Revista HUGV 2008 - Hospital Universitário Getúlio Vargas

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Revista HUGV 2008 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
v.7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS
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UFAM
FUNDADORES
Ricardo Torres Santana
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EDITOR-CHEFE
Fernando Luiz Westphal
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Maria Augusta Bessa Rebelo
Rosane Dias da Rosa
Maria Lizete Guimarães Dabela
LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV
Aluísio Miranda Leão
Àngela Delfina B. Garrido
Antonio Carlos Duarte Cardoso
Célia Regina Simoneti Barbalho
Cláudio Chaves
Clemencio Cezar Campos Cortez
Dagmar Keisslich
David Lopes Neto
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edson Sarkis Gonçalves
Ermerson Silva
Eucides Batista da Silva
Eurico Manoel Azevedo
Cristina da Melo Rocha
Fernando César Façanha Fonseca
Fernando Luiz Westphal
Gerson Suguyama Nakajima
Ione Rodrigues Brum
Ivan da Costa Tramujás
Jacob Cohen
João Bosco L. Botelho
Julio Mario de Melo e Lima
Kathya Augusta Thomé de Souza
Lourivaldo Rodrigues de Souza
Luís Carlos de Lima
Luiz Carlos de Lima Ferreira
Luiz Fernando Passos
José Correa Lima Netto
Maria Augusta Bessa Rebelo
Maria do Socorro L. Cardoso
Maria Fulgência Costa L. Bandeira
Maria Lizete Guimarães Dabela
Mariano Brasil Terrazas
Neila Falcone Bonfim
Nelson Abrahim Fraiji
Nikeila Chacon de O. Conde
Osvaldo Antônio Palhares
Ricardo Torres Santana
Rosana Cristina Pereira Parente
Rosane Dias da Rosa
Wilson Bulbol
Zânia Regina Ferreira Pereira
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Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
v.7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS
Copyright© 2008 Universidade Federal do Amazonas/HUGV
REITOR DA UFAM
Dr. Hidembergue Ordozgoith da Frota
DIRETOR DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS
Dr. Raymison Monteiro de Souza
PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL: EDUA
DIRETOR DA EDUA
Dr. Renan Freitas Pinto
DIRETORA DA REVISTA
Profª Dayse Enne Botelho
REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA)
Sergio Luiz Pereira
CAPA
TIRAGEM 300 EXEMPLARES
FICHA CATALOGRÁFICA
Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287
R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 6, n. 1-2 (2007) / Manaus: Editora da Universidade
Federal do Amazonas, 2007.
82p.
Semestral
Título da revista em português inglês
ISSN – 1677-9169
1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do
Amazonas.
CDU 61(051)
SUMÁRIO
Editorial .......................................................................................................................................
9
Fernando Luiz Westphal
ARTIGOS ORIGINAIS
1. A medicina na Grécia ..................................................................................................................... 11
2. Medicina no século 19: as bases para uma nova medicina ............................................................... 19
3. História da medicina na Mesopotâmia .............................................................................................. 23
4. Manejo prático da ascite .................................................................................................................... 27
5. Prevalência dos sintomas nasais em pacientes com hanseníase acompanhados na Fundação
Alfredo da Matta ................................................................................................................................... 33
6. Achados histopatológicos em glândulas tireoideas de necrópsias de adultos jovens habitantes da região amazônica ......................................................................................................................... 37
7. Alterações gasométricas durante lavado broncoalveolar em um serviço especializado de
broncoscopia de manaus ...................................................................................................................... 43
8. Estudo experimental dos efeitos do óleo-resina de copaíba e do talco (silicato de magnésio
hidratado) na pleura e parênquima pulmonar de ratos ....................................................................... 49
9. Refluxo laringofaríngeo: estudo prospectivo correlacionando achados à videolaringoscopia
e endoscopia digestiva alta .............................................................................................................. 57
10. Prevenção de fatores causais de doenças osteomusculares em trabalhadores que exercem
atividades na posição sentada .....................................................................................................
63
11. Avaliação dos protocolos de higiene bucal nas unidades de terapia intensiva de hospitais
públicos e privados ................................................................................................................................ 69
12. Refluxo laringofaríngeo: uma manifestação atípica da doença do refluxo gastroesofágico
81
clássica ....................................................................................................................................................
13. Rinossinusite crônica em pacientes com lúpus - eritematoso sistêmico ......................................... 85
REVISÃO DE LITERATURA
14. Ética em pesquisa clínica com seres humanos - Artigo de revisão ................................................. 91
RELATO DE CASO
15. Angiomiolipoma renal com trombo tumoral em veia cava inferior: Relato de caso ................... 97
16. Nódulo testicular maligno submetido à cirurgia preservadora de órgão – Relato de caso e
Revisão de literatura .............................................................................................................................. 101
17. Lesão de traqueia mediastinal por arma de fogo: Relato de caso ................................................... 107
18. Complicação tardia da cirurgia de Bentall-Debono: Relato de caso .............................................. 113
6
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CONTENTS
Editorial................................................................................................................................................. 9
ORIGINAL ARTICLES
1. The medicine in greece................................................................................................................. 11
2. Medicine in century xix: The bases for a new medicine............................................................. 19
3. History of medicine in mesopotamia........................................................................................... 23
4. Management of practical ascites................................................................................................. 27
5. Prevalence of nasal symptoms in leprosy patients in follow-up at alfredo da matta
foundation........................................................................................................................................ 33
6. Histopatological findigns in thyroid glands from autopsy of young adults from Amazonia
37
7. Gasometries alterations during bronchoalveolar lavage in especialized service of Manaus..
43
8. Evaluation of the pleuropulmonary alterations after injection of copaiba oil and talc in the
pleural space of mice – an experimental study............................................................................... 49
9. laringopharingeal reflux: Prospective study that compares videolayngoscopy and upper
endoscopy finds............................................................................................................................... 57
10. Prevention of causal factors of musculoskeletal diseases in workers engaged in activities in
the sitting position............................................................................................................................ 63
11. Evaluation of the protocols of oral hygiene in the intensive care units of public and private
hospitals............................................................................................................................................ 69
12. Laryngopharyngeal reflux: An atypical manifestation of classic gastroesophageal reflux
disease................................................................................................................................................ 81
13. Chronic rhinosinusitis in systemic lupus – erythematosus patients......................................... 85
LITERATURE REVIEW
14. ethics in clinical research with human beigns – revision article.............................................. 91
CASE REPORT
15. Renal angiomyolipoma with inferior vena cava tumour thrombus: Case report................... 97
16. Malign testicular nodule underwent to organ´s preservative surgery: case report and
literature review............................................................................................................................... 101
17. Mediastinal trachea injury by firearm: Case report.................................................................. 107
18. Later complication after bentall-de bono procedure: Case report..........................................
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EDITORIAL
A RevistaHUGV encontra-se em seu sétimo ano de existência e a partir do ano de 2007 nós
conseguimos disponibilizá-la na Internet, no sítio da Universidade Federal do Amazonas, localizado
no setor de Hospitais. Este importante passo fez com que todos os artigos publicados nesta Revista
pudessem ser acessados na Internet, aumentando a visibilidade deste periódico.
Sem dúvida, o estágio atual da Revista HUGV é considerado baixo em relação a periódicos
que estão indexados na base de dados do Scielo e Medline, mas estamos indexados no ISSN. Devemos
por obrigação estar permanentemente atentos, pois o conquistado pode ser facilmente perdido na
ausência de trabalho focado e por desatenção. Devemos lembrar as causas para o desaparecimento
das Revistas científicas, que muito provavelmente, envolve a interrupção da publicação,
irregularidades na peridiocidade, má qualidade da produção publicada e ausência de artigos para
serem publicados.
A Coordenação de Ensino e Pesquisa editou através da Coordenação de Residência Médica a
portaria que estimula o residente a publicar um artigo na RevistaHUGV como autor principal ou
dois artigos como co-autores e, com isto ficar isento de apresentar a Monografia de conclusão do
curso. Esta ação propiciou a apresentação de mais artigos ao Conselho Editorial ajudando a
manutenção da Revista. Outra ação desenvolvida por esta Coordenação foi o Residente Publica, no
qual um dos coordenadores realiza reuniões com os residentes ensinando-os os passos de confecção
de um artigo científico, desde a pergunta ao qual se pretende responder, até a contextualização
efetiva do trabalho.
Um dos fatores importantes de inclusão e manutenção da RevistaHUGV na base de dados
Qualis é a publicação de trabalhos científicos de produções realizadas em Programas de PósGraduações . Neste momento, faço um veemente apelo aos coordenadores dos programas de pósgraduação da Universidade Federal do Amazonas para que enviem seus trabalhos para a nossa
Revista, pois sabemos da existência de diversos trabalhos de conclusão de Mestrado que ficam nas
prateleiras das bibliotecas sem publicações, determinando uma diminuição na avaliação do Curso de
Pós-Graduação pela CAPES.
As metas a serem cumpridas por nossa RevistaHUGV são:
1. Manter a qualidade do conteúdo: o mérito científico de um jornal é a qualidade primária
considerada na seleção para indexação. Aspectos como a originalidade dos artigos, sua importância
e validade dentro do campo de conhecimento, são elementos chave para a aceitação de uma revista.
2. Qualidade do trabalho editorial: a revista deve mostrar características que contribuam para
a objetividade, credibilidade e qualidade de seu conteúdo.
3. Qualidade da produção: aspectos como a qualidade da impressão,
4. Tipos de conteúdo: Diferentes tipos de jornais são avaliados para indexação no MEDLINE,
tais como os que publicam pesquisas originais, observações clínicas, revisões, descrições de métodos,
análises de aspectos éticos e filosóficos, etc.
Um outro aspecto importante a ser ressaltado é o papel dos revisores, que não recebem
remuneração e a confecção de um parecer toma tempo das suas obrigações de trabalho e, mais
importante, dos seus momentos de lazer. Com freqüência uma revisão exige a consulta de bibliografia
complementar e a busca ativa de artigos adicionais. A complexidade de questões metodológicas e
testes estatísticos também pode exigir discussão do manuscrito com outros colegas especializados
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nessas áreas. Além disso, todo esse processo deve ocorrer em tempo hábil, idealmente dentro de um
mês após a primeira submissão, e de duas semanas para as demais apresentações.
Ainda que alguns dos caminhos tomados ao longo dessa trajetória tenham se mostrado
equivocados, o balanço final foi muito positivo. Além disso, a experiência nos ensina que devemos
ser humildes para tomarmos novas rotas quando necessário.
Nesta fase que se encerra, quero agradecer sinceramente a todos aqueles que vêm colaborando
constantemente com a nossa publicação, atuando como revisores ou submetendo artigos para possível
publicação. Não poderia ainda deixar de reconhecer o excelente trabalho exercido pelos funcionários
da Coordenação de Ensino e Pesquisa e pela Editora da Universidade Federal do Amazonas. Para
os próximos números espero continuar a contar com o indispensável apoio de todos vocês.
Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal
Coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV
Editor Chefe da RevistaHUGV
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RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO
A MEDICIN
AN
A GRÉCIA
MEDICINA
NA
THE MEDICINE IN GREECE
Rodolfo Fagionato*, Melka Franco Guimarães**, Naiá Dantas Carvalho**,
Rafael Leônidas C. Abreu**, Vângelis Basílio Rebelo**
RESUMO: Sabe-se muito sobre a história e cultura gregas, nada melhor sabermos um pouco mais também sobre a
Medicina na antiga Grécia. Não há dúvidas de que herdamos um grande conhecimento médico dos gregos, até
porque o Pai da Medicina foi Hipócrates. Muitas teorias sobre saúde e doença surgiram durante o crescimento do
conhecimento médico na Grécia, e muitos médicos e filósofos entraram em conflito sobre seus conhecimentos,
como, por exemplo, o dos quatro humores. Saber da saúde e da doença sempre foi importante para as pessoas, e
era por isso que médicos expunham seus conhecimentos aos leigos, tentavam não só curá-los, mas também ensinálos a se tratar e evitar doenças. Neste trabalho descreveremos os pontos mais importantes a respeito da antiga
Medicina grega.
ABSTRACT: We have know a lot about Greece historian and culture, nothing better know a little more also about
the Medicine in ancient Greec. There is no doubt that we inherited a great medical knowledge of the Greeks, up
to because the father of the Medicine was Hipocrates. Many theories about health and disease have emerged
during the growth of the medical knowledge in Greece, many doctors and philosophers clashed on his knowledge,
for example, the four humours. Knowledge of the health and of the disease has always been important to people,
and it was therefore which doctors were exposing his knowledges to the laymen, they were not only trying to
cure them, but also teach them to treat and prevent diseases. This work describes the most important points
about the ancient Greek Medicine.
INTRODUÇÃO
Como se sabe, a Grécia deixou muitos conhecimentos culturais e históricos para a população atual; não menos importante, deixou também
muitas teorias a respeito da saúde e da doença e a
sua relação com a natureza. Na falta de conhecimentos mais aprofundados e de técnicas de análise para diagnósticos de doenças, ficava difícil para
os gregos se aprofundarem na tentativa de achar
uma cura para as doenças, e era por isso que eles
utilizavam a técnica do experimento em que manipulavam vários medicamentos até que achassem
um que servia para a cura.
Neste trabalho serão apresentados os diversos conhecimentos da época a respeito da Medicina, como os filósofos, os médicos e como as pes-
soas se comportavam diante de uma doença, e
também a evolução do médico como uma especialização, como era visto pela população e se tinha reconhecimento para a época.
1. GRÉCIA ANTIGA
Costuma-se dividir didaticamente a história da Grécia em quatro períodos. Inicialmente, dos
séculos 20 a 12 a.C., foi denominado de Préhomérico, onde ocorreu a invasão dos povos arianos através da península balcânica, dessa forma
povoando aquela região. Aqueus, jônios, eólios e
dórios chegaram à região grega em sucessivas vagas de ocupação fundando, dentre várias cidades, Trinto e Micenas. Logo após, entraram em
contato com os habitantes de Creta, surgindo a
*
Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam.
** Acadêmicos do curso de Medicina da Ufam.
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A MEDICINA NA GRÉCIA
civilização creto-micênica. Por volta de 1700 a.C.,
contudo, ocorreu um enorme crescimento
populacional, iniciando uma expansão marítima
e entrando em choque com a talassocracia
cretense, da qual Creta saiu, com sua maior cidade, Cnossos, destruída.
A expansão micênica continuou pelo mar
Egeu, como conta a obra Ilíada, de Homero, até a
chegada dos dórios os quais arrasam Micenas provocando a primeira diáspora grega em direção à
Ásia Menor. As populações que passaram a viver
ainda na Grécia, mesmo isoladamente, formaram
grupos familiares chamados de genos, finalizando esse período.
A partir daquele momento, dos séculos 12
a 8 a.C., chamado de período Homérico, ocorreu
uma continuidade dos genos, uma primitiva unidade econômica, social, política e religiosa dos gregos, onde toda família vivia sob autoridade do
pater-familias, patriarca; os bens de produção e o
trabalho eram coletivos.
Nos fins desse período, famílias cresciam,
mas a produção agrícola não acompanhava o mesmo ritmo, em função da falta de terras férteis e de
técnicas de produção mais avançadas. Iniciou-se
uma desintegração das comunidades gentílicas,
onde os patres favoreciam territorialmente seus
parentes mais próximos, eupátridas.
Os eupátridas monopolizavam o poder político, organizando-se em grupos chamados de
fratrias que futuramente originariam cidades-Estados chamadas de poleis.
Já no período Arcaico, entre os séculos 8 a 6
a.C., teve início uma expansão, segunda diáspora
grega, que culminou com a ocupação e colonização de várias regiões da bacia do Mediterrâneo,
por causa da desintegração dos genos, o crescimento da população, a busca de oportunidades e o desenvolvimento da navegação. Nesse período, Atenas e Esparta ganharam bastante importância graças às suas influências regionais.
Esparta surgiu na planície da Lacônia, na
península do Peloponeso. Esta cidade-Estado não
diferia muito das outras gregas, ou seja,
oligárquica, militarista e escravocrata. O afluxo de
12
uma grande quantidade de escravos, propriedade
estatal, foi motivado pelas conquistas da vizinhança, gerando um problema vital em Esparta: conservar a proporção entre o número de espartiatas
e o de hilotas, escravos. Por isso, sua educação era
baseada no laconismo e na xenofobia, a fim de evitar ideias inovadoras, consideradas subversivas
para o sistema espartano.
Atenas surgiu na Ática, uma península grega que se estende pelo mar Egeu. Fundada por arianos, possuía um excelente porto natural, mas não
muitas terras aráveis. Dessa forma, Atenas se voltou mais para o comércio, a qual se tornou um grande centro no Mediterrâneo. Comerciantes e industriais, não-eupátridas, começaram a emancipar-se,
iniciando uma oposição ao regime oligárquico,
acarretando uma crise em Atenas.
A fim de solucionar essa crise, foi estabelecido padrão monetário fixo, promovido um sistema de participação política com base na riqueza
do indivíduo, estimulado o comércio e a indústria
e abolido a escravidão por dívidas.
Mesmo assim, não se conseguiu contentar
todas as reivindicações populares nem atender a
conservadora aristocracia; por fim, se implantou a
democracia efetiva para os cidadãos, o que incluía
direitos políticos a eles, ou seja, participação política direta no governo. Isso significou o início da
consolidação de Atenas dentro da Hélade.
Baseado nessa consolidação ateniense na
Hélade e no domínio espartano no Peloponeso, inicio-se, entre os séculos 5 e 4 a.C., o período Clássico, caracterizado pela disputa da supremacia das
polis sobre toda a Grécia. Essa fase foi marcada
pelas hegemonias e imperialismos no mundo grego, que acabaram em uma guerra fratricida entre
os próprios gregos, culminado em sua decadência.
Esse imperialismo foi iniciado por Atenas,
depois de ter alcançado prestígio com a vitória nas
guerras médicas sobre a Pérsia, obrigaram os Estados membros da Confederação de Delos a pagarem impostos, mesmo com o fim dos conflitos, pois
Atenas passava por uma crise econômica e social
gerada pela guerra. Era o início da hegemonia
ateniense e esplendor sobre a Hélade.
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RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO
Atenas, contudo, desrespeitava o princípio
da soberania das cidades e passou a criar uma série de inimigos. Essas cidades marginalizadas ligaram-se a Esparta e fundaram a Liga do
Peloponeso, hostil à Confederação de Delos. Em
431 a.C. Atenas tentou se apropriar de uma colônia de Esparta, isso culminou com a Guerra do
Peloponeso que durariam 27 anos, deixando exaurida a Grécia.
Apesar da decadência grega, sua cultura se
perpetuou influenciando outros impérios antigos
e civilizações contemporâneas. A filosofia, por
exemplo, foi um dos pontos mais importantes do
qual se perpetuou na Grécia, pois influenciou
muitos ramos profissionais, até os dias atuais, inclusive na Medicina, já que muitos filósofos, por
empirismo, acreditavam que algumas das enfermidades eram meramente psicológicas.
2. A FILOSOFIA GREGA NA MEDICINA
Os filósofos gregos foram os fundadores da
ciência ocidental. Esse fato está diretamente relacionado à Medicina grega e à própria Medicina
ocidental como sua herdeira.
A ciência nasce da tentativa de explicar as
coisas da natureza nela própria, sem o intermédio
do mito. O pensamento racional se inicia, então,
tendo a physis, ou seja, aquilo que surge de si mesmo, como modelo para explicar a “origem, ordem
e transformações da Natureza”.
Para entender melhor a influência do pensamento grego no surgimento da Medicina é preciso, antes, abordar o surgimento de alguns conceitos sobre os quais a Medicina hipocrática se sustenta.
A Medicina se separa da filosofia como ciência no século 4 a.C. Enquanto isso, as discussões
filosóficas dos períodos pré-socrático e socrático,
períodos que abrangem o intervalo de tempo entre o amadurecimento do pensamento racional e o
desmembramento da Medicina, são fundamentais
para os conceitos médicos gregos.
O período pré-socrático, também denominado cosmológico, ocorre entre o final do século 7
e o final do século 5 a.C. Os filósofos desse período encontram diferentes physis e dão diferentes
razões para que estas sejam o elemento primordial, eterno e imutável que está na origem das coisas. Os debates pré-socráticos são também fundamentais para o surgimento do pensamento crítico
por meio da discussão de diversos pontos e opiniões sobre os assuntos.
O elemento formador da natureza se encontra na própria natureza; dessa forma, para Tales
de Mileto (640 a.C.), a physis era a água. Para
Anaximandro (555 a.C.), esta se encontrava no ilimitado, e para Anaxímenes (535 a.C.), no ar. Já no
século 5, Heráclito diz que esta era o fogo e
Empédocles a água, o ar, a terra e o fogo. Dessas
diferentes physis surge a divisão dos elementos terra e sólido, água e líquido, ar e gás, fogo e energia
que fará parte de teorias médicas.
O período socrático ou antropológico ocorre do final do século 5 até o final do século 4 a.C., e
nesse período os filósofos se ocupam com as questões humanas, com a ética, a política e as técnicas,
como a Medicina. Para Sócrates, a filosofia tem um
fim prático e moral sendo a ciência que resolve o
problema da vida. E nesse período a filosofia parte do conhecimento empírico para alcançar o intelectual, que é imutável.
Durante a racionalização do pensamento, a
doença passa a ser vista como resultado do
desequilíbrio da natureza e separada dos fenômenos sobrenaturais. A physis entra na Medicina estabelecendo a dinâmica da existência e da essência (entre se algo é ou não é e o que é), que ocorre
entre a doença e o corpo. Nisso, a saúde surge como
um equilíbrio entre as forças opostas (úmido e seco,
por exemplo) e a doença do domínio de uma força
sobre a outra. O corpo humano, e tudo à sua volta,
era, dessa forma, compreendido entre esses elementos (as diversas physis).
A Medicina, já na época dos gregos, estava
definida como especialização social, e no final do
século 5, era conhecida e íntima do pensamento
helênico.1
Os gregos, que sempre foram politeístas e
extremamente religiosos, começaram a diminuir
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A MEDICINA NA GRÉCIA
a influência dos deuses em seus diagnósticos e curas, não pondo mais a responsabilidade de um erro
ou acerto em vontades divinas.1
Já se começavam a produzir textos a fim de
suprir leitores leigos e os não-leigos, sendo estes
os médicos da sociedade. Os médicos, para reforçar seu valor diante da população, começaram a
expor suas ideias em relação à saúde e à doença
em forma de conferência e discurso preparado.1
Havia uma escola para médicos na Grécia,
a Escola de Cós, onde médicos e filósofos se encontravam e discutiam sobre a Medicina; às vezes
os filósofos concordavam com os médicos, mas às
vezes havia séria discordância, como no caso em
que a saúde e a doença são o resultado do equilíbrio ou desequilíbrio dos quatro humores dos quais
éramos feitos: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis
preta. Hipócrates, que era reconhecido como grande médico, discordava desse pensamento; para ele,
o nosso corpo é feito de muito mais substâncias do
que apenas quatro. Segundo Hipócrates, a saúde e
a doença são resultados de todas as forças que atuam sobre os organismos, e havendo um
desequilíbrio oposto de uma dessas forças resultaria em doença.1
Se pararmos para analisar essas afirmações,
veremos que os gregos têm crédito por terem pensado isso há muito tempo, quando não havia recursos tecnológicos para pesquisas, tirando suas
conclusões e teorias apenas da observação da natureza. Hoje, sabemos que realmente a nossa saúde depende de um equilíbrio complexo entre os
líquidos e substâncias corporais, por exemplo: para
se fazer um diagnóstico de uma infecção, analisase o sangue e verifica-se se os diferentes constituintes estão de acordo com o considerado normal
para o organismo; se não estiver, significa que há
um desequilíbrio entre essas substâncias e que
estamos doentes, afirmando assim, de um modo
generalizado, a teoria de Hipócrates sobre o equilíbrio de forças.1
A tendência do pensamento grego em agrupar em classificações gerais o conjunto e ordenar
em grupos ficou exemplificado no livro Das Doenças Sagradas, de autor desconhecido. O livro estu-
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dava as manifestações patológicas das doenças que
causavam alterações no comportamento, quase
como quadros clínicos e sintomas das patologias.1
A Medicina grega já tinha o conhecimento
do problema da multiplicidade das doenças e a
possibilidade de teorizar e numerar para estabelecer o número exato dos tipos patológicos. Foram
elaboradas normas para a conservação da saúde
do homem. As práticas do esporte, da música e do
lazer foram vinculadas como formas de tratamento.1
No livro Das Epidemias, produzido pela Escola de Cós, a arte do médico consiste em eliminar
o que causa dor e em sarar o homem, afastando o
que o faz sofrer. Quando a natureza falha nessa
missão, o médico é aquele que irá intermediar na
cura. A ação médica é associada com as recomendações da qualidade e quantidade da dieta, da prática de esportes e de atividades culturais. Segundo
os conceitos platônicos, o médico e o filósofo teriam a mesma função no tratamento da alma do homem, sempre na busca da harmonia plena do homem.1
Com o aparecimento da literatura médica,
normas que devem ser obedecidas para a conservação da saúde foram estabelecidas. A manutenção da saúde ocorreria pela dieta adequada, pelo
exercício físico contínuo e pela higiene do corpo.
Os médicos passaram a atuar também no homem
com objetivo educativo e profilático.1
Os hospitais construídos nesse período,
como o de Epidauro, eram grandes e tinham múltiplas divisões destinadas a diferentes atividades
dos médicos. Havia salas de exame, alojamentos
individuais para os doentes, salas de banho coletivo, praça de esportes e anfiteatro para apresentações de teatro e música.1
Houve críticas a essas tentativas de intervenção no modo de vida das pessoas. Platão e
Aristóteles diziam que havia muita gente que, embora gozasse de saúde, não poderia se considerar
feliz, pois mantinham a força porque se privavam
das coisas agradáveis.1
A Medicina e a filosofia gregas, entre os
séculos 5 e 3, estabeleceram um sistema ordenado
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RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO
com o objetivo de melhorar a saúde coletiva, pelo
menos entre os homens livres e desenvolveram a
compreensão do papel social do médico como
agente na busca da saúde.1
3. A MEDICINA E A MITOLOGIA GREGA
A mitologia grega influenciou a prática
médica no Ocidente durante mais de vinte séculos
depois da sua elaboração. A compreensão da Medicina, como sendo de natureza sagrada, não foi
diferente da babilônica e da grega. As relações
médicas com as ideias e crenças religiosas se perderam no tempo.1
De acordo com a mitologia grega, a Medicina começou com Apolo, filho da união de Zeus
com Leto. Nos primeiros tempos, ele era considerado como o deus protetor dos guerreiros. Posteriormente, foi identificado como Aplous, aquele que
fala a verdade. Apolo atuava purificando a alma
por meio das lavagens e aspersões do corpo com
remédios curativos.1 Apolo era conhecido como o
deus da cura e das doenças. Pai de Asclépio ou
Esculápio, era venerado junto com este em grandes templos-hospitais, onde se curavam várias
doenças.6
Asclépio, filho de Apolo e da ninfa Coronis,
teria sido educado pelo centauro Quirão para ser
médico.1 Zangado porque Coronis era infiel a ele,
Apolo matou-a e arrancou o nascituro Asclépio de
seu ventre.8 O fato de Apolo ter tirado o filho do
ventre da mãe no momento em que esta se encontrava na pira funerária, confere-lhe o simbolismo
de deus da Medicina logo à nascença: a vitória da
vida sobre a morte.7 A escolha de Quirão para dirigir a educação de Asclépio foi feita porque o
centauro dominava o completo conhecimento da
música, magia, adivinhações, astronomia e da
Medicina. Além dessas habilidades, possuía incomparável destreza e manejava com a mesma
habilidade o bisturi e a lira. Foi o primeiro que plantou, na Tessália, plantas medicinais e a primeira
delas foi a denominada Gentiana centaurium.1
Asclépio conquistou fama inimaginável, tinha delicadeza do tocador de harpa e a habilidade
agressiva do cirurgião. Todos os doentes, que não
obtinham cura em outros lugares, procuravam os
serviços de Asclépio. Mais cirurgião que médico,
ele criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas. Chegou a ressuscitar mortos e, por
essa razão, Zeus o matou com o auxílio do raio
mortal dos Ciclopes.1 Zeus temia que Asclépio pudesse ser uma ameaça à ordem natural das coisas.8
O deus da Medicina era celebrado em grandes festas públicas, em torno do dia 18 de outubro.1 E o culto que lhe era prestado não só tinha
um fim religioso, mas também terapêutico. Os santuários, dos quais o mais célebre foi Epidauro, eram
instalados fora das cidades, em zonas escolhidas
pela sua salubridade. Os sacerdotes transmitiam
os segredos da cura de pai para filho. Um dos mais
ilustres teria sido Hipócrates, que se dizia ser aparentado com o deus. Os doentes, que afluíam de
todas as partes do mundo antigo e que pertenciam
a todos os grupos sociais, eram alojados nas dependências do templo e, durante o seu sonho, reviam o deus, que lhes revelava o remédio para os
seus males.10 Seus segredos na arte da Medicina
eram preservados nas ilhas gregas de Kós e Kithnos
por sacerdotes.9 Em várias esculturas procedentes
de templos de Asclépio greco-romanos, o deus da
Medicina é sempre representado segurando um
bastão com uma serpente em volta, o qual se tornou o símbolo da Medicina.11
A certa altura da sua vida casou com a filha
do rei de Cós, Epíone, que lhe deu dois filhos e
cinco filhas. Os rapazes, Macáon e Podalírio, herdaram do seu pai o poder de curar. Fizeram-no,
por exemplo, no decorrer da guerra de Troia, da
qual participaram como médicos das tropas gregas. Macáon cuidou de Télefo e de Menelau e operou Filoctetes. As filhas de Asclépio também o ajudaram na sua função, particularmente Hígia, deusa da Medicina, e Panaceia, que personifica a cura
de todos os males por meio das plantas.10
Muitos achados arqueológicos de agradecimentos a dádivas atribuídas pelos próprios doentes, que se consideravam curados pelo poder
de Asclépio, foram encontrados. Várias escrituras contendo nomes dos doentes, as descrições das
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15
A MEDICINA NA GRÉCIA
doenças e curas obtidas.1 A maior parte das escrituras, porém, refere-se a curas milagrosas e fantásticas, sem dúvida para impressionar outros
pacientes e motivá-los em busca de cura, e tendo
assim escasso valor do ponto de vista médico.
Grande número de pacientes, contudo, experimentava melhoras e muitos se consideravam curados.2
Em qualquer caso, e apesar do valor que
possam ter atingido os conhecimentos médicos dos
sacerdotes de Asclépio e a eficiência terapêutica
de sua atuação, o certo é que a iniciação da Medicina científica teve suas bases na escola filosófica e
médica da antiga Grécia.2
CONCLUSÃO
É interessante pensar que mesmo numa
época antiga, onde não existia tecnologia disponível como hoje, os gregos fizeram grandes progressos não só em relação à ciência como também na
Medicina. Sabe-se, por exemplo, que a teoria dos
quatro humores na época já não era bem-aceita,
mas que sua essência de que o equilíbrio ou
desequilíbrio dos humores corporais em relação à
saúde ou doença é bem-vista, já que o diagnóstico
de uma doença feita atualmente é realizado tirando-se como base um equilíbrio entre os metabólitos
do organismo.
1973, para o curso de Introdução à História da
Ciência, do Mestrado em Ensino, História e Filosofia das Ciências, UFBA/UEFS, 2000.
5. Revista eletrônica Graecia Antiqua ISSN 16795709 – Breve introdução à Grécia Antiga – Wilson
A. Ribeiro Jr. Disponível em: <//http://
greciantiga.org/re/1/v1n1005.pdf>
6. <http://www.wikipedia.org>
7. <http://www.ff.ul.pt/paginas/jpsdias/
Farmacia-e-Historia/node18.html>
8.
<http://molimpo2.sites.uol.com.br/
asclepio.htm>
9. <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/
MGAsclep.html>
10. <http://contoselendas.blogspot.com/2004/
11/asclpio.html>
11. <http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/
simbolo.htm>
ANEXOS
Ilustração 1 – Mapa da Grécia antiga
REFERÊNCIAS
1. BOTELHO, J. B. História da Medicina – da
abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004.
2. SOUSA, A. T. de. Curso de História da Medicina: das origens aos fins do século XVI. 2.a ed.
Lisboa: Gulbenkian, 1996.
3. CHAUI, M. S. Convite à filosofia. São Paulo:
Ática, 1999.
4. Resumão feito por Osvaldo Pessoa Jr. dos livros de G. E. R. Lloyd, Early Greek Science:
Thales to Aristotle (EGS) e Greek Science after
Aristotle (GSA). Norton, Nova Iorque, 1970 e
16
Fonte: http// www.greeka.com/greece-maps/ancient-greece-map.htm
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RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO
Ilustração 2 – Apolo
Ilustração 3 – Os quatro humores
Fonte: http://www.accionchilena.cl/images/Apolo.gif
Fonte: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/temperamento.gif
Ilustração 4 – Asclépio
Ilustração 5 – Hígia
Fonte: http://es.geocities.com/el_verbo_crea/dioses/esculapio.jpg
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/higia
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17
A MEDICINA NA GRÉCIA
Ilustração 6 – Prática da sangria
Fonte: www.tiosam.com/enciclopedia/?q=medicina
Ilustração 7 – Devoto de Asclépio.
Fonte: http://www.scielo.br/img/fbpe/hcsm/v6n2/v6n2a9f6.jpg
Ilustração 8 – Asclépio cuidando de um paciente.
Correspondência dos autores:
Contato: E-mail: [email protected] ou
[email protected]. Telefones: 9962-6939
ou 8131-9999. Instituição: Ufam – Manaus.
Fonte: http://mural.uv.es/dosagar/griega8.jpg
18
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RODOFO FAGIONATO, ANA PAULA SOUSA DA SILVA, FERNANDO HENRIQUE DA SILVA, LYGIA DE OLIVEIRA PEREIRA, RENATO MORAIS DA SILVA
MEDICIN
A N
O SÉCUL
O XIX: AS B
ASES P
ARA UMA
MEDICINA
NO
SÉCULO
BASES
PARA
NOVA MEDICIN
A
MEDICINA
MEDICINE IN CENTURY XIX: THE BASES FOR A NEW MEDICINE
Rodolfo Fagionato*, Ana Paula Sousa da Silva**, Fernando Henrique da Silva**,
Lygia de Oliveira Pereira**, Renato Morais da Silva**
RESUMO: O avanço no tratamento das doenças e a melhoria das técnicas cirúrgicas caracterizaram a Medicina do
século XIX. O fato principal responsável por tudo isso foi a descoberta de quais microrganismos patogênicos eram
causadores das enfermidades. Essa descoberta também propiciou a criação de vacinas, além de métodos para
melhoria da saúde pública. Este artigo tem por objetivo mostrar como a Medicina era aplicada durante o século 19
e o que possibilitou sua evolução.
ABSTRACT: The diseases treatment advance and the surgical techniques improvement characterized the medicine
of the 19th century. The main fact responsible for all that was the discovery of pathogenic microorganisms that
caused the diseases. This discovery also propitiated creation of vaccines and methods for public health
improvement. This article aims to show how the medicine was applied during the 19th century and what allowed
its evolution.
O século XIX foi marcado pelo desvendar das
doenças infecciosas, possibilitando a modernização
da Medicina
No início do século XIX suspeitava-se de
que doenças infecciosas eram causadas por microrganismos específicos. Essa visão das causas
das doenças contagiosas, como febre tifoide, varíola e escarlatina, antes mesmo de qualquer caracterização dos microrganismos situaram Jacob
Henle (1809-1885) no papel de criador da bacteriologia. Uma geração mais tarde, seu discípulo
Robert Koch (1843-1910) introduziu os métodos
de fixação e coloração, permitindo visualizar e
analisar o bacilo do carbúnculo, caracterizando
fenômeno da esporulação. Em 1882, ele descobriu
o bacilo da tuberculose e em 1884 descobriu o modo
de transmissão do vibrião colérico, promovendo
o tratamento da água por meio da filtração. Dessa forma, “logo que foi encontrado o método adequado, as descobertas surgiram naturalmente, tal
como as maçãs maduras caem da árvore” [Robert
Koch (1843-1910)].
