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21º CONGRESO MUNDIAL DE CIENCIA POLÍTICA Santiago de Chile, 12 – 16 de Julio 2009 Sesion temática: CS16 – Citizenship and Social Capital – Ciudadanía y capital social Coordinator: Marcello Baquero Cultura política, cidadania e construção democrática no Brasil e Paraguai Maria Salete Souza de Amorim 1 Resumo A América Latina vivencia hoje processos de democratização associados a crescentes desigualdades sociais, caracterizando uma democracia inercial tanto do ponto de vista político como social. Tais processos ocorrem dentro de um contexto político-institucional complexo, marcado pela institucionalização de regras e procedimentos democráticos e pela presença de uma cultura patrimonialista ancorada em um quadro de pobreza e exclusão social. A proposta deste artigo é examinar os níveis de confiança e de participação existentes no Brasil e no Paraguai, países onde predomina uma tradição autoritária permeada por aspectos históricoestruturais como o personalismo, o populismo e o clientelismo, ou seja, práticas que comprometem comportamentos favoráveis à participação, cooperação, confiança e apoio ao regime democrático. Parte-se do pressuposto de que a confiança nas instituições e a participação constituem elementos decisivos para o fortalecimento da democracia, pois possibilita a inclusão da população nos processos políticos e propicia o exercício da cidadania. Palavras-chave: cultura política, cidadania, democracia, participação. 1 Doutora em Ciência Política, Professora Adjunta da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE, BRASIL), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Democracia e Desenvolvimento/UNIOESTE e do Grupo de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Sustentável na América Latina/UFRGS. E-mail: [email protected] Cultura política, cidadania e construção democrática no Brasil e Paraguai Maria Salete Souza de Amorim UNIOESTE, Brasil Introdução O processo de construção democrática na América Latina tem suscitado uma série de pesquisas na área das Ciências Sociais que assinalam a importância da confiança e da participação para a estabilidade dos sistemas políticos. Vários pesquisadores têm abordado essa questão relacionando os baixos índices de confiança, encontrados na região, com um quadro de crescentes desigualdades sociais e insatisfação dos cidadãos em relação ao regime democrático. Pontualmente, o Brasil e o Paraguai estão entre os países com maior desigualdade de renda da América Latina. A situação de pobreza no Paraguai se agrava mediante o aumento do desemprego, má distribuição de renda, degradação dos recursos naturais, aumento da corrupção e desvio de recursos públicos. Historicamente, a ausência de um processo de industrialização e a dependência da economia agro-exportadora gerou, no Paraguai, informalidade econômica associada a uma baixa institucionalização do poder. Especialmente nas cidades fronteiriças, a população convive com graves desigualdades sociais e com um sistema de comércio ilegal e de contrabando na fronteira. No caso do Brasil, apesar de apresentar melhores indicadores econômicos em relação ao Paraguai, a desigualdade de renda permanece elevada: 75% da riqueza do país estão concentrados nas mãos dos 10% mais ricos (IPEA, 2007). Nesse contexto, o objetivo do artigo é examinar os níveis de confiança e de participação existentes no Brasil e Paraguai, a partir de dados obtidos junto ao Latinobarômetro e Latin American Public Opinion Project (LAPOP). Num primeiro momento, referencio pesquisas que abordam a confiança e a participação como variáveis importantes na construção de uma cultura política democrática na América Latina. Em seguida desenvolvo uma análise descritiva a respeito de tais variáveis no Brasil e Paraguai, países que possuem em comum uma tradição autoritária, permeada de práticas que não têm favorecem a participação, a cooperação e a confiança nas instituições democráticas. Nas considerações finais são feitos alguns apontamentos sobre os desafios para a democracia na América Latina. 1. Confiança e Participação Política na América Latina No âmbito das Ciências Sociais, o conceito de cultura caracteriza-se por ser complexo e polissêmico. Parte da literatura sustenta que fatores econômicos e institucionais são suficientes para gerar uma explicação convincente da dinâmica das democracias, sem que seja necessário recorrer à cultura. Constatam que traços culturais dominantes têm pouca importância para analisar a durabilidade das democracias (PRZEWORSKI, CHEIBUB e LIMONGI, 2003). Nessa perspectiva, a democracia seria um resultado do equilíbrio entre as diferentes forças políticas, que aceitam o veredicto das urnas e as regras do jogo político. De outro lado, há vasta literatura que sustenta que instituições e procedimentos não são suficientes para se alcançar a estabilidade de um regime democrático, tendo em vista a relevância das crenças e valores democráticos na consolidação da democracia (PUTNAM, 2002; BAQUERO, 2000; MOISÉS, 2005). Nos últimos anos, cientistas sociais têm se dedicado a estudar o processo de construção democrática na América Latina a partir dos pressupostos teóricos da cultura política e da matriz histórico-cultural da região. Utilizando dados de pesquisa de opinião pública os pesquisadores