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Faculdade de Belas-Artes de Lisboa Mestrado Design de Comunicação e Novos Media / 2016 Victor Almeida Estudos Contemporâneos em design B E AT R I Z R A M O S ANTI-DESIGN ENQUANTO ANTI-ARTE B E AT R I Z R A M O S ANTI-DESIGN ENQUANTO ANTI-ARTE / MDCNM / FBAUL / 2016 1 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 RESUMO Este trabalho pretende clarificar a relação entre os conceitos design e o anti-arte propondo o design enquanto uma anti-arte. O impacto das primeiras vanguardas artísticas, nomeadamente, do dadaísmo, onde surge o conceito de anti-arte, justifica-se pela atmosfera de confusão e desafio à lógica sugerido pelo conceito, que critica as convenções do mundo da arte, aproximando-o das expectativas de uma geração de artistas ávidos de modernidade. Vem abolir de vez a lógica, a organização, a postura racional, trazendo para a arte um caráter de espontaneidade e acima de tudo crítica daquilo que até ao momento do seu surgimento era tido como certo. O legado do dadaísmo possibilitou a utilização pelos designers de instrumentos de percepção crítica e estética cada vez mais relevantes no modo como se interpreta o fenómeno cultural. No entanto, a sua potencialidade crítica não é completamente explorada, caindo numa abordagem mainstreem que a desvaloriza. Esta posição é referenciada por autores como Hal Foster que a intitulam de pluralismo, isto é, na variedade de estilos e referências sem carácter ideológico. Este artigo procura defender os valores do anti-design enquanto uma atividade social, política e cultural. Palavras-chave: Design, Anti-design, Anti-Arte, Dadaísmo 2 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 ABSTRACT This paper aims to clarify the relation between design and anti-art concepts proposing design as an anti-art. The first artistic vanguards in particular Dadaism, where the anti-art concept arises, impact is justified by the atmosphere of confusion and challenge of the logic thinking suggested by the concept, which criticizes the conventions of the art, approaching the expectations of a generation of artists eager to modernity. Abolishes every logic, organization, rational attitude, bringing the art of spontaneity and most of all a massive critique of what, until the moment of its emergence was taken as the truth. The legacy of Dadaism made possible for designers the use of critical instruments of perception and aesthetics increasingly relevant in the way they interpret the cultural phenomenon. However, its critical potential is not fully exploited, falling into a mainstreem approach that devalues the concept. This position is referenced by authors such as Hal Foster, who entitles the above as pluralism, that is, the variety of styles and references without ideological character. It is essential to defend the values of the anti-design as a social, political and cultural activity. Keywords: Design, Anti-design, Anti-Art, Dadaism 3 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 INTRODUÇÃO As origens do Dadaísmo são difíceis de determinar, contudo há registos de manifestos e outros documentos que marcam a sua história, tendo inicio na Europa em 1916 até ao seu colapso em Paris nos anos de 1920. Partiu do Expressionismo, Futurismo e Cubismo, tornando-se a base para o Surrealismo. Integrou personalidades extravagantes como Tristan Tzara, Francis Picabia, Hans Arp, Kurt Schwitters, Marcel Duchamp, Max Ernst e Man Ray, que muito contribuiram para a discussão sobre o papel da arte (Ritcher, 1993). O Dadaísmo tinha como objetivo romper com as formas tradicionais de arte, sendo por isso classificado como um movimento anárquico. Com o dadaísmo o design funcional dos artefactos do quotidiano ganhou novos significados através de uma recontextualização dos mesmos, transformando-os em obras de arte. Um exemplo disso é a obra de Marcel Duchamp, “The Fountain”, a qual revolucionou e chocou a arte da época, por não seguir nenhum padrão estético conhecido e entrar em ruptura com as convenções da época, processo intitulado ready made. O dadaísmo utilizava-se de materiais inovadores mas não seguia nenhum padrão ou mesmo sentido; recorria a sons, fotografias, músicas, poesias, jornais, e tudo o que pudesse ser desconstruído e ganhar um novo significado. O Dadaísmo surge também como forma de protesto à guerra e mais tarde, a partir da década de 1960, enquanto pós-dadaísmo, ganha uma nova ascensão, surgindo como responsável por outros movimentos do século XX, como, por exemplo, o Surrealismo ou a Pop Art. Para além