educação do adolescente: desafios e possibilidades.

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educação do adolescente: desafios e possibilidades.
EDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Alcilene Lopes de Amorim Andrade*
RESUMO
Entende-se a adolescência como um momento em que o ser se afasta da identidade
infantil para construir uma nova definição de si mesmo. Este trabalho visa, através de pesquisa
bibliográfica, apresentar as reflexões acerca da adolescência no contexto escolar, discutindo a
importância do adulto, enquanto educador, compreender as características, os dilemas do ser que
adolesce para com ele estabelecer uma relação pedagógica significativa. Sabendo-se que o ato
educativo se dá numa relação pedagógica, é preciso entender que professores e adolescentes
são portadores de identidades particulares, definidas socialmente e por valores introjetados. Podese concluir que não existe adolescente padrão, embora não haja como negar a existência de
características comuns a todos nesta fase, o que não impede de compreendê-los como sujeitos
histórico-culturais. Portanto, cabe à escola na figura dos seus atores sociais, conhecer estes
sujeitos na sua singularidade, estabelecendo com os mesmos uma interlocução autêntica, a partir
do conhecimento da sua forma específica de lidar com a realidade.
Palavras-chave: Adolescência. Relação pedagógica. Educação. Cultura. Singularidade.
ABSTRACT
The term adolescence means a time in which being away from the children's identity to
build a new definition of himself. This paper aims, through biblographic search, to present
considerations about adolescence in the school context, discussing the importance of the adult, as
an educator to understand the characteristics, the dilemmas of the being that matures to establish
with him a significant pedagogical relationship. It´s known that the educational act happens at a
pedagogical relationship, it must understood that teachers and students are individuals with
particular identities socially defined and internalized values. It can be concluded that there is no
standard teenager, although there is no denying the existence of characteristics common to all at
this stage, which makes people understand them as historical and cultural subjects. So it is up to
school in the figure of its social actors, knowing these people in their uniqueness, establishing with
them an authentic dialogue using the knowledge of their specific way of dealing with the reality.
Key words: Adolescence, Pedagogical relationship, Education, Culture. Singularity
*
Professora Adjunta UNIPAC - TO
[email protected]
INTRODUÇÃO
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, (1990, art 2º)
“considera-se (...) adolescente aquela pessoa entre doze e dezoito anos de
idade”. Há aqui, uma delimitação legal, cronológica, que determina o período, o
“intervalo”, em que situa a adolescência.
Entende-se a adolescência como período de reorganização pessoal e
social que se inicia, na maioria das vezes, com contestações, rupturas,
inquietações, podendo passar por transgressões, para desembocar numa reflexão
sobre os valores que o cercam, sobre o mundo e sobre o seu próprio existir nesse
mundo (ou não).
Considerando que a atividade essencial da escola, torna-se realidade a
partir da relação pedagógica efetiva entre professor e aluno, tem-se como
objetivo, neste estudo, discutir a importância do adulto, que assume a figura social
de educador, compreender as características, os dilemas do ser que adolesce
para com ele estabelecer uma relação pedagógica significativa.
Pressupõe-se, que tal relação se concretiza na medida em que se
estabelece o diálogo com as questões do universo adolescente. Universo
explorado pela mídia que associa juventude ao consumo, beleza, rebeldia, ao
império de sensações.
No cenário atual, os adolescentes destacam-se não só como parcela
significativa da população, mas como um grupo de pessoas com expressões
peculiares de conduta. Trata-se de uma geração bem informada e que tem maior
acesso ao mundo, por crescer durante significativo avanço tecnológico.
Pensar a relação do educador com estes sujeitos implica o exercício de
compreendê-los nas suas diferentes dimensões no processo de construção de
uma identidade: cultural, física, emocional, a serem abordadas neste trabalho.
METODOLOGIA
Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, porque parte da
leitura, análise e interpretação de livros, revistas científicas ligadas ao tema.
