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Magazine da SPM 2013 (2) 28.03a
Quorum Sensing na regulação das interações bactéria-hospedeiro: um
possível alvo terapêutico?
J.M. Pereira1,2, R.S. Valente1,2, K.B. Xavier1,2*
1) Instituto Gulbenkian de Ciência; 2) Instituto de Tecnologia Química e Biológica
*correspondência: [email protected]
As bactérias têm a capacidade de sincronizar a sua expressão genética e desenvolver
comportamentos característicos de organismos multicelulares. O principal mecanismo regulatório
que assegura esta propriedade designa-se quorum sensing (QS). Muitos dos comportamentos
regulados por QS são importantes nas interações bactéria-hospedeiro. Deste modo, interferir com
estes processos poderá oferecer a possibilidade de manipular os comportamentos bacterianos para
benefício do Homem.
Introdução
As bactérias são seres unicelulares que foram
muito tempo descritas como formas solitárias.
No entanto, nas últimas décadas, tornou-se
claro que conseguem ter propriedades típicas
de organismos multicelulares pois são
capazes de sincronizar o seu comportamento:
tal como células em tecidos, as bactérias
conseguem coordenar a sua expressão
genética, atuando em grupo. O principal
mecanismo molecular que está na base da
regulação deste tipo de comportamentos é
denominado por deteção de quórum (quorum
sensing, QS). Este processo envolve a
libertação de pequenas moléculas-sinal,
designadas autoindutores (AIs), que se
acumulam
no
meio
extracelular
proporcionalmente
ao
crescimento
bacteriano. A baixas densidades celulares os
AIs difundem-se no meio, não sendo por isso
reconhecidos
pelos
seus
recetores
específicos. Porém, quando o número de
células é suficiente para atingir uma
concentração de sinal elevada, estes ligam-se
aos seus recetores, ativando as cascatas de
sinalização que culminam na alteração da
expressão genética e na indução de
comportamentos de grupo (Waters & Bassler,
2005; Wai-Leung & Bassler, 2009).
De um modo geral, os processos regulados
por QS não são produtivos a baixas
densidades
celulares,
sendo
apenas
vantajosos quando o número de células na
população é elevado. Este mecanismo
permite às bactérias avaliar a densidade
populacional, ou seja “contar” o seu número
no ambiente, e determinar o momento em que
será produtivo atuar em grupo, regulando a
transição de comportamentos individuais para
comportamentos coletivos. Existem diversos
comportamentos regulados por QS, tais como
a bioluminescência, a formação de estruturas
multicelulares como os biofilmes, a secreção
de factores de virulência, a formação de
esporos, a aquisição de novos genes por
competência e a produção de antibióticos
(Waters & Bassler, 2005), sendo que muitos
destes comportamentos são importantes no
estabelecimento das interações bactériahospedeiro. Assim, a compreensão dos
mecanismos de QS que estão na base da
regulação destas interações poderá dar-nos
indicações sobre como manipular os
comportamentos bacterianos a nosso favor.
O papel do QS na patogénese está bem
documentado, sendo que muitas espécies
clinicamente
relevantes
utilizam
este
processo para assegurar a produção colectiva
de factores de virulência e estabelecerem a
infeção (Rutherford & Bassler, 2012). A
utilização de antibióticos sempre foi a
estratégia preferencial para o combate às
infeções bacterianas, no entanto, durante as
últimas décadas, têm surgido cada vez mais
casos de multirresistência (Andersson &
Hughes, 2010). Por outro lado, existe um
consenso cada vez maior de que as bactérias
desempenham um papel fundamental na
manutenção da homeostasia do hospedeiro:
foi observado que ausência de microbiota
específica no órgão luminoso de lulas jovens
promove um anormal desenvolvimento deste
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(Visick et al., 2000). O mesmo foi verificado no
intestino de murganhos germ-free muito
jovens, acompanhado duma incorreta
maturação do sistema imunitário e uma maior
susceptibilidade à infeção por patogéneos. A
própria estrutura da microbiota tem sido
apontada como um factor etiológico
importante em doenças como a obesidade,
diabetes e doenças cardiovasculares (Hooper
et al., 2012). Como tal, surge cada vez mais a
necessidade da utilização de terapias que não
desregulem a microbiota do hospedeiro. A
utilização de mecanismos que interferem com
o QS, designados por mecanismos de
extinção de quórum (quorum quenching, QQ),
potenciará o desenvolvimento de novas
estratégias para o combate a doenças
infeciosas reguladas por QS, uma vez que
permitirá
controlar
especificamente
a
virulência do patogéneo sem interferir com a
microbiota do hospedeiro. Por outro lado, uma
vez que os mecanismos de QQ se dirigirem
apenas à regulação de comportamentos e não
à inibição de crescimento, exercem uma
menor pressão seletiva e, como tal, há uma
menor probabilidade de aquisição de
resistência.
