Revista HUGV 2008 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Revista HUGV 2008 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Fones: (092) 3621-6582/6519 Manaus - AM E-mail: [email protected] UFAM FUNDADORES Ricardo Torres Santana Jorge Alberto Mendonça LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA HUGV EDITOR-CHEFE Fernando Luiz Westphal Kathya Augusta Thomé Lopes Maria Augusta Bessa Rebelo Rosane Dias da Rosa Maria Lizete Guimarães Dabela LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV Aluísio Miranda Leão Àngela Delfina B. Garrido Antonio Carlos Duarte Cardoso Célia Regina Simoneti Barbalho Cláudio Chaves Clemencio Cezar Campos Cortez Dagmar Keisslich David Lopes Neto Domingos Sávio Nunes de Lima Edson Sarkis Gonçalves Ermerson Silva Eucides Batista da Silva Eurico Manoel Azevedo Cristina da Melo Rocha Fernando César Façanha Fonseca Fernando Luiz Westphal Gerson Suguyama Nakajima Ione Rodrigues Brum Ivan da Costa Tramujás Jacob Cohen João Bosco L. Botelho Julio Mario de Melo e Lima Kathya Augusta Thomé de Souza Lourivaldo Rodrigues de Souza Luís Carlos de Lima Luiz Carlos de Lima Ferreira Luiz Fernando Passos José Correa Lima Netto Maria Augusta Bessa Rebelo Maria do Socorro L. Cardoso Maria Fulgência Costa L. Bandeira Maria Lizete Guimarães Dabela Mariano Brasil Terrazas Neila Falcone Bonfim Nelson Abrahim Fraiji Nikeila Chacon de O. Conde Osvaldo Antônio Palhares Ricardo Torres Santana Rosana Cristina Pereira Parente Rosane Dias da Rosa Wilson Bulbol Zânia Regina Ferreira Pereira revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Copyright© 2008 Universidade Federal do Amazonas/HUGV REITOR DA UFAM Dr. Hidembergue Ordozgoith da Frota DIRETOR DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Dr. Raymison Monteiro de Souza PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL: EDUA DIRETOR DA EDUA Dr. Renan Freitas Pinto DIRETORA DA REVISTA Profª Dayse Enne Botelho REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA) Sergio Luiz Pereira CAPA TIRAGEM 300 EXEMPLARES FICHA CATALOGRÁFICA Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 6, n. 1-2 (2007) / Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2007. 82p. Semestral Título da revista em português inglês ISSN – 1677-9169 1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas. CDU 61(051) SUMÁRIO Editorial ....................................................................................................................................... 9 Fernando Luiz Westphal ARTIGOS ORIGINAIS 1. A medicina na Grécia ..................................................................................................................... 11 2. Medicina no século 19: as bases para uma nova medicina ............................................................... 19 3. História da medicina na Mesopotâmia .............................................................................................. 23 4. Manejo prático da ascite .................................................................................................................... 27 5. Prevalência dos sintomas nasais em pacientes com hanseníase acompanhados na Fundação Alfredo da Matta ................................................................................................................................... 33 6. Achados histopatológicos em glândulas tireoideas de necrópsias de adultos jovens habitantes da região amazônica ......................................................................................................................... 37 7. Alterações gasométricas durante lavado broncoalveolar em um serviço especializado de broncoscopia de manaus ...................................................................................................................... 43 8. Estudo experimental dos efeitos do óleo-resina de copaíba e do talco (silicato de magnésio hidratado) na pleura e parênquima pulmonar de ratos ....................................................................... 49 9. Refluxo laringofaríngeo: estudo prospectivo correlacionando achados à videolaringoscopia e endoscopia digestiva alta .............................................................................................................. 57 10. Prevenção de fatores causais de doenças osteomusculares em trabalhadores que exercem atividades na posição sentada ..................................................................................................... 63 11. Avaliação dos protocolos de higiene bucal nas unidades de terapia intensiva de hospitais públicos e privados ................................................................................................................................ 69 12. Refluxo laringofaríngeo: uma manifestação atípica da doença do refluxo gastroesofágico 81 clássica .................................................................................................................................................... 13. Rinossinusite crônica em pacientes com lúpus - eritematoso sistêmico ......................................... 85 REVISÃO DE LITERATURA 14. Ética em pesquisa clínica com seres humanos - Artigo de revisão ................................................. 91 RELATO DE CASO 15. Angiomiolipoma renal com trombo tumoral em veia cava inferior: Relato de caso ................... 97 16. Nódulo testicular maligno submetido à cirurgia preservadora de órgão – Relato de caso e Revisão de literatura .............................................................................................................................. 101 17. Lesão de traqueia mediastinal por arma de fogo: Relato de caso ................................................... 107 18. Complicação tardia da cirurgia de Bentall-Debono: Relato de caso .............................................. 113 6 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 CONTENTS Editorial................................................................................................................................................. 9 ORIGINAL ARTICLES 1. The medicine in greece................................................................................................................. 11 2. Medicine in century xix: The bases for a new medicine............................................................. 19 3. History of medicine in mesopotamia........................................................................................... 23 4. Management of practical ascites................................................................................................. 27 5. Prevalence of nasal symptoms in leprosy patients in follow-up at alfredo da matta foundation........................................................................................................................................ 33 6. Histopatological findigns in thyroid glands from autopsy of young adults from Amazonia 37 7. Gasometries alterations during bronchoalveolar lavage in especialized service of Manaus.. 43 8. Evaluation of the pleuropulmonary alterations after injection of copaiba oil and talc in the pleural space of mice – an experimental study............................................................................... 49 9. laringopharingeal reflux: Prospective study that compares videolayngoscopy and upper endoscopy finds............................................................................................................................... 57 10. Prevention of causal factors of musculoskeletal diseases in workers engaged in activities in the sitting position............................................................................................................................ 63 11. Evaluation of the protocols of oral hygiene in the intensive care units of public and private hospitals............................................................................................................................................ 69 12. Laryngopharyngeal reflux: An atypical manifestation of classic gastroesophageal reflux disease................................................................................................................................................ 81 13. Chronic rhinosinusitis in systemic lupus – erythematosus patients......................................... 85 LITERATURE REVIEW 14. ethics in clinical research with human beigns – revision article.............................................. 91 CASE REPORT 15. Renal angiomyolipoma with inferior vena cava tumour thrombus: Case report................... 97 16. Malign testicular nodule underwent to organ´s preservative surgery: case report and literature review............................................................................................................................... 101 17. Mediastinal trachea injury by firearm: Case report.................................................................. 107 18. Later complication after bentall-de bono procedure: Case report.......................................... revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 113 7 8 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 EDITORIAL A RevistaHUGV encontra-se em seu sétimo ano de existência e a partir do ano de 2007 nós conseguimos disponibilizá-la na Internet, no sítio da Universidade Federal do Amazonas, localizado no setor de Hospitais. Este importante passo fez com que todos os artigos publicados nesta Revista pudessem ser acessados na Internet, aumentando a visibilidade deste periódico. Sem dúvida, o estágio atual da Revista HUGV é considerado baixo em relação a periódicos que estão indexados na base de dados do Scielo e Medline, mas estamos indexados no ISSN. Devemos por obrigação estar permanentemente atentos, pois o conquistado pode ser facilmente perdido na ausência de trabalho focado e por desatenção. Devemos lembrar as causas para o desaparecimento das Revistas científicas, que muito provavelmente, envolve a interrupção da publicação, irregularidades na peridiocidade, má qualidade da produção publicada e ausência de artigos para serem publicados. A Coordenação de Ensino e Pesquisa editou através da Coordenação de Residência Médica a portaria que estimula o residente a publicar um artigo na RevistaHUGV como autor principal ou dois artigos como co-autores e, com isto ficar isento de apresentar a Monografia de conclusão do curso. Esta ação propiciou a apresentação de mais artigos ao Conselho Editorial ajudando a manutenção da Revista. Outra ação desenvolvida por esta Coordenação foi o Residente Publica, no qual um dos coordenadores realiza reuniões com os residentes ensinando-os os passos de confecção de um artigo científico, desde a pergunta ao qual se pretende responder, até a contextualização efetiva do trabalho. Um dos fatores importantes de inclusão e manutenção da RevistaHUGV na base de dados Qualis é a publicação de trabalhos científicos de produções realizadas em Programas de PósGraduações . Neste momento, faço um veemente apelo aos coordenadores dos programas de pósgraduação da Universidade Federal do Amazonas para que enviem seus trabalhos para a nossa Revista, pois sabemos da existência de diversos trabalhos de conclusão de Mestrado que ficam nas prateleiras das bibliotecas sem publicações, determinando uma diminuição na avaliação do Curso de Pós-Graduação pela CAPES. As metas a serem cumpridas por nossa RevistaHUGV são: 1. Manter a qualidade do conteúdo: o mérito científico de um jornal é a qualidade primária considerada na seleção para indexação. Aspectos como a originalidade dos artigos, sua importância e validade dentro do campo de conhecimento, são elementos chave para a aceitação de uma revista. 2. Qualidade do trabalho editorial: a revista deve mostrar características que contribuam para a objetividade, credibilidade e qualidade de seu conteúdo. 3. Qualidade da produção: aspectos como a qualidade da impressão, 4. Tipos de conteúdo: Diferentes tipos de jornais são avaliados para indexação no MEDLINE, tais como os que publicam pesquisas originais, observações clínicas, revisões, descrições de métodos, análises de aspectos éticos e filosóficos, etc. Um outro aspecto importante a ser ressaltado é o papel dos revisores, que não recebem remuneração e a confecção de um parecer toma tempo das suas obrigações de trabalho e, mais importante, dos seus momentos de lazer. Com freqüência uma revisão exige a consulta de bibliografia complementar e a busca ativa de artigos adicionais. A complexidade de questões metodológicas e testes estatísticos também pode exigir discussão do manuscrito com outros colegas especializados revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 9 nessas áreas. Além disso, todo esse processo deve ocorrer em tempo hábil, idealmente dentro de um mês após a primeira submissão, e de duas semanas para as demais apresentações. Ainda que alguns dos caminhos tomados ao longo dessa trajetória tenham se mostrado equivocados, o balanço final foi muito positivo. Além disso, a experiência nos ensina que devemos ser humildes para tomarmos novas rotas quando necessário. Nesta fase que se encerra, quero agradecer sinceramente a todos aqueles que vêm colaborando constantemente com a nossa publicação, atuando como revisores ou submetendo artigos para possível publicação. Não poderia ainda deixar de reconhecer o excelente trabalho exercido pelos funcionários da Coordenação de Ensino e Pesquisa e pela Editora da Universidade Federal do Amazonas. Para os próximos números espero continuar a contar com o indispensável apoio de todos vocês. Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal Coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV Editor Chefe da RevistaHUGV 10 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO A MEDICIN AN A GRÉCIA MEDICINA NA THE MEDICINE IN GREECE Rodolfo Fagionato*, Melka Franco Guimarães**, Naiá Dantas Carvalho**, Rafael Leônidas C. Abreu**, Vângelis Basílio Rebelo** RESUMO: Sabe-se muito sobre a história e cultura gregas, nada melhor sabermos um pouco mais também sobre a Medicina na antiga Grécia. Não há dúvidas de que herdamos um grande conhecimento médico dos gregos, até porque o Pai da Medicina foi Hipócrates. Muitas teorias sobre saúde e doença surgiram durante o crescimento do conhecimento médico na Grécia, e muitos médicos e filósofos entraram em conflito sobre seus conhecimentos, como, por exemplo, o dos quatro humores. Saber da saúde e da doença sempre foi importante para as pessoas, e era por isso que médicos expunham seus conhecimentos aos leigos, tentavam não só curá-los, mas também ensinálos a se tratar e evitar doenças. Neste trabalho descreveremos os pontos mais importantes a respeito da antiga Medicina grega. ABSTRACT: We have know a lot about Greece historian and culture, nothing better know a little more also about the Medicine in ancient Greec. There is no doubt that we inherited a great medical knowledge of the Greeks, up to because the father of the Medicine was Hipocrates. Many theories about health and disease have emerged during the growth of the medical knowledge in Greece, many doctors and philosophers clashed on his knowledge, for example, the four humours. Knowledge of the health and of the disease has always been important to people, and it was therefore which doctors were exposing his knowledges to the laymen, they were not only trying to cure them, but also teach them to treat and prevent diseases. This work describes the most important points about the ancient Greek Medicine. INTRODUÇÃO Como se sabe, a Grécia deixou muitos conhecimentos culturais e históricos para a população atual; não menos importante, deixou também muitas teorias a respeito da saúde e da doença e a sua relação com a natureza. Na falta de conhecimentos mais aprofundados e de técnicas de análise para diagnósticos de doenças, ficava difícil para os gregos se aprofundarem na tentativa de achar uma cura para as doenças, e era por isso que eles utilizavam a técnica do experimento em que manipulavam vários medicamentos até que achassem um que servia para a cura. Neste trabalho serão apresentados os diversos conhecimentos da época a respeito da Medicina, como os filósofos, os médicos e como as pes- soas se comportavam diante de uma doença, e também a evolução do médico como uma especialização, como era visto pela população e se tinha reconhecimento para a época. 1. GRÉCIA ANTIGA Costuma-se dividir didaticamente a história da Grécia em quatro períodos. Inicialmente, dos séculos 20 a 12 a.C., foi denominado de Préhomérico, onde ocorreu a invasão dos povos arianos através da península balcânica, dessa forma povoando aquela região. Aqueus, jônios, eólios e dórios chegaram à região grega em sucessivas vagas de ocupação fundando, dentre várias cidades, Trinto e Micenas. Logo após, entraram em contato com os habitantes de Creta, surgindo a * Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam. ** Acadêmicos do curso de Medicina da Ufam. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 11 A MEDICINA NA GRÉCIA civilização creto-micênica. Por volta de 1700 a.C., contudo, ocorreu um enorme crescimento populacional, iniciando uma expansão marítima e entrando em choque com a talassocracia cretense, da qual Creta saiu, com sua maior cidade, Cnossos, destruída. A expansão micênica continuou pelo mar Egeu, como conta a obra Ilíada, de Homero, até a chegada dos dórios os quais arrasam Micenas provocando a primeira diáspora grega em direção à Ásia Menor. As populações que passaram a viver ainda na Grécia, mesmo isoladamente, formaram grupos familiares chamados de genos, finalizando esse período. A partir daquele momento, dos séculos 12 a 8 a.C., chamado de período Homérico, ocorreu uma continuidade dos genos, uma primitiva unidade econômica, social, política e religiosa dos gregos, onde toda família vivia sob autoridade do pater-familias, patriarca; os bens de produção e o trabalho eram coletivos. Nos fins desse período, famílias cresciam, mas a produção agrícola não acompanhava o mesmo ritmo, em função da falta de terras férteis e de técnicas de produção mais avançadas. Iniciou-se uma desintegração das comunidades gentílicas, onde os patres favoreciam territorialmente seus parentes mais próximos, eupátridas. Os eupátridas monopolizavam o poder político, organizando-se em grupos chamados de fratrias que futuramente originariam cidades-Estados chamadas de poleis. Já no período Arcaico, entre os séculos 8 a 6 a.C., teve início uma expansão, segunda diáspora grega, que culminou com a ocupação e colonização de várias regiões da bacia do Mediterrâneo, por causa da desintegração dos genos, o crescimento da população, a busca de oportunidades e o desenvolvimento da navegação. Nesse período, Atenas e Esparta ganharam bastante importância graças às suas influências regionais. Esparta surgiu na planície da Lacônia, na península do Peloponeso. Esta cidade-Estado não diferia muito das outras gregas, ou seja, oligárquica, militarista e escravocrata. O afluxo de 12 uma grande quantidade de escravos, propriedade estatal, foi motivado pelas conquistas da vizinhança, gerando um problema vital em Esparta: conservar a proporção entre o número de espartiatas e o de hilotas, escravos. Por isso, sua educação era baseada no laconismo e na xenofobia, a fim de evitar ideias inovadoras, consideradas subversivas para o sistema espartano. Atenas surgiu na Ática, uma península grega que se estende pelo mar Egeu. Fundada por arianos, possuía um excelente porto natural, mas não muitas terras aráveis. Dessa forma, Atenas se voltou mais para o comércio, a qual se tornou um grande centro no Mediterrâneo. Comerciantes e industriais, não-eupátridas, começaram a emancipar-se, iniciando uma oposição ao regime oligárquico, acarretando uma crise em Atenas. A fim de solucionar essa crise, foi estabelecido padrão monetário fixo, promovido um sistema de participação política com base na riqueza do indivíduo, estimulado o comércio e a indústria e abolido a escravidão por dívidas. Mesmo assim, não se conseguiu contentar todas as reivindicações populares nem atender a conservadora aristocracia; por fim, se implantou a democracia efetiva para os cidadãos, o que incluía direitos políticos a eles, ou seja, participação política direta no governo. Isso significou o início da consolidação de Atenas dentro da Hélade. Baseado nessa consolidação ateniense na Hélade e no domínio espartano no Peloponeso, inicio-se, entre os séculos 5 e 4 a.C., o período Clássico, caracterizado pela disputa da supremacia das polis sobre toda a Grécia. Essa fase foi marcada pelas hegemonias e imperialismos no mundo grego, que acabaram em uma guerra fratricida entre os próprios gregos, culminado em sua decadência. Esse imperialismo foi iniciado por Atenas, depois de ter alcançado prestígio com a vitória nas guerras médicas sobre a Pérsia, obrigaram os Estados membros da Confederação de Delos a pagarem impostos, mesmo com o fim dos conflitos, pois Atenas passava por uma crise econômica e social gerada pela guerra. Era o início da hegemonia ateniense e esplendor sobre a Hélade. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO Atenas, contudo, desrespeitava o princípio da soberania das cidades e passou a criar uma série de inimigos. Essas cidades marginalizadas ligaram-se a Esparta e fundaram a Liga do Peloponeso, hostil à Confederação de Delos. Em 431 a.C. Atenas tentou se apropriar de uma colônia de Esparta, isso culminou com a Guerra do Peloponeso que durariam 27 anos, deixando exaurida a Grécia. Apesar da decadência grega, sua cultura se perpetuou influenciando outros impérios antigos e civilizações contemporâneas. A filosofia, por exemplo, foi um dos pontos mais importantes do qual se perpetuou na Grécia, pois influenciou muitos ramos profissionais, até os dias atuais, inclusive na Medicina, já que muitos filósofos, por empirismo, acreditavam que algumas das enfermidades eram meramente psicológicas. 2. A FILOSOFIA GREGA NA MEDICINA Os filósofos gregos foram os fundadores da ciência ocidental. Esse fato está diretamente relacionado à Medicina grega e à própria Medicina ocidental como sua herdeira. A ciência nasce da tentativa de explicar as coisas da natureza nela própria, sem o intermédio do mito. O pensamento racional se inicia, então, tendo a physis, ou seja, aquilo que surge de si mesmo, como modelo para explicar a “origem, ordem e transformações da Natureza”. Para entender melhor a influência do pensamento grego no surgimento da Medicina é preciso, antes, abordar o surgimento de alguns conceitos sobre os quais a Medicina hipocrática se sustenta. A Medicina se separa da filosofia como ciência no século 4 a.C. Enquanto isso, as discussões filosóficas dos períodos pré-socrático e socrático, períodos que abrangem o intervalo de tempo entre o amadurecimento do pensamento racional e o desmembramento da Medicina, são fundamentais para os conceitos médicos gregos. O período pré-socrático, também denominado cosmológico, ocorre entre o final do século 7 e o final do século 5 a.C. Os filósofos desse período encontram diferentes physis e dão diferentes razões para que estas sejam o elemento primordial, eterno e imutável que está na origem das coisas. Os debates pré-socráticos são também fundamentais para o surgimento do pensamento crítico por meio da discussão de diversos pontos e opiniões sobre os assuntos. O elemento formador da natureza se encontra na própria natureza; dessa forma, para Tales de Mileto (640 a.C.), a physis era a água. Para Anaximandro (555 a.C.), esta se encontrava no ilimitado, e para Anaxímenes (535 a.C.), no ar. Já no século 5, Heráclito diz que esta era o fogo e Empédocles a água, o ar, a terra e o fogo. Dessas diferentes physis surge a divisão dos elementos terra e sólido, água e líquido, ar e gás, fogo e energia que fará parte de teorias médicas. O período socrático ou antropológico ocorre do final do século 5 até o final do século 4 a.C., e nesse período os filósofos se ocupam com as questões humanas, com a ética, a política e as técnicas, como a Medicina. Para Sócrates, a filosofia tem um fim prático e moral sendo a ciência que resolve o problema da vida. E nesse período a filosofia parte do conhecimento empírico para alcançar o intelectual, que é imutável. Durante a racionalização do pensamento, a doença passa a ser vista como resultado do desequilíbrio da natureza e separada dos fenômenos sobrenaturais. A physis entra na Medicina estabelecendo a dinâmica da existência e da essência (entre se algo é ou não é e o que é), que ocorre entre a doença e o corpo. Nisso, a saúde surge como um equilíbrio entre as forças opostas (úmido e seco, por exemplo) e a doença do domínio de uma força sobre a outra. O corpo humano, e tudo à sua volta, era, dessa forma, compreendido entre esses elementos (as diversas physis). A Medicina, já na época dos gregos, estava definida como especialização social, e no final do século 5, era conhecida e íntima do pensamento helênico.1 Os gregos, que sempre foram politeístas e extremamente religiosos, começaram a diminuir revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 13 A MEDICINA NA GRÉCIA a influência dos deuses em seus diagnósticos e curas, não pondo mais a responsabilidade de um erro ou acerto em vontades divinas.1 Já se começavam a produzir textos a fim de suprir leitores leigos e os não-leigos, sendo estes os médicos da sociedade. Os médicos, para reforçar seu valor diante da população, começaram a expor suas ideias em relação à saúde e à doença em forma de conferência e discurso preparado.1 Havia uma escola para médicos na Grécia, a Escola de Cós, onde médicos e filósofos se encontravam e discutiam sobre a Medicina; às vezes os filósofos concordavam com os médicos, mas às vezes havia séria discordância, como no caso em que a saúde e a doença são o resultado do equilíbrio ou desequilíbrio dos quatro humores dos quais éramos feitos: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis preta. Hipócrates, que era reconhecido como grande médico, discordava desse pensamento; para ele, o nosso corpo é feito de muito mais substâncias do que apenas quatro. Segundo Hipócrates, a saúde e a doença são resultados de todas as forças que atuam sobre os organismos, e havendo um desequilíbrio oposto de uma dessas forças resultaria em doença.1 Se pararmos para analisar essas afirmações, veremos que os gregos têm crédito por terem pensado isso há muito tempo, quando não havia recursos tecnológicos para pesquisas, tirando suas conclusões e teorias apenas da observação da natureza. Hoje, sabemos que realmente a nossa saúde depende de um equilíbrio complexo entre os líquidos e substâncias corporais, por exemplo: para se fazer um diagnóstico de uma infecção, analisase o sangue e verifica-se se os diferentes constituintes estão de acordo com o considerado normal para o organismo; se não estiver, significa que há um desequilíbrio entre essas substâncias e que estamos doentes, afirmando assim, de um modo generalizado, a teoria de Hipócrates sobre o equilíbrio de forças.1 A tendência do pensamento grego em agrupar em classificações gerais o conjunto e ordenar em grupos ficou exemplificado no livro Das Doenças Sagradas, de autor desconhecido. O livro estu- 14 dava as manifestações patológicas das doenças que causavam alterações no comportamento, quase como quadros clínicos e sintomas das patologias.1 A Medicina grega já tinha o conhecimento do problema da multiplicidade das doenças e a possibilidade de teorizar e numerar para estabelecer o número exato dos tipos patológicos. Foram elaboradas normas para a conservação da saúde do homem. As práticas do esporte, da música e do lazer foram vinculadas como formas de tratamento.1 No livro Das Epidemias, produzido pela Escola de Cós, a arte do médico consiste em eliminar o que causa dor e em sarar o homem, afastando o que o faz sofrer. Quando a natureza falha nessa missão, o médico é aquele que irá intermediar na cura. A ação médica é associada com as recomendações da qualidade e quantidade da dieta, da prática de esportes e de atividades culturais. Segundo os conceitos platônicos, o médico e o filósofo teriam a mesma função no tratamento da alma do homem, sempre na busca da harmonia plena do homem.1 Com o aparecimento da literatura médica, normas que devem ser obedecidas para a conservação da saúde foram estabelecidas. A manutenção da saúde ocorreria pela dieta adequada, pelo