Quanto aos fins, considera-se explicativa, pois a preocupação central é identificar
os fatores que contribuem para a ocorrência das dificuldades enfrentadas no
espaço escolar no que se refere à relação professor aluno, buscando explicar a
razão pela qual tais dificuldades ocorrem.
ADOLESCÊNCIA E CULTURA
Na Idade Média, a juventude era representada pela cor verde – que dá
idéia de seiva, desenvolvimento - por isto também era a cor da esperança, da
inconstância, muito natural nos adolescentes contemporâneos. As pinturas e
tinturas medievais sempre tiveram dificuldade de domar os tons verdes.
Estes são os mais instáveis, os que penetram com maior dificuldade nas
fibras do tecido,... ou na massa do metal... Daí também uma ligação
possível entre a química e a ideologia: à instabilidade pigmentária
poderia corresponder uma instabilidade simbólica. Como os tons verdes,
os jovens são volúveis, instáveis... (PASTOUREAU apud LEVI e
SCHIMITT, 1996, p.261).
Os estudos de Áries (1981) sobre o lugar da infância e dos filhos nas
famílias da Europa Ocidental demonstraram que a idade como representação de
uma fase de vida com características determinadas culturalmente passa por uma
construção social que pode ser historicamente compreendida. Cada geração atua
com relação a si própria e outras com base nesta representação, contribuindo,
junto com processos sociais, econômicos à atuação de diversas instituições e
agentes externos, no que se convencionou chamar de uma construção social de
idades.
A partir do século XV, as realidades e os sentimentos da família se
transformariam: uma revolução profunda e lenta, mal percebida tanto
pelos contemporâneos como pelos historiadores, e difícil de reconhecer.
E, no entanto, o fato essencial é bastante evidente: a extensão da
freqüência escolar... A substituição da aprendizagem pela escola
exprime uma aproximação da família e das crianças, do sentimento da
família e do sentimento da infância, outrora separados. A família
concentrou-se em torno da criança...O clima sentimental era agora
completamente diferente, mais próximo do nosso, como se a família
moderna tivesse nascido ao mesmo tempo que a escola, ou, ao menos,
que o hábito geral de educar as crianças na escola (ARIÉS, 1981, p.
159).
Contardo Calligaris (2000) entende a adolescência como uma formação
cultural, um mito criado no início do século XX, é importante refletir sobre a
adolescência nessa perspectiva, podendo-se considerar que a mesma é criada
historicamente pelo homem, enquanto representação e enquanto fato social. É
constituída como significado na cultura, na linguagem que permeia as relações
sociais.
A adolescência tem então, um sentido de moratória, período dilatado de
espera vivido pelos adolescentes (que já não são crianças), mas ainda não se
incorporaram à vida adulta. O conceito de adolescência é tributário da
incompatibilidade entre a maturidade sexual e o despreparo para o casamento.
Ou ainda, do hiato entre a plena aquisição de capacidades físicas do adulto e a
falta de maturidade intelectual e emocional, necessária para o ingresso no
mercado
de
trabalho,
numa
sociedade
de
informações
rápidas,
alta
competitividade, império da tecnologia, etc.
No aspecto cultural, a adolescência é marcada por “ritos de passagem” que
vêm a ser as formas de admissão ao mundo adulto, que variam de cultura para
cultura. Numa descrição antropológica, faz-se notar a passagem da infância para
a vida adulta em algumas tribos indígenas, a partir da introdução da criança na
atividade da caça, ganhando o reconhecimento da tribo quando mata uma presa
grande, tornando-se assim, um bravo guerreiro (adulto). Em nossa cultura são
observadas alterações psíquicas, mudanças corporais e alteração dos papéis
sociais (NOVAES e VANNUCHI, 2004).
Na sociedade moderna igualmente existem os ritos que marcam a
transição para o mundo adulto, que servem como substitutos simbólicos, o
vestibular, o trote dos calouros, o serviço militar, a carteira de motorista e até
cultos religiosos.