examinam as percepções e as atitudes dos cidadãos frente à democracia, estabelecendo relações entre variáveis e testando hipóteses sobre o comportamento político. Em recente pesquisa, Rennó (2001) verificou que a confiança interpessoal afeta o comportamento político em alguns contextos da América Latina. Os resultados indicam que, onde ocorre esta associação, a confiança interpessoal afeta a percepção das pessoas sobre a eficácia da obediência às leis e a confiança nas instituições políticas. “A ausência de confiança parece afastar os indivíduos da busca por soluções institucionais para seus conflitos diários de interação” (p. 55). Nessa perspectiva, nas sociedades onde os cidadãos confiam uns nos outros e trabalham cooperativamente em prol do bem comum, a legitimidade do regime democrático é assegurada pelo estoque de capital social, definido como normas e sistemas de reciprocidade que contribuem para aumentar a cooperação horizontal e a participação política (PUTNAM, 2002). Indicadores de participação, envolvimento das pessoas nas organizações sociais e confiança entre os membros de uma comunidade, demonstram o potencial e a capacidade de atuação dos cidadãos na esfera política. Em artigo sobre a desconfiança nas instituições democráticas, José Álvaro Moisés (2005) abordou o conceito de confiança sob as perspectivas da confiança interpessoal, social e política. No tocante à confiança política, que se refere ao sentimento comum de pertencimento dos cidadãos à comunidade política, a razão para confiar está relacionada aos princípios éticos e normativos das instituições, ou seja, o cidadão avalia o desempenho das instituições e o comportamento dos seus gestores políticos. Sem dúvida, o cidadão que se sente competente para participar e influenciar na política, expressa adesão aos valores associados ao regime democrático. Por outro lado, a desconfiança generalizada e continuada nas instituições públicas pode evidenciar dificuldades de funcionamento do regime, e comprometer ações de coordenação, cooperação e solidariedade entre os cidadãos (MOISÉS, 2005). A literatura especializada distingue dois tipos de participação política: a tradicional ou convencional, que inclui o ato de votar em eleições, plebiscitos e referendos, de participar de campanhas políticas e de buscar resolução de problemas individuais através do contato direto com representantes eleitos. Também é conhecida como participação política institucional, por referir-se àquelas atividades integradas aos mecanismos governamentais de tomada de decisões. Por sua vez, a participação política não convencional caracteriza-se por ações e atividades fora dos canais formais e da arena institucional, que tem por objetivo exercer pressão sobre as políticas governamentais. As manifestações e protestos, petições encaminhadas a órgãos públicos, doação de dinheiro para ONG’s, participação em movimentos feministas, ambientalistas e de defesa dos direitos humanos e boicotes de produtos em supermercados são algumas das ações apontadas pela literatura como novas formas de participação e de ativismo político (TEORELL; TORCAL; MONTERO, 2003; NORRIS, 2004). Os modos de participação política têm sido enfatizados sob diferentes aspectos segundo o tipo de perspectiva adotado na compreensão da democracia. A perspectiva liberal compreende a democracia não como uma forma de vida participativa, mas como um conjunto de instituições e mecanismos que garantem aos indivíduos a possibilidade de realizar seus interesses com a mínima interferência no processo político. Desse ponto de vista, os cidadãos são apáticos, desinformados dos assuntos políticos e desmotivados a participar. Os autores dessa corrente enfatizam a participação eleitoral como a forma mais convencional de envolvimento cívico e argumentam que o equilíbrio entre a participação moderada e a apatia produz governabilidade, ao passo que a participação política ampliada acarreta sobrecarga do sistema político, gerando a sua instabilidade (CROZIER; HUNTINGTON; WATANUKI, 1975; DOWNS, 1999). Outra perspectiva, de cunho democrático-participativo, compreende a democracia não apenas como um conjunto de regras e instituições, mas como um conjunto de práticas participativas que promovem a cidadania, a cooperação, a confiança e o desenvolvimento de valores e hábitos democráticos. Os autores dessa corrente defendem que a competência cívica e a eficácia política, conceitos que se referem ao sentimento de competência para influenciar e participar no processo decisório são componentes chave do engajamento político (ALMOND; VERBA, 1965; PUTNAM, 2002). Contudo, os partidos políticos que tradicionalmente se apresentavam como organizações políticas catalizadoras da participação, estabelecendo uma conexão entre cidadãos e sistema político, estão sendo confrontados com um rápido declínio da identificação partidária em diversos países. Esta tendência antiparticipativa contribui para debilitar a legitimidade dos partidos como canais de participação. Parte da literatura argumenta que o declínio da participação e da confiança no governo e na política não deveria ser visto como uma ameaça à estabilidade política, mas deveria ser entendido como parte da transformação global e estrutural dos padrões dos valores nas sociedades ocidentais (STOLLE; HOOGHE, 