ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO

Transcrição

ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE DIREITO
ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO
DA INCIDÊNCIA DE ICMS OU ISS NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Belo Horizonte
2015
ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO
DA INCIDÊNCIA DE ICMS OU ISS NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado pela aluna Andreza Marcelle
da Silva Pinto na Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG
como
requisito
básico
para
conclusão do Curso de Direito.
Prof. Werther Botelho Spagnol
Belo Horizonte
2015
2
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso objetiva analisar o conflito aparente
entre os Municípios e os Estados na tributação da atividade de manipulação de
medicamentos – operação mista que conta com a prestação de um serviço e o
fornecimento de uma mercadoria, culminando na conclusão de qual imposto
deve incidir: se o ISS ou o ICMS. Considerando ser recorrente o debate acerca
da incidência de ICMS ou ISS nas operações mistas, nota-se ser escassa
análise doutrinária do caso em tela, fazendo-se necessário um enfoque na
abordagem
jurisprudencial.
Isso
porque
as
aplicações
dos
conceitos
doutrinários e das interpretações normativas culminam nas decisões judiciais,
que refletem para além do interesse subjetivo das partes, e criam precedentes
que vinculam todo o ordenamento. Destarte, objetiva-se, através de uma
metodologia jurídico-propositiva, propor qual imposto deve incidir sobre a
manipulação de medicamentos, tomando por base desde os conceitos
constitucionais até as decisões judiciais no âmbito tributário.
Palavras-chave:
Competência
Tributária.
Natureza
privativa.
Incidência
Tributária. Prestação de Serviço. Fornecimento de Mercadoria. Operação
Mista.
Obrigação
de
Dar
e
de
Fazer.
Conflito
Aparente.
Serviços
Farmacêuticos. Manipulação de Medicamentos. ICMS. ISS.
3
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO......................................................................................... 5
2. CONSIDERAÇÕES
DOUTRINÁRIAS
SOBRE
CONFLITO
DE
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA................................................................ 7
3. A
CONCEITUAÇÃO
DE
SERVIÇO
E
MERCADORIA
NA
DETERMINAÇÃO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA............................... 10
4. BREVE ANÁLISE DOS CONFLITOS SOBRE A INCIDÊNCIA DE ISS
OU ICMS JÁ DECIDIDOS PELA JURISPRUDÊNCIA.......................... 22
4.1 Bares e restaurantes........................................................................... 23
4.2 Composição gráfica............................................................................ 23
4.3 Programas de computador e gravação de vídeo/foto-filmagem..... 24
4.4 Provedor de Internet............................................................................ 25
4.5 Diárias hospitalares............................................................................. 27
5. DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA NA INCIDÊNCIA DE ISS OU ICMS
NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS......................................... 28
5.1 Da exclusiva incidência do ISS na manipulação de medicamento. 37
5.2 Contraposição
à
incidência
do
ICMS
na
manipulação
de
medicamentos...................................................................................... 46
6. CONCLUSÃO........................................................................................ 48
REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS............................................................. 50
4
1. INTRODUÇÃO
A insegurança das partes das relações jurídicas mitiga a eficácia de
qualquer negócio que se pretenda realizar. Quando se trata de relação jurídicotributária, onde o ente público se faz sujeito ativo, espera-se que os princípios
que regem a Administração Pública e limitam o poder de tributar reduzam a
insegurança de qualquer contribuinte perante suas obrigações fiscais. Porém,
não é bem o que acontece na prática.
O conflito aparente que existe entre Municípios e Estados na tributação
de serviços e mercadorias já alcançou diversas esferas e contribuintes,
principalmente nos casos em que as duas prestações ocorrem na mesma
operação.
Ainda
que
a
Constituição
Federal
e
as
legislações
infraconstitucionais busquem definir os parâmetros e normas a serem
seguidos, eventual divergência na interpretação feita por um ou outro ente
pode levar o contribuinte a ser autuado por falta de recolhimento do tributo
devido.
No específico caso da manipulação de medicamentos, a indeterminação
sobre qual tributo cobrar dos sujeitos passivos, se o ISS, de competência dos
Municípios, ou o ICMS, de competência dos Estados, já atingiu os Tribunais
Superiores, sem que haja qualquer sombra de solução até o momento.
Enquanto não houver uma decisão que una os mais divergentes entendimentos
jurisprudenciais do país, o contribuinte – comumente a farmácia de
manipulação – sofre com a insegurança de pagarem o tributo devido ao ente
competente, o que levou muitas microempresas e empresas de pequeno porte
a fecharem suas portas por dívidas fiscais.
Pretende-se, portanto, demonstrar qual tributo deverá incidir sobre a
manipulação de medicamentos, se o ISS ou o ICMS. Para tanto, será
necessária a análise dos limites constitucionais acerca da competência
tributária dada aos Municípios, Estados e Distrito Federal no que tange à
instituição destes impostos; a comparação das legislações complementares
que dispõem sobre ISS e ICMS e dos conceitos doutrinários de serviço e
mercadoria em matéria tributária; a explanação do conflito de competência
tributária entre Município e Estados quanto à cobrança de ISS ou ICMS em
operações mistas, mormente em relação à tributação da atividade de
5
manipulação de medicamentos; a caracterização e os contornos dos “serviços
farmacêuticos”, previstos em lei complementar e tributáveis pelo ISS, à luz das
regulamentações federais e regionais acerca da atividade farmacêutica; e a
elucidação da jurisprudência recente sobre o tema, em âmbito estadual e
federal.
A presente pesquisa será estruturada com base nos ensinamentos e
teorias de MACHADO (2010), que concentrou sua análise sobre tema no
ensaio “ISSQN ou ICMS na Manipulação de Medicamentos”. A escolha desse
doutrinador se deu pela adequação de sua teoria ao entendimento adotado
pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de casos envolvendo a
tributação de ICMS sobre atividades de manipulação de medicamentos que
sofriam já incidência do ISS através da cobrança do respectivo Município.
Como ponto de partida, tem-se a interpretação feita pelo referido autor
sobre (a) os limites definidos pela Constituição Federal em competência
tributária; (b) as normas constantes na legislação complementar existente
acerca da instituição e cobrança do ISS e ICMS, e (c) a jurisprudência estadual
e federal (STJ) construída a partir do deslinde de casos concretos envolvendo
Estado
e
contribuinte
que
exerce
a
atividade
de
manipulação
de
medicamentos, culminando no reconhecimento do tema como Repercussão
Geral no STF.
Considera-se enfim, ser de suma importância a análise da questão
proposta em razão da considerável dimensão do conflito de interesse e disputa
pelo poder de tributar existente entre os entes federados, levando-se à
incerteza do contribuinte empresário quanto ao imposto devido sobre a
operação mista que exerce. Não se pode negar o reflexo econômico decorrente
de diversas autuações e execuções fiscais contra farmácias de manipulação,
que mesmo recorrendo ao Judiciário, se deparam com o descompasso entre
divergentes decisões judiciais estaduais em casos semelhantes.
A inexistência de um posicionamento do Supremo Tribunal Federal
acerca da incidência de ISS ou ICMS na manipulação de medicamentos deu
base para o reconhecimento da Repercussão geral do Tema, de número 379,
cujo julgamento provocará imensas mudanças na tributação da atividade de
manipulação de medicamentos.
6
2. CONSIDERAÇÕES
DOUTRINÁRIAS
SOBRE
CONFLITO
DE
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
Hugo Machado de Brito (2010, p.95) enfrenta a questão da incidência de
ISS ou ICMS na manipulação de medicamentos como um conflito de
competência tributária entre o Município e o Estado. Para o autor, a
problemática decorre de um conflito de interesses entre os entes federativos,
cujo poder de tributar é subordinado à competência privativa que os mesmos
possuem para instituírem impostos.
A competência tributária, não sobeja explicar, é o poder, outorgado pela
Constituição Federal (CF/88) aos entes federados de criar, cobrar, alterar e
fiscalizar tributos abstratos mediante lei, no limite da atribuição conferida. Para
Ricardo Alexandre é importante diferenciar a competência para legislar sobre
direito tributário da competência tributária.
A competência para legislar sobre direito tributário é o poder
constitucionalmente atribuído para editar leis que versem sobre
tributos e relações jurídicas a ele pertinentes. Trata-se de uma
competência genérica para traçar regras sobre o exercício de
tributar.
Em contrapartida, a competência tributária é o poder
constitucionalmente atribuído para editar leis que instituam
tributos. (ALEXANDRE, 2009, p. 185
O Professor Dr. Werther Botelho Spagnol, tratando sobre a competência
tributária, considera a existência de 5 principais características: a privatividade,
a indelegabilidade, a incaducabilidade, a inalterabilidade e a facultividade.
(SPAGNOL, 2004, p. 88) A privatividade externaliza uma via de duplo comando
da competência tributária: outorga poder ao ente público para, querendo,
instituir e cobrar tributos; e proíbe aos demais entes de exercerem o mesmo
poder sobre o mesmo tributo.
É, portanto, uma exclusividade das pessoas políticas, que possuem
“faixas
tributárias
privativas”
para,
querendo,
exercerem
os
poder
constitucionalmente facultado. (CARRAZZA, 2006, p 487). Ademais, como se
sabe,
a
Constituição
Federal
cuidou
de
especificar
quais
tributos
poderão/deverão ser criados por cada ente da federação, impondo, com isso,
certa limitação ao poder de tributar.
7
No específico caso da instituição dos impostos em análise – ISS e ICMS,
não se pode dizer que a competência é privativa dos Municípios e Estados,
respectivamente, posto que o art. 147, da CF/881, outorgou a competência
também para o Distrito Federal. Logo, em uma interpretação sistêmica da
Constituição, pode-se dizer ser cumulativa a competência entre Municípios,
Estados e Distrito Federal na instituição dos referidos impostos (SABBAG,
2012, p. 389).
Assim dispôs a CF/88:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior;
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.
155, II, definidos em lei complementar.
Extrai-se dos dispositivos acima a clara atribuição privativa (ou
exclusiva) de poder aos mencionados entes em relação à matéria. Nota-se,
inclusive, um duplo comando no art. 156, III, da CF/88: a matéria que pode ser
objetivo de tributação pelo Município (definida em lei complementar) e a
matéria que não pode ser, qual seja, os serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que se iniciem no exterior.
A legislação complementar mencionada foi, até 2003, o Decreto-Lei n°
406, de 31/12/1968, que estabelecia “normas gerais de direito financeiro,
aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias
e sobre serviços de qualquer natureza”. Este decreto foi revogado pela Lei
Complementar n°. 116, de 31/07/2003 (LC 116/2003)2, e conta com uma lista
anexa de serviços a serem tributados pelo ISS.
1
Art. 147 - Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for
dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos
municipais
2 Art. 10 da Lei Complementar n°. 116/2003.
8
Quanto ao ICMS, aplica-se a Lei Complementar n°. 87, de 13/09/1996
(Lei Kandir), que dispõe exclusivamente sobre este imposto em âmbito
estadual e no Distrito Federal.
Enquanto as supracitadas normas tratam da competência tributária
privativa, o art. 146, da CF/88, dispõe sobre a já mencionada competência para
legislar sobre direito tributário, mediante lei complementar:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária,
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em
relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos
respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência
tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado
pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as
microempresas e para as empresas de pequeno porte,
inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do
imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no
art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art.
239.
O art. 146, I diz respeito aos conflitos de competência tributária entre os
entes. Estes conflitos são comumente resultantes do exercício da competência
privativa pelos entes. Isso porque, como ensina o Prof. Sacha Calmon, a
competência comum, outorgada pela Constituição para criação de taxas e
contribuições de melhoria pelos entes, está diretamente ligada à atuação
política do ente em determinado território (tributação vinculada), o que evita
que dois ou mais entes tributem o mesmo objeto sem prévia repartição
(COÊLHO, 2012, p. 64).
Lado outro, o exercício da competência privativa na instituição de
impostos não pressupõe uma atividade estatal, mas algo estranho e alheio,
realizado pelos particulares, e cuja natureza foi escolhida como fato gerador da
incidência tributária. A probabilidade de existência de conflitos surge, então,
quando determinada atividade não é claramente classificada como objeto de
9
tributação de determinado imposto, podendo sofrer a exação por um ou mais
impostos de competência diversa.
Para solucioná-los, a Constituição Federal determinou a edição de leis
complementares, cujo conteúdo será um conjunto de critérios de distinção e
conceituação de alguns termos. No caso, as já mencionadas LC 116/2003
(ISS) e Lei Kandir (ICMS). Vale mencionar que estes conflitos, quando
aparecem, são entendidos pela doutrina como apenas aparentes, na medida
em que a própria Constituição também cuidou de repartir as competências no
plano lógico (ALEXANDRE, 2009, pg. 190).