Neste trabalho discute-se o papel dos
mecanismos de QS no estabelecimento e
manutenção
de
interações
bactériahospedeiro em quatro modelos bem
estudados in vivo. Tendo por base estes
exemplos, pretende-se ilustrar como é que a
atuação a nível da regulação por QS poderá
ser explorada para o desenvolvimento de
novos probióticos e novas terapias para
controlar
infeções
bacterianas,
como
alternativa aos antibióticos convencionais.
E fez-se luz: Vibrio fischeri e a simbiose
com a lula
Vibrio fischeri é uma bactéria marinha
bioluminescente que vive em simbiose com a
lula Euprymna scolopes, colonizando um
órgão especializado (“órgão-luz”) que é usado
pelo hospedeiro enquanto estratégia de
evasão aos predadores, permitindo-lhe
neutralizar a sua sombra nas noites
estreladas (Jones & Nishiguchi, 2004).
Durante o dia a bactéria divide-se no interior
deste órgão rico em nutrientes, sem produzir
bioluminescência. Só à noite, quando atinge
densidades celulares elevadas, ou seja o seu
quórum, é que ativa a expressão do operão da
luciferase, emitindo luz. Todas as manhãs a
lula expele a grande maioria da população de
Vibrio, que terá a possibilidade de colonizar
outros hospedeiros, permanecendo no interior
do órgão-luz apenas um pequeno inóculo que
iniciará um novo ciclo. Esta bactéria produz
homoserinas
lactonas
aciladas
(acylhomoserine lactones, AHLs) através da
sintase LuxI, que são excretadas para o meio
ambiente e que, a elevadas densidades
celulares, são detetadas pelo recetor
intracelular LuxR. A ligação das AHLs ao
LuxR desencadeia a ativação da expressão
dos
genes
responsáveis
pelos
comportamentos de grupo, neste caso a
bioluminescência (Waters & Bassler, 2005).
Experiências em laboratório com mutantes
nos genes da sintase ou do recetor mostram
que estes, não só não produzem
bioluminescência no interior do “órgão-luz”,
como também não conseguem persistir no
hospedeiro. Do mesmo modo, experiências
de competição com a estirpe selvagem (wildtype, WT) indicam que a lula favorece a sua
persistência em detrimento do mutante no
recetor de QS (Visick et al., 2000). Em suma,
a indução de bioluminescência por V. fischeri
através de QS é essencial para o
estabelecimento e manutenção da simbiose
com o seu hospedeiro.
Foi o estudo desta simbiose que levou à
descoberta do processo de QS e que permitiu
a identificação de genes homólogos em
muitas outras bactérias, incluindo patogéneos
humanos.
O elo mais forte: QS na regulação da
virulência em Pseudomonas aeruginosa
Pseudomonas aeruginosa é uma bactéria
tipicamente oportunista que infeta doentes
com defesas imunitárias comprometidas,
como doentes com fibrose quística ou com
queimaduras severas da pele, sendo também
relevante nas infeções nosocomiais. P.
aeruginosa possui dois circuitos de QS
homólogos ao LuxI/LuxR que se organizam
em série, sendo que o primeiro circuito
(LasI/LasR) induz a ativação do segundo
(RhlI/RhlR) (Figura 1). A baixas densidades
celulares a sintase LasI assegura a produção
de 3-oxo-C12-homoserina lactona (3OC12AHL). Quando a concentração crítica deste
sinal é atingida, os genes regulados pelo
primeiro sistema de QS são induzidos, entre
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eles o rhlI. Este gene codifica a sintase de
butanoil-homoserina lactona (C4-AHL), que é
o AI responsável pela ativação do segundo
circuito de QS (Jimenez et al., 2012). A
utilização de um sistema em série poderá
permitir
que
P.
aeruginosa
regule
temporalmente a expressão dos fatores de
virulência envolvidos em diferentes fases na
infeção.
reconhecido pelo recetor citoplasmático RhlR,
que passa a activar não só a transcrição de
rhl, mas também genes importantes na
produção de metabolitos secundários
envolvidos na virulência. Existem outros
circuitos nesta espécie, contudo o sistema
aqui apresentado é o mais determinante na
regulação da sua virulência (adaptado de
Waters & Bassler, 2005).