2004; INGLEHART, 2002). Para esses autores, a institucionalização de valores pós-materialistas e a ampliação do repertório de participação política desmistificam a participação nos canais tradicionais da política, como os partidos, por exemplo. No caso da América Latina, o que tem colocado em risco a estabilidade do regime democrático são os altos níveis de desigualdade, pobreza e exclusão social, combinados a uma crescente descrença e insatisfação da população com o desempenho das instituições políticas. Os movimentos sociais nestes países apresentam-se como uma forma política alternativa de intervenção social, uma vez que exigem maior transparência das ações governamentais. Recentes estudos avaliam as experiências do ativismo político que incorporam novas formas de expressão política, mobilização e envolvimento político. Pipa Norris (2004) destaca duas dimensões do ativismo político: a dos repertórios de ação política e a das agências de ativismo político. Com relação à primeira dimensão, existe distinção entre as ações cidadãs orientadas, aquelas direcionadas para eleições e partidos, e os repertórios de causas orientadas, cujo foco de atenção recai sobre questões específicas e interesses políticos. Os novos movimentos sociais combinam ações estratégicas com repertórios tradicionais ao lutarem por questões específicas dentro e fora da esfera institucional. As agências de ativismo político são estruturas organizacionais através das quais pessoas mobilizam-se para expressão política. Partidos políticos, igrejas, associações, cooperativas e sindicatos podem ser classificados como agências tradicionais; e os movimentos de mulheres, as ONG’s, os movimentos de defesa dos direitos humanos, os movimentos ambientalistas são considerados agências modernas. Essas últimas são caracterizadas pela rede descentralizada de comunicação entre coalizões horizontais e verticais das estruturas organizacionais. De acordo com a autora, analisar a participação sob o prisma apenas das agências tradicionais proporcionará uma perspectiva parcial do envolvimento cívico e político dos cidadãos (NORRIS, 2004). Os dados encontrados na pesquisa de Pipa Norris mostram que os indivíduos mais engajados no repertório de causas orientadas são aqueles que dispõem de altos níveis educacionais e de renda, além de um forte senso de eficácia política. Em termos de agência, a pesquisa confirma dados de outros estudos a respeito dos baixos índices de participação política e destaca as diferenças geracionais do comportamento político: de um lado a geração dos mais velhos mostra-se propensa a participar das agências tradicionais, como associações voluntárias, partidos políticos e igrejas; de outro lado, os mais jovens tendem a se engajar nos novos movimentos sociais, especialmente aqueles relacionados com meio ambiente ou com questões humanitárias. A autora argumenta que a falta de motivação e engajamento dos jovens reflete um desencantamento com a democracia e com os canais formais de participação (NORRIS, 2004). As novas formas de participação caracterizam-se por abandonar as estruturas organizacionais tradicionais em favor de estruturas mais flexíveis e horizontais e por romperem a fronteira entre a esfera pública e a privada. As mobilizações como abaixoassinados, petições, participação em protestos, manifestações e boicotes ocorrem de maneira espontânea e não movidas por estruturas ideológicas. Apesar de serem vistas como coletivas, as ações possuem um caráter individualizado. No caso de petições ou boicotes, por exemplo, os cidadãos podem desempenhar ações políticas em sua casa através da internet ou no supermercado. Isso requer sofisticação intelectual, política e econômica dos participantes, o que reduz as novas formas de participação a uma pequena parcela da população. No caso da América Latina, embora os cidadãos tenham o direito formal de se organizar, de expressar livremente suas opiniões e interesses, de participar das decisões políticas, questiona-se a ausência de condições favoráveis para estimular e permitir tal participação e questiona-se também a qualidade dessa parca participação. Avalia-se que os cidadãos, por não se sentirem pertencentes ao sistema político, permanecem numa posição reativa e/ou passiva, desenvolvendo suas atividades cotidianas à margem dos canais de participação na vida pública, impossibilitando assim qualquer ação que possa vir a influenciar a sociedade como um todo (COHN, 2000). Nesse contexto, o que significa exercer a cidadania? Ser cidadão é ter direitos que garantam a integridade física, igualdade perante a lei e liberdade de expressão; é ter direitos que assegurem a participação política nos canais formais e informais da política; é ter direitos sociais, como educação, saúde e trabalho, sem recorrer a práticas clientelistas. Isso significa que a cidadania não se exerce no vazio. É fundamental que existam condições adequadas para que os direitos civis, políticos e sociais sejam efetivamente garantidos a todos os segmentos sociais. A cidadania social, em sua essência, sempre esteve relacionada à garantia de direitos e não com programas compensatórios. Ela pressupõe um pacto social realizado pela sociedade como um todo, a partir do que se define que o Estado deve garantir uma proteção social – por meio dos direitos sociais – a todos