Proteção de dados pessoais no âmbito judicial

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Proteção de dados pessoais no âmbito judicial
Proteção de dados pessoais no âmbito judicial(*)
por Carlos Gregório e Mário Paiva (**)
Sumário: I- Introdução; II- Regras de Herédia: a) Histórico; b)
Finalidade; c) Direito de oposição do interessado; d) Adequação ao fim; e)
Equilíbrio entre transparência e privacidade; f) Definições: f.1) Dados
pessoais: f.2) Motor de busca: f.3) Pessoas voluntariamente públicas f.4)
Anonimatizar; g) Alcances da regras; III- Danos concretos; IVResponsabilidade Civil do Estado; V- Aplicação das Regras; VIConsiderações finais.
I- Introdução
Nos dias 11 a 15 de outubro de 2004 realizou-se na cidade de Cuzco no Perú o IV
Congresso Mundial de Direito Informático com a presença de especialistas em Direito da
Informática de mais de vintes países de todos os continentes do planeta.
Nele foram debatidos inúmeros temas de relevância para evolução e solução das
questões judiciais advindas das relações estabelecidas pela e na internet bem como o impacto da
informática no universo jurídico.
O tema que nos coube foi inserido, dada a sua relevância, na temática sobre Direitos
Humanos na era Digital e abordou a questão da proteção de dados pessoais no âmbito judicial.
Nele expusemos e comentamos as regras de Heredia que são orientações sobre o modo de
difusão de informações pessoais dos litigantes em sites oficiais dos poderes judiciais.
Buscamos com as referidas regras nortear governos e poderes judiciais do mundo todo
no que concerne ao tratamento de dados pessoais em seus sites com vistas a nos aproximar ao
máximo do equilíbrio entre o direito de todos os cidadãos a transparência judicial não só dos
julgados, mas de todas as atividades judiciais e o resguardo da privacidade e intimidade
daqueles que procuram o Poder Judiciário para solucionar seus conflitos.
A seguir exporemos e comentaremos as regras de Heredia com o intuito de alertar a
todos os profissionais do direito sobre sua importância bem como a necessidade de sua
aplicação para o resguardo de direitos duramente conquistados ao longo dos séculos.
(*) O presente ensaio é uma transcrição das mais importantes considerações feitas em duas exposições
apresentadas no IV Congreso Mundial de Derecho e Informático realizado em Cusco no Peru. São elas: La
Ponência Magistrale sobre “La difusion dela Información Judicial em América Latina y el Caribe (Las Reglas de Heredia)” e
o Taller sobre “Protección de Datos Personales en el âmbito Judicial”.
(**)Carlos G. Gregorio é doutor em direito e ciências sociais e bacharel em matemática pela Universidade de
Buenos Aires; investigador do Instituto de Investigação para a Justiça e professor de jurimetría da Universidade
Torcuato Di Tella; Consultor do Banco Mundial, PNUD e Unicef; Tem sido consultor na área de sistemas
estatísticos e de informação judicial na América Latina, Marrocos, Eslováquia e Moldova.
Mário Antônio Lobato de Paiva é advogado em Belém; Professor da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Pará; Assessor da Organização Mundial de Direito e Informática; Coordenador da Comissão em
Estudos em Direito da Informática da Ordem dos Advogados do Pará; Membro da Associação de Direito e
Informática do Chile; do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática; do Instituto Brasileiro de Direito
Eletrônico; E-mail: [email protected]
1
II- Regras de Herédia(*)
a)Histórico
Em julho de 2003 o Instituto de Investigación para la Justicia Argentina com o apoio
da Corte Suprema de Justiça da Costa Rica e patrocínio da International Development
Research Centre do Canadá reuniu em Heredia na Costa Rica representantes de diversos países
da América Latina para discutir o tema “Sistema Judicial e Internet” com fulcro de analisar as
vantagens e dificuldades dos sites dos poderes judiciais na rede, os programas de transparência e
a proteção dos dados pessoais.
Nesta reunião, que contou com a participação de diversos ministros e magistrados de
Cortes superiores de vários países da América do Sul e Central, foram desenvolvidas diversas
teses e exposições que culminaram na formulação do mais importante documento já elaborado
sobre a difusão de informação judicial em internet estabelecendo-se regras mínimas a serem
adotadas pelos órgãos responsáveis por esta divulgação.
Referidas regras tem o fulcro de servir como modelo a ser adotado pelos tribunais e
instituições responsáveis pela difusão de jurisprudência de todos os países da América Latina.
Suas premissas auxiliarão os tribunais no trato de dados veiculados em sentenças e despachos
judiciais em internet sem que haja prejuízos a transparência de suas decisões.
Como palestrantes do evento e elaboradores das regras juntamente com os demais
fomos autorizados a propalar a Carta de Heredia no Brasil entendendo ser extremamente útil
para evolução das relações estabelecidas pela informática e sistema judicial o debate e a
utilização destas regras para o aprimoramento da Justiça eletrônica que deve ser corretamente
usufruída sob pena de causar sérios prejuízos aos jurisdicionados.
A seguir exporemos as regras comentadas por nós explicando sua finalidade,
conseqüências, manuseio, aplicação dentre outras utilidades para o mundo jurídico.
b) Finalidade
Regra 1. A finalidade da difusão em Internet das sentenças, e despachos
judiciais será: 1
(*) Recomendações aprovadas durante o seminário Internet e Sistema Judicial realizado na cidade de Herédia
(Costa Rica), nos dias 8 e 9 de julho de 2003, com a participação de Poderes Judiciais, organizações da sociedade
civil e acadêmicos de Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, México, República
Dominicana e Uruguai.
