CINTAS PLÁSTICAS E PESCA FANTASMA EM

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CINTAS PLÁSTICAS E PESCA FANTASMA EM
III Congresso Brasileiro de Oceanografia – CBO’2010
Rio Grande (RS), 17 a 21 de maio de 2010
CINTAS PLÁSTICAS E PESCA FANTASMA EM TUBARÕES-AZUIS
(Prionace glauca) E ESPADARTES (Xiphias gladius) NO ATLÂNTICO
SUDOESTE
Cardoso, A. T. C.1; Vooren, C. M.1
1
Universidade Federal de Rio Grande – FURG, Laboratório de Elasmobrânquios e Aves Marinhas
[email protected] & [email protected]
RESUMO
Dois tubarões-azuis (Prionace glauca) e um espadarte (Xiphias gladius) com cinta plástica
aderida à região branquial, e um tubarão-azul enredado a uma rede de emalhe multifilamento,
foram capturados com espinhel pelágico no Atlântico Sudoeste durante a primavera de 2008 e
verão de 2009. Todos os indivíduos apresentavam ferimentos significativos e certamente
atividades vitais comprometidas, como respiração, natação e alimentação. Apesar das injúrias
físicas, os elasmobrânquios parecem atingir um período longo de sobrevida, devido à
capacidade de regeneração dos tecidos O fenômeno de materiais enroscados apresentou
freqüência menor que 1%, todavia a magnitude desse impacto sobre a comunidade nectônica
deve ser melhor investigada.
Palavras chave: lixo marinho, enredamento, resíduos plásticos
INTRODUÇÃO
O crescente consumo de materiais não-biodegradáveis, sobretudo plásticos, tornou o
lixo uma das maiores ameaças à vida marinha. Eventos de mutilação, enredamento ou
ingestão de lixo marinho já foram registrados para mais de 267 espécies, principalmente para
tartarugas, aves e mamíferos marinhos, incluindo espécies em perigo ou ameaçadas de
extinção (Laist 1997; Derraik 2002). Casos de interação entre lixo e peixes marinhos são pouco
documentados em todo o mundo (Bird 1978), e mais raramente para o Atlântico Sul (Sazima et
al. 2002; Santos & Montealegre-Quijano 2005). Registrar fenômenos dessa natureza ajuda a
mensurar e compreender o efeito do lixo sobre a biota marinha.
MATERIAL E MÉTODOS
Os flagrantes de interação de peixes marinhos com resíduos plásticos foram
observados durante duas viagens de pesca com espinhel pelágico a bordo do Yamaya III,
embarcação da frota comercial de Itajaí-SC (Fig. 1). A embarcação operou no talude
continental do sul do Brasil (TS) na primavera de 2008 (set-out), e na região oceânica
internacional (RO) no verão de 2009 (jan-fev). De cada indivíduo vitimado pelo lixo marinho, foi
identificada a espécie, medido o comprimento furcal (CF), e anotados o tipo de material
enroscado e posição geográfica do lance de pesca.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As informações referentes ao lance de captura, espécie, tamanho e tipo do material
enroscado dos indivíduos flagrados com resíduos plásticos aderidos ao corpo estão
apresentadas na Tabela 1. Em termos relativos, o fenômeno de cintas plásticas aderidas
ocorreu em 0,73% dos 411 tubarões-azuis capturados, e 0,42% dos 236 espadartes. Outras
observações na mesma área registraram 0,97% de freqüência para materiais enroscados em
tubarões-azuis capturados na pesca comercial com espinhel pelágico (Santos & MontealegreQuijano 2005). Apesar dos valores inferiores a 1%, o impacto do lixo marinho deve ser
considerado e melhor estudado sobre a comunidade nectônica, sobretudo grandes pelágicos.
Com relação ao juvenil de tubarão-azul (132 cm de CF) (Fig. 2b), a cinta plástica
provavelmente se aderiu em um momento anterior, quando o espécime possuía um tamanho
corporal menor. Essa conclusão é justificada pela gravidade e profundidade dos ferimentos
causados que afeta seriamente a região branquial, inclusive com presença de ectoparasitas,
caso do copépodo Pennella filosa, mais comum em teleósteos pelágicos de grande porte
(Castro-Pampilión et al. 2002). Registro de ectoparasitas invasivos em elasmobrânquios é algo
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raro, devido ao epitélio composto por dentículos dérmicos (Benz 2005). Cintas plásticas presas
a região branquial e com ferimentos evidentes, porém de menor porte, também foram
observados para o X. gladius e a fêmea de P. glauca. No primeiro, a cinta ficou aderida por trás
do opérculo e comprimindo os arcos branquiais posteriores (Fig. 2a), enquanto no segundo
(Fig. 2c), a cinta enroscou na origem anterior da nadadeira peitoral, onde criou uma ferida
significativa, a qual devia estar prejudicando a natação do animal. Já o incidente com o maior
macho (214 cm de CF) (Fig. 2d) foi entendido como um caso de pesca fantasma. A rede de
multifilamento presa à região da maxila superior certamente dificultava a alimentação, pois uma
das linhas atravessa a boca animal. Ainda é possível notar pelas marcas dos ferimentos da
rede, tentativas de se livrar do material alheio ao seu corpo.
A interação dos tubarões com objetos flutuantes, como as cintas plásticas, está
relacionada ao hábito alimentar na superfície do mar, além do comportamento de curiosidade
inerente ao grupo (Bird 1978). As cintas foram identificadas como lacres de caixas de papelão,
possivelmente de iscas congeladas. O fragmento da rede de emalhe preso ao maior macho de
tubarão-azul é um exemplo de que a capturabilidade do petrecho de pesca persiste, mesmo
após ser descartado ou perdido. Em experimentos, se observou que inicialmente a eficiência
da rede perdida continua alta, porém após três meses chega a cair para 20%, estabilizando em
5 a 6% (Tschernij & Larsson 2003).
Hipóteses sobre a capacidade de regeneração em tubarões são comuns, porém pouco
fundamentadas. Em experimento, nadadeiras de tubarões foram cortadas e a cicatrização
ocorreu em quatro semanas (Ashhurst 2004). Mordidas e ferimentos são comuns durante a
cópula dos tubarões, inclusive do tubarão-azul (Montealegre-Quijano 2007) Considerando a
hipótese de ciclo reprodutivo anual de P. glauca (Montealegre-Quijano 2007), a regeneração
dessas marcas ocorre dentro dos nove meses de gestação. O tempo de sobrevivência desses
animais frente a graves injúrias continua uma incógnita. Todavia, os sinais de regeneração e
readaptações morfológicas, como no caso do macho juvenil de P. glauca, demonstram que o
indivíduo consegue resistir por um considerável período de tempo.
Figura 1 – Mapa dos lances de pesca onde foram observadas interações entre peixes e
resíduos plásticos, durante a primavera de 2008 e verão de 2009, no Atlântico Sudoeste.
Tabela 1 – Informações referentes ao lance de captura, espécie, comprimento furcal (CF) e
tipo do material enroscado dos indivíduos flagrados com resíduos plásticos aderidos ao corpo.
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Figura 2 – Vista dos indivíduos flagrados com resíduos plásticos aderidos ao corpo, durante a
primavera de 2008 e verão de 2009, no Atlântico Sudoeste. X. gladius, 185 cm de CF (a); P.
glauca macho, 132 cm de CF (b); P. glauca fêmea, 176 cm de CF (c); P. glauca macho 214 cm
de CF (d).
REFERÊNCIAS
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