziu uvas bravas”. O termo para “bravas” é µyviaub] (be’ushiym),
cuja raiz da palavra significa “cheirar mal” (va"B); . Portanto, das videiras não vinha um
cheiro agradável.
A parábola revelava os falhanços morais do povo de Deus escolhido, nos dias de
Isaías. Deus tinha-o abençoado, mas ele não agradeceu as bênçãos recebidas. Pelo
contrário, a sua ingratidão demonstrou-se na idolatria e desrespeito pela lei do Senhor.
Deus também nos salvou pela Sua graça e chamou-nos para vivermos de forma santa e
produtiva no Seu serviço. Ele deu-nos todas as condições para sermos frutos de bom
cheiro, por isso Ele tem muitas expectativas para cada um de nós. A declaração de
Isaías sobre a expectativa de Deus para Israel assemelha-se às expectativas que Jesus
apresentou para os Seus discípulos em João 15:1-8. Ele também usou a imagem da
videira e dos ramos para falar sobre a relação que deve existir entre ele e os seus
discípulos. Aqueles que estão n’Ele dão muito fruto. De facto, Deus providencia todas
as ferramentas para o sucesso, mas nós devemos permanecer fiéis a Ele para
produzirmos frutos espirituais.
Contar com a Reacção do Senhor (Isaías 5:3-6)
Versículo 3.
O texto começa com uma preposição de tempo (hT;["w)] precedida da conjunção
“e”. Desta forma o autor começa por apresentar uma conclusão prática com base no que
foi dito anteriormente. Nos versículos anteriores, o profeta estava a fazer o papel de
narrador. Agora, passou para o discurso directo, onde o sujeito das orações é Deus. A
partir deste momento quem fala directamente para o Seu povo é Deus. Os verbos
aparecem na primeira pessoa e não na terceira do singular. Estamos perante uma
interpelação com o uso de um Imperativo, em primeiro lugar.
Os endereçados são os “moradores de Jerusalém”. Porém, para que não houvesse
dúvidas, alargasse o leque geográfico a todo o Judá. Jerusalém é a capital de Judá, e,
como se sabe, era habitual usar-se apenas um ponto estratégico para englobar os
restantes. Por outro lado, era o centro da vida religiosa e concomitantemente o centro
judicial.
O Imperativo é arriscado, mas não deixa de ser interessante saber que Deus é
capaz de entregar nas mãos do homem a responsabilidade de “julgar” (fp"v; - shapat).
No entanto, Deus é Aquele que tem todo o direito de estabelecer os limites. O
julgamento não podia ser feito indiscriminadamente, mas teria de ser feito entre Deus e
o povo. O texto torna-se enfático neste ponto porque repete a preposição “entre” (ˆyiB" –
bayin). Por outras palavras, Deus está a dizer que o povo devia ser suficientemente justo
e decidisse se aquilo que ele tinha feito, dando todas as condições à vinha, condizia com
o resultado que se encontra nas videiras. Ao colocar os termos da comparação, Deus
estava a criar condições para que o povo não buscasse outro termo de comparação
como, por exemplo, videiras que não produziam nada completamente.
No entanto, não podemos deixar de notar a ênfase que se dá ao pronome
possessivo “minha”. Se no versículo 1 tínhamos a palavra /mr]k" (karemô), “ a sua
vinha”, a partir deste versículo temos a ymir]K" (karemi), “a minha vinha”. Foi Deus que
formou ou estabeleceu esta vinha, desde os tempos antigos. Se Ele não a tivesse
escolhido, ela nem existia.
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Versículo 4.
Estas duas perguntas parecem denotar um certo desespero e uma tristeza
profunda. A primeira pergunta é retórica, porque todos os ouvintes já sabiam que o
dono da vinha tinha feito tudo o que era preciso.
A segunda pergunta é inevitável. A culpa pela vinha dar uvas bravas, ou melhor,
uvas que cheiram mal, não estava no proprietário. Então, era mais do que notório quem
era o responsável. A produção das uvas era da responsabilidade da vinha. O proprietário
não podia produzir uvas, porque essa não era a sua função.
Muitas vezes lançamos a responsabilidade em Deus por coisas cujos
responsáveis somos nós próprios. Ele não é responsável pelas nossas escolhas. Quando
os filhos desobedecem aos pais e experimentam resultados trágicos, os pais muitas
vezes perguntam isto mesmo. Ao contrário de Deus, nós, pais, fazemos muitos erros que
podem contribuir para as más escolhas dos nossos filhos. No entanto, também há
situações em que os pais fazem o melhor que podem e sabem, e mesmo assim os filhos
fazem más escolhas.