NOTAS (Sintetizam os documentos preparatórios, não fazem parte das Regras)
1Praticamente nenhum site do Poder Judicial em Internet definiu a finalidade de acumulação e difusão da
informação. As Leis de Transparência de Michoacán e Sinaloa (México) obrigam a fazer essa definição. A
referência mais relevante é a Recomendação n. R(95)11 do Comitê de Ministros da União Européia:
- facilitar o trabalho para as profissões jurídicas proporcionando-lhes dados rapidamente, completos e atualizados;
- informar a toda pessoa interessada em uma questão de jurisprudência;
- fazer públicas mais rapidamente as novas resoluções, particularmente nas matérias de direito em evolução;
- fazer público um número maior de decisões que afetem tanto ao aspecto normativo como ao fático (quantum das
indenizações, das pensões alimentícias, das penas etc);.
- contribuir para a coerência da jurisprudência (segurança jurídica – “Rechtssicherheit”) mas sem introduzir
rigidez;
- permitir ao legislador a análise da aplicação das leis;
- facilitar os estudos sobre a jurisprudência.
2
(a) O conhecimento da informação jurisprudencial e a garantia da igualdade
diante da lei;
(b) Para procurar alcançar a transparência da administração da justiça.
Comentários:
A regra acima deixa clara a necessidade permanência da publicidade e transparência das
decisões judiciais estabelecidas pelas legislações da grande maioria dos Estados latino
americanos. No Brasil o artigo 5º.da Constituição Federal de 1988 estatui regra específica
quanto à propagação de seus atos assegurando que:
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados
atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;
Podemos observar também na Constituição da Colômbia a garantia da publicidade das
decisões judiciais estabelecida no artigo 31 que dispõe: “Toda a sentença judicial poderá ser apelada
ou consultada, salvo as exceções consagradas em lei” e, no artigo 74 que: “Todas as pessoas tem direito a
acessar documentos públicos salvo nos casos que estabeleça a lei”
Outro exemplo de publicidade encontra-se previsto no artigo 6º. da Constituição do
México reformada em 1977 que dispõe da seguinte forma : “o direito a informação será garantido
pelo Estado”. Vale ressaltar que referido artigo inserto na Constituição foi à base para sanção no
ano de 2002 da Lei de Transparência e Acesso a Informação Governamental.
Regra 2. A finalidade da difusão em Internet da informação processual
será garantir o imediato acesso das partes, ou dos que tenham interesse
legítimo na causa, a seus andamentos, citações ou notificações.
Comentários:
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dá ênfase ao princípio da
publicidade dos atos judiciais quando diz que:
Art. 5º - .XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações do seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (grifado);
Verifica-se que a publicidade das informações processuais em internet constitui uma
espécie de serventia sem precedentes para todos aqueles que fazem parte do contexto jurídico.
Para advogados as informações são necessárias na fundamentação de petições com
jurisprudência dos tribunais, consulta de processos sem que haja necessidade de dirigir-se a
vara, opção pelo peticionamento eletrônico, informações institucionais que permitem saber
quem são os julgadores dentre outras. Para as partes que, independentemente de qualquer
ajuda, podem consultar seus processos para saber o andamento ou tirar dúvidas, e para o
judiciário, que expõe de uma forma clara e transparente o teor de suas decisões e de seu
próprio trabalho institucional.
C) Direito de oposição do interessado
Regra 3. Será reconhecido ao interessado o direito de opor-se, mediante
petição prévia e sem gastos, em qualquer momento e por razões legítimas
próprias de sua situação particular, a que os dados que lhe sejam
3
concernentes sejam objeto de difusão, salvo quando a legislação nacional
disponha de modo diverso. Em caso de decidir-se, de ofício ou a
requerimento da parte, que dados de pessoas físicas ou jurídicas estejam
ilegitimamente sendo difundidos, deverá ser efetuada a exclusão ou
retificação correspondente.
Comentários:
O tratamento de dados pessoais deve ser feito de forma segura respeitando os direitos
à intimidade e privacidade do cidadão. No Brasil ainda não temos leis de proteção de dados e
por isso devemos nos utilizar, por enquanto, de mecanismos constitucionais para viabilizar a
proteção desses direitos. Como por exemplo, o instituto do habeas data assegurado no artigo 5º.
Inciso LXII que permite ao indivíduo mecanismo:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo;
Além disso a Carta Magna também assegura o direito de petição a todos os que dele
necessitam para defesa de seus direitos:
Art. 5 XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
d) Adequação ao fim
Regra 4. Em cada caso os motores de busca se ajustarão ao alcance e
finalidades com que se difunde a informação judicial. 2
Comentários:
Através das palestras realizadas no Congresso Mundial e de nossa própria exposição
entendemos que a busca livre realizada nos sites de tribunais apesar de trazer uma publicidade
profunda dos processos e julgamentos acaba também trazendo sérios prejuízos à intimidade e
privacidade aqueles que procuram as cortes judiciais. Na oportunidade demonstramos um
desses prejuízos ocorridos na Justiça do Trabalho brasileira justamente na hora da admissão do
empregado na empresa o empregador se valia da pesquisa livre disposta no site do tribunal do
trabalho para vetar o acesso ao emprego entendendo que, o empregado já tivesse ajuizado ação
na justiça do trabalho não poderia fazer parte de seu quadro de empregados por já estar
“viciado”.
Por isso a necessidade da adequação dos motores de busca vedando em alguns casos os
tipos de busca que trazem prejuízo à intimidade e privacidade do cidadão e, em outros,
resguardando o anonimato dos litigantes.
Nesse aspecto a Constituição Peruana estabelece em seu artigo 2º. em capítulo que
aborda a questão de Direitos fundamentais da pessoa no item seis que: Que os serviços
2 O fundamento desta regra é a Lei relativa ao limite jurídico das tecnologias da informação (de Québec, Canadá),
artigo 24. “A utilização de funções de investigação extensiva em um documento tecnológico que contém
informações pessoais e que, por uma finalidade particular, se torna público, deve ser restrita a essa finalidade”.
4
informáticos, computadorizados ou não, públicos ou privados, não disponibilizem informações que afetem a
intimidade pessoal e familiar”.