os cidadãos, independentemente de sua renda, simplesmente pelo fato de serem cidadãos. A cidadania social requer, desse modo, que exista um mínimo de solidariedade, induzida pela necessidade de solução dos conflitos sociais, e um sentimento de responsabilidade da sociedade para com a vida de cada um de seus membros (UGÁ, 2006). Trata-se de construir uma cidadania que favoreça a confiança no sistema político e estimule atitudes e comportamentos participativos e democráticos. Contudo, para se alcançar este tipo de cidadania é imperativo transformar as relações de poder que tem produzido concentração de renda, de informação e de saber à custa da pobreza, da ignorância e da exclusão social de milhares de pessoas. Parte da literatura propõe uma transformação que privilegie o fortalecimento de organizações sociais e comunitárias, novos estilos de autogestão e de ação coletiva que propicie à população possibilidades de se pronunciar e de ser incluída nos processos políticos. Dessa forma, na seção seguinte serão analisados aspectos da cultura política presentes no Brasil e Paraguai, pontuando uma discussão sobre estes elementos. 2. Aspectos da Cultura Política Latino-Americana As pesquisas de opinião realizadas nos últimos anos fornecem importantes subsídios sobre a cultura política latino-americana. Dados disponibilizados pelo Latinobarômetro e pelo Latin American Public Opinion Project (LAPOP) permitem um estudo cada vez mais sistemático e comparativo da cultura política em vários países do mundo e revelam uma dinâmica a respeito dos determinantes de apoio ao sistema democrático, e uma relação entre o desempenho do governo e as opiniões dos cidadãos acerca do sistema político 2 . Tabela 1 Atitudes em relação à Democracia (%) Democracia melhor sistema de governo 86 Uruguai 83 Argentina 75 Brasil 49 Paraguai Fonte: Latinobarômetro, 2007 – n = 4.804 Apoio à democracia 75 63 43 33 Satisfação com a democracia 66 33 30 9 Confiança na democracia 77 67 44 34 Observa-se, nos dados apresentados na Tabela 1, uma inconsistência entre atitudes e comportamentos democráticos nos quatro países do Mercosul. De um lado, verifica-se um apoio normativo dos cidadãos, que afirmam preferir a democracia como melhor forma de governo. Este apoio, sem dúvida, é essencial para a construção de normas democráticas (EASTON, 1968). De outro lado, observa-se um fraco apoio específico, especialmente entre os brasileiros e paraguaios no tocante ao apoio à democracia, que não chega a 50%, e em relação à satisfação com o regime democrático, de apenas 9% no Paraguai e 30% no Brasil, refletindo um forte descontentamento com a democracia. Como explicar o baixo apoio à democracia em ambos os países? Esses indicadores de desconfiança em relação às instituições democráticas podem ser explicados, em parte, pelas avaliações negativas que os cidadãos fazem em relação ao desempenho sócio-econômico do governo, e pelas crescentes denúncias de corrupção na política. A hipótese da corrupção vem sendo trabalhada por diversos autores, que sustentam que os escândalos de corrupção e os desvios de dinheiro público minam a confiança dos cidadãos (POWER; JAMISON, 2005). A corrupção existe em todos os países do mundo, contudo, o Índice de Percepções de Corrupção indica que a América do Sul é uma das regiões do mundo com maior incidência de práticas de corrupção 3 . A região convive com um hibridismo. Verifica-se a existência de uma base normativa de apoio e uma certa adesão aos princípios democráticos, contudo, dentro de um clima de insatisfação com o funcionamento da democracia e de descrédito nas instituições. Disso decorre uma crise de governabilidade instalada nos governos latino-americanos nos últimos anos (BAQUERO, 2000). Os dados do Gráfico 1 mostram esse clima de desconfiança nas instituições políticos, no Brasil e Paraguai, confirmando as reflexões anteriores. 2 Coordenado por Marta Lagos, o Latinobarômetro é um survey nacional anual baseado em amostras por cotas de idade e gênero das populações urbanas de 17 países latino-americanos. Coordenado por Mitchell Seligson, o Latin American Public Opinion Project – LAPOP – desenvolve pesquisas em 27 países do hemisfério. 3 Relatório divulgado em 2002 no site da Transparência Internacional: http://www.transparency.org Gráfico 1 Confiança nas Instituições Políticas (%) Fonte: LAPOP – Vanderbilt University, 2008 / n= 1.465 / n= 1.160 Questão: Até que ponto o(a) sr(a) confia no: Diante do quadro de desconfiança, cabe destacar indicadores de confiança e de avaliação positiva feita ao presidente do Brasil. Cerca de 50% dos entrevistados afirmaram confiar no presidente, corroborando com outros dados de pesquisas já divulgadas na imprensa 4 . O índice de aprovação do governo Lula se mantém elevado, com algumas oscilações, desde 2002. O Instituto mexicano Consulta Mitofsky realizou pesquisa em 2007 sobre dirigentes no continente americano. No ranking, o presidente Lula ocupou o 10% lugar, com 48% de aprovação. Por sua vez, Nicanor Duarte, presidente do Paraguai, ocupou o último lugar na pesquisa, com apenas 11% de aprovação, refletindo a insatisfação da população com o governo paraguaio e apontando para o clima de mudanças, tema central nas campanhas eleitorais de 2008. Nos dados do LAPOP, conforme Gráfico 1, os percentuais de baixa confiança