Deus oferece a salvação através do Seu Filho, o poder do Espírito Santo para
obedecermos e um guia infalível para a verdade que está na Sua Palavra. Por isso, as
nossas falhas espirituais nunca podem ser atribuídas a Deus. Ele está sempre a
providenciar os meios para que possamos viver uma vida de obediência, de
produtividade e de justiça.
Versículo 5.
Deus tinha sido paciente para com a sua vinha. Mas agora (note-se a ênfase no
advérbio de tempo “agora” hT;[" – ‘atah) é Deus que vai provocar o conhecimento. O
verbo “saber” ([d"y; - yada‘) encontra-se no grau causativo (Hiphil). Deus faz questão de
informar o seu povo daquilo que vai fazer. Até aqui Ele tinha sido paciente com a Sua
vinha, dando-lhe tempo para se arrepender, conforme os constantes avisos em relação
ao seu pecado. A paciência de Deus é grande e até ilimitada, mas o ser humano precisa
de limites para não se arvorar em divino.
A primeira coisa que Deus fará é “remover” (rWs), o verbo encontra-se no grau
“causativo” (Hiphil), pois no grau normal (Qal) significa “desviar”. A ideia é que Deus
ao afastar-se remove a segurança existente para a vinha. Este verbo também é usado
para referir a remoção da misericórdia de IAVÉ (1 Crón. 17:13). Em 2 Reis, usa-se o
verbo para informar que Iavé removeu Israel de diante da Sua face (17:18, 23; 23:27;
24:3). A sebe (/tK;Wcm] - mesukatô) era feita de arbustos para delimitar a área da vinha.
Portanto, no imaginário da vinha, certamente referia-se ao muro de protecção. Quando
isto acontecesse a destruição seria uma realidade. É de notar a forma verbal que se
encontra no Piel do verbo r["B; (ba‘ar), que significa “queimar”, “consumir”. O Piel
denota intensidade, daí a ideia de ser devorada pelo fogo.
A última frase intensifica a ideia da penúltima. Só que agora temos as palavras
“derribar” (≈r"P; - parats), que significa “romper (com violência) através de”, e é uma
palavra usada muitas vezes para referir o julgamento súbito de Iavé; depois temos a
palavra “parede” (rdeG); construída de pedra. O derrube da parede dará oportunidade a
que as pessoas ou animais possam passar através dela pisando-a.
Deus retira o conforto e as bênçãos que providenciou para os seus filhos como
uma meio de os disciplinar. O propósito não é a condenação, mas a manifestação de um
acto de amor para tentar encorajá-los ao arrependimento. Para o Reino de Israel e de
Judá, isto significava a devastação por desastres naturais e a invasão dos estrangeiros.
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Versículo 6.
Este versículo continua a apresentar as consequências da disciplina que Deus
exerce sobre a Sua vinha. Sem a protecção à volta, a vinha tornar-se-ia um deserto.
Literalmente, o verbo tyvi (shit) significa “fazer”, portanto Deus fá-la-á um deserto, ou
como diz a palavra hebraica (ht;b; - batah) “um fim”, “uma destruição”. Perece-me que
a palavra aqui implica a terminação desta vinha. Muitas vezes é necessário destruir tudo
para se começar de novo.
O crescimento de sarças e espinheiros faz-nos lembrar o texto de Génesis 3:18,
onde o pecado do ser humano trouxe consequências para a terra. Também as escolhas
de Judá trariam consequências dramáticas para a terra. Adão foi expulso do jardim do
Éden, Judá também seria expulsa da terra prometida que Deus tinha preparado para ela.
Deus tem o controlo do universo nas suas mãos. Por isso, pode muito bem
ordenar que a chuva não caia sobre a sua vinha. Mais uma vez o verbo “ordenar” (hw;x; tsawah) é apresentado na sua forma que expressa intensidade (Piel) e está sempre
associado à ideia de proibição. É necessário que o povo entenda que o controlo da
natureza não está nas suas mãos, e que nada poderá fazer sem a provisão de Deus.
O pecado traz graves consequências, então o ser humano precisa de
compreender que Deus ainda nos trata como um pai amoroso, que se preocupa connosco
e que a Sua disciplina tem como objectivo corrigir-nos e levar-nos ao arrependimento.