exercício físico contínuo e pela higiene do corpo. Os médicos passaram a atuar também no homem com objetivo educativo e profilático.1 Os hospitais construídos nesse período, como o de Epidauro, eram grandes e tinham múltiplas divisões destinadas a diferentes atividades dos médicos. Havia salas de exame, alojamentos individuais para os doentes, salas de banho coletivo, praça de esportes e anfiteatro para apresentações de teatro e música.1 Houve críticas a essas tentativas de intervenção no modo de vida das pessoas. Platão e Aristóteles diziam que havia muita gente que, embora gozasse de saúde, não poderia se considerar feliz, pois mantinham a força porque se privavam das coisas agradáveis.1 A Medicina e a filosofia gregas, entre os séculos 5 e 3, estabeleceram um sistema ordenado revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO com o objetivo de melhorar a saúde coletiva, pelo menos entre os homens livres e desenvolveram a compreensão do papel social do médico como agente na busca da saúde.1 3. A MEDICINA E A MITOLOGIA GREGA A mitologia grega influenciou a prática médica no Ocidente durante mais de vinte séculos depois da sua elaboração. A compreensão da Medicina, como sendo de natureza sagrada, não foi diferente da babilônica e da grega. As relações médicas com as ideias e crenças religiosas se perderam no tempo.1 De acordo com a mitologia grega, a Medicina começou com Apolo, filho da união de Zeus com Leto. Nos primeiros tempos, ele era considerado como o deus protetor dos guerreiros. Posteriormente, foi identificado como Aplous, aquele que fala a verdade. Apolo atuava purificando a alma por meio das lavagens e aspersões do corpo com remédios curativos.1 Apolo era conhecido como o deus da cura e das doenças. Pai de Asclépio ou Esculápio, era venerado junto com este em grandes templos-hospitais, onde se curavam várias doenças.6 Asclépio, filho de Apolo e da ninfa Coronis, teria sido educado pelo centauro Quirão para ser médico.1 Zangado porque Coronis era infiel a ele, Apolo matou-a e arrancou o nascituro Asclépio de seu ventre.8 O fato de Apolo ter tirado o filho do ventre da mãe no momento em que esta se encontrava na pira funerária, confere-lhe o simbolismo de deus da Medicina logo à nascença: a vitória da vida sobre a morte.7 A escolha de Quirão para dirigir a educação de Asclépio foi feita porque o centauro dominava o completo conhecimento da música, magia, adivinhações, astronomia e da Medicina. Além dessas habilidades, possuía incomparável destreza e manejava com a mesma habilidade o bisturi e a lira. Foi o primeiro que plantou, na Tessália, plantas medicinais e a primeira delas foi a denominada Gentiana centaurium.1 Asclépio conquistou fama inimaginável, tinha delicadeza do tocador de harpa e a habilidade agressiva do cirurgião. Todos os doentes, que não obtinham cura em outros lugares, procuravam os serviços de Asclépio. Mais cirurgião que médico, ele criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas. Chegou a ressuscitar mortos e, por essa razão, Zeus o matou com o auxílio do raio mortal dos Ciclopes.1 Zeus temia que Asclépio pudesse ser uma ameaça à ordem natural das coisas.8 O deus da Medicina era celebrado em grandes festas públicas, em torno do dia 18 de outubro.1 E o culto que lhe era prestado não só tinha um fim religioso, mas também terapêutico. Os santuários, dos quais o mais célebre foi Epidauro, eram instalados fora das cidades, em zonas escolhidas pela sua salubridade. Os sacerdotes transmitiam os segredos da cura de pai para filho. Um dos mais ilustres teria sido Hipócrates, que se dizia ser aparentado com o deus. Os doentes, que afluíam de todas as partes do mundo antigo e que pertenciam a todos os grupos sociais, eram alojados nas dependências do templo e, durante o seu sonho, reviam o deus, que lhes revelava o remédio para os seus males.10 Seus segredos na arte da Medicina eram preservados nas ilhas gregas de Kós e Kithnos por sacerdotes.9 Em várias esculturas procedentes de templos de Asclépio greco-romanos, o deus da Medicina é sempre representado segurando um bastão com uma serpente em volta, o qual se tornou o símbolo da Medicina.11 A certa altura da sua vida casou com a filha do rei de Cós, Epíone, que lhe deu dois filhos e cinco filhas. Os rapazes, Macáon e Podalírio, herdaram do seu pai o poder de curar. Fizeram-no, por exemplo, no decorrer da guerra de Troia, da qual participaram como médicos das tropas gregas. Macáon cuidou de Télefo e de Menelau e operou Filoctetes. As filhas de Asclépio também o ajudaram na sua função, particularmente Hígia, deusa da Medicina, e Panaceia, que personifica a cura de todos os males por meio das plantas.10 Muitos achados arqueológicos de agradecimentos a dádivas atribuídas pelos próprios doentes, que se consideravam curados pelo poder de Asclépio, foram encontrados. Várias escrituras contendo nomes dos doentes, as descrições das revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 15 A MEDICINA NA GRÉCIA doenças e curas obtidas.1 A maior parte das escrituras, porém, refere-se a curas milagrosas e fantásticas, sem dúvida para impressionar outros pacientes e motivá-los em busca de cura, e tendo assim escasso valor do ponto de vista médico. Grande número de pacientes, contudo, experimentava melhoras e muitos se consideravam curados.2 Em qualquer caso, e apesar do valor que possam ter atingido os conhecimentos médicos dos sacerdotes de Asclépio e a eficiência terapêutica de sua atuação, o certo é que a iniciação da Medicina científica teve suas bases na escola filosófica e médica da antiga Grécia.2 CONCLUSÃO É interessante pensar que mesmo numa época antiga, onde não existia tecnologia disponível como hoje, os gregos fizeram grandes progressos não só em relação à ciência como também na Medicina. Sabe-se, por exemplo, que a teoria dos quatro humores na época já não era bem-aceita, mas que sua essência de que o equilíbrio ou desequilíbrio dos humores corporais em relação à saúde ou doença é bem-vista, já que o diagnóstico de uma doença feita atualmente é realizado tirando-se como base um equilíbrio entre os metabólitos do organismo. 1973, para o curso de Introdução à História da Ciência, do Mestrado em Ensino, História e Filosofia das Ciências, UFBA/UEFS, 2000. 5. Revista eletrônica Graecia Antiqua ISSN 16795709 – Breve introdução à Grécia Antiga – Wilson A. Ribeiro Jr. Disponível em: <//http:// greciantiga.org/re/1/v1n1005.pdf> 6. <http://www.wikipedia.org> 7. <http://www.ff.ul.pt/paginas/jpsdias/ Farmacia-e-Historia/node18.html> 8. <http://molimpo2.sites.uol.com.br/ asclepio.htm> 9. <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/ MGAsclep.html> 10. <http://contoselendas.blogspot.com/2004/ 11/asclpio.html> 11. <http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/ simbolo.htm> ANEXOS Ilustração 1 – Mapa da Grécia antiga REFERÊNCIAS 1. BOTELHO, J. B. História da Medicina – da abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004. 2. SOUSA, A. T. de. Curso de História da Medicina: das origens aos fins do século XVI. 2.a ed. Lisboa: Gulbenkian, 1996. 3. CHAUI, M. S. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1999. 4. Resumão feito por Osvaldo Pessoa Jr. dos livros de G. E. R. Lloyd, Early Greek Science: Thales to Aristotle (EGS) e Greek Science after Aristotle (GSA). Norton, Nova Iorque, 1970 e 16 Fonte: http// www.greeka.com/greece-maps/ancient-greece-map.htm revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO Ilustração 2 – Apolo Ilustração 3 – Os quatro humores Fonte: http://www.accionchilena.cl/images/Apolo.gif Fonte: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/temperamento.gif Ilustração 4 – Asclépio Ilustração 5 – Hígia Fonte: http://es.geocities.com/el_verbo_crea/dioses/esculapio.jpg Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/higia revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 17 A MEDICINA NA GRÉCIA Ilustração 6 – Prática da sangria Fonte: www.tiosam.com/enciclopedia/?q=medicina Ilustração 7 – Devoto de Asclépio. Fonte: http://www.scielo.br/img/fbpe/hcsm/v6n2/v6n2a9f6.jpg Ilustração 8 – Asclépio cuidando de um paciente. Correspondência dos autores: Contato: E-mail: [email protected] ou [email protected]. Telefones: 9962-6939 ou 8131-9999. Instituição: Ufam – Manaus. Fonte: http://mural.uv.es/dosagar/griega8.jpg 18 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 RODOFO FAGIONATO, ANA PAULA SOUSA DA SILVA, FERNANDO HENRIQUE DA SILVA, LYGIA DE OLIVEIRA PEREIRA, RENATO MORAIS DA SILVA MEDICIN A N O SÉCUL O XIX: AS B ASES P ARA UMA MEDICINA NO SÉCULO BASES PARA NOVA MEDICIN A MEDICINA MEDICINE IN CENTURY XIX: THE BASES FOR A NEW MEDICINE Rodolfo Fagionato*, Ana Paula Sousa da Silva**, Fernando Henrique da Silva**, Lygia de Oliveira Pereira**, Renato Morais da Silva** RESUMO: O avanço no tratamento das doenças e a melhoria das técnicas cirúrgicas caracterizaram a Medicina do século XIX. O fato principal responsável por tudo isso foi a descoberta de quais microrganismos patogênicos eram causadores das enfermidades. Essa descoberta também propiciou a criação de vacinas, além de métodos para melhoria da saúde pública. Este artigo tem por objetivo mostrar como a Medicina era aplicada durante o século 19 e o que possibilitou sua evolução. ABSTRACT: The diseases treatment advance and the surgical techniques improvement characterized the medicine of the 19th century. The main fact responsible for all that was the discovery of pathogenic microorganisms that caused the diseases. This discovery also propitiated creation of vaccines and methods for public health improvement. This article aims to show how the medicine was applied during the 19th century and what allowed its evolution. O século XIX foi marcado pelo desvendar das doenças infecciosas, possibilitando a modernização da Medicina No início do século XIX suspeitava-se de que doenças infecciosas eram causadas por microrganismos específicos. Essa visão das causas das doenças contagiosas, como febre tifoide, varíola e escarlatina, antes mesmo de qualquer caracterização dos microrganismos situaram Jacob Henle (1809-1885) no papel de criador da bacteriologia. Uma geração mais tarde, seu discípulo Robert Koch (1843-1910) introduziu os métodos de fixação e coloração, permitindo visualizar e analisar o bacilo do carbúnculo, caracterizando fenômeno da esporulação. Em 1882, ele descobriu o bacilo da tuberculose e em 1884 descobriu o modo de transmissão do vibrião colérico, promovendo o tratamento da água por meio da filtração. Dessa forma, “logo que foi encontrado o método adequado, as descobertas surgiram naturalmente, tal como as maçãs maduras caem da árvore” [Robert Koch (1843-1910)]. Outro grande nome para o século XIX foi Louis Pauster (1822-1895), que provou a atividade fermentadora de microrganismos em bebidas e alimentos, melhorando a preservação destes. Além disso, a descoberta da fermentação derrubou a teoria da geração espontânea. Pasteur também lançou as bases da imunoterapia preventiva e curativa, e antecipou o advento dos antibióticos. A prática da vacinação aplicada à prevenção de epidemias em humanos e animais fez de Louis Pasteur um dos cientistas que, individualmente, mais contribuiu para o bem-estar do homem e o desenvolvimento da ciência médica. * Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam. ** Acadêmicos do curso de Medicina da Ufam. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 19 MEDICINA NO SÉCULO XIX: AS BASES PARA UMA NOVA MEDICINA Com conhecimento sobre a existência desses microrganismos patogênicos fez-se necessário precaver a contaminação por esses microrganismos. E foi o escocês Joseph Lister (1827-1912), professor de Medicina em Edinburgo, que introduziu a antissepsia na prática cirúrgica. Quando Joseph foi a Londres ensinar a importância dessa prática no Hospital St. John, foi ridicularizado e insultado por médicos, residentes e enfermeiras. Mas seu artigo “On the antiseptic principle in the pratice of surgery”, publicado em 1867 na revista Lancet, marcou o início de uma verdadeira revolução na prática cirúrgica, ao descrever como se impedia que microrganismos causassem as infecções tão frequentemente responsáveis pelo insucesso das intervenções. “A era da antissepsia foi seguida pela da assepsia. Os cirurgiões, em vez de procurar limpar os focos infectados das cirurgias, buscaram eliminar os agentes nocivos (bactérias) da sala de cirurgia (campo cirúrgico), realizando a esterilização pelo calor e substâncias químicas” (http:// www.hebron.com.br/revista/n25/materia3.htm). Os cirurgiões, em pouco tempo, passaram a ter as seguintes práticas: – uso de máscaras cirúrgicas; – uso de luvas de borrachas esterilizadas após cada cirurgia, proposta por Halsted, em 1889; – esterilização dos instrumentos cirúrgicos, com uso do ácido fênico – método introduzido por Joseph Lister (1827-1912), em 1867; – isolamento das salas cirúrgicas e circulação apenas de pessoal autorizado; – lavagem permanente das áreas expostas pela cirurgia com compressas embebidas com ácido fênico por Stéphane Tarnier (1828-1897) e Just Lucas Chapionniére (1843-1913); – lavagem das mãos do pessoal médico com solução de cloreto de cálcio. O médico Ignace Semmelweis (1818-1865) adotou essa medida no manuseio genital no pós-parto numa maternidade em Viena, conseguindo reduzir a mortalidade de 27 para 0,23%. 