alcançam mais de 60% para o presidente do Paraguai. De modo geral, os dados do Gráfico 1 exprimem níveis generalizados de desconfiança em todos os tipos de instituições políticas. Os partidos políticos, considerados agentes importantes na formação das atitudes políticas dos cidadãos, receberam os maiores percentuais de desconfiança, chegando a 51% no Paraguai e 33% no Brasil. As gradações 2 a 4 (confia pouco) reforçam o desprestígio dessas instituições entre os entrevistados. O Congresso, associado diretamente aos partidos políticos, é a segunda instituição que desperta desconfiança em 41% dos entrevistados no Paraguai e 26% no Brasil. A crescente desmoralização dos partidos políticos, a proliferação de legendas e a desconfiança dos eleitores em relação à política e às instituições democráticas tornam cada vez mais distante a institucionalização do voto partidário e ideológico nesses países. A análise de Mainwaring (2001) sobre o sistema partidário brasileiro mostra-se bastante pessimista. Argumenta que a migração e a baixa fidelidade partidária, conjugadas com alta autonomia dos políticos, não contribuem para a institucionalização das organizações partidárias. Segundo o autor, esse quadro favorece o surgimento de partidos descentralizados, indisciplinados e individualistas, do tipo “catch-all”, que não criam raízes na sociedade e nem favorecem uma identificação partidária sólida e estável. O autor afirma que o declínio da identificação partidária e o crescimento da volatilidade eleitoral são elementos que influem diretamente na instabilidade do sistema partidário. Mesmo manifestando preferências 4 Pesquisas do CNT/Sensus mostram que a aprovação de Lula, iniciada com 84% chegou aos 62%, em 2008. partidárias durante o processo eleitoral, não se pode afirmar que o eleitorado criou raízes estáveis com os partidos. Na conjuntura política recente, verifica-se uma ascensão de partidos de esquerda ou centro-esquerda na presidência da República. Trata-se de lideranças que participaram da luta pelo restabelecimento da democracia. Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil pelo Partido dos Trabalhadores, com a coligação “A Força do Povo” (PT/PCdoB/PL/PMN/PCB), e reeleito em 2006 com 58 milhões de votos. No Paraguai, Fernando Lugo venceu as eleições presidenciais, em abril de 2008, pela “Aliança Patriótica para a Mudança”, coalizão que agregou diversos partidos políticos de esquerda e movimentos de oposição, rompendo com a hegemonia do Partido Colorado e das forças políticas tradicionais há anos no poder (AMORIM, 2008). Desde a transição democrática, o Paraguai enfrentou ausência de alternância no poder, tentativas de golpes militares, processo de impeachment contra o presidente Luis González Macchi e o assassinato do vice-presidente, Luis Maria Argaña. As eleições presidenciais que ocorreram em abril de 2008 mobilizou cerca de 2,9 milhões de eleitores nos 17 departamentos de todo o país. Apesar da maioria dos paraguaios expressarem preferência partidária pelo Partido Colorado (41%), esse fato não reverteu em votos para Blanca Ovelar, candidata apoiada pelo Movimento Progressista Colorado (MPC). A Tabela 2 mostra os resultados do pleito eleitoral no Paraguai. Tabela 2 Eleições Presidenciais – Paraguai 2008 Candidatos Fernando Lugo – presidente (PDC) Federico Franco – vice (PLRA) Blanca Ovelar – presidente Carlos María Santacruz - vice General Lino Oviedo – presidente Nicolas Luthold - vice Brancos e Nulos Total Partido Político/Aliança Aliança Patriótica para a Mudança Associação Nacional Republicana (Partido Colorado) Partido União Nacional de Cidadãos Éticos (UNACE) / % de votos 41 32 22 5 100 Fonte: Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (www.tsje.gov.py) Observa-se na Tabela 2 a vitória de Fernando Lugo, com 41% dos votos válidos, seguido de Blanca Ovelar (32%). Chama a atenção o significativo percentual de votos para o General Lino Oviedo (22%), que havia sido condenado à prisão por tentativa de golpe de 1996 e acusado de cumplicidade no assassinato do vice-presidente, Luis Maria Argaña, mas que recuperou seus direitos políticos recentemente. Com relação ao Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva participou como candidato em todas as eleições para Presidente da República desde 1989. Finalmente em 2002, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) fez coligação com duas forças políticas opostas no espectro ideológico: Partido Liberal (PL), localizado à direita e Partido Comunista do Brasil (PCdoB), localizado à esquerda, Lula obteve sucesso eleitoral. Em 2006, manteve a mesma estratégia eleitoral e pragmática, coligando-se com o Partido Republicano Brasileiro (PRB) e o PCdoB, foi reeleito com 58 milhões de votos, como mostra a Tabela 3. Tabela 3 Eleições Presidenciais – Brasil 2006 (2º turno) % Candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) José Alencar (PRB) Geraldo Alckmin (PSDB) José Jorge (PFL) Partido Político/Coligação A Força do Povo (PT-PCdoB-PRB) Votos Válidos 61 Por um Brasil Decente (PSDB-PFL) 39 Total 100 Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (www.tse.gov.br ) A vitória eleitoral de lideranças políticas de orientação esquerdista na América Latina, apoiados por movimentos sociais de oposição e por forças políticas tradicionais e conservadoras revela