Adoptar os Padrões do Senhor (Isaías 5:7-14)
Versículo 7.
Aqui o profeta começa a dar sentido à sua parábola inicial. Identifica a “vinha”
com a “casa de Israel” e “os homens de Judá” com “a planta dilecta do Senhor”.
A expressão “Senhor dos exércitos” (t/ab;x] hw:hy] – Yahweh Tseba’ôt) “é um
epíteto especial para o Deus de Israel, que estava originalmente associado com o
santuário central da confederação tribal em Siló (1 Sam. 1:3,11). … Os exércitos sobre
os quais Iavé é soberano são referidos de forma variada aos exércitos de Israel ou às
hostes celestiais – i.e., os corpos celestes ou os anjos” (Anderson, IDB, vol. 3, 151).
Esta expressão ocorre 261 vezes no Antigo Testamento. Em algumas passagens, o
termo Tseba’ot refere-se a Israel (Êx 12:41; 6:26; 7:4; 12:17, 51). A raiz da palavra tem
uma conotação militar, com uma ênfase muito grande na realeza de Deus. Ele é o Iavé a
quem pertencem todos os exércitos; ele comanda as hostes não só celestiais, mas
também as terrenas. O livro de Isaías usa a palavra 62 vezes, só nas duas primeiras
partes. Para Isaías, o Iavé Tseba’ot é o grande rei (6:3, 5) que habita no monte Sião
(8:18). Com este pensamento desenvolveu-se uma tradição relacionada com Sião em
que Deus é invocado como guerreiro e rei que luta a favor de Sião. Isaías mantém esta
tradição para se referir à protecção que Iavé dava ao seu povo representado na vinha. A
protecção, porém, era feita com juízo e justiça.
Por causa da natureza deste Iavé Tseba’ot, esperava-se que os que dependiam
d’Ele exercessem o juízo e a justiça no seu meio. Afinal, acontecia precisamente o
contrário daquilo que Deus esperava. O texto apresenta-nos um jogo de palavras a
formar um ritmo impressionante. Deus esperava o juízo (fP;v]mi - mishpat), mas o que
há é derramamento de sangue (jP;c]mi - mispach); esperava a justiça (hq;d;x] –
tsedaqah), mas o que o povo apresenta é clamor de angústia (hq;[;x] – tse‘aqah).
Os pecados da nação envolviam os excessos individuais que demonstravam uma
rejeição das leis de Deus que requeriam santidade. Quem mais sofria em tudo isto eram
os mais fracos. Crabtree conclui: “O Senhor espera do seu povo o fruto da justiça como
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o resultado da cultura divina. Quando os homens desprezam o amor e o cuidado
divinos, eles perdem a protecção e as benéficas influências da graça de Deus” (p. 123).
Versículo 8.
Este versículo começa com o primeiro “ai” de uma série de seis, que expressam
por um lado um lamento e, por outro, um clamor por justiça. O profeta acusa o povo de
estar a acrescentar ao seu património “casa a casa” e “campo a campo”. Ele dirige a sua
acusação àqueles que amontoam, avidamente, os seus bens à custa do seu próximo.
Isaías não estava a descrever o enriquecimento legítimo, mas sim a forma bruta como as
pessoas se apropriavam dos bens dos indefesos através do roubo ou da extorsão de um
salário condigno aos trabalhadores pobres. O verbo [g"n; (naga‘) encontra-se no
Particípio Hiphil (causativo) transmitindo a ideia de que as pessoas estão continuamente
a aproximar ou a fazer tocar casa com casa. De alguma forma estão a retirar as pessoas
das casas circunvizinhas e a juntá-las à sua. O verbo seguinte também transmite a ideia
de “aproximar”, “juntar” (br"q; - qarab), mas encontra-se no Imperfeito Hiphil, o que
também denota que a acção ainda não está acabada.
O resultado destas acções é acabar por ficar isolado, pois foram tomando posse
de tudo à sua volta e retirando as pessoas até que não há mais nada para comprar. A
avareza isola e destrói todos os relacionamentos. Os mandamentos para que amassem o
próximo e cuidassem dos necessitados foram negligenciados para o proveito pessoal.
Como é que podiam acontecer estas injustiças? Certamente aconteceu uma
quebra na estrutura da sociedade devido aos abusos dos que estavam no poder. Eles
usavam o suborno para livrar os culpados e condenar os inocentes (7:23). Portanto, Judá
passou a ser uma nação governada pelo poder e pelo dinheiro em vez de ser dirigida
pela justiça. Qualquer sociedade que se torna corrupta enfrentará o julgamento de Deus,
pois Ele é justo e exige um tratamento justo para os outros.