Experiências in vivo nos modelos de
pneumonia aguda, infeção de queimaduras ou
infeção da córnea, mostram que os mutantes
nas sintases ou nos recetores de QS são
menos virulentos que o WT (Rumbaugh et al.,
1999; Pearson et al., 2000; Smith et al., 2002;
Zhu et al., 2004). Estes resultados mostram
que a existência de sistemas de QS funcionais
em P. aeruginosa é essencial para a sua
patogenicidade.
O que não as mata, torna-as mais fortes:
QS na era dos MRSA
Staphylococccus aureus é um comensal da
flora da pele do Homem mas que se pode
tornar patogénico, sendo a maior causa de
infeções nosocomiais, e que adquire
frequentemente resistência aos antibióticos. A
infeção por esta bactéria é caracterizada por
duas fases: uma primeira fase de colonização
e uma fase virulenta altamente destrutiva para
os tecidos do hospedeiro (Rutherford &
Bassler, 2012). A transição entre estes
estados é regulada por um mecanismo de QS
que promove a expressão de factores de
virulência a elevadas densidades celulares. O
sistema de QS encontra-se codificado no
operão agr (Figura 2), sendo os AIs deste
sistema oligopéptidos (autoinducer peptides,
AIPs). Quando o quórum é atingido, e os AIPs
são detectados pelo sistema de dois
componentes AgrC/AgrA, ocorre a transcrição
do RNA regulatório, RNAIII. A atividade do
RNAIII é responsável pela transição entre as
duas fases de infeção, promovendo a
cessação da expressão de factores de adesão
e a ativação da secreção de toxinas (Novick &
Geisinger, 2008). Existem quatro tipos
distintos de AIPs em S. aureus, que diferem
consoante a estirpe produtora. Durante uma
coinfeção por diferentes estirpes de S. aureus,
estas competem entre si por inibição da
regulação da virulência, uma vez que cada
AIP ativa apenas o seu recetor de QS
específico, inibindo os restantes. A estirpe que
atinge o quórum primeiro, ou seja, que ativa
primeiro a sua cascata de QS, consegue
colonizar o hospedeiro, ganhando assim a
competição. Este fenómeno natural de
interferência por antagonismo abriu a
possibilidade de sintetizar miméticos de AIPs
como terapia para o tratamento da infeção por
S. aureus. De facto, nos modelos de abcessos
cutâneos e subcutâneos de murganho, o
tratamento com um AIP sintético tipo II
durante a infeção com S. aureus tipo I, diminui
Fig. 1. Pseudomonas aeruginosa regula a
virulência por QS.
P. aeruginosa utiliza o QS para regular a sua
virulência, através de dois circuitos tipo
LuxI/LuxR organizados em série: LasI/LasR e
RhlI/RhlR. A sintase LasI produz o 3OC12AHL que se acumula no meio e é detetada
pelo regulador de resposta LasR a elevadas
densidades celulares, ativando a transcrição
dos genes relacionados com a formação de
biofilmes e proteases, para além do próprio
operão
las
e
do
operão
rhl.
Consequentemente, a sintase RhlI é expressa
e produz o segundo AI, C4-AHL, que, quando
atinge
uma
concentração
crítica,
é
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drasticamente a extensão das lesões
infligidas na pele para níveis semelhantes ao
do mutante agr(Mayville et al., 1999; Wright et
al., 2005). Desde então, têm sido sintetizados
péptidos com várias modificações com o
objetivo de desenvolver moléculas que inibem
todos os quatro sistemas de QS em S. aureus
(revisto em Rutherford & Bassler, 2012).
Adicionalmente,
a
manipulação
da
concentração de AIPs por imunomodelação
parece ser promissora no combate às
infeções por S. aureus uma vez que o
tratamento com anticorpos monoclonais antiAIP tipo IV permitiu, não só a sobrevivência
dos murganhos infectados com uma dose letal
de S. aureus, como evitou também a
formação de lesões significativas na pele
(Park et al., 2007).
De um modo geral, estes dados indicam que
fármacos que tenham como alvo o sistema de
QS de S. aureus têm um elevado potencial de
aplicação na prática clínica, incluindo no
tratamento de infeções com estirpes
multirresistentes, como S. aureus resistente à
meticilina (MRSA).