Sobre a necessidade de explicitar a finalidade da Constituição da Guatemala de 1985
seu artigo 31 (Título II- Direitos Humanos; Capítulo I – Direitos Individuais) garante que:
“Toda a pessoa tem o direito de conhecer o que dela conste em arquivos, fichas ou qualquer outra forma de
registros estatais e, a finalidade a que se dedica esta informação, assim como a correção, retificação e
atualização”
e) Equilíbrio entre transparência e privacidade
Regra 5. Prevalecem os direitos de privacidade e intimidade, quando
tratados dados pessoais que se refiram a crianças, adolescentes (menores) ou
incapazes; ou assuntos familiares; ou que revelem a origem racial ou étnica,
as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a participação em
sindicatos; assim como o tratamento dos dados relativos à saúde ou à
sexualidade; 3 ou vítimas de violência sexual ou doméstica; ou quando se
trate de dados sensíveis ou de publicação restrita segundo cada legislação
nacional aplicável 4 ou tenham sido considerados na jurisprudência
emanada dos órgãos encarregados da tutela jurisdicional dos direitos
fundamentais. 5
Neste caso considera-se conveniente que os dados pessoais das partes,
coadjuvantes, aderentes, terceiros e testemunhas intervenientes sejam
suprimidos, anonimatizados ou inicializados 6, salvo se o interessado
expressamente o solicite e seja pertinente de acordo com a legislação.
3 A regra é inspirada no artigo 8.1 da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa
assim como nas leis que definem dados sensíveis na Argentina (art. 2), Chile (art.2.g.), Panamá (art. 1.5.), Paraguai
(art. 4), e nos projetos de Costa Rica, Equador, México e Uruguai. Ver também a Recomendação 01-057 de 29 de
novembro de 2001, da Comissão Nacional da Informática e das Liberdades:
(1) os editores de bases de dados e decisões judiciais, livremente acessíveis em sítios de Internet, se abstenham de
fazer figurar os nomes e os domicílios das partes e das testemunhas.
(2) os editores de bases de dados de decisões judiciais acessíveis em Internet, mediante pagamento por assinatura,
se abstenham de fazer figurar os domicílios das partes e das testemunhas.
4A proteção das crianças e dos adolescentes é unânime em todas as legislações da América Latina. Muitos países
da região têm suas próprias categorias de dados sensíveis, outros os estão desenvolvendo em novos projetos de
lei. Em alguns casos a enumeração é mais ampla como as “atitudes pessoais” no Panamá, ou os “antecedentes
penais” no projeto da Cosa Rica. Também em alguns países é muito rica a jurisprudência constitucional.
5 Por exemplo, a Lei sobre a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA (AIDS) (Argentina) – Artigo 2 (d)
e (e) – restringe a publicação dos nomes de portadores de HIV; a Lei sobre Expressão e Difusão do Pensamento
(República Dominicana), “Artigo 41. Fica proibido publicar textualmente a denúncia e as demais atas de
pronúncia criminal ou correcional antes que tenham sido lidas em audiência pública”e outras Leis de Imprensa
restringem a publicação de acusações penais (por exemplo, México (art. 9) que inclui divórcios e investigação de
paternidade.
6Ver Acórdão do Pleno da Suprema Corte de Justiça da Nação 9/2003 (27 de maio de 2003) que estabelece os
órgãos, critérios e procedimentos para a transparência e acesso à informação pública desse alto tribunal:
Artigo 41. As sentenças executórias da Corte Suprema têm caráter de informação pública e serão difundidas
através de qualquer meio, seja impresso ou eletrônico, ou por qualquer outro que seja permitido por inovação
tecnológica.
Artigo 42. Com o fim de respeitar o direito à intimidade das partes, ao fazerem-se públicas as sentenças, omitir-seão seus dados pessoais quando constituam informação reservada em termos do disposto nas diretrizes que a
Comissão expeça sobre o caso, sem prejuízo de que aquelas possam, dentro da instância seguinte à desta Corte e
5
Comentários:
Equilíbrio foi à palavra-chave da palestra magistral apresentada no Congresso Mundial.
A busca de uma forma de harmonizar os institutos da intimidade e privacidade com a
publicidade das decisões judiciais foi o desafio principal. Daí a recomendação de anonimato e
supressão do nome das partes envolvidas em litígios dentre outras medidas que tendam a
resguardar direitos constitucionalmente protegidos como o da intimidade estatuído no artigo
5º. Inciso X que dispõe:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A Constituição Política do Peru no artigo 2º estabelece sobre o assunto o seguinte: “Diretos
fundamentais da pessoa: 5. A solicitar sem expressão de causa a informação que requeira e recebê-la de
qualquer entidade pública, no prazo legal, com o custo que inerente ao pedido. Se exceptuando as informações
que afetem a intimidade pessoal e as que expressamente se excluam por lei ou por razões de segurança
nacional”.
No mesmo sentido a Constituição da República Bolivariana da Venezuela quando
estabelece em seu artigo 60 que: “Toda pessoa tem direito à proteção de sua honra, vida privada,
intimidade, própria imagem, confidencialidade e reputação. A lei limitará o uso da informática para garantir a
honra e a intimidade pessoal e familiar dos cidadãos e cidadãs e o pleno exercício de seus direitos”.7
Existem ainda as leis gerais de proteção de dados pessoais que guardam estreita
semelhança com a legislação européia, na Argentina (2000) Chile (1999), Panamá (2002), Brasil
(1997), 8 Paraguai (2000). Outros países tem avançado consideravelmente no que diz respeito
à elaboração de leis sobre proteção de dados tais como a Costa Rica, Colômbia, Equador,
México e Uruguai.