Outro grande nome para o século XIX foi
Louis Pauster (1822-1895), que provou a atividade
fermentadora de microrganismos em bebidas e alimentos, melhorando a preservação destes. Além
disso, a descoberta da fermentação derrubou a teoria da geração espontânea. Pasteur também lançou as bases da imunoterapia preventiva e curativa, e antecipou o advento dos antibióticos. A prática da vacinação aplicada à prevenção de epidemias em humanos e animais fez de Louis Pasteur
um dos cientistas que, individualmente, mais contribuiu para o bem-estar do homem e o desenvolvimento da ciência médica.
*
Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam.
** Acadêmicos do curso de Medicina da Ufam.
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MEDICINA NO SÉCULO XIX: AS BASES PARA UMA NOVA MEDICINA
Com conhecimento sobre a existência desses microrganismos patogênicos fez-se necessário
precaver a contaminação por esses microrganismos. E foi o escocês Joseph Lister (1827-1912), professor de Medicina em Edinburgo, que introduziu
a antissepsia na prática cirúrgica. Quando Joseph
foi a Londres ensinar a importância dessa prática
no Hospital St. John, foi ridicularizado e insultado
por médicos, residentes e enfermeiras. Mas seu
artigo “On the antiseptic principle in the pratice of
surgery”, publicado em 1867 na revista Lancet,
marcou o início de uma verdadeira revolução na
prática cirúrgica, ao descrever como se impedia que
microrganismos causassem as infecções tão frequentemente responsáveis pelo insucesso das intervenções.
“A era da antissepsia foi seguida pela da
assepsia. Os cirurgiões, em vez de procurar limpar os focos infectados das cirurgias, buscaram eliminar os agentes nocivos (bactérias) da sala de cirurgia (campo cirúrgico), realizando a esterilização pelo calor e substâncias químicas” (http://
www.hebron.com.br/revista/n25/materia3.htm).
Os cirurgiões, em pouco tempo, passaram
a ter as seguintes práticas:
– uso de máscaras cirúrgicas;
– uso de luvas de borrachas esterilizadas
após cada cirurgia, proposta por Halsted, em 1889;
– esterilização dos instrumentos cirúrgicos,
com uso do ácido fênico – método introduzido por
Joseph Lister (1827-1912), em 1867;
– isolamento das salas cirúrgicas e circulação apenas de pessoal autorizado;
– lavagem permanente das áreas expostas
pela cirurgia com compressas embebidas com ácido fênico por Stéphane Tarnier (1828-1897) e Just
Lucas Chapionniére (1843-1913);
– lavagem das mãos do pessoal médico com
solução de cloreto de cálcio. O médico Ignace
Semmelweis (1818-1865) adotou essa medida no
manuseio genital no pós-parto numa maternidade em Viena, conseguindo reduzir a mortalidade
de 27 para 0,23%.
20
A admiração universal causada pelas novas descobertas científicas foi consequência direta
no fervor das investigações científicas. Logo, governos e filantropos de vários países passaram a
financiar a criação de institutos de pesquisa dedicados à aplicação da ciência em benefício da saúde pública. Alguns dos institutos criados foram: o
Instituto Pasteur em Paris, o Instituto Rockefeller
nos Estados Unidos ou o Instituto Butantã (São
Paulo) e o Instituto Manguinhos (Rio de Janeiro).
No Brasil, por exemplo, o imperador Pedro II manifestou sua admiração pelo trabalho de Pasteur,
doando uma grande soma ao Instituto Pasteur. Em
retribuição ao gesto, colocou-se um busto do imperador brasileiro junto à biblioteca do Instituto
Pasteur, em Paris.
As técnicas anestésicas e a introdução da antissepsia e
assepsia foram cruciais no desenvolvimento das
técnicas e avanços nas intervenções cirúrgicas.
“Ao final do século XIX, os centros médicos mais importantes da Europa eram os da França, Alemanha e Inglaterra. Paris destacava-se como
o centro de maior projeção internacional, para onde
se dirigiam médicos do mundo inteiro em busca
de novos conhecimentos e aprimoramento profissional”
(http://usuarios.cultura.com.br/
jmrezende/cirurgia.htm).
Os cirurgiões da época tinham três preocupações principais: infecção, hemorragia e dor.
Os processos infecciosos foram evitados em
função dos cuidados tomados na antissepsia e
assepsia, que preveniam a entrada de um microrganismo no organismo durante e após o ato cirúrgico.
No século XIX muitas amputações eram realizadas, principalmente nos campos de batalha.
Com a inovação de instrumentos, entretanto, que
possibilitavam ampliação da ação manual, as cirurgias tornaram-se menos arriscadas, por serem
menos invasivas e mais rápidas, prevenindo a contaminação por algum microrganismo. Nesse contexto, todas as hemorragias eram evitadas e os riscos pós-operatórios diminuídos.
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RODOFO FAGIONATO, ANA PAULA SOUSA DA SILVA, FERNANDO HENRIQUE DA SILVA, LYGIA DE OLIVEIRA PEREIRA, RENATO MORAIS DA SILVA
Alguns dos instrumentos utilizados na época são:
– dreno cirúrgico lançando secreção e/ou
sangue em recipientes fechados de vidro;
– pinça hemostática prendendo o vaso
sangrante, evitando e controlando hemorragia;
– pinça com a ponta em dente de rato, imobilizando estrutura anatômica de pequeno porte;
– pinça hemostática com a ponta em dente
de rato possibilitando hemostasia em tecidos pouco aderentes, como a gordura;
– agulhas curvas de tamanhos e espessuras
variados para suturação;
– afastador separando tecidos e estruturas
anatômicas.
Já a dor, que era um indicativo de anormalidade, era o elo entre o paciente e o médico. A
ajuda médica só era procurada quando se sentia
dor no intuito de diminuir o incômodo. E era no
intuito de diminuir ou até cessar a dor que anestésicos passaram a ser usados.
“Nenhuma outra substância específica para
combater ou evitar a dor foi utilizada até 1540,
quando o éter mostrou-se forte agente anestésico”
(JOÃO BOSCO BOTELHO, 2004, p. 332). Seu uso
pode levar, entretanto, a sérias complicações, fato
que contribuiu para que o uso do éter não fosse
disseminado. O éter foi primeiramente usado num
paciente em 1846, no Hospital de Massachussetts,
em Boston, pelo médico John Collins Warren (17731856).
A ação anestésica do protóxido de nitrogênio ou gás hilariante é registrada desde 1799, e em
1844 essa ação foi demonstrada num auditório em
Boston pelo dentista Horace Wells (1815-1848). O
clorofórmio foi descoberto em 1931 e usado durante o parto da rainha Victoria.
Na primeira metade do século 19, no início
da Revolução Industrial, com o desenvolvimento
da produção fabril ocorreu uma degradação no padrão de vida da sociedade em função das condições de trabalho insalubres e desgastantes presentes nas fábricas das cidades europeias.
A consequente urbanização levou os trabalhadores a morarem em aglomerados, alojamentos miseráveis e subúrbios nessas grandes cidades.
Isso tudo levou à população a se tornar vítima de
doenças infecciosas, como a tuberculose, contribuindo assim para o agravamento dos índices de mortalidade. Diante desse quadro, observadores,
reformadores sociais e higienistas começaram a se
preocupar em controlar as doenças infecto-contagiosas, e também com as frequentes epidemias de
tifo, varíola e cólera que acometiam toda a população.
Em 1832, foram criados os primeiros conselhos de higiene nos principais países europeus
como França e Inglaterra. O arquiteto do
sanitarismo foi Chadwick que, nesse mesmo ano,
foi nomeado para a Royal Comission on the Poor Law.
O poder público, então, por volta de 1866,
implementou medidas elementares como construção de redes de esgotos, abastecimento de água
potável, utilização de desinfetantes e recolhimento do lixo nas grandes aglomerações urbanas.
Quanto ao problema das indústrias insalubres, foi criado em 1886, na Alemanha, o primeiro
seguro de saúde denominado Krankenkassen. Esse
foi responsável em instituir regras que asseguravam assistência médica aos trabalhadores e suas
famílias. Em 1848, foi promulgado o primeiro Ato
Público de Saúde, o Public Health Act, e em 1872
este cria o verdadeiro “national public health
service” e, com isso, continua a desenvolver as embrionárias estruturas de saúde pública.
Em função da melhoria de fatores
ambientais, como as condições de moradia, houve
uma redução na mortalidade por doenças infecciosas e, com isso, percebeu-se que era mais eficiente prevenir várias doenças adotando medidas de
saúde pública.
CONCLUSÃO
Vê-se que a Medicina sofreu diversas mudanças tanto no âmbito científico quanto no âmbito político-social. Nessa época, com a descoberta
de novos métodos científicos para a pesquisa, e
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MEDICINA NO SÉCULO XIX: AS BASES PARA UMA NOVA MEDICINA
com a busca das razões em níveis cada vez mais
moleculares, começou se a extinguir o
espiritualismo e adotar o materialismo. Levando,
então, a uma menor influência da Igreja no âmbito
social. Logo, a saúde tornou-se um dever do Estado, pois caso houvesse uma endemia na periferia
da cidade, acabaria atingindo as classes mais privilegiadas das urbes. Houve diversos avanços na
bacteriologia com Louis Paster. Já no exame clínico, novas ferramentas auxiliaram na ausculta pulmonar. Houve também avanço nas doenças infecciosas e uma melhora no uso de anestésicos.
REFERÊNCIAS
[1] “Medicina no século XIX”, por Viviane Santos.
Revista Hebron atualidades. Disponível na
Internet: (http://www.hebron.com.br/revista/
n25/materia3.htm).
(http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/
cirurgia.htm).
[3] BOTELHO, João Bosco. História da Medicina
– da abstração à materialidade. Manaus: Valer,
2004.
[4] As contradições da política de saúde no Brasil. O Instituto Butantã. Disponível na Internet:
( h t t p : / / w w w . s c i e l o . b r /
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392002000400011).
[5] GRAÇA, L. (2000). O Progresso das Ciências e
Técnicas Biomédicas na II Metade do Século
XIX.º [The XIX Century Scientific Revolution in
Medicine]. (http://www.ensp.unl.pt/lgraca/
textos104.html).
[6] “Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador”. Revista Saúde Pública, v. 25, n. 5. São Paulo: October, 1991.
[2] Trabalho apresentado ao VI Congresso Brasileiro de História da Medicina, realizado em
Barbacena, MG, de 14 a 17 de junho de 2001. Atualizado em 28/3/2005. Disponível na Internet:
22
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
Correspondência dos autores:
[email protected]
RODOLFO FAGINATO, DEIVIS BRITO, FLÁVIA BRAGA, MICHELLE MARTINS
HIS
TÓRIA D
A MEDICIN
AN
A MESOPO
TÂMIA
HIST
DA
MEDICINA
NA
MESOPOT
HISTORY OF MEDICINE IN MESOPOTAMIA
Rodolfo Fagionato*, Deivis Brito**, Flávia Braga**, Michelle Martins**
RESUMO: Poucas vezes é lembrado que a Medicina, suas técnicas, suas doutrinas e sua ética começaram a ser
criadas há muitos e muitos anos, na Grécia Clássica de Hipócrates de Cós e seus discípulos, ou mesmo antes, na
Mesopotâmia dos assírios. Há registros, na sociedade mesopotâmica, do Tratado de Diagnósticos e Prognósticos
Médicos, incluindo estudos com descrições de inúmeras doenças específicas. Por diversas vezes, porém, não são
feitas traduções fidedignas com a escrita cuneiforme original, o que prejudica a utilização de tais conhecimentos.
Observa-se a análise mesopotâmica a respeito dos conceitos de doença e cura, sendo esses baseados em crenças
espirituais, como a existência de deuses do bem e do mal e a consequente caracterização do médico como elo
entre o bem e o mal, sob a denominação de ashipu ou asu, com atribuições diferentes às suas atividades práticas.
Com base nos seus conhecimentos, a sociedade mesopotâmica foi capaz de postular registros acerca da cirurgia,
medicamentos e doenças em geral, com ampla contribuição e importância relevante para a Medicina atual.
ABSTRACT: Rarely is remembered that the Medicine, its techniques, its doctrines and ethics began to be created
for many, many years, in Classical Greece of Hippocrates of Kos and his disciples, or even before, the Assyrians
of Mesopotamia. There are records in Mesopotamian society, the Treaty of medical diagnosis and prognosis,
including studies with descriptions of many specific diseases. Several times, but not reliable translations are
made with original cuneiform writing, which preclude the use of such knowledge. There is the analysis
Mesopotamia about the concepts of disease and cure, and those based on spiritual beliefs as the existence of gods
of good and evil and the consequent characterization of the doctor as the link between good and evil, under the
name of ashipu or asu with different tasks to its activities. Based on your knowledge, the company was able to
postulate Mesopotamian records of the surgery, drugs and diseases in general, with broad and important
contribution relevant to the present Medicine.
INTRODUÇÃO
A maior parte das informações disponíveis
para estudos modernos vem de tábuas escritas
com o sistema cuneiforme. Não existem representações de figuras que tenham sobrevivido na arte
da antiga Mesopotâmia, nem um número significativo de esqueletos ainda a serem analisados. Infelizmente, enquanto que uma infinidade de tábuas cuneiformes chegou até nós desde aqueles
tempos, muito poucas se ocupam de temas médicos. Muitas das tábuas que mencionam práticas
médicas vêm da Biblioteca de Assurbanipal, o últi-
mo grande rei da Assíria. A Biblioteca de
Assurbanipal estava alojada no palácio do rei em
Nínive e, quando o palácio foi incendiado por invasores, cerca de 20.000 tábuas de argila foram
queimadas (e portanto preservadas) pelo grande
incêndio. No início da década de 1920, 660 tábuas
envolvendo assuntos médicos da livraria de
Assurbanipal foram publicadas por Cambell
Thompson. Outros textos médicos têm sido publicados mais recentemente (ver bibliografia abaixo).
A grande maioria dessas tábuas são receitas, mas há uma série delas que contém entradas
*
Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam.
** Acadêmicos do curso de Medicina da Ufam.
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HISTÓRIA DA MEDICINA NA MESOPOTÂMIA
que eram diretamente relacionadas umas às outras, e estas são chamadas de Tratados. O maior
desses tratados médicos é conhecido como o Tratado de Diagnósticos e Prognósticos Médicos. O
texto constitui 40 tábuas coletadas e estudadas por
R. Labat. A cópia mais antiga deste tratado data
de 1600 antes da nossa Era, mas o texto em si é
uma compilação de vários séculos de conhecimento médico na Mesopotâmia. O Tratado de Diagnóstico está organizado na ordem que vai da cabeça ao pé, com subseções cobrindo doenças
convulsivas, ginecologia e pediatria. É uma pena
que traduções antiquadas e feitas por leigos nas
ciências médicas fazem com que os textos pareçam
extratos de um livro de aprendiz de feiticeiro. De
fato, como pesquisas recentes têm mostrado, as
descrições das doenças listadas mostram uma
aguçada capacidade de observação. Virtualmente,
todas as doenças esperadas podem ser encontradas na parte do diagnóstico, e há seções que estão
completamente preservadas, como as de neurologia, febres, doenças venéreas e lesões de pele. Os
textos médicos também são facilmente
identificáveis, como no caso de tratamento de
sangramentos, onde todas as plantas mencionadas
são conhecidas, e as mesmas usadas em muitos tratamentos para os mesmos casos.
Conceito Mesopotâmico para Doença e Cura
As doenças eram causadas por espíritos:
deuses, fantasmas, etc. Cada espírito, entretanto,
era considerado responsável por apenas uma doença em qualquer parte do corpo. Em geral, portanto, “a Mão do(a) deus(a) X” do estômago
correspondia ao que chamamos de doença estomacal. Uma série de doenças era simplesmente
identificada por um nome, como Bennu, por exemplo. Os deuses podiam ser culpados num nível
mais alto por causar uma doença ou o mau funcionamento de um órgão, mas em alguns casos essa
era uma forma de dizer que um determinado sintoma não era independente, mas causado nesse
caso por uma doença Y. Plantas eram usadas para
tratar os sintomas das doenças, sendo que plantas
24
diferentes eram usadas em rituais mágicos para
aplacar o mesmo espírito. Pode-se inferir que
oferendas específicas eram feitas a um deus ou espírito determinado quando se considerava que ele
era a causa da doença, mas essas oferendas não
estão indicadas em textos médicos, devendo ser
encontradas em outros textos.
Profissionais da Medicina na Mesopotâmia
Por meio do exame de tábuas médicas da
Mesopotâmia fica claro que havia dois tipos distintos de profissionais da Medicina no Oriente Próximo. O primeiro tipo de profissional em geral era
chamado ashipu, ou ‘mago’. Um dos mais importantes papéis do ashipu era o diagnóstico da doença e determinar que deus ou demônio a estava
causando. O ashipu também tentava determinar
se a doença era resultado de algum erro ou pecado
por parte do paciente. A frase “a Mão de...” era
usada para indicar a divindade responsável pela
aflição em questão, sendo que então essa divindade podia ser aplacada com oferendas e preces pelo
paciente. O ashipu podia também tentar curar o
paciente por simpatias e encantamentos que eram
feitos para levar embora o espírito causador do mal.
Ele também podia referir o paciente a um outro
tipo de profissional da área médica chamado asu.
O asu era um especialista em remédios à base de
ervas e em Medicina tradicional mesopotâmica,
sendo chamado em geral de “médico”, pois ele lidava com o que em geral pode ser descrito como
aplicações empíricas de medicação. Exemplo: no
tratamento de feridas, ele usava três técnicas fundamentais, como lavar a ferida, uso de compressas e bandagens. Todas estas técnicas do asu parecem ser as formas mais antigas de prática da Medicina e os registros mais antigos de uma literatura médica, a cerca de 2100 anos antes da nossa Era.
O conhecimento do asu em termos de fazer
compressas é bastante interessante. Muitas das
compressas antigas (misturas de ingredientes medicinais aplicadas a uma ferida e mantidas no lugar por uma bandagem) parecem ser uma forma
eficiente de tratamento. Por exemplo: algumas das
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
RODOLFO FAGINATO, DEIVIS BRITO, FLÁVIA BRAGA, MICHELLE MARTINS
mais complicadas compressas exigiam o aquecimento de uma resina de planta ou gordura animal
com algo alcalino. Esta mistura, quando aquecida,
libera sabão, que ajudaria a proteger contra infecções bacterianas. Enquanto que a relação entre o
ashipu e o asu não está totalmente esclarecida, os
dois tipos de profissionais parecem ter trabalhado
juntos para efetivar curas. Os mais ricos pacientes
provavelmente buscavam os cuidados médicos
tanto do ashipu quanto do asu para curar uma
doença. Parece que os dois profissionais trabalhavam em geral um cooperando com o outro no tratamento de doenças.
Além de compartilhar pacientes, parece que
os papéis de ambos algumas vezes se mesclavam:
um asu podia ocasionalmente fazer um encanto, e
um ashipu prescrever uma droga. Evidência para
tanto foi encontrada na biblioteca de um ashipu
que continha receitas farmacêuticas. Outra fonte
de evidência com relação às habilidades dos médicos na Mesopotâmia está no Código de
Hamurábi. Esta coleção não foi escrita numa tábua, mas descoberta num grande bloco negro de
diorita. O Código de Hamurábi não era um código
de leis como entendemos hoje, mas provavelmente uma coleção de decisões legais feitas por
Hamurábi (cerca de 1700 antes da nossa Era) ao
longo de sua atuação como juiz, e publicada para
fazer propaganda de sua justiça.
O Código de Hamurábi é uma notável, mas
não única, aplicação da justiça na Mesopotâmica,
e é baseado no princípio de “olho por olho, dente
por dente”. Havia várias leis no Código de
Hamurábi com relação aos cirurgiões. Estas leis
dizem que o médico era responsável por erros e
fracassos da cirurgia. É também digno de nota que,
de acordo com tais leis, o pagamento do cirurgião
bem-sucedido e do malsucedido era determinado
pelo status do paciente. Se o cirurgião salvava a
vida de um escravo, ele recebia apenas dois
shekels. Se uma pessoa, entretanto, de status morresse como resultado de uma cirurgia, o cirurgião
arriscava-se a ter sua mão cortada. Se um escravo
morresse quando da cirurgia, o cirurgião apenas
tinha de pagar para a substituição do escravo.
Quanto às cirurgias, independente dos riscos, temos quatro tábuas associadas com a execução de um procedimento cirúrgico. Uma das tábuas está muito danificada, infelizmente, mas das três
remanescentes, uma parece descrever um procedimento: são feitos cortes no peito de um paciente, a
fim de remover pus da pleura. Os dois outros textos pertencem a uma coleção chamada Receitas para
Doenças da Cabeça. Um destes textos menciona a faca
do asu cortando levemente a cabeça do paciente. A
tábua cirúrgica final menciona os cuidados pós-operatórios de um ferimento cirúrgico, onde é recomendada uma atadura de óleo de gergelim, que funciona como agente antibactericida.
Outro ponto importante é a identificação de
várias drogas mencionadas nas tábuas. Infelizmente, muitas destas drogas são difíceis ou impossíveis de serem identificadas com um alto grau de
certeza. Em geral, os nomes empregados são metafóricos, como gordura de leão, lírio do tigre, etc.
Das drogas que foram identificadas, a maioria era
feita de extratos de plantas, resinas ou feitas com
base em temperos. Muitas das plantas usadas pelo
asu têm propriedades antibióticas, enquanto que
resinas e temperos tinham algum valor antisséptico. Além desses benefícios, deve-se ter em mente
que tanto os remédios como as ações dos médicos
antigos devem ter tido um forte efeito placebo. Os
pacientes sem dúvida acreditavam que os médicos eram capazes de curá-los. No mínimo, portanto, visitar o médico reforçava as noções de bemestar e saúde.
Outras fontes de tratamentos de saúde podiam ser obtidas no templo de Gula. Gula, em geral visto como um cão, era um dos mais poderosos
deuses da cura.
Enquanto que escavações dos templos dedicados a Gula não têm revelado sinais de que os
pacientes eram acomodados no templo enquanto
recebiam tratamento (como no caso dos templos
de Esculápio, na Grécia), estes templos podem ter
sido locais para o diagnóstico de doenças.
Parece claro que os templos de Gula também tinham bibliotecas dedicadas a temas de saúde. O principal centro de saúde era o lar, sendo
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
25
HISTÓRIA DA MEDICINA NA MESOPOTÂMIA
que os cuidados aos pacientes eram fornecidos na
própria casa do paciente, com a família prestando
os cuidados. Fora da casa, outros importantes centros de cura situavam-se próximo aos rios. Os
mesopotâmicos acreditavam que os rios podiam
levar para longe substâncias e forças causadores
de doenças. Algumas vezes, uma pequena cabana
para a pessoa doente era erguida próxima à casa
ou rio para ajudar no tratamento do paciente que
estava em casa.
cípios básicos da Medicina, como o uso de ataduras e a coleta de textos sobre Medicina começou
na Mesopotâmia, outras culturas também desenvolveram essas práticas de forma independente.
Mesmo na própria Mesopotâmia, muitas das técnicas desapareceram depois de haver sobrevivido
por milhares de anos. Foi a Medicina egípcia, entretanto, a mais influente, e sabemos desse fato por
meio dos gregos.
REFERÊNCIAS
CONCLUSÕES
Se a Medicina praticada na antiga
Mesopotâmia deixou um legado que, em última
análise, influenciou médicos de outras civilizações,
constitui uma questão que jamais será completamente respondida. Enquanto que muitos dos prin-
26
BOTELHO, João Bosco. História da Medicina – da
abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004.
ISBN: 8575121561
MARGOTTA, Roberto. História Ilustrada da Medicina. São Paulo: Manole, 1998. ISBN:
8520408702
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
LEONARDO SOARES DA SILVA
MANEJO PRÁ
TIC
OD
A ASCITE
PRÁTIC
TICO
DA
MANAGEMENT OF PRACTICAL ASCITES
Leonardo Soares da Silva1
RESUMO: Ascite é definida como acúmulo de líquido livre na cavidade peritoneal. Manifestação comum na
hipertensão portal da cirrose hepática e seu diagnóstico ocorre por meio da paracentese, que deve ser realizada
em todos os pacientes, independentemente da sua etiologia. O objetivo é padronizar o diagnóstico e o tratamento
da ascite no Hospital Universitário Getúlio Vargas. A metodologia utilizada foi a revisão de artigos recentes
publicados com relevância no assunto abordado pelo autor. A publicação é a visão prática de uma patologia
comum no cotidiano do gastroenterologista e do clínico geral.
Palavras-chave: Ascite; Diagnóstico; Terapêutica.
ABSTRACT: Ascites is defined as accumulation of free liquid in the peritoneal cavity. It is a common manifestation
of portal hypertension in liver cirrhosis and its diagnostic occurs by paracentesis, which must be performed in all
patients, regardless of its etiology. The goal is to standardize the diagnosis and treatment of ascites in University
Hospital Getulio Vargas. The methodology used was the review of recent articles published with relevance in the
matter raised by the author. The publication is a practical vision of a condition common in the daily lives of
gastroenterologist and the general clinic.
Keywords: Ascites; Diagnosis, Therapy.
INTRODUÇÃO
Cardíaca
Insuficiência cardíaca, pericardite constritiva, cor pulmonale.
Ascite é definida como acúmulo de líquido
livre na cavidade peritoneal. Manifestação frequente em inúmeras patologias, sendo que o seu diagnóstico diferencial constitui um desafio intelectual para os gastroenterologistas e para os clínicos.1,2
Renal
Síndrome nefrótica, Insuficiência renal crônica dialítica.
ETIOLOGIA
As principais etiologias da ascite (Tabela
1):3,4
Neoplasia
Metástase peritoneal, mesotelioma,
pseudomixoma peritoneal.
linfoma,
Quilosa
Obstrução linfática mesentérica.
Ginecológica
Síndrome de Meigss, endometriose, síndrome de
hiperestimulação ovariana.
Tabela 1 – Etiologia da Ascite.
Gastroenterológica
Hipertensão portal: Cirrose hepática, hepatite fulminante, doença veno-oclusiva (trombose de veia porta e supra-hepáticas)
Pancreática: Pancreatite aguda, pseudocisto Biliar.
1
Infecciosa
Tuberculose, esquistossomose, fúngica, bacteriana.
Outras
Lúpus eritematoso sistêmico, angioedema hereditário,
artrite reumatoide, Doença de Whipple, mixedema,
gastroenterite eosinofílica, febre familiar do Mediterrâneo, hipoalbuminemia.
Médico e especialista em Gastroenterologia. E-mail: [email protected]
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MANEJO PRÁTICO DA ASCITE
DIAGNÓSTICO
a. Paracentese diagnóstica
A paracentese com coleta de líquido ascítico
para posterior estudo é uma grande arma para o
diagnóstico da causa básica do derrame peritoneal.
É um procedimento seguro, sem evidências que
predisponham a infecção do líquido peritoneal e
deve ser realizado em todos os pacientes com
ascite, independentemente da suspeita clínica.
Indicações:
1. Pacientes internados ou ambulatoriais
com ascite ao exame físico de início recente ou causa indeterminada.
2. Paciente portador de doença hepática crônica, com ascite preexistente e suspeita de
peritonite bacteriana espontânea (PBE). A PBE
deve sempre ser suspeitada quando ocorre deterioração do quadro clínico do paciente, como: febre,
dor abdominal, encefalopatia hepática, disfunção
renal, leucocitose, acidose metabólica, sepse ou
choque séptico.1,5,6
Procedimento:
1. Material Utilizado
a. Cateter intravenoso n.º 14
b. Seringa n.º 20 ou 10
c. Campo fenestrado estéril
d. Luvas estéreis
e. Pinças para pequenas cirurgias
f. Frascos de vidro estéril
g. Coletor de vidro ou plástico
h. Equipo de soro
i. Cloridrato de lidocaína a 2% sem vasoconstritor
j. Substâncias para assepsia e antissepsia
2. Técnica
a. Realizado na beira do leito ou em local
para procedimento na enfermaria, com paciente em
jejum e esvaziamento prévio da bexiga.
b. Em decúbito dorsal.
28
c. Localização: quadrante inferior esquerdo. No ponto central em uma linha imaginária
entre a crista ilíaca superior e a cicatriz umbilical
(afastando dos vasos epigástricos).
d. Assepsia e antissepsia.
e. Colocação do campo fenestrado.
f. Anestesia local com lidocaína (2 a 5 ml).
g. Montar o cateter intravenoso na seringa
de 20 ml.
h. Introdução do cateter/seringa perpendicular à pele, sempre aspirando até que a saída do
líquido peritoneal.
i. Retirar a agulha e coletar líquido para bioquímica, citometria, pesquisa de células
neoplásicas, culturas.
j. Ligar o cateter ao equipo e o coletor.
l. Curativo no local da punção.
3. Análise do líquido ascítico6,7,8
Os exames solicitados para análise do líquido ascítico encontram-se na Tabela 2:
Tabela 2 – Exames para análise da ascite.
Rotina
Opcionais Não usual
Raramente
Celularidade e Glicose
diferencial
Citologia
Proteínas
totais
Albumina
Triglicerídios Lactato
Bilirrubinas
Colesterol
Fibronectina
DHL
Amilase
Gram
Cultura
pH
Avaliação dos parâmetros encontrados no
material coletado:
a. Aparência macroscópica (Tabela 3).
Tabela 3 – Macroscópica do líquido ascítico.
Aparências do líquido ascítico
Macroscópica
Etiologias
Amarelo citrino (claro) Cirrose hepática sem complicações.
Turvo
Infecções (peritonite bacteriana
espontânea ou secundária).
Leitoso (quilosa)
(Neoplasia ou trauma do ducto
pancreático).
Sanguinolento
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
Punção traumática.
Neoplasia maligna.
LEONARDO SOARES DA SILVA
Macroscópica
e. Cultura
Etiologias
Ascite cirrótica sanguinolenta.
Sanguinolento
Tuberculose (raro).
Punção inadvertida do baço
(Esplenomegalia volumosa).
Síndrome ictérica.
Marronzado
Perfuração de vesícula biliar.
Injetar no frasco de hemocultura – 10 ml de
líquido ascitíco à beira do leito. Cultura para bactérias, em casos especiais para tuberculose e fungos.
Ulcera duodenal.
f. Bioquímica
b. Citologia e citometria
A contagem de polimorfonucleares (PMN)
é importante no diagnóstico da peritonite
bacteriana espontânea (PBE) no paciente cirrótico,
independentemente da cultura:
Glicose, pH, proteínas totais, DHL (na primeira análise: amilase, ADA).
TRATAMENTO
a. Repouso relativo no leito.
b. Restrição de sódio
Contagem >250 PMN: PBE
A dieta deve conter em torno de 2 g (88
mEq) de sódio por dia.
c. Gradiente albumina Soro Ascite (Gasa)
A dosagem do Gasa é crucial no diagnóstico da etiologia da ascite, principalmente relacionada à hipertensão portal. O Gasa é a diferença
entre a albumina do soro e da albumina da ascite
(dosagens devem ser colhidas simultaneamente
(Tabela 4).
c. Restrição de líquido
Restrição da ingesta de líquido apenas
quando o sódio sérico for menor que 120 g/ml.
d. Diuréticos
Tabela 4 – Diagnóstico diferencial com uso do Gasa.
Gasa > 1,1
Gasa < 1,1
Hipertensão portal
Doença Peritoneal
HP Sinusoidal (cirrose hepática): Carcinomatose
Proteínas totais (ascite) < 3,0
Tuberculose
HP Pós-sinusoidal (Insuficiência Síndrome
cardíaca):
Nefrótica
Proteínas totais (ascite) > 3,0
d. Citologia oncótica
Encaminhar para anatomia patológica no
mesmo dia, se não colocar em álcool a 50% para
melhor conservação do material. A citologia
oncótica contribui para o diagnóstico diferencial
das neoplasias malignas peritoneais, principalmente metastáticas (carcinomatose peritoneal).
A associação de dois diuréticos de ações
diferentes é melhor opção no tratamento oral da
ascite no paciente cirrótico. As drogas provocam
efeito sinérgico, além de diminuir os efeitos deletérios, quando usados isoladamente. Inicia com
furosemida 40 mg/dia e espironolactona 100 mg/
dia. Aumenta progressivamente, se a resposta clínica for insuficiente após 3 a 4 dias com a terapia.
A furosemida pode ser aumentada até 160 mg e a
espironolactona até 400 mg. Importante: Evitar o
uso de diuréticos endovenosos.
O objetivo da terapia diurética é a perda de
peso no máximo 1 kg/dia em pacientes com
edemas de membros inferiores ou 0,5 kg/dia em
pacientes sem edema de membros. Essa medida
tem a intenção de diminuir a deterioração da função renal nestes pacientes.
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MANEJO PRÁTICO DA ASCITE
e. Paracentese terapêutica
A paracentese está indicada no tratamento
da ascite de difícil controle como:
Antibioticoterapia (Tabela 5).
Tabela 5 – Antibióticos usados no tratamento do PBE.
Cefatoxima 2 g EV 8/8h por 5 dias
Ceftriaxona 2 g EV 1 x dia por 5 dias
1. Ascite refratária ao tratamento oral com
diuréticos;
2. Ascite diurético-intratável, isto é, paciente com contraindicações ou efeitos colaterais com
diuréticos;
3. Ascite tensa com desconforto respiratório;
Albumina humana
A albumina humana é indicada quando
ocorre uma retirada maior que 4 litros durante o
procedimento da paracentese terapêutica. A reposição intravenosa de albumina acarreta menos
complicações (síndrome hepatorrenal, hipotensão)
e diminuindo o tempo de internação, menor número de readmissões e maior sobrevida dos pacientes A dose preconizada de 5 g de albumina por
litro retirado. A infusão da albumina ocorre
concomitante ou logo após o procedimento, com
velocidade 1 ml/minuto. Lembrando que cada
frasco de albumina humana a 20% possui 10 g.4,9,10
Amoxacilina + clavulanato EV 1,2 g 8/8h por 2 dias e
625 mg VO 8/8 por 6 a 12 dias
Ciprofloxacina EV 200 mg 12/12h por 5 dias
Uso da Albumina na PBE
A albumina é administrada 1,5 g/kg/dia
no primeiro dia (no máximo até 6h do diagnóstico) e 1 g/kg/dia no terceiro dia de tratamento. A
albumina reduz a mortalidade intra-hospitalar e a
deterioração da função renal.
Paracentese de controle
Realizar nova paracentese após 48 horas do
início do tratamento. O resultado esperado é uma
queda mínima de 25% na contagem de PMN em
relação à análise inicial do líquido ascítico. Não
ocorrendo essa diminuição, o esquema de
antibioticoterapia deve ser substituído de acordo
com o resultado da cultura e antibiograma.
Profilaxia da PBE
f. Outros tratamentos
1. TIPS (Derivação porto-sistêmico intrahepático transjugular)
TIPS é uma técnica que provoca um shunt
portocava látero-lateral, descomprimindo o sistema porta. É opção de tratamento na ascite
retratária. A principal complicação é a encefalopatia hepática.
A profilaxia da PBE é uma prioridade em
todo paciente que apresentou a infecção do líquido ascítico, deve ser realizada por meio de esquema oral por tempo indeterminado (Tabela 6).
Tabela 6 – Profilaxia do PBE.
Norfloxacina 400 mg VO 1 x dia
Ciprofloxacina 750 mg /semana
Sulfametaxazol + trimetropim 400/80 mg por dia
2. Transplante hepático
Outros: Ofloxacina, amoxacilina + clavunulato
O transplante hepático é a opção definitiva da ascite de origem hepática.
g. Tratamento da Peritonite bacteriana espontânea5,11,12
30
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LEONARDO SOARES DA SILVA
ALGORITMO DA ASCITE
ASCITE
PARACENTESE
DIAGNÓSTICA
GASA < 1,1
Proteína >3
DOENÇA
PERITONEAL
GASA > 1,1
Proteína <3
HIPOPROTEINEMIA
Paciente cirrótico
PMN > 250
Peritonite bacteriana
espontânea
PMN < 250
Ausência de
infecção
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31
MANEJO PRÁTICO DA ASCITE
REFERÊNCIAS
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ed. São Paulo: Editora Manole, 2006, p. 278-95.
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Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2004, p. 111-27.
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complicação da cirrose em adultos.
32
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8. RUNYON, B. A. “Management of adult patients
with ascites caused by cirrhosis”. Hepatology, vol.
39, n.º 3, 1-16, 2004.
9. ANGELI, P.; GATTA, A. “Medical treatment of
ascites in cirrhosis”. In: GINÈS, P.; ARROYO, V.;
RODÉS, J.; SCHRIER, R. W eds. “Ascites and Renal dysfunction in liver disease”. Pathogenesis,
diagnosis and treatment. Massachusetts:
Blackwell Science, 227-41, 2005.