Há uma tendência ao agrupamento; estão freqüentemente em „turmas‟. O
grupo pode funcionar como espaço para fazer esta passagem para a vida adulta,
para a descoberta ou a construção do novo adulto, semelhante ou divergente dos
pais e quem oferece os novos modelos são exatamente os grupos de
adolescentes que estão fora de casa. O grupo pode simbolizar uma oposição às
figuras parentais, uma possibilidade de facilitar o surgimento de uma identidade
diferente da dos pais; pois como a identidade se estabelece, também, pelo
contraste e pela diferença, os adolescentes precisam sentir que são diferentes de
seus pais, que são singulares.
De acordo com Calligaris (2000, p.36,37):
os grupos adolescentes... são de densidades diferentes. Alguns são
informais e abertos, como as comunidades de estilo (dark, punk, etc): o
acesso exige apenas a composição de uma imagem, que todos
reconheçam como traço comum. Outros grupos pedem que a senha
que dá acesso ao grupo seja uma marca duradoura - tatuagem, cicatriz,
etc.
Para se pensar no ser que adolesce é preciso situá-lo no seu contexto
social, buscando a compreensão de quem é o adolescente que chega à escola e
qual seria o espaço do adolescente na sociedade.
Essa reflexão provoca a necessidade de analisar a escola como espaço
sócio-cultural, compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso que
leva em conta a dimensão do dinamismo e da diversidade que esta instituição
reúne; para que favoreça uma relação pedagógica de êxito ou colabore
sobremaneira na construção do adulto almejado pelo adolescente.
Além disso, é preciso refletir sobre a lógica dos comportamentos
adolescentes do início do terceiro milênio.
PERSPECTIVA HISTÓRICA
Ao longo da história, autores identificaram na juventude os elementos de
mudança, não apenas da personalidade, mas também da sociedade que se
renova no confronto com a tradição.
Segundo Elizabeth Crouzet, apud Levi e Schmitt (1996, p.206), na Itália
medieval os jovens eram vistos como uma flor do mal. “A juventude é o tempo dos
apetites e de seu excesso”, fase em que o corpo se fortalece, mas a alma e a
razão fragilizam-se e o ser entrega-se ao mal “por falta de freio e governo”. Os
juvenis são assim, objeto de medo e obstáculos à paz e à salvação de uma
sociedade cristã. Nesse contexto, desenha-se uma imagem assustadora dos
jovens, conforme o texto a seguir:
A juventude é o tempo das turbulências e violências. Todos infringem as
regras cristãs e sociais. Todos são movidos pela mesma impaciência, a
mesma recusa, o mesmo formidável apetite. E sobre todos pesava a
suspeita e o medo... Diante dos “Giovani” a sociedade inteira parece
temer o parricídio (CROUZET apud LEVI e SCHMITT, 1996, p.206).
Analisando a maneira como a imagem medieval exprime ou representa a
idade que se situa entre a infância e juventude, Michel Pastoureau, apud Levi,
Giovanni e Schmitt (1996, p. 250) apresenta a idéia de “afastamento”, afirmando
que “um jovem só é jovem em relação a outros indivíduos que não o são, crianças
ou adultos”. E acrescenta: “isso vale tanto no que concerne a seu lugar na
sociedade quanto a seu lugar na imagem”. Nas imagens dos artistas o lugar dos
jovens é o espaço das “bordas” ou das “margens”. De acordo com o mesmo
autor, “quando os artistas colocam em cena várias classes etárias, os jovens não
têm direito ao centro, mas à periferia...Os jovens são assim, lançados para os
“cantos” da imagem”(1996, p. 253, 254).
No Brasil, nos anos 50, havia uma nítida distinção de papéis entre homens
e mulheres, sendo que o lar era o destino natural destas e o homem exercia o
papel de “chefe da casa”. As jovens eram separadas em “moças de família” e “as
moças levianas”. As idéias existencialistas de Sartre, bem como cultura norteamericana influenciavam o comportamento da juventude. O rock embalou a
geração(coca-cola) com um toque de irreverência, expressando desesperanças e
se associando à delinqüência juvenil. A família (autoritária) tentava preservar os
costumes através das escolas tradicionais, tendo como resultado conflitos
chamados “de gerações” (CARMO, 2001).