A proteção da difusão de dados pessoais de crianças e adolescentes encontra-se
amplamente difundida na legislação latino americana, que alcança inclusive os infratores da lei
penal. No Chile, por exemplo, a lei sobre Liberdades de Opinião e Informação e Exercício do
Jornalismo, em artigo 33 dispõe: “É proibida a divulgação, por qualquer meio de comunicação social, da
identidade de menores de idade que sejam autores, cúmplices ou testemunhas de delitos ou de qualquer outro
antecedente que conduza a ela. Esta proibição se estenderá também no que diz respeito às vítimas e algum dos
delitos contemplados no Título VII, “Crimes e simples delitos contra a ordem das famílias e contra a
moralidade pública”, do Livro II do Código Penal, a menos que consintam expressamente a divulgação”
até antes de proferir-se a sentença, opor-se à publicação de referidos dados, em relação a terceiros, o que
provocará que adquiram eles o caráter de confidenciais.
Em todo caso, durante o prazo de doze anos contado a partir da entrada em vigor deste Acórdão, nos termos do
previsto nos artigos 13, inciso IV, e 15 da Lei, os autos relativos a assuntos de natureza penal ou familiar
constituem informação reservada, em razão do que nos meios em que se façam públicas as sentenças respectivas
deverão ser suprimidos todos os dados pessoais das partes.
Nos assuntos da competência deste Alto Tribunal, cuja natureza seja diversa da penal e da familiar, o primeiro
acórdão que neles se profira deverá esclarecer às partes o direito que lhes assiste de opor-se, em relação a
terceiros, à publicação de seus dados pessoais, com o entendimento de que a falta de oposição configura seu
consentimento para que a sentença respectiva se publique sem supressão de dados.
As referidas restrições à difusão das sentenças emitidas por este Alto Tribunal não operam conseqüências a quem,
nos termos da legislação processual aplicável, esteja legitimado para solicitar-lhes cópia.
7. Cf. Constituição Espanhola de 1978, artigo 18.4: “A lei limitará o uso da informática para garantir a honra e a
intimidade pessoal e familiar dos cidadãos e o pleno exercício de seus direitos”.
8. Lei que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data.
6
No Estados Unidos da América do Norte existe o costume judicial de proteger as
partes que, mediante a solicitação, requerem a substituição de seus nomes em processos
judiciais pelos de pseudônimos. A Concessão desta proteção foi inicialmente limitada a casos
exclusivamente envolvendo menores, divórcios, custódia e manutenção de filhos ou
paternidade, porém nos últimos anos tem sido aplicado também a pessoais jurídicas a exemplo
dos seguintes casos: United States vs. Microsoft Corp.,9 foi permitida as três companhias a
participação como amici curiae em forma anônima sob o pseudônimo de “Doe Companies” e no
caso todo o Federal Bureau of Investigation (F.B.I.) como “John Doe Government Agency” em
John Doe Agency et. al. vs. John Doe Corp.10
Regra 6. Prevalecem a transparência e o direito de acesso à informação
pública quando a pessoa concernente tenha alcançado voluntariamente o
caráter de pública e o processo esteja relacionado com as razões de sua
notoriedade.11 Sem embargo, consideram-se excluídas as questões de
família ou aquelas em que exista uma proteção legal específica.
Comentários:
O artigo ressalta a importância da transparência judicial que deve ser mantida de acordo
com as necessidades coletivas dos jurisdicionados sendo regida pelo interesse público em
detrimento do particular desde que respeite a intimidade do afetado. No caso específico diz
respeito a pessoa notória e pública onde o interesse público na divulgação dos fatos
relacionados é necessário evitando, no entanto a publicidade de dados irrelevantes como o
domicílio dos litigantes.
Nestes casos poderão manter-se os nomes das partes na difusão da informação judicial,
mas se evitarão os domicílios ou outros dados identificatórios.
As regras tratam de criar categorias nas quais é possível estabelecer uma preferência,
prevalecendo a proteção da intimidade ou garantindo o pleno acesso a informação pública. As
categorias utilizadas na regra 5 se assemelham as enumeradas na Diretiva 95/46/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho da Europa assim como nas previstas nas leis que definem
9. 56 F.3d 1448 (1995).
10. 493 U.S. 146 (1989). Ver Adam A. Milani, ‘Doe vs. Roe: an argument for defendant anonymity when a
pseudonymous plaintiff alleges a stigmatizing intentional tort’, 41 Wayne Law Review (1995) 1659-712. Um aspecto
similar é o da proteção de segredos comerciais; no México pela Lei Federal de Transparência e Acesso a
Informação Pública inclusive (artigo 14) “Também se considerará como informação reservada: ....II. Os segredos
comercial, industrial, fiscal, bancário, fiduciário e outro como tal por uma disposição legal”.. Também nos
EE.UU. A Lei de Liberdade de Informação (FOLA) estabelece na Seção 552 ‘Informação Pública; ....(a) Toda a
divisão do governo deverá pôr a disposição do público sua informação de modo que se estipule a continuação:...
(b) A presente Seção não se aplicará a questões que fossem ou estivessem:...(4) segredos comerciais e informação
comercial ou financeira obtida de uma pessoa que seja considerada informação privilegiada e confidencial”. Na
Europa a Diretiva 95 protege somente as pessoas físicas apesar das leis existentes na Áustria Dinamarca, Itália e
Luxemburgo terem estendido a proteção às pessoas jurídicas.
11[7] A Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da OEA utiliza o conceito de “pessoas volutariamente públicas”: “10. As leis de privacidade não
devem inibir nem restringir a investigação e difusão de informação de interesse público. A proteção da reputação
deve estar garantida somente através de sanções civis, nos casos em que a pessoa ofendida seja um funcionário
público ou pessoa pública ou particular que se tenha envolvido voluntariamente em assuntos de interesse público.
Ademais, nestes casos, deve provar-se que na difusão das notícias o comunicador teve intenção de causar dano ou
pleno conhecimento de que se estava difundindo notícias falsas ou se conduziu com manifesta negligência na
busca da verdade ou falsidade das mesmas”.