disto, a assunção da anti-arte na década de 1960 influenciou significativamente o design, em contraste com as primeiras 4 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 vanguardas que coincidiram com a emergência do modernismo na arquitectura (movimento moderno) e no design (pioneiros do design moderno americano). Através das artes surgiram ainda inúmeras formas de protesto, tendo sido este um período de desconstrução, que possibilitou a futura consciência e evolução de diversas outras formas de expressão modernas. Mais tarde, o Pós-Modernismo reage às normas estabelecidas pelo Modernismo1. Vem defender um discurso teórico, orientado para a análise social e política (Estudos Culturais) que originaram olhar o design de uma perspectiva não funcionalista. Surge, assim, o Design Studies na convergência com as ciências sociais e humanas. (Keedy, 1998). É defendido o uso de várias referências, métodos ou estilos, como a colagem, anarquia e repetição, na origem de resultados com maior interesse com o objectivo de forçar a audiência a colocar questões. Tal processo é evidenciado no movimento Dada através do desafio das nomas existentes de arte, que se intitula anti-arte. Não é uma rejeição da arte, mas sim a tentativa de expansão do domínio da arte a novas formas de expressão (Graver, 1995). O Pós- Modernismo ganhou novo impacto no design gráfico a partir de meados dos anos de 1980, com o ressuscitar de alguns pressupostos e maior visibilidade mediática por via do aparato estético. Inicialmente, vários designers consideraram que era apenas uma forma de expressão indisciplinada e indulgente, um conjunto de estilos sem ideais ou vocabulário formal. No entanto revelou-se uma nova forma de pensar o design, instigando processos alternativos (Keedy, 1998). Com o Pós-Modernismo e os fundamentos do Dadaísmo e anti-arte, surge o anti-design. 1 O movimento Modernista defende a reinterpretação da história na prespectiva de construção de um mundo melhor, baseado na ciências e nas verdades universais. Caracteriza-se pela inteligência, criatividade e capacidade para o pensamento radical. Apoia-se na ideia de que “Less is More” - Ludwig Mies Van Der Rohe – e que a função dita a forma. 5 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 RELAÇÃO ENTRE O DESIGN E ANTI-DESIGN O legado dadaísta traduz-se essencialmente numa capacitação intuitiva da abordagem projetual, e permite ao designer explorar o seu lado inato e pessoal. Esta nova forma de design, ou seja, o anti-design traz a legitimidade de restrição da estética, normas e regulamentos, pois permite uma exploração da própria consciência e percepção sobre o mundo. Tal exploração pode mesmo não ser racional, o que promove a possibilidade da crítica, ironia e liberdade de expressão. O anti-design é uma afirmação contracultural do design. Por design subentendemos uma melhoria funcional, ergonómica e visual, de forma a aumentar o conforto, a segurança e a satisfação do consumidor. O design trata de adaptar o produto à necessidade do consumidor, ou seja procura atrair o seu uso através da estética, aplicar conceitos e usabilidade à sua forma. Gera desempenho, qualidade, durabilidade e aparência a um produto; e tal exige planeamento, pesquisa, criatividade e técnica. Para além do objetivo acima descrito, é essencial tornar o design uma atividade ideológica, no sentido que o designer deve tomar uma atitude crítica, investigando causas sociais, políticas e culturais (Laranjo, 2015). 6 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 D E S E N V O LV I M E N T O D O A N T I - D E S I G N Os anos de 1960 e 1970 testemunharam uma explosão de movimentos radicais que questionavam o design, defendendo que este deveria tornar-se uma atividade ideológica e social. Com origem em Inglaterra e Áustria, e mais tarde em Itália, o Anti-design reforçou os debates sobre um discurso político e artístico no design. (Mazé and Redström, 2007). Um dos exemplos é o Design Radical Italiano de 1970 que praticava uma atitude altamente critica dos valores sociais e ideologias estabelecidas, sendo caracterizado, atualmente, também como Critical Design pela dupla Dunne and Raby (Dunne and Raby, n.d.a). O Design Radical ou Anti-Design declara que os objetos se expressam como símbolos visuais e os designers desenvolvem o seu trabalho independentes da grande indústria. O Anti-Design surge contra a funcionalidade e o apelo comercial, e vem promover a estética pelo uso de formas e texturas diferenciadas procurando aproveitar o potencial social e cultural do design, usando-o como