Fig. 2. Staphylococcus aureus regula a
virulência por QS.
S. aureus usa o QS para regular a transição
entre dois estados de infeção, através de
circuitos baseados em AIPs que são
reconhecidos por um sistema de dois
componentes, AgrC/AgrA. O AIP específico
de cada estirpe está codificado no genoma e
é processado a partir do péptido percursor,
AgrD, pelo exportador membranar AgrB,
acumulando-se no meio extracelular. Quando
é atingida a concentração crítica de AIP, este
é detectado pela cinase membranar AgrC,
permitindo a fosforilação do regulador de
resposta AgrA. AgrA, quando fosforilado,
activa a transcrição do operão agrBDCA, a
partir do promotor P2, onde está incluído o
gene agrD do péptido percursor, criando um
feedback positivo, e a transcrição do RNAIII a
partir do promotor P3. O RNAIII cessa a
produção de proteínas de adesão e promove
a secreção de toxinas. A resposta de QS pode
ser inibida pela competição entre os AIPs
endógenos e AIPs antagonistas (AIPs de
outras estirpes de S. aureus ou miméticos
artificiais) pela ligação aos receptores de QS.
Poderão existir outros circuitos de QS em S.
aureus, porém este circuito é o mais
importante na regulação da virulência
(adaptado de Waters & Bassler, 2005 e
Novick & Geisinger, 2008).
QS nos tempos de cólera: circuitos de
regulação de virulência
Vibrio cholerae é a bactéria causadora da
Cólera, caracterizada por diarreias intensas
que levam a desidratação severa e que pode
culminar na morte do doente. Ao contrário da
maioria das bactérias, esta expressa os
factores de virulência a baixas densidades
celulares, induzindo uma infeção aguda
poucas horas após a invasão do hospedeiro
para proporcionar um ambiente favorável a
uma rápida proliferação. Após a exploração
deste, quando atinge uma densidade celular
elevada, a bactéria ativa o sistema de QS para
induzir os genes necessários para o
abandonar e estabelecer um novo ciclo de
patogénese. O seu sistema de QS é formado
por dois circuitos paralelos, CqsA/CqsS e
LuxS/LuxPQ, que convergem para um
regulador de resposta comum, LuxO (Figura
3). Adicionalmente, um terceiro circuito,
VarS/VarA, cujo sinal é ainda desconhecido,
regula igualmente LuxO. Os AIs desta
bactéria são o autoindutor-1 da cólera
(cholerae autoinducer-1, CAI-1) e o
autoindutor-2 (autoinducer-2, AI-2), sendo que
a primeira molécula é mais forte na regulação
por QS. A elevadas densidades celulares, o
regulador transcricional HapR é ativado,
inibindo a formação de biofilmes e a
expressão de fatores de virulência,
nomeadamente a toxina da cólera, e ativando
os genes que promovem a saída das
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bactérias do hospedeiro, através da produção
de proteases (Wai-Leung & Bassler, 2009).
Fig. 3. Vibrio cholerae usa o QS para
abandonar o hospedeiro.
Experiências em murganhos mostram que o
mutante luxO, o regulador para o qual
converge toda a cascata de QS, tem o
fenótipo mais drástico, apresentando uma
severa desvantagem competitiva para com o
WT para colonizar o intestino deste animal
(Miller et al., 2002; Zhu et al., 2002).
Uma vez que em V. cholerae o QS inibe a
virulência, uma estratégia preventiva para a
impedir de causar doença no hospedeiro pode
passar por “enganar” a bactéria, promovendo
a indução prematura do sistema de QS
aquando do contacto com o hospedeiro. De
modo a testar a viabilidade desta hipótese,
foram
realizadas
experiências
com
Escherichia coli que, além de já produzir
naturalmente AI-2, foi modificada para
expressar CAI-1 constitutivamente. Esta
estirpe foi utilizada para pré-colonizar os
intestinos de murganhos, criando assim um
ambiente intestinal rico nestes AIs. Aquando
da infeção com V. cholerae verifica-se um
aumento da sobrevivência dos murganhos
pré-colonizados e uma diminuição, não só da
quantidade de toxina da cólera produzida,
como também no número de bactérias
aderentes ao intestino ao fim de 40h de
infeção. Esta diminuição no número de
bactérias não é, contudo, verificada no início
da infeção (16h), sendo uma forte indicação
que de facto este tratamento não impede a
colonização nem a multiplicação das
bactérias, mas sim a sua capacidade de
induzir virulência e de persistir no hospedeiro
(Duan & March, 2010). Este é um exemplo de
como, através da utilização de bactérias
comensais, poderemos manipular a virulência
de
um
patogéneo,
prevenindo
o
desenvolvimento de doença no hospedeiro.