Versículo 9.
Na tradução portuguesa de João Ferreira de Almeida lemos: “A meus ouvidos
disse o Senhor dos Exércitos…”, dando a ideia de que o Senhor falou aos ouvidos do
profeta. No entanto, o texto Hebraico é composto apenas pelas palavras: “Nos meus
ouvidos Iavé Tseba’ot.” A falta do verbo faz-nos subentender algum. Uns acrescentam o
verbo “dizer”, enquanto outros usam o verbo “jurar”. A Septuaginta interpretou o texto
massorético (hebraico) da seguinte forma: “Porque foi ouvido pelos ouvidos do
Senhor…” A crítica textual da Bíblia Hebraica sugere a leitura seguinte: “Foi-lhes
jurado pelo Senhor…”. Dificilmente saberemos qual será a melhor leitura. No entanto,
podemos aventar que o profeta está a dizer que ouviu com os seus ouvidos o Senhor
Tseba’ot dizer que as casas ficarão desertas.
A desolação será total. O julgamento de Deus não iria permitir que os que se
apoderaram das terras e das casas continuassem a desfrutar delas. Uma invasão
devastadora deixaria aquelas propriedades desertas e inabitadas.
Provavelmente o fundo histórico deste capítulo será a última parte do reinado de
Jotão ou na primeira do reinado de Acaz. Nesta altura, devido ao declínio da justiça e do
poder crescente dos ricos desprezava-se e violava-se o direito dos pobres. De acordo
com o profeta Amós, muitas pessoas foram obrigadas a vender as suas pequenas
propriedades e algumas tornaram-se escravas dos credores (2:6)
Versículo 10.
Este versículo fala do problema alimentar. Uma jeira era uma pequena porção de
terra que uma junta de bois podia lavrar num dia. O texto hebraico tem a palavra dm,x,
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(tsemed) que significa “par”, “casal”, normalmente relacionada com animais,
especificamente “bois”. Ainda que dez juntas de bois lavrassem um terreno, o produto
do trabalho seria apenas um bato (tB" - bat), o que equivale a 39,39 litros
aproximadamente. O hômer (rm,jo - hômer), o equivalente a 393,9 litros, era igual a 10
efas. A efa (hp;yae – ’eyphah) era o mesmo que um bato. Portanto, aqueles terrenos que
tinham sido roubados pela força não produziriam mais do que a décima daquilo que
deveriam produzir.
As pessoas produziam apenas o pecado, por isso Deus não iria permitir que
produzissem cereais. Eles não deviam estar surpreendidos por esta relação de causa e
efeito, entre a desobediência e a perda devastadora. Deus tinha avisado o povo através
de Moisés de que isto iria acontecer se eles não obedecessem às leis do concerto (Dt
28:20-24). O princípio da prosperidade pela obediência era um incentido ligado às
promessas no concerto de Deus com Israel. Deus tinha dado a terra ao povo para a usar
como Seus mordomos. A forma como eles respondessem a Deus determinava a forma
como Deus lhes responderia. Hoje, os crentes são desafiados com falsas promessas de
prosperidade material pela obediência a Deus. Na verdade, os crentes recebem as
bênçãos pela obediência, mas estas bênçãos nem sempre envolve riqueza material. As
bênçãos espirituais estão garantidas e são muito melhores do que as materiais que tantos
desejam.
Versículo 11.
Neste versículo temos o segundo “ai” (y/hi - hiôy), que está relacionado com a
embriaguez. De manhã cedo até à noite, estas pessoas não paravam à procura da bebida
forte (rk;ve - shekar). Este termo refere-se a bebidas feitas de outros frutos e cereais,
para além da uva. A palavra usada para “vinho” é ˆyiy" (yayin), um termo que Isaías gosta
de usar figurativamente para a ira de Deus ou para as grandes calamidades e
sofrimentos, que perturbam a mente com angústia e horror, à semelhança do que o
vinho faz na cabeça dos embriagados.
O verbo “correr atrás” (πd"r; - radaph) transmite o conceito de perseguição
insaciável (cf. Dt 19:6; Sl 7:5). Parece que as pessoas andam à caça da bebida forte ou
do vinho, desde que o dia amanhece (rq,Bo - bôqer), palavra que designa o fim da noite,
até ao crepúsculo (πv,n, - nesheph). Eles estão à espera que o vinho os inflame, os ponha
em chamas (ql"D; - dalaq). O verbo está no Hiphil (causativo). O vinho é que provoca a
sensação de fogo no interior.