ferramenta-chave para uma nova revolução ideológica e cultural. Esta prática do design procura o conceptual, a experimentação e a reflexão sobre o seu sentido. Fazer design deixa de se tratar apenas de projetar produtos funcionais, procura-se antes estabelecer relações afetivas entre o produto e o consumidor, ou seja, assumir uma característica predominantemente emocional e cultural. Esta nova abordagem para o design, surge também quando, por exemplo, em Setembro de 1981, em Itália, é fundado o grupo Memphis. Este defendia que a função dos artefactos deveria ser comunicar e assumir uma personalidade própria que refletisse sobre a história recente do design. O grupo 7 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 Memphis. Este defendia que a função dos artefactos deveria ser comunicar e assumir uma personalidade própria que refletisse sobre a história recente do design. O grupo Memphis procurou inspirações na arte, no dadaísmo e surrealismo, que antecederam a arte conceptual, e colocaram o objeto de design como uma forma de interação emocional, simbólica e didática. (Kristoffersson, 2003, cit. in., Mazé and Redström, 2007). Outros exemplos concretos desta mesma ideologia são o grupo Cobra, que mais tarde, através da fusão de outros grupos como os Psicogeográficos, e o MIBI (ou Movimento Internacional para uma Bauhaus Imaginista), origina o Movimento Internacional Situacionista que surge nos anos 60. Um dos membros do movimento, o arquiteto Constant, incitou à exploração da tecnologia a partir de um sentido crítico e propositivo. 8 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 A CRÍTICA DO ANTI-DESIGN A crítica colocada pelo anti-design não é sobre o design ou planeamento mas sobre o design como atividade que incute e reforça a ideologia, isto é, o design enquanto prática de qualquer ideologia imposta, quer seja política, tecnológica ou cultural. Em vez de recusar o design ou esperar por uma revolução, são aceites os potenciais efeitos dos artefactos e das representações de design, lançando a crítica dentro das convenções da prática, oferecendo possibilidades para uma participação crítica ativa. (Lang and Menking, 2003, cit. in., Mazé and Redström, 2007). Contudo, os artefactos resultantes do anti-design não são necessariamente tidos como finalizados ou formas estanques. À semelhança da anti-arte, também esta orientada para o objecto, o anti-design procura criar artefactos que abram espaço para o debate, a reflexão e apropriação como novas formas de criação e expressão. Através destas novas formas são criados novos artefactos aos quais é apenas acrescentado algo invisível – o conceito. Exemplo disso é o estúdio de design Droog2 que durante a Milan Furniture Fair em 1993 apresentou uma seleção de produtos realizados a partir de materiais industriais e objetos aleatoriamente encontrados. O foco do design passa a ser o conceito em vez de o produtor ou o produto. As estratégias mais comuns incluem diversas qualidades de materiais, substâncias preciosas, ready-mades, tecnologias e lixo, combinados entre si, expondo problemáticas de gosto, hábito e memória. (Sandino, 2004; Verbeek and Kockelkoren,1998, cit. in Mazé and Redström, 2007). Cada projeto é o testemunho da impossibilidade do 2 Droog é um estúdio de design fundado em 1993 pelo designer de produto Gijs Bakker e o histórico de design Renny Ramakers. 9 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 possível. Oferecem experiências ricas e adicionam valor de uma forma mais abrangente que os produtos existentes nos mercados massificados. A razão pela qual muitos dos projetos experimentais de design não seguem para uma produção industrializada está menos relacionada com a sua viabilidade tecnológica e económica, e mais com o conteúdo que desafia o status quo (Dunne and Raby, n.d b). Este tipo de processo de design transcende as espectativas da sociedade. Impõe-se como uma crítica, cujos objetivos não é atrair novos negócios, apresentar os sonhos da indústria ou antecipar as novas tendências do mercado, mas promover a discussão e o debate entre os designers, a indústria e o público sobre a pertinência estética da nossa existência (Dunne and Raby, n.d. b). A base ideológica e política do anti-design diluiu-se numa cultura mainstreem como uma táctica superficial de estética ou comercialização desprovida de um envolvimento crítico. De um modo mais geral, a base do capital, da indústria e da tecnologia que sustentam as antigas concepções do criticismo, deixaram de existir nesses termos. (Jameson, 1985, cit. in. Mazé, 2007). Tal