7
dados sensíveis na Argentina (art.2), Chile (art.2.g.), Panamá (art. 1.5.), Paraguai (art. 4), e os
projetos da Costa Rica, Equador e México. Também se tem reconhecido na Regra 5 que
existem categorias de pessoas que recebem proteção na jurisprudência constitucional,
estabelecendo com isso considerável dificuldade para que os textos legislativos possam resolver
todos os casos através de uma só norma de caráter geral. Apesar do que as vítimas estariam
incluídas no segundo parágrafo da regra 5, uma vez que os redatores enfatizaram a questão
referente às vítimas de violência sexual ou doméstica no primeiro parágrafo.
A definição dada a categoria de pessoas voluntariamente públicas é relacionada
diretamente com o ponto 10 da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da O.E.A e com alguns Códigos de Ética
Jornalística. Também parece afastar-se da jurisprudência da Califórnia, que considera também
que as pessoas involuntariamente públicas perdem parte de sua privacidade.12
Porém nos dois extremos (ver dados sensíveis e pessoas voluntariamente públicas) das
regras 5 e 6 podemos observar uma prevalência, para a situação residual estimando-se
necessária limitação da capacidade de busca existente em sites oficiais dos Poderes judiciais
(Regras 4 e 7). A adequação dos motores de busca a finalidade tem como antecedente a lei
relativa ao marco jurídico das tecnologias da informação (de Quebec, Canadá), que em seu
artigo 24 prevê: “A utilização de funções de investigação extensiva em um documento tecnológico que
contenha informações pessoais e que, por uma finalidade particular, se público, deve ser restringida a esta
finalidade”
Durante a discussão da Regras seus redatores rejeitaram outras categorias para precisar
o equilíbrio entre acesso a informação e a intimidade. Por exemplo, não existiu consenso em
distinguir em função da instância processual, como se propunha em alguns documentos
preparatórios (esta proposta incluía na Regra 6 as sentenças ditadas em via recursal pelo mais
alto Tribunal de cada Estado).
Regra 7. Em todos os demais casos se buscará um equilíbrio que garanta
ambos os direitos. Este equilíbrio poderá instrumentalizar-se:
(a) nas bases de dados de sentenças, utilizando motores de busca capazes de
ignorar nomes e dados pessoais;
(b) nas bases de dados de informação processual, utilizando como critério de
busca e identificação o número único do caso.
Comentários:
A regra especifica as medidas a serem adotadas pelos tribunais no sentido de assegurar
a publicidade e resguardar os direitos de intimidade dos litigantes através de procedimentos
deixem no anonimato o nome das partes bem como seus dados pessoais. A criação de número
que identifique a lide podendo então a parte interessada ter informações sobre o processo
desde que conheça a numeração evitando assim exposição indiscriminada dos litigantes para
fins abusivos e contrários ao direito do país.
As Regras de Heredia são linhas de discussão judicial e acadêmica, porém
provavelmente o êxito que lhe é reconhecido é justamente de haver explicitado o dilema que
12 Gary Williams, ‘El derecho constitucional a la privacidad en California ¿Protege a las figuras públicas de la
publicacion de informacion confidencial personal?’, en Internet y Sistema Judicial en América Latina, C. Gregorio & S.
Navarro (eds.) (2004) 325-338, Ad-Hoc, Buenos Aires.
8
existe entre o direito de acesso a informação judicial, e que tipo de equilíbrio que se quer
alcançar entre esses direitos que podem vir a causar conflitos e gerar atos discriminatórios.13
É natural que os legisladores não imaginaram a existência e o impacto da internet a partir
da interpretação de acadêmicos e, portanto, é possível que este seja um caso de lacuna
axiológica (presença de uma solução insatisfatória) e não de uma lacuna normativa (ausência de
uma solução). Em outros campos do direito se tem observado que a generalização da internet –
ou de outros avanços tecnológicos – tem produzido uma “necessidade” de modificar o direito,
levando-se em consideração a circunstância que não existiam até então– porque até aquele
momento não poderia ter havido- além de não terem sido vistas pelo legislador.
Quiçá, para resolver este desacordo, faz-se necessário discutir qual o sentido da palavra
“público” nos textos constitucionais e nas leis. Antes da internet era comum a interpretação de
que os expedientes judiciais eram públicos significando que qualquer pessoa podia solicitar o
julgado, lê-lo, e- salvo algumas poucas exceções legais- conferir-lhe a publicidade. Depois da
internet, multiplicaram-se os sentidos atribuídos à palavra ou o caráter “público” (i) posto a
disposição do público; i.e, incluídos no direito de acesso a informação; (ii) dar publicidade; i.e.
forçar o conhecimento por parte do maior número pessoas possível- ou de determinadas
pessoas. E neste contexto resulta – por exemplo- razoável que os juízes dêem publicidade dos
julgados, cuja a finalidade é notificar ou criar a presunção de notificação.14
Hoje a condição de “público” é vinculada a necessidade de deixar determinado
documento acessível ao público com a finalidade de facilitar o controle por parte do cidadão
dos atos de governo. Sem embargo a existência de bases de dados no âmbito dos Estados
chamados “públicos” e bases de dados em mãos de pessoas ou organizações privadas ou não
estatais, denominadas, seguindo o mesmo critério “privados”, como afirma Cosentino não
necessariamente transformam a condição dos dados pessoais que podem conter ou não
diminuição do nível de proteção que a lei lhe assina.15
Se enfocarmos como uma lacuna axiológica, como um desacordo valorativo ou como
uma questão semântica, resulta necessário redimensionar o caráter público da informação
frente às novas tecnologias, as novas finalidades, os riscos e os conflitos de normas, e
reestruturar o equilíbrio perdido.
Regra 8. O tratamento dos dados relativos a infrações, condenações penais
ou medidas de segurança somente poderá efetuar-se sob controle da
autoridade pública. Somente poderá ser realizado um registro completo de
condenações penais sob o controle dos poderes públicos. 16
Comentários:
13 Provavelmente não existiu suficiente consenso entre os que firmaram a Declaración de Copán—San Salvador
emitida pela VIII Encontro Iberoamericano de Presidentes de Cortes Supremas e Tribunais Supremos de Justiça
—realizada de 21 a 25 de junho de 2004 em Honduras e El Salvador— pois não vinculou as novas tecnologias de
informação com a transparência judicial e somente recomendou ações sobre a proteção de dados pessoais em
relação aos centros de Documentação Judicial.