Nos anos 60 (rebeldes) e parte dos anos 70, ocorreu verdadeira revolução
nos costumes que apontava a necessidade de quebrar velhos tabus e destruir
valores estabelecidos (a descoberta da pílula anticoncepcional facilitava o sexo
antes do casamento), o movimento hippie se expande, os estudantes se rebelam.
A juventude aparece então como a categoria portadora da possibilidade de
transformação profunda (NASCIMENTO, 2002).
Nos anos 80 (pós abertura política) vive-se o período de transição do
regime autoritário ao democrático, a sociedade “quer votar pra presidente” e pede
“diretas já”, a tecnologia se desenvolve e o individualismo encontra terreno fértil,
as relações familiares continuam sendo questionadas e os tradicionais papéis
homem/mulher foram revistos, surgem as tribos (metaleiros, funks, darks, etc). A
juventude tem a marca do consumismo, individualismo, da indiferença aos
assuntos públicos, da apatia. Uma geração(saúde) que se recusa assumir o papel
de inovação cultural que agora, depois da reelaboração feita sobre os anos 60,
passava a ser atributo da juventude como categoria social (ABRAMO, 2002).
Nos anos 90, a visibilidade social dos jovens muda um pouco: já não são
mais a apatia e desmobilização que chamam a atenção; pelo contrário, é a
presença de inúmeras figuras juvenis nas ruas, envolvidas em diversos tipos de
ações individuais e coletivas. No entanto, a maior parte dessas ações continua
sendo relacionada aos traços de individualismo, da fragmentação e agora mais do
que nunca, à violência, ao desregramento e desvio (gangues, “galeras”, atear
fogo em índio) (CARMO, 2001).
Adolescer, neste milênio significa mais do que “debater entre o ser e o
ainda não ser adulto” (NASCIMENTO, 2002 , p.400). É vivenciar uma sociedade
com altíssimos índices de violência, consumo, do império da tecnologia, que
diminui distâncias mas não aproxima as pessoas. Assim, conectado à internet ou
junto ao telefone celular, o adolescente passa pelos “não-lugares”, pelo shopping,
pelo bar, pelos corpos (geração do ficar) com impressionante rapidez sem
estabelecer vínculos duradouros.
Vivendo o advento da globalização econômica e da informação que circula
de forma veloz, o adolescente passa a saber muito a respeito de assuntos que
são do seu interesse, no entanto, podendo esse saber não ser adequadamente
incorporado uma vez que a exposição à informação e uso que dela se faz pode
variar em virtude das questões econômicas, sociais e de gênero (BRANDÃO,
2003).
ALTERAÇÕES FÍSICAS E AFETIVAS
No que tange às características físicas, a adolescência é marcada, do
ponto de vista anatômico, por fenômenos como o crescimento acelerado,
desenvolvimento do corpo, modificação da aparência, que obrigam a aquisição de
uma nova consciência do corpo. Do ponto de vista fisiológico, as trocas
hormonais próprias do período, provocam reações diversas, das quais a mais
importante é o aparecimento do desejo sexual. Todas essas novidades relativas
ao corpo são perturbadoras para o adolescente, sobretudo porque não ocorrem
da mesma maneira ou na mesma idade com todos eles (PAPALIA e OLDS,
2006).
As transformações físicas pelas quais passa o adolescente têm forte
repercussão psíquica, que se revela em comportamentos típicos e transitórios. A
consciência recentemente adquirida da masculinidade / feminilidade desperta a
necessidade de auto-afirmação, que pode manifestar-se como desejo de
libertação em relação à família; que durante a infância funcionou como fonte de
segurança e agora se torna “incômoda”.
No que se refere à afetividade, são comuns períodos de serenidade
sucederem a outros de muita fragilidade emocional demonstrando instabilidade.