Para Hugo de Brito, é justamente a indeterminação de alguns conceitos
utilizados pela Constituição que provoca o conflito de competência.
(MACHADO, 2010, p. 97). Não obstante, Sacha Calmon entende que não
ocorrem conflitos, mas invasão de competência em razão da má compreensão
de uma pessoa política acerca do relato constitucional, levando-a a tributar de
maneira mais ampla do que a prevista (COÊLHO, 2012, p. 89). Tanto que a
publicação da LC 116/2003 sofreu críticas doutrinárias, na medida em que
restringiu a competência municipal ao listar, numerus clausus, quais serviços
poderiam ser tributados pelo ISS.
Por fim, Eduardo Sabbag, relembrando Kiyoshi Harada, reconhece ser
inexistente a área de conflito entre ICMS e ISS, mas que ela ainda existe em
razão da inadequada interpretação das normas, sendo até mesmo dispensável
a lista taxativa trazida pela LC 116/2203. (SABBAG, 2012, p. 1009). Acima,
havendo uma falha interpretativa não resolvida pelos poderes legislativos e
executivo, a solução final será sempre dada pelo Poder Judiciário, cuja função
interpretativa é intransferível e insubstituível (COÊLHO, 2012, p. 91).
3. A
CONCEITUAÇÃO
DE
SERVIÇO
E
MERCADORIA
NA
DETERMINAÇÃO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
Assim prevê o art. 110, do CTN:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o
conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de
direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela
Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou
10
pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios,
para definir ou limitar competências tributárias.
O dispositivo acima é uma clara limitação à atuação do legislador
infraconstitucional, vedando a criação de normas que extrapolam o alcance
pretendido pelas reservas e outorgas da Constituição. Ainda que a função
desta norma seja meramente didática (MACHADO, 2010, p.97), sua violação e
a mera ampliação de determinados conceitos podem gerar o conflito de
incidência tributária como este, entre ICMS e ISS, sendo de crucial importância
a fiel interpretação dos ditames e termos constitucionais.
O imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços –
ICMS não incidia, antes da CF/88, sobre os serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação. A inclusão destes serviços se
deu em razão do fato de frequentemente ultrapassarem os limites físicos dos
Municípios, o que poderia ocasionar guerras fiscais entres os mesmos, cujas
legislações são fatalmente diversas (ALEXANDRE, 2009, p. 568). Assim, o
advento dessa inclusão fez necessária uma maior explanação constitucional
sobre seus limites de incidência, na tentativa de minorar os efeitos de uma
guerra fiscal entre os Estados e os Municípios.
Para tanto, o art. 155, §2°, da CF/88, conta com 12 incisos sobre a
exclusiva incidência do imposto em âmbito estadual. Curial notar um inciso em
específico:
Art. 155: Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
§2° - O imposto previsto no inciso II atendará ao seguinte:
(...)
IX – incidirá também:
(...)
b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem
fornecidas com serviços não compreendidos na competência
tributária dos Municípios.
A situação descrita no art. 155, §2°, IX, “b”, da CF/88, em uma leitura
mais didática, leva a entender que a incidência do ICMS é residual em relação
à do ISS quando se trata de tributação de serviços que forneçam mercadorias,
posto que serão tributados por aquele os serviços (com fornecimento de
11
mercadoria) não previstos na lei complementar deste. (ALEXANDRE, 2009, p.
585)
Para compreender melhor como o legislador pretendeu que a questão
ocorresse na prática, é necessária a conceituação de serviço e mercadoria
para fins de tributação de ambos os impostos, principalmente no caso descrito
pelo citado artigo.
A prestação de um serviço, na concepção adotada pelo Código Civil, é
uma obrigação de fazer (ALEXANDRE, 2009, p. 614), na qual o prestador
dispõe de sua força produtiva mediante contraprestação pecuniária. A
necessidade do tomador levou a um servir previamente escolhido, para assim
satisfazer, não importando que tenha ou se materialize em uma coisa
(MACHADO, 2010 p,98).
Para Roque Carrazza, o serviço de qualquer natureza é a prestação de
uma utilidade – material ou imaterial – a um terceiro, cujo conteúdo econômico
vincula as partes a um regime privado, e não trabalhista (CARRAZZA, 2006, p.
929). O autor ainda afirma que a tributação não alcança o serviço, mas as
pessoas que o prestam, sendo aquele um objeto ou aspecto material da
hipótese de incidência. Tais prestadores são profissionais autônomos ou
empresas, excluindo-se, além dos trabalhadores em regime celetista, os
servidores estatutários e os prestadores de autosserviço. (COÊLHO, 2012 P.
525)
Não obstante a concepção de que a tributação recaia sobre os
prestadores, é sobre a remuneração (contraprestação) que recebem que reside
a base de cálculo do ISS, nos termos do art. 1° da LC 116/2003 (COÊLHO,
2012 p. 528). Válido mencionar que a lista taxativa prevista na referida
legislação não está diretamente ligada à denominação dada ao serviço
prestado, conforme texto do §4° do citado artigo. Isso porque o legislador
pretendeu tributar a natureza daquela atividade - a essência do serviço, ainda
que o prestador não a tenha como atividade preponderante ou lhe dê outro
nome que não o expressamente previsto na legislação. Evita-se, com isso, a
prática de elisão fiscal pelo prestador (FERREIRA, 2004, p.38).
A definição do conceito de prestação de serviço é tão importante que os
Tribunais Superiores vem excluindo da lista taxativa do ISS alguns negócios
jurídicos e contratos, por entender que a natureza destas atividades não é a
12
prestação de um serviço (COÊLHO, 2012, p. 531). Até porque, como dito, é
vedado à legislação complementar alterar o conceito, extraído do direito
privado, utilizado pela Constituição na escolha de seus termos.3
São exemplos das atividades excluídas da lista de serviços tributáveis
pelo ISS: arrendamento mercantil (leasing), da compra de faturamento
(factoring), da locação de bens móveis, do licenciamento de atividades ou
franquia (franchising), dos serviços sociais, da exploração de dutos, ferrovias,
rodovias e condutos de qualquer natureza, e outros.
Destarte, alguns autores como Ricardo Ferreira (FERREIRA, 2004, p.
38) e Mauro Luís (LOPES, 2009, p. 333), entendem que a lista deve ser
interpretada de forma extensiva, e não de forma literal, ainda que seja taxativa.
Isso porque a LC 116/2003 faz menção a serviços congêneres – e.g. itens 1 e
14.07 da lista anexa4 – o que implica na inclusão de serviço semelhante,
mesmo que não previsto expressamente. Não quer isso dizer que as eventuais
omissões ou lacunas possam ser supridas por analogia, mas que a
interpretação extensiva dos termos já existentes não exprime violação ao
ordenamento jurídico.
É como tem entendido o c. Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos
termos da ementa abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. OMISSÃO CONFIGURADA. ISS. LISTA DE
SERVIÇOS (DL 406/68). TAXATIVIDADE. INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVA.
POSSIBILIDADE.
SERVIÇOS
DE
PRATICAGEM.PRECEDENTES DO STJ. EFEITOS DA
REVELIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. ARTS. 319 E
320 DO CPC. 1. (...) 2. Assentando o aresto recorrido que:"1. É
cediço no E. S.T.J e no S.T.F ser taxativa a lista de serviços
do DL 406/89; o que não impede que à luz de cada serviço
enumerado proceda-se à interpretação do dispositivo. 2. O
item 87 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei 406/68, com
a redação dada pela Lei Complementar nº 56, de 15.12.87,
dispõe:"87.(...) 7. Consectariamente, é serviço meio para a
consecução da atividade fim, encartado por força de
interpretação nos serviços tributários, máxime porque exercido
por empresa diversa daquela que empreende o serviço final. 8.
A capilar distinção entre interpretação extensiva ou
analógica e a analogia em si, indicam que, in casu, não se
está criando exação contra a letra do art. 108, § 1º do CTN,
3
4
Art. 110, do CTN.
Item 1 – Serviços de informática e congêneres (...); Item 14.07 - Colocação de molduras e congêneres
13
notadamente porque a analogia, consoante cediço, pressupõe
lacuna da lei e a interpretação a existência de que legix dixit
minus quam voluit.9. A lista de serviços tributáveis pelo ISS,
a despeito de taxativa, admite a interpretação extensiva
intra muros, qual seja, no interior de cada um de seus
itens, permitindo a incidência da mencionada exação sobre
serviços correlatos àqueles expressamente previstos na
aludida lista de serviços. Precedentes do STJ: RESP
121428/RJ, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 16.08.2004;
RESP 567.592/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de
15.12.2003 e RESP 256.267/PR, Relator Ministro José
Delgado, DJ de 18.09.2000.10. Sob esse ângulo sobreleva
notar entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal,
no julgamento do RE n.º 75.952/SP, no sentido de que: "A lista
a que se referem o art. 24, II da Constituição, e 8º do Decretolei n. 83/69 é taxativa, embora cada item da relação comporte
interpretação ampla e analógica."11.(...) (ementa parcial,
negritei e grifei) (EDcl no REsp 724.111/RJ, Rel. Ministro LUIZ
FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe
12/02/2010)
Em suma, pode-se afirmar que, em uma leitura superficial do art. 155, II,
da CF/88, extrai-se que apenas os serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação é que seriam objeto do ICMS. Logo, a
incidência do ISS é residual em relação à incidência do ICMS quando se trata
de serviços, cujo requisito “definidos em lei complementar” (art. 156, III, da
CF/88) filtra quais serviços serão, de fato, objeto da exação do ISS.
Na conceituação de mercadoria, Ricardo Alexandre entende que a
mesma é um bem móvel, situado no mundo dos negócios, com finalidade
comercial. Está no conjunto das “coisas” – tudo que existe excluindo-se as
pessoas, e no subconjunto dos “bens” - coisas com valor econômico. Somente
os bens corpóreos são considerados mercadoria, salvo a energia elétrica que,
conforme o art. 155, §3°, da CF/88, sofre a incidência apenas do ICMS apesar
de não ser um bem corpóreo. (ALXANDRE, 2009, p. 566). Nas palavras do
Prof. Sacha Calmon, somente a operação que acarreta a circulação de
mercadoria com transferência de propriedade é que será objeto de incidência
do ICMS (COÊLHO, 2012, p.462).
Vale observar que a Constituição Federal faz expressa menção a bem,
mercadoria e serviço, de forma a não confundir os conceitos. Como dito,
somente os bens destinados à comercialização ou industrialização é que serão
objetivos da incidência do ICMS, ainda que estejam em circulação. As
14
exceções a esta regra encontram-se no art. 155, §2°, da CF/88, nos incisos: IX,
“a”; VII e XII, “h”.
Inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido
que é vedada ampliação do campo de incidência do ICMS para circulações
cujos bens não se enquadram no conceito de mercadoria ou cujas próprias
atividades não são de comercialização, a rigor da previsão expressa prevista
no art. 110, do CTN sobre alteração de conceitos constitucionais. É que se
extrai dos seguintes julgados:
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.
TRIBUTÁRIO.
ICMS.
HABILITAÇÃO DE APARELHOS CELULARES. A LEI GERAL
DE TELECOMUNICAÇÕES (ART. 60, § 1º, DA LEI Nº
9.472/97) NÃO PREVÊ O SERVIÇO DE HABILITAÇÃO DE
TELEFONIA MÓVEL
COMO
ATIVIDADE-FIM,
MAS
ATIVIDADE-MEIO PARA O SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. A
ATIVIDADE EM QUESTÃO NÃO SE INCLUI NA DESCRIÇÃO
DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO CONSTANTE DO
ART. 2º, III, DA LC 87/1996, (...) NÃO SOFREM A
INCIDÊNCIA DO ICMS, (...) DESPROVIMENTO DO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Os serviços preparatórios
aos serviços de comunicação, (...) configuram atividades-meio
ou serviços suplementares. O serviço de comunicação
propriamente dito, consoante previsto no art. 60, § 1º, da Lei nº
9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), para fins de
incidência de ICMS, é aquele em que (...) (REsp. 402047/MG,
Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 04/11/2003, DJ 09/12/2003). 2. A
interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da Lei
Complementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de
que o ICMS somente pode incidir sobre os serviços de
comunicação propriamente ditos, no momento em que são
prestados, ou seja, apenas pode incidir sobre a atividadefim, que é o serviço de comunicação, e não sobre a atividademeio ou intermediária como são aquelas constantes na
Cláusula Primeira do Convênio ICMS nº 69/98.(...) 3. A
Constituição autoriza sejam tributadas as prestações de
serviços de comunicação, não sendo dado ao legislador,
nem muito menos ao intérprete e ao aplicador, estender a
incidência do ICMS às atividades que as antecedem e
viabilizam. Não tipificando o fato gerador do ICMSComunicação, está, pois, fora de seu campo de incidência.