10. CARDENAS, A.; ARROYO, V. “Management
of ascites and hepatic hydrothorax”. Best Practice
& Research Clinical Gastroenterology, vol. 21, n.º
1, 55-75, 2007.
11. CORAL, G.; MATTOS, A. A.; DAMO, D. F.;
VIEGAS, A. C. “Prevalência e prognóstico da
peritonite bacteriana espontânea. Experiência em
pacientes internados em um Hospital Geral de Porto Alegre (1991-2000)”. Arq Gastroenterol., vol. 39,
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12. YU, A. S.; HU, K-Q. “Management of ascites”.
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hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
JONAS RIBAS, EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO
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PREVALENCE OF NASAL SYMPTOMS IN LEPROSY PATIENTS IN FOLLOW-UP AT ALFREDO DA
MATTA FOUNDATION
Jonas Ribas*, Eduardo Abram Kauffman**, Cláudia Marina Puga Barbosa Oliveira***, Júlio César Simas Ribeiro****
RESUMO: Introdução: O Mycobacterium leprae tem tropismo pelas partes mais frias do corpo e o nariz pode ser
sede inicial de lesões. Objetivos: Relatar a prevalência das queixas nasais em pacientes com hanseníase. Pacientes e métodos: Estudo de prevalência, onde foram incluídos quarenta pacientes com hanseníase em acompanhamento na Fundação Alfredo da Matta entre agosto de 2006 e abril de 2007. Os pacientes eram inquiridos quanto
às queixas nasais e, se apresentassem sintomas, eram encaminhados para avaliação clínica. Resultados: Cinquenta
e sete por cento dos pacientes apresentavam sintomas nasais, sendo obstrução em 60,9% dos casos. A forma
multibacilar lepromatosa foi predominante dentre os sintomáticos. Conclusão: Apesar das formas multibacilares
se correlacionarem mais nitidamente com sintomas nasais, as formas paucibacilares também figuraram como
importantes causadores dessas queixas.
Palavras-chave: Hanseníase, sintoma nasal, multibacilar, paucibacilar.
ABSTRACT: Introduction: Mycobacterium leprae has tropism to the coldest parts of the body and primary
lesion may take place at the nose. Objectives: To relate prevalence of nasal symptoms in leprosy patients. Patients
and methods: A prevalence study, in which were included forty leprosy patients in follow-up at Alfredo da
Matta Foundation between august 2006 and april 2007. Patients were asked about nasal complaints and, if positive,
they were lead to clinical evaluation. Results: Fifty-seven percent of the patients presented nasal symptons, and
obstruction was in 60,9% of the cases. Leprosy multibacillary form was predominant among patients with
symptoms. Conclusion: In spite of multibacillary forms may be related to nasal symptoms more obviously,
paucibacillary forms also appear as important causes of these complaints.
Keywords: Leprosy, nasal symptoms, multibacillary, paucibacillary.
INTRODUÇÃO
A hanseníase é uma doença de curso crônico causada pelo Mycobacterium leprae, cujo contágio se dá por meio da eliminação dos bacilos pelas
secreções nasais, da orofaringe e soluções de continuidade da pele e/ou mucosas dos doentes atingindo áreas erosadas das mucosas nasal e/ou
cutânea dos indivíduos sãos.4
Quanto ao espectro clínico, classifica-se
em: Tuberculoide, com baciloscopia negativa, grande resposta celular, lesões limitadas e poucos
bacilos; Lepromatosa ou Virchowiana (LL), com lesões de pele difusamente distribuídas na pele e
exacerbada resposta humoral, e Borderline, instável, onde aparecem as formas BT (paucibacilar),
BB e BL (multibacilares). É importante citar as
formas Neural Pura (NP) e Indeterminada (I), onde
Mestre em Patologia Tropical e professor assistente da Ufam.
Mestre em Otorrinolaringologia, professor assistente da Ufam.
***
Acadêmica do 6.º ano de Medicina, Ufam.
****
Acadêmico do 6.º ano de Medicina, Ufam.
*
**
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
33
PREVALÊNCIA DOS SINTOMAS NASAIS EM PACIENTES COM HANSENÍASE ACOMPANHADOS NA FUNDAÇÃO ALFREDO DA MATTA
a resposta do hospedeiro é insuficientemente diferenciada, podendo evoluir para cura espontânea ou polarizar, dependendo da resposta imune
celular.6 Em localidades onde a baciloscopia não
for disponível, a OMS recomenda que os pacientes sejam classificados de acordo com o número
de
lesões
cutâneas,
considerando-se
paucibacilares aqueles com até cinco lesões e
multibacilares aqueles com mais de cinco lesões.
O Mycobacterium leprae tem tropismo pelas
partes mais frias do corpo, como a pele das extremidades, os lobos das orelhas, hélix, anti-hélix,
tragus, cartilagem alar, septo nasal e testículos, onde
há temperatura ideal para seu desenvolvimento.
Além disso, várias publicações são unânimes em
afirmar que o nariz é sede inicial de lesões, precedendo inclusive as manifestações cutâneas.1
Dentre as manifestações nasais encontradas
na hanseníase encontram-se obstrução,
sangramento, rinorreia, crostas, dor, prurido,
ressecamento, espirro, hiposmia, cacosmia e
anosmia.7 À rinoscopia anterior e posterior, as lesões da rinite leprótica configuram como infiltração, lepromas, ulcerações e perfuração.
Isso põe em destaque a avaliação otorrinolaringológica como integrante do arsenal
multidisciplinar diante do diagnóstico e acompanhamento do paciente hanseniano, principalmente daquele com as formas virchowiana e borderline,
onde o envolvimento das vias aéreas superiores é
frequente e extenso.8
OBJETIVOS
Estudar a prevalência das queixas nasais em
pacientes de hanseníase com qualquer uma das
formas clínicas. Identificar a frequência de cada
sintoma nasal em pacientes hansenianos e relacionar os sintomas nasais com a classificação clínica
de hanseníase.
PACIENTES E MÉTODOS
O estudo é de prevalência, realizado na
Fundação Alfredo da Matta, organização de refe-
34
rência da OMS na América Latina no estudo da
Hanseníase e responsável historicamente pelo diagnóstico de aproximadamente 50% dos casos novos de hanseníase do Estado do Amazonas.3
Por meio da análise dos prontuários, foram
selecionados 40 (quarenta) pacientes entre 18 e 60
anos com diagnóstico definitivo de hanseníase,
com qualquer uma de suas formas clínicas e em
acompanhamento na Fundação Alfredo da Matta
durante o período de agosto de 2006 a abril de 2007.
Foram excluídos da pesquisa grávidas, menores de
18 anos e maiores de 60 anos e portadores de doenças concomitantes.
Os pacientes eram inquiridos quanto às
queixas nasais da hanseníase na Fundação Alfredo
da Matta e eram prontamente encaminhados para
avaliação otorrinolaringológica se preenchessem
algum dos sintomas listados na ficha padronizada
de entrevista. Durante esse atendimento, eram novamente entrevistados e examinados por intermédio de rinoscopia anterior.
RESULTADOS
Durante o período de realização da pesquisa, de agosto de 2006 a abril de 2007, a Fundação
Alfredo da Matta registrou um total de 179 casos
novos de hanseníase. Foram então selecionados
para a pesquisa quarenta pacientes em acompanhamento na instituição, sendo vinte e seis homens
(65%) e catorze mulheres (35%).
Quanto à forma clínica, em ordem decrescente de frequência, encontramos nove pacientes
com a forma LL (22,5%); oito com a forma BB (20%);
sete com a forma BT (17,5%); cinco com a forma
BV (12,5%); quatro com a forma TT (10%); quatro
com a forma I (10%); dois com forma NP (5%) e
um com ENH (2,5%). Considerando os pacientes
em multibacilares ou paucibacilares, houve
prevalência de 55% dos primeiros.
Observou-se que 57,5% dos pacientes apresentavam queixas otorrinolaringológicas referentes ao nariz e que muitos deles não relacionavam
tais sintomas à hanseníase. Em 56,5% dos casos,
os pacientes detinham entre dois a seis sintomas e
em 57%, tal sintomatologia era referida em anos.
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hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
JONAS RIBAS, EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO
A queixa nasal mais frequente foi obstrução nasal, observada em 60,9% dos pacientes sintomáticos, seguida pela hiposmia (52,2%). Encontramos ainda dor nasal e ressecamento nasal, ambos em 47,8% dos casos; dispneia e alteração da
fonação em 30,4%; eliminação de crostas em 26,1%;
prurido e espirros em 21,7%; sangramento nasal e
rinorreia em 17,4%; cacosmia em 8,7% e nenhum
caso de anosmia (Tabela 1).
Faz-se mister também relacionar a presença ou ausência de sintomas com a forma clínica
apresentada pelos pacientes. Dentre os pacientes
com a forma Neural Pura (NP), observou-se que
metade tinha sintoma nasal; nos com forma
Virchowiana ou Lepromatosa (LL), 77,8% era sintomático e 22,2%, assintomático; nos pacientes com
forma Borderline-Virchowiana ou BorderlineLepromatosa (BL), 66,7% apresentou queixa nasal
e 33,3% não apresentou; os com forma BorderlineBorderline (BB) foram 100% assintomáticos; os
pacientes com forma Borderline-Tuberculoide (BT)
eram sintomáticos em 71,4% dos casos e
assintomáticos em 28,6% deles; os com forma
Tuberculoide-Tuberculoide (TT) eram sintomáticos em 50% dos casos; os com forma Indeterminada
de hanseníase eram 100% sintomáticos e o único
paciente com Eritema Nodoso Hansênico era
assintomaico.
Tabela 1– Sintomas nasais em ordem decrescente de
prevalência.
Sintomas
DISCUSSÃO
Houve predominância de homens doentes
em relação às mulheres, com proporção de quase
2:1, estando em consonância com a literatura especializada que explica tal fato pelas teorias de
maior exposição do sexo masculino ou de maior
resistência inerente à mulher.3,5
O número de casos do grupo paucibacilar
foi menor do que o do multibacilar, acompanhando o panorama nacional da moléstia.2,7 A forma
clínica mais frequente tanto nos pacientes em geral quanto nos sintomáticos foi a Virchowiana (LL),
sendo tal achado concordante com alguns estudos,4,5,9 seguida em ambos os casos pela forma
paucibacilar Borderline-Tuberculoide (BT).
O achado relevante de 57,5% de pacientes
com queixas otorrinolaringológicas referentes ao
nariz é compatível com o de Martins et al. (2005),
onde detectou 70% de sintomáticos em sua amostra. A referência de duração da sintomatologia em
anos pela maioria dos pacientes também foi encontrado por Abreu et al. (2006) e por Santos et al.
(2000), onde se registrou casos de até 50 anos de
evolução.
A obstrução nasal, observada em 60,9% dos
casos, é um dos sinais otorrinolaringológicos mais
precoces da hanseníase e é reflexo da infiltração
granulomatosa da mucosa. Mesmo com aparente
perviedade da cavidade nasal, os pacientes podem
referir obstrução, comum na rinite atrófica da
Número de Pacientes
%
Obstrução nasal
14
60,9
Hiposmia
12
52,2
Dor nasal
11
47,8
Ressecamento nasal
11
47,8
Dispneia
7
30,4
Alteração da fonação
7
30,4
Crostas
6
26,1
Prurido
5
21,7
trabalhos possuíam um arsenal de instrumentos
Espirro
5
21,7
mais eficazes para tal detecção, como a endoscopia
Sangramento nasal
4
17,4
nasal, propiciando uma visão mais detalhada da
Rinorreia
4
17,4
mucosa do que a rinoscopia anterior, e de biópsia
Cacosmia
2
8,7
nasal para se fazer diagnóstico diferencial quando
Anosmia
0
0
hanseníase.4
Somente 22% dos sintomáticos compareceram à avaliação clínica e estes não apresentaram
alterações de mucosa ao exame. Isso não condiz
com o achado de alguns trabalhos, que descrevem
alterações da mucosa nasal até mesmo em
assintomáticos.4 É importante salientar que esses
necessário.1,4
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
35
PREVALÊNCIA DOS SINTOMAS NASAIS EM PACIENTES COM HANSENÍASE ACOMPANHADOS NA FUNDAÇÃO ALFREDO DA MATTA
CONCLUSÃO
Destaca-se a negligência do exame da
mucosa nasal por meio da rinoscopia anterior na
rotina de atendimento em centros de tratamento
para hanseníase.
A forma clínica multibacilar Virchowiana
(LL) é a que mais se relaciona com sintomas nasais, mas devemos ficar atentos com os sintomas
também nas formas paucibacilares, que, apesar de
menos suscetíveis à sintomatologia otorrinolaringológica que as formas multibacilares, figuraram
como importantes causadores de queixas nasais.
A pesquisa de lesões de mucosa nasal somente pela rinoscopia anterior, pelo espéculo nasal, pode conter falhas, sendo mais adequado o uso
de métodos mais sofisticados para o diagnóstico
correto dessas alterações, como endoscopia e
biópsia nasal.
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36
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LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA
ACHADOS HIS
TOP
ATOL
ÓGIC
OS EM GLÂNDUL
AS
HIST
OPA
OLÓGIC
ÓGICOS
GLÂNDULAS
TIREOIDEAS DE NECR
ÓPSIAS DE ADUL
TOS JO
VENS
NECRÓPSIAS
ADULT
JOVENS
HABIT
ANTES D
A REGIÃ
O AMAZÔNIC
A
HABITANTES
DA
REGIÃO
AMAZÔNICA
HISTOPATOLOGICAL FINDIGNS IN THYROID GLANDS FROM AUTOPSY OF YOUNG ADULTS
FROM AMAZONIA
Lesemky Carlile Herculano Cattebeke*, Prof. Dr. L. D João Bosco Botelho**, Prof. Dr. L. D. Onivaldo Cervantes***, Gecildo
Soriano dos Anjos****, Rodolfo Fagionato de Freitas*****, Helder Freitas Alagia******, Viviane Saldanha*******
RESUMO: OBJETIVOS: Procurar alterações histopatológicas macroscópicas e microscópicas em glândulas
tireoideas provenientes de necrósias de pacientes sem história prévia de doença tireoidiana. MÉTODO: As glândulas tireoideas foram retiradas, fotografadas, fixadas em formol a 10%, pesadas, medidas e avaliadas. Cortes
seriados foram realizados a cada 2-3 mm da glândula e pelo menos 3 áreas em cada lobo e áreas suspeitas estudadas microscopicamente. RESULTADOS: Foram estudadas 15 glândulas tireoideas inteiras, com tecidos adjacentes provenientes de necropsias de indivíduos masculinos de 17 a 56 anos (média de 31,4 anos), procedentes e
habitantes da região amazônica não litorânea, sem doença tireoidea prévia e mortos por causas acidentais ou
violentas. O peso médio das glândulas estudadas foi 16,17 g, foram encontradas 6 (40%) tireoides normais, 9
(60%) bócios difusos, sendo um (6,6%) Coloide, Cistos coloides em 3 (20%) e microcistos em 4 (26,66%) dos
indivíduos. CONCLUSÃO: Estas alterações encontradas são características de indivíduos provenientes de área
endêmica para bócio, no caso a região amazônica, provavelmente pela dieta alimentar local levando à deficiência
de iodo.
Descritores: 1. Tireoide. 2. Autópsia. 3. Bócio. 4. Histopatológico.
ABSTRACT: OBJECTIVES: Search macroscopic and microscopic histopathological changes in thyroid glands
that were collected at autopsy of subjects with no previous thyroid disease. METHODS: Thyroid glands were
collected, photographed, fixed in formalin, weighed, measured and analyzed. All glands were serially sectioned
at 2-3 mm intervals and at minimum 3 areas for lobe and suspected areas are microscopically examined. RESULTS:
We studied 15 whole thyroid glands. All subjects are men, habitants of Amazon’s central region, had no known
clinical history of thyroid disease and are dead for violent or trauma causes. Age varied from 17 to 56 years (31,4
years of median age).The glands had 16,17 g of median weight, and we find 6 (40%) of normal thyroid glands, 9
(60%) diffuse goiters (one of then Colloid), colloid cysts in 3 (20%) and micro cysts in 4 (26,66%) subjects.
CONCLUSION: The morphologic changes are from individuals characteristically from an endemic goiter region,
in the Amazon region, probably as a result of the local diet conducing to iodine deficiency.
Keywords: 1. Thyroid. 2. Autopsy. 3. Goiter. 4. Histopathology.
*
Professor titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Depar tamento de Clínica Cirúrgica II da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam),
preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia e Hospital Adriano Jorge, doutorando em Biotecnologia pela Ufam.
**
Professor doutor e livre-docente, ex-chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Clínica Cirúrgica II – Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
***
Professor da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Universidade do Estado do Amazonas e do Centro Universitário Nilton Lins, preceptor da
Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Santa Júlia e Hospital Adriano Jorge.
****
Professor associado, doutor e livre-docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Unifesp – EPM
*****
Mestres em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, médico cirurgião assistencial do Hospital Universitário Getúlio Vargas – Ufam e preceptor da Residência
Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Santa Júlia e Fundação Hospital Adriano Jorge, doutorandos em Biotecnologia pela Ufam
******
Professor do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Amazonas e médico perito legista do Instituto Médico-Legal do Amazonas
*******
Otorrinolaringologista, preceptora da Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia do Hospital Santa Júlia e Fundação Hospital Adriano Jorge, doutoranda em
Biotecnologia pela Ufam.
revistahugv
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA
1. INTRODUÇÃO
Os
diagnósticos
das
alterações
morfológicas e funcionais da tireoide são de importância singular porque são passíveis de prevenção ou tratamento clínico ou cirúrgico. Muitos trabalhos referem anormalidades tireoideas em
indivíduos assintomáticos, o que, do ponto de vista
anatômico, geram os “bócios”.1
O bócio é qualquer aumento de volume da
glândula tireoide, não importando a etiologia ou
fisiopatologia. Sob a perspectiva da histopatologia,
contudo, o bócio representa uma hipertrofia difusa
do tecido tireoideo em consequência da hiperplasia
das células foliculares. Quanto à fisiologia, quase
sempre o bócio se acompanha de hipotireoidismo,
levando a graves consequências ao metabolismo
do indivíduo e mesmo ao intelecto. Associado a
estas doenças benignas, ocorre uma incidência aumentada também de tumores malignos, os cânceres da glândula tireoide. A Organização Mundial
de Saúde (OMS) reconhece a existência de bócio
endêmico quando, em determinada área geográfica, mais de 10% da população em geral ou 20%
das crianças e adolescentes, de ambos os sexos, são
portadoras de bócio.1,2,3
Com as modernas técnicas de imagem, principalmente a ecografia, cada vez mais se detectam
alterações na anatomia tireoidea, e até nódulos não
palpáveis podem ser biopsiados por uma aspiração com agulha fina (PAAF).4,5 Mas a sensibilidade e especificidade destes exames são limitadas,
pois são dependentes da experiência do examinador e somente o exame histopatológico convencional pode dar uma maior segurança ao pesquisador. Estudos da glândula tireoide em autópsias são
frequentes na literatura mundial, verificando-se
que a prevalência de achados morfológicos alterados relacionam-se a diversos fatores como: o aumento da faixa etária estudada,6 a localização geográfica da população,7 o método da pesquisa, entre outros.8
Pesquisas post morten em jovens são importantes porque a identificação destas alterações
assintomáticas pode levar a medidas preventivas
38
na população que interrompam a evolução natural da doença e melhorem a expectativa e a qualidade de vida desses pacientes numa idade mais
avançada.
2. MÉTODO
O presente estudo apresenta como material 15 glândulas tireoideas inteiras com tecidos adjacentes provenientes de autópsias de indivíduos
com as seguintes características:
1. Morte por causas não relacionadas a doenças tireoideas.
2. Idade compreendida entre 17 e 56 anos
(média = 32,46).
3. Ausência de fatores relacionados ao tipo
de morte ou tempo de morte que prejudicassem o
correto estudo da glândula (ferimentos, queimaduras, ação da flora cadavérica, decomposição).
4. Todos procedentes e domiciliados na região amazônica, em áreas não litorâneas, sem antecedentes de moradia em outras localidades.
5. Ausência de história familiar de doença
tireoidea conhecida.
6. Consentimento por escrito da coleta, após
esclarecimento, de familiar ou responsável.
1. Coleta da glândula tireoidea diante dos
cadáveres segundo técnica específica padronizada, obedecendo a diretrizes da legislação médicolegal vigente no Instituto Médico-Legal. Participação ativa e consentida em conjunto com os médicos legistas da instituição. Terminada a perícia médico-legal, o cadáver foi colocado em hiperextensão
cervical com um coxim de madeira sob as escápulas
e iniciada a coleta da glândula tireoide. A incisão
mediana é ampliada até o osso hioide e
aprofundada na linha média entre a cartilagem
tireoidea superiormente e os primeiros anéis
traqueais inferiormente, expondo a glândula
tireoide. A musculatura infra-hioidea foi afastada
lateralmente e, em casos de difícil dissecção, foi
seccionada transversalmente de modos a facilitar
a retirada completa da glândula. Após a dissecção
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LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA
anterior e lateral da tireóide, procurando-se não
lesar a cápsula, seguiu-se à secção dos pedículos
arteriovenosos superiores e inferiores. Os nervos
laríngeos recorrentes e superiores, paratireoides,
gordura e linfonodos peri-tireoideos foram retirados em bloco com a peça principal. O exame
macroscópico e microscópico, medição e pesagem
da glândula, foram realizadas segundo técnicas
preconizadas9 pela Sociedade Brasileira de Patologia, no Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências da Saúde da Fundação Universidade do Amazonas. Após a macroscopia, a glândula
foi pesada com balança de precisão. Cortes longitudinais foram realizados a cada 2-3 mm e analisados sistematicamente com o objetivo de identificar lesões suspeitas (Figura 1). As alterações foram registradas e serviram para o exame
histológico. Foram realizadas de 3 a 5 lâminas de
cada lobo e istmo. Lâminas são preparadas e coradas com hematoxilina e eosina. Baseado nos dados coletados, foi calculado o coeficiente de correlação entre as variáveis peso das glândulas
tireoideas versus idade dos pacientes. O resultado
foi R = 0,3971, aparentemente sugerindo correlação positiva (o peso aumenta com a idade), porém
o teste de Pearson mostrou com resultado r - value
= 0,143, não mostrando significância estatística
entre as variáveis em questão.
restantes foram classificadas como bócios. Sendo
que uma como bócio coloide. Não foram identificados focos de carcinoma ou tireoidite, embora
houvesse focos de infiltrado linfocítico focal. A
única alteração congênita encontrada foi a presença do lobo piramidal, ou pirâmide de Lalouette,
em 2 pacientes, E e H (Tabela 1). Todas as glândulas encontravam-se na topografia usual e se constituíam de dois lobos principais e um istmo.
Tabela 1– Achados Morfológicos em 15 tireoides provenientes de necropsias de pacientes sem doença conhecida prévia, provenientes da região amazônica, segundo a idade.
Idade
17 A 36
ANOS
37 A 56
ANOS
TOTAL %
Indivíduos
9
6
15 (100%)
Tireoide Normal
6
0
6 (40%)
Peso Médio (g)
14,17 g
19,15 g
16,17 g
Bócio Difuso
3
6
9 (60%)
Fibrose
4
2
6 (40%)
Congestão Vascular
4
5
9 (60%)
Infiltrado Linfocitário
2
1
3 (20%)
Hemorragias
1
2
3 (20%)
Hiperplasia Nodular
1
0
1 (6,66%)
Microcistos
2
2
4 (26,66%)
Cápsula íntegra
9
6
100 %
Carcinomas
0
0
0
Adenomas
0
0
0
Cistos Coloides
2
1
3 (20%)
4. DISCUSSÃO
Figura 1 – Cortes seriados a cada 2-3 mm da glândula tireoide.
3. RESULTADOS
A idade média dos 15 indivíduos do estudo foi de 31,4 anos, variando de 17 a 56 anos. Após
a retirada dos tecidos adjacentes o peso médio foi
16,17 g, variando de 9,3 a 30 g. Sete glândulas foram classificadas como normais. Oito glândulas
A média de idade dos indivíduos deste estudo, de 31,4 anos, é uma das mais baixas da literatura; existe pouca informação publicada sobre o
tipo e prevalência de doença tireoidea oculta em
adultos jovens.6,10
Komorowski & Hanson10 informam que há
inúmeras razões para se procurar entender o tipo
e a incidência de doenças tireoideas ocultas em
adultos jovens. Primeiramente este estudo pode
contribuir substancialmente para entendermos a
prevalência e a história natural da doença de desordens tireoideas potencialmente graves. Outras
razões são citadas, como em uso como grupo con-
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ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA
trole, comparação entre áreas geográficas e exposição a elementos cancerígenos. Em uma série
de 138 necropsias de adultos com idade entre 20
e 40 anos eles encontraram somente 3% de carcinomas ocultos, o peso médio foi de 17,3 g em homens e 16,8 g em mulheres, adenomas foram encontrados em 10% e fibrose em 8% das glândulas.
Estudos de patologia oculta de tireoide em
adultos foram formulados quase exclusivamente
em populações de idade avançada, refletindo a
idade em que se fazem mais necropsias nos diversos centros médicos,10 geralmente em Serviços de
Verificação de Óbito (SVO) e não em Institutos
Médico-Legais (IML).
Outra característica encontrada é que os pacientes são todos do sexo masculino, isso em função da maior exposição deste sexo à causa de morte
violenta ou acidental (10 dos 15 óbitos foram causados por ferimento por arma branca ou de fogo).
Identificou-se uma alta incidência de bócio
difuso em indivíduos jovens (60%), achado compatível com indivíduos habitantes em região
endêmica para bócio, com fatores provavelmente
relacionados à ingesta alimentar deficiente em
iodo3,11,12 ou fatores outros ainda não esclarecidos.
Lima & Montandon13 acharam uma incidência de
35% de bócio e Bisi, Fernandes, Asato de Camargo,
Koch, Abdo e Thales de Brito7 de 36% em regiões
do Sudeste brasileiro.
O bócio endêmico é mais prevalente em áreas montanhosas como os Alpes, Andes e Himalaia,
mas também podem ocorrer em regiões não montanhosas remotas do mar, mas com esta distribuição nem sempre a ingestão deficiente em iodo é a
causa dominante da enfermidade.2,5,14,15
Dois estágios podem ser identificados na
evolução do bócio não-tóxico difuso, sendo o primeiro estágio hiperplásico e o segundo da involução
coloide.11 No estágio de hiperplasia a glândula é moderadamente aumentada de tamanho, aumentada
difusamente, simetricamente e torna-se acentuadamente hiperêmica. O aumento da massa de células é detido pelo eutireoidismo e a duração desta fase é extremamente variável. Os pacientes es-
40
tavam na maior parte nesta fase.
O acúmulo de coloide não é uniforme e alguns ficam muito distendidos, enquanto outros
permanecem pequenos e podem mesmo reter pequenas invaginações de células hiperplásicas. O
coloide acumulado produz acentuado aumento da
consistência e uma superfície gelatinosa, brilhante.11 É o chamado bócio coloide. Convém lembrar
que microcistos foram encontrados em 4 indivíduos (26,66%) e cistos coloides em 3 (20%).
Então, o significado clínico das alterações
encontradas (bócio difuso não tóxico) depende de
sua capacidade de encontrar o estado de
eutireoidismo. Raros pacientes são hipotireoideos
e o TSH quase que invariavelmente está elevado.
É provável que o principal significado do bócio
difuso é que ele é o precursor de um bócio
nodular. 11 Bisi, Fernandes, Asato de Camargo,
Koch, Abdo & Thales de Brito,7 examinando 300
glândulas tireoideas inteiras, sendo 200 de mulheres, encontraram 6,6% de neoplasias benignas e
malignas incidentais, sendo 2,33% de carcinomas,
e 1% ocultos. Encontraram também 42,32% de
tireoides normais e 36% de bócios, sendo 28,33%
de bócios nodulares e 7% de bócios coloides
difusos.
Bisi, Fuggeri, Longatto Filho, Asato de
Camargo, Fernandes & Abdo,8 em artigo de revisão, procuraram lesões tireoideas neoplásicas, ou
não, em seis décadas de autopsias de rotina
(145,043 casos). Encontraram lesões neoplásicas
insuspeitas em 425 casos (8,38%), sendo que destas 68,24% eram malignas. Nessa casuística, as lesões não neoplásicas mais frequentes foram os
bócios coloides adenomatosos com 3.135 casos
(61,83% das lesões não neoplásicas).
Lima & Montandon,13 num estudo em cem
necropsias, identificaram 21% de neoplasias benignas e malignas. Esse trabalho realizado no Triângulo Mineiro encontrou 14 carcinomas papilíferos
sendo que 12 menores que 1 cm de diâmetro, os
chamados microcarcinomas de tireoide (MCT).
Bócio coloide foi encontrado em 35% dos casos,
sendo 31 casos do tipo nodular e 4 do tipo coloide.
Os carcinomas papilíferos encontrados apresenta-
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA
vam na maioria (57,14%) padrão folicular. O peso
médio das glândulas foi 23,1 g. Tireoides consideradas normais foram 43%.
Enfim, analisando esta série em comparando com a literatura, verifica-se a importância de
uma verificação sistemática e detalhada das glândulas tireoideas em autopsias na busca de esclarecer as vias de desenvolvimento e características
dessa patologia (o bócio) na região amazônica e
no restante do mundo.
nonpalpable nodules discovered incidentally on
thyroid imaging. Ann Intern Med., 126 (3):22631, 1997.
CONCLUSÃO
7. BISI, H.; FERNANDES, V.; ASATO DE
CAMARGO, R.; KOCH, L.; ABDO, A.; THALES
DE BRITO. The Prevalence of Unsuspected
thyroid Pathology in 300 Sequential Autopsies,
with special reference to the incidental carcinoma. Cancer, 64:1.888-1.893, 1989.
Os resultados encontrados nos mostram
que a maioria dos indivíduos do grupo estudado
possui alterações microscópicas nas suas glândulas tireoideas. Essas alterações são características
de habitantes de área endêmica para bócio por provável deficiência alimentar ou na absorção do iodo.
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Local de realização do trabalho:
Instituto Médico-Legal do Amazonas
Faculdade de Medicina da Universidade Federal
do Amazonas
CONTATOS PARA CORRESPONDÊNCIA:
Dr. Lesemky Cattebeke
Rua Vila Amazonas, 488/404-B
CEP: 69057240 – Manaus-AM
Telefone: (92) 3236-3624
e-mail: [email protected]
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA
AL
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ÇÕES G
ASOMÉTRIC
AS DURANTE L
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TERAÇÕES
GASOMÉTRIC
ASOMÉTRICAS
LA
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ESPECIALIZA-DO DE BR
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AUS
BRON
ONC
OSCOPIA
MANA
GASOMETRIES ALTERATIONS DURING BRONCHOALVEOLAR LAVAGE IN ESPECIALIZED
SERVICE OF MANAUS
Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima*, José Correa Lima Neto*, Rildo Guilherme de Oliveira Gomes**, Karina
Rabelo Albuquerque de Arnez***, Sileno de Queiroz Fortes Filho****, Ana Carolina Quico Nuerza****
RESUMO: Objetivo: Avaliar as alterações gasosas induzidas pelo lavado broncoalveolar (LBA) quanto à presença
de hipoxemia ou possível hipercapnia por meio de gasometria arterial. Métodos: Estudo prospectivo, no qual
pacientes maiores de 18 anos foram submetidos à broncoscopia com LBA no Hospital Universitário Getúlio Vargas,
no período de dezembro de 2004 a novembro de 2005. Foram colhidas amostras sanguíneas por intermédio de
punção arterial radial em membro superior com arco palmar íntegro, para avaliação gasométrica, antes do LBA
e em vários tempos após seu início, sendo feita suplementação de oxigênio concomitante. Resultados: Vinte e
cinco pacientes participaram do estudo, sendo a maioria do sexo masculino (78%). A pressão parcial de oxigênio
(PaO2) antes do início do procedimento teve uma média de 85mmHg, aumentando para 128mmHg quando do
início da suplementação de oxigênio e depois se estabilizando em 82mmHg após a realização do LBA, tendo
decréscimo, portanto, de 3mmHg da média inicial. A pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) variou de 38
a 45mmHg, estabilizando em 43mmHg. Conclusão: O lavado broncoalveolar diminuiu a PaO2 significativamente, mas não chegou a provocar hipoxemia, fato provavelmente explicado pela suplementação de oxigênio feita
antes do início do procedimento e durante ele. A PaCO2 estabilizou em valores considerados limítrofes após seu
aumento inicial, não havendo hipercapnia.
Palavras-chave: Lavagem Broncoalveolar; Gasometria; Testes de Função Pulmonar; Pressão parcial; Hipóxia;
Hipercapnia.
ABSTRACT: Objective: To evaluate the gaseous changes induced by bronchoalveolar lavage (BAL) for the
presence of hypoxemia or possible hypercapnia using arterial blood gas. Methods: Prospective study in which
patients over 18 were submitted to bronchoscopy with BAL in the University Hospital Getúlio Vargas, in the
period December 2004 to November 2005. Blood samples were collected through a radial artery puncture in the
upper limb with palmar arch intact, to evaluate gas before the LBA and several times after its inception, and
given supplemental oxygen concurrently. Results: Twenty-five patients participated in the study, the majority
being male (78%). The partial pressure of oxygen (PaO2) before the procedure took an average of 85mmHg,
128mmHg when rising to the top of supplemental oxygen and then stabilized at 82mmHg after the LBA, and
decrease, therefore, the average 3mmHg original. The partial pressure of carbon dioxide (PaCO2) ranged from 38
to 45mmHg, stabilizing at 43mmHg. Conclusion: The bronchoalveolar lavage decreased PaO2 significantly, but did
not cause hypoxemia, a fact probably explained by oxygen supplementation given before the procedure and during
it. The PaCO2 stabilized at values considered borderline after its initial increase, resulting no hypercapnia.
Cirurgião Torácico.
Médico especialista em Anestesiologia.
***
Residente em Anestesiologia do HUGV.
****
Acadêmico de Medicina da Universidde Estadual de Medicina.
*
**
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ALTERAÇÕES GASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO BRONCOALVEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZADO DE BRONCOSCOPIA DE MANAUS
INTRODUÇÃO
A introdução da fibrobroncoscopia flexível
para o diagnóstico e tratamento das doenças pulmonares revolucionou a abordagem dessas patologias.1 Entre as diversas técnicas que surgiram está
o lavado broncoalveolar (LBA), que é um método
diagnóstico minimamente invasivo, tendo por conceito básico o recolhimento de células e exsudato
inflamatório presentes na superfície epitelial do
alvéolo, interagindo, assim, com processos
imunológicos, inflamatórios e infecciosos ali presentes.2,3
O LBA facilitou a análise microbiológica do
trato respiratório inferior sem contaminação da
amostra por microrganismos da orofaringe,2 possibilitou um melhor estudo da fisiopatogênese e
da avaliação da atividade das doenças que acometem o interstício pulmonar e auxiliou no diagnóstico de doenças oportunistas.4
Pacientes com HIV/aids, por exemplo,
apresentam risco aumentado para infecções oportunistas respiratórias, mas por causa da ausência
de especificidade nos achados clínicos e de imagem, o LBA tornou-se fundamental no diagnóstico dessas doenças, melhorando o prognóstico desses pacientes, na medida em que passou a ser feita
a terapia mais adequada.2,3,5
Ao longo de décadas, a Medicina vem desenvolvendo inúmeras formas de melhor detectar
e quantificar o transporte de oxigênio para avaliação da eficiência do sistema que o distribui no organismo. A gasometria arterial permite a medida
da pressão parcial de oxigênio (PaO2), da pressão
parcial do dióxido de carbono (PaCO2) e do pH, e
permanece como o método mais confiável na
monitorização da oxigenação e da ventilação. O
controle da oxigenação durante o LBA, entretanto, é realizado mais comumente pela medida da
saturação da hemoglobina pela oximetria de pulso.6,7
As razões pelas quais a oximetria de pulso
substituiu a gasometria arterial durante o LBA
são: (1) menor risco de complicações por ser um
método não-invasivo, ao contrário da gasometria,
44
na qual há o risco de infecções, bem como a possibilidade de sangramentos; (2) monitorização das
alterações do oxigênio de forma rápida e contínua, por intermédio da medida da saturação do
oxigênio (SaO2), o que implica um melhor acompanhamento durante a realização do LBA, que é
considerado um método simples e rápido.6,7
A oximetria de pulso, no entanto, é consideravelmente limitada quando utilizada para estimar a PaO2 do sangue. A relação entre a PaO2 e a
SaO2 (curva de dissociação da hemoglobina) sofre
influências da temperatura, da PaCO2 e dos teores
de 2,3 difosfoglicerato (2,3,DPG), presentes nas
hemácias. Além disso, considerando a precisão da
oximetria, uma SaO2 de 95% pode representar uma
saturação real entre 91 e 99%. Ora, tanto a SaO2 de
91% pode expressar uma PaO2 de 60mmHg como
a SaO2 de 99% uma PaO2 de 160mmHg.7
Dessa forma, o presente trabalho vem mostrar as alterações das trocas gasosas durante o lavado broncoalveolar pela utilização da gasometria
arterial, considerado o exame padrão-ouro para a
análise correta das medidas dos gases arteriais.