20 A admiração universal causada pelas novas descobertas científicas foi consequência direta no fervor das investigações científicas. Logo, governos e filantropos de vários países passaram a financiar a criação de institutos de pesquisa dedicados à aplicação da ciência em benefício da saúde pública. Alguns dos institutos criados foram: o Instituto Pasteur em Paris, o Instituto Rockefeller nos Estados Unidos ou o Instituto Butantã (São Paulo) e o Instituto Manguinhos (Rio de Janeiro). No Brasil, por exemplo, o imperador Pedro II manifestou sua admiração pelo trabalho de Pasteur, doando uma grande soma ao Instituto Pasteur. Em retribuição ao gesto, colocou-se um busto do imperador brasileiro junto à biblioteca do Instituto Pasteur, em Paris. As técnicas anestésicas e a introdução da antissepsia e assepsia foram cruciais no desenvolvimento das técnicas e avanços nas intervenções cirúrgicas. “Ao final do século XIX, os centros médicos mais importantes da Europa eram os da França, Alemanha e Inglaterra. Paris destacava-se como o centro de maior projeção internacional, para onde se dirigiam médicos do mundo inteiro em busca de novos conhecimentos e aprimoramento profissional” (http://usuarios.cultura.com.br/ jmrezende/cirurgia.htm). Os cirurgiões da época tinham três preocupações principais: infecção, hemorragia e dor. Os processos infecciosos foram evitados em função dos cuidados tomados na antissepsia e assepsia, que preveniam a entrada de um microrganismo no organismo durante e após o ato cirúrgico. No século XIX muitas amputações eram realizadas, principalmente nos campos de batalha. Com a inovação de instrumentos, entretanto, que possibilitavam ampliação da ação manual, as cirurgias tornaram-se menos arriscadas, por serem menos invasivas e mais rápidas, prevenindo a contaminação por algum microrganismo. Nesse contexto, todas as hemorragias eram evitadas e os riscos pós-operatórios diminuídos. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 RODOFO FAGIONATO, ANA PAULA SOUSA DA SILVA, FERNANDO HENRIQUE DA SILVA, LYGIA DE OLIVEIRA PEREIRA, RENATO MORAIS DA SILVA Alguns dos instrumentos utilizados na época são: – dreno cirúrgico lançando secreção e/ou sangue em recipientes fechados de vidro; – pinça hemostática prendendo o vaso sangrante, evitando e controlando hemorragia; – pinça com a ponta em dente de rato, imobilizando estrutura anatômica de pequeno porte; – pinça hemostática com a ponta em dente de rato possibilitando hemostasia em tecidos pouco aderentes, como a gordura; – agulhas curvas de tamanhos e espessuras variados para suturação; – afastador separando tecidos e estruturas anatômicas. Já a dor, que era um indicativo de anormalidade, era o elo entre o paciente e o médico. A ajuda médica só era procurada quando se sentia dor no intuito de diminuir o incômodo. E era no intuito de diminuir ou até cessar a dor que anestésicos passaram a ser usados. “Nenhuma outra substância específica para combater ou evitar a dor foi utilizada até 1540, quando o éter mostrou-se forte agente anestésico” (JOÃO BOSCO BOTELHO, 2004, p. 332). Seu uso pode levar, entretanto, a sérias complicações, fato que contribuiu para que o uso do éter não fosse disseminado. O éter foi primeiramente usado num paciente em 1846, no Hospital de Massachussetts, em Boston, pelo médico John Collins Warren (17731856). A ação anestésica do protóxido de nitrogênio ou gás hilariante é registrada desde 1799, e em 1844 essa ação foi demonstrada num auditório em Boston pelo dentista Horace Wells (1815-1848). O clorofórmio foi descoberto em 1931 e usado durante o parto da rainha Victoria. Na primeira metade do século 19, no início da Revolução Industrial, com o desenvolvimento da produção fabril ocorreu uma degradação no padrão de vida da sociedade em função das condições de trabalho insalubres e desgastantes presentes nas fábricas das cidades europeias. A consequente urbanização levou os trabalhadores a morarem em aglomerados, alojamentos miseráveis e subúrbios nessas grandes cidades. Isso tudo levou à população a se tornar vítima de doenças infecciosas, como a tuberculose, contribuindo assim para o agravamento dos índices de mortalidade. Diante desse quadro, observadores, reformadores sociais e higienistas começaram a se preocupar em controlar as doenças infecto-contagiosas, e também com as frequentes epidemias de tifo, varíola e cólera que acometiam toda a população. Em 1832, foram criados os primeiros conselhos de higiene nos principais países europeus como França e Inglaterra. O arquiteto do sanitarismo foi Chadwick que, nesse mesmo ano, foi nomeado para a Royal Comission on the Poor Law. O poder público, então, por volta de 1866, implementou medidas elementares como construção de redes de esgotos, abastecimento de água potável, utilização de desinfetantes e recolhimento do lixo nas grandes aglomerações urbanas. Quanto ao problema das indústrias insalubres, foi criado em 1886, na Alemanha, o primeiro seguro de saúde denominado Krankenkassen. Esse foi responsável em instituir regras que asseguravam assistência médica aos trabalhadores e suas famílias. Em 1848, foi promulgado o primeiro Ato Público de Saúde, o Public Health Act, e em 1872 este cria o verdadeiro “national public health service” e, com isso, continua a desenvolver as embrionárias estruturas de saúde pública. Em função da melhoria de fatores ambientais, como as condições de moradia, houve uma redução na mortalidade por doenças infecciosas e, com isso, percebeu-se que era mais eficiente prevenir várias doenças adotando medidas de saúde pública. CONCLUSÃO Vê-se que a Medicina sofreu diversas mudanças tanto no âmbito científico quanto no âmbito político-social. Nessa época, com a descoberta de novos métodos científicos para a pesquisa, e revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 21 MEDICINA NO SÉCULO XIX: AS BASES PARA UMA NOVA MEDICINA com a busca das razões em níveis cada vez mais moleculares, começou se a extinguir o espiritualismo e adotar o materialismo. Levando, então, a uma menor influência da Igreja no âmbito social. Logo, a saúde tornou-se um dever do Estado, pois caso houvesse uma endemia na periferia da cidade, acabaria atingindo as classes mais privilegiadas das urbes. Houve diversos avanços na bacteriologia com Louis Paster. Já no exame clínico, novas ferramentas auxiliaram na ausculta pulmonar. Houve também avanço nas doenças infecciosas e uma melhora no uso de anestésicos. REFERÊNCIAS [1] “Medicina no século XIX”, por Viviane Santos. Revista Hebron atualidades. Disponível na Internet: (http://www.hebron.com.br/revista/ n25/materia3.htm). (http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/ cirurgia.htm). [3] BOTELHO, João Bosco. História da Medicina – da abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004. [4] As contradições da política de saúde no Brasil. O Instituto Butantã. Disponível na Internet: ( h t t p : / / w w w . s c i e l o . b r / scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392002000400011). [5] GRAÇA, L. (2000). O Progresso das Ciências e Técnicas Biomédicas na II Metade do Século XIX.º [The XIX Century Scientific Revolution in Medicine]. (http://www.ensp.unl.pt/lgraca/ textos104.html). [6] “Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador”. Revista Saúde Pública, v. 25, n. 5. São Paulo: October, 1991. [2] Trabalho apresentado ao VI Congresso Brasileiro de História da Medicina, realizado em Barbacena, MG, de 14 a 17 de junho de 2001. Atualizado em 28/3/2005. Disponível na Internet: 22 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 Correspondência dos autores: [email protected] RODOLFO FAGINATO, DEIVIS BRITO, FLÁVIA BRAGA, MICHELLE MARTINS HIS TÓRIA D A MEDICIN AN A MESOPO TÂMIA HIST DA MEDICINA NA MESOPOT HISTORY OF MEDICINE IN MESOPOTAMIA Rodolfo Fagionato*, Deivis Brito**, Flávia Braga**, Michelle Martins** RESUMO: Poucas vezes é lembrado que a Medicina, suas técnicas, suas doutrinas e sua ética começaram a ser criadas há muitos e muitos anos, na Grécia Clássica de Hipócrates de Cós e seus discípulos, ou mesmo antes, na Mesopotâmia dos assírios. Há registros, na sociedade mesopotâmica, do Tratado de Diagnósticos e Prognósticos Médicos, incluindo estudos com descrições de inúmeras doenças específicas. Por diversas vezes, porém, não são feitas traduções fidedignas com a escrita cuneiforme original, o que prejudica a utilização de tais conhecimentos. Observa-se a análise mesopotâmica a respeito dos conceitos de doença e cura, sendo esses baseados em crenças espirituais, como a existência de deuses do bem e do mal e a consequente caracterização do médico como elo entre o bem e o mal, sob a denominação de ashipu ou asu, com atribuições diferentes às suas atividades práticas. Com base nos seus conhecimentos, a sociedade mesopotâmica foi capaz de postular registros acerca da cirurgia, medicamentos e doenças em geral, com ampla contribuição e importância relevante para a Medicina atual. ABSTRACT: Rarely is remembered that the Medicine, its techniques, its doctrines and ethics began to be created for many, many years, in Classical Greece of Hippocrates of Kos and his disciples, or even before, the Assyrians of Mesopotamia. There are records in Mesopotamian society, the Treaty of medical diagnosis and prognosis, including studies with descriptions of many specific diseases. Several times, but not reliable translations are made with original cuneiform writing, which preclude the use of such knowledge. There is the analysis Mesopotamia about the concepts of disease and cure, and those based on spiritual beliefs as the existence of gods of good and evil and the consequent characterization of the doctor as the link between good and evil, under the name of ashipu or asu with different tasks to its activities. Based on your knowledge, the company was able to postulate Mesopotamian records of the surgery, drugs and diseases in general, with broad and important contribution relevant to the present Medicine. INTRODUÇÃO A maior parte das informações disponíveis para estudos modernos vem de tábuas escritas com o sistema cuneiforme. Não existem representações de figuras que tenham sobrevivido na arte da antiga Mesopotâmia, nem um número significativo de esqueletos ainda a serem analisados. Infelizmente, enquanto que uma infinidade de tábuas cuneiformes chegou até nós desde aqueles tempos, muito poucas se ocupam de temas médicos. Muitas das tábuas que mencionam práticas médicas vêm da Biblioteca de Assurbanipal, o últi- mo grande rei da Assíria. A Biblioteca de Assurbanipal estava alojada no palácio do rei em Nínive e, quando o palácio foi incendiado por invasores, cerca de 20.000 tábuas de argila foram queimadas (e portanto preservadas) pelo grande incêndio. No início da década de 1920, 660 tábuas envolvendo assuntos médicos da livraria de Assurbanipal foram publicadas por Cambell Thompson. Outros textos médicos têm sido publicados mais recentemente (ver bibliografia abaixo). A grande maioria dessas tábuas são receitas, mas há uma série delas que contém entradas * Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam. ** Acadêmicos do curso de Medicina da Ufam. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 23 HISTÓRIA DA MEDICINA NA MESOPOTÂMIA que eram diretamente relacionadas umas às outras, e estas são chamadas de Tratados. O maior desses tratados médicos é conhecido como o Tratado de Diagnósticos e Prognósticos Médicos. O texto constitui 40 tábuas coletadas e estudadas por R. Labat. A cópia mais antiga deste tratado data de 1600 antes da nossa Era, mas o texto em si é uma compilação de vários séculos de conhecimento médico na Mesopotâmia. O Tratado de Diagnóstico está organizado na ordem que vai da cabeça ao pé, com subseções cobrindo doenças convulsivas, ginecologia e pediatria. É uma pena que traduções antiquadas e feitas por leigos nas ciências médicas fazem com que os textos pareçam extratos de um livro de aprendiz de feiticeiro. De fato, como pesquisas recentes têm mostrado, as descrições das doenças listadas mostram uma aguçada capacidade de observação. Virtualmente, todas as doenças esperadas podem ser encontradas na parte do diagnóstico, e há seções que estão completamente preservadas, como as de neurologia, febres, doenças venéreas e lesões de pele. Os textos médicos também são facilmente identificáveis, como no caso de tratamento de sangramentos, onde todas as plantas mencionadas são conhecidas, e as mesmas usadas em muitos tratamentos para os mesmos casos. Conceito Mesopotâmico para Doença e Cura As doenças eram causadas por espíritos: deuses, fantasmas, etc. Cada espírito, entretanto, era considerado responsável por apenas uma doença em qualquer parte do corpo. Em geral, portanto, “a Mão do(a) deus(a) X” do estômago correspondia ao que chamamos de doença estomacal. Uma série de doenças era simplesmente identificada por um nome, como Bennu, por exemplo. Os deuses podiam ser culpados num nível mais alto por causar uma doença ou o mau funcionamento de um órgão, mas em alguns casos essa era uma forma de dizer que um determinado sintoma não era independente, mas causado nesse caso por uma doença Y. Plantas eram usadas para tratar os sintomas das doenças, sendo que plantas 24 diferentes eram usadas em rituais mágicos para aplacar o mesmo espírito. Pode-se inferir que oferendas específicas eram feitas a um deus ou espírito determinado quando se considerava que ele era a causa da doença, mas essas oferendas não estão indicadas em textos médicos, devendo ser encontradas em outros textos. Profissionais da Medicina na Mesopotâmia Por meio do exame de tábuas médicas da Mesopotâmia fica claro que havia dois tipos distintos de profissionais da Medicina no Oriente Próximo. O primeiro tipo de profissional em geral era chamado ashipu, ou ‘mago’. Um dos mais importantes papéis do ashipu era o diagnóstico da doença e determinar que deus ou demônio a estava causando. O ashipu também tentava determinar se a doença era resultado de algum erro ou pecado por parte do paciente. A frase “a Mão de...” era usada para indicar a divindade responsável pela aflição em questão, sendo que então essa divindade podia ser aplacada com oferendas e preces pelo paciente. O ashipu podia também tentar curar o paciente por simpatias e encantamentos que eram feitos para levar embora o espírito causador do mal. Ele também podia referir o paciente a um outro tipo de profissional da área médica chamado asu. O asu era um especialista em remédios à base de ervas e em Medicina tradicional mesopotâmica, sendo chamado em geral de “médico”, pois ele lidava com o que em geral pode ser descrito como aplicações empíricas de medicação. Exemplo: no tratamento de feridas, ele usava três técnicas fundamentais, como lavar a ferida, uso de compressas e bandagens. Todas estas técnicas do asu parecem ser as formas mais antigas de prática da Medicina e os registros mais antigos de uma literatura médica, a cerca de 2100 anos antes da nossa Era. O conhecimento do asu em termos de fazer compressas é bastante interessante. Muitas das compressas antigas (misturas de ingredientes medicinais aplicadas