Consectariamente, inexiste violação aos artigos 2º, 150, I, e
155, II, da CF/88. 4. O Direito Tributário consagra o princípio da
tipicidade, de maneira que, sem lei expressa, não se pode
ampliar os elementos que formam o fato gerador, sob pena
de violar o disposto no art. 108, § 1º, do CTN. (...) (ementa
parcial, negritei) (RE 572020, Relator: Min. MARCO AURÉLIO,
Relator p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
06/02/2014, DJe 199 10/10/2014)
15
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL
E
TRIBUTÁRIO.
ICMS.
ENTRADA
DE
MERCADORIA
IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II, CF/88.
OPERAÇÃO
DE
ARRENDAMENTO
MERCANTIL
INTERNACIONAL.
NÃOINCIDÊNCIA.
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O
ICMS tem fundamento no artigo 155, II, da CF/88, e incide
sobre (...) 2. A alínea “a” do inciso IX do § 2º do art. 155 da
Constituição Federal, na redação da EC 33/2001, faz incidir o
ICMS na entrada de bem ou mercadoria importados do
exterior, somente se de fato houver circulação de mercadoria,
caracterizada pela transferência do domínio (compra e venda).
3. Precedente: (...) 4. Deveras, não incide o ICMS na
operação de arrendamento mercantil internacional, salvo na
hipótese de antecipação da opção de compra, quando
configurada a transferência da titularidade do bem.
Consectariamente, se não houver aquisição de mercadoria,
mas mera posse decorrente do arrendamento, não se pode
cogitar de circulação econômica. 5. In casu, nos termos do
acórdão recorrido, o contrato de arrendamento mercantil
internacional trata de bem suscetível de devolução, sem opção
de compra. 6. Os conceitos de direito privado não podem
ser desnaturados pelo direito tributário, na forma do art.
110 do CTN, à luz da interpretação conjunta do art. 146, III,
combinado com o art. 155, inciso II e § 2º, IX, “a”, da CF/88.
8. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (ementa
parcial, negritei) (RE 540829, Relator: Min. GILMAR MENDES,
Relator p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
11/09/2014, REPERCUSSÃO GERAL – DJe 226 17/11/2014)
Neste diapasão, a situação descrita no art. 155, §2°, IX, b, da CF/88
pressupõe uma análise conjunta dos conceitos de duas determinantes: a
prestação de um serviço e o fornecimento de mercadoria, chamada, portanto,
de operação mista.
Eduardo Sabbag, em aprofundada análise desta categoria, entende que
“operação” é o núcleo da hipótese de incidência do ICMS, traduzindo uma
prática onde se transmite um direito (posse ou propriedade) a outrem
(SABBAG, 2012, p. 1020). Esta operação inclui a circulação de mercadoria,
que, como visto, caracteriza-se para transferência entre pessoas da titularidade
de um bem comerciável. A inclusão do termo “misto” se dá pela prestação de
um serviço juntamente com essa circulação/fornecimento de mercadoria. O
conflito entre ICMS e ISS surge exatamente neste ponto.
Interessante observar aqui a análise feita pelo autor Marcelo Baptista
Caron em relação aos serviços prestados com aplicação e utilização de bens
materiais. Seu entendimento é que não se pode confundir tais modalidades
16
com a mencionada operação mista, posto que esta se resume na prestação de
um serviço com fornecimento de mercadoria. Aqueles, no entanto, aplicam e
utilizam bens materiais apenas como meio físico para execução do serviço, que
pode ser imaterial, material ou misto (BAPTISTA, 2005, p. 290). Será, portanto,
material, aquele serviço cuja realização depender de um insumo para se
concretizar, como é o caso do pintor e a tinta, do alfaiate e o tecido, da
cabeleireira e a tesoura. Tais bens não são mercadoria, cuja propriedade foi
transferida ao cliente, mas meros instrumentos, das mais variadas formas e
utilidades, que se prestam a tornar realizável aquele serviço contrato.
Crucial transcrever a conclusão do autor sobre este assunto:
Sempre que identificada no contrato a prestação-fim como
sendo de fazer, os bens materiais empregados na execução do
serviço, bem assim os que a ele fiquem agregados assumirão,
para fins jurídicos, um papel acessório, irrelevante por isso no
que pertinente à incidência da norma tributária do ISS.
(BAPTISTA, 2005, p. 294)
Superada esta análise e retomando as operações mistas propriamente
ditas, nota-se que muitas estão previstas na LC 116/2003, e na maioria delas,
há a expressa ressalva quanto à incidência do ICMS nas mercadorias
envolvidas. É o que dispõe o art. 1°, §2° da referida legislação:
Art. 1º - (...)
§2° - Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa,
os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao
Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS,
ainda que sua prestação envolva fornecimento de
mercadorias. (negritei).
Exemplos destas ressalvas podem ser extraídas dos itens 7.05, 14.03 e
17.11 da lista anexa a LC 116/2003, onde o legislador cuidou de determinar
que, sobre as mercadorias incluídas na prestação daqueles serviços, deverá
incidir o ICMS.
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios,
estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento
de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do
local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
17
14.03 – Recondicionamento de motores (exceto peças e partes
empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS).
17.11 – Organização de festas e recepções; bufê (exceto o
fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao
ICMS).
Assim, tomando-se por base os conceitos e dispositivos legais
mencionados, é possível elaborar o seguinte esquema de situação hipotética /
incidência do imposto, culminado no objetivo final: determinar qual imposto
incidirá nas operações mistas:
1) Simples/pura prestação de serviço:
a) Previsto no art. 155, II da CF/88: ICMS
b) Previsto na LC 116/2003: ISS
2) Simples circulação de mercadoria: ICMS
3) Prestação de serviço com fornecimento de mercadoria (operação mista):
a) Serviço previsto na LC 116/2003: ISS no valor total da operação,
salvo quando prevê a incidência de ICMS apenas na mercadoria.
b) Serviço não previsto na LC/116/2003: ICMS no valor total da
operação total.
Conclui-se, sem maiores delongas, que a lista anexa da LC 116/2003 é uma
das mais importantes condicionantes na determinação da incidência do ISS ou
do ICMS nos casos em que há prestação de serviço e fornecimento de
mercadoria (operações mistas). Não obstante, outras considerações são
igualmente necessárias e condicionantes, analisadas conforme o caso
específico. Até porque, existem situações em que o serviço prestado está na
lista anexa de forma bastante genérica, e sua prestação somente inclui o
fornecimento de mercadoria de formas eventual.
Nestes casos, quando não há qualquer ressalva na lista anexa – e então
pressupõe-se que toda a operação seja tributada pelo ISS – e há mera
indeterminação quando à natureza daquele bem, a doutrina entende que a
mercadoria fornecida deva ter direta relação com o serviço prestado para que
18
seja, de fato, tributada pelo ISS (FERREIRA, 2004, p. 39).Ou seja, a
mercadoria deve ser necessária e vinculada a este serviço, fruto deste.
Um exemplo claro dessa teoria é o serviço de odontologia, previsto no
item 4.12 da LC 116/2003. Sobre o serviço prestado (limpeza, canal,
tratamento de cáries, etc.) incidirá ISS; se, porém, o dentista vender um creme
dental especial ou uma dentadura sob medida para o paciente, sobre tais
mercadorias incidirá o ICMS, pois as mesmas não foram utilizadas durante o
procedimento realizado no consultório.
Na prática, estas situações onde o serviço prestado consta na lista de
forma genérica, e eventualmente está ligado ao fornecimento de uma
mercadoria, tem-se um espaço aberto para interpretações extensivas por parte
dos Estados, levando à cobrança do ICMS em face dos contribuintes do ISS. O
conflito é, portanto, de interpretações, levando Estados e Municípios a
discordarem sobre a natureza do que está sendo contratado: um serviço ou o
fornecimento puro e simples de mercadoria.
Diante deste impasse interpretativo, alguns autores apresentam teses
sutilmente diversas sobre a análise a ser feita de cada operação mista não
prevista expressamente na legislação complementar.
Para Eduardo Sabbag, havendo indeterminação sobre a natureza da
operação mista, mister se faz a apuração da preponderância da prestação do
serviço ou do fornecimento de mercadoria. (SABBAG, 2012, p. 1023). Esta
apuração se dá observando a intenção do cliente: obter um serviço
personalizado, a seu gosto e especificação, materializado em uma mercadoria;
ou obter uma mercadoria interessante por si só, cujo serviço envolvido é
acessório.
Esta tese se aproxima bastante da conceituação adotada por Hugo
Machado. Para o autor, a palavra chave é a destinação: se o produto da
operação mista se destina ao tomador, que fez clara solicitação das suas
necessidades, a atividade é um serviço, e portanto, tributável pelo ISS. Lado
outro, se a destinação do produto é o comércio, onde ficará exposto em uma
prateleira, tem-se a clara intenção comercial de venda de uma mercadoria, fato
gerador do ICMS. (MACHADO, 2010, p. 99)
Não é este, porém, o entendimento de Mauro Luís. O autor expõe em sua
obra que tal interpretação sobre a preponderância de uma ou outra prestação
19
ficou no passado, anterior à edição da LC 116/2003. Com o advento da referida
legislação, notadamente em seu art. 1°, entende-se que haverá a incidência do
ISS sobre o serviço prestado mesmo que este não constitua atividade
preponderante do prestador (LOPES, 2009, p.334). Não se pode olvidar,
porém, que tal serviço deve, primeiramente, constar na lista anexa da LC
116/2003.
Acrescenta ainda o autor que, nos casos em que o serviço não conste na
lista anexa, valerá o regramento constitucional previsto no já citado art. 155,
§2°, IX, “b”, da CF/88, segundo o qual o ICMS incidirá sobre toda a operação
mista. Esta tese, pura e simples, não resolve o conflito existente entre os entes
quando o serviço não está claramente previsto na lista anexa e inclui
fornecimento de mercadoria, pois é justamente a divergência de interpretações,
como já dito, é que gera essa indeterminação.
Marcelo Baptista, por fim, apresenta outra solução para o conflito
mencionado, fazendo clara crítica à doutrina tradicional: é preciso verificar a
natureza jurídica da prestação-fim do contrato (BAPTISTA, 2005, p.299). Para
o autor, se a obrigação do contrato for de dar, consubstanciada em um bem
corpóreo, não há se preocupar com os serviços prestados antes da entrega da
mercadoria, posto que serão prestações-meio, e toda a operação será tributada
pelo ICMS. Lado outro, se a obrigação de resultado for de fazer, os bens
aplicados e utilizados na sua execução não serão mercadorias, ainda que
entregues ao tomador no final, pois se prestaram apenas para dar concretude
ao serviço contratado, que sofrerá apenas a incidência do ISS.
Neste diapasão, o autor acrescenta que, deparando-se com a norma
prevista no já mencionado art. 155, §2°, IX, “b”, da CF/88 – que trata das
operações mistas, a análise anteriormente feita não encontra empecilhos. Isso
porque, se há apenas uma prestação-fim – de dar ou de fazer, não é
concebível reconhecer que haja a “prestação de um serviço com fornecimento
de mercadoria”, mas tão somente prestações de naturezas distintas, com
relações jurídicas diversas, em favor do mesmo sujeito e veiculadas pelo
mesmo instrumento (BAPTISTA, 2005, p. 301).
E conclui:
Prestação de serviços que não aquelas tratadas pelo artigo
155, II da Constituição Federal, será tributada exclusivamente
20
pelo ISS. Ocorrendo concomitantemente operação mercantil
entre as mesmas partes, ela será normalmente tributada em
separado pelo ICMS. (BAPTISTA, 2005, p.303)
As teses e análises expostas pelos autores Eduardo Sabbag, Hugo de Brito
e Marcelo Baptista, transparecem ser as mais viáveis de serem aplicadas nos
casos concretos, não sendo estritamente necessário que haja a escolha de
qualquer uma delas.
Nota-se que todas utilizam critérios sutilmente diferentes para a solução do
conflito existente na tributação de operações mistas. Enquanto a teoria do autor
Sabbag se volta para a preponderância de uma ou outra prestação e a teoria
do Prof. Hugo Machado é sobre a destinação do produto (ao tomador ou ao
comércio), a teoria do autor Marcelo Baptista objetiva extrair a natureza jurídica
da única prestação, se de dar ou de fazer.
Em um simples somatório de ensinamentos doutrinários, tem-se que:
- será tributada pelo ISS a operação cujo serviço se destaca mais em
detrimendo do fornecimento da mercadoria, posto que a obrigação de fazer se
materializa em um produto destinado exclusivamente ao tomador do serviço;
- será tributada pelo ICMS a operação mista cuja mercadoria prepondera
sobre o serviço, uma vez que está sendo fornecida ao comércio por um
empresário vinculado à uma obrigação de dar, não importando como a realize.