MÉTODOS
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Fundação de Medicina Tropical do Estado do Amazonas – FMTAM.
Fizeram parte do estudo todos os pacientes
maiores de 18 anos de idade com indicação de
broncoscopia e LBA no Serviço de Cirurgia
Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas
(HUGV), no período de dezembro de 2004 a novembro de 2005. Os exames foram realizados pelos médicos responsáveis pelo setor de
broncoscopia e a análise das gasometrias foi feita
pelo laboratório do próprio hospital.
Foram excluídos do estudo os pacientes com
antecedentes de doença coronariana, doença
vascular periférica, insuficiência cardíaca sistólica
e/ou diastólica, fístula arterio-venosa, doença pulmonar descompensada; ausência de integridade do
arco palmar em ambos os membros superiores,
instabilidade clínica a ponto de interromper o exa-
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FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA
me e aqueles que se negaram a participar do estudo.
Para o preparo dos pacientes foram feitos
os seguintes procedimentos: (1) venóclise no membro superior contralateral ao que seria colhida a
amostra sanguínea para gasometria; (2) punção
arterial em membro superior com arco palmar íntegro; (3) monitorização dos sinais vitais; (4)
anestesia da via aérea, consistindo de anestesia
tópica de oro e nasofaringe, além de anestesia
endovenosa com midazolan 5mg e fentanil 50ìg.
Com relação à técnica, o local selecionado
para lavagem depende da região acometida, mas
nos casos onde o comprometimento pulmonar é
difuso, o lobo médio ou a língula são os preferencialmente lavados, pois o retorno de fluxo é maior
pela posição pendente dos brônquios
subsegmentares no paciente em posição supina.4
O broncoscópio é introduzido até atingir
um brônquio compatível com seu tamanho, que
geralmente é um de 3.ª à 5.ª ordens, e em seguida
injetam-se quantias de 20-50ml até um total de 100200ml (máximo de 300ml) de salina estéril, de preferência a 37ºC.8 Após cada quantia, o líquido é
aspirado manualmente ou por pressão de aspiração negativa (50-80mmHg). Desconhece-se o tempo ideal que o líquido deve ser mantido antes de
ser aspirado.2
A primeira alíquota, geralmente, tem um
baixo retorno de até 20%.9 Durante o exame este
valor deve subir para 40-70%, sendo o volume
médio total de retorno em voluntários normais
não-fumantes de 60-80% do volume injetado. Pacientes fumantes e com doenças pulmonares, principalmente DPOC, terão um retorno mais diminuído.
Foram tomados os cuidados necessários na
colheita das amostras sanguíneas para a gasometria
arterial, as quais devem ser obtidas em condições
anaeróbicas, colocadas em gelo e mantidas a 0ºC
até a leitura. A presença de bolhas de ar na amostra sanguínea também influencia a leitura dos gases, com aumento da PaO2 e diminuição da PaCO2.
Os aparelhos tradicionais para medida do pH e da
gasometria utilizam eletrodos especiais para a lei-
tura do pH, do oxigênio (eletrodo de Clark) e do
dióxido de carbono (eletrodo de Severinghaus), os
quais necessitam de calibrações frequentes, que
muitas vezes retardam a leitura das amostras.6
Foram realizadas gasometrias seriadas nos
seguintes tempos:
• T1 – paciente sem suplementação de oxigênio;
• T2 – após 2 minutos de suplementação de
oxigênio;
• T3 – 1.º minuto após início da coleta do
LBA;
• T4 – 2.º minuto após início do LBA;
• T5 – 3.º minuto após início do LBA;
• T6 – 4.º minuto após início do LBA;
• T7 – 5.º minuto após início do LBA.
A suplementação de oxigênio foi realizada
nos pacientes com máscara facial em circuito circular com absorção de CO2, em FiO2 de 1,0. A manutenção da oxigenação foi feita com O2 nasal a
4,0L/min, até o final do exame. O volume total de
líquido utilizado no lavado foi de 120ml de soro
fisiológico 0,9%.
O método estatístico utilizado para a análise dos dados foi o descritivo, por meio da média
das aferições realizadas nos tempos estudados das
variáveis PaO2 e PaCO2.
RESULTADOS
Participaram do estudo 25 pacientes, dos
quais 72% foram do sexo masculino (n = 18) e 28%
do sexo feminino (n = 7), com média de idade de
51,4 anos (variação entre 28-72 anos). Somente em
12 pacientes foi resgatada a principal indicação da
broncoscopia com LBA, sendo cinco por infiltrado
pulmonar, três por massa pulmonar, dois por
bronquiectasias, um por fibrose pulmonar e outro
por hemoptise.
Por meio de análise descritiva foi feita, então, a distribuição das médias dos gases sanguíneos obtidos durante a gasometria arterial nos sete
tempos determinados anteriormente. No caso da
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ALTERAÇÕES GASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO BRONCOALVEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZADO DE BRONCOSCOPIA DE MANAUS
PaO2 (Figura 1), a média antes da realização do
procedimento foi de 85mmHg. Ocorreu um aumento da PaO 2 no T2, em relação ao T1, de
43mmHg, resultado esperado em função da
suplementação de oxigênio. Desde o início da
broncoscopia até o T3, já se observa o retorno da
média das gasometrias até o seu valor inicial, mesmo com manutenção da oxigenação de 4 a 5L/min,
fato que pode ser explicado pelo distúrbio na relação ventilação-perfusão provocado pelas alíquotas
de salina do lavado ou ainda pelo obstáculo à passagem do ar ocasionado pelo aparelho nas vias
aéreas do paciente e pela sedação realizada, componentes essenciais para o sucesso do exame. Após
cinco minutos, no T7, as médias se estabilizaram
em 82mmHg, mostrando uma variação discreta de
3mmHg em relação a T3.
Quanto à PaCO2 (Figura 2), a média das
pressões parciais antes do procedimento foi de
38mmHg. Observou-se alteração significativa desse valor em T3, no qual ocorreu elevação de
9mmHg da média, não ultrapassando o limite normal de 45mmHg. Até cinco minutos após o início
do lavado a média das pressões se manteve estável, chegando a um valor mínimo de 43mmHg.
Gasometria (tempo)
Figura 1 – Distribuição das médias da PaO2 nos sete tempos determinados.
Gasometria (tempo)
Figura 2 – Distribuição das médias da PaCO2 nos sete tempos determinados.
46
DISCUSSÃO
O valor normal da PaO 2 é em média
95mmHg, variando de 85 a 100mmHg. Quando
este valor cai para níveis abaixo de 60mHg, está
definido o estado de hipóxia, no qual há uma
oxigenação inadequada dos tecidos que pode ser
causada por fluxo sanguíneo inadequado e/ou baixa concentração de oxigênio no sangue.10
Dentre as causas de hipoxemia, temos quatro principais: (1) comprometimento da difusão,
provocada pela presença de líquidos no interior
dos alvéolos;11 (2) shunts arterio-venosos, permitindo a passagem do sangue para o sistema arterial sistêmico sem a oxigenação prévia, por causa da
inundação alveolar; (3) hipoventilação; (4) shunts
aéreos, provocados pela desigualdade ventilaçãoperfusão. A possível baixa concentração de oxigênio causada pelo LBA pode estar associada às duas
primeiras causas.10,11
Nesse estudo apenas um paciente teve PaO2
inferior a 60mmHg (4%), o que ocorreu em todos
os seus tempos exceto no T2, mas nenhuma complicação foi observada. A possível diminuição da
presença de hipoxemia em nosso trabalho provavelmente se dá pela utilização de oxigenação com
máscara facial durante 5 minutos com FiO2 a 1,0
antes do início do procedimento. Segundo Pugin e
Suter (1992), as razões para a diminuição da
oxigenação após broncoscopia com LBA não estão
claramente definidas, mas o volume de líquido
instilado e a presença de doenças pulmonares podem ser fatores de risco.12
Gibson et al. (1990) analisaram três diferentes grupos submetidos ao LBA.13 O primeiro grupo realizou somente broncoscopia, enquanto o segundo fez LBA com respiração ambiente e o terceiro LBA com suplementação de oxigênio, feita
com cateter nasal a 4L/min, sem oxigenação antes
do procedimento. O valor da PaO2 caiu 12+/3mmhg, 24+/-4mmHg e 32+/-5mmHg, respectivamente. Em 76% dos pacientes do segundo grupo e 25% do terceiro grupo à PaO2 diminuiu abaixo de 60mmHg, caracterizando um estado de
hipoxemia.
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FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA
Sharma et al. (1993) e Dubrawsky et al.
(1975) também não demonstraram em seus estudos alteração significativa na PaCO2, ou seja, valores maiores que 45mmHg, o que é justificado
pela maior facilidade que o gás carbônico tem de
atravessar a membrana alvéolo-capilar que o oxigênio. 14,15
O LBA é considerado um procedimento
muito seguro, cuja taxa de complicações é de 03% comparado a 7% com a biópsia de pulmão
transbrônquica e 13% quando se usa a biópsia pulmonar a céu aberto. A quantidade residual de salina presente no alvéolo pode gerar complicações,
tais como: febre (2,5%), broncoespasmo (0,7%),
sangramento leve (0,7%), infiltrados alveolares
(0,4%) e hipoxemia. Estas complicações são de
duração limitada, cedendo após 24 horas, mas em
pacientes submetidos à instilação de 300-500ml
de solução salina, a incidência pode aumentar
para 20%. 2,3 Neste estudo não houve complicações nos pacientes submetidos ao LBA, com exceção do caso de hipoxemia citado anteriormente.
Papazian et al. (1993) avaliaram os efeitos
do lavado broncoalveolar em pacientes sob ventilação mecânica.16 Notaram um decréscimo significativo na PaO2, PaCO2, bem como da SaO2, após
o procedimento, mas não houve alterações ou complicações significativas. Concluiu que é seguro realizar este tipo de procedimento mesmo em pacientes criticamente enfermos sob ventilação mecânica, estando alguns em choque cardiogênico
ou choque séptico, fazendo uso de drogas
vasopressoras para poder alcançar estabilidade
hemodinâmica.
Por sua vez, Klein et al. (1998), que também avaliaram esse tipo de alterações em pacientes sob ventilação mecânica, observaram deterioração da função e da mecânica pulmonar, associada a maior risco de hipoxemia e hipercapnia,
além de diminuição da complacência. Segundo
eles, são múltiplos os mecanismos que levam a essa
deterioração, incluindo o não retorno do líquido
instilado, indução de edema pulmonar e
inativação ou interferência da ação do
surfactante. 17
Pacientes asmáticos estão sob maior risco
de desenvolver complicações relacionadas ao
LBA. Spanevello et al. (1998), ao estudarem os riscos e complicações inerentes ao LBA em pacientes asmáticos, verificaram que eles estão mais sujeitos à hipoxemia pela diminuição significativa
da PaO2 e pouco retorno do líquido instilado, em
comparação aos indivíduos saudáveis. A PaCO2
não apresentou grandes variações, mantendo-se
estável. Sugerem que nessa classe de pacientes seja
feita monitorização cuidadosa e rigorosa dos sinais vitais e dos gases sanguíneos para melhor contornar possíveis complicações.18
CONCLUSÃO
O lavado broncoalveolar diminuiu a PaO2
significativamente, mas não chegou a provocar
hipoxemia, fato provavelmente explicado pela
suplementação de oxigênio feita antes do início
do procedimento e durante ele. A PaCO2 estabilizou em valores considerados limítrofes após seu
aumento inicial, não havendo hipercapnia.
Não foram observadas complicações neste estudo, exceto um único paciente que evoluiu
com hipoxemia durante o procedimento, recuperando-se depois, sem piora do seu estado.
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FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL
ES
TUDO EXPERIMENT
AL DOS EFEIT
OS DO ÓLEO-REESTUDO
EXPERIMENTAL
EFEITOS
ATO DE
SIN
A DE C
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A E DO T
AL
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ARÊNQUIMA
MAGNÉSIO
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PULMONAR
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EVALUATION OF THE PLEUROPULMONARY ALTERATIONS AFTER INJECTION OF COPAIBA OIL AND
TALC IN THE PLEURAL SPACE OF MICE – AN EXPERIMENTAL STUDY
Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima*, Valdir Florêncio da Veiga Júnior**, Risonilce Fernandes Silva de Souza****,
Saulo Brasil do Couto***, Tatiana Cortez Romero**, Alfredo Coimbra Reichl**
RESUMO: Objetivo: Identificar as alterações macroscópicas desencadeadas na pleura e parênquima pulmonar,
após a injeção de óleo-resina de copaíba e talco no espaço pleural de ratos. Método: Foram utilizados 72 ratos da
raça Rattus novergicus var. Wistar da mesma linhagem, machos, adultos, com peso médio de 191,6 g, randomizados
em três grupos: copaíba, talco e simulação. As substâncias foram injetadas no espaço pleural direito dos animais, os
quais foram mortos em 24, 48, 72 e 504h para análise macroscópica da pleura visceral e pulmão direito. Resultados:
Os animais tratados com copaíba apresentaram média de reação inflamatória de grau 1,4 ± 0,27 no grupo de 24h;
2,66 ± 0,68 no grupo de 48h; 3,5 ± 0,42 no grupo de 72h e 3,66 ± 0,28 no grupo de 504h. Aqueles que receberam o talco
apresentaram grau 1 ± 0,44 no grupo de 24h; 0,66 ± 0,26 no grupo de 48h; 1,16 ± 0,20 no grupo de 72h e 1,83 ± 0,49 no
grupo de 504h. Durante a realização do experimento, cinco animais morreram, todos tratados com copaíba e pertencentes ao tempo de 504h. No período compreendido entre a cirurgia e o sacrifício, 51,4% dos animais apresentaram
perda ponderal, principalmente aqueles tratados pelo fitoterápico. Não houve relação significativa entre a perda
ponderal e o óbito dos roedores. Conclusão: Constatou-se uma maior mortalidade no grupo tratado com óleoresina de copaíba, que se mostrou muito irritante para a pleura e parênquima pulmonar de ratos, e o talco, levemente irritante. Novos estudos devem ser realizados a fim de aprimorar o uso do fitoterápico como agente esclerosante.
Descritores: Plantas medicinais; Fitoterapia; Pulmão; Pleura.
ABSTRACT: Background: The Amazon is the largest reserve of natural products on the planet, its population
uses these substance vastly, for many applications, empirically. Copaiba oil is a phitoterapic with anti-inflammatory
and healing properties. There are no reports about its effects on the pleural cavity. The talc is a mineral widely
used in the cosmetics industry and represents the most sclerosing agent used to promote pleural symphysis.
Objective: To identify the macroscopic changes in the pleura and lung parenchyma after the injection of oil-resin
of copaíba and talc in the pleural cavity of rats. Methods: 72 Rattus novergicus var. Wistar, male, with average
weight of 191,6g, were used and divided in three groups: copaíba, talc and control. These substances were injected
in the right pleural space of the animals, witch were sacrificed in 24, 48, 72 and 504h, them submitted to
macroscopical analysis of the lung and right visceral pleura. Results: The animals treated with copaíba showed
average of inflammatory reaction of 1.4 ± 0.27 degree in group of 24h; 2.66 ± 0.68 in the group of 48h; 3.5 ± 0.42 in
the group of 72h; and 3, 66 ± 0,28 in the group of 504h. Those who received the talc had grade 1± 0.44 in the group
24h; 0.66±0.26 in the group 48h; 1.16 ± 0.20 in the group 72h; and 1.83 ± 0.49 in the group 504h. During the
experiment, five animals died, all treated with copaíba and belonging to the group of 504h. In the period between
surgery and sacrifice, 51.4% of the animals showed weight loss, particularly those treated by phitoterapic. There
was no significant relationship between weight loss and the death of rodents. Conclusion: There was a higher
mortality in the group treated with oil-resin of copaiba, which was highly irritating to the pleura and lung
Cirurgiões torácicos do HUGV.
Acadêmicos de Medicina da Ufam.
***
Biotécnica do Inpa.
****
Acadêmico de Medicina da UEA.
*
**
revistahugv
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
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ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS
parenchyma of rats. Compared to copaiba, talc triggered
a moderate reaction in the pleural cavity. Further studies
must be conducted in order to improve the usage of
copaíba oil as sclerosing agent.
Keywords: Plants, Medicinal; Plant Extracts;
Phytotherapy; Lung; Pleura.
INTRODUÇÃO
O conhecimento sobre plantas medicinais
simboliza muitas vezes o único recurso terapêutico
de muitas comunidades e grupos étnicos. O uso
de plantas no tratamento e na cura de enfermidades é tão antigo quanto à espécie humana. Ainda
hoje nas regiões mais pobres do país e até mesmo
nas grandes cidades brasileiras, plantas medicinais
são comercializadas em feiras livres e mercados populares.1
A Copaifera multijuga, pertencente à família
Leguminosae – Caesalpinoideae, conhecida como
copaibeira, muito utilizada na medicina popular
da região amazônica, é árvore de grande porte e
de cujo tronco é extraído um óleo-resina chamado
óleo de copaíba. Em sua composição química, há
uma mistura de sesquiterpenos e diterpenos em
concentrações variadas.2,3
Esse bálsamo é utilizado empiricamente
como anti-inflamatório, analgésico, anestésico, antisséptico, cicatrizante e, ainda, no tratamento de
infecções broncopulmonares.3,4 Há poucas descrições, contudo, na literatura que comprovem seus
verdadeiros efeitos terapêuticos e colaterais.
A introdução de um agente químico no espaço pleural, a fim de induzir um processo inflamatório, denomina-se pleurodese e tem o objetivo
de conduzir à formação de colágeno e a fusão das
pleuras visceral e parietal.5,6 Os pacientes que desenvolvem pneumotórax recorrente e derrame
pleural crônico podem se beneficiar pelo procedimento, aliviando os sintomas e evitando a
reacumulação de líquido. Uma variedade de agentes pode ser usada para induzir pleurodese, e diversos estudos investigaram a resposta inflamatória na pleura, em experiências com animais e em
seres humanos.7,8
O talco, forma hidratada do silicato de
magnésio pulverizado, é um mineral ortorrômbico
50
amplamente utilizado na indústria de cosméticos,
papel, sabões, lubrificantes; na indústria farmacêutica é usado como excipiente em drágeas e comprimidos.9 Representa o agente esclerosante mais
utilizado para promoção terapêutica da sínfise
pleural pelo seu baixo custo, fácil manuseio e ser
acessível em hospitais de todos os portes. Pode ser
administrado como um aerossol ou diluído em
solução salina. Diversos estudos experimentais
comprovam sua eficácia.7
A escassez de estudos atualizados sobre os
efeitos medicinais das plantas amazônicas e a necessidade de um agente indutor de pleurodese eficaz e com poucos efeitos colaterais tornou essencial a realização deste trabalho científico.
O objetivo do presente estudo é analisar as
alterações macroscópicas desencadeadas na pleura
e parênquima pulmonar de ratos pelo óleo-resina
de copaíba e pelo talco.
MÉTODOS
Este trabalho foi desenvolvido no Biotério
Central do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia – Inpa. O experimento foi supervisionado por zootecnista do Biotério Central do Inpa,
a fim de garantir condições sanitárias adequadas,
conforto e bem-estar aos animais, segundo determinações do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal.
Antes do início do experimento propriamente dito, foi desenvolvido um plano piloto com
a finalidade de avaliar sua exequibilidade.
Os 72 Rattus novergicus var. Wistar, machos,
com peso médio 191,6g, foram distribuídos em três
grupos contendo 24 ratos em cada: Grupo 1 (óleo
de resina de copaíba); Grupo 2 (talco); Grupo 3 (simulação: soro fisiológico a 0,9%). Estes grupos foram subdivididos em quatro subgrupos, conforme o tempo de sacrifício dos ratos: 24, 48, 72 e 504h,
de forma aleatória.
Os ratos foram pesados, tricotomizados no
local da incisão e submetidos à anestesia com
Hidrato de Cloral a 10% na dose de 0,4 mL para
cada 100 g, por via subcutânea, seguindo de uma
incisão de 5mm, precedida de assepsia local com
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL
álcool iodado, na região subxifoide e injetadas as
substâncias com agulha de anestesia peridural
Tuohy 18G BD®, via transdiafragmática, na cavidade pleural direita. Para uma recuperação mais
rápida e um menor índice de mortalidade no pósanestésico, cada rato foi colocado numa campânula
enriquecida com oxigênio, logo após a injeção, por
dez minutos.
O cálculo da dose ideal das substâncias foi
feito com base na proporção ponderal entre um
homem adulto médio de 70 kg e o rato macho médio de 200 g, sendo o produto dessa “regra de três”
multiplicado por dois, por causa da cavidade
pleural dupla desse animal. Determinou-se que
ratos com menos de 200 g receberiam a injeção de
0,35 ml das substâncias e ratos com mais de 200 g
receberiam a injeção de 0,4 ml.
Com relação ao talco, num homem de 70
kg corresponde à injeção de 5 g. Dessa forma, num
rato de 200 g corresponde à injeção de 30 mg, sendo este valor multiplicado por 2, temos 60 mg, diluído em 1 ml de solução salina.
Os animais foram mortos em grupos de 18
ratos com 24, 48, 72 e 504h, após a injeção da substância selecionada, pela técnica de exposição ao
éter, em câmara fechada, até a parada cardiorrespiratória. Em seguida, os animais foram novamente
pesados para se verificar o ganho ou a perda de
peso no decorrer do experimento.
Procedeu-se, então, à incisão mediana do
tórax e abdome e a observação das alterações
macroscópicas, as quais foram classificadas em
graus, conforme descrito por Tonietto (1999),10 de
acordo com a modificação da cavidade pleural e
do parênquima pulmonar:
Grau 0: nenhuma alteração macroscópica;
Grau 1: presença de exsudato, sem reação
de fibrina ou aderências;
Grau 2: presença de exsudato, com reação
de fibrina leve e aderências tênues;
Grau 3: presença de exsudato, com reação
de fibrina leve e aderências moderadas;
Grau 4: ausência de exsudato, pulmão encarcerado pela intensa reação de fibrina e inúmeras aderências.
Os resultados foram avaliados por meio da
análise de dados categorizados pelo teste da razão
da máxima verossimilhança, com o objetivo de avaliar a existência de associação entre as substâncias
e o tipo de alteração provocada por elas, no nível
de significância de 5%.
RESULTADOS
Conforme ilustrado no Gráfico 1, após 24
horas do procedimento, a copaíba desencadeou
uma reação inflamatória média de grau 1,4 ± 0,27;
reação maior que a provocada pelo talco na mesma variação de tempo, sendo esta de 1 ± 0,44, não
havendo significância estatística (p > 0,05).
p= 0,388
Gráfico 1 – Comparação do grau de reação macroscópica após 24 horas entre talco e óleo de copaíba.
No grupo de 48 horas (Gráfico 2), a copaíba
destacou-se como agente indutor de reação (2,66 ±
0,68), enquanto no grupo que recebeu o talco houve reação leve ao produto (0,66 ± 0,26), havendo
significância estatística (p < 0,05).
p= 0,013
Gráfico 2 – Comparação do grau de reação macroscópica após 48 horas entre talco e óleo de copaíba.
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ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS
Na análise macroscópica do grupo de 72
horas (Gráfico 3), a copaíba permaneceu como forte indutor de pleurodese (3,5 ± 0,42). No grupo do
talco, neste mesmo tempo, o grau de reação média
foi de 1,16, ± 0,20, havendo significância estatística (p < 0,05).
p= 0,011
Gráfico 4 – Comparação do grau de reação macroscópica após 504 horas entre talco e óleo de copaíba.
p= 0,0004
Gráfico 3 – Comparação do grau de reação macroscópica após 72 horas entre talco e óleo de copaíba.
Na avaliação de 504 horas, houve uma elevada mortalidade no grupo copaíba. Conforme
descrito na metodologia, neste grupo de 504 horas, seis animais receberam a copaíba. Apenas um
sobreviveu e este se enquadrava em grau 3.
Os cinco animais que morreram e participavam do grupo descrito acima, em apenas dois
animais foi possível realizar classificação macroscópica. Ambos se enquadravam em grau 4. Um
destes animais morreu nove dias após o experimento e o outro, 17 dias após.
Os outros três animais que não resistiram
até a data do sacrifício e não foi possível realizar
classificação: um morreu no primeiro dia, por uma
importante hemorragia intratorácica. Nos dois animais restantes não foi encontrada a causa da mor-
O grupo simulação, constituído por ratos
nos quais seria instalado soro fisiológico 0,9% à
temperatura aproximada de 37,5ºC, apresentou
uma média escore de reação pleural macroscópica
de grau 0 apenas no grupo de 24 horas. O grupo
simulação, cujo sacrifício ocorreu em 48 horas após
o experimento, apresentou uma média dos graus
de reação pleural de 0,66 ± 0,82. O grupo de 72
horas apresentou uma média de reação pleural de
grau 0,5 ± 0,55. O grupo de 504 horas apresentou
uma média de reação pleural de grau 1,8 ± 0,4.
No período compreendido entre a cirurgia
e o sacrifício, trinta e sete animais (51,4%) apresentaram perda ponderal (Tabela 1), representados principalmente pelo grupo tratado com
copaíba, no qual todos os ratos que receberam a
substância nos tempos 48 e 72h apresentaram tal
alteração. Não houve relação significativa entre a
perda ponderal e o óbito dos ratos.
Tabela 1– Quantidade de animais que apresentaram
perda ponderal.
Reação
Inflamatória
Grupo
Total
Talco
Copaíba
Simulação
24 horas
0
4
0
4
Realizando a média, portanto, de reação in-
48 horas
5
6
4
15
flamatória encontrada no grupo de 504 horas (Grá-
72 horas
0
6
1
7
fico 4), a copaíba obteve grau de 3,66, ± 0,28 e o
504 horas
3
4
4
11
talco grau de 1,83, ± 0,49, havendo significância
Total
8
20
9
37
te. Um veio a óbito no terceiro dia e outro no décimo quarto dia após o procedimento.
estatística (p < 0,05).
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DISCUSSÃO
O derrame pleural recidivante é uma situação clínica frequente, resultante do comprometimento anatômico ou funcional dos folhetos
pleurais por processos benignos ou malignos. Na
atualidade, a melhor conduta para o controle do
derrame pleural recidivante maligno é a
pleurodese, isto é, o colabamento dos folhetos
pleurais (visceral e parietal) produzindo a sínfise
do espaço pleural impossibilitando o acúmulo de
líquido). Historicamente, Bethune, em 1935, introduziu o talco pela primeira vez na cavidade pleural
com o objetivo de colabar o espaço residual existente após ressecção pulmonar. Desde então, várias substâncias têm sido utilizadas para induzir a
pleurodese, mas até o momento ainda não existe
um consenso sobre o agente esclerosante ideal.11
Dentre os produtos já testados, podemos
citar como exemplo a doxiciclina, que se mostrou
eficaz e segura, contudo não é disponível em muitos países (inclusive no Brasil).11
O nitrato de prata, que ainda na década de
1980 foi abandonado por motivos não muito claros, atualmente tem sido objeto de novos estudos
que otimizaram a sua utilização. Aparentemente,
o abandono de tal substância teria sido causado
por aspectos ligados à sua morbidade, a qual se
explicaria pelo uso de altas concentrações (1-10%).
A redução da concentração do nitrato de prata tem
obtido resultados mais seguros e eficazes.11,12
As copaíbas são árvores do gênero Copaifera
L. (Leguminosae – Caesalpinoideae) que exsudam do
seu tronco um óleo resinoso chamado de óleo de
copaíba. Este gênero ocorre no norte da América
do Sul, principalmente nos Estados brasileiros do
Pará e Amazonas.1
Na medicina popular, especialmente na
Amazônia brasileira, o óleo de copaíba é utilizado
como cicatrizante, anti-inflamatório e antisséptico, antitumoral, e como agente para tratar bronquites e doenças de pele.13
Algumas atividades da copaíba já foram
estudadas experimentalmente. Um ensaio demonstrou que o óleo administrado por via oral reduziu
o edema induzido pela carregenina na pata de ratos e exerceu atividade analgésica ao diminuir o
número de contorções abdominais nos animais
após estímulo doloroso, pela injeção intraperitoneal de ácido acético.14 Outros estudos experimentais demonstraram ainda seu efeito na cicatrização de feridas cutâneas.15,16
Um estudo experimental revelou que o produto da mesma espécie, ao ser aplicado na cavidade peritoneal, desencadeia irritação, traduzida por
aderências em todos os casos estudados.17 Levando-se em consideração que a serosa abdominal assemelha-se histologicamente à pleural, presumese que as respostas sejam similares.
No presente estudo o óleo de copaíba mostrou-se bastante irritante para a cavidade pleural,
com graus de reação inflamatória progressivamente maiores, nos diferentes tempos do estudo. Em
concordância, Westphal et al (2007)18 estudaram os
efeitos do óleo de copaíba na pleura e parênquima
pulmonar de ratos e encontrou reação inflamatória intensa, com espessamento pleural.
No momento, os estudos com óleo de
copaíba e sua ação indutora de pleurodese ainda
são incipientes. Tappin et al (2004)13 compilaram
dados disponíveis na literatura a respeito dos diferentes efeitos farmacológicos obtidos na dependência da composição e concentração do óleo de
copaíba. Por exemplo, há evidência da correlação
entre a atividade anti-inflamatória com os óleos
que apresentam maiores teores de ácidos
diterpênicos em sua composição.
Isto ilustra a gama de variáveis envolvidas
na eficiência desse produto tornando-se necessárias novas pesquisas, a fim de desvendar os mecanismos pelos quais a copaíba inicia o processo inflamatório e quais as concentrações mais apropriadas buscando melhores resultados.
O talco é classicamente considerado o
esclerosante mais eficaz, já que apresenta diversas
das características citadas de um agente ideal, como
o baixo custo, ampla distribuição, fácil administração, alta eficácia e baixo índice de efeitos colaterais.11
Vários estudos têm comprovado o efeito
indutor de pleurodese do talco. Randall (1999)19
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ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS
estudou um modelo experimental de pleurodese
em coelhos e constatou que o talco foi moderadamente efetivo na sua indução, o mesmo observado em outro experimento, quando comparado com
o nitrato de prata.12
Há evidências, contudo, de que o talco pode
induzir a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (Sara) em até 8% dos pacientes, com mortalidade em torno de 1%. O mecanismo ainda não é conhecido, mas especula-se que resulte da absorção
sistêmica de pequenas partículas do produto determinando maior risco de complicações à distância.20,21,22,23 Pode ainda estar envolvido em outras
complicações menos frequentes, como: dor, febre,
hipoxemia, hipotensão, arritmia cardíaca e
empiema pleural.24,25,26,27,28
Neste trabalho, constatamos que o talco foi
levemente irritante para a cavidade pleural, com
médias de grau de reação inflamatória que variaram desde 0,66 ± 0,26 no tempo de 48 horas até
resposta máxima obtida no grupo de 504 horas com
média de 1,83 ± 0,49.
CONCLUSÃO
No presente estudo, os grupos tratados com
copaíba apresentaram reação mais intensa quando comparados aos resultados obtidos com os grupos tratados pelo talco. A copaíba revelou-se uma
substância esclerosante promissora por provocar
fortes alterações inflamatórias. Muitos animais tratados pelo fitoterápico, entretanto, apresentaram
perda ponderal e houve alta mortalidade no grupo de sacrifício em 504 horas.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia, Inpa, pelo fornecimento dos
animais e estrutura necessária à realização do experimento.
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Endereço profissional
Universidade Federal do Amazonas, Hospital
Universitário Getúlio Vargas, Serviço de Cirurgia Torácica. Rua Apurinã, 4 – Praça 14 –
69010-130 – Manaus-AM – Brasil Telefone: (92)
3621-6500 (ramal 6504); 9122-3356
Órgão financiador da pesquisa
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Amazonas – Fapeam
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EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, LUIZ CARVALHO NETO, LÍVIO MARTINS TEIXEIRA, CLAUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO
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LARINGOPHARINGEAL REFLUX: PROSPECTIVE STUDY THAT COMPARES VIDEOLAYNGOSCOPY AND
UPPER ENDOSCOPY FINDS
Eduardo Abram Kauffman*, Luiz Carvalho Neto**, Lívio Martins Teixeira***,
Claudia Marina Puga Barbosa Oliveira****, Júlio César Simas Ribeiro ****
RESUMO: Introdução: A doença do refluxo gastroesofágico tem duas manifestações clínicas distintas reconhecidas: o refluxo gastroesofágico clássico e o refluxo com manifestações extraesofagianas (incluindo o refluxo laringofaríngeo). Objetivos: Estudar as alterações nas mucosas laríngea, esofágica e gástrica em pacientes com quadro clínico compatível RLF. Pacientes e métodos: Estudo prospectivo clínico não controlado, onde foram incluídos 58 pacientes. Todos os pacientes realizaram a videolaringoscopia e endoscopia digestiva alta (EDA). Resultados: A avaliação videolarigoscópica evidenciou alterações em 49 (84,5%) pacientes. A EDA mostrou que 51
(87,9%) pacientes tinham gastrite e 8 (13,8%) tinham esofagite. Os principais sintomas encontrados foram queimação
em garganta (72,4%), globus faríngeo (67,2%) e pigarro (60,3%). Conclusão: A comparação entre as alterações
esofagianas, gástricas e laríngeas permitiu sugerir que a mucosa laríngea é frequentemente mais acometida que a
mucosa esofágica.
Palavras-chave: Doença do refluxo gastroesofágico, refluxo laringofaríngeo, endoscopia digestiva alta,
videolaringoscopia.
ABSTRACT: Introduction: Gastroesophageal reflux disease has two distinct clinical forms: classical
gastroesophageal reflux 9GER) and reflux with extra-esophageal manifestation (including laryngophaygeal reflux).
Objective: Studying changes into laryngeal, esophageal and gastric mucosae of LPR patients. Patients and
methods: Prospective uncontrolled clinical study which has includede 58 patients. All patients were submitted to
videolaryngoscopy and upper endoscopy (UE). Results: Videolaryngoscopy evaluation showed changes in 49
patients (84,5%). UE showed that 51 patients (87,9%) had gastritis and 8 (13,8%) had esophagitis. Main symptoms
were burning throat (72,4%), globus pharyngeous (67,2%) and throat clearing (60,3%). Conclusion: The comparison
between esophageal, gastric and laryngeal mucosae suggests that laryngeal mucosae is more frequently involved
in LPR than esophageal mucosae.
Keywords: Gastroesophageal reflux disease, laryngopharyngeal refluxo, upper endoscopy, videolaryngocopy.
INTRODUÇÃO
Do ponto de vista clínico, definimos a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) como
uma afecção crônica decorrente do refluxo de par-
te do conteúdo gástrico (e, por vezes, gastroduodenal) para o esôfago. Os principais sintomas da
DRGE são pirose, regurgitação e dor subesternal.
Deve-se ressaltar que a inexistência desses sintomas não descarta a possibilidade de DRGE, as-
Mestre em otorrinolaringologia, professor assistente da Ufam.
Médico gastroenterologista.
***
Médico otorrinolaringologista.
****
Acadêmico do 6º ano de Medicina da Ufam
.