14. Victoria S. Salzmann, ‘Are Public Records Really Public?: the collision between the right to privacy and the
release of public court records over the Internet’, 52 Baylor Law Review (2000) 355-79.
15. Guillermo Cosentino, ‘La información judicial es pública pero contiene datos privados, como enfocar esta
dualidad’, en Internet y Sistema Judicial en América Latina, C. Gregorio & S. Navarro (eds.) (2004) 211-233, Ad-Hoc,
Buenos Aires.
16Praticamente coincide com o Artigo 8.5 da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e é
coerente com a maioria das leis nacionais sobre registros penais e com a jurisprudência constitucional.
9
Referidos casos foram também amplamente discutidos no Congresso Mundial por
trazerem todo tipo de segregação social quando descobertos ou dispostos de forma pública a
todos. Por isso a necessidade de ser mantido um controle por autoridades públicas para que o
controle, manuseio e armazenamento desses dados são sejam utilizados de forma indevida e
prejudicial ao afetado.
Sem embargo a Regra 5 não inclui explicitamente os antecedentes penais (por exemplo,
o projeto de Lei de Proteção das Pessoas Frente ao Tratamento de Dados Pessoais da Costa
Rica (artigo 2) que inclui entre os dados sensíveis os antecedentes delitivos). Indiretamente a
Regra 8 impediria uma difusão indiscriminada dos dados pessoais de acusados ou condenados
por delitos, e na medida que- a partir dessa difusão- qualquer particular poderia construir bases
de dados de antecedentes penais. Entre as alternativas que não contaram com consenso
estavam a de incluir a Regra 5 aos condenados primários (excluindo os reincidentes).
A difusão, no início, de casos penais (por exemplo os sorteios dos julgados parecem ser
a que representam maior vulnerabilidade por duas razões: (i) as estatísticas assinalam que
grande parte das ações penais terminam sem sentença definitiva; e (ii) que difundir ações
penais obrigará a difundir brevemente a decisão judicial que dá por encerrado o processo (seja
absolvição, condenação, sobrestamento, ou arquivamento), se não for assim estaríamos
difundindo informação incompleta e não se ofereceria aos imputados à possibilidade de
estabelecer com o mesmo nível de publicidade que a ação não prosperou (situação que violaria
a presunção de inocência)
Nos Estados Unidos da América o tema de acesso aos antecedentes penais é motivo de
ampla discussão.17 Levando-se em consideração as opiniões dos cidadãos o problema começa
a complicar-se, por exemplo, se se tratar de informação sobre arrestos, sobre condenações,
inclusive quanto aos adolescentes, também é complexo discutir sobre se o acesso depende do
tipo de delito. A complexidade do equilíbrio entre esses direitos e a mencionada discussão se
agrega aqui a segurança pública que é parte normalmente de um debate muito mais amplo.
Regra 9. Os juízes, quando redijam suas sentenças, despachos e atos, 18
farão seus melhores esforços para evitar mencionar fatos inócuos ou relativos
a terceiros, buscarão somente mencionar os fatos ou dados pessoais
estritamente necessários para os fundamentos de sua decisão, tratando de
não invadir a esfera íntima das pessoas mencionadas. Excetua-se da regra
anterior a possibilidade de consignar alguns dados necessários para fins
meramente estatísticos, sempre que sejam respeitadas as regras sobre
privacidade contidas nesta declaração. Igualmente se recomenda evitar os
detalhes que possam prejudicar a pessoas jurídicas (morais) ou dar
excessivos detalhes sobre o modus operandi que possam incentivar alguns
delitos. 19 Esta regra se aplica, no pertinente, aos editais judiciais.
17 U.S. Department of Justice, ‘Privacy, Technology and Criminal Justice Information: Public Attitudes Toward Uses of
Criminal History Information’
18Poderiam também considerar-se os editais (por exemplo, são comuns os editais em que se cita a um dos pais
para autorizar a crianças ou adolescentes a viajar ao exterior do país, os editais contêm os dados pessoais das
crianças e dos pais, e ademais estão Internet, nos sites de internet de jornais, com facilidade de busca.
19Para o caso das pessoas jurídicas (morais) busca-se evitar difundir informação sobre propriedade industrial ou
segredos comerciais. No caso dos moda operandi, o fundamento está em comentários realizados em relação com
delitos que requerem sofisticação (por exemplo, seqüestros ou estelionatos).
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Comentários:
A regra traz consigo recomendação aos prolatores das decisões para que tenham maior
zelo no ato de redigir decisões evitando a inserção de dados dos litigantes que não tenham
necessariamente importância para o deslinde da questão.
Se forem mantidas as tendências atuais, o número de sentenças judiciais acessíveis em
bases de dados será cada vez maior, e em conseqüência será também possível manter a
indexação da sentença (com palavras chave ou com sumários). A falta de seleção introduz o
problema e o conceito da saturação, ou seja, a “destruição de um corpo coerente de
jurisprudência pela inundação criada pelos precedentes redundantes”
A redundância derivada da saturação poderia ser resolvida com o desenvolvimento da
inteligência artificial, ou com a informação adicional que por hora significa maiores custos.
Outra opção é tender para as decisões judiciais relativamente estandartizadas – porém isto é
hoje provavelmente utópico para a tradição judicial latino-americana.
Regra 10. Na celebração de convênios com editoriais jurídicos deverão ser
observadas as regras precedentes.
Comentários:
Como a difusão da jurisprudência não é propagada apenas pelos tribunais estendendose também a revista e outros periódicos recomendamos a revisão por parte das cortes das
autorizações concedidas às editoras no sentido de que suas publicações sejam adequadas às
regras estabelecidas na Carta de Heredia.