Versículo 12.
Isaías reparou que as festas daqueles dias eram caracterizadas pela música e pelo
vinho. Normalmente estas festas tinham um carácter religioso, mas as pessoas
entregavam-se à satisfação dos seus instintos carnais. A música e o vinho alegravamnos a ponto de perderem qualquer tipo de senso moral.
O que os leva ao estado de embriaguez é a falta de respeito pela obra do Senhor.
De facto, a palavra “olhar” (fb"n; - nabat) também tem o sentido de “ter em
consideração”, “ter respeito por”. O texto usa a palavra poética para “obra” (l["Po –
po‘al). A obra pode ser uma referência à providência de Deus (Dt 32:4), como também
à libertação (Sl 44:1 = feitos, mas a palavra é a mesma).
A sua falta de discernimento espiritual resultaria num julgamento que os
submergiria na actividade dos seus pecados. O povo nos dias de Isaías chamava ao mal
bem e ao bem mal (v. 20). O pecado endurece a nossa capacidade para conhecer e
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compreender a vontade de Deus. Por sua vez, a obediência cria uma sensibilidade
espiritual que nos permite discernir o bem do mal.
Versículos 13.
A conclusão plausível é a ida para o cativeiro. O verbo hl;G; (galah) significa “ir
para o exílio”. O conceito de exílio era certamente aterrador pois implicava uma invasão
bem sucedida por uma nação estrangeira que provocaria a fome, a sede, a seca e a
deportação. Toda a gente, desde os nobres (d/bK; - kabôd) até à multidão (ˆ/mh; hamôn), e este termo inclui a ideia de barulho e tumulto, estão a perecer e a secar-se. A
fome e a sede juntas provocam uma das maiores catástrofes na humanidade.
Tudo isto acontece porque o povo de Deus, note-se a ênfase em “meu povo”
(yMi[" – ‘ami) em contraste com “os seus (do povo) nobres” (/d/bk] - kebôdô), não tem
conhecimento. A palavra t["D; (da‘at) também significa “discernimento, compreensão,
sabedoria”. Esta ignorância era propositada, pois o povo rejeitava a vontade de Deus.
Eles tinham ouvido a mensagem que Deus enviara através do seu profeta, mas
escolheram ou preferiram ignorá-la.
Versículo 14.
Este versículo começa com a mesma locução do versículo 13, “por isso” (ˆkel; laken), a fim de demonstrar uma causa. A razão por que o povo é levado para o exílio é
a falta de conhecimento, e a mesma falta de conhecimento leva a que o Sheol devore os
que têm rejeitado a vontade de Deus.
O termo Sheol (l/aV]) aplica-se ao reino da morte, o lugr dos mortos. O
pensamento de Israel era que havia uma cavidade nas profundezas da terra para onde se
dirigiam todos os mortos. Perante o cenário anterior, só se podia esperar que o número
de mortos aumentasse a ponto de o Sheol ser identificado como um monstro cheio de
um apetite desmesurado. É interessante notar que a palavra para “apetite” em hebraico é
Hv;p]n" (nepheshah) que vem do termo hebraico nefesh, que significa “alma, ser vivente,
vida, pessoa”, mas também “desejo, apetite, emoção e paixão”. Neste caso, ela forma
um paralelo com “boca” (hP,).
CONCLUSÃO
Os crentes hoje sentem-se muitas vezes divididos entre os padrões culturais e os
padrões de Deus. A nossa sociedade não quer ser controlada pelos valores bíblicos, por
isso os pais cristãos devem tirar partido do ensino na Escola Bíblica Dominical para
ensinar aos seus filhos a cosmovisão bíblica. Os cristãos no seu local de trabalho devem
afirmar os valores éticos no âmbito dos negócios
1. As expectativas de Deus são que vivamos pia e espiritualmente vidas produtivas,
para isso ele tem providenciado tudo o que precisamos fazer.
2. Ao reconhecermos as consequências que resultam de uma vida de fidelidade ou
de infidelidade ajuda-nos a ficarmos motivados para satisfazer as expectativas de
Deus.
3. Podemos adoptar os padrões de Deus como nossos alvos pessoais e procurar
diligentemente concretizá-los como uma forma de fazer aquilo que o Senhor
espera.
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