*
**
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REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: ESTUDO PROSPECTIVO CORRELACIONANDO ACHADOS Ã VIDEOLARINGOSCOPIA E ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA
sim como a sua intensidade não auxilia no diagnóstico de esofagite. O diagnóstico deve ser suspeitado de forma quase patognomônica pelos sinais e sintomas descritos, especialmente em relação à pirose e à regurgitação. Além disso, a
endoscopia digestiva alta e a pHmetria de 24h
(padrão ouro) devem ser solicitadas em situações
específicas.3,7,16 Entretanto, a maioria dos pacientes com sintomas sugestivos de DRGE (pirose,
regurgitação ácida) não necessita de nenhum exame investigatório inicialmente, sendo o diagnóstico determinado pela prova terapêutica com uma
droga inibidora da bomba de prótons (IBP), lembrando que a prova terapêutica pode ser realizada em pacientes com idade inferior a 40 anos e
sem sinais de alerta. Uma resposta satisfatória
praticamente sela o diagnóstico (melhora considerável dos sintomas nas primeiras 4 semanas de
tratamento). 11,14
Estudos recentes comprovam que a DRGE
tem duas manifestações clínicas distintas: sua forma clássica que cursa com esofagite e é denominada simplesmente de Doença do Refluxo
Gastroesofágico (DRGE); e sua manifestação
extraesofágica, que pode cursar apenas com sintomas altos, incluindo a síndrome denominada Refluxo Laringofaríngeo (RLF), além de broncoespasmo, asma, etc. O termo laringofaríngeo, portanto,
não significa que o refluxo ocorre apenas nesta região, mas sim que acomete principalmente o epitélio
dessa topografia anatômica, que tem características
próprias. Apenas 18% dos pacientes com
sintomatologia compatível com RLF têm esofagite
de refluxo.1,5 Cerca de 80% das queixas de garganta
tem refluxo associado.17,18
Os principais sinais evidenciados pela
videolaringoscopia são edema e hiperemia de laringe, hiperemia e hiperplasia linfoide em parede posterior da faringe, alterações interaritenoideas, úlceras de contato na glote, granuloma laríngeo, pólipos
de laringe, edema de Reinke, estenose subglótica e
laringite hipertrófica. Os principais sintomas são
disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta,
queimação em garganta e garganta seca.3,9,10,17
58
O tratamento do RFL visa à eliminação dos
fatores propiciadores, sugerindo ao paciente mudança nos hábitos alimentares e hábitos de vida.
Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a
terapia medicamentosa. O tratamento inicial deve
ser feito com bloqueadores da bomba de prótons,
em duas doses diárias, por no mínimo 12 semanas.1,5 O tratamento cirúrgico é indicado em casos
que não responderam às medidas terapêuticas usuais e que apresentem esofagite de Barret, estenoses
ou processos hemorrágicos. Casos de aspirações
frequentes com rouquidão ou estenose subglótica
podem também requerer intervenção cirúrgica. O
tratamento cirúrgico mais utilizado é a fundoplicatura do estômago.1,6,9,10
OBJETIVOS
Estudar as alterações nas mucosas
esofágica, gástrica e laríngea em pacientes com
quadro clínico compatível com Refluxo Laringofaríngeo (RLF), bem como descrever a
sintomatologia geral desses pacientes.
PACIENTES E MÉTODOS
Trata-se de um estudo prospectivo clínico
não controlado, onde foram incluídos 58 pacientes adultos com idade variando entre 21 e 78 anos,
com média de 39,17 anos, sendo 42 mulheres e 16
homens. Foram atendidos no Ambulatório Araújo
Lima, da Universidade Federal do Amazonas, no
período compreendido entre agosto de 2005 e maio
de 2007. Os pacientes precisavam apresentar queixas crônicas (maior que três meses) sugestivas de
Refluxo Laringofaríngeo (disfonia, tosse, sensação
de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação,
odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta
e garganta seca). Esses pacientes foram encaminhados do Serviço de Gastroenterologia ou do próprio
Serviço de Otorrinolaringologia para um ambulatório específico de RLF, criado para esta pesquisa.
Na primeira consulta, o paciente recebia
omeprazol, sendo orientado a utilizar a medicação por 4 semanas, realizando assim a prova tera-
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pêutica com um IBP, que é uma forma de se confirmar o diagnóstico de RGE patológico. A consulta consistia de história clínica e exame físico, juntamente com os dados pessoais do paciente. Em
seguida, os pacientes eram encaminhados para
realização da EDA e videolaringoscopia (realizavam os dois exames na mesma semana da primeira consulta). As endoscopias digestivas foram realizadas por diversos profissionais e todas foram
fotografadas. A videolaringoscopia foi realizada
com laringoscópio flexível Penthax de 3,5 mm de
diâmetro acoplada à microcâmera e sistema de
vídeo VHS para gravação do exame, sendo todos
eles realizados pelo mesmo profissional.
Os pacientes que obtiveram uma boa melhora dos sintomas nas 4 primeiras semanas de tratamento e que realizaram os dois exames complementares foram incluídos na pesquisa. Os critérios de exclusão adotados foram uma resposta
insatisfatória ao teste terapêutico com omeprazol,
a não realização dos dois exames complementares
e os pacientes fumantes. Ao todo foram atendidos
105 pacientes e, desses, apenas 58 foram incluídos
na pesquisa.
Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre a esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Amazonas.
Os pacientes foram tratados clinicamente,
com orientações dietéticas e posturais, omeprazol
(40 mg/dia, dividido em duas tomadas diárias,
uma pela manhã, em jejum, e outra antes do jantar) por um período mínimo de 8 semanas. A recuperação clínica foi estabelecida pela melhora das
queixas e achados laringoscópicos.
RESULTADOS
Dos 105 pacientes estudados, 58 foram incluídos na amostra final. A avaliação por meio da
endoscopia digestiva alta mostrou que dos 58 pacientes avaliados apenas 7 (12,1%) apresentaram
exame normal, ou seja, sem alterações esofágicas
ou gástricas; 19 (32,7%) tinham gastrite leve; 28
(48,3%) tinham gastrite moderada; e 4 (6,9%) tinham gastrite acentuada.
Os resultados da EDA também mostraram
que 21 (36,2%) pacientes tinham hérnia hiatal; 8
(13,8%) tinham esofagite grau I de Allison; 3 (5,2%)
apresentavam duodenite erosiva; 3 (5,2%) apresentavam divertículo de Zencker; 2 (3,4%) apresentavam
um pseudodivertículo bulbar; 4 (6,9%) apresentavam
deformidade pilórica. A biópsia da mucosa gástrica
mostrou que 13 (22,4%) dos pacientes tiveram pesquisa positiva para Helicobacter pylori.
A avaliação videolaringoscópica mostrou
que em 49 (84,5%) pacientes foram achados sinais
de edema e hiperemia da laringe posterior e/ou
alterações nas cordas vocais. Em 9 (15,5%) dos pacientes não foram encontradas alterações, ou seja,
o exame apresentou-se normal.
Dos 49 pacientes com alterações à
videolaringoscopia, 3 (6,1%) não apresentaram alterações na EDA; 39 (79,5%) apresentaram um tipo
de gastrite; 20 (40,8%) apresentaram hérnia hiatal;
12 (24,5%) apresentaram pesquisa positiva para
Helicobacter pylori; 6 (12,2%) apresentaram
esofagite; 3 (6,1%) apresentaram duodenite erosiva,
2 (4,1%) apresentaram divertículo de Zencker; e 2
(4,1%) apresentaram pseudodivertículo bulbar.
A sintomatologia referida pelos 58 pacientes constou queimação em garganta, referida por
42 (72,4%) dos pacientes; globus faríngeo, referido
por 39 (67,2%) dos pacientes; tosse seca, citada por
37 (63,8%) dos pacientes; disfonia, referida por 37
(63,8%) dos pacientes; caseum, em 37 (63,8%) dos
pacientes; pigarro, referido por 35 (60,3%) dos pacientes; sintomas dispépticos, referido por 32
(55,2%) dos pacientes; hipersalivação, referida por
18 (31%) dos pacientes; dor de garganta, referida
por 30 (51,7%) dos pacientes; disfagia, referida por
28 (48,3%) dos pacientes; glossodínia, referida por
25 (43,1%) dos pacientes; halitose, em 24 (41,4%)
dos pacientes; pirose, referida por 22 (38,9%) dos
pacientes; aftas, em 11 (19%) dos pacientes;
odinofagia, referida por 9 (15,5%) dos pacientes;
problemas dento-gengivais, em 8 (13,7%) dos pacientes; e dispnéia, em 6 (10,3%) dos pacientes.
O tempo médio de tratamento clínico
medicamentoso foi de 3 meses, sendo que em 52
(89,6%) dos pacientes houve remissão completa
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REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: ESTUDO PROSPECTIVO CORRELACIONANDO ACHADOS Ã VIDEOLARINGOSCOPIA E ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA
dos sintomas. Apenas 6 (10,4%) dos pacientes não
apresentaram remissão completa dos sintomas,
mesmo sendo tratados por período superior a 4
meses.
O período de seguimento médio após cessar o tratamento medicamentoso por remissão do
quadro foi de dois meses. Até o momento da redação deste trabalho, nenhum dos pacientes tratados
clinicamente apresentou recidiva; porém todos
mantêm uma certa restrição dietética e cuidados
com hábitos e vícios que estimulam o refluxo.
DISCUSSÃO
Os achados do presente estudo sugerem que
uma anamnese bem sedimentada tem grande
chance de correlação com DRGE. A comparação
entre alterações nas mucosas laríngea e esofágica
deixa claro que, ao contrário do que sugere Eckley
et al., as alterações no RLF não acometeram preferencialmente as mucosas laríngea, faríngea e cavidade oral.9,10 Ao todo, 51 (97,9%) dos pacientes
apresentaram pelo menos um tipo de alteração na
EDA, ao passo que 49 (84,4%) dos pacientes apresentaram pelo menos um tipo de alteração na
videolaringoscopia. De fato, não vimos um predomínio por alterações “altas”, ou seja, ao nível da
região laringofaríngea. Supomos que a DRGE
pode, sim, cursar com manifestações atípicas, mas
há também um comprometimento clássico, ou seja,
o paciente com RLF apresenta frequentemente um
acometimento em nível esofágico e/ou gastroduodenal, que frequentemente é assintomático.
O dano exclusivamente esofágico mostrouse presente em apenas 3 (5,1%) dos pacientes confirmando os dados da literatura,9,10 que afirmam
que a mucosa respiratória tem um epitélio bem
menos afeito às agressões dos ácidos do estômago. Os pacientes com RLF geralmente têm
motilidade esofágica normal ou próxima do normal, ao contrário do que ocorre com os pacientes
com esofagite que apresentam desmotilidade
esofágica frequente.6,7,9,10
Dentre os sintomas encontrados, destaque
para queimação em garganta, referida por 72,4%
60
dos pacientes; globus faríngeo, referido por 67,2%
dos pacientes; tosse seca, citada por 63,8% dos pacientes; disfonia, referida por 63,8% dos pacientes;
caseum, em 63,8% dos pacientes; e pigarro, referido por 60,3% dos pacientes. O globus faríngeo é
também citado por Woo e é defendido como um
sintoma inespecífico de irritação laríngea em cuja
etiologia a DRGE tem grande participação. Dos 58
pacientes, vimos que em 27 (50%) há mais de 6 sintomas presentes, ou seja, os sintomas dessa doença assumiram uma importância tão grande que, na
maioria das situações, fazem com que os exames
complementares seja meros coadjuvantes para estabelecer o diagnóstico.
Os conhecimentos sobre refluxo laringofaríngeo se encontram em evolução, desde seu diagnóstico até seu tratamento. Hoje se sabe que há alterações detectadas ao exame histológico que não
são revelados à endoscopia e a pHmetria de 24
horas. A maioria dos autores prefere o uso empírico
de drogas como teste terapêutico e ferramenta
propedêutica. A transposição dessas medidas terapêuticas para o RLF ainda não está totalmente
elucidada, contudo, ao não se dispor de meios adequados para uma completa investigação, o melhor
é se optar pelo início do tratamento.14
Estudos mais complexos e com amostras
maiores, com um grupo controle, fornecerão resultados mais fidedignos. Podemos, contudo, afirmar
que pacientes com sintomas crônicos de disfonia,
globus, tosse seca, hipersalivação, pigarro, disfonia
e queimação em garganta devem ser objetos de
investigação acurada, tendo eles a sugestiva associação com RLF.
CONCLUSÃO
Os resultados do presente trabalho sugerem
uma forte correlação entre sintomas otorrinolaringológicos e doença do refluxo gastroesofágico, que
é uma patologia do sistema digestivo muitas vezes subdiagnosticada em nosso meio. Os autores
concluem que há suspeita forte para se chegar ao
diagnóstico de DRGE em pessoas com manifestações tão atípicas como tosse seca, pigarro e disfonia.
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A comparação entre as alterações
esofagianas e laríngeas permitiu sugerir que a
mucosa laríngea é frequentemente mais acometida que a mucosa esofágica. Os pacientes com sintomas crônicos sugestivos de RLF devem ser objetos de investigação acurada.
10.
ECKLEY,
C.
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Manifestações
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Oct.
Dados para correspondência:
Eduardo Abram Kauffman
Rua Franco de Sá, 3.º andar, salas 308/309,
Edifício Amazon Trade Center
São Francisco – Manaus-AM – CEP 69079-210
20. WOO, P. Association of esophageal reflux and
globus symptom: comparison of laryngoscopy and
24-hour pH manometry. Otolaryngol Head Neck
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62
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Agradecimento à Fapeam.
LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO
PREVEN
ÇÃ
O DE F
AT ORES C
AUS
AIS DE DOEN
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OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE
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EXERCEM
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TIVIDADES
NA
POSIÇÃO
SENTAD
ADA
PREVENTION OF CAUSAL FACTORS OF MUSCULOSKELETAL DISEASES IN WORKERS ENGAGED IN
ACTIVITIES IN THE SITTING POSITION
Luiz Carlos de Souza Menezes*, Alessandro Magno de Figueiredo Lacerda**, Simy Laredo**
RESUMO: Várias são as causas que podem modificar a saúde do ser humano. Entre elas existem as provenientes
da inter-relação com o local de trabalho. Nesse ambiente, as variáveis causais do fenômeno de adoecimento são
abrangentes, pois existem diversos aspectos a serem considerados: os ruídos, as vibrações, a iluminação, os diversos tipos de escalas de turno e postura adotada pelo trabalhador que são considerados fatores estressores. Eles
podem fazer com que o indivíduo desenvolva adaptações que serão responsáveis pela gênese de doenças
osteomusculares e que pode surgir uma perda da eficiência da atividade juntamente com a presença de alterações
posturais. Outros fatores importantes, que podem predispor o trabalhador a situações de risco para a sua saúde, são
as inter-relações com o meio social onde o indivíduo está inserido. Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar a
importância da prevenção dos fatores causais e individuais de doenças osteomusculares em trabalhadores que
exercem suas funções na posição sentada e o papel do profissional fisioterapeuta como agente de ações preventivas
de patologias relacionadas às atividades laborais.
Palavras-chave: Transtornos traumáticos cumulativos. Prevenção de acidentes. Fisioterapia.
ABSTRACT: There are several causes that can modify the human health. Among them exist the growing out of
interrelation with the work place. In this environment, the various causes of the languish phenomenonare
accomplished, because there are several aspects to be considered: the noise, the vibration, the illumination, the
several kinds of shift scale and the stance adopted by the worker that are considered factors of stress. They can do
whereupon the body develops adaptation that will be responsible for the genesis of musculoskeletal diseases
genesis and that grow up an efficiency lost in the activity together the presence of postural alteration. Other important
factors that can predispose the worker in health danger situations are the inter-relationship with the social
environment where the individual is embedded. Thus, the objective of this article is to demonstrate the importance
of the prevention of causal factors and musculoskeletal individual diseases in workers engaged in their duties in
the sitting position and the physiotherapeutic professional enrolment as agents of preventive pathologic actions
related to the laboratorial activities.
Keywords: Cumulative trauma disorder. Accident prevention. Physiotherapy.
INTRODUÇÃO
Diversas podem ser as causas que podem
modificar a saúde do ser humano. Entre elas existem as provenientes da inter-relação com o local
de trabalho. Nesse ambiente, o indivíduo poderá
*
realizar atividades laborais que, para a sua execução, a posição sentada deve ser adotada. Nesse
local, as variáveis causais do fenômeno de
adoecimento são abrangentes, pois existem diversos aspectos a serem considerados que podem afetar a saúde, a segurança e o conforto das pessoas
Bacharel em Fisioterapia.
Professores orientadores.
**
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PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA
envolvidas com essas atividades. O objetivo deste
artigo foi demonstrar a importância da prevenção dos fatores causais e individuais de doenças
osteomusculares em trabalhadores que exercem
suas funções na posição sentada e o papel do profissional fisioterapeuta como agente de ações preventivas de patologias relacionadas às atividades
laborais.
METODOLOGIA
O método de abordagem utilizado na pesquisa foi o indutivo, com abordagem indireta de
fonte secundária.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Com o desenvolvimento da sociedade, o
homem buscou ações que levassem a sua sobrevivência. À medida que evoluía nessa atividade básica e percebendo a ampliação de suas necessidades, iniciou processos de relacionamento que resultaram na formação do trabalho, que é definido1
como uma atividade cujo objetivo principal é a
produção de riqueza e que várias foram as formas
históricas da formação dessa atividade, entre elas:
o escravismo, o feudalismo e o capitalismo.
Aliado a esse evento histórico é observada
a construção de avanços tecnológicos que permitiram a instalação do processo de trabalho. Ao
mesmo tempo surgiram fatores inerentes aos ambientes de trabalho que levavam a afetar a saúde,
a segurança e o conforto das pessoas envolvidas
com essas atividades.
Atualmente, a sociedade industrial segue
uma outra direção, na qual está baseada a informação. Uma das principais consequências em relação aos riscos ocupacionais é que, para determinadas categorias, ocorreu uma redução à exposição a diversos fatores que punham em risco a saúde do trabalhador. Entretanto, surgiram novas situações de risco: novos processos de produção induzem ao uso excessivo e a repetição de movimentos que afetam determinados grupos musculares,
o que acaba por gerar as doenças do sistema mús-
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culo-esquelético. Outra característica pode ser qualificada numa nova definição do trabalhador: ele é
considerado o homem ou a mulher que pode exercer determinada atividade para a sua manutenção
e de seus dependentes, não importando sua forma
de inserção no mercado de trabalho ou nos setores
formais da economia. Podem receber remuneração ou não, quer trabalhe como aprendiz ou estagiário. Também são inclusos aqueles trabalhadores que estão, temporariamente ou em definitivo,
afastados dos seus núcleos laborais.2
Dentro desse contexto, o homem é considerado o elemento fundamental na produção de bens
e prestação de serviço na sociedade, enfrentando
fatores que perturbam a sua saúde. Estes podem
lhe trazer desconforto e restrição em suas atividades sociais e familiares. Entre os constantes desafios enfrentados diariamente existe o contato com
riscos ocupacionais que apresentam características
físico-químico-biológicas. Além dos fatores
ambientais, surge o estabelecimento da organização do tempo de trabalho que, por diversas razões,
começa a ser introduzida na forma de turnos de
trabalho. Essa nova situação pode evoluir para um
dos constituintes de fatores causais para doenças
e tem sido apontado como uma contínua fonte de
problema de saúde e de perturbação sociofamiliar.3
Atualmente, as vibrações, a iluminação, a temperatura e os ruídos são considerados como fatores
que podem provocar alterações no ambiente de
trabalho.4-5 Com relação às posturas e os movimentos executados no decorrer das atividades, eles são
determinados pelo espaço físico no qual o corpo
está inserido, pelas características das informações
a serem captadas e pelas ações a serem executadas.6 No ambiente de trabalho, o indivíduo poderá realizar atividades na posição sentada. Nessa
posição, ele obtém uma vantagem em relação à
posição de pé, pois o corpo fica mais bem apoiado
em diversas superfícies: o piso, o assento, o encosto, braços da cadeira e a mesa.4 Entretanto, estudos indicam que a posição mais danosa é a posição sentada, pois a pressão sobre o disco
intervertebral da terceira vértebra lombar (L3) é
menor na posição em pé, recebendo uma sobre-
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LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO
carga de 70 kg, enquanto que na posição sentada
reta, sem suporte, chega a 100 kg e que na posição
sentada a pressão intradiscal diminui quando o
indivíduo senta sem apoio de tronco, mas com as
costas retas e com os braços apoiados sobre as coxas. Ao se aumentar a inclinação do encosto ocorre uma diminuição da pressão discal, e que essa
pressão também diminui ao se utilizar um apoio
na região lombar.7
Se o indivíduo realiza atividades sentadas
que mantenham uma postura incorreta por longos períodos, as alterações posturais serão
potencializadas, com um aumento na pressão
intradiscal de até 70%. Com isso, podem predispor maiores índices de desconforto gerais como
dor, sensação de peso e parestesias em diferentes
partes do corpo, podendo fazer surgir processos
degenerativos, como a hérnia de disco.8
No trabalho em que não pode haver nenhuma alternância da postura, estes se tornam cansativos porque os mesmos grupos musculares estarão
sempre sobre tensão.6 Dessa forma, o homem em
situação de trabalho não pode ser comparado a um
modelo mecânico do tipo transformação de energia, ou a um modelo informatizado de tratamento
de dados.9 Ele não deveria ser analisado simplesmente como mais um instrumento dentro da cadeia
de produção. Ele é a parte importante dentro de toda
a sequência de produção, seja industrial, comercial
ou de serviço público. A execução do trabalho irá
exigir-lhe de alguma forma o desenvolvimento de
estratégias que lhe permitam chegar ao final de sua
jornada com sua cota preestabelecida alcançada.
Mas é necessário observar quais foram os caminhos
que buscou ou quais as condições oferecidas pelo
local de trabalho que lhe permitiram chegar até a
resolução dessas metas.
Outro aspecto é quando se analisam variabilidades como: a idade, sua origem, sua formação
profissional, suas tradições culturais. Na atualidade, é facilmente observado que fatores como alimentação, moradia, vícios sociáveis e o nível econômico também podem interferir na qualidade de
serviço que o trabalhador está oferecendo à empresa na qual está ligado. Assim, o indivíduo-pa-
drão não existe e tampouco a tarefa-padrão da ‘organização científica do trabalho’.9
Nesse contexto, surgiu uma nova visão de
saúde ocupacional. Essa preocupação é evidente
por meio da Norma Técnica do Instituto Nacional
de Seguridade Social (INSS) pela sua Ordem de
Serviço/INSS n.º 606/1998,10 que estabelece Fatores de Risco para Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (Dort), que apresenta as seguintes características importantes em relação a
exposição:
• Região anatômica exposta aos fatores de
risco;
• Intensidade de fatores de risco;
• Organização temporal da atividade – duração do ciclo de trabalho, distribuição das pausas
ou estrutura de horários;
• Tempo de exposição aos fatores de risco.
A estação de trabalho passou a ser considerada, também, como uma participante dos grupos
de fatores de risco, porque as suas dimensões podem induzir o trabalhador a adotar posturas ou
métodos de trabalho que podem causar ou mesmo
agravar lesões osteomusculares. Essas posturas inadequadas apresentam, então, três mecanismos que
podem ser causadores desses distúrbios: os limites
da amplitude articular, a força da gravidade que
oferece uma carga suplementar sobre articulações e
músculos e, também, lesões mecânicas sobre os diferentes tecidos. Também é considerado que a carga ostemuscular pode ser entendida como uma carga mecânica, que poderá levar a um estado de tensão, pressão, fricção ou irritação em determinado
local do corpo. Associado a esses fatores, existe o
estabelecimento de posturas estáticas pelo trabalhador durante a execução de suas atividades, a monotonia, tanto fisiológica quanto psicológica, as exigências cognitivas e os fatores organizacionais e
psicossociais ligados ao trabalho.10
Para compreendermos a organização fisiológica do corpo e a gênese da instalação dos esquemas adaptativos, compensatórios e das formações das patologias que se instalam é preciso defi-
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PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA
nir que a estrutura corporal obedece a três leis:
do equilíbrio, da economia e do conforto. No esquema fisiológico, o equilíbrio é prioritário, e as
soluções adotadas são econômicas. O esquema de
funcionamento, sendo fisiológico, é certamente
confortável.11
O National Institute for Ocupacion Safety
and Helt (NIOSH) afirma que evidências científicas mostram relação consistente entre distúrbios
músculo-esqueléticos e certos fatores físicos relacionados ao trabalho, especialmente em níveis de
exposição elevados.12 Em patologias que envolvem
a região do pescoço, base do crânio e dos ombros o
quadro clínico é caracterizado por dores na região
posterior, que piora com movimentos e tensão com
irradiação para o braço. Podem ocorrer pontos de
dor miofascial. A contração estática em associação
com fatores estressantes, que decorre da organização do trabalho, parece exercer um papel importante na origem de dores que atingem a musculatura cervical, paravertebral e da cintura escapular.10
Para a execução de atividades na posição
sentada deve-se levar em consideração que uma
nova forma de posicionamento é adquirida. Se os
músculos dos membros inferiores não são ativados
de forma contínua, isso não significa que o trabalhador estará isento de sofrer comprometimentos
na sua saúde. As cadeias musculares irão buscar
novas formas de trabalho para consumar as atividades que lhes são impostas, principalmente
quando o indivíduo executa atividades motoras
finas e que lhe exigem a atenção visual. A movimentação constante, sem pausa ou com adaptações das amplitudes articulares, comprometendo
de forma insidiosa músculos, ligamentos e articulações, provavelmente irão ocasionar o surgimento
de doenças relacionadas com a postura adotada
pelo trabalhador.
São citados como patologias relacionadas à
postura sentada: síndrome dolorosa miofascial,
síndrome cervicobraquial e lombalgia. As lesões
no ombro que têm relação com as alterações
posturais na posição sentada: capsulite adesiva do
ombro, síndrome do manguito rotatório, tendinite
calcificante do ombro, bursite, entre outras.10
66
DISCUSSÃO
Não se pode desmembrar o agente causal
da patologia laboral daquele que é o principal envolvido nessa questão: o trabalhador, pois analisar a nocividade do trabalho e no trabalho é analisar a situação que a produziu, e como o trabalhador reagiu a essa situação.9 No campo das ciências
ambientais e do risco, o conceito de prevenção técnica de riscos que envolvem estratégias que visam
evitar a ocorrência de determinado fato não desejável, como os acidentes ou as doenças relacionadas ao trabalho, é mais abrangente que o conceito
de prevenção normalmente utilizado pelo campo
da Saúde Pública, aproximando-se ao conceito
amplo de promoção da saúde.13
Em função dessas considerações, torna-se
necessário o oferecimento de orientações que visem à proteção aos trabalhadores e que recomendações possam ser levadas aos demais participantes da cadeia produtiva, pois, muitas vezes, o estágio de adoecimento passa por sintomatologias e
sinais quase imperceptíveis na sua gênese. Para
isso, faz-se necessário a observação de aspectos que
estão ligados diretamente ao seu ambiente laboral,
analisando e discutindo se a organização, o
gerenciamento e as estratégias propostas para a efetiva função do trabalhador não irão apresentar desvios, falhas ou incoerências no seu planejamento e
execução.
Nesse contexto, a presença ativa do profissional fisioterapeuta como agente de prevenção de patologias relacionadas ao trabalho é perfeitamente viável, entre outros motivos pelos conhecimentos pertinentes à sua formação profissional; os conceitos de globalidade durante a fase
de avaliação do indivíduo por ele tratado, no qual
é observado o intrincado mecanismo associativo
e causal de alterações corporais que as cadeias
musculares podem acarretar; a utilização do Diagnóstico Cinesiológico Funcional – considerada
a intervenção diagnóstica específica do profissional fisioterapeuta, que identifica as disfunções
apresentadas pelo paciente tratado; as variadas
técnicas que pode utilizar para alcançar os seus
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objetivos terapêuticos e os recursos de baixo custo de que dispõe podem perfeitamente inseri-lo
dentro de uma equipe profissional que busque o
cuidado e atendimento ao trabalhador, transformando-o em um agente importante na saúde
pública, atuando, também, na prevenção de fatores que podem causar limitação laboral e social
de indivíduos que executam suas funções na posição sentada e que participam da formação de
riquezas e patrimônios da sociedade.
CONCLUSÃO
Pode-se, assim, afirmar que indivíduos que
executam atividades laborais na posição sentada
podem apresentar alterações na sua normalidade estrutural em razão das atividades executadas e que os estágios de adoecimento nesses profissionais passam por sintomatologias e sinais
quase imperceptíveis na sua gênese. Por isso, fazse necessário a observação de aspectos que estão
ligados diretamente ao seu ambiente laboral,
como a postura adotada pelo trabalhador e sua
relação com os ruídos, as vibrações, a iluminação, diversos tipos de escalas de turno e a estação
de trabalho, analisando e discutindo se a organização do gerenciamento e das estratégias propostas para a efetiva função do trabalhador não apresenta desvios, falhas ou incoerências no seu planejamento e execução, e que nesse contexto o profissional fisioterapeuta ta,mbém pode ser considerado como um agente de ações preventivas de
patologias relacionadas ao trabalho.
REFERÊNCIAS
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Fundamentos e Aplicações. São Paulo: Manole, 2002,
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8 ZAPATER, A. R.; SILVEIRA, D. M.; VITTA, A.;
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escolares. Ciênc Saúde Coletiva [serial on the
internet] 2004 [cited 2007 jan. 14]; 9 (1) Available
from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=
sci_arttext&pid=S14138123200400010
0019&lng=pt&nrm=iso
9 ASSUNÇÃO, A. A.; LIMA, F. P. A. Contribuição da Ergonomia para a identificação, redução
e eliminação da nocividade do trabalho. In: MENDES, R. Editor. Patologia do Trabalho. 2. ed. São
Paulo: Atheneu, 2005, p. 1.768-89.
10 MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Doenças Relacionadas ao Trabalho. Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Brasília: Editora MS, 2001.
11 BUSQUET, L. As cadeias musculares. Tronco.
Coluna Cervical. Membros Superiores. São Paulo:
Edições Busquet, 2001, p. 25.
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67
PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA
12 ASSUNÇÃO, A. A.; ALMEIDA, I. M. Doenças osteomusculares relacionadas com o trabalho:
membro superior e pescoço. In: MENDES, R. Editor. Patologia do Trabalho. 2.ª ed. São Paulo:
Atheneu, 2005, p. 1.502-39.
68
13 PORTO, M. F. S.; MATTOS, U. A. O. Estratégias de prevenção, gerenciamento de riscos e mudança tecnológica. In: MENDES, R. Editor. Patologia do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2005,
p. 1.722.
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MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO
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PRIVADOS
EVALUATION OF THE PROTOCOLS OF ORAL HYGIENE IN THE INTENSIVE CARE UNITS OF PUBLIC
AND PRIVATE HOSPITALS
Miriam Raquel Ardigó Westphal**, Natasha da Silva Leitão***
RESUMO: Objetivo: Avaliar os protocolos preconizados para a higiene bucal de pacientes internados e intubados
nas Unidades de Terapias Intensivas. Métodos: Trata-se de um estudo não-experimental descritivo que utilizou
questionários, composto por perguntas fechadas e abertas. A amostra foi de 154 profissionais (55 médicos, 33
enfermeiros e 66 técnicos/auxiliares) de quatro hospitais públicos e privados. Resultados: Afirmaram haver protocolo de higienização bucal para pacientes internados: 43,6% (24/55) dos médicos, 45,5% (15/33) dos enfermeiros e
39,4% (26/66) dos auxiliares/técnicos, sendo 45,8% de instituições públicas e 39% privadas; e para pacientes
intubados, 32,7% (18/55) dos médicos, 48,5% (16/33) dos enfermeiros e 31,8% (21/66) dos auxiliares/técnicos,
sendo 34,7 e 36,6% de hospitais públicos e privados, respectivamente. A mediana da frequência de higiene bucal
para todos os pacientes foi de três vezes, independente da profissão ou instituição. Os procedimentos mais usados,
para pacientes internados nas instituições públicas e privadas, respectivamente, foram a escovação dental (45,5%
e 28,1%), colutórios (18,2 e 21,9%), e para os pacientes intubados, foi o swab (68 e 70% ). O cloreto de cetilpiridino foi
o colutório mais usado para pacientes internados (27,3 e 46,9%) e intubados (32 e 56,7%). Conclusão: Não há
diferença entre a conduta de higiene bucal dos hospitais públicos e privados; e os protocolos adotados não estão de
acordo com a literatura científica atual. Portanto, é essencial o desenvolvimento de programas educacionais e
implementação de protocolos de higiene bucal na rotina hospitalar, visto que é um método eficaz na prevenção da
pneumonia nosocomial e associada à ventilação mecânica.
Palavras-chave: Higiene. Biofilme. Periodontite. Pneumonia.
ABSTRACT: Objective: To evaluate the protocols recommended for oral care of patients hospitalized and intubated
in the intensive care units. Methods: This is a non-experimental descriptive study that used questionnaires, consisting
of closed and open questions. The sample of 154 professionals (55 doctors, 33 nurses and 66 technicians / assistants)
from four public and private hospitals. Results: They said there was memorandum of oral hygiene in hospitalized
patients: 43.6% (24/55) of doctors, 45.5% (15/33) of nurses and 39.4% (26/66) of assistants / technicians, and
45.8% of public institutions and 39% private, and for intubated patients, 32.7% (18/55) of doctors, 48.5% (16/33) of
nurses and 31.8% (21/66 ) of assistants / technicians, and 34.7 and 36.6% of public and private hospitals,
respectively. The median frequency of oral hygiene for all patients was three times, regardless of profession or
institution. The procedures most used for inpatients in public and private institutions, respectively, were brushing
teeth (45.5% and 28.1%), colutórios (18.2 and 21.9%) and for patients intubated, was the swab (68 and 70%). The
cetilpiridino chloride was used to colutório more inpatients (27.3 and 46.9%) and intubated (32 and 56.7%).
Conclusion: There is no difference between the conduct of oral hygiene of public and private hospitals, and the
protocols used are not in accordance with current scientific literature. Therefore, it is essential to the development of
educational programs and implementation of protocols and oral hygiene in the hospital routine, since it is an
effective method for prevention of nosocomial pneumonia and associated with mechanical ventilation.
Ar tigo elaborado com base na dissertação/tese de Miriam Raquel Ardigó Westphal, intitulada “AVALIAÇÃO DAS ATITUDES E CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS DAS
UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE HIGIENE BUCAL, DOENÇA PERIODONTAL E PNEUMONIA” – Centro de Pós-Graduação/Centro de Pesquisas
Odontológicas São Leopoldo Mandic, 2008 (154).
**
Especialista em Endodontia e Periodontia, Mestre em Periodontia, Professora auxiliar de Periodontia /Ufam. Rua Franco de Sá, 230, salas 406-407, Ed. Atrium, São Francisco
– Manaus-AM. E-mail: [email protected] – fone: (92) 3611-1133.
***
Odontóloga. Rua Via-Láctea, 1.085, sala 1.700, Ed. Palácio Adrianópolis – Conj. Morada do Sol. E-mail: natashaleitã[email protected] – fone: (92) 3236-2770.
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AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS
INTRODUÇÃO
À medida que se desenvolvem estudos nas
diversas áreas, aumentam os conhecimentos sobre o corpo humano e as doenças que o acometem. Apesar de as pesquisas estarem em fases iniciais, surgem fortes evidências da relação entre
as patologias bucais e as morbidades sistêmicas.