Para comprovar a possibilidade de aplicação conjunta das interpretações
acima, tem-se, por exemplo, uma operação mista expressamente prevista na
LC 116/2003, qual seja, a “organização de festas e recepções; bufê”, que
apresenta a seguinte ressalva: “exceto o fornecimento de alimentação e
bebidas, que fica sujeito ao ICMS” – item 17.11. Quis o legislador que a
organização do evento fosse reconhecida como serviço, fato gerador do ISS, e
que eventual fornecimento de bebida e comida sofreria a incidência do ICMS.
Se este caso não estivesse previsto na legislação, e fosse necessária a
aplicação das teses acima mencionadas para solução de um conflito aparente
de incidência dos dois impostos, o resultado seria:
- Tese do Sabbag: na organização de recepção com fornecimento de
comida e bebida, predomina a prestação do serviço, posto que o cliente
contratou o cerimonial ou o promoter para que realizasse um evento conforme
21
suas especificações. Se quisesse tão somente a comida e a bebida, compraria
em qualquer estabelecimento próprio.
- Tese do Machado: o evento ou recepção destina-se às necessidades
específicas do tomador, enquanto o fornecimento de bebidas e comidas
destina-se a qualquer cliente genérico, cuja aquisição pode se dar por diversos
motivos não vinculados.
- Tese do Baptista: a prestação-fim é de fazer, posto que o termo
“organização” pressupõe o empenho de um profissional em realizar uma
obrigação, empregando ou utilizando quaisquer bens materiais para concretizar
o pedido; fornecimento de comida e bebida é acessório ou mero instrumento
para que a recepção ocorra em sua plenitude.
Ora, todas as teses levam a conclusão que o item 17.11 é um serviço, e
que eventual fornecimento de comida e bebida é apartado dessa prestação,
podendo ser incluído no contrato ou não. Logo, coerente a ressalva prevista na
legislação ao reconhecer como circulação de mercadoria o acréscimo destes
bens ao serviço.
Neste diapasão, o entendimento do doutrinador Washington de Barros é
clareador:
“se o devedor tem de dar ou entregar alguma coisa, não
tendo, porém, de fazê-lo previamente, a obrigação é de dar;
todavia, se primeiramente tem ele de confeccionar a coisa
para depois entregá-la, se tem de realizar algum ato, do qual
será mero corolário o de dar, tecnicamente, a obrigação é de
fazer." (MONTEIRO, apud MELO, 2006, p. 66)
A análise e o entendimento das teorias doutrinárias são, em qualquer,
contexto, basilares na solução de um conflito real. Na prática cotidiana, os
tribunais estaduais e superiores já enfrentaram situações das mais diversas em
se tratando de incidência do ISS ou do ICMS nas operações mistas, e mister se
faz elucidar alguns dos casos que servem de paradigma.
4. BREVE ANÁLISE DOS CONFLITOS SOBRE A INCIDÊNCIA DE ISS
OU ICMS JÁ DECIDIDOS PELA JURISPRUDÊNCIA
A combinação dos ensinamentos doutrinários com a interpretação judicial
sobre os conceitos constitucionais pode clarear, e até mesmo solucionar, os
22
conflitos de competência tributária entre os Municípios e Estados na cobrança
do ICMS e do ISS, de forma a preparar o terreno para os conflitos futuros.
Alguns casos semelhantes servem de precedentes para a resolução do conflito
existente quanto à tributação da manipulação de medicamentos, cujo estudo
permite embasar a hipótese defendida.
4.1.
Bares e restaurantes
A prestação de serviço em restaurantes, sempre acrescida do fornecimento
de mercadoria (comidas e bebidas) não consta na lista anexa da LC 116/2003.
Assim, pela análise esquemática anteriormente apresentada, haverá a
incidência apenas do ICMS no valor total da operação, posto tratar-se
exatamente da situação prevista no art. 155, §2°, IX, “b”, da CF/88. É o
entendimento do STJ, pacificado em 1996 através da edição da Súmula n°.
163:
Súmula n°. 163: O fornecimento de mercadoria com a
simultânea prestação de serviços em bares e restaurantes e
estabelecimentos similares constitui fato gerador do ICMS a
incidir sobre o valor total da operação.5
4.2.
Composição gráfica
Outro serviço que sofre a incidência de apenas um imposto, já definido
tanto em legislação quanto na jurisprudência é a composição gráfica. Por
constar na lista anexa da LC 116/2003, no item 13.05, a composição gráfica
“personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de
mercadoria”, está sujeita tão somente ao ISS, ex vi da Súmula n°. 156, do
STJ6.
Tributário - ICM e ISS - Incidência - Decreto-Lei nº 406/68 (art.
8º, § 2º). 1. Os serviços de composição gráfica, não
distinguindo a lei entre os personalizados encomendados e os
genéricos destinados ao público, sujeitam-se à incidência do
ISS. 2. Multifários precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso
5
6
1ª Seção, STJ, julgado em 12/06/1996, DJ 11/11/1996
1ª Seção, STJ, julgado em 22/03/1996, DJ 15/04/1996 p. 11631
23
sem provimento. (REsp 142.339/SP, Rel. Ministro MILTON
LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2000,
DJ 26/03/2001, p. 371)
4.3.
Programas de computador e gravação de vídeo/foto-filmagem
A criação de um programa de computador para comercialização (Item 1.04
da lista anexa a LC 116/2003), seguida de licenciamento para uso, foi alvo de
conflito entre Municípios e Estados quando aqueles entenderam que o ato se
tratava de serviço, cuja tributação deveria incidir sobre o valor do CD/pen drive
entregue ao cliente.
O STF decidiu que o licenciamento ou a cessão de direito ao uso de
determinado programa de computador seria mesmo fato gerador do ISS, pois
há clara prestação de um serviço. Lado outro, a comercialização de software
em larga escala (“software de prateleira”) constitui a venda de mercadoria por
si só, sujeita, portanto, ao ICMS. Eis o julgado paradigma deste entendimento:
I.Recurso extraordinário : prequestionamento mediante
embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o
que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente
omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos
embargos declaratórios". Mas se, opostos, o Tribunal a quo se
recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada
mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ
19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência
possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e
mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de
competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a
controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é
questão constitucional em que se pode fundar o recurso
extraordinário. III. Programa de computador ("software"):
tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por
objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as
operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso
de programas de computador" " matéria exclusiva da lide
", efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa
impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja
também a subtrair do campo constitucional de incidência do
ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas
de computador produzidos em série e comercializados no
varejo - como a do chamado "software de prateleira" (off the
shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da
criação intelectual do programa, constituem mercadorias
postas no comércio. (negritei) (RE 176626, Relator: Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em
10/11/1998, DJ 11/12/1998)
24
O mesmo se aplica aos casos de gravação de vídeo ou foto-filmagem: se a
empresa for contratada para a gravação de um evento particular, basicamente
exclusivo, o serviço se sujeita ao ISS; se contratada para gravar vídeos em
série, cujo produto será amplamente produzido e vendido, haverá incidência do
ICMS sobre a mercadoria. Isso porque, conforme se extrai das doutrinas vistas,
a personificação do serviço, moldada às necessidades do tomador/cliente,
caracterizam a obrigação de fazer, enquanto que a produção em série da
mercadoria tem em sua essência uma obrigação de dar. Neste sentido:
ICMS: incidência: comercialização, mediante oferta ao público,
de fitas para "vídeo-cassete" gravadas em série. Tal como
sucede com relação ao computadores (cf. RE 176626,
Pertence, 11.12.98), a fita de vídeo pode ser o exemplar de
uma obra oferecido ao público em geral " e nesse caso não
seria lícito negar-lhe o qualificativo de mercadoria ", ou o
produto final de um serviço realizado sob encomenda, para
atender à necessidade específica de determinado
consumidor, hipótese em que se sujeita à competência
tributária dos Municípios. Se há de fato, comercialização de
filmes para "vídeo- cassete", não se caracteriza, para fins de
incidência do ISS municipal, a prestação de serviços que se
realiza sob encomenda com a entrega do serviço ou do seu
produto e não com sua oferta ao público consumidor. (negritei)
(RE 191732, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira
Turma, julgado em 04/05/1999, DJ 18/06/1999)
O entendimento foi, inclusive, consolidado na Súmula n°. 662, do STF,
segundo a qual “é legítima a incidência do ICMS na comercialização de
exemplares de obras cinematográficas, gravados em fitas de videocassete”.7
Nota-se que o termo “exemplares” remete à oferta múltipla de cópias ao público
geral.
4.4.
Provedor de Internet
O serviço de comunicação é objeto da incidência do ICMS, por expressa
previsão no art 155,II, da CF/88. O sujeito da relação tributária é a pessoa que
proporciona os meios de comunicação, como as empresas de telefonia fixa e
móvel (art. 4º da LC 87/1996 – Lei Kandir). No entanto, comumente é ofertado
7
Sessão Plenária do STF de 24/9/2003, Publicada no DJ de 9/10/2003.
25
aos clientes o serviço de provedor de internet em conjunto com a telefonia,
questionando-se se estaria incluso no serviço de comunicação sujeito ao ICMS.
O STJ, diante da acirrada divergência, sumulou o entendimento de que “o
ICMS não incide no serviço de provedores de acesso a Internet” (Súmula n°.
334)8, uma vez que o provedor de internet apenas incorpora facilidades a um
serviço existente9.
Assim, valendo-se do conceito empregado pela Lei n°. 9.472, de
16/07/1997, que trata da organização dos serviços de telecomunicações, o
serviço de internet é mero serviço de valor adicionado, que utiliza o serviço de
telecomunicação como suporte para se desenvolver (art. 61, §1°, da Lei n°.
9.472/1997). É o que se extrai do julgado do c. STJ:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. SERVIÇOS
PRESTADOS PELOS PROVEDORES DE ACESSO A
INTERNET. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. ART.
61, § 1º, DA LEI N. 9.472/97. NÃO INCIDÊNCIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 1. A Lei nº 9.472/97,
que dispõe sobre a organização dos serviços de
telecomunicações, em seu art. 61, caput, prevê: "(...)". 2. O
serviço de conexão à Internet, por si só, não possibilita a
emissão, transmissão ou recepção de informações,
deixando de enquadrar-se, por isso, no conceito de serviço
comunicacional. Para ter acesso à Internet, o usuário deve
conectar-se a um sistema de telefonia ou outro meio eletrônico,
este sim, em condições de prestar o serviço de comunicação,
ficando sujeito à incidência do ICMS. O provedor, portanto,
precisa de uma terceira pessoa que efetue esse serviço,
servindo como canal físico, para que, desse modo, fique
estabelecido o vínculo comunicacional entre o usuário e a
Internet. É esse canal físico (empresa de telefonia ou outro
meio comunicacional) o verdadeiro prestador de serviço de
comunicação, pois é ele quem efetua a transmissão, emissão e
recepção de mensagens. 3. A atividade exercida pelo
provedor de acesso à Internet configura na realidade, um
"serviço de valor adicionado": pois aproveita um meio
físico de comunicação preexistente, a ele acrescentando
elementos que agilizam o fenômeno comunicacional. 4. A
Lei n° 9.472/97 (...) E dessa menção ao direito positivo já se
percebe que o serviço de valor adicionado, embora dê suporte
a um serviço de comunicação (telecomunicação), com ele não
se confunde. 5. A função do provedor de acesso à Internet não
é efetuar a comunicação, mas apenas facilitar o serviço
comunicação prestado por outrem. 6. Aliás, nesse sentido
posicionou-se o Tribunal: "(...)." (RESP nº 456.650/PR, Voto
8
9
1ª Seção, julgado em 13/12/2006, DJe 14/2/2007 p. 246
REsp n°. 456.650/PR, 2ªT/STJ, Relª Minª. Eliana Calmon, Dje 24/06/2003.
26
Vista Ministro Franciulli Netto) 7. Consectariamente, o serviço
de valor adicionado, embora dê suporte a um serviço de
comunicação (telecomunicação), com ele não se confunde,
pois seu objetivo não é a transmissão, emissão ou recepção de
mensagens, o que, nos termos do § 1º, do art. 60, desse
diploma legal, é atribuição do serviço de telecomunicação. 8.
(...) 12. Consectariamente, a cobrança de ICMS sobre
serviços prestados pelo provedor de acesso à Internet
violaria o princípio da tipicidade tributária, segundo o qual o
tributo só pode ser exigido quando todos os elementos da
norma jurídica - hipótese de incidência, sujeito ativo e passivo,
base de cálculo e alíquotas - estão contidos na lei. 13.
Precedentes jurisprudenciais. 14. Recurso especial provido.
(REsp 511.390/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 19/05/2005, DJ 19/12/2005, p. 213)
4.5.