Em relação ao adulto é comum perceber esta contradição quando em alguns
momentos apresenta-se a estes com “superioridade” e em outros com total
“dependência”(MIRANDA, 2002).
Rousseau aborda a adolescência, embora não empregue o termo, como
uma crise, um segundo nascimento, uma metamorfose dramática,
assim
descrevendo-a:
Como o bramido do mar precede de longe a tempestade, esta
tormentosa revolução anuncia-se através do murmúrio de paixões
nascentes; uma fermentação surda adverte sobre a proximidade do
perigo. Uma mudança no humor, arrebatamentos freqüentes, uma
contínua agitação de espírito (1995, Livro IV, p.272).
A adolescência aparece como um período caracterizado principalmente
pela intensidade das emoções, marcado pelo surgimento das contestações e dos
questionamentos. Os valores dos adultos já não são passivamente aceitos pelo
adolescente, o mundo começa a ser visto sob uma nova ótica – a sua própria.
De acordo com a Teoria Cognitiva (Jean Piaget), as intensas
alterações decorrentes do amadurecimento psíquico e sexual do adolescente
provocam um desequilíbrio provisório que conduz posteriormente a um equilíbrio
superior. As estruturas intelectuais que comandam o conhecimento se tornam
aptas ao raciocínio lógico e abstrato, sem necessidade de apoio na experiência e
na ação. O adolescente é capaz de formular teorias e de desenvolver atitudes
críticas e contestatórias, elaborando planos de vida através do pensamento
abstrato recém-adquirido. A fantasia e a idealização se explicam pela intensa
atividade reflexiva. A vida afetiva assume grande importância em conseqüência
do afastamento da realidade pela abstração (PAPALIA e OLDS, 2006).
Numa visão psicanalítica, o desenvolvimento da personalidade é vinculado
à evolução da libido e à passagem progressiva do princípio do prazer ao princípio
da realidade. As fases de evolução apresentam uma integração dinâmica. O final
da infância é marcado por um estado de latência, devido às pressões da
socialização. A adolescência é o período em que as fases pré-genitais da libido
regridem para dar lugar à sexualidade genital madura. Enfatiza então, o conflito
entre os impulsos instintivos e o estabelecimento de valores (MIRANDA, 2002).
Aberastury (2000, p.16) considera a “adolescência como um momento
crucial na vida do homem e constitui a etapa decisiva de um processo de
desprendimento” e destaca esse período como de “contradições, confuso,
doloroso” (Ibid, p.16). Esta fase é caracterizada por três perdas básicas: perda do
corpo infantil, perda dos pais da infância e perda da identidade infantil.O processo
de elaboração dos lutos provoca grande instabilidade no humor do adolescente:
irritabilidade, nervosismo, tristeza ou alegria excessiva, apatia e choro fácil se
revezam rapidamente. Em decorrências dessas perdas e ganhos, a adolescência
é marcada por buscas e contestações, pois o jovem está procurando elaborar o
seu próprio código de valores, o que é necessário para a construção da sua
identidade adulta.
ADOLESCÊNCIA NA ESCOLA
Lawrence Kohlberg, apud Biaggio (2002, p.72), afirma que a consciência
moral forma-se através de sucessivas adaptações do conhecimento às fases da
aprendizagem social, e identifica três níveis de desenvolvimento moral. No nível
pré-convencional (4 aos 10 anos), as normas sobre o que é bom ou ruim são
respeitadas atendendo às suas conseqüências (prêmio ou castigo) e ao poder
físico dos que as estabelecem. O nível convencional se situa entre 10 e 13 anos ;
nesta fase manter as expectativas da família, do grupo é particularmente valioso.
A partir de então, sinaliza-se o nível pós-convencional.
Na escola (Ensino Fundamental), o adolescente freqüenta o período que
vai do sétimo ao nono ano. Num momento inicial desta busca convencional vem à
tona a moralidade do bom garoto procurando manter as boas relações com os
grupos sociais próximos ou com quem interage. No final desse nível emerge um
indivíduo que respeita a autoridade e as normas do grupo. Apenas alguns
adolescentes e adultos conseguem chegar ao nível pós-convencional, onde os
princípios são aceitos conscientemente, independente da autoridade. O controle
da conduta é interno.