Dentre as doenças que apresentam evidências científicas da sua relação com a higiene bucal e doenças periodontais (DP), estão as pneumonias bacterianas.1,2,3
A pneumonia é uma infecção do parênquima pulmonar causada por uma grande variedade
de agentes infecciosos, incluindo bactérias,
micoplasma, fungos, parasitas e vírus, sendo considerada uma infecção de risco, especialmente, nas
pessoas idosas e nos pacientes imunocomprometidos.4 Usualmente, é classificada como pneumonia associada à comunidade hospitalar (PAH) ou
nosocomial e associada à ventilação mecânica
(PAVM). Esta determinação é importante, pois os
patógenos e as medidas preventivas são diferentes para os três tipos.2,4
A pneumonia nosocomial ocorre após 48
horas da admissão hospitalar, sua prevalência varia entre diferentes estudos, de 10 a 65% e 27 a 50%
a taxa de mortalidade.5 Maiores índices de óbito
podem ocorrer quando causada por determinados
agentes etiológicos, como P. aeruginosa, Klebsiella
pneumonie, Acinetobacter sp., Escherichia coli, Serratia
sp., Enterobacter sp. e Staphylococcus aureus resistentes à meticilina.2,5,6
Para o desenvolvimento da PAH há a necessidade de que os patógenos alcancem o trato
respiratório inferior e sejam capazes de vencer os
mecanismos de defesa do sistema respiratório, que
inclui os mecânicos (reflexo glótico e da tosse, sistema de transporte mucociliar), humorais
(anticorpos e complemento) e celulares (leucócitos,
neutrófilos e linfócitos).4
A PAVM surge entre 48-72 horas após a
intubação endotraqueal e a instituição da ventilação mecânica invasiva. Nas Unidades de Terapia
Intensiva (UTI) é a infecção mais comum e sua
70
incidência pode variar de 9 a 68%, dependendo
do método de diagnóstico utilizado e da população estudada. Sua alta letalidade varia de 33 a
71% e a relação entre caso e fatalidade pode atingir até 55%.4 A prevalência é de 2,5 a 34,4 casos
de pneumonia por 1.000 dias de respiração artificial e de 3,2 casos por 1.000 dias em pacientes
não ventilados.7
O impacto negativo de infecções bucais, e
principalmente a DP, na saúde sistêmica, é proveniente da disseminação de microrganismos e de
seus subprodutos na corrente sanguínea levando
a um quadro de bacteremia.8,9 Outro fator importante no processo patogênico da DP é o ambiente
inflamatório existente, que estimula a resposta de
defesa do organismo induzindo a migração de
leucócitos para a área afetada. Simultaneamente,
ocorre a liberação de mediadores químicos inflamatórios, provenientes das próprias células de defesa ou dos tecidos danificados. Citocinas (ex.: ILs
e TNF), derivados do ácido aracdônico (ex.: PGs e
leucotrienos [LTs]), metaloproteinases (MMPs)
(ex.: colagenases e elastases) e proteínas da fase
aguda da inflamação (ex.: proteína C-reativa) são
alguns dos principais mediadores químicos da inflamação.10
Outras possíveis formas de contaminação
são ingestão e inalação. Essas duas possibilidades
foram levantadas por estudos que apontaram a
cavidade bucal como possível reservatório para
bactérias causadoras de pneumonias.2,3,11
A cavidade bucal sofre contínua colonização e apresenta uma microbiota muito vasta, nela
se encontra praticamente a metade de todos os microrganismos presentes no corpo humano. De forma geral, é constituída de bactérias anaeróbias estritas, aeróbias facultativas e espiroquetas, com
aproximadamente 500 espécies bacterianas
identificadas.12 A microbiota bucal depende de
vários fatores externos como tabagismo, o uso de
álcool, antibióticos ou corticosteroides; a permanência em ambiente hospitalar; o estado
nutricional; e a higiene bucal do paciente. Além
disso, fatores intrínsecos, como a idade, modificam
a flora bucal por alteração na imunidade local e
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MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO
sistêmica, bem como seleção de espécies
bacterianas.13
A associação entre a colonização do biofilme
dental e a infecção hospitalar tem sido abordada
em vários estudos e diversos mecanismos de
plausibilidade biológica são propostos para justificar esta inter-relação.2,3,11,14
Scannapieco & Mylotte (1996),14 em uma
revisão de literatura, concluíram que as bactérias
bucais poderiam participar da patogênese das infecções respiratórias por vários mecanismos como:
a) aspiração de patógenos bucais (Porphyromonas
gingivalis (Pg) e Aggregatibacter actinomycetemcomtans (Aa)) para o pulmão; b) enzimas presentes na saliva e associadas às DPs, podem modificar a superfície da mucosa e promover adesão e
colonização dos patógenos respiratórios; c)
enzimas associadas à DP podem destruir a película salivar sobre as bactérias patogênicas; d) as
citocinas originárias dos tecidos periodontais podem alterar o epitélio respiratório e promover infecção pelos patógenos respiratórios.
A DP ou a falta de higiene bucal podem resultar em uma grande concentração de patógenos
bucais na saliva, e vários outros estudos têm demonstrado que os dentes e outras superfícies orais
podem servir como reservatório de colonização e
crescimento de patógenos respiratórios.2,11,14,15,16
Inúmeras recomendações têm sido feitas
para reduzir a incidência de pneumonia
nosocomial. Sendo assim, um controle rígido da
infecção correspondente ao ponto crítico da prevenção. Uma vigilância sobre os patógenos potenciais, a identificação dos pacientes de risco, um
grupo preparado para orientação, lavagem das
mãos, uso de gorros e luvas de proteção tiveram
impacto positivo na redução da incidência de PAH.
Uma atenção adicional para com a higiene bucal
deve ser considerada.11,16
Segundo Scannapieco (2006),2 os métodos
de higiene bucal em pacientes com respiração artificial é tão efetivo quanto à descontaminação seletiva do trato digestivo, que usa a aplicação tópica de antibióticos sobre as superfícies do trato
gastrointestinal, incluindo a cavidade bucal, para
reduzir a transferência de bactérias e a contaminação respiratória; e ainda tem como vantagem ser
de baixo custo e diminuir o risco de resistência
bacteriana. Estudos recentes indicam que o procedimento de higiene bucal é relevante na prevenção da colonização bucal pelos patógenos respiratórios potenciais.1,2,6,11,17,18
Os protocolos emitidos pela American
Association of Critical Care Nurses (AACN) defenderam como cuidados bucais a utilização do
swab, escovação dentária e aspiração de secreções
bucais. O Centers for Disease Control and
Prevention (CDC) recomenda que se desenvolvam
e implementem programas de higiene bucal.7
A adoção de protocolos integrados de prevenção e tratamento multidisciplinar nos pacientes de UTI é essencial. Isso deve ocorrer especialmente em pacientes portadores de DP, por representar uma carga infecciosa e inflamatória significativa e servir de reservatório crônico para transferência de bactérias e/ou produtos do seu metabolismo.2,11 Portanto, diante das evidências científicas, a proposta do presente trabalho foi avaliar,
por intermédio de questionário, a existência um
programa de higiene bucal e quais os procedimentos adotados pelos profissionais da área de saúde
nos serviços nas UTIs.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo não-experimental
descritivo com objetivo de avaliar o protocolo preconizado para a higiene bucal de pacientes internados e intubados das UTIs. Para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizado questionários,
composto por perguntas fechadas e abertas. A inclusão de questões abertas favoreceu a preservação da multiplicidade de informações, evitando o
direcionamento das respostas e a distorção da real
situação. Todas as questões cuja resposta foi positiva foram associadas a uma questão aberta, as
quais foram posteriormente analisadas e codificadas como certas, erradas ou não-respondidas.
Para que a amostra fosse estatisticamente
representativa, foi utilizada uma proporção de
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71
AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS
50%, precisão de 6% e erro amostral de 10%. Portanto, a população do estudo incluiu 154 profissionais de quatro UTIs, sendo duas instituições públicas (n=72) e duas do serviço privado de saúde
(n=82); divididos em três categorias assim distribuídos: 55 médicos (35,7%), 33 enfermeiros (21,4%)
e 66 técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) com o número 071/2006 e para sua
execução pela direção das quatro UTIs estudadas.
Após a seleção aleatória da população em estudo,
cujas características preenchiam os critérios de inclusão e exclusão da pesquisa, foi apresentado aos
participantes o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme as especificações da Resolução n.º 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde.
Todos os participantes preencheram um
cadastro profissional, com informações como tempo de atividade, área de atuação e métodos de higiene bucal preconizados nas instituições de trabalho para pacientes internados nas UTIs e ventilados mecanicamente.
Os dados foram apresentados por meio de
tabelas de frequências, nas quais foram calculadas
as frequências absolutas simples e relativas para
os dados qualitativos, médias, mediana e desviopadrão para os dados quantitativos. Na análise de
associação, foi utilizado o teste do qui-quadrado
de Pearson ou teste exato de Fisher, e na comparação para duas médias utilizou-se o teste t, de
Student, e para mais de duas médias a Análise de
Variância (Anova).
RESULTADOS
A amostra pesquisada foi constituída 154
profissionais que preenchiam os quesitos necessários para participar do estudo, sendo 55 do gênero masculino (35,7%) e 99 do gênero feminino
(64,3%). A idade média foi de 35,4 ± 8,2 meses,
sendo 55 médicos (35,7%), 33 enfermeiros (21,4%)
e 66 técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%),
sendo que 38 trabalhavam no Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV (24,7%), 34 no Hos-
72
pital Pronto-Socorro 28 de Agosto – HPS (22,1%),
41 no Instituto de Medicina Intensiva – IMI
(26,6%) e 41 no Hospital Unimed – HU (26,6%).
Quanto à formação escolar, 117 foram em instituições de ensino na rede pública (76%) e 37 em
instituições privadas (24%), com tempo médio de
experiência que variou de 10,2 ± 6,5.
De acordo com a Tabela 1, podemos analisar que, quando inquiridos da existência de um
protocolo nas instituições em que trabalham para
a higiene bucal de pacientes internados nas UTIs,
responderam positivamente 33 (45,8%) da rede pública e 32 (39%) da privada, sendo 24 (43,6%) médicos, 15 (45,5%) enfermeiros e 26 (39,4%) técnicos/auxiliares de enfermagem. Quanto à existência de um protocolo para os pacientes intubados,
podemos analisar que 25 (34,7%) servidores das
instituições públicas e 30 (36,6%) dos hospitais privados responderam positivamente, no qual 24
(43,6%) eram médicos, 15 (45,5%) enfermeiros e 26
(39,4%) técnicos/auxiliares. Comparando-se as categorias profissionais e instituições entre si, não
houve diferença estatisticamente significante.
Dentre os métodos higiene bucal de pacientes internados nas UTIs e intubados encontramse escovação com creme dental, bochecho, uso do
swab (gaze com espátula). Quando analisado a
frequência com que a higiene era realizada nos
pacientes em estudo, a mediana (3,0) foi igual para
os três grupos de profissionais e entre as instituições (Tabela 2).
Em relação ao tipo de colutório usado nos
protocolos de higiene bucal, 57,6% dos funcionários das instituições públicas e 43,8% da rede privada não responderam a questão. Os colutórios
mencionados foram: a clorexidine, bicarbonato de
sódio e Cepacol,® sendo este o mais usado entre os
profissionais e nas instituições analisadas, tanto
para pacientes internados (Gráfico 1) quanto para
os intubados (Gráfico 2). Não houve diferença estatística entre as profissões e UTIs pesquisadas.
DISCUSSÃO
Tendo em vista a gravidade e peculiaridades a que o paciente internado na UTI está sujei-
revistahugv
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO
to e da necessidade de cuidados de excelência,
ressalva-se a importância das equipes de saúde
exercer suas atividades em conjunto, por meio da
multidisciplinariedade. Vários estudos analisaram
as atitudes e conhecimentos dos enfermeiros;11,18,19,20 técnicos de enfermagem3,18 e fisioterapeutas19 sobre higiene bucal em pacientes hospitalizados ou institucionalizados, e como não foram encontrados dados referentes aos médicos
intensivistas, decidiu-se, portanto, envolver em
nosso estudo profissionais da área médica
(35,7%), de enfermagem (21,4%) e técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%), de quatro Unidades de Saúde da cidade de Manaus-AM.
Apesar do conhecimento de que o procedimento de higiene bucal são efetivos para a redução
da colonização da orofaringe pelos patógenos respiratórios,1,2,6,16,17,18 a implementação de planos coordenados, que incluem intervenções de
higienização bucal, não é uma prática comum nas
UTIs.6 Podemos observar em nosso estudo que 45,8%
dos funcionários das unidades públicas e 39% dos
hospitais privados afirmaram haver protocolo para
pacientes internados e para pacientes intubados:
34,7 e 36,6%, respectivamente. Estes dados são coerentes com os resultados do estudo realizado por
Sole et al. (2003),19 onde se concluiu que das 27 instituições de saúde no Reino Unido estudadas, apenas 48% tinham políticas de higiene bucal.
Os protocolos emitidos pela AACN preconizaram como cuidados bucais a utilização do swab,
escovação dentária e aspiração de secreções bucais. Os protocolos de higiene bucal publicados
recentemente incluem, além desses procedimentos, uma avaliação bucal e bochechos com
colutórios em um intervalo de duas a seis horas.21,22
Entretanto, os procedimentos que estavam incluídos nos protocolos das instituições analisadas
para pacientes internados nas UTIs públicas e
privadas era a escovação dental (45,5 e 28,1%) e
uso de colutórios (18,2 e 21,9%), para os pacientes em ventilação mecânica, o método mais usado foi o swab no qual foi citado por 68 e 70% dos
entrevistados das UTIs públicas e privadas, respectivamente.
Fitch et al. (1999)21 afirmaram ser o swab,
dentre as intervenções bucais, o mais comum nas
UTIs. Os resultados de um estudo realizado por
Cutler & Davis (2005)23 são similares aos nossos,
pois a higiene bucal era realizada principalmente
por swab. Para Adams (1996)24 e Pearson (2006),25
este método não é efetivo na remoção do biofilme
dental e provavelmente não reduz risco de PAVM.
Rello et al. (2007) 20 avaliaram o tipo e a
frequência dos cuidados bucais nas UTIs europeias.
A higiene era realizada uma vez por dia (20%),
duas vezes (31%) ou três vezes (37%). O procedimento consistia na limpeza da cavidade bucal
(88%), com swab (22%), escova de dente (41%),
hidratantes (42%) e principalmente com
clorexidina (61%). Em um estudo realizado por
Grap et al. (2006),18 75% dos profissionais afirmaram realizá-la duas ou três vezes por dia para pacientes não intubados e 72% cinco vezes por dia
ou mais para pacientes intubados. A mediana obtida da frequência de higiene bucal dos pacientes
internados e intubados em nosso estudo foi três
vezes, independente da profissão ou instituição de
trabalho.
Atualmente, muitos agentes químicos estão
sendo utilizados e testados em várias formulações
para combater o biofilme dental, dentre eles podemos citar o peróxido de hidrogênio,25 bicarbonato
de sódio,24 cloreto de cetilpiridino26,27 e óleos essenciais,27 PVPI,17 clorexidina.1,17,27,28 Entretanto,
somente dois agentes para tratamento da gengivite
e controle do biofilme são aceitos pela ADA: o
digluconato de clorexidina e os colutórios como a
base de óleos essenciais.29 Em nosso trabalho, o
colutório mais usado nos protocolos das UTIs, para
o controle do biofilme dental, foi o Cepacol.®
O bicarbonato de sódio foi referido como
parte dos procedimentos de higiene bucal usados
nos protocolos dos pacientes internados por 9,1 e
3,1%, da rede pública e privada, respectivamente.
Para os pacientes intubados é usado por 4% nas
unidades públicas e 3,3% nas privadas. Entretanto, segundo Adams (1996),24 o bicarbonato de sódio
e o peróxido de hidrogênio, mesmo sendo eficazes na remoção do biofilme, podem causar quei-
revistahugv
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
73
AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS
maduras superficiais, se não diluído adequadamente.
O agente que mostrou os resultados mais
positivos quanto à ação inibidora do biofilme é a
clorexidina, atingindo a eficácia terapêutica preconizada pela ADA (2001),29 sendo, portanto, considerado o padrão áureo e o antisséptico de escolha. Rello et al. (2007)20 avaliaram o tipo dos cuidados bucais nas UTIs europeias e observaram que a
clorexidina (61%) era o colutório mais usado. Em
nosso estudo foi citada como parte do protocolo
de higiene bucal de pacientes internados nas instituições públicas e privados por 3 e 3,1%, respectivamente.
O CDC preconiza o uso de clorexidina a
0,12% em duas situações: durante o período préoperatório de pacientes que foram submetidos à
cirurgia cardíaca e em todos os pós-operatórios de
pacientes em estado crítico de saúde e/ou pacientes com alto risco de pneumonia.7 Vários estudos
comprovaram, porém, a eficácia do antisséptico na
prevenção das PHs e PAVMs. 1,5 Entretanto, a
clorexidine não é utilizada nos protocolos para
pacientes ventilados mecanicamente nas UTIs
pesquisadas.
Apesar da ineficácia do cloreto de
cetilpiridino sobre bactérias gram-negativas e
micobactérias,26 e de estudos comprovarem que o
colutório é um bom conservante de Mycobacterium
tuberculosis;26,30 o Cepacol® foi o colutório mais utilizado na rede pública e privada, para a higiene
bucal de pacientes internados (27,3 e 46,9%) e
intubados (32 e 56,7%).
Pitten & Kramer (2001)26 descreveram que
a aplicação de cloreto de cetilpiridino em uma concentração de 0,05% resulta em uma redução imediata na contagem bacteriana de 2,0 a 2,5 em uma
escala logarítmica (sendo adequado para > 99%)
com uma efetividade bactericida por um período
de uma hora após a aplicação. Em contrapartida,
a clorexidina apresenta melhores características
como a substantividade de 12 horas, eficiência,
estabilidade e segurança.28 Considerando o exposto, o uso da clorexidine seria mais adequado e não
o Cepacol,® já que nos protocolos usados nas ins-
74
tituições avaliadas a frequência dos procedimentos de higiene bucal tem a mediana de três vezes
ao dia, portanto com intervalos de oito horas.
Segundo a literatura, a disponibilidade de
escovas dentárias apropriadas e a qualidade dos
colutórios e swab fornecidos pelos hospitais podem também influenciar no procedimento de higiene bucal em UTIs. Além desses obstáculos, as
condições do hospital, tais como a falta de protocolos, equipamentos e prioridade do procedimento, afetam o tipo e a qualidade do cuidado bucal
dado por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem.19 Durante o presente estudo foi observado que nas UTIs públicas e privadas os dispositivos de higiene bucal como creme dental, escova
dentária e colutórios eram solicitados aos familiares dos pacientes, pois a higiene bucal não faz
parte dos procedimentos prioritários das instituições e dos convênios de saúde.
Diante do exposto, as administrações dos
hospitais devem estar ciente da importância da
formação de uma equipe multidisciplinar nas UTIs
e da necessidade de implementação de programas de prevenção e promoção de saúde bucal em
pacientes criticamente doentes, para que estes tenham um tratamento integral e humanizado.
CONCLUSÃO
Podemos concluir que não houve diferença estatística entre os profissionais e as instituições em relação ao protocolo de higiene bucal e
para a frequência da execução dos procedimentos, e que ela está abaixo do preconizado na literatura. Os métodos de higiene bucal mais usados
em pacientes internados foram a escovação com
creme dental e bochechos; e para os pacientes
submetidos à ventilação mecânica foi o uso de
swab. O colutório mais utilizado é o cloreto de
cetilperidino para a higiene bucal dos pacientes
internados e intubados. Portanto, é essencial a
implementação de protocolos de higiene bucal na
rotina hospitalar, visto que é um método eficaz
na prevenção da pneumonia nosocomial e associada à ventilação mecânica.
revistahugv
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO
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hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO
Tabela 1 – Protocolo para Higienização Bucal dos Pacientes Internados e Intubados em relação à
Profissão e às Instituições
Profissão
Variáveis (n=154)
Médico
(n=55)
n
Protocolo de HB em
pacientes
INTERNADOS/UTI
Qual (n = 65)
Escovação com creme
dental
Bochechos
Swab
Escovação/Bochechos
Não respondeu
Protocolo de HB em
pacientes
24
%
43,6
Enfermeiro
(n=33)
n
%
15
45,5
Instituição de Trabalho
Aux./Tec.
Enfermagem
(n=66)
n %
26
39,4
Não respondeu
0,466
Pública
(n=117)
Privada
(n=37)
n
%
n
33
45,8
32
p*
%
39,0
0,674
**
**
5
20,8
11
73,4
8
30,8
15
45,5
9
28,1
6
11
25,0
45,9
2
2
13,3
13,3
5
3
4
19,2
11,5
15,4
6
2
5
18,2
6,1
15,1
7
1
12
21,9
3,1
37,5
2
8,3
-
-
6
23,1
5
15,1
3
9,4
18
32,7
16
48,5
21
31,8
25
34,7
30
36,6
INTUBADOS/UTI
Qual (n = 57)
Escovação com creme
dental
Bochechos
Swab
Escovação/Bochechos
p*
0,281
0,701
**
**
3
16,7
-
-
-
-
-
-
3
10,0
3
10
1
16,7
55,6
5,6
1
13
2
6,3
81,3
12,5
15
2
71,4
9,5
3
17
1
12,0
68,0
4,0
1
21
4
3,3
70,0
13,3
1
5,6
-
-
4
19,0
4
16,0
1
3,3
*p-valor em negrito itálico indica associação estatisticamente significante ao nível de 5%
* *Não foi possível aplicar a Estatística de Teste pois mais de 20% dos valores esperados são menores que 5.
revistahugv
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
77
AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS
Tabela 2 – Frequência de Higiene Bucal em pacientes Internados e Intubados em relação à Profissão e às
Instituições
Profissão
Variáveis (n=154)
Médico
(n=55)
Enfermeiro
(n=33)
Freqüência HB em
pacientes
Instituição de Trabalho
Aux./Tec.
Enfermagem
(n=66)
p*
Pública
(n=117)
Privada
(n=37)
0,660***
p*
0,804**
INTERNADOS/UTI:
2,7 ± 0,8
2,9 ± 0,7
2,9 ± 0,6
2,8 ± 0,7
2,8 ±
0,6
Mediana
3,0
3,0
3,0
3,0
3,0
Amplitude
1-4
2–4
2–4
1-4
1–4
Média ± DP
Freqüência HB em
pacientes
0,063***
INTUBADOS/UTI:
Média ± DP
Mediana
Amplitude
2,4 ± 1,0
3,0 ± 0,7
3,2 ± 0,4
3,1 ± 0,8
3,0
3,0
3,0
3,0
2,7 ±
0,7
3,0
1-4
2–4
3–4
1-4
1–4
*p-valor em negrito itálico indica associação estatisticamente significante ao nível de 5%
Gráfico 1 – Colutórios utilizados pelos profissionais para HB de pacientes internados em UTIs em relação à
profissão.
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Gráfico 2 – Colutórios utilizados pelos profissionais para HB de pacientes intubados, em relação à profissão.
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hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
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80
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hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA
REFL
UX
O L
ARIN
GOF
ARÍN
GEO: UMA MANIFES
TAÇÃ
O
REFLUX
UXO
LARIN
ARINGOF
GOFARÍN
ARÍNGEO:
MANIFEST
ÇÃO
O
ATÍPIC
AD
A DOEN
ÇA DO REFL
UX
TÍPICA
DA
DOENÇ
REFLUX
UXO
G AS
TR
OESOF
ÁGIC
O CL
ÁSSIC
A
ASTR
TROESOF
OESOFÁ
GICO
CLÁSSIC
ÁSSICA
LARYNGOPHARYNGEAL REFLUX: AN ATYPICAL MANIFESTATION OF CLASSIC GASTROESOPHAGEAL
REFLUX DISEASE
Eduardo Abram Kauffman*, Júlio César Simas Ribeiro**, Cláudia Marina Puga Barbosa Oliveira***
RESUMO: A Doença do Refluxo Gastroesofágico tem duas manifestações clínicas distintas: Refluxo Gastroesofágico
patológico ou DRGE clássica e Refluxo Laringofaríngeo (RLF) com sintomas respiratórios e/ou laríngeos que
acabam trazendo os pacientes à atenção do otorrinolaringologista. Os principais sintomas são disfonia, tosse,
sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta e garganta
seca. O tratamento é basicamente clínico e deve buscar a eliminação dos fatores propiciadores, com mudança nos
hábitos alimentares e de vida. Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a terapia medicamentosa, inicialmente com bloqueadores da bomba de prótons. Apesar da alta frequência, uma vez que cerca de 80% das queixas de
garganta têm refluxo associado; a doença laringofaríngea ainda é subdiagnosticada.
Palavras-chave: Doença do Refluxo Gastroesofágico, Refluxo Laringofaríngeo, manifestação atípica.
ABSTRACT: The Gastroesophageal Reflux Disease has two different clinical manifestations: the pathological
Gastroesophageal Reflux or classic GERD and the Laryngopharyngeal Reflux (LPR) with respiratory and/or
laryngeal symptoms which call the otorhinolaryngologist’s attention. The main symptoms are dysphonia, cough,
pharyngeal globus, throat clearing, sialorrhoea, odynophagia, upper dysphagia, burning sensation in the throat
and throat dryness. Treatment is basically clinical and must mind precipitation factors, changes in eating habits
and in life. Medical management with proton pump inhibitors is also needed in most cases. Despite the high
occurence, as around 80% of throat complaints are related to reflux, the laryngopharyngeal disease still isn’t
properly detected.
Keywords: Gastroesophageal Reflux Disease, Laryngopharyngeal Reflux, atypical manifestation.
A porção alta do tubo digestivo é composta
por boca, orofaringe, laringe, esôfago, estômago e
duodeno. O alimento, ao ser ingerido, percorre
sequencialmente essas regiões, utilizando como
propulsão a força da gravidade e o peristaltismo.
Ao chegar ao estômago e ao duodeno, sofre ação
do conteúdo gástrico e duodenal, composto por
enzimas e ácidos capazes de digerir os alimentos,
para posteriormente serem absorvidos.20
Existem mecanismos que impedem que o
alimento se movimente de maneira retrógrada por
esse tubo. Os principais são os esfíncteres
esofágicos inferior e superior. Quando há incompetência desses esfíncteres ocorre um fenômeno
chamado refluxo alimentar, onde o conteúdo gastroduodenal, responsável pela digestão do alimento ingerido, percorre o caminho inverso, atingindo as regiões esofágica, laríngea e faríngea.15 Esse
Mestre em Otorrinolaringologia.
Acadêmico do 6.º ano de Medicina, Ufam.
***
Acadêmica do 6.º ano de Medicina, Ufam.
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REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: UMA MANIFESTAÇÃO ATÍPICA DA DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO CLÁSSICA
refluxo alimentar ocorre fisiologicamente durante
o dia, principalmente após refeições volumosas –
quando evita a hiperdilatação do estômago – e
durante o sono – quando é favorecido pela posição em decúbito.20 Ele pode, porém, se tornar patológico quando há exposição prolongada do conteúdo ácido sobre mucosas não especializadas em
recebê-lo, como no esôfago, laringe e faringe.8,10,13
Os esfíncteres esofágicos, já citados, são
importantes mecanismos antirrefluxo e o esfíncter
esofágico inferior (EEI), situado entre o esôfago
distal e o estômago, é o principal deles. Se esse
esfíncter se tornar incompetente, com tônus basal
muito baixo ou com relaxamentos transitórios frequentes (mecanismo mais comum), ocorre o refluxo gastroesofágico (RGE), podendo se transformar
em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE),
quando causa lesões esofágicas.2,14,19
Do ponto de vista clínico, definimos a
DRGE como uma afecção crônica decorrente do
refluxo de parte do conteúdo gástrico (e por vezes, gastroduodenal) para o esôfago, acarretando
um espectro de sintomas esofágicos e/ou
extraesofágicos, frequentemente associados a lesões teciduais (ex.: esofagite). Os principais sintomas da DRGE são pirose, regurgitação e dor
subesternal. Deve-se ressaltar que a inexistência
desses sintomas não descarta a possibilidade de
DRGE, assim como a sua intensidade não auxilia
no diagnóstico de esofagite. O diagnóstico deve ser
suspeitado de forma quase patognomônica pelos
sinais e sintomas descritos, especialmente em relação à pirose e à regurgitação. Além disso, a
endoscopia digestiva alta e a pHmetria de 24h (padrão ouro) devem ser solicitadas em situações específicas.3,6,14,17
Entretanto, a maioria dos pacientes com sintomas sugestivos de DRGE (pirose, regurgitação
ácida) não necessita de nenhum exame
investigatório inicialmente, sendo o diagnóstico
determinado pela prova terapêutica com uma droga inibidora da bomba de prótons (IBP). Uma resposta satisfatória praticamente sela o diagnóstico
(melhora considerável dos sintomas nas primeiras quatro semanas de tratamento).11
82
A primeira associação entre doença laríngea
e refluxo gastroesofágico foi relatada por Coffin
em 1903, especulando que a “eructação de gases
do estômago” e hiperacidez são responsáveis por
sintomas em muitos de seus pacientes com “catarro pós-nasal”. Segundo ele, este problema era negligenciado porque muitos desses pacientes não
tinham sintomas gastrintestinais. Cherry e
Margulus, em 1968, relataram três casos de pacientes com úlcera de contato na laringe e refluxo
esofágico significante evidenciado nos estudos com
bário.7,11 Estudos subsequentes têm estimado que
10% dos tossidores crônicos, 5 a 10% dos pacientes com rouquidão, 25 a 50% dos pacientes com
sensação de globus, e um pequeno mas definido
grupo com câncer laríngeo tem DRGE como fator
etiológico primário.18
Os estudos de pesquisadores, como
Kouffman e Oson, acabaram por mostrar que a
DRGE, apesar de ser causada pelo mesmo mecanismo, tem duas manifestações clínicas distintas:
sua forma clássica, que cursa com esofagite e é denominada simplesmente de Doença do Refluxo
Gastroesofágico (DRGE); e sua manifestação
atípica, que pode cursar apenas com sintomas altos, sendo denominada Refluxo Laringofaríngeo
(RLF). Portanto, o termo laringofaríngeo não significa que o refluxo ocorre apenas nesta região, mas
sim que acomete principalmente o epitélio dessa
topografia anatômica, que tem características próprias. Neste caso, apenas 18% dos pacientes com
sintomatologia compatível com RLF têm esofagite
de refluxo.1,5
No início da década de 80, se o médico relatasse que o problema de garganta de seu paciente tinha origem no estômago, arrancariam risos dos
colegas. O episódio é verídico e ocorreu com o pesquisador americano James Kaufman. Hoje, as pesquisas nessa área já estão bem avançadas, até mesmo no Brasil. Estatísticas mundiais mostram que o
Dr. Kaufman estava certo: cerca de 80% das queixas de garganta têm refluxo associado. Apesar disso, são poucos os otorrinolaringologistas que aplicam em seus consultórios as “novas ideias”. Isso
ocorre porque a forma clássica da doença sempre
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hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA
foi diagnosticada sem dificuldades, mas nunca relacionada aos sintomas “altos”.15
A mudança na forma de enfrentar o RFL
ocorreu após o acesso às fibras óticas na prática
clínica, utilizada como instrumento de diagnóstico para detectar partes queimadas na garganta,
principalmente na entrada do esôfago.5,6
O mecanismo patogênico nos diferentes tipos de refluxo é o mesmo: a ação química do conteúdo gástrico na mucosa laríngea; porém não é
consenso que o RLF é uma manifestação atípica
da DRGE.10
A prevalência de distúrbios relacionados
com a sintomatologia compatível com o RLF na prática otorrinolaringológica é estimada em 4 a 10% e a
prevalência de RLF em pacientes com alterações
vocais e desordens laríngeas atinge 50 a 78%.19
Pacientes com RLF geralmente possuem
lesões que podem ser evidenciadas por meio de
videolaringoscopia (geralmente o primeiro exame
solicitado), como edema e hiperemia de laringe,
hiperemia e hiperplasia linfoide em parede posterior da faringe, alterações interaritenoideas (laringite posterior), úlceras de contato na glote,
granuloma laríngeo, pólipos de laringe, edema de
Reinke, estenose subglótica e laringite hipertrófica.
Os achados mais comuns são o edema glótico e a
laringite posterior. Os principais sintomas são
disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta,
queimação em garganta e garganta seca.3,8,9,15
O tratamento clínico deve buscar a eliminação dos fatores propiciadores. É sugerido ao paciente mudança nos hábitos alimentares e hábitos de vida. Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a terapia medicamentosa. O tratamento inicial deve ser feito com bloqueadores da
bomba de prótons, em duas doses diárias, por no
mínimo 12 semanas.1,5
O tratamento cirúrgico é indicado quando
o paciente não tem melhora significativa com o tratamento clínico e é pouco utilizado em casos que
apresentam com sintomatologia laringofaríngea
isolada. É indicado em casos que não responderam às medidas terapêuticas usuais e que apre-
sentem esofagite de Barret, estenoses ou processos hemorrágicos. Casos de aspirações frequentes com rouquidão ou estenose subglótica podem
também requerer intervenção cirúrgica. O tratamento cirúrgico mais utilizado é a fundoplicatura
do estômago, que promove aumento na tensão
do esfíncter esofágico inferior (EEI).1,5,20
Portanto, trata-se de uma enfermidade recente e ainda de difícil diagnóstico. Atualmente o
que se vê de concreto é que temos uma patologia
laringofaríngea frequente, porém ainda subdiagnosticada. O especialista, ao deparar-se com pacientes portadores de queixas laringológicas crônicas sem melhoras aos tratamentos médicos convencionais, deve obrigatoriamente incluir dentre
suas suspeitas diagnósticas o RLF. O diagnóstico
correto e precoce alertará o paciente e o médico
sobre potenciais prejuízos a médio e longo prazos e a necessidade de tratamento.
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hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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EDUARDO KAUFFMAN, DOMINGOS LIMA, LUIZ PASSOS, ALETÉIA ANUNCIAÇÃO, CLAUDIA OLIVEIRA, JÚLIO RIBEIRO
RIN
OSSINUSITE CRÔNIC
A EM P
ACIENTES C
OM
RINOSSINUSITE
CRÔNICA
PA
COM
LÚPUS – ERITEMA
TOSO SIS
TÊMIC
O
ERITEMAT
SISTÊMIC
TÊMICO
CHRONIC RHINOSINUSITIS IN SYSTEMIC LUPUS – ERYTHEMATOSUS PATIENTS
Eduardo Abram Kauffman*, Domingos Sávio Nunes de Lima**, Luiz Fernando Passos***, Aletéia Cristina Fonseca de
Anunciação****, Claudia Marina Puga Barbosa Oliveira*****, Júlio César Simas Ribeiro*****
Resumo: Introdução: O manejo clínico do LES, por meio de corticoterapia, pode levar os pacientes a vários
estágios de imunossupressão. A rinossinusite tem sido relatada com frequência em pacientes imunossuprimidos.
Objetivos: Estudar a prevalência de rinossinusite nos pacientes portadores de LES e descrever os sinais/sintomas otorrinolaringológicos desse grupo de pacientes. Pacientes e métodos: Estudo transversal, onde foram incluídos 96 pacientes com LES [critérios para a classificação do American College of Rheumatology (ACR)]. Resultados: Dentre os 96 pacientes incluídos, 25 (26%) foram diagnosticados como portadores rinossinusite crônica
tendo como principais sintomas a obstrução nasal em 21 (84%), espirros em 21 (80%), anosmia em 19 (76%),
cefaleia em 19 (76%) e dor facial em 6 (24%). Os 25 pacientes com LES e diagnóstico de rinossinusite faziam uso de
prednisona. Conclusão: A prevalência de rinossinusite crônica foi de 26%, todos esses pacientes faziam uso de
prednisona no período da consulta otorrinolaringológica.
Palavras-chave: Rinossinusite, lúpus eritematoso sistêmico, prevalência.
Abstract: Introduction: Systemic lupus erythematosus (SLE) clinical management throughout corticosteroid
therapy may lead patients to various levels of immunesupression. Rhinosinusitis has been described frequently
in immunesupressed patients. Objective: To study rhinosinusistis prevalency in SLE patients and describing
otorhinolaryngological signs/symptons of these patients. Patients and Method: A transversal study, including
96 SLE patients [American College of Rheumatology (ACR) classification. Results: Between 96 patients included,
25 (26%) were diagnosed with chronic rhinosinusistis criteria and your most important symtoms were nasal
obstrucction in 21 (41%), sneezing in 21 (80%), anosmia in 19 (76%), headache in 19 (76%) and facial pain in 6
(24%). The 25 SLE patients diagnosed with chronic rhinosinusitis were using prednisone. Conclusion: The
prevalency of chronic rhinosinusitis was 26%, and all patients were using prednisone at the time of
otorhinolaryngological exam.
Keywords: Rhisosinusitis, Systemic lupus erythematosus, Prevalency.
INTRODUÇÃO
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma
doença inflamatória crônica, multissistêmica, de
causa desconhecida e natureza autoimune, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos.
Evolui com as mais variadas manifestações clínicas e com períodos de exacerbação e remissão.1,17
A prevalência no sexo feminino é nove vezes maior que no sexo masculino, principalmente durante a idade fértil.1
A fisiopatologia do LES caracteriza-se por
formação de imunocomplexos constituídos por
autoanticorpos e auto ou heteroantígenos que se
depositam na parede de vasos de pequenos e médios calibres, em território e microcirculação, pro-
Mestre em otorrinolaringologia. Professor assistente da Ufam.
Médico reumatologista e doutor em medicina.
***
Médico reumatologista e doutor em biotecnologia.
****
Residente (R2) de Clínica Médica do HUGV.
*****
Acadêmico do 6º ano de medicina da Ufam.