dois elementos. Primeiro, é uma maneira de a população expressar seu descontentamento frente à situação econômica, à incapacidade dos governos em responderem aos problemas sociais e à impunidade frente à corrupção generalizada 5 . Segundo, as chances de vitória das organizações de esquerda são maiores quando buscam apoio de forma mais pragmática e menos ideológica. Miguel e Machado (2007) traçam a seguinte argumentação: a perspectiva ideológica julga que a coligação é um instrumento que permite que partidos que se encontram próximos uns dos outros no espectro esquerda-direita ampliem suas chances de vitória contra adversários situados em posição oposta. Já a perspectiva pragmática acredita que os competidores com chances reais na disputa buscam o maior número possível de apoios, não importa de onde venham, a fim de garantir a máxima vantagem sobre seus adversários. Nas eleições presidenciais, o PT, que em 1989, 1994 e 1998 se coligou com PCdo B, PSB, PPS, PSTU, PV, PDT e PCB, assumindo a primeira perspectiva, teria passado à segunda em 2002 e 2006, ao se aliar aos direitistas PL e PRB. Entre esses elementos apontados pelos autores, como inserir a discussão sobre os critérios utilizados pela população na decisão do voto? A população avalia, de fato, a diferenciação entre os partidos no espectro esquerda-direita? Analisando dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) e do LAPOP, verifica-se uma baixa identificação partidária e um declínio da preferência do eleitorado em relação aos partidos no Brasil e no Paraguai, quando comparados os períodos entre 2002 e 2006. Brasil PT PMDB PSDB PFL Outros NS/NR 2002 26 7 5 3 7 52 Tabela 4 Preferência Partidária (%) 2006 Paraguai 22 Partido Colorado 3 PLRA 4 UNACE 1 Pátria Querida 3 Outros 67 Nenhum 2002 29 16 13 4 6 32 2006 41 21 7 5 6 20 Fontes: ESEB, 2002 e 2006 – n = 2.513 / n = 1.000 - “Qual o partido que o(a) Sr(a) gosta?” LAPOP, 2002 e 2006 – n = 1.155 / n = 1.165 - “¿Entre los partidos y movimientos políticos existentes, a usted le gusta más o siente mayor simpatía por?” 5 Dados do LAPOP (2006) indicam o desemprego, a pobreza e a corrupção como os principais problemas apontados pelos brasileiros e paraguaios. De acordo com a Tabela 4, observa-se no Paraguai um percentual significativo de preferência pelo Partido Colorado: 29% em 2002 e 41% em 2006. Contudo, essa preferência não reverteu em votos para Blanca Ovelar, em 2008. Por sua vez, o partido de filiação partidária de Fernando Lugo, o Partido Democrata Cristão (PDC) nem aparece na preferência dos entrevistados. Analisando as novas configurações partidárias nas Câmaras dos Senadores e dos Deputados, verifica-se que o Partido Colorado conquistou 45 cadeiras (15 no Senado e 30 na Câmara), apresentando uma perda de 16 membros. O Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) posiciona-se como o segundo maior partido em representação política. Aumentou sua bancada de 33 para 41 membros e o Partido da União Nacional dos Cidadãos Éticos (UNACE) dobrou o número de representantes de 10 para 24, o que não condiz com os dados sobre o declínio da preferência pela UNACE, de 13% para 7%, conforme Tabela 4. Confrontando a preferência partidária com a composição da Câmara dos Deputados no Brasil, verificam-se algumas inconsistências entre identificação partidária e voto, mas também algumas tendências. Na legislatura 2002-2006, a maior bancada era do Partido dos Trabalhadores (PT), com 90 deputados. Nas eleições de 2006, o PT perdeu 7 cadeiras, elegendo 83 deputados. Por sua vez, o PMDB aumentou sua bancada de 69 para 90 deputados, e o PSDB praticamente manteve seus 64 deputados. O PFL (atual Democratas) perdeu 13 cadeiras, elegendo 62 deputados em 2006. Diante dessas informações, verifica-se um predomínio do voto personalista e de preferências pragmáticas e não programáticas. Pesquisas revelam que na América Latina, cerca de 70% dos eleitores votam na pessoa do candidato, não se baseando em critérios partidários, ideológicos ou programáticos. A identificação partidária, portanto, ocorre muito mais em função da relação que se estabelece entre candidatos e eleitores do que propriamente de uma identificação com propostas dos partidos (BAQUERO, 2000). O personalismo e o clientelismo fazem parte daquele círculo vicioso comentado anteriormente. Apoio à democracia de um lado, e desconfiança nas instituições políticas e insatisfação com o desempenho do regime, de outro lado. Há um esforço entre os cientistas políticos para explicar as causas da desconfiança que tem afetado as percepções dos cidadãos em relação à política de modo geral. Moisés e Carneiro (2008), utilizando dados do Latinobarômetro, verificam que quanto maior é o percentual de desconfiança nas instituições políticas e maior a insatisfação com a democracia, maiores são os percentuais de apoio a uma democracia sem partidos políticos e sem Congresso. De um modo geral, os dados parecem confirmar que as experiências dos cidadãos influenciam as atitudes sobre a confiança política, sugerindo que ela está associada com a vivência de regras, normas e procedimentos que decorrem do princípio de igualdade de todos perante a lei. Mas eles também sugerem que a atitude dos cidadãos com relação à política democrática depende do impacto do funcionamento concreto tanto das instituições