Diárias hospitalares
A questão envolvendo as diárias hospitalares surgiu a partir da inclusão
destas, dos medicamentos e da alimentação cobrada dos pacientes na
base de cálculo do ISS. O conflito é anterior a LC 116/2003, a solução
tomou por base o DL 406/68. O c. STJ entendeu, ao dirimir o caso concreto,
que o valor da diária hospitalar cobrada do cliente inclua eventual
alimentação e medicação que necessitasse, ainda que o mesmo não
fizesse uso destes itens.
Assim, considerando que a assistência médica é um serviço (Item 4 e
subseqüentes da lista anexa a LC 116/2003), as diárias hospitalares
sofrerão incidência do ISS, ainda que incluam o valor dos medicamentos e
da alimentação dos pacientes hóspedes. Eis as decisões do STJ:
TRIBUTÁRIO - IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) HOSPITAIS - BASE DE CÁLCULO - INCIDÊNCIA PRECEDENTES. - As diárias hospitalares estão sujeitas à
incidência do ISS, mesmo envolvendo o valor referente aos
medicamentos e a alimentação. - Recurso conhecido pela letra
"c" e provido. (REsp 130.621/CE, Rel. Ministro FRANCISCO
PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
28/09/1999, DJ 27/03/2000, p. 84)
O entendimento deu origem a Súmula n°. 274, que reafirmou que “o
ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles
27
as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.”10. Com a publicação
da LC 116/2003, a questão restou pacificado, como se observa na ementa
abaixo:
TRIBUTÁRIO.
ISS.
DIÁRIAS
HOSPITALARES.
MEDICAMENTOS E ALIMENTAÇÃO. INCLUSÃO. SÚMULA
274/STJ. 1. "O ISS incide sobre o valor dos serviços de
assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os
medicamentos e as diárias hospitalares." (Súmula 274/STJ). 2.
O art. 8º do DL 406/68, com a redação alterada pelo DL
834/69, dispõe, com a eminência de lei complementar, que os
serviços descritos na Lista sujeitam-se ao ISS, ainda que a
operação envolva fornecimento de mercadoria. Deveras, os
serviços de assistência médica integram a Lista de serviços
tributáveis. 3. Recurso Especial desprovido. (REsp 540.327/RJ,
Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em
28/10/2003, DJ 19/12/2003, p. 361)
5. DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA NA INCIDÊNCIA DE ISS OU ICMS
NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS
O Item 4.07 da lista anexa a LC 116/2003 prevê como serviço tributável
pelo ISS os “serviços farmacêuticos”. A competência tributária para cobrar
tal serviço, como se sabe, é dos Municípios, conforme determinado pelo art.
156, II, da CF/88. Alguns Estados, no entanto, entendem que o específico
serviço de manipulação de medicamentos, que resulta em um bem
manipulado (remédio, cremes, vitaminas e outros), é tributável pelo ICMS.
Para os Municípios, a manipulação de medicamentos é um tipo de
serviço farmacêutico, conforme previsto na legislação, e deve ser analisado
como
uma
obrigação
de
fazer
do
farmacêutico
em
relação
ao
cliente/tomador, que o procura para elaboração de um produto às suas
condições. Não só a essência da atividade é a prestação de um serviço,
mas também a própria natureza daquela mercadoria fornecida, que só
existe em razão da atuação do prestador.
Lado outro, os Estados alegam que a manipulação de medicamentos
não está incluída nos “serviços farmacêuticos” previstos na LC 116/2003, e
que o produto manipulado é uma mercadoria, devendo ser toda a operação
tributada pelo ICMS. Entendem, portanto, tratar-se de uma obrigação de
10
1ª Seção, STJ - julgado em 12/02/2003, DJ 20/02/2003, p. 153.
28
dar, pouco importando para o cliente como o produto foi confeccionado para
lhe ser entregue.
A questão, levada aos tribunais após diversas autuações fiscais aos
contribuintes pelos entes envolvidos, foi dirimida conforme alguns dos
julgados abaixo:
Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária Manipulação de fórmulas magistrais - Atividade mista, em que
há concomitância de prestação de serviço e fornecimento de
mercadoria - Hipótese de incidência do ISSQN, conforme
entendimento do Superior Tribunal de Justiça - Dá-se
provimento ao recurso” (TJSP - Apelação nº 001061467.2008.8.26.0363, Relª. Desª Beatriz Braga, DJ 29.08.2013 negritei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM DECLARATÓRIA.
TRIBUTÁRIO. ICMS. FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO.
INCIDÊNCIA EXCLUSIVA DO TRIBUTO MUNICIPAL.
PRECEDENTES DO STJ. DECISUM INCÓLUME PAUTADA
NOS DITAMES LEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO.(TJBA, AI n°.
0006544-09.2011.8.05.0000, relª. Desª. Maria da Graça Osório
Pimentel Leal, Segunda Câmara Cível, Data de Julgamento:
28/08/2012 – negritei)
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO
DECLARATÓRIA
DE INEXISTÊNCIA
DE
RELAÇÃO
JURÍDICO- TRIBUTÁRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS ATIVIDADE MISTA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E
CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS - INCIDÊNCIA DE ISS ART. 1º, § 2º DA LEI COMPLEMENTAR Nº: 116/2003 ENQUADRAMENTO NO ITEM 4.07 DA LISTA ANEXA À
REFERIDA LEI - PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DO ICMS
RECOLHIDO INDEVIDAMENTE - TRIBUTO INDIRETO ILEGITIMIDADE ATIVA DO CONTRIBUINTE DE DIREITO
QUANDO NÃO COMPROVADA UMA DAS HIPÓTESES DO
ART. 166 DO CTN - ENTENDIMENTO PREDOMINANTE
NESTE TRIBUNAL E NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- RECURSOS DO ESTADO DO PARANÁ E BOTICA
PHARMADERM FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA A QUE
SE NEGA PROVIMENTO - SENTENÇA MANTIDA EM SEDE
DE REEXAME. (TJPR – CJ n° 11374288 PR n°.1137428-8,
Rel. Des. Antônio Renato Strapasson, 2ª Câmara Cível, Data
de Publicação: DJ: 1291 05/03/2014 - negritei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA.
FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. ICMS. ADVENTO DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 116/03. INCIDÊNCIA ISSQN. DECISÃO
ATACADA INDEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA QUE VISAVA SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO
ISSQN. (...) A Segunda Turma do STJ firmou entendimento
29
de que a partir da edição da Lei Complementar nº 116/03 o
fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias
estão sujeitos à incidência do ISSQN e não ao ICMS.
Agravante continua recolhendo o ICMS e comprova o depósito
judicial do ISSQN esclarecendo na inicial que pretende
depositar os valores do ISSQN no curso da ação. O perigo
iminente de dano irreparável ou de difícil reparação se extrai da
possibilidade de inscrição na dívida ativa municipal e
consequente exclusão do Simples Nacional e inviabilidade de
continuação da atividade da agravante. Em vista a
documentação acostada pela agravante e do depósito judicial
do ISSQN (outubro/2010), entendo que se encontra presente a
verossimilhança e a prova inequívoca das alegações da
Agravante. (...)(TJRJ – AI n°. 661180720108190000 RJ n°.
0066118-07.2010.8.19.0000, Relª Desª. Teresa Castro Neves,
Data de Julgamento: 20/04/2011, Sexta Câmara Civel, Data de
Publicação: 27/05/2011 – ementa parcial, negritei)
EMENTA:
APELAÇÃO
CÍVEL
TRIBUTÁRIO
MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS - INCLUSÃO EM LISTA
DE SERVIÇOS AFETOS AO ISS - NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS
- REPETIÇÃO DE INDÉBITO - INTELIGÊNCIA DO ART. 166,
DO CTN - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA REFORMADA
PARCIALMENTE. No caso de atividades que envolvam tanto a
prestação de serviço quanto o fornecimento de mercadoria,
incidirá o ISS sempre que o serviço estiver descrito na lista de
serviços anexa à LC nº 116/2003, ao passo que, quando o
serviço não estiver previsto na referida Lei, incidirá o ICMS.
Estando os serviços farmacêuticos incluídos no item 4.07,
da lista de serviços anexa à LC nº 116, de 2003, a
manipulação de medicamentos é fato gerador do ISS, não
sujeita ao ICMS. De acordo com o art. 166, do CTN, para que
fosse possível a repetição do ICMS, a autora deveria ter
demonstrado que assumiu encargo financeiro do tributo sem
repassá-lo ao contribuinte de fato ou então que os contribuintes
de fato a autorizaram a reclamar o recolhimento indevido, o
que não ocorreu no caso dos autos, sendo imperiosa a
improcedência do pedido de repetição do indébito. (TJMG Ap Cível/Reex Necessário n°. 1.0433.09.309880-7/001, Relator
Des. Edilson Fernandes , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
11/02/2014, publicação da súmula em 25/02/2014)
Extrai-se
da
citada
jurisprudência
que
alguns
tribunais
estaduais
consideram a manipulação de medicamentos um serviço farmacêutico e,
portanto, incluída no item 4.07 da lista anexa à LC 116/2003. Se previsto o
serviço na lista anexa, deverá incidir tão somente o ISS, ainda que seja uma
operação mista e conte com o fornecimento de mercadoria.
O c. STJ, tratando dos diversos casos que lhe foram postos para
julgamento, tem se firmado no mesmo sentido, posto não só tratar-se de um
serviço farmacêutico (e constante na lista anexa a LC116/2003) como também
30
por ser uma atividade que se constituiu obrigação de fazer, consubstanciada
em um produto que não existiria sem a atuação do prestador. É o que conclui
da leitura destes julgamentos:
CONSTITUCIONAL.
TRIBUTÁRIO.
DELIMITAÇÃO
DA
COMPETÊNCIA
TRIBUTÁRIA
ENTRE
ESTADOS
E
MUNICÍPIOS. ICMS E ISSQN. CRITÉRIOS. SERVIÇOS
FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS.
SERVIÇOS INCLUÍDOS NA LISTA ANEXA À LC 116/03.
INCIDÊNCIA DE ISSQN. 1. Segundo decorre do sistema
normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF,
art. 2º, IV da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC 116/03), a
delimitação dos campos de competência tributária entre
Estados e Municípios, relativamente a incidência de ICMS e de
ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: (a) sobre
operações de circulação de mercadoria e sobre serviços de
transporte interestadual e internacional e de comunicações
incide ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços
compreendidos na lista de que trata a LC 116/03, incide
ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que
agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o
serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a
LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não
estiver previsto na referida lista. Precedentes de ambas as
Turmas do STF. 2. Os serviços farmacêuticos constam do
item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos
à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa
Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por
farmácias, por constituir operação mista que agrega
necessária e substancialmente a prestação de um típico
serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas a
ISSQN. 3. Recurso provido. (REsp n°. 881.035/RS, Rel.
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 06/03/2008, DJe 26/03/2008 - negritei)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ISSQN. SERVIÇOS FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE
MEDICAMENTOS. SERVIÇOS CONSTANTES NO ITEM 4.07
DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR Nº 116/2003. 1. O
fornecimento de medicamentos manipulados, entendido como
uma operação mista, ou seja, que agrega mercadoria e serviço,
está sujeito a ISSQN e, não, a ICMS, tendo em vista que é
atividade equiparada aos "serviços farmacêuticos",
expressamente previstos no item 4.07 da lista anexa à Lei
Complementar nº 116/2003. Precedentes. 2. Agravo regimental
improvido. (AgRg no Ag n°. 1212016/PE, Rel. Ministro
HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
25/05/2010, DJe 15/06/2010 - negritei)
TRIBUTÁRIO. ISSQN. SERVIÇOS DE MANIPULAÇÃO DE
MEDICAMENTOS. INCIDÊNCIA. ATIVIDADE QUE CONSTA
NA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 118/03. SÚMULA
31
83/STJ. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. VIOLAÇÃO DO
ART. 557 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA
COLEGIALIDADE. PRESERVAÇÃO POR OCASIÃO DO
JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Discute-se nos
autos a incidência do ISSQN na atividade de manipulação de
fórmulas farmacêuticas. 2. Defende a recorrente que as
atividades desempenhadas pelas farmácias de manipulação
não se inserem no campo de incidência da referida exação, por
expressa vontade do legislador, quando da elaboração da Lei
Complementar n. 116/2003, que em momento algum
mencionou a manipulação de fórmulas no subitem 4.07 da lista
anexa de serviço, como hipótese de incidência do tributo
municipal. 3. A jurisprudência desta Corte orienta-se no
sentido de que o fornecimento de medicamentos
manipulados, operação mista que agrega mercadoria e
serviço, está sujeito a ISSQN e, não, o ICMS, tendo em vista
que é atividade equiparada aos "serviços farmacêuticos". 4. (...)