A edição de revistas de jurisprudência tem sido um negócio editorial em vários países
da América Latina. Supõe-se um árduo trabalho para a obtenção das sentenças- normalmente
em papel- selecionadas e editadas em volumes. Hoje os custos tem sido reduzidos
notavelmente, pois as sentenças podem se obtidas em formato eletrônico, sendo a seleção feita
a partir da geração de grandes bases de dados e a edição tem optado também pelos suportes
informático e os buscadores em sites na web. Muitos poderes judiciais tem tido dificuldades ao
negociar com estas empresas, no que diz respeito ao envio para editoração de decisões
impressas e/ou em suportes informáticos, no sentido de saber a maneira de pagamento e/ou
parceria advinda da publicação de coleções impressas ou do fornecimento de chaves de acesso
de dados na internet. A Regra 10 poderia ser o começo para reequilibarar esta negociação.
f) Definições
f.1) Dados pessoais: Os dados concernentes a uma pessoa física ou moral, identificada ou
identificável, capaz de revelar informação sobre sua personalidade, suas relações afetivas, sua
origem étnica ou racial, ou que se refiram às características físicas, morais ou emocionais, à sua
vida afetiva e familiar, domicílio físico e eletrônico, número nacional de identificação de
pessoas, número telefônico, patrimônio, ideologia e opiniões políticas, crenças ou convicções
religiosas ou filosóficas, estados de saúde físicos ou mentais, preferências sexuais ou outras
análogas que afetem sua intimidade ou sua autodeterminação informativa. Esta definição se
interpretará no contexto da legislação local sobre a matéria.
f.2) Motor de busca: são as funções de busca incluídas nos sites de Internet dos Poderes
Judiciais, que facilitam a localização e recuperação de todos os documentos no banco de dados,
que satisfazem as características lógicas definidas pelo usuário, que possam consistir na
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inclusão ou exclusão de determinadas palavras ou família de palavras; datas; e tamanho de
arquivos, e todas suas possíveis combinações com conectores booleanos.
f.3) Pessoas voluntariamente públicas: o conceito se refere a funcionários públicos (cargos
efetivos ou hierárquicos) ou particulares que tenham se envolvido voluntariamente em
assuntos de interesse público (neste caso se julga necessária à manifestação clara de renúncia a
uma área determinada de sua intimidade).
f.4) Anonimizar: Todo tratamento de dados pessoais que implique que a informação que
se obtenha não possa associar-se a pessoa determinada ou determinável.
g) Alcances das regras de Heredia
Alcance 1. Estas regras são recomendações que se limitam à difusão em Internet ou em
qualquer outro formato eletrônico de sentenças e informação processual. Portanto não se
referem ao acesso a documentos nos cartórios judiciais nem a edições em papel.
Alcance 2. São regras mínimas no sentido da proteção dos direitos de intimidade e
privacidade; por isso, as autoridades judiciais, ou os particulares, as organizações ou as
empresas que difundam informação judicial em Internet poderão utilizar procedimentos mais
rigorosos de proteção.
Alcance 3. Embora estas regras estejam dirigidas aos sites em Internet dos Poderes
Judiciais, também são extensivas –em razão da fonte de informação– aos provedores
comerciais de jurisprudência ou informação judicial.
Alcance 4. Estas regras não incluem nenhum procedimento formal de adesão pessoal
nem institucional e seu valor se limita à autoridade de seus fundamentos e sucessos.
Alcance 5. Estas regras pretendem ser hoje a melhor alternativa ou ponto de partida
para obter um equilíbrio entre transparência, acesso à informação pública e direitos de
privacidade e intimidade. Sua vigência e autoridade no futuro podem estar condicionadas a
novos desenvolvimentos tecnológicos ou a novos marcos regulatórios.
III- Danos concretos
Ao longo dos debates pudemos perceber que, em vários casos ocorridos em tribunais
da América Latina, houve prejuízos efetivos com a vinculação indiscriminada de dados
pessoais do cidadão que pode ter sua privacidade e intimidade devassadas por qualquer
indivíduo que tenha acesso a rede mundial de computadores.
No Brasil, por exemplo, vários trabalhadores tiveram o seu direito a livre acesso ao
emprego vetado pelo futuro empregador em virtude da disponibilização de consulta por nome
dos reclamante nos sites dos tribunais. Tal procedimento trouxe reconhecidos e concretos
prejuízos a milhares de trabalhadores tanto que foi admitido pelos próprios tribunais que
alguns anos mais tarde resolveram abolir este tipo de pesquisa.
Vários tribunais de justiça comuns continuam a trazer prejuízos aos jurisdicionados ao
veicularem em processos judiciais dados que invadem a esfera íntima do indivíduo como por
exemplo, seu estado de saúde ou doenças que levam a pessoa a sofrer situações
discriminatórias como AIDS.
Sendo assim consideramos que este tipo de violação do direito à intimidade e
privacidade daquele que procura a Justiça Estatal para solucionar suas inquietações gera o
direito a pleitear uma indenização respectiva e proporcional ao dano causado por intermédio
da teoria do risco administrativo que responsabiliza civilmente o Estado a ressarcir o lesado
pelos danos ocasionados em virtude de sua conduta.