V. cholerae utiliza o QS para abandonar o
hospedeiro e estabelecer um novo ciclo de
infeção, através de dois circuitos paralelos,
CqsA/CqsS e LuxS/LuxPQ, que convergem
para o regulador de resposta LuxO.
Adicionalmente, existe um terceiro circuito,
VarS/VarA que, através do regulador global
CsrA, regula igualmente LuxO. As sintases
CqsA e LuxS asseguram a produção dos AIs
CAI-1 e AI-2, respectivamente. A elevadas
densidades celulares, os AIs são detectados
por cinases membranares: CqsS reconhece
CAI-1, enquanto que LuxPQ detecta AI-2. A
baixas densidades celulares os componentes
da cascata de regulação comportam-se como
cinases, o que possibilita a fosforilação de
LuxO e a consequente transcrição de quatro
RNA’s regulatórios (Qrr1-4), que impedem a
expressão de HapR por destabilização do seu
mRNA. Por oposição, a elevadas densidades
celulares os componentes da cascata de
regulação
estão
maioritariamente
desfosforilados, sendo que a expressão de
Qrr1-4 é impedida e consequentemente,
HapR é produzido. HapR é um regulador
transcricional que inibe a formação de
biofilmes e a expressão de fatores de
virulência, nomeadamente a toxina da cólera,
e ativa a produção de proteases que
promovem a saída das bactérias do
hospedeiro para o meio ambiente (adaptado
de Bejerano-Sagie & Xavier, 2007 e WaiLeung & Bassler, 2009).
Considerações finais
Neste trabalho foram apresentados alguns
exemplos de bactérias que usam o QS na
base da regulação das suas interações com o
hospedeiro. É neste contexto que os
mecanismos de QQ se tornam aliciantes, pois
oferecem a oportunidade de controlar as
populações bacterianas para proveito do ser
humano, através da potencialidade de tornar
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as bactérias menos virulentas e, como tal,
mais susceptíveis às defesas imunitárias,
diminuindo assim os danos da infeção. A
utilização de mecanismos de QQ poderá ser
uma alternativa mais sustentável aos atuais
tratamentos com antibióticos uma vez que
apenas interfere com o comportamento
bacteriano, não promovendo a morte, e
conferindo assim uma menor pressão seletiva
para
a
aquisição
de
resistências.
Adicionalmente, estes mecanismos poderão
vir a potenciar o sucesso do tratamento com
antibióticos nas situações em que estes não
têm tido êxito, como no caso de infeções
causadas por biofilmes, uma vez que a
formação destes é muitas vezes regulada por
QS.
Os
tratamentos
baseados nos
mecanismos de QQ têm também um grande
potencial no desenvolvimento de fármacos
dirigidos para as espécies causadoras de
doenças, uma vez que muitos dos sistemas
de QS são altamente específicos, como
exemplificado pelo circuito Agr de S. aureus.
Assim, poder-se-á afectar apenas a bactéria
virulenta sem desregular a homeostasia da
microbiota natural do doente. Por outro lado,
no caso dos sistemas de QS menos
específicos, como nos sistemas baseados no
AI-2, os mecanismos de QQ oferecem a
oportunidade de, com um só fármaco, atuar
contra as infeções que envolvem várias
espécies, como no caso dos biofilmes
formados por múltiplas espécies (Pereira et
al., 2013).
Adicionalmente, a intervenção no QS abre
portas à manipulação da microbiota e à
exploração dos microrganismos como
probióticos, de forma a, tirando partido das
suas propriedades protetoras e metabólicas,
melhorar a saúde humana.
Agradecimentos
O trabalho desenvolvido neste laboratório é
financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia
(FCT),
Portugal
(PTDC/BIABCM/101585/2008), e por uma
bolsa “International Early Career Scientist” do
Howard Hughes Medical Institute (HHMI
55007436). RS Valente agradece à FCT pelo
financiamento
através
da
bolsa
SFRH/BD/33570/2008.
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