(AgRg no REsp n°. 1447225/GO, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe
07/05/2015 – ementa parcial, negritei)
Entendimento diverso não foi manifestado nos seguintes acórdãos,
que fortaleceram a jurisprudência do STJ a favor da incidência tão somente do
ISS nos casos de manipulação de medicamentos: AgRg no AREsp n°.
445.591/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em
18/11/2014, DJe 24/11/2014; AgRg no Ag 1.389.891/MG, Rel. Ministro Arnaldo
Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 21/06/2012, DJe 02/08/2012; REsp
n°. 975.105/RS, Segunda Turma, Rel.Min. Herman Benjamin, DJe de 9.3.2009.
Nota-se que, em 2010, o Ministro Benedito Gonçalves fundamentou
seu voto através da considerável diferença entre a mercadoria encomendada e
a mercadoria “de prateleira”, objetivando demonstrar que a manipulação de um
medicamento é, sem dúvida, um serviço feito por encomenda:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL. ICMS. SERVIÇOS DE
MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. NÃO INCIDÊNCIA.
ATIVIDADE QUE CONSTA NA LISTA ANEXA À LEI
COMPLEMENTAR 118/03. SUBMISSÃO AO ISSQN. (...) O
que se agrega são os produtos utilizados pelo técnico à
consecução de seu ofício, e não, como pretende o agravante, a
mercadoria ao serviço por ele executado. Na verdade, o
negócio jurídico travado, diga-se, a manipulação de fórmulas
medicamentosas sob encomenda, diz respeito à atividade do
profissional. O discrímen está na opção daquele que busca a
fórmula e privilegia o labor do técnico farmacêutico ao invés de
optar pelo medicamento industrializado, dito "de prateleira".
(AgRg no REsp n°. 1158069/PE, Rel. Ministro BENEDITO
32
GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010,
DJe 03/05/2010)
Ademais, o fundamento acima guarda estrita relação e coerência com
outro já manifestado pelo STJ, segundo o qual é devida a incidência do ISS
sobre serviço realizado por encomenda – entendimento este que serviu de
base para a solução do já mencionado conflito sobre gravação e distribuição de
filmes. Súmula 135 - O ICMS não incide na gravação e distribuição de filmes e
videoteipes.11
TRIBUTÁRIO - ISS - SERVIÇO FEITO POR ENCOMENDA NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS - SÚMULA 135 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Consoante entendimento
pacificado no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, em se
tratando de serviço realizado por encomenda, não incide o
ICMS mas sim o ISS. 2. Precedentes do Colendo STF e deste
STJ. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no REsp
406.805/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 10/12/2002, DJ 03/02/2003, p. 272)
De todos os casos similares enfrentados pelo STJ, um caso em específico
merece destaque. Em 2007, o STJ recebeu um Recurso Especial interposto
por DERMAPELLE FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO LTDA, FHD FARMÁCIA
DE
MANIPULAÇÃO
LTDA
e
FARMACENTER
–
FARMÁCIA
DERMATOLÓGICA CENTER LTDA nos autos do processo n°. 70007970825,
que tramitava no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento da
apelação pela 2ª instância restou assim ementado:
DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ICMS. ISS.
MANIPULAÇÃO,
AVIAMENTO
E
VENDA
DE
MEDICAMENTOS. OPERAÇÃO MISTA. INCIDÊNCIA DO
ICMS SOBRE O VALOR TOTAL DA OPERAÇÃO. SENDO
CASO DE INCIDÊNCIA DE ICMS, NÃO SE COGITA DE O
FATO GERADOR DAR ENSEJO AO ISSQN. HAVENDO
CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (OBRIGAÇÃO DE DAR,
E NÃO DE FAZER), INCIDE O IMPOSTO ESTADUAL. NO
DIZER DE HUGO DE BRITO MACHADO “OPERAÇÕES
RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS SÃO
QUAISQUER ATOS OU NEGÓCIOS, INDEPENDENTEMENTE
DA NATUREZA JURÍDICA ESPECÍFICA DE CADA UM
DELES, QUE IMPLICAM MUDANÇA DE PROPRIEDADE DAS
MERCADORIAS, DENTRO DA CIRCULAÇÃO ECONÔMICA
QUE AS LEVA DA FONTE ATÉ O CONSUMIDOR” (CURSO
11
1ª Seção, STJ, julgado em 09/05/1995, DJ 16/05/1995 p. 13549
33
DE DIREITO TRIBUTÁRIO, MALHEIROS, 1997, P. 263). O
FATO DE A AUTORA CONFECCIONAR, MANIPULAR E
TRANSACIONAR MEDICAMENTOS AGREGANDO OUTROS
ELEMENTOS AOS SAIS BÁSICOS, DEMONSTRA QUE
ESTÁ A PRODUZIR UM BEM MÓVEL, O QUAL SE
CONSTITUI
EM
MERCADORIA.
PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS.
SENTENÇA
CONFIRMADA;
APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70007970825,
Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 23/02/2005 - negritei)
Diferentemente de outros tribunais estaduais, que vinham adotando o
entendimento segundo o qual a operação mista de manipulação de
medicamento é fato gerador tão somente do ISS, o TJRS reconheceu a
incidência do ICMS na operação descrita. Analisando-se o inteiro teor do
acórdão que deu origem a ementa acima, tem-se que, segundo o Relator, Des.
Túlio de Oliveira Martins:
Trata-se, pois, como já supra referido, de operação mista, em
relação à qual, desde que prevaleça a mercadoria sobre o
labor, tem incidência o ICMS. Na espécie dos autos, não resta
a menor dúvida a respeito da prevalência da mercadoria sobre
o serviço, o qual (manipulação,embalagem, etc) é mera etapa
para o adimplemento do negócio.
(...)
O bem da vida buscado pelo consumidor em uma farmácia de
manipulação é o medicamento e não o serviço prestado, o qual
é apenas meio para a obtenção do produto. A hipótese é
bastante semelhante ao fornecimento de bebidas e refeições
em bares e restaurantes, a qual é tributada por imposto de
circulação de mercadoria na forma da melhor jurisprudência do
Egrégio Supremo Tribunal Federal, como se constata em RTJ
68/98, RTJ 89/281, TRTJ 97/345 e RDA 118/155. (Apelação
Cível Nº 70007970825, inteiro teor, p. 4/7)
O exmo Revisor, Des. Roque Joaquim Volkweiss, acompanhando o voto
de relatoria, acrescentou que:
Então, havendo, como no caso dos autos, o fornecimento da
matéria-prima pelo produtor dos medicamentos, e não pelo
respectivo encomendante, é o quanto basta para que a
tributação fique a cargo do ICMS. A diferença, como se vê,
está no fornecimento da matéria-prima: se pelo produtor, a
operação se sujeita ao ICMS e, se pelo encomendante, a
operação se sujeita ao ISS. (Apelação Cível Nº 70007970825,
inteiro teor p. 13)
34
Por fim, o exmo 1° vogal, Des. Adão Sérgio Do Nascimento Cassiano,
selou o acórdão de julgamento da apelação à unanimidade, para não menos
reconhecer que a manipulação de medicamentos deve sofrer apenas
incidência do ICMS. Em suas palavras:
Assim, para que os medicamentos manipulados não sejam
tributados pelo ICMS, e sim pelo ISS municipal, é
imprescindível que eles sejam considerados prestações de
serviços, e não sejam considerados nem mercadorias e nem
produtos industrializados, pois, na hipótese contrária, a
tributação será pelo ICMS estadual e pelo IPI, e não pelo ISS
municipal.
E aí o que faria a distinção seria somente a questão da
personalização, à semelhança dos impressos personalizados
da Súmula nº 156 do STJ, pois sendo o remédio proveniente
de receita para determinado paciente, não poderia ser utilizado
por outro.
A personalização, todavia, não é certamente nota fundamental
para distinção de tal envergadura e de relevantes efeitos, pois
a matéria é de ordem constitucional, como já referido. ( inteiro
teor p. 21)
Em suma, decidiu o TJRS que a questão envolvendo a incidência de
ICMS ou ISS na manipulação de medicamentos deve levar em conta a
preponderância da mercadoria sobre o serviço prestado; o interesse do cliente
na obtenção de um produto, e não de um serviço; a origem da matéria-prima
para confecção do produto encomendado; e, em menor grau, a personalização
do pedido feito, não podendo ser ofertado a nenhum outro cliente.
Convém mencionar que a decisão não foi a única neste mesmo sentido,
havendo outros acórdãos proferidos pelos desembargadores do eg. TJRS que
também decidiram pela incidência do ICMS na manipulação de medicamentos,
a saber: Apelação Cível Nº 598358901, Primeira Câmara Cível, TJRS, Relator:
Fabianne Breton Baisch, Julgado Em 07/02/2001; Apelação Cível Nº
70009955352, Segunda Câmara Cível, TJRS, Relator: Roque Joaquim
Volkweiss, Julgado Em 03/11/2004; Apelação Cível Nº 70004523775, Segunda
Câmara Cível, TJRS, Relator: José Luiz John Dos Santos, Julgado Em
29/09/2004; Apelação Cível Nº 70005905070, Segunda Câmara Cível TJRS,
Relator: Maria Isabel De Azevedo Souza, Julgado Em 30/04/2003; Apelação
Cível Nº 70005741202, Primeira Câmara Cível, TJRS, Relator: Carlos Roberto
Lofego
Canibal,
Julgado
Em
08/10/2003;
Embargos
Infringentes
n°.
35
70001064922, Relator Desembargador Marco Aurélio Heinz. ( inteiro teor p.
4/7).
Nos autos do processo julgado pelo Des. Túlio de Oliveira Martins, as já
mencionadas empresas farmacêuticas, inconformadas com a decisão de 2ª
instância, interpuseram Recurso Especial ao c.STJ, distribuído sobre o número
975105/RS, e autuado em 08/08/2007.
O Tribunal Superior manteve coerência com os julgamentos que já vinha
proferindo em casos semelhantes, e reformou o acórdão estadual ao dar
provimento ao recurso especial, reconhecendo, enfim, a incidência exclusiva do
imposto Municipal. Não sobeja reproduzir a ementa:
TRIBUTÁRIO. ISS. FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO.
PREPONDERÂNCIA DO SERVIÇO OU DA MERCADORIA.
IRRELEVÂNCIA. LISTA DE SERVIÇOS. INCIDÊNCIA
EXCLUSIVA DO TRIBUTO MUNICIPAL. 1. Hipótese em que o
Tribunal de origem entendeu incidir exclusivamente o
ICMS sobre o preparo, a manipulação e o fornecimento de
medicamentos por farmácias de manipulação, pois haveria
preponderância da mercadoria em relação ao serviço. 2. O
critério da preponderância do serviço ou da mercadoria,
adotado pela redação original do CTN de 1966 (art. 71,
parágrafo único), foi logo abandonado pelo legislador. A
CF/1967 (art. 25, II) previu a definição dos serviços pela
legislação federal. O DL 406/1968 revogou o art. 71 do CTN e
inaugurou a sistemática da listagem taxativa, adotada até a
atualidade (LC 116/2003). 3. A partir do DL 406/1968 (art. 8º, §
1º), os serviços listados submetem-se exclusivamente ao ISS,
ainda que envolvam o fornecimento de mercadorias. A regra é
a mesma na vigência da LC 116/2003 (art. 1º, § 2º). A
preponderância do serviço ou da mercadoria no preço final
é irrelevante. 4. O Superior Tribunal de Justiça prestigia esse
entendimento em hipóteses análogas (serviços gráficos, de
construção civil, hospitalares etc.), conforme as Súmulas 156,
167 e 274/STJ. 5. Os serviços prestados por farmácias de
manipulação, que preparam e fornecem medicamentos sob
encomenda, submetem-se à exclusiva incidência do ISS
(item 4.07 da lista anexa à LC 116/2003). Precedente da
Primeira Turma. 6. Recurso Especial provido. (REsp
975.105/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 09/03/2009 - negritei)
Por fim, o Estado do Rio Grande do Sul se viu legítimo a recorrer para
última instância, na esperança de obter a reforma do acórdão e a manutenção
das decisões primevas a seu favor (a sentença de 1° instância e o acórdão
estadual). O Recurso Extraordinário n°. 605.552, dirigido ao Supremo
36
Tribunal Federal, foi julgado sob Relatoria do Min. Dias Toffoli, e culminou no
reconhecimento (a pedido) da Repercussão Geral da matéria sob o Tema n°.
379: Imposto a incidir em operações mistas realizadas por farmácias de
manipulação.
Eis a ementa da decisão do STF:
Tributário. ISS. ICMS. Farmácias de manipulação.
Fornecimento de medicamentos manipulados. Hipótese de
incidência. Repercussão geral. 1. Os fatos geradores do ISS e
do ICMS nas operações mistas de manipulação e fornecimento
de medicamentos por farmácias de manipulação dão margem a
inúmeros conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência.