a uma ferida e mantidas no lugar por uma bandagem) parecem ser uma forma eficiente de tratamento. Por exemplo: algumas das revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 RODOLFO FAGINATO, DEIVIS BRITO, FLÁVIA BRAGA, MICHELLE MARTINS mais complicadas compressas exigiam o aquecimento de uma resina de planta ou gordura animal com algo alcalino. Esta mistura, quando aquecida, libera sabão, que ajudaria a proteger contra infecções bacterianas. Enquanto que a relação entre o ashipu e o asu não está totalmente esclarecida, os dois tipos de profissionais parecem ter trabalhado juntos para efetivar curas. Os mais ricos pacientes provavelmente buscavam os cuidados médicos tanto do ashipu quanto do asu para curar uma doença. Parece que os dois profissionais trabalhavam em geral um cooperando com o outro no tratamento de doenças. Além de compartilhar pacientes, parece que os papéis de ambos algumas vezes se mesclavam: um asu podia ocasionalmente fazer um encanto, e um ashipu prescrever uma droga. Evidência para tanto foi encontrada na biblioteca de um ashipu que continha receitas farmacêuticas. Outra fonte de evidência com relação às habilidades dos médicos na Mesopotâmia está no Código de Hamurábi. Esta coleção não foi escrita numa tábua, mas descoberta num grande bloco negro de diorita. O Código de Hamurábi não era um código de leis como entendemos hoje, mas provavelmente uma coleção de decisões legais feitas por Hamurábi (cerca de 1700 antes da nossa Era) ao longo de sua atuação como juiz, e publicada para fazer propaganda de sua justiça. O Código de Hamurábi é uma notável, mas não única, aplicação da justiça na Mesopotâmica, e é baseado no princípio de “olho por olho, dente por dente”. Havia várias leis no Código de Hamurábi com relação aos cirurgiões. Estas leis dizem que o médico era responsável por erros e fracassos da cirurgia. É também digno de nota que, de acordo com tais leis, o pagamento do cirurgião bem-sucedido e do malsucedido era determinado pelo status do paciente. Se o cirurgião salvava a vida de um escravo, ele recebia apenas dois shekels. Se uma pessoa, entretanto, de status morresse como resultado de uma cirurgia, o cirurgião arriscava-se a ter sua mão cortada. Se um escravo morresse quando da cirurgia, o cirurgião apenas tinha de pagar para a substituição do escravo. Quanto às cirurgias, independente dos riscos, temos quatro tábuas associadas com a execução de um procedimento cirúrgico. Uma das tábuas está muito danificada, infelizmente, mas das três remanescentes, uma parece descrever um procedimento: são feitos cortes no peito de um paciente, a fim de remover pus da pleura. Os dois outros textos pertencem a uma coleção chamada Receitas para Doenças da Cabeça. Um destes textos menciona a faca do asu cortando levemente a cabeça do paciente. A tábua cirúrgica final menciona os cuidados pós-operatórios de um ferimento cirúrgico, onde é recomendada uma atadura de óleo de gergelim, que funciona como agente antibactericida. Outro ponto importante é a identificação de várias drogas mencionadas nas tábuas. Infelizmente, muitas destas drogas são difíceis ou impossíveis de serem identificadas com um alto grau de certeza. Em geral, os nomes empregados são metafóricos, como gordura de leão, lírio do tigre, etc. Das drogas que foram identificadas, a maioria era feita de extratos de plantas, resinas ou feitas com base em temperos. Muitas das plantas usadas pelo asu têm propriedades antibióticas, enquanto que resinas e temperos tinham algum valor antisséptico. Além desses benefícios, deve-se ter em mente que tanto os remédios como as ações dos médicos antigos devem ter tido um forte efeito placebo. Os pacientes sem dúvida acreditavam que os médicos eram capazes de curá-los. No mínimo, portanto, visitar o médico reforçava as noções de bemestar e saúde. Outras fontes de tratamentos de saúde podiam ser obtidas no templo de Gula. Gula, em geral visto como um cão, era um dos mais poderosos deuses da cura. Enquanto que escavações dos templos dedicados a Gula não têm revelado sinais de que os pacientes eram acomodados no templo enquanto recebiam tratamento (como no caso dos templos de Esculápio, na Grécia), estes templos podem ter sido locais para o diagnóstico de doenças. Parece claro que os templos de Gula também tinham bibliotecas dedicadas a temas de saúde. O principal centro de saúde era o lar, sendo revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 25 HISTÓRIA DA MEDICINA NA MESOPOTÂMIA que os cuidados aos pacientes eram fornecidos na própria casa do paciente, com a família prestando os cuidados. Fora da casa, outros importantes centros de cura situavam-se próximo aos rios. Os mesopotâmicos acreditavam que os rios podiam levar para longe substâncias e forças causadores de doenças. Algumas vezes, uma pequena cabana para a pessoa doente era erguida próxima à casa ou rio para ajudar no tratamento do paciente que estava em casa. cípios básicos da Medicina, como o uso de ataduras e a coleta de textos sobre Medicina começou na Mesopotâmia, outras culturas também desenvolveram essas práticas de forma independente. Mesmo na própria Mesopotâmia, muitas das técnicas desapareceram depois de haver sobrevivido por milhares de anos. Foi a Medicina egípcia, entretanto, a mais influente, e sabemos desse fato por meio dos gregos. REFERÊNCIAS CONCLUSÕES Se a Medicina praticada na antiga Mesopotâmia deixou um legado que, em última análise, influenciou médicos de outras civilizações, constitui uma questão que jamais será completamente respondida. Enquanto que muitos dos prin- 26 BOTELHO, João Bosco. História da Medicina – da abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004. ISBN: 8575121561 MARGOTTA, Roberto. História Ilustrada da Medicina. São Paulo: Manole, 1998. ISBN: 8520408702 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 LEONARDO SOARES DA SILVA MANEJO PRÁ TIC OD A ASCITE PRÁTIC TICO DA MANAGEMENT OF PRACTICAL ASCITES Leonardo Soares da Silva1 RESUMO: Ascite é definida como acúmulo de líquido livre na cavidade peritoneal. Manifestação comum na hipertensão portal da cirrose hepática e seu diagnóstico ocorre por meio da paracentese, que deve ser realizada em todos os pacientes, independentemente da sua etiologia. O objetivo é padronizar o diagnóstico e o tratamento da ascite no Hospital Universitário Getúlio Vargas. A metodologia utilizada foi a revisão de artigos recentes publicados com relevância no assunto abordado pelo autor. A publicação é a visão prática de uma patologia comum no cotidiano do gastroenterologista e do clínico geral. Palavras-chave: Ascite; Diagnóstico; Terapêutica. ABSTRACT: Ascites is defined as accumulation of free liquid in the peritoneal cavity. It is a common manifestation of portal hypertension in liver cirrhosis and its diagnostic occurs by paracentesis, which must be performed in all patients, regardless of its etiology. The goal is to standardize the diagnosis and treatment of ascites in University Hospital Getulio Vargas. The methodology used was the review of recent articles published with relevance in the matter raised by the author. The publication is a practical vision of a condition common in the daily lives of gastroenterologist and the general clinic. Keywords: Ascites; Diagnosis, Therapy. INTRODUÇÃO Cardíaca Insuficiência cardíaca, pericardite constritiva, cor pulmonale. Ascite é definida como acúmulo de líquido livre na cavidade peritoneal. Manifestação frequente em inúmeras patologias, sendo que o seu diagnóstico diferencial constitui um desafio intelectual para os gastroenterologistas e para os clínicos.1,2 Renal Síndrome nefrótica, Insuficiência renal crônica dialítica. ETIOLOGIA As principais etiologias da ascite (Tabela 1):3,4 Neoplasia Metástase peritoneal, mesotelioma, pseudomixoma peritoneal. linfoma, Quilosa Obstrução linfática mesentérica. Ginecológica Síndrome de Meigss, endometriose, síndrome de hiperestimulação ovariana. Tabela 1 – Etiologia da Ascite. Gastroenterológica Hipertensão portal: Cirrose hepática, hepatite fulminante, doença veno-oclusiva (trombose de veia porta e supra-hepáticas) Pancreática: Pancreatite aguda, pseudocisto Biliar. 1 Infecciosa Tuberculose, esquistossomose, fúngica, bacteriana. Outras Lúpus eritematoso sistêmico, angioedema hereditário, artrite reumatoide, Doença de Whipple, mixedema, gastroenterite eosinofílica, febre familiar do Mediterrâneo, hipoalbuminemia. Médico e especialista em Gastroenterologia. E-mail: [email protected] revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 27 MANEJO PRÁTICO DA ASCITE DIAGNÓSTICO a. Paracentese diagnóstica A paracentese com coleta de líquido ascítico para posterior estudo é uma grande arma para o diagnóstico da causa básica do derrame peritoneal. É um procedimento seguro, sem evidências que predisponham a infecção do líquido peritoneal e deve ser realizado em todos os pacientes com ascite, independentemente da suspeita clínica. Indicações: 1. Pacientes internados ou ambulatoriais com ascite ao exame físico de início recente ou causa indeterminada. 2. Paciente portador de doença hepática crônica, com ascite preexistente e suspeita de peritonite bacteriana espontânea (PBE). A PBE deve sempre ser suspeitada quando ocorre deterioração do quadro clínico do paciente, como: febre, dor abdominal, encefalopatia hepática, disfunção renal, leucocitose, acidose metabólica, sepse ou choque séptico.1,5,6 Procedimento: 1. Material Utilizado a. Cateter intravenoso n.º 14 b. Seringa n.º 20 ou 10 c. Campo fenestrado estéril d. Luvas estéreis e. Pinças para pequenas cirurgias f. Frascos de vidro estéril g. Coletor de vidro ou plástico h. Equipo de soro i. Cloridrato de lidocaína a 2% sem vasoconstritor j. Substâncias para assepsia e antissepsia 2. Técnica a. Realizado na beira do leito ou em local para procedimento na enfermaria, com paciente em jejum e esvaziamento prévio da bexiga. b. Em decúbito dorsal. 28 c. Localização: quadrante inferior esquerdo. No ponto central em uma linha imaginária entre a crista ilíaca superior e a cicatriz umbilical (afastando dos vasos epigástricos). d. Assepsia e antissepsia. e. Colocação do campo fenestrado. f. Anestesia local com lidocaína (2 a 5 ml). g. Montar o cateter intravenoso na seringa de 20 ml. h. Introdução do cateter/seringa perpendicular à pele, sempre aspirando até que a saída do líquido peritoneal. i. Retirar a agulha e coletar líquido para bioquímica, citometria, pesquisa de células neoplásicas, culturas. j. Ligar o cateter ao equipo e o coletor. l. Curativo no local da punção. 3. Análise do líquido ascítico6,7,8 Os exames solicitados para análise do líquido ascítico encontram-se na Tabela 2: Tabela 2 – Exames para análise da ascite. Rotina Opcionais Não usual Raramente Celularidade e Glicose diferencial Citologia Proteínas totais Albumina Triglicerídios Lactato Bilirrubinas Colesterol Fibronectina DHL Amilase Gram Cultura pH Avaliação dos parâmetros encontrados no material coletado: a. Aparência macroscópica (Tabela 3). Tabela 3 – Macroscópica do líquido ascítico. Aparências do líquido ascítico Macroscópica Etiologias Amarelo citrino (claro) Cirrose hepática sem complicações. Turvo Infecções (peritonite bacteriana espontânea ou secundária). Leitoso (quilosa) (Neoplasia ou trauma do ducto pancreático). Sanguinolento revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 Punção traumática. Neoplasia maligna. LEONARDO SOARES DA SILVA Macroscópica e. Cultura Etiologias Ascite cirrótica sanguinolenta. Sanguinolento Tuberculose (raro). Punção inadvertida do baço (Esplenomegalia volumosa). Síndrome ictérica. Marronzado Perfuração de vesícula biliar. Injetar no frasco de hemocultura – 10 ml de líquido ascitíco à beira do leito. Cultura para bactérias, em casos especiais para tuberculose e fungos. Ulcera duodenal. f. Bioquímica b. Citologia e citometria A contagem de polimorfonucleares (PMN) é importante no diagnóstico da peritonite bacteriana espontânea (PBE) no paciente cirrótico, independentemente da cultura: Glicose, pH, proteínas totais, DHL (na primeira análise: amilase, ADA). TRATAMENTO a. Repouso relativo no leito. b. Restrição de sódio Contagem >250 PMN: PBE A dieta deve conter em torno de 2 g (88 mEq) de sódio por dia. c. Gradiente albumina Soro Ascite (Gasa) A dosagem do Gasa é crucial no diagnóstico da etiologia da ascite, principalmente relacionada à hipertensão portal. O Gasa é a diferença entre a albumina do soro e da albumina da ascite (dosagens devem ser colhidas simultaneamente (Tabela 4). c. Restrição de líquido Restrição da ingesta de líquido apenas quando o sódio sérico for menor que 120 g/ml. d. Diuréticos Tabela 4 – Diagnóstico diferencial com uso do Gasa. Gasa > 1,1 Gasa < 1,1 Hipertensão portal Doença Peritoneal HP Sinusoidal (cirrose hepática): Carcinomatose Proteínas totais (ascite) < 3,0 Tuberculose HP Pós-sinusoidal (Insuficiência Síndrome cardíaca): Nefrótica Proteínas totais (ascite) > 3,0 d. Citologia oncótica Encaminhar para anatomia patológica no mesmo dia, se não colocar em álcool a 50% para melhor conservação do material. A citologia oncótica contribui para o diagnóstico diferencial das neoplasias malignas peritoneais, principalmente metastáticas (carcinomatose peritoneal). A associação de dois diuréticos de ações diferentes é melhor opção no tratamento oral da ascite no paciente cirrótico. As drogas provocam efeito sinérgico, além de diminuir os efeitos deletérios, quando usados isoladamente. Inicia com furosemida 40 mg/dia e espironolactona 100 mg/ dia. Aumenta progressivamente, se a resposta clínica for insuficiente após 3 a 4 dias com a terapia. A furosemida pode ser aumentada até 160 mg e a espironolactona até 400 mg. Importante: Evitar o uso de diuréticos endovenosos. O objetivo da terapia diurética é a perda de peso no máximo 1 kg/dia em pacientes com edemas de membros inferiores ou 0,5 kg/dia em pacientes sem edema de membros. Essa medida tem a intenção de diminuir a deterioração da função renal nestes pacientes. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 29 MANEJO PRÁTICO DA ASCITE e. Paracentese terapêutica A paracentese está indicada no tratamento da ascite de difícil controle como: Antibioticoterapia (Tabela 5). Tabela 5 – Antibióticos usados no tratamento do PBE. Cefatoxima 2 g EV 8/8h por 5 dias Ceftriaxona 2 g EV 1 x dia por 5 dias 1. Ascite refratária ao tratamento oral com diuréticos; 2. Ascite diurético-intratável, isto é, paciente com contraindicações ou efeitos colaterais com diuréticos; 3. Ascite tensa com desconforto respiratório; Albumina humana A albumina humana é indicada quando ocorre uma retirada maior que 4 litros durante o procedimento da paracentese terapêutica. A reposição intravenosa de albumina acarreta menos complicações (síndrome hepatorrenal, hipotensão) e diminuindo o tempo de internação, menor número de readmissões e maior sobrevida dos pacientes A dose preconizada de 5 g de albumina por litro retirado. A infusão da albumina ocorre concomitante ou logo após o procedimento, com velocidade 1 ml/minuto. Lembrando que cada frasco de albumina humana a 20% possui 10 g.4,9,10 Amoxacilina + clavulanato EV 1,2 g 8/8h por 2 dias e 625 mg VO 8/8 por 6 a 12 dias Ciprofloxacina EV 200 mg 12/12h por 5 dias Uso da Albumina na PBE A albumina é administrada 1,5 g/kg/dia no primeiro dia (no máximo até 6h do diagnóstico) e 1 g/kg/dia no terceiro dia de tratamento. A albumina reduz a mortalidade intra-hospitalar e a deterioração da função renal. Paracentese de controle Realizar nova paracentese após 48 horas do início do tratamento. O resultado esperado é uma queda mínima de 25% na contagem de PMN em relação à análise inicial do líquido ascítico. Não ocorrendo essa diminuição, o esquema de antibioticoterapia deve ser substituído de acordo com o resultado da cultura e antibiograma. Profilaxia da PBE f. Outros tratamentos 1. TIPS (Derivação porto-sistêmico intrahepático transjugular) TIPS é uma técnica que provoca um shunt portocava látero-lateral, descomprimindo o sistema porta. É opção de tratamento na ascite retratária. A principal complicação é a encefalopatia hepática. A profilaxia da PBE é uma prioridade em todo paciente que apresentou a infecção do líquido ascítico, deve ser realizada por meio de esquema oral por tempo indeterminado (Tabela 6). Tabela 6 – Profilaxia do PBE. Norfloxacina 400 mg VO 1 x dia Ciprofloxacina 750 mg /semana Sulfametaxazol + trimetropim 400/80 mg por dia 2. Transplante hepático Outros: Ofloxacina, amoxacilina + clavunulato O transplante hepático é a opção definitiva da ascite de origem hepática. g. Tratamento da Peritonite bacteriana espontânea5,11,12 30 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 LEONARDO SOARES DA SILVA ALGORITMO DA ASCITE ASCITE PARACENTESE DIAGNÓSTICA GASA < 1,1 Proteína >3 DOENÇA PERITONEAL GASA > 1,1 Proteína <3 HIPOPROTEINEMIA Paciente cirrótico PMN > 250 Peritonite bacteriana espontânea PMN < 250 Ausência de infecção revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 31 MANEJO PRÁTICO DA ASCITE REFERÊNCIAS 1. THOMSEM, T. W.; SHAFFER, R. W.; WHITE, B.; SETNIK, G. “Paracentesis”. N. Engl J Med., nov., 355:21, 2006. 2. MATTOS, A. A. “Paracentese diagnóstica”. Revista da AMRIGS, 50 (1):54-58, 2006. 3. OLMOS, R. D.; SANTOS, M. S. C.; MARTINS, H. S.; LOPES, R. A. “Ascite no Pronto-Socorro”. In: Emergências clínicas: abordagem prática. 2.ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2006, p. 278-95. 4. SHERLOCK, S.; DOOLEY, J. “Ascites”. In: Doença do fígado e do sistema biliar. 11.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2004, p. 111-27. 5. MOORE, K. P.; WONG, F.; GINES, P.; BERNADI, M.; OCHS, A.; SALERNO, F.; ARROYO, V. “The management of ascites in cirrhosis: Report on the Consensus Conference of the International Ascites Club”. Hepatology, vol. 38, n.º 1, 2003. 6. GINES, P.; CARDENAS, A.; ARROYO, V.; RODES, J. “Management of cirrhosis and ascites”. N Engl J Med., 350:1.646-54, 2004. 7. JORGE, S. G. Gerenciamento da ascite como complicação da cirrose em adultos. 32 www.worldgastroenterology.org/.../pdf/ g u i d e l i n e s / ascites_complicating_cirrhosis_in_adults_management_pt.pdf. 8. RUNYON, B. A. “Management of adult patients with ascites caused by cirrhosis”. Hepatology, vol. 39, n.º 3, 1-16, 2004. 9. ANGELI, P.; GATTA, A. “Medical treatment of ascites in cirrhosis”. In: GINÈS, P.; ARROYO, V.; RODÉS, J.; SCHRIER, R. W eds. “Ascites and Renal dysfunction in liver disease”. Pathogenesis, diagnosis and treatment. Massachusetts: Blackwell Science, 227-41, 2005. 10. CARDENAS, A.; ARROYO, V. “Management of ascites and hepatic hydrothorax”. Best Practice & Research Clinical Gastroenterology, vol. 21, n.º 1, 55-75, 2007. 11. CORAL, G.; MATTOS, A. A.; DAMO, D. F.; VIEGAS, A. C. “Prevalência e prognóstico da peritonite bacteriana espontânea. Experiência em pacientes internados em um Hospital Geral de Porto Alegre (1991-2000)”. Arq Gastroenterol., vol. 39, n.º 3, jul./set., 2002. 12. YU, A. S.; HU, K-Q. “Management of ascites”. Clin Liver Dis, 2001; 5:541-68. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 JONAS RIBAS, EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO PREV ALÊN CIA DOS SINT OMAS N AS AIS EM P ACIENPREVALÊN ALÊNCIA SINTOMAS NAS ASAIS PA TES C OM HANSENÍASE A COMP ANHADOS N A COM AC OMPANHADOS NA FUND AÇÃ OALFREDO D A MA TT A FUNDA ÇÃO DA MATT TTA PREVALENCE OF NASAL SYMPTOMS IN LEPROSY PATIENTS IN FOLLOW-UP AT ALFREDO DA MATTA FOUNDATION Jonas Ribas*, Eduardo Abram Kauffman**, Cláudia Marina Puga Barbosa Oliveira***, Júlio César Simas Ribeiro**** RESUMO: Introdução: O Mycobacterium leprae tem tropismo pelas partes mais frias do corpo e o nariz pode ser sede inicial de lesões. Objetivos: Relatar a prevalência das queixas nasais em pacientes com hanseníase. Pacientes e métodos: Estudo de prevalência, onde foram incluídos quarenta pacientes com hanseníase em acompanhamento na Fundação Alfredo da Matta entre agosto de 2006 e abril de 2007. Os pacientes eram inquiridos quanto às queixas nasais e, se apresentassem sintomas, eram encaminhados para avaliação clínica. Resultados: Cinquenta e sete por cento dos pacientes apresentavam sintomas nasais, sendo obstrução em 60,9% dos casos. A forma multibacilar lepromatosa foi predominante dentre os sintomáticos. Conclusão: Apesar das formas multibacilares se correlacionarem mais nitidamente com sintomas nasais, as formas paucibacilares também figuraram como importantes causadores dessas queixas. Palavras-chave: Hanseníase, sintoma nasal, multibacilar, paucibacilar. ABSTRACT: Introduction: Mycobacterium leprae has tropism to the coldest parts of the body and primary lesion may take place at the nose. Objectives: To relate prevalence of nasal symptoms in leprosy patients. Patients and methods: A prevalence study, in which were included forty leprosy patients in follow-up at Alfredo da Matta Foundation between august 2006 and april 2007. Patients were asked about nasal complaints and, if positive, they were lead to clinical evaluation. Results: Fifty-seven percent of the patients presented nasal symptons, and obstruction was in 60,9% of the cases. Leprosy multibacillary form was predominant among patients with symptoms. Conclusion: In spite of multibacillary forms may be related to nasal symptoms more obviously, paucibacillary forms also appear as important causes of these complaints. Keywords: Leprosy, nasal symptoms, multibacillary, paucibacillary. INTRODUÇÃO A hanseníase é uma doença de curso crônico causada pelo Mycobacterium leprae, cujo contágio se dá por meio da eliminação dos bacilos pelas secreções nasais, da orofaringe e soluções de continuidade da pele e/ou mucosas dos doentes atingindo áreas erosadas das mucosas nasal e/ou cutânea dos indivíduos sãos.4 Quanto ao espectro clínico, classifica-se em: Tuberculoide, com baciloscopia negativa, grande resposta celular, lesões limitadas e poucos bacilos; Lepromatosa ou Virchowiana (LL), com lesões de pele difusamente distribuídas na pele e exacerbada resposta humoral, e Borderline, instável, onde aparecem as formas BT (paucibacilar), BB e BL (multibacilares). É importante citar as formas Neural Pura (NP) e Indeterminada (I), onde Mestre em Patologia Tropical e professor assistente da Ufam. Mestre em Otorrinolaringologia, professor assistente da Ufam. *** Acadêmica do 6.º ano de Medicina, Ufam. **** Acadêmico do 6.º ano de Medicina, Ufam. * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 33 PREVALÊNCIA DOS SINTOMAS NASAIS EM PACIENTES COM HANSENÍASE ACOMPANHADOS NA FUNDAÇÃO ALFREDO DA MATTA a resposta do hospedeiro é insuficientemente diferenciada, podendo evoluir para cura espontânea ou polarizar, dependendo da resposta imune celular.6 Em localidades onde a baciloscopia não for disponível, a OMS recomenda que os pacientes sejam classificados de acordo com o número de lesões cutâneas, considerando-se paucibacilares aqueles com até cinco lesões e multibacilares aqueles com mais de cinco lesões. O Mycobacterium leprae tem tropismo pelas partes mais frias do corpo, como a pele das extremidades, os lobos das orelhas, hélix, anti-hélix, tragus, cartilagem alar, septo nasal e testículos, onde há temperatura ideal para seu desenvolvimento. Além disso, várias publicações são unânimes em afirmar que o nariz é sede inicial de lesões, precedendo inclusive as manifestações cutâneas.1 Dentre as manifestações nasais encontradas na hanseníase encontram-se obstrução, sangramento, rinorreia, crostas, dor, prurido, ressecamento, espirro, hiposmia, cacosmia e anosmia.7 À rinoscopia anterior e posterior, as lesões da rinite leprótica configuram como infiltração, lepromas, ulcerações e perfuração. Isso põe em destaque a avaliação otorrinolaringológica como integrante do arsenal multidisciplinar diante do diagnóstico e acompanhamento do paciente hanseniano, principalmente daquele com as formas virchowiana e borderline, onde o envolvimento das vias aéreas superiores é frequente e extenso.8 OBJETIVOS Estudar a prevalência das queixas nasais em pacientes de hanseníase com qualquer uma das formas clínicas. Identificar a frequência de cada sintoma nasal em pacientes hansenianos e relacionar os sintomas nasais com a classificação clínica de hanseníase. PACIENTES E MÉTODOS O estudo é de prevalência, realizado na Fundação Alfredo da Matta, organização de refe- 34 rência da OMS na América Latina no estudo da Hanseníase e responsável historicamente pelo diagnóstico de aproximadamente 50% dos casos novos de hanseníase do Estado do Amazonas.3 Por meio da análise dos prontuários, foram selecionados 40 (quarenta) pacientes entre 18 e 60 anos com diagnóstico definitivo de hanseníase, com qualquer uma de suas formas clínicas e em acompanhamento na Fundação Alfredo da Matta durante o período de agosto de 2006 a abril de 2007. Foram excluídos da pesquisa grávidas, menores de 18 anos e maiores de 60 anos e portadores de doenças concomitantes. Os pacientes eram inquiridos quanto às queixas nasais da hanseníase na Fundação Alfredo da Matta e eram prontamente encaminhados para avaliação otorrinolaringológica se preenchessem algum dos sintomas listados na ficha padronizada de entrevista. Durante esse atendimento, eram novamente entrevistados e examinados por intermédio de rinoscopia anterior. RESULTADOS Durante o período de realização da pesquisa, de agosto de 2006 a abril de 2007, a Fundação Alfredo da Matta registrou um total de 179 casos novos de hanseníase. Foram então selecionados para a pesquisa quarenta pacientes em acompanhamento na instituição, sendo vinte e seis homens (65%) e catorze mulheres (35%). Quanto à forma clínica, em ordem decrescente de frequência, encontramos nove pacientes com a forma LL (22,5%); oito com a forma BB (20%); sete com a forma BT (17,5%); cinco com a forma BV (12,5%); quatro com a forma TT (10%); quatro com a forma I (10%); dois com forma NP (5%) e um com ENH (2,5%). Considerando os pacientes em multibacilares ou paucibacilares, houve prevalência de 55% dos primeiros. Observou-se que 57,5% dos pacientes apresentavam queixas otorrinolaringológicas referentes ao nariz e que muitos deles não relacionavam tais sintomas à hanseníase. Em 56,5% dos casos, os pacientes detinham entre dois a seis sintomas e em 57%, tal sintomatologia era referida em anos. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 JONAS RIBAS, EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO A queixa nasal mais frequente foi obstrução nasal, observada em 60,9% dos pacientes sintomáticos, seguida pela hiposmia (52,2%). Encontramos ainda dor nasal e ressecamento nasal, ambos em 47,8% dos casos; dispneia e alteração da fonação em 30,4%; eliminação de crostas em 26,1%; prurido e espirros em 21,7%; sangramento nasal e rinorreia em 17,4%; cacosmia em 8,7% e nenhum caso de anosmia (Tabela 1). Faz-se mister também relacionar a presença ou ausência de sintomas com a forma clínica apresentada pelos pacientes. Dentre os pacientes com a forma Neural Pura (NP), observou-se que metade tinha sintoma nasal; nos com forma Virchowiana ou Lepromatosa (LL), 77,8% era sintomático e 22,2%, assintomático; nos pacientes com forma Borderline-Virchowiana ou BorderlineLepromatosa (BL), 66,7% apresentou queixa nasal e 33,3% não apresentou; os com forma BorderlineBorderline (BB) foram 100% assintomáticos; os pacientes com forma Borderline-Tuberculoide (BT) eram sintomáticos em 71,4% dos casos e assintomáticos em 28,6% deles; os com forma Tuberculoide-Tuberculoide (TT) eram sintomáticos em 50% dos casos; os com forma Indeterminada de hanseníase eram 100% sintomáticos e o único paciente com Eritema Nodoso Hansênico era assintomaico. Tabela 1– Sintomas nasais em ordem decrescente de prevalência. Sintomas DISCUSSÃO Houve predominância de homens doentes em relação às mulheres, com proporção de quase 2:1, estando em consonância com a literatura especializada que explica tal fato pelas teorias de maior exposição do sexo masculino ou de maior resistência inerente à mulher.3,5 O número de casos do grupo paucibacilar foi menor do que o do multibacilar, acompanhando o panorama nacional da moléstia.2,7 A forma clínica mais frequente tanto nos pacientes em geral quanto nos sintomáticos foi a Virchowiana (LL), sendo tal achado concordante com alguns estudos,4,5,9 seguida em ambos os casos pela forma paucibacilar Borderline-Tuberculoide (BT). O achado relevante de 57,5% de pacientes com queixas otorrinolaringológicas referentes ao nariz é compatível com o de Martins et al. (2005), onde