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IV- Responsabilidade Civil do Estado
Teoria adotada atualmente pela grande maioria dos doutrinadores é a de que a
responsabilidade Estatal é de natureza objetiva compreendendo atos omissivos ou comissivos
que independem de prova de culpa. A Constituição Federal do Brasil 1988 não deixa dúvidas
quanto a sua responsabilidade quando dispõe que:
“Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Em seu artigo 5º que prevê a indenização por dano moral que deverá ser fixada
conforme o prudente arbítrio do juiz:
"Art.5. X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
José Cretella (20) ao abordar a questão da responsabilidade civil do Estado
entende que: “a) a responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do
Estado por atos decorrentes do serviço público; b) as funções do Estado são funções públicas, exercendo-se pelos
três poderes; c) o magistrado é órgão do Estado; ao agir, não age em seu nome, mas em nome do Estado, do
qual é representante; d) o serviço público judiciário pode causar danos às partes que vão a juízo pleitear direitos,
propondo ou contestando ações (cível); ou na qualidade de réus (crime); e) o julgamento, quer no crime, quer no
cível, pode consubstanciar-se no erro judiciário, motivado pela falibilidade humana na decisão; f) por meio dos
institutos rescisórios e revisionista é possível atacar-se o erro judiciário, de acordo com as formas e modos que alei
prescrever, mas se o equívoco já produziu danos, cabe ao Estado o dever de repará-los; g) voluntário ou
involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos
causados; se o erro foi motivado por falta pessoal do órgão judicante, ainda assim o Estado responde, exercendo
a seguir o direito de regresso sobre o causador do dano, por dolo ou culpa; h) provado o dano e o nexo causal
entre este e o órgão judicante, o Estado responde patrimonialmente pelos prejuízos causados, fundamentando-se
a responsabilidade do Poder Público, ora na culpa administrativa, o que envolve também a responsabilidade
pessoal do juiz, ora no acidente administrativo o que exclui o julgador, mas empenha o Estado, por falha
técnica do aparelhamento judiciário, ora no risco integral, o que empenha também o Estado, de acordo com o
princípio solidarista dos ônus e encargos públicos”
Basicamente para a caracterização da responsabilidade deve existir o nexo causal, ou
seja, a relação entre o dano causado a ser reparado e a conduta do agente. A conduta lesiva no
caso dos tribunais do trabalho brasileiro foi à disposição do nome do reclamante no site por
intermédio do instrumento de pesquisa processual eletrônica e o dano é a vedação de acesso ao
emprego em decorrência daquela disposição de dados.
Nos tribunais comuns de vários países existem inúmeros exemplos de condutas que
trazem lesão ao cidadão por intermédio da busca processual pelo nome dos litigantes que vão
desde o abalo ao crédito até situações vexatórias que expõem os litigantes como no caso do
mesmo ter contraído doença grave que tenha sido ventilada ou discutida no mérito do
processo.
Podemos observar uma clara violação da intimidade e privacidade dos jurisdicionados
que tem em muitos casos sua vida invadida em questão de segundos por qualquer pessoa que
tenha acesso ao site do Tribunal violando estes direitos assegurados na Constituição Federal
Brasileira, no título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais, artigo 5°.
(20) JÚNIOR, José Cretella. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais, RF, 230:46.
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Portanto é plenamente viável a ação de indenização por danos morais e materiais
contra o Estado que através dos sites oficiais dos tribunais divulgue indiscriminadamente
informações judiciais pela internet que venham a lesar direitos constitucionalmente assegurados
ao cidadão como o direito à intimidade, privacidade e livre acesso ao emprego.
V- Aplicação das Regras
A Regra 5 faz referência ao conceito de “dado sensível”, porém não se incluiu
definição explicita para este conceito. Na Itália o Codice in materia di protezione dei dati personali (de
30 de junho de 2003) criou (artigo 4) categorias mais precisas: define em primeiro lugar “ dado
pessoal” criando três subcategorias, dado identificatório, dado sensível e dado judicial. Quando
se trata de dados – não enumerados entre os sensíveis nem judiciais – porém cujo o tratamento
pode gerar um risco para os direitos fundamentais e para a dignidade do interessado, o artigo
17 estende as garantias de proteção dadas pelo Codice. Este conceito traz resultados de muita
utilidade na aplicação das Regras, por exemplo, sobre a publicidade de ações trabalhistas. É
neste sentido a tendência atual para definir dados sensíveis e complementar a enumeração que
faz a regra 5 e agregar “ qualquer outra informação cujo o tratamento possa gerar algum tipo
de discriminação”.
Os alcances estabelecem um conceito também relevante: é impossível regular as novas
tecnologias da informação em forma definitiva, uma vez que estas se transformam
permanentemente e, em função dessas transformações são criados novos tratamentos para os
dados. Sua necessidade de adaptar-se a novos desenvolvimentos tecnológicos ou normativos
concorre com a restrição posta para sua adesão. Sem embargo cremos que os poderes judiciais
consideram necessário estabelecer um regulamento interno para o tratamento dos dados,
segundo informação que dispomos, os poderes judiciais da Costa Rica, do Estado de Rio
Grande do Sul (Brasil) e da província de Rio Negro (Argentina), tem deliberado sobre as
Regras. Um exemplo interessante de incorporação das Regras como regramento interno é a
Acordada 112/2003 do Poder Judicial da Província de Río Negro que resolveu “declarar de
aplicação obrigatória no Poder Judicial da Província a partir de 1° de fevereiro de 2004 as
‘Reglas de Heredia’”.
VI- Considerações finais
Devemos nos conscientizar que passamos por uma intensa fase de transformação,
prosperidade e evolução. Nos deparamos como uma nova Civilização à da Informação, com
modos inteiramente distintos daqueles vividos há alguns anos atrás, que precisam ser bem
compreendidos sob pena de gerar conseqüências graves a humanidade.
Assim como a Civilização Inca adorava a terra, o puma e o sol acreditando em seu
poder, nós devemos acreditar na informática como um instrumento de socialização e inclusão
que facilitará e transformará a vida de milhares de pessoas desde que seja acompanhada de
medidas que previnam ao máximo os impactos negativos inerentes a toda mudança ocorrida na
sociedade.
Portanto podemos afirmar que todas as inovações tecnológicas possuem efeitos
positivos e negativos. No caso vimos que o efeito positivo é justamente a intensificação da
publicidade das informações judiciais dispostas virtualmente e o negativo é o da vunerabilidade
imposta por esta difusão indiscriminada de direitos fundamentais como o da privacidade e
intimidade dos afetados. Por isso para que haja efetiva conciliação entre esses dois direitos
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necessitamos de orientações que definam quais os dados que devem ser dispostos gerando um
equilíbrio de direitos que deve ser alcançado com aplicação das regras de Heredia.
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