Trata-se, portanto, de matéria de grande densidade
constitucional.
2.
Repercussão
geral
reconhecida.
(RE 605552/RG, Relator Min. DIAS TOFFOLI, julgado em
31/03/2011, DJe-090 DIVULG 13-05-2011 PUBLIC 16-05-2011
- negritei)
As fundamentações utilizadas pelo Ministro Relator demonstram que a questão
Considero ser necessário o enfrentamento por esta corte do
tema de fundo à luz do arcbouço normativo constitucional e
infraconstitucional e da jurisprudência. Entendo que a matéria
transcende o interesse sujetivo das partes e possui grande
densidade constitucional, na medida em que, no extraordinário,
se discute os fatos geradores do ISS e do ICMS nas operações
mistas de manipulação e fornecimento de medicamentos por
farmácias de manipulação, os quais dão margem a inúmeros
conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência. (RE
605552/RG, inteiro teor)
Os autos encontram-se conclusos ao relator desde 02/02/2015, e a
insegurança dos contribuintes paira entre a disputa dos Estados e Municípios
pela tributação da prestação de manipulação e fornecimento de medicamentos.
Resta, por fim, comprovar qual imposto deverá incidir na prestação objeto da
Repercussão Geral – Tema n°. 379.
5.1.
Da
exclusiva
incidência
do
ISS
na
manipulação
de
medicamentos
O art. 37 da CF/88 prevê:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
37
impessoalidade, moralidade,
também, ao seguinte: (...)
publicidade
e
eficiência
e,
Ainda que a Lei Maior seja de 1988, a organização da administração
pública direta e indireta é disposta no Decreto-Lei n°. 200/1967, que, no que
interessa, assim definiu:
Art. 4° A Administração Federal compreende: (...)
II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes
categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica
própria:
a) Autarquias; (...)
Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:
I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para
executar atividades típicas da Administração Pública, que
requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada.
No âmbito das autarquias, foram criadas as agências reguladoras, que
são autarquias sob regime especial e que visam dar maior eficiência à atuação
da Administração indireta. Possuem maiores privilégios que as autarquias
comuns e considerável independência normativa, decisória, instrumental,
orçamentária, política, organizacional e financeira. É o que ensina o doutrinador
Diógenes Gasparini:
Com a implementação da política que transfere para o setor
particular a execução dos serviços públicos e reserva para a
Administração Pública a regulamentação, o controle e a
fiscalização da prestação desses serviços aos usuários e a ela
própria, o Governo Federal, dito por ele mesmo, teve a
necessidade de criar entidades para promover, com eficiência,
essa regulamentação, controle e fiscalização, pois não
dispunha de condições para enfrentar a atuação dessas
parcerias. Tais entidades, criadas com essa finalidade e poder,
são as agências reguladoras. São criadas por lei como
autarquia de regime especial recebendo os privilégios que a lei
lhes outorga, indispensáveis ao atingimento de seus fins. São
entidades, portanto, que integram a Administração Pública
Indireta. (GASPARINI, 2000. p. 342)
No que tange à saúde, foi criada a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária – ANVISA (Lei n°. 9.782, de 26 de janeiro de 1999), vinculada ao
Ministério da Saúde e integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Sua
38
atuação inclui todos os setores e serviços que possam afetar a saúde da
população brasileira, tanto na regulação sanitária quanto na regulação
econômica do mercado.
Paralelamente, ainda no intuito de descentralização da administração
público e de promover maior controle e fiscalização dos serviços, foram criados
os Conselhos Federais – autarquias federais criadas por lei cuja função,
delegada pela União, está voltada para a fiscalização das classes profissionais.
O STF já reconheceu a natureza jurídica dos conselhos de fiscalização
profissional, que exercem função típica do Estado e são considerados
integrantes da administração indireta, na qualidade de autarquias.
ADMINISTRATIVO.
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.
CONSELHO
DE
FISCALIZAÇÃO
PROFISSIONAL.
EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CF.
NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA. FISCALIZAÇÃO.
ATIVIDADE TÍPICA DE ESTADO. 1. Os conselhos de
fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e
ostentando personalidade jurídica de direito público,
exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a
fiscalização do exercício profissional, submetem-se às
regras encartadas no artigo 37, inciso II, da CB/88, quando
da contratação de servidores. 2. Os conselhos de fiscalização
profissional têm natureza jurídica de autarquias, consoante
decidido no MS 22.643, ocasião na qual restou consignado
que: (i) estas entidades são criadas por lei, tendo
personalidade jurídica de direito público com autonomia
administrativa e financeira; (ii) exercem a atividade de
fiscalização de exercício profissional que, como decorre do
disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, é atividade
tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar contas ao
Tribunal de Contas da União. 3. A fiscalização das profissões,
por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o
poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada
(ADI 1.717), excetuando-se a Ordem dos Advogados do Brasil
(ADI 3.026). 4. In casu, o acórdão recorrido assentou:
EMENTA: REMESSA OFICIAL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSELHO
PROFISSIONAL. NÃO ADSTRIÇÃO À EXIGÊNCIA DE
CONCURSO PÚBLICO, PREVISTA NO ART. 37, II, DA CF.
PROVIMENTO. I – Os conselhos profissionais, não obstante
possuírem natureza jurídica autárquica conferida por lei, estão,
no campo doutrinário, classificados como autarquias
corporativas, não integrando a Administração Pública, mas
apenas com esta colaborando para o exercício da atividade de
polícia das profissões. Conclusão em que se aporta por
carecerem aqueles do exercício de atividade tipicamente
estatal, o que lhe acarreta supervisão ministral mitigada (art. 1º,
Decreto-lei 968/69), e de serem mantidas sem percepção de
39
dotações inscritas no orçamento da União. II – Aos entes
autárquicos corporativos não são aplicáveis o art. 37, II, da Lei
Maior, encargo exclusivo das autarquias integrantes da
estrutura administrativa do estado, únicas qualificáveis como
longa manus deste. III – Remessa oficial provida. Pedido
julgado improcedente. 5. Recurso Extraordinário a que se dá
provimento. (RE 539224, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira
Turma, julgado em 22/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-118 PUBLIC 18/06/2012, p. 684-690 - negritei)
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS
PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998,
QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE
PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a
Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998,
como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de
medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto
ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos
§ 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a
interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21,
XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição
Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade,
a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que
abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que
concerne ao exercício de atividades profissionais
regulamentadas, como ocorre com os dispositivos
impugnados. 3. Decisão unânime. (ADI 1717, Relator(a): Min.
SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002,
DJ 28-03-2003)
Neste contexto, tanto a ANVISA quanto os Conselhos Federais de
regulação profissional possuem autonomia legislativa no âmbito de suas
atribuições, posto suprirem a falta de especificidade técnica do Poder
Legislativo e ampliarem o campo de atuação e controle do Poder Executivo.
Em se tratando de classe profissional dos farmacêuticos, foi publicada
em 11 de novembro de 1960 a Lei n°. 3.820, que criou o Conselho Federal e
os Conselhos Regionais de Farmácia. O art. 1° define claramente sua função:
Art. 1º - Ficam criados os Conselhos Federal e Regionais de
Farmácia, dotados de personalidade jurídica de direito público,
autonomia administrativa e financeira, destinados a zelar pela
fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe
dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas no
País.
No âmbito de suas atribuições, previstas no art. 6° da referida Lei n°.
3.820/1960, deverá o Conselho Federal de Farmácia “expedir as resoluções
40
que se tornarem necessárias para a fiel interpretação e execução da presente
lei” (art. 6°, alínea “g”). Indiscutível, portanto, sua capacidade e legitimidade
para normatizar as questões que envolvem os serviços farmacêuticos e suas
especificidades.
Em 28 de novembro de 2007, o Conselho Federal de Farmácia publicou
a Resolução n°. 467, que “define, regulamenta e estabelece as atribuições e
competências do farmacêutico na manipulação de medicamentos e de outros
produtos farmacêuticos”.
A análise apurada dessa Resolução permite a clara percepção das
atribuições de um farmacêutico na manipulação de um medicamento, o que se
faz imprescindível na conclusão sobre a amplitude do serviço farmacêutico.
Nas disposições preliminares, assim estabelece a Resolução n°. 467:
Considerando que a qualidade do produto farmacêutico
magistral é garantida através do monitoramento
documentado das etapas do processo de manipulação
magistral; RESOLVE: Artigo 1º – Estabelecer as atribuições e
competências do farmacêutico na farmácia com manipulação,
nos termos do Anexo I, desta resolução. (magistral)
Extrai-se do texto acima que o monitoramento das etapas do processo
de manipulação de um medicamento é de suma importância para a qualidade
do produto manipulado, sendo esta uma função exclusiva do farmacêutico.
Art. 1º - No exercício da profissão farmacêutica, sem prejuízo
de outorga legal já conferida, é de competência privativa do
farmacêutico, todo o processo de manipulação magistral e,
oficinal, de medicamentos e de todos os produtos
farmacêuticos. (negritei)
No que aqui interessa, também são atribuições do farmacêutico a
aplicação
dos
procedimentos
operacionais
e
técnicos
necessários
à
manipulação de um medicamento, devendo prestar assistência técnica e
controlar a qualidade de todo o processo. Estas atribuições são de sua inteira
responsabilidade, podendo delegar funções à terceiros. É o que se destaca da
leitura dos arts. 5°, 8° e 9° da Resolução analisada:
Art. 5º - No âmbito de seu mister, o Farmacêutico é
responsável e competente para definir, aplicar e
supervisionar
os
procedimentos
operacionais
e
41
farmacotécnicos estabelecidos no processo de manipulação
magistral, e ainda, pelas funções que delegar a terceiros,
cabendo-lhe na autonomia de seu exercício profissional,
cumprir e fazer cumprir, as atribuições deste artigo
Art. 8º - É dever do farmacêutico prestar assistência técnica
necessária para realização de todas as etapas do processo
de manipulação magistral.
Art. 9º - O farmacêutico é responsável pelo controle de
qualidade do processo de manipulação de medicamentos e
de outros produtos farmacêuticos magistrais, cabendo-lhe
no exercício dessa atividade:
I - Especificar a matéria prima de acordo com a referencia
estabelecida.
II - Aprovar ou rejeitar matéria-prima, produto semi-acabado,
produto acabado e material de embalagem;
III - Selecionar e definir literatura, métodos e equipamentos;
IV - Estabelecer procedimentos para especificações,
amostragens e métodos de ensaio;
V – Manter o registro das análises efetuadas;
VI – Garantir e registrar a manutenção dos equipamentos;
VII – Definir a periodicidade e registrar a calibração dos
equipamentos, quando aplicável. (negritei)
Nota-se que o art. 9° descreve algumas funções dos farmacêutico nas
etapas do processo de manipulação, incluindo matéria-prima, equipamentos e
métodos utilizados.
Por fim, em se tratando do processo de manipulação de medicamentos e
produtos farmacêuticos mediante receita/ prescrição, o art. 10 da Resolução
define:
Art. 10 – Quando do aviamento de receita cabe ao
farmacêutico, cumprir e fazer cumprir as determinações deste
artigo:
a) Quando a dose ou posologia dos medicamentos prescritos
ultrapassar os limites farmacológicos ou a prescrição
apresentar interações , o farmacêutico deve solicitar
confirmação do profissional prescritor, registrar as alterações
realizadas e decidir sobre o aviamento. Na ausência ou
negativa de confirmação, a prescrição não deve ser aviada.
b) Não é permitido fazer alterações nas prescrições de
medicamentos à base de substâncias incluídas nas listas
constantes do Regulamento Técnico sobre substâncias e
medicamentos sujeitos a controle especial e nas suas
atualizações.
42
Infere-se dos dispositivos transcritos que é de competência privativa do
farmacêutico a manipulação de medicamentos com ou sem prescrição médica,
cabendo-lhe a responsabilidade pelo acompanhamento e execução de todo o
processo de manipulação, em estrita observância das normas técnicas e éticas
da profissão.
Em se tratando da prestação de serviços farmacêuticos, a Resolução
n°. 499, de 17 de dezembro de 2008 acrescenta maiores atribuições ao
farmacêutico para atuar em farmácias e drogarias.
Convém reproduzir a última disposição preliminar da referida resolução:
Considerando o disposto na Resolução CFF nº 477, de 28 de
maio de 2008, que define Farmácia Comunitária como o
estabelecimento de prestação de serviços farmacêuticos,
de natureza estatal ou privada, dirigido por profissional
farmacêutico, destinado a prestar assistência e atenção
farmacêutica ao público, incluindo educação para a saúde
individual e coletiva, onde se processe a manipulação ou a
dispensação de medicamentos magistrais, oficinais ou
industrializados, cosméticos e produtos para a saúde,
RESOLVE: (negritei e grifei)
Para análise e possibilidade de conclusão de que a manipulação de um
medicamento ou produto farmacêutico insere-se no rol de serviços prestados
por um farmacêutico, basta a leitura do art. 1°, §§ 1° e 2° da Resolução n°. 499,
que assim dispõe:
Art. 1º - Estabelecer que somente o farmacêutico inscrito no
Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição, poderá
prestar serviços farmacêuticos, em farmácias e drogarias.