detectou 70% de sintomáticos em sua amostra. A referência de duração da sintomatologia em anos pela maioria dos pacientes também foi encontrado por Abreu et al. (2006) e por Santos et al. (2000), onde se registrou casos de até 50 anos de evolução. A obstrução nasal, observada em 60,9% dos casos, é um dos sinais otorrinolaringológicos mais precoces da hanseníase e é reflexo da infiltração granulomatosa da mucosa. Mesmo com aparente perviedade da cavidade nasal, os pacientes podem referir obstrução, comum na rinite atrófica da Número de Pacientes % Obstrução nasal 14 60,9 Hiposmia 12 52,2 Dor nasal 11 47,8 Ressecamento nasal 11 47,8 Dispneia 7 30,4 Alteração da fonação 7 30,4 Crostas 6 26,1 Prurido 5 21,7 trabalhos possuíam um arsenal de instrumentos Espirro 5 21,7 mais eficazes para tal detecção, como a endoscopia Sangramento nasal 4 17,4 nasal, propiciando uma visão mais detalhada da Rinorreia 4 17,4 mucosa do que a rinoscopia anterior, e de biópsia Cacosmia 2 8,7 nasal para se fazer diagnóstico diferencial quando Anosmia 0 0 hanseníase.4 Somente 22% dos sintomáticos compareceram à avaliação clínica e estes não apresentaram alterações de mucosa ao exame. Isso não condiz com o achado de alguns trabalhos, que descrevem alterações da mucosa nasal até mesmo em assintomáticos.4 É importante salientar que esses necessário.1,4 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 35 PREVALÊNCIA DOS SINTOMAS NASAIS EM PACIENTES COM HANSENÍASE ACOMPANHADOS NA FUNDAÇÃO ALFREDO DA MATTA CONCLUSÃO Destaca-se a negligência do exame da mucosa nasal por meio da rinoscopia anterior na rotina de atendimento em centros de tratamento para hanseníase. A forma clínica multibacilar Virchowiana (LL) é a que mais se relaciona com sintomas nasais, mas devemos ficar atentos com os sintomas também nas formas paucibacilares, que, apesar de menos suscetíveis à sintomatologia otorrinolaringológica que as formas multibacilares, figuraram como importantes causadores de queixas nasais. A pesquisa de lesões de mucosa nasal somente pela rinoscopia anterior, pelo espéculo nasal, pode conter falhas, sendo mais adequado o uso de métodos mais sofisticados para o diagnóstico correto dessas alterações, como endoscopia e biópsia nasal. REFERÊNCIAS 1. ABREU, M.; MICHALANY, N.; WECKX, L.; PIMENTEL, D.; HIRATA, C.; ALCHORNE, M. A mucosa oral na hanseníase: um estudo clínico e histopatológico. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 72(3):312-316, 2006. 2. AQUINO, D.; CALDAS, A.; COSTA, J.; SILVA, A. Perfil dos pacientes com hanseníase em área hiperendêmica da Amazônia do Maranhão, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 36(1):57-64, 2003. nico-laboratorial baseada em dados secundários dos casos de hanseníase atendidos no período de 1/2000 a 3/2001 na Fundação Alfredo da Matta, Manaus-AM, Brasil. Anais Brasileiros de Dermatologia, 79(5):547-554, 2004. 4. MARTINS, A.; CASTRO, J.; MOREIRA, J. Estudo retrospectivo de dez anos em endoscopia das cavidades nasais de pacientes com hanseníase. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 71(5):609-616, 2005. 5. OLIVEIRA, M.; ROMANELLI, G. Os efeitos da hanseníase em homens e mulheres: um estudo de gênero. Caderno de Saúde Pública, 14(1):51-60, 1998. 6. PEREIRA, H.; RIBEIRO, S.; CICONELLI, R.; FERNANDES, A. Avaliação por imagem do comprometimento osteoarticular e de nervos periféricos na hanseníase. Revista Brasileira de Reumatologia, 46(1):30-35, 2006. 7. SANTOS, G.; MARCUCCI, G.; MARCHESE, L.; GUIMARÃES JR., J. Aspectos estomatológicos das lesões específicas e não-específicas em pacientes portadores da moléstia de Hansen. Pesquisa Odontológica Brasileira, 14(3):268-272, 2000. 8. TALHARI, S.; NEVES, R. Hanseníase. 3.ª ed. Manaus: Tropical, 1997. VALENTINI, A.; NERY, J.; SALLES, A.; VIEIRA, L.; SARNO, E. Edema na hanseníase: aspectos clínicos e terapêuticos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 32(2):131-138, 1999. 3. CRIPPA, I.; PENNINI, S.; REBELLO, P.; SCHETTINI, A.; SCHETTINI, M. Correlação clí- 36 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA ACHADOS HIS TOP ATOL ÓGIC OS EM GLÂNDUL AS HIST OPA OLÓGIC ÓGICOS GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECR ÓPSIAS DE ADUL TOS JO VENS NECRÓPSIAS ADULT JOVENS HABIT ANTES D A REGIÃ O AMAZÔNIC A HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA HISTOPATOLOGICAL FINDIGNS IN THYROID GLANDS FROM AUTOPSY OF YOUNG ADULTS FROM AMAZONIA Lesemky Carlile Herculano Cattebeke*, Prof. Dr. L. D João Bosco Botelho**, Prof. Dr. L. D. Onivaldo Cervantes***, Gecildo Soriano dos Anjos****, Rodolfo Fagionato de Freitas*****, Helder Freitas Alagia******, Viviane Saldanha******* RESUMO: OBJETIVOS: Procurar alterações histopatológicas macroscópicas e microscópicas em glândulas tireoideas provenientes de necrósias de pacientes sem história prévia de doença tireoidiana. MÉTODO: As glândulas tireoideas foram retiradas, fotografadas, fixadas em formol a 10%, pesadas, medidas e avaliadas. Cortes seriados foram realizados a cada 2-3 mm da glândula e pelo menos 3 áreas em cada lobo e áreas suspeitas estudadas microscopicamente. RESULTADOS: Foram estudadas 15 glândulas tireoideas inteiras, com tecidos adjacentes provenientes de necropsias de indivíduos masculinos de 17 a 56 anos (média de 31,4 anos), procedentes e habitantes da região amazônica não litorânea, sem doença tireoidea prévia e mortos por causas acidentais ou violentas. O peso médio das glândulas estudadas foi 16,17 g, foram encontradas 6 (40%) tireoides normais, 9 (60%) bócios difusos, sendo um (6,6%) Coloide, Cistos coloides em 3 (20%) e microcistos em 4 (26,66%) dos indivíduos. CONCLUSÃO: Estas alterações encontradas são características de indivíduos provenientes de área endêmica para bócio, no caso a região amazônica, provavelmente pela dieta alimentar local levando à deficiência de iodo. Descritores: 1. Tireoide. 2. Autópsia. 3. Bócio. 4. Histopatológico. ABSTRACT: OBJECTIVES: Search macroscopic and microscopic histopathological changes in thyroid glands that were collected at autopsy of subjects with no previous thyroid disease. METHODS: Thyroid glands were collected, photographed, fixed in formalin, weighed, measured and analyzed. All glands were serially sectioned at 2-3 mm intervals and at minimum 3 areas for lobe and suspected areas are microscopically examined. RESULTS: We studied 15 whole thyroid glands. All subjects are men, habitants of Amazon’s central region, had no known clinical history of thyroid disease and are dead for violent or trauma causes. Age varied from 17 to 56 years (31,4 years of median age).The glands had 16,17 g of median weight, and we find 6 (40%) of normal thyroid glands, 9 (60%) diffuse goiters (one of then Colloid), colloid cysts in 3 (20%) and micro cysts in 4 (26,66%) subjects. CONCLUSION: The morphologic changes are from individuals characteristically from an endemic goiter region, in the Amazon region, probably as a result of the local diet conducing to iodine deficiency. Keywords: 1. Thyroid. 2. Autopsy. 3. Goiter. 4. Histopathology. * Professor titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Depar tamento de Clínica Cirúrgica II da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia e Hospital Adriano Jorge, doutorando em Biotecnologia pela Ufam. ** Professor doutor e livre-docente, ex-chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Clínica Cirúrgica II – Universidade Federal do Amazonas (Ufam). *** Professor da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Universidade do Estado do Amazonas e do Centro Universitário Nilton Lins, preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Santa Júlia e Hospital Adriano Jorge. **** Professor associado, doutor e livre-docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Unifesp – EPM ***** Mestres em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, médico cirurgião assistencial do Hospital Universitário Getúlio Vargas – Ufam e preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Santa Júlia e Fundação Hospital Adriano Jorge, doutorandos em Biotecnologia pela Ufam ****** Professor do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Amazonas e médico perito legista do Instituto Médico-Legal do Amazonas ******* Otorrinolaringologista, preceptora da Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia do Hospital Santa Júlia e Fundação Hospital Adriano Jorge, doutoranda em Biotecnologia pela Ufam. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 37 ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA 1. INTRODUÇÃO Os diagnósticos das alterações morfológicas e funcionais da tireoide são de importância singular porque são passíveis de prevenção ou tratamento clínico ou cirúrgico. Muitos trabalhos referem anormalidades tireoideas em indivíduos assintomáticos, o que, do ponto de vista anatômico, geram os “bócios”.1 O bócio é qualquer aumento de volume da glândula tireoide, não importando a etiologia ou fisiopatologia. Sob a perspectiva da histopatologia, contudo, o bócio representa uma hipertrofia difusa do tecido tireoideo em consequência da hiperplasia das células foliculares. Quanto à fisiologia, quase sempre o bócio se acompanha de hipotireoidismo, levando a graves consequências ao metabolismo do indivíduo e mesmo ao intelecto. Associado a estas doenças benignas, ocorre uma incidência aumentada também de tumores malignos, os cânceres da glândula tireoide. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a existência de bócio endêmico quando, em determinada área geográfica, mais de 10% da população em geral ou 20% das crianças e adolescentes, de ambos os sexos, são portadoras de bócio.1,2,3 Com as modernas técnicas de imagem, principalmente a ecografia, cada vez mais se detectam alterações na anatomia tireoidea, e até nódulos não palpáveis podem ser biopsiados por uma aspiração com agulha fina (PAAF).4,5 Mas a sensibilidade e especificidade destes exames são limitadas, pois são dependentes da experiência do examinador e somente o exame histopatológico convencional pode dar uma maior segurança ao pesquisador. Estudos da glândula tireoide em autópsias são frequentes na literatura mundial, verificando-se que a prevalência de achados morfológicos alterados relacionam-se a diversos fatores como: o aumento da faixa etária estudada,6 a localização geográfica da população,7 o método da pesquisa, entre outros.8 Pesquisas post morten em jovens são importantes porque a identificação destas alterações assintomáticas pode levar a medidas preventivas 38 na população que interrompam a evolução natural da doença e melhorem a expectativa e a qualidade de vida desses pacientes numa idade mais avançada. 2. MÉTODO O presente estudo apresenta como material 15 glândulas tireoideas inteiras com tecidos adjacentes provenientes de autópsias de indivíduos com as seguintes características: 1. Morte por causas não relacionadas a doenças tireoideas. 2. Idade compreendida entre 17 e 56 anos (média = 32,46). 3. Ausência de fatores relacionados ao tipo de morte ou tempo de morte que prejudicassem o correto estudo da glândula (ferimentos, queimaduras, ação da flora cadavérica, decomposição). 4. Todos procedentes e domiciliados na região amazônica, em áreas não litorâneas, sem antecedentes de moradia em outras localidades. 5. Ausência de história familiar de doença tireoidea conhecida. 6. Consentimento por escrito da coleta, após esclarecimento, de familiar ou responsável. 1. Coleta da glândula tireoidea diante dos cadáveres segundo técnica específica padronizada, obedecendo a diretrizes da legislação médicolegal vigente no Instituto Médico-Legal. Participação ativa e consentida em conjunto com os médicos legistas da instituição. Terminada a perícia médico-legal, o cadáver foi colocado em hiperextensão cervical com um coxim de madeira sob as escápulas e iniciada a coleta da glândula tireoide. A incisão mediana é ampliada até o osso hioide e aprofundada na linha média entre a cartilagem tireoidea superiormente e os primeiros anéis traqueais inferiormente, expondo a glândula tireoide. A musculatura infra-hioidea foi afastada lateralmente e, em casos de difícil dissecção, foi seccionada transversalmente de modos a facilitar a retirada completa da glândula. Após a dissecção revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA anterior e lateral da tireóide, procurando-se não lesar a cápsula, seguiu-se à secção dos pedículos arteriovenosos superiores e inferiores. Os nervos laríngeos recorrentes e superiores, paratireoides, gordura e linfonodos peri-tireoideos foram retirados em bloco com a peça principal. O exame macroscópico e microscópico, medição e pesagem da glândula, foram realizadas segundo técnicas preconizadas9 pela Sociedade Brasileira de Patologia, no Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências da Saúde da Fundação Universidade do Amazonas. Após a macroscopia, a glândula foi pesada com balança de precisão. Cortes longitudinais foram realizados a cada 2-3 mm e analisados sistematicamente com o objetivo de identificar lesões suspeitas (Figura 1). As alterações foram registradas e serviram para o exame histológico. Foram realizadas de 3 a 5 lâminas de cada lobo e istmo. Lâminas são preparadas e coradas com hematoxilina e eosina. Baseado nos dados coletados, foi calculado o coeficiente de correlação entre as variáveis peso das glândulas tireoideas versus idade dos pacientes. O resultado foi R = 0,3971, aparentemente sugerindo correlação positiva (o peso aumenta com a idade), porém o teste de Pearson mostrou com resultado r - value = 0,143, não mostrando significância estatística entre as variáveis em questão. restantes foram classificadas como bócios. Sendo que uma como bócio coloide. Não foram identificados focos de carcinoma ou tireoidite, embora houvesse focos de infiltrado linfocítico focal. A única alteração congênita encontrada foi a presença do lobo piramidal, ou pirâmide de Lalouette, em 2 pacientes, E e H (Tabela 1). Todas as glândulas encontravam-se na topografia usual e se constituíam de dois lobos principais e um istmo. Tabela 1– Achados Morfológicos em 15 tireoides provenientes de necropsias de pacientes sem doença conhecida prévia, provenientes da região amazônica, segundo a idade. Idade 17 A 36 ANOS 37 A 56 ANOS TOTAL % Indivíduos 9 6 15 (100%) Tireoide Normal 6 0 6 (40%) Peso Médio (g) 14,17 g 19,15 g 16,17 g Bócio Difuso 3 6 9 (60%) Fibrose 4 2 6 (40%) Congestão Vascular 4 5 9 (60%) Infiltrado Linfocitário 2 1 3 (20%) Hemorragias 1 2 3 (20%) Hiperplasia Nodular 1 0 1 (6,66%) Microcistos 2 2 4 (26,66%) Cápsula íntegra 9 6 100 % Carcinomas 0 0 0 Adenomas 0 0 0 Cistos Coloides 2 1 3 (20%) 4. DISCUSSÃO Figura 1 – Cortes seriados a cada 2-3 mm da glândula tireoide. 