Para Freud (1937) apud Gutierra (2003), a educação carrega em si a
marca da impossibilidade, pois atuando na direção de um ideal de perfeição,
domínio e controle de resultados, depara-se necessariamente com resultados
insatisfatórios.
Esse ideal educativo é impossível, considerando a realidade do
inconsciente – o que o aluno escuta é recortado, retalhado e absorvido conforme
seu inconsciente determina e permite, assim como o que o educador fala, está
fadado a escapar do seu controle egóico. Assim, o controle absoluto e a previsão
de resultados são impossíveis.
Beatriz Gutierra (2003) ressalta um segundo “(im)possível”, resultante da
especificidade do trabalho psíquico em jogo na adolescência e seus reflexos na
relação como professor e com o saber. Esse segundo (im)possível refere-se à
especificidade da relação do adolescente com o educador, ou seja, o tipo
específico de transferência vivenciada por um sujeito na adolescência. O
adolescente está vivendo num tempo de constituição subjetiva que coloca em
xeque o mundo adulto até então apresentado como o lugar onde a realização e a
satisfação plena poderiam ser alcançadas. O educador de adolescentes fica
numa posição delicada, pois por um lado pode ser tomado como alguém capaz de
contribuir com a passagem adolescente, e por outro é provavelmente equivalente
na transferência, às figuras parentais (mundo adulto), com quem a relação é
freqüentemente pautada em desconfiança e afastamento. Isso porque, um dos
trabalhos psíquicos realizados na puberdade é o afastamento gradativo das
figuras parentais
Para Souza (2003, p.46) “a juventude estaria associada a valores e estilos
de vida e não propriamente a um grupo etário específico, transformou-se em
modelo que todos querem adotar.” Desse modo, a mídia, anuncia a liberdade e a
novidade como símbolos juvenis e os atributos característicos da juventude como
fase de transição – incerteza, mudança, experimentação de diferentes
“identidades” sociais, instabilidade – se tornaram modelos culturais que as
pessoas assumem em diferentes estágios da vida.
É importante ressaltar
que
não
se pode
falar
da
adolescência
genericamente, uma vez que existem nesta categoria: feminino e masculino,
estudantes e não estudantes, negros e brancos, trabalhadores e não
trabalhadores, pobres e ricos, moradores de centros urbanos e comunidades
rurais.
A escola é um espaço para onde converge esta multiculturalidade. pessoas
diferentes, valores divergentes, idades e experiências díspares ou distantes.
Professor (adulto) e aluno (adolescente) se encontram neste lugar para
construírem uma relação educativa.
De acordo com Delors (2001, p.152) “a importância do papel do professor
enquanto agente de mudança, nunca foi tão patente como hoje em dia. Este
papel será ainda mais decisivo no século XXI... É por isso que são enormes as
responsabilidades dos professores a quem cabe formar o caráter e o espírito das
novas gerações.”
O documento introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais ressalta,
que a relação do adolescente com o conhecimento é diretamente proporcional ao
tipo de relação estabelecida por ele com o educador e a postura deste frente ao
grupo.
Alunos que gostam e vão bem em certa área porque o professor “é legal,
é justo, é interessado, respeita os alunos, tem paciência para explicar,
sabe encarar as brincadeiras, ouve os alunos e mantém ambiente
propício para o trabalho escolar – nem permissividade nem
autoritarismo. Ao mesmo tempo afirmam não gostar ou não ir bem em
outras áreas exatamente porque os respectivos professores se
apresentam diferentemente daquele acima abordado” (PCN, 1998,
p.124).
Numa concepção mais atual, o currículo é entendido como processo de
seleção que se realiza no interior da cultura, ou seja, o currículo consiste na
escolha das diferentes manifestações culturais consideradas importantes na
educação das novas gerações.