como de governos (MOISÉS; CARNEIRO, 2008:38). Na mesma linha de argumentação, Power e Jamison (2005) explicam as causas e as conseqüências da desconfiança nos políticos da América Latina a partir de três fatores: pelo desempenho sócio-econômico, pelos elevados índices de corrupção e pelo uso instrumental das instituições políticas. Em relação ao primeiro fator, os autores argumentam que a transição política se deu em um contexto de grave crise econômica, marcada pela recessão e aumento da pobreza. Nos anos 1990 houve uma série de reformas econômicas na tentativa de retomada do crescimento, mas não foi acompanhado pela redistribuição de renda. Um dos principais problemas encontrados no Brasil e no Paraguai são as desigualdades de renda, que cria obstáculos ao crescimento econômico e gera descontentamento social. A democracia social está longe de ser uma realidade na região. Sobre o segundo fator, destacam que no período de redemocratização, a América Latina foi acometida por escândalos de corrupção na política. Diversos presidentes da República como, por exemplo, Fernando Collor de Mello (Brasil), Carlos Andrés Pérez (Venezuela), Alberto Fujimori (Peru) e Sanchez Losada (Bolívia), foram destituídos do poder. Além dos fatos históricos, pesquisas revelam que a percepção das pessoas sobre a corrupção deveu-se à maior exposição dos fatos na mídia. O Índice de Percepção da Corrupção pela Transparência Internacional possibilitou aos estudiosos estabelecer relações com os índices de confiança nas instituições políticas, e a alcançar resultados de pesquisa mais afinados com a realidade. Segundo Power e Jamison (2005: 85), os altos índices de desconfiança dos cidadãos na política e nos políticos, endossa a percepção de que os políticos profissionais e os partidos são dispensáveis na democracia. Os políticos, como contraponto, evitam a identificação com os partidos, reforçando sua imagem e sua personalidade. Na “tentativa de escapar da identificação com a classe política, com os partidos tradicionais ou com rótulos ideológicos, muitos políticos escolhem atacar as instituições de representação. Abandonam os partidos; candidatos criam continuamente novas agremiações; abundam movimentos personalistas”, como atesta os autores citados. Nesse contexto, os latino-americanos mostram-se insatisfeitos com o funcionamento da democracia e com a atuação dos partidos políticos. Verifica-se um ceticismo em relação às instituições políticas, que não é exclusivo desses países (ALCÂNTARA SAEZ, 2001). Dados da Pesquisa Mundial de Valores (World Values Survey), coordenada por Ronald Inglehart, evidenciam o sistemático declínio dos partidos políticos, o descrédito e a desconfiança nas instituições democráticas em diversas democracias ocidentais. Mas, em contrapartida, cresce o interesse dos cidadãos pelos direitos humanos, pela questão ambiental e pela qualidade de vida, confirmando uma mudança efetiva nos padrões de participação política, expressa pela adesão e apoio aos novos movimentos sociais (INGLEHART, 2002). No entanto, o que ocorre nas democracias latino-americanas é o afastamento dos cidadãos da esfera política, tanto do nível formal como informal, devido ao déficit democrático entendido aqui como a queda da qualidade de vida e a negligência com a dimensão social. Como referenciado no item anterior, a confiança política não é a única forma de confiança a ser avaliada na análise do comportamento político. A confiança interpessoal também se revela baixa entre os latino-americanos, como mostram alguns pesquisadores. Segundo Rennó (2001), em alguns países a confiança associa-se diretamente ao comportamento político. Nesse caso, os cidadãos tendem a confiar mais nas pessoas e nas instituições quando acreditam que as políticas estão sendo funcionais e eficazes. Quando indagados sobre a confiança nas pessoas, os latino-americanos revelam-se céticos, como mostra o Gráfico 2. Gráfico 2 Confiança Interpessoal (%) Fonte: Latinobarômetro, 2007 – n = 4.804 P. Hablando en general, ¿Diría Ud. que se puede confiar en la mayoría de las personas o que uno nunca es lo suficientemente cuidadoso en el trato con los demás? *Aquí solo ‘Se puede confiar en la mayoría de lãs personas’ Conforme dados apresentados no Gráfico 2, a confiança interpessoal é baixa nos quatro países vizinhos, mas chama atenção o baixíssimo percentual apresentado pelo Brasil e Paraguai, de apenas 6%. O contexto político e cultural é fundamental para explicar essa situação. Numa sociedade onde as leis são obedecidas, os níveis de violência são baixos e as decisões políticas oferecem soluções concretas aos problemas sociais, certamente haverá maiores laços de confiança e de solidariedade social. “Os cidadãos que acreditam que os outros são pessoas decentes e honradas estão mais inclinados a confiar em estranhos”, aponta Rennó (2001), sugerindo que a percepção do outro como um cidadão honesto é fundamental para o crescimento da confiança. Tradicionalmente, a confiabilidade e a segurança permanecem restritas ao âmbito privado e familiar. A erosão das normas de convivência, que destituem a arena pública de qualquer caráter positivo, caracteriza um verdadeiro estado de natureza, sem lei nem ordem. Segundo Wanderley Guilherme dos Santos (1993), essa desconfiança generalizada e ausência de solidariedade