§ 1° Os serviços farmacêuticos de que trata o caput deste
artigo são os seguintes:
I - Elaboração do perfil farmacoterapêutico, avaliação e
acompanhamento da terapêutica farmacológica de usuários de
medicamentos;
II - Determinação quantitativa do teor sanguíneo de glicose,
colesterol total e triglicérides, mediante coleta de amostras de
sangue por punção capilar, utilizando-se de medidor portátil;
III - Verificação de pressão arterial;
IV - Verificação de temperatura corporal;
V - Aplicação de medicamentos injetáveis;
VI - Execução de procedimentos de inalação e nebulização;
VII - Realização de curativos de pequeno porte;
VIII - Colocação de brincos;
IX- Participação em campanhas de saúde;
X- Prestação de assistência farmacêutica domiciliar.
43
§ 2° Outros serviços farmacêuticos, não especificados
nesta Resolução, também poderão ser executados, desde
que se situem no domínio da capacitação técnica,
cientifica ou profissional, e sejam reconhecidos pelo
Conselho Federal de Farmácia.
Ora, imperioso concluir que o Conselho Federal de Farmácia, no uso de
sua competência normativa para fiscalizar e controlar a classe de profissionais
farmacêuticos, bem como suas atribuições, funções e sanções, reconhece
como serviço farmacêutico a manipulação de medicamentos realizada por
farmacêutico regularmente inscrito no Conselho.
Não se pode olvidar que, como dito, a normatização do Conselho
Federal de Farmácia, ainda que não possuam o caráter de lei federal 12, vincula
os profissionais da respectiva classe no exercício da profissão, facultando-lhes
a atuação concedida e punindo-lhe em caso de violação das diretrizes.
Neste contexto, considerando que apenas um profissional farmacêutico
possui competência para manipular um medicamento, e que tal função é
tecnicamente considerada um serviço farmacêutico, inquestionável incluir a
manipulação de medicamentos como serviço farmacêutico para fins de
tributação, sendo, portanto, uma prestação tributada pelo ISS por constar no
item 4.07 da lista anexa a LC 116/2003.
Destarte, para além da conclusão técnica extraída do conceito dado pelo
Conselho Federal de Farmácia, que claramente inclui a manipulação de
medicamentos no rol de serviços farmacêuticos, mister se faz a apuração da
questão à luz das teorias vistas, de forma a comprovar que a manipulação de
medicamentos não só está prevista na lista anexa a LC 116/2003, como
também é, em sua essência, a prestação de um serviço.
Primeiramente, trata-se de uma operação mista, onde a há a prestação
de um serviço farmacêutico de manipulação e o fornecimento de um
medicamento ou produto farmacêutico manipulado. Não é, portanto, pura
prestação de serviço com utilização ou aplicação de insumos, posto que o
resultado da prestação é um bem móvel comercializável.
A mercadoria fornecida, qual seja, o produto ou medicamento
manipulado, possui estrita relação com o serviço prestado, posto ser fruto de
12
EDcl no AgRg no AREsp 401.678/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ªT/STJ, julgado em
22/04/2014, DJe 15/08/2014
44
um processo de manipulação específico e regulamentado, cuja finalidade é
justamente produzi-la. Não se trata, portanto, dos casos onde a mercadoria
pode ou não ser incluída na prestação do serviço, pois ambos são
interdependentes: não há produto manipulado sem a manipulação, e não há
manipulação sem um resultado material.
Sob a ótica do estudado autor Sabbag, na manipulação de
medicamentos há uma preponderância do serviço prestado sobre o
fornecimento de mercadoria, dada a especificidade do que se contrata. Tal
conclusão decorre da simples análise da intenção do cliente: ao procurar uma
farmácia de manipulação, não pretende o cliente obter um produto que está
disponível nas prateleiras das drogarias e farmácias, pois, se assim fosse, teria
apenas comprado um exemplo; pretende o cliente que lhe seja preparado o
produto ou medicamento conforme suas necessidades e especificações,
prescritas e determinadas por um médico (quando assim for exigido) ou
simplesmente condicionadas ao seu interesse.
Da mesma forma, como ensina Hugo Machado de Brito, a destinação do
medicamento manipulado não é o comércio em sua mais ampla concepção,
incluindo consumidores com as mais diversas necessidades. Os laboratórios
farmacêuticos já cumprem esta função, cuja produção é ampla e em série. O
medicamento manipulado destina-se prioritariamente a um cliente, que busca
aquele serviço pelo seu caráter personalizado.
Por fim, considerando a natureza jurídica da prestação-fim para solução
do conflito conforme ensinamento do Baptista, tem-se nada menos que uma
obrigação de fazer, onde claramente o farmacêutico está vinculado e é
responsável pelo monitoramento e execução do processo de manipulação,
culminando na qualidade do produto manipulado.
A análise destas doutrinas, que se destacam em razão da coerência que
possuem com os conceitos constitucionais, é um complemento valioso na
apuração de qual imposto deve incidir na manipulação de medicamos, e a
solução encontrada é mera ilação da subsunção do caso concreto à teoria.
Mauro Luís, no entanto, afirma categoricamente que a manipulação de
medicamentos é um serviço farmacêutico, e estando na lista anexa à LC
116/2003 – item 4.07, sofrerá a incidência tão somente do ISS. (LOPES, 2009,
p. 356). O mesmo manifesta o Hugo de Brito, que adota a já analisada tese da
45
destinação e concorda com o posicionamento firmado no STJ. (MACHADO,
2010, p. 96).
5.2.
Contraposição à incidência do ICMS na manipulação de
medicamentos
O julgamento proferido pelo Tribunal do Rio Grande Sul demonstrou
uma concepção que vem ocorrendo na prática: o imposto devido sobre toda a
operação de manipulação de medicamentos é o ICMS, de competência
Estadual.
Os que defendem essa conclusão partem da premissa de que o
medicamento manipulado merece maior destaque na operação como um todo,
posto que a matéria-prima é proveniente do agente que a produz, e não do
encomendante, e que o serviço é mera etapa para obtenção de um resultado, a
exemplo do que ocorre com o fornecimento de bebidas e comidas em bares e
restaurantes – mercadorias tributadas pelo ICMS.
Todos estes argumentos já foram enfrentados à luz da doutrina pátria,
não havendo razões para prevalecer a tese de que a operação mista em
questão possui em sua essência a natureza de uma obrigação de dar. Se
assim fosse, teoria o consumidor/cliente se dirigido a qualquer drogaria ou
farmácia que tivesse em sua prateleira o medicamento desejado, não
precisando que um farmacêutico atuasse na manipulação de substâncias para
obter o resultado desejado.
Destarte, outras teses apresentadas se pautam em fundamentos fáticos.
Alega esta corrente que, quando da aprovação do projeto da LC 116/2003,
ainda em votação e discussão, o item 4.07 da lista anexa possua a seguinte
redação: “Item 4.07 – Serviços farmacêuticos, inclusive de manipulação”. O
Senado, ao se deparar com o projeto, achou por bem decotar do item a
segunda parte, por considerar que a manipulação de medicamentos se tratava
de mercadoria e, portando, tributada pelos Estados.
No parecer, o Relator Sr. Senador Romero Jucá se manifestou em nome
da Comissão de Assuntos Econômicos – CAE, em 03.06.2003, com os
seguintes dizeres:
46
A Comissão aprovou, com abstenção do Senador Jonas
Pinheiro, o parecer do relator, Senador Romero Jucá, favorável
à aprovação parcial do Substitutivo da Câmara dos Deputados
ao Projeto de Lei do Senado nº 161, de 1989 - Complementar,
e pela rejeição dos seguintes dispositivos e trechos:(...)
17- expressão "inclusive de manipulação" do subitem 4.07 da
lista anexa de serviços.
Os defensores desta corrente vêem esta rejeição como uma clarividente
manifestação contrária do legislador quanto à inclusão da manipulação de
medicamentos no conjunto dos serviços farmacêuticos. Aduzem que tal ato não
retira dos próprios Municípios o fruto da arrecadação tributária sobre esta
operação, visto que 25% da arrecadação do ICMS destina-se aos mesmos.
Acrescentam, ainda, que o entendimento do Congresso foi determinante
na exclusão de parte do dispositivo, criando, uma norma sem interpretação
extensiva. Reproduzindo:
Com base no exposto, certos de que a nova lei viabilizará o
fortalecimento das finanças públicas municipais, votamos pela
aprovação parcial do Substitutivo da Câmara dos Deputados
ao Projeto de Lei do Senado nº 161, de 1989 –
Complementar, e pela rejeição dos seguintes dispositivos e
trechos: (...)
- expressão “inclusive de manipulação” do subitem 4.07 da lista
anexa de serviços, pelo fato de poder tratar-se de operação
mista, isto é que envolve o fornecimento conjunto de
mercadorias e serviços, circunstância em quecriar-se-ia um
espaço para a elisão fiscal das mercadorias aí envolvidas de
sua sujeição ao ICMS. (Diário do Senado Federal – ano LVIII nº 084 - quarta-feira, 18 de junho de 2003 – Brasília – DF p. 4142.)
Ora, não se extrai do decote legislativo em comento a incontroversa
intenção do legislador de determinar que, sobre a manipulação de
medicamentos deva incidir o ICMS. A possibilidade de elisão fiscal existe,
inclusive, nas drogarias de amplo e diversificado atendimento, que vendem
produtos de perfumaria e cosméticos, medicamentos e pet shop, e possuem
laboratório próprio para manipulação de medicamentos e outros produtos
farmacêuticos. Muitas destas mercadorias são “de prateleira”, e eventual
manipulação de medicamentos em larga escala poderá ser igualmente vista
como tal.
Entende-se que o legislador, ao excluir o trecho do item 4.07 da lista anexa
a LC 116/2003 e buscar com isso afastar fraude, reconheceu a complexidade
47
da manipulação de medicamentos, que, apesar de só poder ser exercida por
profissional em favor de uma necessidade personalizada, poderá incorrer no
fato gerador do ICMS ao produzir bens de indistinto consumo.
Destarte, em que pese tal concepção, não se pode negar que a
manipulação de medicamentos é legalmente reconhecida pelo Conselho
Federal de Farmácia como um serviço privativo do farmacêutico, que é
responsável pelo acompanhamento de todo o processo técnico para
elaboração e junção de substância. Tal procedimento é a razão de ser do
resultado final, cuja obrigação de fazer do farmacêutico será apurada pela
qualidade do produto. Pensar diferente é ignorar a normatização da classe
profissional e alterar a amplitude do conceito de serviço dado pelo direito
privado e adotado pela Constituição Federal.
6. CONCLUSÃO
A legalidade da cobrança do ISS, pelos Municípios, sobre a prestação do
serviço de manipulação de medicamentos está à mercê do julgado da
Repercussão Geral do Tema n°. 379 pelo STF, e poderá perder sua validade.
Ainda que se entenda, e aqui se tenha defendido, ser cabível a exclusiva
incidência do ISS nesta operação, não se pode olvidar que o resultado do
julgamento poderá provocar um caos nas relações jurídico-tributáveis
existentes entre os Municípios/Estados e as farmácias de manipulação.
Isso porque cada Estado tem adotado uma concepção divergente, seja
alinhado ao entendimento do STJ – que, diga-se, não lhe é favorável – seja
em favor dos seus próprios interesses arrecadatórios. Lado outro, se a decisão
for pela cobrança exclusiva do ISS, muitos Municípios que não recolhiam o
tributo das farmácias de manipulação passarão a fazê-lo, retroativo aos últimos
5 anos. (MACHADO, 2010. p. 100). O mesmo pressupõe-se em relação aos
Estados, e os mais afetados serão, sem dúvidas os contribuintes.
Em todo caso, convém sempre relembrar a norma disposta no art. 146, do
CTN:
A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de
decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos
48
adotados pela autoridade administrativa no exercício do
lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um
mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido
posteriormente à sua introdução.
Em que pese a pertinência das incertezas sobre a decisão mencionada,
certo é que espera-se um julgamento coerente com os princípios e conceitos
constitucionais e normas reguladoras da legislação infraconstitucional, de
forma evitar um abarrotamento de processos no Poder Judiciário em razão da
nova interpretação explanada pelo ex. Supremo.
49
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atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2009
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José.
ICMS
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Questões
controvertidas.
Doutrina
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Jurisprudência. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
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