Amigo imaginário: ficção ou realidade?

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Amigo imaginário: ficção ou realidade?
Amigo imaginário: ficção ou realidade?
Qui, 18 de Julho de 2013 17:02
Imagine a seguinte cena, pais ou cuidadores, vocês encontram uma criança de cinco anos de
idade, sozinha conversando, rindo, chorando com um pé de laranja lima, isso mesmo, uma
árvore do quintal da casa onde ela reside.
Ficção? Nesse caso até que sim. A história
apresentada na obra literária de José Mauro de Vasconcelos, “Meu Pé de Laranja Lima”,
mostra Zezé, um menino de cinco anos que faz com que o pé de laranja lima do quintal de sua
casa seja seu amigo imaginário, e nele coloca os nomes de “Minguinho” e afetuosamente de
“Xururuca” ou “Xururuquinha”.
Entretanto, longe de estar somente na ficção, pais e cuidadores poderão se deparar com essa
situação muito comum pertencente ao universo infantil, pois esse comportamento geralmente
se relaciona à construção, invenção do amigo imaginário, o que mostra que não deve ser
motivo de aflição, mas sim de observação.
Mas, os pais ou cuidadores podem estar se questionando, para que servem amigos
imaginários mesmo?
O amigo imaginário é na maioria das vezes uma forma saudável de interação e expressão
vivida pelas crianças, e geralmente ocorre entre as idades de dois a sete anos. Por isso
mesmo as crianças brincam, sonham, dialogam, discordam, brigam com esse amigo invisível,
que possui vida própria.
A criança recorre ao amigo imaginário tanto para vivenciar afetos e desafetos, como também
para treinar o que é ter um amigo de verdade, pois quando pequenas ainda costumam ficar
muito centradas em torno de si mesmas. É preciso esclarecer também que nem sempre o
amigo imaginário é necessariamente parceiro de crianças solitárias, embora pesquisas
indiquem que filhos únicos e primogênitos são mais propensos a esse tipo de comportamento,
já que tendem a passar os primeiros anos de vida sem um companheiro real de sua faixa etária
por perto.
E quem pode ser amigo imaginário? Não é difícil perceber que um animal, outra criança, um
travesseiro, ou personagens de desenhos infantis populares do momento, ou até mesmo uma
árvore como a da literatura podem se tornar companheiros invisíveis. A questão toda é que
independente de qual seja a escolha da criança, ela sabe que o amigo imaginário é fruto de
sua imaginação.
Esse amigo fruto da imaginação passa a ser para as crianças o apoio para as angústias as
quais vivenciam, ou seja, serve para que possam se libertar das suas ansiedades diárias, além
de auxiliar na tarefa de lidar com sentimentos de raiva e frustração.
Geralmente, a criação do amigo imaginário pelas crianças pode ocorrer por várias questões,
tais como mudanças de escola, perdas de pessoas queridas, o nascimento do irmãozinho,
divórcio dos pais, situações de estresse e ansiedade, que acabam transformando a rotina da
criança. Todos esses acontecimentos podem gerar angústia e expectativa na criança, e é
justamente nesses momentos que ela “tira de sua cartola mágica”, ou seja, surge do seu
imaginário infantil esse companheiro que vem participar de seus dilemas existenciais durante
algum período de tempo.
Na obra “Meu pé de Laranja Lima”, Minguinho pode se transformar no cavalo mais lindo do
mundo que corre pela planície imensa e verdejante enquanto Zezé monta no seu galho como
cowboy trazendo no peito a reluzente estrela de xerife. Em outros momentos Xururuca ou
afetuosamente Xururuquinha representa toda ternura possível, amorosidade, acolhimento no
qual esse garotinho se apoia para expressar sua dor, a dor de crescer, perder um pouco do
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doce encanto que é ser criança para ter que enfrentar cedo demais a realidade e as desilusões
da vida.
No livro “Meu Pé de Laranja Lima” (p.103,1968) existe um episódio que será aqui destacado, é
quando os personagens Zezé e Xururuca conversam sobre as histórias que adultos tentam
contar para as crianças acreditarem. Nesse momento esse menino tão pequeno sabiamente
revela que as histórias são interpretadas pela criança de acordo com as relações que
estabelece com o mundo que a envolve. O que faz com que Zezé deixe de confiar no poder da
magia, mas passe a acreditar no poder das escolhas, atribuindo para si mesmo uma trajetória
onde pudesse viver e sentir as emoções plenamente.
-Xururuca, você nem sabe. Você se lembra que na semana passada eu ganhei de prêmio por
ser bom aluno aquele livro de histórias “A rosa mágica”?
-Lembro, sim.
-Pois eu nem contei que já li o livro. É a história de um príncipe que ganhou de uma fada uma
rosa vermelha e branca... Qualquer perigo ele sacudia a rosa mágica e aparecia uma
fumaceira danada para que o príncipe escapasse. Na verdade, Minguinho, eu achei a história
meio boba, sabe? Não é como as aventuras que eu quero ter na minha vida. Aventura mesmo
tem Tom Mix e Buck Jones... Agora se qualquer um deles fosse puxando uma rosa mágica em
cada perigo que viesse, não tinha graça nenhuma. O que você acha?
-Acho meio sem graça também.
-Mas não é isso que eu quero saber. Eu quero saber se você acredita mesmo que uma rosa
possa fazer mágica assim?
-De fato é mesmo esquisito.
-Esse pessoal vai contando as coisas e pensa que criança acredita em tudo.
-Lá isso é.
No livro se percebe que Minguinho e Xururuca nada mais são do que a própria consciência de
Zezé que começa a despertar. Atuam como suporte e segurança, lugar no qual Zezé pode falar
consigo mesmo, dialogar, duvidar, questionar, e ter confiança e intimidade para expressar seus
sentimentos. São amigos confidentes de sonhos e de desilusões, companheiros das jornadas
alegres e tristes.
Os amigos imaginários mostram dessa forma como a psique infantil pode utilizar de um recurso
valioso e saudável para lidar com emoções, sentimentos, ansiedades, solidão, medo,
preocupação, tão presentes no sentir do ser humano.
A partir dos amigos invisíveis aos olhos de um adulto, mas preciosos aos olhos de uma criança
permite-se que ela possa trocar experiências, e nesse sentido entender melhor o mundo e as
relações humanas.
O que os pais precisam ter conhecimento é que a construção do amigo imaginário tende a
desaparecer com o tempo. Por volta dos seis e sete anos, quando a criança passa a ter uma
vida social mais ativa, ou seja, não exclusiva ao ambiente doméstico, os amigos imaginários
pouco a pouco acabam esquecidos.
Os pais e cuidadores podem e devem observar os diálogos entre a criança e seu amigo
imaginário, mas, incentivar esse comportamento infantil não é boa conduta. Nem por isso
precisam interromper a brincadeira, ou mesmo dar broncas ou falar que tudo é mentira para a
criança, é preciso agir com muita naturalidade.
Entretanto, cabe aos pais e cuidadores ficarem atentos, pois se as crianças acima dos sete
anos de idade persistirem nessas fantasias ou frequentemente fugirem da realidade, como por
exemplo, se começarem a se isolar sem querer contato com outras crianças, ou acreditarem
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que esse amigo é de fato real, e não foi por elas inventado, pode ser algo preocupante, e
nesses casos é necessário acompanhamento profissional.
Adriana Cristina de Novaes
Psicóloga
Atendimento infantil, adulto e de idosos
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