e cooperação se devem à existência de uma cultura política autoritária, de natureza hobbesiana e predatória, geradora de comportamentos individualistas, hostis e pouco democráticos. O conjunto de dados examinados evidencia que a indiferença e a desconfiança em relação às instituições políticas refletem a decepção dos cidadãos frente aos graves problemas sociais, ao aumento da pobreza, à má qualidade dos serviços públicos, à ineficácia dos partidos e dos governos em responderem às demandas sociais e ao aumento da corrupção. Sair desse círculo vicioso para entrar num círculo virtuoso, no qual a credibilidade nas instituições políticas e o sentimento de eficácia política favoreçam o aumento da participação política, é o grande desafio da democracia brasileira. Compreender as relações de confiança entre as pessoas e a confiança que elas depositam nas instituições políticas é fundamental para entender os baixos indicadores de vida associativa e a baixa participação política, especialmente no contexto latino-americano, como mostra o Gráfico 3. Gráfico 3 Freqüência da Participação Social Nunca (%) Fonte: LAPOP – Vanderbilt University, 2008 / n= 1.485 / n= 1.146 Questão: Com que freqüência participa de: (1) Uma vez por semana; (2) Uma ou duas vezes ao mês (3) Uma ou duas vezes ao ano; (4) Nunca. A participação política caracteriza-se pelas ações coletivas ou individuais, de apoio ou de pressão, direcionadas a selecionar governos e a influenciar as decisões tomadas por eles. Há uma ênfase na participação eleitoral, avaliada pela disposição dos cidadãos em participar de eleições e referendos. A participação mais ampliada, que consiste na participação em partidos, sindicatos, movimentos ou associações, não chega a 20% no Brasil e no Paraguai, como mostra o Gráfico 3. Pontualmente, no Brasil, os movimentos e organizações sociais apresentam-se como uma nova forma de intervenção social, desde os anos 1980. Possuem o papel de promover a inclusão social, a cidadania e a transformação de práticas arraigadas na sociedade que impedem a afirmação e o reconhecimento dos direitos. As novas formas de participação caracterizam-se por serem mais flexíveis e horizontais e por exigirem maior eficácia e transparência das ações governamentais. Na medida em que buscam contemplar os interesses sociais diversos, contribuem para a criação de uma nova gramática social e política, capaz de mudar as relações de gênero, de raça e de etnia. De acordo com o Latinobarômetro, os índices desse tipo de participação não alcançam 25% tanto no Brasil como no Paraguai. Teóricos da cultura política argumentam que os cidadãos mostram-se mais dispostos a participar quando acreditam que suas ações e seus objetivos serão alcançados. Trata-se do sentimento de eficácia política ou competência política subjetiva, aquele que os indivíduos acreditam que podem influenciar nas decisões políticas (ALMOND; POWELL JR, 1972). O reconhecimento de que a participação popular sintetiza valores da cultura política democrática e da cidadania ativa nos conduz a continuar a investigação sobre diferentes canais de participação existentes, o grau de interesse e de ocupação desses espaços nos países latinoamericanos e a qualidade dessa participação política. Considerações finais Este trabalho buscou identificar a maneira como as pessoas percebem, atuam e se comportam em relação ao funcionamento da democracia. Foi possível observar que a despeito da existência de instituições políticas democráticas no Brasil e no Paraguai, a expansão da pobreza e das desigualdades sociais, o ceticismo e o afastamento dos cidadãos da esfera da política se colocam como desafios à democracia, pois comprometem comportamentos favoráveis à participação, à confiança política e de apoio ao regime democrático. No âmbito formal, a participação dos cidadãos em eleições, e, em alguma medida, em conselhos gestores, orçamento participativo e audiências públicas demonstram a possibilidade de construção de uma cultura política democrática dentro de um contexto tradicional de práticas clientelistas, personalistas, autoritárias e corruptas. Contudo, os baixos níveis de participação encontrados nestes países não têm contribuído para consolidar valores e práticas mais democráticas na América Latina. Estas reflexões pretendem contribuir para ampliar os estudos de cultura política latinoamericana, tendo em vista a importância de analisar contextos regionais. O próximo passo é analisar os espaços de participação institucional existentes em ambos os países, verificando como se dá o exercício dessa participação nas esferas de poder local. A proposta será sondar a percepção dos agentes políticos sobre a democracia e sobre os mecanismos formais de participação previstos nas legislações federais e municipais no Brasil e no Paraguai. Referências ALCÁNTARA SÁEZ, Manuel. Los partidos políticos en América Latina: la fachada y las ruinas, In: Fractal, n° 22, año 6, volumen VI, pp. 107-132, julio-septiembre, 2001. ALMOND, Gabriel. e VERBA, Sidney. The Civic Culture. Political attitudes and democracy in five nations. Boston. Little Brown and Company, 1965. ALMOND, Gabriel. e POWELL Jr., G. Bingham. Uma Teoria de Política Comparada. Tradução: Narceu de Almeida Filho. Rio de Janeiro, Zahar, 1972. 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