Assim, o jovem absorve na escola, na relação com seus professores,
muitos conhecimentos que não são objeto específico do ensino, que configuram o
chamado currículo oculto
Ao abordar o currículo oculto, Silva argumenta que:
Numa perspectiva mais ampla, aprendem-se através deste, atitudes e
valores próprios de outras esferas sociais... aprende-se como ser
homem ou mulher, como ser heterossexual ou homossexual, bem como
a identificação com uma determinada raça ou etnia (SILVA, 2003, p.79).
Na esteira deste pensamento o mesmo Tomás Tadeu Silva acrescenta:
“uma das fontes do currículo oculto é constituída pelas relações sociais na
escola... a organização do espaço escolar é outro dos componentes estruturais
através dos quais os jovens aprendem certos comportamentos” (SILVA, 2003,
p.79).
Dessa forma, o currículo oculto constitui-se das aprendizagens ou dos
efeitos de aprendizagens de diferentes tipos, abrangendo conteúdos, valores
atitudes, interesses aprendidos na escola e que não foram intencionalmente
trabalhados pelo professor. São conhecimentos, valores e atitudes que não foram
colocados como foco de trabalho pedagógico, mas que de forma sutil e,
geralmente, não intencional terminam sendo transmitidos aos estudantes.
Pode-se afirmar que não existe o adolescente padrão, portanto é
necessário ao educador, estar atento às particularidades sociais e culturais e
buscar uma interlocução autêntica com esses sujeitos, compreender sua cultura e
sua forma específica de lidar com a realidade.
Uma maneira de compreender esses adolescentes que chegam à escola e
com eles estabelecer uma relação pedagógica positiva é apreendê-los como
sujeitos sócio-culturais.
Essa perspectiva implica em superar a visão homogeneizante e
estereotipada da noção de aluno, dando-lhe outro significado. Trata de
compreendê-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade
com visões de mundo, valores, sentimentos, emoções, desejos, com lógicas de
comportamento e hábitos que lhe são próprios; sem, contudo esquecer que cabe
ao educador, auxiliar o adolescente na “passagem” para a vida adulta e isso
requer confronto, contraponto, discussão dos limites e possibilidades.
CONCLUSÃO
Embora esteja clara a idéia de que não existe adolescente padrão, o
advento da globalização, a mídia, a automatização e a velocidade das
transformações características da chamada era tecnológica criam um estado de
constante desejo e a expectativa de rápida satisfação do mesmo. O adolescente
vive permanentemente a tentativa de ser contemporâneo: ler a última revista,
ouvir o último CD ou calçar o tênis mais recentemente lançado.
Como as mudanças da sociedade contemporânea atingem a estrutura
familiar e interferem na quantidade/qualidade de tempo disponível dos pais para
convivência com os filhos, transfere-se para a escola, cada vez mais, a função de
agente formador, para além da transmissão de informações ou da construção do
conhecimento.
Pode-se afirmar que pelo tempo que os adolescentes passam na escola,
bem como pela especificidade do seu papel ou função social, esta instituição tem
grande potencial para ser um espaço no qual os alunos vejam seus dilemas e
realidades contemplados, de modo a ampliar o campo onde constroem seus
projetos e identidades, considerando as experiências/vivências neste espaço.
Através da revisão bibliográfica, é possível constatar que a adolescência
pode ser entendida como uma fase da vida que se caracteriza pela busca da
autonomia. O que leva a pensar na postura dos adultos em relação a estes
sujeitos no que diz respeito ao limite, à referência, à condução para o mundo
adulto.
Entende-se
assim,
que
há
algo
que
responsabilidade desta e nesta condução.
compete
ao
educador
na
A autoridade (diferente do
autoritarismo) estará mais presente quanto maior for a capacidade de
problematizar continuamente o processo educativo, de lançar um novo olhar
sobre a adolescência, para além do rótulo, porque quando se ignora os dilemas
de um ser acaba-se por não reconhecê-lo como pessoa.
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