complexidade à volta do anti-design torna difícil a existência de um criticismo. A variedade de estilos e referências que caracteriza o antidesign e, por conseguinte, o Pós-Modernismo e a anti-arte, é criticada por Foster como uma obsessão exagerada, a que chama pluralismo. Refere que, nos anos 1980, “a arte existe hoje num estado de pluralismo: nenhum modo de arte de estilo é dominante e nenhuma posição crítica é ortodoxa” (2002). Vidal, com base no comentário de Foster descreve “[Nos anos 80] denunciava-se o pluralismo como posição-alibi, ao mesmo tempo um esvaziamento das argumentações e a preservação do status quo político, do gusto e da crítica, indefinitivamente.” (2002, p. 130). O comentário de Hal Foster pode facilmente ser aplicado ao design gráfico contemporâneo, no sentido em que o principio do pluralismo questiona, não qual o estilo de design a desenvolver, mas sim, a elegância desse mesmo estilo (Blauvelt, 2007). 10 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 CONCLUSÃO A variedade de estilos defendida pelo Anti-design pode ter um carácter ideológico, sem cair na preocupação errada de que todos os estilos devem ser elegantes. A ideia defendida por Foster que centra a arte num pluralismo que a destitui de valor é relevante, o sentido de que, apesar da estética ter um espaço fundamental na motivação, esta não estabelece uma condição crítica que questiona as verdades sociais, culturais e políticas. Não deve, portanto, ser confundida a importância da estética com a importância de um conceito que vai transformar o contexto anterior para transparecer novos princípios. A tendência pela anti-arte para cair numa onda mainstreem leva-a a este estado de pluralismo criticado por Foster, que é igualmente aplicado ao anti-design conforme nos é referido por Blauvelt. A preocupação deve centrar-se no fundamento crítico da prática, como Ramia Mazé defende, concentrando-se nos problemas, ao invés das soluções (2009). Deste modo, o potencial ideológico e crítico do Anti-design deve ser mantido e tido como uma referência. Blauvelt defende também uma solução a partir da prática, focando-se numa autonomia crítica, a qual deverá atribuir coerência ao design de modo a este estabelecer-se com maior potencial. De acordo com Blauvelt, esta prática deve partir, não de uma preocupação pela originalidade como expressão pessoal, mas antes de uma dedicação por uma contextualização inventiva (2007). Quer isto dizer, que o anti-design deve focar-se no fundamento do conceito que irá sustentar a crítica, colocando-se contra uma definição depreciativa do design orientado à indústria. Dessa forma, cria-se uma luta contra a prática do “design estético” onde a ideologia prevalece com resultado de um design político, social e cultural. 11 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLAUVELT, Andrew (2007). “Towards Critical Autonomy or Can Graphic Design Save itself?” In M. Bierut, W. Drenttel and S. Heller, Looking Closer: 5 Critical Writings on Graphic Design. U.S: Allworth Press. DUNNE, Anthony and RABY, Fiona (n.d. a). “Critical Design FAQ”. Dunne & Raby. Acedido Janeiro 5, 2016 em http://www.dunneandraby.co.uk/content/bydandr/13/0 DUNNE, Anthony and RABY, Fiona (n.d. b). “Fictional Functions and Functional Fictions”. Dunne & Raby. Acedido Janeiro 5, 2016 em http://www.dunneandraby.co.uk/content/bydandr/46/0 FOSTER, Hal (2002). “Design and Crime: And Other Diatribes”. London/New York: Verso. FOSTER, Hal (2002). “Design and Crime: And Other Diatribes”. London/New York: Verso. KEEDY, Mr (1998). “Graphic Design in Postmodern Era”, Émigré. Acedido a Janeiro 25, 2016 em http://www.emigre.com/Editorial.php?sect=1&id=20 LARANJO, Francisco (2015, Agosto 4). “Critical Everything”. Modes of Criticism. Acedido Setembro 30, 2015, em http://modesofcriticism.org/articles/critical-everything/ MAZÉ, Ramia (2009). “Critical of What? / Kritiska mot vad?”, In M. Ericson, et al, Laspis Forum on Design and Critical Practic: The reader. Berlin: Sternberg Press. 12 B E AT R I Z R A M O S / MDCNM / FBAUL / 2016 MAZÉ, Ramia e REDSTRÖM, Johan (2007). “Difficult Forms: Critical Practices Of Design And Research”. Sweden: Interactive Institute, Kistagången. Acedido Dezembro 4, 2015, em http://soda.swedish-ict.se/2607/1/0...es_in_design_and_research.pdf RICHTER, Hans (1993). Dadá: arte e antiarte. Tradução Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes. VIDAL, Carlos (2002). “Design and Crime [and other Diatribes]”. Madrid: ExitBook 13 B E AT R I Z R A M O S ANTI-DESIGN ENQUANTO ANTI-ARTE / MDCNM / FBAUL / 2016 14