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RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO
duzindo ao final um processo de vasculite leucocitoclástica, com necrose da parede vascular e dos
tecidos, gerando alterações estruturais e funcionais
em vários órgãos ou sistemas, como o ósteo-articular e o renal.1,3
Em 1959, Scarpelli et al18 publicaram o primeiro caso de envolvimento das vias aéreas relacionada ao LES.14 Em 1976, Smith et al19 mostraram
ulcerações, estenoses e edema da articulação
cricoaritenoidea em dois pacientes com LES.15
A rinossinusite é uma afecção comum entre
pacientes imunossuprimidos, particularmente naqueles com imunossupressão avançada (geralmente infectados pelo HIV),12 e temos nos pacientes portadores de LES uma população imunossuprimida,
em função da corticoterapia a qual eles são submetidos para obtenção do controle da doença.3,9,10 Pode
clinicamente ser definida como uma resposta inflamatória da membrana mucosa que reveste a cavidade nasal e os seios paranasais, podendo em ocasiões entender-se para o neuroepitélio e osso
subjacente. Trata-se de uma afecção relativamente
comum, afetando até 20% da população, Pode ser
classificada em aguda, subaguda e crônica, referindo a duração dos sintomas.8,16
O termo rinossinusite é mais utilizado atualmente já que a rinite e a sinusite são, frequentemente, doenças em continuidade. A rinite existe
isoladamente, mas a sinusite sem a rinite é de ocorrência rara.
A prevalência da rinossinusite crônica nos
Estados Unidos é estimada em 14% da população
geral.22,23 Não existe um levantamento epidemiológico brasileiro, mas provavelmente deve ser semelhante ao americano.5,23
Uma anamnese bem detalhada, complementada com achados radiológicos e endoscópicos
permite uma excelente avaliação dos pacientes com
suspeita de rinossinusite.8,16,21
A alta morbidade e eventual mortalidade
associadas às complicações das rinossinusites justificam a avaliação cuidadosa dos casos de
sinusopatias agudas ou crônicas, assim como a
pronta investigação quando a evolução clínica não
é satisfatória. Tais complicações podem ser orbitárias, intracranianas ou ósseas.
86
O manejo clínico das rinossinusites é frequentemente satisfatório. Os agentes terapêuticos
incluem antibióticos, descongestionantes,
mucolíticos, sprays ou irrigação nasal e corticoesteroides. O tratamento cirúrgico é indicado em casos de obstrução mecânica comprovada ou em casos onde há frequente infecção residual após um
manejo clínico adequado.8,12,20
OBJETIVOS
Estudar a prevalência de rinossinusite nos
pacientes portadores de LES, atendidos no Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do
Amazonas, bem como citar os principais sinais/
sintomas otorrinolaringológicos e comorbidades
apresentadas por esse grupo de indivíduos.
PACIENTES E MÉTODOS
Estudo transversal desenvolvido no Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do
Amazonas, no período de agosto de 2006 a dezembro de 2007.
Foram incluídos 96 pacientes com idade variando entre 18 e 61 anos, com média de 38,25 anos,
sendo 90 (93,75%) mulheres e 6 (6,25%) homens.
Todos os pacientes tinham no mínimo quatro critérios para a classificação de LES de acordo com o
ACR.
Os pacientes foram escolhidos de forma aleatória, independente de apresentarem queixas
otorrinolaringológicas. A escolha dos pacientes era
feita enquanto eles aguardavam atendimento no
ambulatório de LES.
Foram incluídos os pacientes maiores de 18
anos, com no mínimo um ano de diagnóstico de
LES, tendo ao final obtido pacientes com tempo
de diagnóstico variando de 1 a 18 anos, com média de 6,62 anos. Foram excluídos os pacientes com
menos de um ano de diagnóstico de LES e os pacientes com sintomas compatíveis com rinossinusite crônica que não realizaram a tomografia computadorizada (TC).
A avaliação seguiu um protocolo preestabelecido que consistia de anamnese, exame físico
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EDUARDO KAUFFMAN, DOMINGOS LIMA, LUIZ PASSOS, ALETÉIA ANUNCIAÇÃO, CLAUDIA OLIVEIRA, JÚLIO RIBEIRO
otorrinolaringológico (otoscopia, rinoscopia,
oroscopia e palpação facial) e, em casos compatíveis com rinossinusite, tomografia computadorizada (TC).
O diagnóstico de rinossinusite baseou-se
nos parâmetros descritos nos Consensos Americano e Latino-americano de Rinossinusites,19,21 ou
seja, valorizados tempo de evolução, sintomas (febre, dor facial, tosse, congestão nasal e rinorreia
purulenta) e tomografia computadorizada (TC).
Todos os pacientes tinham dois fatores maiores
(obstrução nasal, secreção nasal, cefaleia, dor ou
pressão facial e distúrbio olfatório) ou um fator
maior e dois menores (febre, halitose, tosse e
irritabilidade) por mais de três meses e tomografia
computadorizada evidenciando opacificação de
um ou mais seios paranasais e do complexo óstiomeatal.
Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Amazonas.
RESULTADOS
Durante o período de agosto de 2006 a novembro de 2007, foram estudados 104 pacientes,
sendo incluídos na amostra 96 pacientes. Os 96
pacientes incluídos tinham a idade variando entre
18 e 58 anos, com média de 38,25 anos, sendo 90
(93,7%) mulheres e 6 (6,3%) homens. Os indivíduos excluídos não realizaram a tomografia
computadorizada ou tinham menos de um ano de
diagnóstico de LES.
Dentre os 96 pacientes incluídos, 25 (26%)
foram diagnosticados como portadores de
rinossinusite crônica. A tomografia computadorizada evidenciava, em todos os pacientes,
opacificação de um ou mais seios paranasais e do
complexo óstio-meatal.
Os sinais/sintomas encontrados nos 96 pacientes com LES, em avaliação clínica direcionada
a queixas otorrinolaringológicas, foram: cefaleia
em 68 (70,8%), obstrução nasal em 36 (37,5%), espirros em 33 (34,4%), caseum em 30 (31,2%), pigarro em 26 (27%), náuseas em 24 (25%), dor facial
em 21 (21,9%), anosmia em 18 (18,7%), tosse em 18
(18,7%), halitose em 15 (15,6%), otalgia em 13
(13,5%), disfagia em 12 (12,5%), pressão nos ouvidos em 10 (10,4%), globus faríngeo em 10 (10,4%),
sangramento nasal em 8 (8,3%), odinofagia em 6
(6,2%), febre em 4 (6,2%) e dor dentária em 3 (6,2%).
As principais comorbidades apresentadas
pelos 96 pacientes foram: hipertensão arterial
sistêmica (HAS) em 29 (30,2%), insuficiência renal
crônica (IRC) em 12 (12,5%), dislipidemia em 9
(9,3%), cardiopatia em 9 (9,3%), diabetes mellitus
(DM) em 8 (8,3%), asma em 7 (7,3%), glaucoma em
5 (5,2%), fibromialgia em 5 (5,2%) e acidente
vascular cerebral (AVC) em 4 (4,2%).
Dos 96 pacientes com LES, 66 (68,75%) estavam fazendo uso de prednisona, 24 (25%) estavam fazendo uso de cloroquina, 18 (18,75%) estavam fazendo uso de azatioprina e 15 (15,6%) faziam uso de metotrexate.
Dos 25 pacientes com diagnóstico de
rinossinusite crônica, 25 (100%) faziam uso de
prednisona, 14 (56%) faziam uso de cloroquina, 12
(48%) faziam uso de azatioprina e 2 (8%) faziam
uso de metotrexate. Durante a avaliação clínica, os
pacientes relatavam apenas a medicação que estavam fazendo uso no momento.
DISCUSSÃO
Como as prevalências de rinossinusite crônica variam conforme o estágio de imunossupressão do paciente, o grupo de pacientes com LES acaba tornando-se um grupo heterogêneo, pois as
doses das drogas imunossupressoras variam conforme o estágio de exacerbação e/ou remissão da
doença, lembrando que o LES apresenta períodos
de atividade e inatividade.15 A relação rinossinusite/imunossupressão pode ser melhor estabelecida
em grupos homogêneos, como os pacientes transplantados. O ponto-chave é reconhecer a maior
prevalência de rinossinusite crônica em pacientes
imunossuprimidos e ao mesmo tempo perceber
que os corticoesteroides que, por vezes, são utilizados no tratamento da rinossinusite acabam se
relacionando à própria etiologia da doença.
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RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO
Em nosso estudo encontramos uma
prevalência de 26% de rinossinusite crônica entre
os 96 pacientes com diagnóstico de LES. Estudos
nacionais e internacionais evidenciam prevalências
que variam de 8 a 72% em pacientes com doenças
autoimunes, HIV ou imunossuprimidos por uso
de corticoides e demais drogas imunossupressoras.3,5,13,14,33 A prevalência da rinossinusite crônica
nos Estados Unidos é estimada em 14% da população geral.31,33 Não existe um levantamento epidemiológico brasileiro, mas provavelmente deve
ser semelhante ao americano.6,33
Em todos os pacientes diagnosticados com
rinossinusite crônica os sintomas tinham mais de
quatro meses de evolução. As dúvidas diagnósticas
foram poucas, fazendo com que o diagnóstico fosse essencialmente clínico, sendo solicitado a
tomografia computadorizada apenas para confirmação da hipótese diagnóstica. A tomografia
computadorizada dos 25 pacientes demonstrou
presença de sinusopatia, ou seja, aumento de espessura da mucosa ou áreas de opacificação nos
seios acometidos. A tomografia computadoriza
oferece uma avaliação objetiva, quantificando a
extensão do processo nasossinusal, sendo um exame de grande valia em nossa pesquisa, apesar de
dispensável como método diagnóstico.
Dos 96 pacientes com LES, 66 (68,75%) estavam fazendo uso de prednisona, 24 (25%) estavam fazendo uso de cloroquina, 18 (18,75%) estavam fazendo uso de azatioprina e 15 (15,6%) faziam uso de metotrexate. Dos 25 pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica, 25 (100%) faziam uso de prednisona, 14 (56%) faziam uso de
cloroquina, 12 faziam uso de azatioprina (48%) e 2
(8%) faziam uso de metotrexate. Durante a avaliação clínica, os pacientes relatavam apenas a medicação que estavam fazendo uso no momento. Merece atenção o fato de todos os pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica estarem fazendo uso de prednisona, ao passo que ela é, por vezes, utilizada como tratamento das sinusopatias.
Nosso estudo parece ser, até o momento, o
único que avaliou a presença de rinossinusite em
pacientes com LES. Talvez a terapia imunossupres-
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sora ou até mesmo uma manifestação do próprio
LES seja responsável por essa prevalência de 26%
de rinossinusite crônica. Interessante notarmos que
embora esse tipo de avaliação não tenha sido feita
por outros autores, a rinossinusite crônica traz
grandes incômodos aos pacientes com LES. O médico otorrinolaringologista deve estar atento à alta
prevalência de rinossinusite crônica nos pacientes
com LES.
CONCLUSÃO
Pudemos observar a presença de rinossinusite crônica em 26% dos 96 pacientes com LES incluídos na pesquisa. Dos 25 pacientes com rinossinusite crônica, os 25 (100%) faziam uso de
prednisona no período da consulta otorrinolaringológica.
O médico otorrinolaringologista deve estar
atento à alta prevalência de rinossinusite crônica
nos pacientes com LES.
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RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO
Dados para correspondência:
Eduardo Abram Kauffman
Rua Franco de Sá, 3.º andar, salas 308/309,
Edifício Amazon Trade Center, São Francisco.
Manaus-AM – CEP 69079-210
Agradecimento à Fapeam.
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ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM
ÉTIC
A EM PESQUIS
A CLÍNIC
AC
OM SERES HUMAN
OS
ÉTICA
PESQUISA
CLÍNICA
COM
HUMANOS
– AR
TIGO DE REVISÃ
O
ARTIGO
REVISÃO
ETHICS IN CLINICAL RESEARCH WITH HUMAN BEIGNS – REVISION ARTICLE
Ângelo Keppe*, Helton Batista de Oliveira*, Ione Rodrigues Brum**
RESUMO: O que nos leva a realizar uma pesquisa é a necessidade de respondermos a uma pergunta sob determinada situação a qual não temos conhecimento ou ainda temos dúvida. O pesquisador é intuído pela necessidade do novo, do saber do comprovar e, dessa forma, fornecer resultados à comunidade, que permitem contínua
mudança no nosso dia-a-dia. Ao pretendermos realizar um trabalho de pesquisa devemos compor um cenário
que compreende o objetivo da pesquisa, o objeto da pesquisa e o pesquisador. Esses cuidados permitem ajustarmos todos os componentes do trabalho e não termos por algum motivo que descontinuá-lo. Esta revisão de artigos atualizados pretende mostrar os princípios éticos da pesquisa clínica, esclarecendo especialmente dúvidas
quanto ao objeto (sujeito) da pesquisa clínica e a autoria de um trabalho científico.
Palavras-chave: Ética em pesquisa, autoria de trabalhos científicos, pesquisa clínica.
ABSTRACT: The need to answer a question about a topic which we don’t have enough experience is what make
us to perform a study. The researcher is inspired for the necessity of modifying the knowledge and provides
results for the community to change our day by day. When we intend to perform a study we ought to compose
scenery formed by the objective, the subjective of the study and the researcher. These procedures allow us to
adjust all the study components to avoid the discontinuation of the study for any reason. This review aims to
demonstrate the ethical principles of the clinical research, particularly doubts on the research subjective and the
scientific research authors.
Keywords: Ethics in clinical research, scientific papers authors, clinical research.
Na prática clínica atual e na pesquisa clínica, a maioria dos procedimentos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos envolve riscos e encargos. O objetivo principal da pesquisa clínica envolvendo seres humanos é melhorar os procedimentos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos, e
entender a etiologia e patogênese da doença. Até
mesmo os melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos comprovados devem ter, continuamente, sua eficácia, eficiência, acessibilidade
e qualidade testadas por meio de pesquisas.1
Pesquisa clínica é restrita por padrões éticos que promovem o respeito por todos os seres
*
humanos e protegem sua saúde e direitos.1 Pesquisa clínica envolvendo seres humanos inclui pesquisa com material humano identificável ou dados identificáveis.2
A autoria de projetos, artigos e livros são
uma das questões éticas que mais tem gerado preocupações nos últimos tempos. A omissão de autores, a inclusão indevida e o uso indevido de material de pesquisa são fatos extremamente desagradáveis e preocupantes, porém presentes em todos
os países do mundo que realizam pesquisas.3
O International Committee of Medical Journal
Editors, criado em janeiro de 1978, em Vancouver,
Residentes de Ginecologia e Obstetrícia do HUFM/Ufam,
Chefe do Serviço de Tocoginecologia do HUFM/Ufam,
**
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ÉTICA EM PESQUISA CLÍNICA COM SERES HUMANOS – ARTIGO DE REVISÃO
tem por objetivo o estabelecimento de critérios comuns para a publicação de artigos científicos na
área da saúde.3
No Brasil, os aspectos éticos envolvidos em
atividades de pesquisa que envolva seres humanos estão regulados pelas diretrizes e normas de
pesquisa em seres humanos, pela Resolução n.º
196/96, do Conselho Nacional de Saúde,
estabelecida em outubro de 1996. Essas diretrizes
foram detalhadas para pesquisas envolvendo novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos por outra Resolução (n.º 251/97), de
agosto de 1997. Novas resoluções estão sendo elaboradas para tratar de outras áreas temáticas especiais.4
Esta revisão de artigos atualizados pretende mostrar os princípios éticos da pesquisa clínica, esclarecendo especialmente dúvidas quanto ao
objeto (sujeito) da pesquisa clínica e a autoria de
um trabalho científico.
AUTORIA DA PESQUISA
A Lei do Direito Autoral estabelece, em seu
artigo 6, que “São obras intelectuais as criações do
espírito, de qualquer modo exteriorizadas, tais
como: I – os livros, brochuras, folhetos, cartasmissivas e outros escritos; II – as conferências,
alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza (...)”. Dessa forma, a atribuição de crédito à
autoria de um trabalho independe do modo de apresentação, seja ela um artigo, livro, tema livre com
apresentação oral ou em mural, ou até mesmo nas
suas formas mais iniciais, como projeto de pesquisa
ou carta indicando achados iniciais. O que importa
é que cada um dos autores assuma a responsabilidade profissional, pública e social pela sua obra.3
Todas as pessoas designadas como autores
devem estar qualificadas para tal. Cada autor, em
particular, deve ter participação suficiente no trabalho para tomar a responsabilidade pública pelo
seu conteúdo. Os créditos de autoria devem estar
baseados somente em contribuições substanciais
para (a) concepção, planejamento, análise ou interpretação dos dados; (b) redação do artigo ou sua
92
revisão intelectual crítica; (c) responsabilidade pela
aprovação final para publicação. Todas as condições (a, b e c) devem ser cumpridas. A participação
apenas na obtenção de fundos ou na coleta de dados não justificam autoria.3
A não inclusão de autores é um fato corriqueiro, porém grave. Todos os autores devem sempre ser incluídos, não deve haver omissão de nenhum participante que preencha os critérios de autoria. Este é um dever moral, baseado na fidelidade que deve existir entre os membros do grupo que
efetivamente realizaram o projeto de pesquisa.3
Os critérios de autoria são também abordados em vários outros Códigos de Ética de diferentes profissões de saúde. O Código de Ética Médica,5 em seu artigo 137, propõe que é vedado ao médico “publicar em seu nome trabalho científico do
qual não tenha participado; atribuir-se autoria exclusiva de trabalho realizado por seus subordinados ou outros profissionais, mesmo quando executados sob sua orientação”.
Segundo a Lei n.º 9.610/98, no artigo 102, o
titular cuja obra seja fraudulentamente
reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação,
sem prejuízo da indenização cabível.6
Na área da orientação de trabalhos de pósgraduação, existem grandes controvérsias sobre a
obrigatoriedade da citação do professor orientador
como autor. Alguns alunos, especialmente em nível de doutorado, necessitam de tão pouco auxílio, que podem ser considerados autores únicos de
seus trabalhos. Essa situação ocorre mais frequentemente na área de ciências humanas, onde a produção é mais pessoal e depende menos do trabalho realizado por uma equipe de pesquisa. Na área
da pesquisa em ciências biológicas e da saúde, por
exemplo, esta situação é mais difícil de ocorrer. A
pesquisa nesta área é um trabalho colaborativo e
cooperativo entre membros de uma equipe de pesquisa e até mesmo entre equipes de pesquisa. O
importante é sempre verificar, basicamente, a adequação dos três critérios de autoria, já descritos
anteriormente, ao trabalho produzido.3
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ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM
Vale ressaltar que não cabe mais a caracterização indiscriminada de que o primeiro nome
crito e concordar em compartilhar a responsabilidade pelos resultados.7
citado é o do autor e, que os demais citados, a par-
A inclusão indevida de autores é outra grave
tir deste, sejam denominados de coautores, como
questão. Como já foi dito anteriormente, os auto-
se tivessem tido uma participação secundária. Com
res planejam, executam e escrevem. Amigos, cole-
o objetivo de preservar a justiça, o critério utiliza-
gas, chefes, bolsistas e estagiários não se tornam
do para estabelecer a sequência deve ser discutido
autores apenas em função dessas relações. Essa tra-
pela equipe de pesquisadores e citado, no próprio
dição inadequada pode e deve ser evitada utilizan-
trabalho, como nota de rodapé, indicando as atri-
do-se regras claras para o estabelecimento do cri-
buições de cada um dos autores na realização do
tério de autoria desde o início do planejamento do
projeto.
projeto.3 A autoria indevida é uma forma de fraude
3
Observando-se os artigos científicos publi-
muito difundida. Muitas vezes pessoas são incluí-
cados em periódicos, tanto nacionais quanto es-
das como autores sem que tenham tido nenhuma
trangeiros, nota-se um número grande de auto-
participação na pesquisa. A autoria pressupõe res-
res (autor e coautores). O número de colaborado-
ponsabilidade intelectual pela pesquisa. Os auto-
res, por artigo, vem crescendo nos últimos anos.
res são solidariamente responsáveis pela sua pro-
“É mais prudente acreditar que a inflação da
dução científica assumida publicamente por inter-
coautoria seja explicada pelo fortalecimento do
médio da divulgação de resultados. A autoria
trabalho de equipe, do que por outros motivos
indevida ou fraudulenta pode levar a situações ex-
como, por exemplo, para hipervalorização dos
tremamente desagradáveis como a de ter que re-
serviços... ou mesmo para citação contínua do
tratar publicações.7
As atividades científicas, assim como todas
chefe de um serviço”.7
“É necessário entender que a inclusão como
as demais, não estão imunes a situações desones-
coautor de um artigo pressupõe envolvimento im-
tas. A fraude pode ocorrer em várias etapas da pes-
portante na sua realização, conhecimento de seu
quisa, desde o planejamento, execução até, princi-
conteúdo e participação na sua redação. Por ou-
palmente, na sua divulgação. As diferentes formas
tras palavras, o coautor é corresponsável pelo tra-
de fraude em pesquisa envolvem a autoria
balho e responde por ele”.7
indevida, a não citação de fontes, a coleta inade-
Não existe nenhuma indicação universalmente aceita e utilizada sobre a ordem de citação
quada, o tratamento de dados feito de forma incorreta.8
dos autores. A maneira mais tradicional propõe
Outra forma de fraude em ciência é o plá-
que o primeiro autor citado é o responsável pela
gio de dados ou informações. Considera-se plágio
obra, enquanto que o último seria o orientador do
quando uma pessoa se apropria e utiliza-se de da-
trabalho como um todo. Essas regras, contudo, têm
dos ou informações de outro pesquisador, sem atri-
sido alteradas. Muitos autores, com tradição em
buir-lhe a autoria. O plágio pode ser sutil ou gros-
pesquisa, cedem o seu lugar para assistentes e bol-
seiro. O mais comum é a utilização de materiais já
sistas, com o objetivo de que estes possam tornar-
publicados por outros autores, sem citar a fonte.
se mais conhecidos e sentirem-se mais comprome-
Um dos plágios mais condenáveis é o realizado por
tidos com o projeto.
uma pessoa ao ser revisor de artigos para periódi-
3
A coautoria deve ser dada apenas àqueles
cos científicos. O revisor tem acesso privilegiado
que contribuíram intelectual e cientificamente, de
aos dados e informações, antes de sua publicação
maneira significativa, na execução do trabalho.
e divulgação para a comunidade científica. Esse
Todos os autores devem participar na redação e
tipo de acesso já possibilitou inúmeras situações
editoração do manuscrito, receber cópia do manus-
condenáveis de apropriação indevida.8
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ÉTICA EM PESQUISA CLÍNICA COM SERES HUMANOS – ARTIGO DE REVISÃO
OBJETO DA PESQUISA (SUJEITO)
Os princípios básicos da bioética são: a
não-maleficência, a beneficência (riscos e benefícios), a justiça e, sobretudo, a autonomia (autodeterminação), respeitando-se o sigilo, a privacidade, a autoestima.10
Segundo a Resolução n.º 196/96, merecem
destaque os seguintes pontos: o respeito devido à
dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por
seus representantes legais manifestem a sua
anuência à participação na pesquisa; o sujeito da
pesquisa tem de ser esclarecido da liberdade de se
recusar a participar ou retirar seu consentimento,
em qualquer fase da pesquisa, sem penalização
alguma e sem prejuízo ao seu cuidado e toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um comitê de ética em pesquisa (CEP).10
Cabe ao pesquisador apresentar o protocolo, devidamente instruído ao CEP, aguardando o
pronunciamento deste, antes de se iniciar uma
pesquisa.10
O consentimento informado obtido de forma correta e legítima fundamenta o ato médico ou
de pesquisa como justo e unicamente correto.11 A
liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao
seu cuidado,10 é um fato que deve ser claramente
exposto e pontuado no consentimento informado.
No interesse de consolidar o uso e a prática
do consentimento informado no Brasil, seria conveniente uma revitalização da classe médica nas
novas dimensões éticas da profissão levantadas nas
últimas décadas. Do mesmo modo, a adequada
preparação e funcionamento das comissões de ética, comitês de ética hospitalar ou comitês de
bioética e comitês de ética na pesquisa com seres
humanos – a denominação desses organismos não
é o mais importante – contribuiria eficazmente no
aprimoramento dessa e de outras práticas e atitudes que enobrecem o exercício da Medicina e
94
prestigiam a saúde de uma nação.11 O fundamental é reconhecer que as pessoas sempre possuem
dignidade, independentemente de sua idade ou capacidade, merecendo, dessa forma, todo o nosso
respeito e cuidado para com as informações a elas
pertinentes.9
É comum obtermos do prontuário os elementos necessários à pesquisa, nesses casos vale
ressaltar que: os documentos com as informações
obtidas com ou sobre o paciente são armazenados
no prontuário; o prontuário é um arquivo, em papel ou informatizado, cuja finalidade é facilitar a
manutenção e o acesso às informações que os pacientes fornecem, durante o atendimento, seja em
uma área de internação ou ambulatorial, bem como
os resultados de exames e procedimentos realizados com finalidade diagnóstica ou de tratamento;
o prontuário é de propriedade do paciente. O hospital ou outra instituição de saúde detém a guarda
destes documentos visando preservar o histórico
de atendimento de cada paciente.9
Para as atividades de pesquisa, como já dito,
o pesquisador somente pode acessar o prontuário
após ter elaborado um projeto e ele ter sido aprovado pelo comitê de ética em pesquisa.
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre
(RS) foi baixada uma norma específica sobre este
tema, que obriga os pesquisadores a assinarem um
termo de compromisso para uso de dados. Este documento formaliza o dever de preservar os dados
e o anonimato dos pacientes estudados – este procedimento foi adotado, posteriormente, em outras
instituições.9
CONCLUSÃO
Atualmente a deontologia médica não é
mais um assunto que diz respeito somente à profissão médica e sim um interesse da sociedade, já
que a saúde das pessoas tem se tornado uma preocupação de cunho social. Parafraseando França:
“além da questão técnica do que se pode fazer,
surge a questão ética do que se deve fazer”.12 A
antiga concepção de que o médico sabe o que é
melhor para o paciente vem sendo posta à prova e
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008
ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM
o paciente deseja saber o que e o porquê de tudo
que nele é feito. Nesse contexto, é importante que
saibamos agir sempre de acordo com os preceitos
éticos vigentes e estarmos atentos às constantes
transformações na sociedade que também imprimem mudanças, ao longo dos anos, na conduta
ética dos profissionais médicos, principalmente no
que diz respeito aos sujeitos de uma pesquisa.
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CRISTIANO PAIVA, LUÍS SABINO, RODRIGO KREBS, RENATO ALBUQUERQUE, MARILISE KATSURAYAMA, CASSIO ANDREONI, VALDEMAR ORTIZ
AN
GIOMIOLIPOMA REN
AL C
OM TR
OMB
O TUMORAL
ANGIOMIOLIPOMA
RENAL
COM
TROMB
OMBO
ASO
EM VEIA C
AVA INFERIOR: REL
AT O DE C
CA
RELA
CASO
RENAL ANGIOMYOLIPOMA WITH INFERIOR VENA CAVA TUMOUR THROMBUS: CASE REPORT
Cristiano Silveira Paiva*, Luís Alexandre Sabino**, Rodrigo Krebs***, Renato Sant’Ana de Albuquerque****,
Marilise Katsurayama*****, Cassio Andreoni******, Valdemar Ortiz*******
RESUMO: O angiomiolipoma renal é um tumor mesenquimal benigno raro, constituído por tecido adiposo,
vasos sanguíneos e células musculares que ocorre em apenas 0,3% da população geral e 40-80% dos pacientes
com síndrome de esclerose tuberosa. Representa somente 2 a 6,4% de todos os tumores de rim, com nítida predominância no sexo feminino. Raros casos de angiomiolipoma envolvendo a veia renal ou veia cava inferior foram
descritos. Relatamos um caso de angiomiolipoma com extensão para veia cava inferior, comportamento característico do carcinoma de células renais.
Palavras-chave: Rim, angiomiolipoma, veia cava inferior, trombo.
ABSTRACT: The renal angiomyolipoma is an uncommum benign mesenchymal tumor containing fatty tissue,
blood vessels and muscular cells, that occurs in up 0,3% of the general population and in 40-80% patients with the
tuberous sclerosis syndrome. It represents only 2 to 6,4 % of all kidney tumors, with a typical female predominance.
Rare cases of angiomyolipoma involving the renal vein or inferior vena cava have been found. We report a case of
angiomyolipoma extending into the inferior vena cava, a characteristic behavior of renal cell carcinoma.
Keywords: Kidney, angiomyolipoma, inferior vena cava, thrombus.
INTRODUÇÃO
Usualmente o angiomiolipoma (AML) é um
tumor renal de evolução benigna e lenta taxa de
crescimento, composto por diferentes proporções
de tecido muscular, adiposo e vasos sanguíneos.13
Representa apenas 2 a 6,4% de todos os tumores
renais, sua incidência variada de aproximadamente
0,3% na população geral e de 40-80% nos portadores de Síndrome da Esclerose Tuberosa (SET), com
nítida predominância no sexo feminino (relação
4:1) e ocorre geralmente entre a 5.ª e 6.ª décadas da
vida.1,4
Casos com envolvimento de veia cava inferior (VCI) por trombo são raramente descritos.1,3
Relatamos um caso de AML no rim direito com
trombo tumoral invadindo a veia cava inferior que
foi removido cirurgicamente com sucesso.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 43 anos, encaminhada à nossa instituição após diagnóstico de
massa renal à direita compatível com AML; queixando-se de dor em flanco direito havia dois anos
com piora do quadro fazia duas semanas. A paci-
Doutor em Urologia pela Escola Paulista de Medicina – EPM Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Ex-fellowship em Laparoscopia e Endourologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
***
Fellowship em Laparoscopia e Endourologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
****
Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – Ufam.
*****
Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – Ufam.
******
Professor doutor e chefe do Serviço de Laparoscopia e Cirurgia Minimamente Invasiva da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
*******
Professor titular da disciplina de Urologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
*
**
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ANGIOMIOLIPOMA RENAL COM TROMBO TUMORAL EM VEIA CAVA INFERIOR: RELATO DE CASO
ente não possuía antecedentes de doenças neurológicas, nem história pregressa ou familiar de SET.
Os exames físicos e laboratoriais eram normais. A
ultrassonografia (US) de abdome revelou massa
sólida, volumosa e hiperecogênica em rim direito,
sugestiva de AML. A tomografia computadorizada (TC) de abdome confirmou a hipótese de AML,
em função da presença de uma massa (5 x 6 x 4,5
cm) na porção central do rim direito com grande
quantidade de tecido gorduroso (- 65 HU), além
de um de trombo com as mesmas características
na VCI (Figura 1), não aderido à parede vascular
conforme evidenciou o color duplex.
A paciente foi submetida à nefrectomia radical direita e cavotomia com remoção completa
do trombo tumoral por acesso transperitoneal, a
qual ocorreu sem complicações. A paciente evoluiu sem intercorrências, recebendo alta hospitalar no 4.º dia pós-operatório.
No exame macroscópico do rim direito, foram confirmados os achados tomográficos (Figura
2). A análise histopatológica confirmou o diagnóstico de AML com ausência de atipias, componente
epitelióde perivascular ou comprometimento dos
linfonodos hilares (Figura 3). Após 24 meses da cirurgia, a paciente encontrava-se assintomática e
sem evidências de recorrência da lesão.
DISCUSSÃO
O AML é associado com carcinoma de células renais (CCR) em 2% da população em geral e
em 26% de pacientes com SET. 4 Antes do
surgimento do US, aproximadamente 25% apresentavam-se com surgimento de dor súbita abdominal ou em flanco em razão da ruptura espontânea do tumor e hemorragia subsequente. Sintomas
foram relatados em 68 a 80% dos pacientes com
tumor de até 4 cm ou maiores; destes, 20% estavam em choque hipovolêmico em sua apresentação inicial.5 Apesar de sua natureza benigna, o
AML pode invadir o tecido perirrenal, linfonodos,
veia renal e veia cava por crescimento agressivo.4
Envolvimento da veia renal e VCI são raramente
reportados na literatura.
98
Se possível, a nefrectomia parcial com a máxima preservação do tecido renal é recomendada
em tumores sintomáticos menores que 4 cm.3,4
Além do mais, este procedimento é realizado em
tumores medindo mais que 4 cm e possuindo um
risco de ruptura espontânea com possível hemorragia fatal.4
Na revisão de literatura foram encontrados
27 casos de AML com extensão para VCI, incluindo este caso. Desses, 22 (81,4%) eram mulheres, 4
(14,8%) eram homens, e em um caso o sexo não foi
mencionado. A idade variou de 16 a 75 anos com
média de 46,03 anos e a associação com SET foi
encontrada em 4 casos (14,8%). Vinte pacientes
(74%) apresentaram algum sintoma, onde a dor em
flanco foi a mais frequente (44,4%).
Em relação às características do tumor, o diâmetro médio foi de 9,2 cm, o lado direito foi o
mais acometido e a posição central da massa foi a
mais comumente observada. A extensão vascular
do trombo foi evidenciada na veia renal, VCI infra
e supradiafragmática em 2 (7,4%), 23 (85,2%) e 2
(7,4%) casos, respectivamente.3
A combinação de US e TC foi a mais usada
no diagnóstico. A TC detectou o trombo tumoral
comprometendo a VCI em todos os casos pelo fato
de o seu coeficiente de atenuação ser semelhante
ao da massa renal (- 48 HU pré-contraste e 20 HU
pós-contraste), indicando a natureza da lesão.3,6
A nefrectomia por acesso transperitoneal ou
lombotomia associada à cavotomia e retirada do
trombo foi o tratamento escolhido em 24 pacientes (88,8%), não sendo relatadas complicações ou
óbitos durante o procedimento.3
Dois pacientes que possuíam SET com lesões múltiplas e bilaterais e um paciente cujo estado clínico impossibilitava a cirurgia (11,1%) foram
somente acompanhados. Controle realizado (US e/
ou TC) de seis meses a dois anos, após o diagnóstico, não apresentou alterações no tamanho ou extensão do trombo tumoral indicando que essa conduta pode ser utilizada em casos selecionados.3
A escolha do procedimento cirúrgico dependeu das categorias baseadas na extensão
cefálica do trombo tumoral. Tradicionalmente no
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CRISTIANO PAIVA, LUÍS SABINO, RODRIGO KREBS, RENATO ALBUQUERQUE, MARILISE KATSURAYAMA, CASSIO ANDREONI, VALDEMAR ORTIZ
trombo supra-hepático (nível IV) o bypass
cardiopulmonar é usado, em trombos infra-hepáticos (níveis I, II e III) e a cirurgia é realizada sem
bypass por acesso abdominal. Neste caso (nível II),
o procedimento foi realizado por incisão de
Chevron com isolamento abaixo da VCI, junção
cavoatrial, VCI infrarrenal e a veia renal
contralateral. O trombo tumoral foi removido completamente por meio de cavotomia longitudinal.
A manobra de Pringle foi usada para reduzir o
sangramento das veias hepáticas. A VCI foi fechada com sutura contínua. As complicações mais
importantes deste tipo de cirurgia são sangramento
maciço e tromboembolismo pulmonar, ambos evitados com as manobras mencionadas.
Nenhuma alteração no tumor ou trombo foi
detectada na TC ou US realizadas no controle de 6
meses após 2 anos do diagnóstico, indicando que
esse tipo de tratamento pode ser realizado em casos específicos.4 A média do diâmetro dos tumores nessa revisão foi de 9,2 cm, sendo o lado direito o mais afetado.3 Tamanhos maiores (acima de 9
cm), localização central e do lado direito do tumor
mostraram-se ser fatores contribuintes de AML
envolvendo veia renal ou VCI.4
Concluímos que a presença de envolvimento venoso por trombo em decorrência de um AML
é rara e normalmente não ultrapassa o nível do
diafragma. Ocorrendo mais frequentemente em
mulheres na 5.a década de vida e deve ser considerada nos tumores maiores que 9 cm. Apenas 15%
dos casos estão associados à SET, sendo a
nefrectomia com trombectomia o tratamento mais
indicado.
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:
Contato: Dr. Cristiano Silveira Paiva, Rua
Paraíba, 1.501/302 – Adrianópolis, 69057-020
Manaus-AM,
E-mail: [email protected],
Tels.: 3642-6477/ 8114-0160
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CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL,
ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS
NÓDUL
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O SUBMETIDO À CIÓDULO
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G ÃO – REL
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RELA
CASO E REVISÃ
O DE LITERA
TURA
REVISÃO
LITERATURA
MALIGN TESTICULAR NODULE UNDERWENT TO ORGAN´S PRESERVATIVE SURGERY: CASE REPORT
AND LITERATURE REVIEW
Cristiano Paiva*, Marilise Katsurayama**, Renato Albuquerque**, Jonas Menezes***, André Mancini***, Walid Khalil*,
Ítalo Cortez****, Petrus Oliva*****, Giussepe Figlioulo******, Edson Sarkis*******
RESUMO: O câncer de testículo representa a malignidade de maior frequência em homens jovens, sendo os tumores
de células germinativas os mais comuns. O tratamento padrão para o câncer testicular ainda é a orquiectomia
radical, resultando em infertilidade e dependência de substituição androgência por toda a vida, além do estresse
psicológico em função da castração numa idade jovem. Nesses casos, a cirurgia conservadora de órgão vem sendo
descrita por vários grupos com a finalidade de evitar tais complicações, sendo realizada em diversos centros
renomados. Relatamos um caso de seminoma clássico submetido à Cirurgia Preservadora de Órgão.
Palavras-chave: Câncer de testículo, orquiectomia radical, seminoma, Cirurgia Preservadora de Órgão.
ABSTRACT: Testis cancer represents the higher frequency of malignancy in young men, and the germ cell tumors
of the most common. The standard treatment for testicular cancer is still the radical orchiectomy, resulting in
infertility and dependence on androgen replacement for life, in addition to the psychological stress due to castration
at a young age. In these cases, the organ’s conservative surgery has been described by several groups in order to
avoid such complications, being held in various renowned centers. We report a case of classic seminoma submitted
to Organ’s Preservative Surgery.
Keywords: testis cancer, radical orchiectomy, seminoma, Organ’s Preservative Surgery
INTRODUÇÃO
Embora represente apenas 1% de todos os
cânceres masculinos, o câncer de testículo (CaT)
continua ser a malignidade mais comum na população masculina entre 15 a 35 anos e sua incidência aumentou de 3,7/100.000 homens em 1975 para
5,4/100.000 em 2001, de acordo com a revisão recente do National Cancer Institutte Seer. 1,2 Os tumores de células germinativas são os mais comuns,
representando 90 a 95% dos casos. A apresentação bilateral é encontrada em 2 a 3% dos casos
diagnosticados de CaT. 3 Avanços terapêuticos
têm resultado na melhora da sobrevida de 83%
em 1970 para 96% no século 21.4
A maioria dos pacientes com CaT (61-78%)
tem doença no estágio clínico I (neoplasia confinada ao testículo) com marcadores normais após
orquiectomia, estes estarão livres de doença em
100% dos casos após cinco anos de seguimento.5,6
Cerca de metade dos pacientes são diagnosticados
com histologia de tumores seminomatosos e a outra metade pelos não-seminomatosos.7
O CaT frequentemente se apresenta como
um aumento do volume testicular ocasionado por
uma massa sólida, endurecida e indolor ou é des-
* Doutor em urologia pela Escola Paulista de Medicina – EPM/Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
** Acadêmicos de Medicina da Ufam
***Residentes de Urologia do HUGV
****Mestre em Urologia – Hospital das Clínicas/FMUSP
*****Pós-graduando (Doutorando) pela Escola Paulista de Medicina – EPM/Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
******Professor da Disciplina de Urologia da Universidade Estadual do Amazonas
*******Professor Titular de Urologia da Universidade Federal do amazonas
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NÓDULO TESTICULAR MALIGNO SUBMETIDO Ã PRESERVADORA DE ÓRGÃO – RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA
coberto de forma incidental em um exame de ultrassonografia escrotal realizada para diagnóstico
de varicocele e/ou orquialgia. A ultrassonografia
de alta resolução e a ressonância magnética de
bolsa testicular podem detectar pequenas massas
sólidas intratesticulares; no entanto, essas lesões
não podem ser distinguidas de forma segura quanto
à sua natureza maligna ou benigna.8,9,10
A orquiectomia radical ainda é o tratamento padrão recomendado para o tratamento do CaT.
Nos casos de CaT bilateral, a orquiectomia radical
leva a um impacto negativo na qualidade de vida,
pois resulta em infertilidade e dependência de
substituição androgênica por toda a vida, além do
estresse psicológico em decorrência da castração
numa idade jovem, sendo este último considerado a maior complicação a longo prazo. Nesses casos, a cirurgia conservadora de órgãos vem sendo
descrita por vários grupos com a finalidade de evitar tais complicações.3,11
RELATO DO CASO
Paciente E.O.F., 17 anos, com quadro de dor
testicular esquerda, havia 9 meses que evoluiu com
piora da dor, acompanhada por disúria e irradiação para o testículo direito, sem outros sintomas.
Ao exame físico, apresentava testículos tópicos, de
volume normal, fibroelásticos, de superfície lisa e
indolor. Marcadores tumorias alfafeto proteína,
beta-HCG e DHL normais. Realizada ultrassonografia de bolsa testicular com doppler que revelou
varicocele grau I à esquerda e imagem de aspecto
nodular heterogênea com pequenos focos de
calcificações de permeio, medindo 0,4 x 0,4 cm,
localizada em topografia do polo inferior do testículo direito. Diante da possibilidade de neoplasia
testicular foi realizada orquiectomia parcial direita com o uso de microscópio cirúrgico
(magnificação de 10 vezes). O acesso cirúrgico foi
realizado por meio de inguinotomia direita com
isolamento do funículo espermático e do testículo,
seguido de controle vascular do cordão
espermático (Figuras 1A e 1B). O testículo direito
foi submetido a congelamento por 10 minutos e
em seguida foi realizada enucleação microcirúrgica
do nódulo testicular com margens livres à congelação transoperatória (Figuras 2A e 2B). Reconstrução do testículo remanescente com
orquidopexia e fechamento das incisões cirúrgicas
escrotal e inguinal (Figuras 3A e 3B). A análise
anatomopatológica demonstrou um nódulo testicular medindo 0,5 x 0,5 x 0,4 cm, composto por
seminoma clássico e margens cirúrgicas livres.
Após o 30.º DPO, os marcadores tumorais permaneceram normais e a tomografia de abdome não
demonstrou linfonodomegalia retroperitoneal; o
paciente foi então encaminhado para radioterapia
para complementação de tratamento.
DISCUSSÃO
Tumores testiculares de células germinativas representam a maior frequência de tumores sólidos em homens jovens. De acordo com os registros regionais de câncer na Europa, cerca de 90%
dos pacientes apresentam doença em estágio inicial (TNM estágios I-IIB).5,6 Em um estudo realizado com 338 casos de CaT tratados no seu serviço,
Cooper e colaboradores verificaram que destes 161
pacientes (48,8% da amostra) eram portadores de
seminoma, o mesmo tipo histológico encontrado
no paciente deste relato.12
O tratamento padrão para o câncer testicular com testículo contralateral normal é a
orquiectomia por acesso inguinal, a qual permite
um diagnóstico histopatológico preciso.7 Lesões
intratesticulares representam um problema clínico especial. O diagnóstico exato raramente pode
ser feito pelas técnicas de imagem já descritas, fazendo-se necessária a análise histopatológica para
confirmação diagnóstica. Nos casos de lesões benignas, no entanto, a orquiectomia radical passa a
ser um tratamento agressivo e, pelo menos em lesões intratesticulares, todo esforço deve ser feito
para se realizar uma cirurgia conservadora de órgão.13 A técnica original da cirurgia preservadora
de órgão foi publicada em 1995 por Weissbach,
sendo então executada em pacientes portadores de
tumor maligno em testículo único e que se encai-
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CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL,
ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS
xam nos critérios propostos pela Associação
Europeia de Urologia descritos no quadro a seguir. 14,15
Indicações para cirurgia preservadora de órgãos15
Testículo único;
Lesão com volume < 2 cm ou ~30% do volume testicular;
Radioterapia adjuvante do parênquima testicular remanescente com 20 Gy;
senta uma modalidade inovadora de tratamento do
CaT com vantagens endócrinas, psicológicas e de
fertilidade para os pacientes. Aliado a esses fatores,
a qualidade de vida tem se tornado cada vez mais
importante para o paciente e para o médico.3,17
A orquiectomia parcial, portanto, é possível de ser realizada em pacientes selecionados com
diagnóstico de CaT, porém a radioterapia pós-operatória é necessária para minimizar a recorrência
local, sem prejuízo da produção endócrina do testículo que permanece normal em 85% dos casos.
Valores pré-operatórios da testosterona sérica normais;
Conhecimento do paciente e do urologista sobre os riscos e benefícios desta conduta;
Conhecimento do paciente e do urologista sobre a necessidade de acompanhamento posterior do paciente;
Experiência do urologista com esta técnica.
A ressecção tumoral não segue os princípios da cirurgia radical, o que leva a dúvidas pelo
fato de o testículo não ser um órgão vital. As maiores preocupações convergem para a recidiva local, doença residual multifocal, metástase sistêmica
e extravasamento regional de células tumorais, preocupações que podem ser evitadas por cuidados
técnicos especiais. O cirurgião deve estar familiarizado com os princípios oncológicos da cirurgia
de CaT e ter um conhecimento profundo da anatomia vascular do testículo e conceitos básicos de
microcirurgia. O controle vascular prévio do cordão espermático e um cauteloso isolamento e
ressecção do tumor previnem de forma efetiva a
disseminação sistêmica e extravasamento regional
de células tumorais. Segundo Miller (1990), a
recorrência local pode ser prevenida efetivamente
com a radioterapia adjuvante no pós-operatório
sobre o tecido testicular remanescente numa dose
padrão de 18 Gy. Esta complementação se faz necessária baseada no fato de que esses tumores são
radiossensíveis e podem estar associados à
neoplasia intratubular (TIN), além da multifocalidade.16
Recentemente, alguns trabalhos demonstram que a cirurgia conservadora de órgão repre-
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FIGURAS
1A
Figuras 1 A: Isolamento e controle vascular do funículo espermático
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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1B
1 B: Exposição e fixação do testículo
CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL,
ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS
2A
2B
Figuras 2A e 2B: Dissecção microcirúrgica do polo inferior do testículo.
3A
3B
Figuras 3A e 3B: Reconstrução do testículo remanescente com orquidopexia e fechamento das incisões cirúrgicas escrotal
e inguinal.
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FERNANDO LUIZ WESTPHAL, LUIZ LIMA, MARIA DUARTE, JOSÉ NETTO, MÁRCIA SILVA, DIEGO CARVALHO, JOÃO GENU
LESÃ
O DE TRA
QUEIA MEDIAS
TIN
AL POR ARMA DE
LESÃO
TRAQUEIA
MEDIASTIN
TINAL
FOGO: REL
ATO DE C
ASO
RELA
CASO
MEDIASTINAL TRACHEA INJURY BY FIREARM: CASE REPORT
Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima**, Maria Socorro Cardoso Duarte***, José Corrêa Lima Netto****, Márcia dos
Santos da Silva*****, Diego Monteiro de Carvalho******, João Marcelo Rodrigues Genu*******
RESUMO: O trauma é uma das principais causas de morte e invalidez no mundo, no qual o acometimento
torácico no paciente politraumatizado determina 20% dos óbitos. Dentre os traumatismos torácicos, a lesão da
árvore traqueobrônquica é rara, com incidência entre 0,3 e 1%. É relatado um caso de ferimento cervical por arma
de fogo na junção cérvico-torácica, transfixante em mediastino, com lesão traqueal. O paciente foi estabilizado e
subsequentemente submetido à cervicotomia em colar, traqueorrafia e drenagem pleural bilateral. A evolução foi
satisfatória com acompanhamento em Centro de Terapia Intensiva e alta em bom estado geral.
Palavras-chaves: Traumatismo torácico; ferimento mediastinal; lesão traqueobrônquica; cervicotomia.
ABSTRACT: Trauma is one of the main causes of death and disability in the world and the chest involvement
determine about 20% of deaths. In this context, the association between chest trauma and injury of the
tracheobronchial tree is rare, with incidence between 0.3 and 1%. It reported a case of cervical transfix injury by
firearm in mediastinum with tracheal injury. The patient was stabilized and subsequently submitted to cervicotomy,
tracheorhaphy and bilateral pleural drainage. The final result was satisfactory under monitoring in the Intensive
Care Center and discharge in good condition.
Keywords: Thoracic trauma; mediastinal injury; tracheobronchial injury; cervicotomy.
INTRODUÇÃO
Atualmente, o trauma figura como um dos
principais responsáveis por morte e invalidez no
mundo, em especial na população jovem, sendo a
terceira maior causa de óbito nos EUA e a primeira quando se considera a idade abaixo dos 40
anos.1,2
O acometimento do tórax no paciente
politraumatizado chega a determinar 20% das
mortes por trauma e mais de 30% de todos os
tipos de lesão. Cerca de um terço dos pacientes
com lesões graves no tórax morre antes de chegar ao hospital, enquanto outros 20% morrem
tardiamente por complicações pleuro-pulmonares.1,2,3,4
É sempre importante definir as características do mecanismo traumático. Nas lesões produzidas por arma de fogo, os projéteis de massa
elevada e alta velocidade produzem grande li-
*
Doutor em Medicina. Professor-adjunto da Disciplina de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Amazonas – Ufam – e da Universidade do Estado do Amazonas – UEA
– Manaus (AM) Brasil.
**
Doutor em Medicina. Cirurgião torácico do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV – Manaus (AM), Brasil.
***
Doutora em Medicina. Professora-adjunta da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Amazonas – Ufam – Manaus (AM), Brasil.
****
Especialista em Cirurgia Torácica. Médico assistencial no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV – Manaus (AM), Brasil.
*****
Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – Ufam – Manaus (AM), Brasil.
******
Acadêmico de Medicina da Universidade do Estado do Amazonas – UEA – Manaus (AM), Brasil.
*******
Acadêmico de Medicina do Centro Universitário Nilton Lins – UNL – Manaus (AM), Brasil.
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LESÃO DE TRAQUEIA MEDIASTINAL POR ARMA DE FOGO: RELATO DE CASO
beração de energia cinética, a qual se dissipa nos
tecidos e produz sérios danos. Além do mecanismo, as consequências clínicas dependem do local
da lesão, da presença ou não de lesões associadas
e de doenças subjacentes. Essas informações são
úteis para caracterizar situações específicas e graves que podem estar presentes.5,6
O trauma torácico com lesão traqueobrônquica é raro e sua incidência mundial varia entre
0,3 a 1%.7 O objetivo deste relato é apresentar um
caso de ferimento transfixante de mediastino com
lesão traqueal.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, de 35 anos,
trazido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – Samu ao Hospital Pronto-Socorro 28 de
Agosto, Manaus-AM, consciente, referindo
dispneia, dor cervical e torácica. Ao exame físico,
foram verificados ferimentos por projétil de arma
de fogo (FAF), com orifícios de entrada em região
lateral esquerda da zona I do pescoço (Figura 1),
escapular direita, lombar esquerda, antebraço
distal esquerdo, sem orifícios de saída. Apresentava-se hipocorado (+/4+), sudoreico, com
hemoptise, abdome doloroso à palpação e murmúrio vesicular diminuído à esquerda.
Como conduta imediata, foi realizada aspiração de vias aéreas superiores, administração
de O2 úmido, drenagem torácica fechada sob selo
d’água à esquerda com dreno n.º 32, reposição
de volume com Ringer Lactato (2.000 ml EV, além
dos 1.000 ml EV feitos em ambulância), sondagem vesical e tentativa de sondagem nasogástrica,
desencorajada após piora do quadro de insuficiência respiratória e aparecimento de enfisema subcutâneo cervical e facial. Feito ultrassom rápido
(Fast) de abdome e pericárdio, negativos para presença de líquido.
Paciente conduzido ao centro cirúrgico,
onde foi realizada intubação orotraqueal e
indicada cervicotomia em colar (Figura 2), sendo
encontrada lesão transfixante em terço médio de
traqueia, com orifício de entrada à esquerda e
saída à direita (Figuras 3a e 3b). Realizado
desbridamento da ferida, traqueorrafia com
Categut cromado 3, drenagem pleural bilateral e
laparotomia exploradora (sem presença de lesão
de órgãos abdominais), seguido de admissão no
Centro de Terapia Intensiva (CTI). Evoluiu sem
complicações, com retirada de drenos no 5.º dia
de pós-operatório, com alta no 17.º em bom estado geral.
DISCUSSÃO
A árvore traqueobrônquica possui topografia que anatomicamente lhe confere proteção natural anterior, posterior e lateralmente, pela mandíbula e esterno, pela coluna vertebral e pelas costelas, respectivamente. Dessa forma, a lesão da
traqueia ou do brônquio principal torna-se algo
incomum, mas potencialmente fatal que, frequentemente, não é notada ao exame inicial.7,8
A lesão da árvore traqueobrônquica possui múltiplas causas e, de acordo com o mecanismo do trauma, pode ser classificada em fechada
ou penetrante, sendo a segunda a mais prevalente
na traqueia cervical, em vista de sua maior exposição. Ferimentos por projéteis de arma de fogo,
arma branca, estrangulamentos, queimaduras,
cáusticas e iatrogênicas figuram entre as principais etiologias.7,8,9
As manifestações clínicas no trauma penetrante dependem do intervalo decorrido entre
o trauma e o diagnóstico, da localização e do tamanho da ferida, da integridade da pleura
mediastinal e dos tecidos adjacentes e das lesões
torácicas associadas.8,9,10 No trauma penetrante,
manifestações clínicas como estridor, alteração na
qualidade da voz, disfagia, taquidispneia,
hemoptise e a observação de ferida na topografia
da árvore respiratória podem gerar a suspeita da
lesão.8,11,12 No caso apresentado, além do quadro
de insuficiência respiratória, também foram observados enfisema subcutâneo e hemoptise.
A broncoscopia é o método diagnóstico de
escolha para lesões traqueobrônquicas. A
tomografia computadorizada (TC) e o raio X tam-
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FERNANDO LUIZ WESTPHAL, LUIZ LIMA, MARIA DUARTE, JOSÉ NETTO, MÁRCIA SILVA, DIEGO CARVALHO, JOÃO GENU
bém auxiliam na investigação, em especial na
A via de acesso para abordagem cirúrgica
ocorrência de pneumotórax, hemotórax, pneumo-
depende da localização da lesão e de outras que
mediastino, pneumopericárdio, fraturas de ossos
possam estar associadas, sendo individualizadas
do tórax e enfisema subcutâneo, comumente as-
para cada paciente. A incisão cervical permite, além
sociados nesse tipo de lesão. Neste paciente, o
de uma boa visualização da traqueia, manipula-
diagnóstico e a indicação cirúrgica foram clíni-
ção das lesões associadas com menor morbidade
cos, pois não havia material necessário para rea-
que a abordagem torácica, sendo a incisão em co-
lizar broncoscopia nem tampouco a TC.
lar, utilizada neste caso, a mais comumente reali-
13
paciente
zada, a incisão transversa é alternativa e ambas
traumatizado segue o protocolo proposto pelo
podem ser ampliadas longitudinalmente ao
Advanced Trauma Life Support (ATLS), o qual
esterno para acesso de ferimentos na traqueia
sugere a sistematização do atendimento por meio
mediastinal em seu terço médio, carina e mesmo
do ABCDE. A manutenção das vias aéreas é prio-
brônquios. A toracotomia posterolateral direita,
ridade no atendimento inicial do paciente vítima
indicada em lesões de traqueia terminal, permite
de trauma. Quando necessário, deve-se realizar
acessá-la em toda sua extensão torácica, além do
laringoscopia direta com aspiração de secreções ou
brônquio principal direito e a porção proximal do
corpos estranhos e acesso definitivo às vias aéreas
brônquio principal esquerdo. O sucesso do reparo
por intermédio de intubação orotraqueal. O paci-
depende da tensão na linha de sutura e suprimen-
ente com lesão traqueobrônquica e sinais de insu-
to vascular da lesão, que devem ser observa-
ficiência respiratória deve ser intubado, quer seja
dos.7,8,11,12,15,16,17,18,19,20
A
abordagem
inicial
ao
para garantir vias aéreas pérvias ou para iniciar o
Na ocorrência de lesões associadas, é fundamental a identificação e tratamento precoces,
tratamento cirúrgico.9,12,14,15
Pacientes com trauma penetrante por arma
como no caso de pneumotórax, em que o procedi-
de fogo exigem uma avaliação cuidadosa de todas
mento preconizado é a drenagem intercostal em
as estruturas adjacentes, pois há danos teciduais
selo d’água. No trauma abdominal, toda lesão por
além das margens da lesão e maior número de
arma de fogo com violação da cavidade peritoneal
anéis traqueais lesados, gerando mais complica-
tem indicação de exploração cirúrgica, uma vez que
ções.11,16
em mais de 90% dos casos existe lesão intra-abdo-
Nos traumatismos que acometem a região
minal significativa.9,14
cervical, deve-se analisar o pescoço sob o ponto de
Embora seja um acontecimento raro, o trau-
vista ântero-posterior e crânio-caudal. Lesões pe-
ma associado à lesão traqueobrônquica, por seu
netrantes do triângulo anterior que ultrapassam o
alto nível de gravidade, exige do profissional mé-
músculo platisma têm maior probabilidade de
dico um alto índice de suspeição em via de melho-
comprometer órgãos e vasos aí localizados. Com
res resultados no atendimento à vítima.
base na localização em sentido crânio-caudal, o
Além da identificação precoce, da rotina do
pescoço é dividido em 3 zonas horizontais, sendo
Suporte Avançado de Vida no Trauma e de uma
as lesões da zona I (da clavícula à cartilagem
técnica cirúrgica adequada, o sucesso na evolução
cricoide) as que cursam com maior mortalidade e
desses casos sustenta-se no acompanhamento pós-
maior dificuldade de acesso; as da zona II (cartila-
operatório em Centro de Terapia Intensiva (CTI) e
gem cricoide ao ângulo da mandíbula), as mais
em acompanhamento ambulatorial da capacidade
comuns e de melhor prognóstico, e zona III (do
pulmonar e função respiratória.
ângulo da mandíbula à mastoide), sendo a menos
comum.11,16,17,18 As lesões da zona I podem alcançar o mediastino, como neste caso.
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LESÃO DE TRAQUEIA MEDIASTINAL POR ARMA DE FOGO: RELATO DE CASO
ANEXOS
Figura 1: Orificio de entrada do projétil de arma de fogo em
região lateral esquerda da zona I do pescoço
A
Figura 2: Cervicotomia em colar
B
Figura 3: Identificação dos orifícios de entrada (a) e saída (b), respectivamente
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Thoracic Surgery 2nd ed. Philadelphia: Churchill
Livingstone, 2002, 8: p. 120-138.
Trabalho realizado na Universidade Federal do
Amazonas – Ufam
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Fernando Luiz Westphal
Rua Apurinã, 4 – Praça 14 de Janeiro – 69010130
Manaus, AM – Brasil. Telefone: (92) 3621-6582
E-mail: [email protected]
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LUIZ LIMA, SILAS JÚNIOR, FAUSTO SANTOS, ÁLVARO SOEIRO, JAVIER PERDOMO, FERNANDO WESTPHAL, JOSÉ NETTO, INGRID LIMA
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CASO
LATER COMPLICATION AFTER BENTALL-DE BONO PROCEDURE: CASE REPORT
Luiz Carlos de Lima*, Silas Fernandes Avelar Júnior**, Fausto Vieira dos Santos**, Álvaro Bernardo Soeiro**, Javier Cruz
Perdomo**, Fernando Luiz Westphal***, José de Lima Netto****, Ingrid Loureiro de Queiroz Lima*****
RESUMO: Introdução: A cirurgia de Bentall-DeBono é um procedimento para substituição da valva aórtica em
casos de aneurisma na aorta ascendente com ectasia valvar aórtica. Embora seja considerada uma técnica com
bons resultados a longo prazo, algumas complicações podem surgir e, por esse motivo, ao longo dos anos algumas modificações surgiram tentando sanar possíveis complicações. Objetivo: Relatar uma complicação tardia da
cirurgia de Bentall-DeBonno. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 62 anos, apresentou quadro de tontura
e síncope repentino após pequena caminhada. Não apresenta comorbidades e, após realização de ecocardiografia
e tomografia de tórax, foi constatado dilatação da aorta ascendente e sinais de dissecção distal. Informa que, há 14
anos, submeteu-se a uma cirurgia de correção de aneurisma e troca de valva aórtica pela técnica de BentallDeBonno.
Palavras-chave: Reoperação, dissecção aórtica, aneurisma.
ABSTRACT: Introduction: Bentall-DeBono is a procedure for substitution of the aortic valve in cases of aneurism
of the ascending aorta with aortic valve ectasia. Although been considered a safe technique with good long-term
results, some complications may occur, and, as a result, some modifications were developed through the years
intending to solve complications may occure. Objective: To report a long-term complication of Bentall-DeBono’s
procedure. Case Report: Male, 62 years old, presented dizziness and sudden loss of conscience after short walk.
No co morbidities were associated and, 14 years before, he was summit to a cardiac surgery, with Bentall-DeBono’s
technique. After echocardiography and thoracic CT, an augmentation in the ascending aorta diameter and signs
of distal dissection were observed. Announced that, for 14 years, submitted to surgery for correction of an aneurysm
and aortic valve by the exchange of technical Bentall-DeBonno.
Keywords: Re-operation, aortic dissection, aneurism.
INTRODUÇÃO
Em 1968, Bentall e DeBono descreveram um
procedimento cirúrgico para substituição completa da valva aórtica em casos de aneurisma na aorta
ascendente com ectasia valvar aórtica. Em seu relato, a raiz da aorta proximal estava muito envol-
vida com o processo patológico. O anel da valva
aórtica estava muito dilatado e a parede extremamente fina abaixo do anel, tornando impossível
unir a parede aórtica acima das coronárias à prótese
aórtica, optando-se então, naquele momento,
suturar diretamente a prótese valvar ao tubo de
Teflon. Dois orifícios foram feitos no local dos
Doutor em Medicina, cirurgia cardíaca, Hospital Português Beneficente do Amazonas.
Especialista em cirurgia cardíaca, Hospital Português Beneficente do Amazonas.
***
Doutor em Medicina, cirurgia torácica, Hospital Português Beneficente do Amazonas.
****
Especialista em Cirurgia Torácica, Hospital Português Beneficente do Amazonas.
*****
Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas.
*
**
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113
COMPLICAÇÃO TARDIA DA CIRURGIA DE BENTALL-DEBONO: RELATO DE CASO
óstios coronarianos, os quais foram então
recanalizados, dessa vez por meio do lúmen do
tubo. A parede da aorta foi suturada próximo aos
orifícios no tubo de Teflon, reincorporando-se então os óstios coronários à nova aorta.1
Esse procedimento sofreu algumas modificações durante os anos, a maior parte destas relacionada à reimplantação da artéria coronária e a
realização da anastomose distal,2 podendo-se citar as modificações realizadas por Cabrol, 1981,3 o
procedimento de Piehler, 1984,4 e a técnica do botão coronariano de Carrel, 1980.5 O uso de condutos valvulados para aorta ascendente e valva
aórtica é hoje o método mais difundido de tratamento cirúrgico e técnica de escolha para diversas
condições patológicas, dentre elas dissecção da
aorta ascendente com insuficiência aórtica.2,6,7
Dentre as indicações mandatórias para a
cirurgia de substituição da aorta ascendente citamse condições de urgência, como a dissecção aguda
do segmento ascendente da aorta e patologias associadas, ruptura espontânea e hematoma
intramural, bem como a destruição do anel aórtico
por endocardite infecciosa. Outras indicações ditas eletivas são a dilatação aórtica na síndrome de
Marfan, dissecções crônicas e, uma causa em ascensão: aterosclerose severa na aorta ascendente.7
Mesmo sendo a técnica mais difundida no
mundo e considerado método de escolha para tratar doenças na aorta ascendente e patologias associadas, observam-se complicações clássicas descritas na literatura. Dentre as mais comuns encontram-se sangramento pós-operatório aumentado e
formação de pseudoaneurisma nas linhas de sutura. Procedimentos de Bentall modificados são em
geral mais seguros.8 A técnica de Cabrol facilita a
anastomose entre o óstio da coronária e o enxerto
por utilizar o enxerto vascular para reconstruir a
artéria coronária. Esta técnica possui rota redundante para circulação coronariana, mas apresenta
o risco de êmbolo na artéria coronária,9 bem como
o risco de dano na coronária esquerda, na circunflexa e oclusão destas artérias por tensão.8
As modificações à técnica clássica de Bentall
e DeBonno têm como objetivo evitar esssas com-
plicações e melhorar os resultados a curto e longo
prazos. Somando-se a isso, o aumento do uso de
conduto biológico como homoenxertos e
autoenxertos pulmonares aumentaram significativamente o número de substituições da raiz da
aorta. Consequentemente, um maior número de
pacientes necessitará de reoperação da raiz aórtica
com reaproximação da artéria coronária a um novo
conduto. Informações disponíveis sobre essas
reoperações e resultados clínicos são limitadas.10
Soma-se a isso, ainda, o grupo de pacientes
acometidos pela síndrome de Marfan, que possuem como maior manifestação cardiovascular doença da aorta ascendente proximal característica
de ectasia ânulo-aórtica, frequentemente complicado por dissecção aórtica, demonstrarem na literatura maior necessidade de reoperação por
reesternotomia por diversas razões, incluindo
pseudoaneurismas na anastomose aórtica distal ou
anastomose da artéria coronária, endocardite na
prótese valvar aórtica, trombose valvar e vazamento paravalvular.11
O objetivo deste trabalho é descrever uma
complicação a longo prazo da cirurgia de BentallDeBonno.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 62 anos, procurou pronto atendimento referindo sensação de
tontura e obnubilação, seguida de síncope. Possui
história pregressa de cirurgia de correção de
aneurisma de aorta ascendente pela técnica de
Bentall-DeBonno havia 15 anos.
Foi realizada tomografia computadorizada
da aorta e ecocardiograma trastorácico que mostraram sinais de aneurisma da aorta ascendente e
dissecção. Foi submetido a tratamento cirúrgico em
24 de julho de 2007, tendo sido encontrado envolvimento da parede do aneurisma na cirurgia anterior. Após abertura, foi encontrada deiscência total da anastomose distal da aorta ascendente e óstio
coronariano (Figura 1), dissecção do arco aórtico e
restrição da mobilidade da prótese metálica da
valva aórtica colocada anteriormente. O paciente
hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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LUIZ LIMA, SILAS JÚNIOR, FAUSTO SANTOS, ÁLVARO SOEIRO, JAVIER PERDOMO, FERNANDO WESTPHAL, JOSÉ NETTO, INGRID LIMA
não fazia uso de anticoagulante oral. Foi realizada
substituição da aorta ascendente por tubo valvado
de Dacron, reimplante dos óstios coronarianos e
substituição do hemi-arco (Figura 2). Paciente evoluiu bem no pós-operatório, recebendo alta hospitalar no décimo dia, estando sob acompanhamento ambulatorial atualmente.
DISCUSSÃO
A cirurgia de Bentall e suas variantes foram as técnicas de escolha para colocação de enxerto composto da aorta ascendente e valva aórtica
em uma variedade de condições patológicas,8 favorecendo-se em especial os pacientes com
síndrome de Marfan, que morriam prematuramente por ruptura aórtica causada tanto por ectasia
ânulo aórtica como por dissecção aórtica. Esses
pacientes puderam ser diagnosticados e tratados
com um procedimento que lhes trouxe qualidade
e expectativa de vida.12 Contudo, dada a complexidade dos casos de paciente que a ela se submetem, é preciso considerar a existência das complicações a longo prazo.
Conforme observado por Apaydin et al
(2002), em um estudo com 86 pacientes
no período de 1994 a 2001, houve mortalidade 6,9% (6 pacientes). Dentre os fatores de risco
para mortalidade a curto prazo foram descritos a
presença de calcificação e estenose da valva aórtica,
insuficiência renal e insuficiência cardíaca após a
operação. Fatores preditivos de morbidade incluem dissecção aguda, parada circulatória, transfusão de sangue e plasma fresco em mais que duas
unidades, tempo de pinçamento e circulação
extracorpórea (acima de 90 e 140 min) e procedimentos associados.8
No estudo de Raanani et al (2001), foram
observados no período de 1980 a 1999 um total de
31 pacientes submetidos à substituição da aorta ascendente que necessitaram de reoperação. Destes,
94% eram do sexo masculino, e o intervalo entre o
primeiro procedimento e a reoperação foi de 61±
41 meses. As indicações para reoperação foram falência da valva biológica em 17 (55%), endocardite
ativa da prótese valvar em 12 (39%) e falso
aneurisma em 2 (6%). A mortalidade operatória foi
de 3%.10
O paciente em questão neste relato desenvolveu deiscência total da anastomose distal e dissecção proximal do arco aórtico encontrado à exploração cirúrgica, com deiscência da anastomose
dos óstios coronarianos. A capa da parede do
aneurisma que envolvia o tubo de Dacron ®
reconstituído na cirurgia anterior é que mantinha
a integridade da aorta proximal.
De acordo com Tabayashi et al (1998), as
principais complicações da técnica clássica de
Bentall e DeBonno são sangramento da
anastomose, vazamento paravalvular e formação
aneurismática da parede aórtica. Em seu estudo,
20 pacientes foram submetidos à cirurgia clássica
de Bentall e, destes, 3 apresentaram compressão
do enxerto, dois apresentaram pseudoaneurisma
de óstio coronário e um, pseudoaneurisma em linha de sutura distal.
No estudo de Scafuri et al (2000), os autores
consideram o procedimento de Bentall e DeBonno
como de risco moderado com bons resultados.
Durante o período de 1991 a 1998, 44 pacientes submetidos à cirurgia de Bentall, quatro (9%) foram a
óbito, quatro apresentaram sangramento pós-operatório necessitando reoperação e, durante seguimento após dois anos, sete pacientes foram a óbito, dos quais três foram por falência cardíaca, um
por acidente vascular encefálico e os outros três,
morte súbita.
Na análise de Silva et al (2008), com 39 pacientes, os achados clínicos cirúrgicos demonstraram
a presença de aneurisma de aorta ascendente em
19 (48,5%) pacientes, ectasia ânulo-aórtica em 12
(31%), ectasia ânulo-aórtica associada à dissecção
tipo B em um (2,5%) doente, dissecção aguda da
aorta tipo A em quatro (10,5%) pacientes e dissecção tipo A associada a aneurisma da aorta descendente em dois (5%). Os mesmos autores relatam
ainda a evolução a longo prazo dos doentes operados. Dos 37 pacientes que sobreviveram, quatro
foram a óbito após um ano de cirurgia. Dois deles
por acidente vascular cerebral, o terceiro, dissec-
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COMPLICAÇÃO TARDIA DA CIRURGIA DE BENTALL-DEBONO: RELATO DE CASO
ção tipo B, e, ainda, um paciente apresentou formação aneurismática na aorta na porção tóracoabdominal; foi operado, mas por complicações renais foi a óbito 3 dias após a cirurgia.
Kouchoukos et al (1991) descreveram uma
série de 168 pacientes submetidos à cirurgia para
substituição da aorta ascendente e valva aórtica em
continuidade, sendo ectasia ânulo-aórtica a indicação mais comum para a cirurgia (84 pacientes).
Dentre 105 pacientes operados com a técnica clássica de Bentall, em um tempo médio de 47 meses,
nove desenvolveram pseudoaneurisma necessitando de reoperação, e cinco (56%) sobreviveram.
Num acompanhamento dos pacientes até oito anos,
nenhuma nova complicação ou presença de
pseudoaneurisma na linha de sutura foi observada.
Conforme descrito no estudo de David et al
(2004), a substituição da raiz aórtica tornou-se uma
operação comum e, consequentemente, o risco operatório diminuiu em locais com grande volume de
cirurgias. Entretanto, a reoperação da substituição
da raiz aórtica após uma primeira cirurgia permanece uma operação desafiadora. Nestas cirurgias
deve-se considerar não apenas o que deve ser feito para corrigir o problema na raiz da aorta e outras regiões do coração, mas também a condição
geral do paciente e habilidade de sustentar uma
grande cirurgia. A mortalidade em geral para
reoperação da substituição da raiz aórtica é descrita como sendo menor que 10% em séries
publicadas, mas certamente existe uma variação
na seleção dos pacientes.
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Figura 2: Correção cirúrgica com substituição do hemi-arco aórtico.
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