3. RESULTADOS A idade média dos 15 indivíduos do estudo foi de 31,4 anos, variando de 17 a 56 anos. Após a retirada dos tecidos adjacentes o peso médio foi 16,17 g, variando de 9,3 a 30 g. Sete glândulas foram classificadas como normais. Oito glândulas A média de idade dos indivíduos deste estudo, de 31,4 anos, é uma das mais baixas da literatura; existe pouca informação publicada sobre o tipo e prevalência de doença tireoidea oculta em adultos jovens.6,10 Komorowski & Hanson10 informam que há inúmeras razões para se procurar entender o tipo e a incidência de doenças tireoideas ocultas em adultos jovens. Primeiramente este estudo pode contribuir substancialmente para entendermos a prevalência e a história natural da doença de desordens tireoideas potencialmente graves. Outras razões são citadas, como em uso como grupo con- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 39 ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA trole, comparação entre áreas geográficas e exposição a elementos cancerígenos. Em uma série de 138 necropsias de adultos com idade entre 20 e 40 anos eles encontraram somente 3% de carcinomas ocultos, o peso médio foi de 17,3 g em homens e 16,8 g em mulheres, adenomas foram encontrados em 10% e fibrose em 8% das glândulas. Estudos de patologia oculta de tireoide em adultos foram formulados quase exclusivamente em populações de idade avançada, refletindo a idade em que se fazem mais necropsias nos diversos centros médicos,10 geralmente em Serviços de Verificação de Óbito (SVO) e não em Institutos Médico-Legais (IML). Outra característica encontrada é que os pacientes são todos do sexo masculino, isso em função da maior exposição deste sexo à causa de morte violenta ou acidental (10 dos 15 óbitos foram causados por ferimento por arma branca ou de fogo). Identificou-se uma alta incidência de bócio difuso em indivíduos jovens (60%), achado compatível com indivíduos habitantes em região endêmica para bócio, com fatores provavelmente relacionados à ingesta alimentar deficiente em iodo3,11,12 ou fatores outros ainda não esclarecidos. Lima & Montandon13 acharam uma incidência de 35% de bócio e Bisi, Fernandes, Asato de Camargo, Koch, Abdo e Thales de Brito7 de 36% em regiões do Sudeste brasileiro. O bócio endêmico é mais prevalente em áreas montanhosas como os Alpes, Andes e Himalaia, mas também podem ocorrer em regiões não montanhosas remotas do mar, mas com esta distribuição nem sempre a ingestão deficiente em iodo é a causa dominante da enfermidade.2,5,14,15 Dois estágios podem ser identificados na evolução do bócio não-tóxico difuso, sendo o primeiro estágio hiperplásico e o segundo da involução coloide.11 No estágio de hiperplasia a glândula é moderadamente aumentada de tamanho, aumentada difusamente, simetricamente e torna-se acentuadamente hiperêmica. O aumento da massa de células é detido pelo eutireoidismo e a duração desta fase é extremamente variável. Os pacientes es- 40 tavam na maior parte nesta fase. O acúmulo de coloide não é uniforme e alguns ficam muito distendidos, enquanto outros permanecem pequenos e podem mesmo reter pequenas invaginações de células hiperplásicas. O coloide acumulado produz acentuado aumento da consistência e uma superfície gelatinosa, brilhante.11 É o chamado bócio coloide. Convém lembrar que microcistos foram encontrados em 4 indivíduos (26,66%) e cistos coloides em 3 (20%). Então, o significado clínico das alterações encontradas (bócio difuso não tóxico) depende de sua capacidade de encontrar o estado de eutireoidismo. Raros pacientes são hipotireoideos e o TSH quase que invariavelmente está elevado. É provável que o principal significado do bócio difuso é que ele é o precursor de um bócio nodular. 11 Bisi, Fernandes, Asato de Camargo, Koch, Abdo & Thales de Brito,7 examinando 300 glândulas tireoideas inteiras, sendo 200 de mulheres, encontraram 6,6% de neoplasias benignas e malignas incidentais, sendo 2,33% de carcinomas, e 1% ocultos. Encontraram também 42,32% de tireoides normais e 36% de bócios, sendo 28,33% de bócios nodulares e 7% de bócios coloides difusos. Bisi, Fuggeri, Longatto Filho, Asato de Camargo, Fernandes & Abdo,8 em artigo de revisão, procuraram lesões tireoideas neoplásicas, ou não, em seis décadas de autopsias de rotina (145,043 casos). Encontraram lesões neoplásicas insuspeitas em 425 casos (8,38%), sendo que destas 68,24% eram malignas. Nessa casuística, as lesões não neoplásicas mais frequentes foram os bócios coloides adenomatosos com 3.135 casos (61,83% das lesões não neoplásicas). Lima & Montandon,13 num estudo em cem necropsias, identificaram 21% de neoplasias benignas e malignas. Esse trabalho realizado no Triângulo Mineiro encontrou 14 carcinomas papilíferos sendo que 12 menores que 1 cm de diâmetro, os chamados microcarcinomas de tireoide (MCT). Bócio coloide foi encontrado em 35% dos casos, sendo 31 casos do tipo nodular e 4 do tipo coloide. Os carcinomas papilíferos encontrados apresenta- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA vam na maioria (57,14%) padrão folicular. O peso médio das glândulas foi 23,1 g. Tireoides consideradas normais foram 43%. Enfim, analisando esta série em comparando com a literatura, verifica-se a importância de uma verificação sistemática e detalhada das glândulas tireoideas em autopsias na busca de esclarecer as vias de desenvolvimento e características dessa patologia (o bócio) na região amazônica e no restante do mundo. nonpalpable nodules discovered incidentally on thyroid imaging. Ann Intern Med., 126 (3):22631, 1997. CONCLUSÃO 7. BISI, H.; FERNANDES, V.; ASATO DE CAMARGO, R.; KOCH, L.; ABDO, A.; THALES DE BRITO. The Prevalence of Unsuspected thyroid Pathology in 300 Sequential Autopsies, with special reference to the incidental carcinoma. Cancer, 64:1.888-1.893, 1989. Os resultados encontrados nos mostram que a maioria dos indivíduos do grupo estudado possui alterações microscópicas nas suas glândulas tireoideas. Essas alterações são características de habitantes de área endêmica para bócio por provável deficiência alimentar ou na absorção do iodo. REFERÊNCIAS 1. AGHINI-LOMBARDI, F.; ANTONANGELI, L.; MARTINO, E.; VITTI, P.; MACCHERINI, D.; LEOLI, F.; RAGO, T.; GRASSO, L.; VALERIANO, R.; BALESTRIERI, A.; PINCHERA, A. The spectrum of thyroid disorders in an iodinedeficient community: the Persopagano survey. J. Clin. Endocrinol. Metab., Feb.; 84(2):561-6, 1999. 2. BOTELHO, J. B. Consideration sür la la gland thyroïde. Étude Analytique de 3771 malades. La thyroïdectomie typique, sés differentes formes, Come la meilleure orientation therapeutique. Paris, 1981 (Tese de Doutoramento. L’Université Pierre et Marie Curie. Universidade de Paris VI). 3. BOTELHO, J. B.; DOS ANJOS, G. S.; CATTEBEKE, T. M.; COHEN, M. A.; AZEVEDO, J. S.; CATTEBEKE, L. C. H. Histopatologia de 573 tireodectomias realizadas entre 1976 e 1998. In: XXIII Congresso Brasileiro de Cirurgia. Rio de Janeiro, 1999. Anais (Abstracts, 137, p. 130). Rio de Janeiro, 1999. 4. TAN, G. H. & GHARIB, H. Thyroid incidentalomas: management approaches to 5. TAN, G. H.; GHARIB, H.; READING, C. C. Solitary thyroid nodule. Comparision between palpation and ultrasonography. Arch. Intern. Med., 55(22):2.418-23; 1995. 6. BONDESON, L. & LJUNGBERG, O. Occult papillary carcinoma in the Young and in the aged. Cancer, 47:319-33, 1981. 8. BISI, H.; RUGGERI, G. H.; LONGATTO FILHO, A.; ASATO DE CAMARGO R. Y.; FERNANDES, V. S.; ABDO, A. H. Neoplastic and non-neoplastic thyroid lesions in autopsy material: historical rewreview of six decades in Sao Paulo, Brazil. Tumori, 84(4):499-503, 1998. 9. BACCHI C. E. et cols. Manual de padronização de Laudos Histopatológicos da Sociedade Brasileira de Patologia. 2. ed. São Paulo: Editora AR, 1999. 10. KOMOROWSKI, R. A. & HANSON, G. A. Occult thyroid pathology in the young adult: an autopsy study of 138 patientes without clinical thyroid disease. Hum Pathol., 1988; 19(6); 689696. 11. ROBBINS, S. L.; COTRAN, S. & KUMAR, V. Robbins Patologia Estrutural e Funcional. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. 12. CABRAL, J. M. Bócio Endêmico. Contribuição ao estudo do Bócio no Amazonas. Manaus (Monografia para Pós-Graduação em Endocrinologia e Metabologia. Universidade do Amazonas), 1997. 13. LIMA, M. A.; MONTANDON, C. Frequência de Tiroidopatias, clinicamente não detectadas, em 100 necropsias de região bócio, com ênfase especi- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 41 ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA al ao carcinoma incidental. J. Bras. Patol., 34(4); 296-303, 1998. 14. GOODMAN, L. S. & GILMAN, A. L. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. 15. FREICHMAN, A.; HARDEMEIER, T. A normal thyroid gland upon autopsy: a relatively uncommon finding. Schweiz Med Wochenschr., 1999 Jun 12; 129 (23):873-82. 42 Local de realização do trabalho: Instituto Médico-Legal do Amazonas Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas CONTATOS PARA CORRESPONDÊNCIA: Dr. Lesemky Cattebeke Rua Vila Amazonas, 488/404-B CEP: 69057240 – Manaus-AM Telefone: (92) 3236-3624 e-mail: [email protected] revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA AL TERA ÇÕES G ASOMÉTRIC AS DURANTE L AVADO ALTERA TERAÇÕES GASOMÉTRIC ASOMÉTRICAS LA VIÇO ESPECIALIZA BR ON COAL VEOL AR EM UM SER BRON ONC ALVEOL VEOLAR SERVIÇO ESPECIALIZA-DO DE BR ON COSC OPIA DE MAN AUS BRON ONC OSCOPIA MANA GASOMETRIES ALTERATIONS DURING BRONCHOALVEOLAR LAVAGE IN ESPECIALIZED SERVICE OF MANAUS Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima*, José Correa Lima Neto*, Rildo Guilherme de Oliveira Gomes**, Karina Rabelo Albuquerque de Arnez***, Sileno de Queiroz Fortes Filho****, Ana Carolina Quico Nuerza**** RESUMO: Objetivo: Avaliar as alterações gasosas induzidas pelo lavado broncoalveolar (LBA) quanto à presença de hipoxemia ou possível hipercapnia por meio de gasometria arterial. Métodos: Estudo prospectivo, no qual pacientes maiores de 18 anos foram submetidos à broncoscopia com LBA no Hospital Universitário Getúlio Vargas, no período de dezembro de 2004 a novembro de 2005. Foram colhidas amostras sanguíneas por intermédio de punção arterial radial em membro superior com arco palmar íntegro, para avaliação gasométrica, antes do LBA e em vários tempos após seu início, sendo feita suplementação de oxigênio concomitante. Resultados: Vinte e cinco pacientes participaram do estudo, sendo a maioria do sexo masculino (78%). A pressão parcial de oxigênio (PaO2) antes do início do procedimento teve uma média de 85mmHg, aumentando para 128mmHg quando do início da suplementação de oxigênio e depois se estabilizando em 82mmHg após a realização do LBA, tendo decréscimo, portanto, de 3mmHg da média inicial. A pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) variou de 38 a 45mmHg, estabilizando em 43mmHg. Conclusão: O lavado broncoalveolar diminuiu a PaO2 significativamente, mas não chegou a provocar hipoxemia, fato provavelmente explicado pela suplementação de oxigênio feita antes do início do procedimento e durante ele. A PaCO2 estabilizou em valores considerados limítrofes após seu aumento inicial, não havendo hipercapnia. Palavras-chave: Lavagem Broncoalveolar; Gasometria; Testes de Função Pulmonar; Pressão parcial; Hipóxia; Hipercapnia. ABSTRACT: Objective: To evaluate the gaseous changes induced by bronchoalveolar lavage (BAL) for the presence of hypoxemia or possible hypercapnia using arterial blood gas. Methods: Prospective study in which patients over 18 were submitted to bronchoscopy with BAL in the University Hospital Getúlio Vargas, in the period December 2004 to November 2005. Blood samples were collected through a radial artery puncture in the upper limb with palmar arch intact, to evaluate gas before the LBA and several times after its inception, and given supplemental oxygen concurrently. Results: Twenty-five patients participated in the study, the majority being male (78%). The partial pressure of oxygen (PaO2) before the procedure took an average of 85mmHg, 128mmHg when rising to the top of supplemental oxygen and then stabilized at 82mmHg after the LBA, and decrease, therefore, the average 3mmHg original. The partial pressure of carbon dioxide (PaCO2) ranged from 38 to 45mmHg, stabilizing at 43mmHg. Conclusion: The bronchoalveolar lavage decreased PaO2 significantly, but did not cause hypoxemia, a fact probably explained by oxygen supplementation given before the procedure and during it. The PaCO2 stabilized at values considered borderline after its initial increase, resulting no hypercapnia. Cirurgião Torácico. Médico especialista em Anestesiologia. *** Residente em Anestesiologia do HUGV. **** Acadêmico de Medicina da Universidde Estadual de Medicina. * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 43 ALTERAÇÕES GASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO BRONCOALVEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZADO DE BRONCOSCOPIA DE MANAUS INTRODUÇÃO A introdução da fibrobroncoscopia flexível para o diagnóstico e tratamento das doenças pulmonares revolucionou a abordagem dessas patologias.1 Entre as diversas técnicas que surgiram está o lavado broncoalveolar (LBA), que é um método diagnóstico minimamente invasivo, tendo por conceito básico o recolhimento de células e exsudato inflamatório presentes na superfície epitelial do alvéolo, interagindo, assim, com processos imunológicos, inflamatórios e infecciosos ali presentes.2,3 O LBA facilitou a análise microbiológica do trato respiratório inferior sem contaminação da amostra por microrganismos da orofaringe,2 possibilitou um melhor estudo da fisiopatogênese e da avaliação da atividade das doenças que acometem o interstício pulmonar e auxiliou no diagnóstico de doenças oportunistas.4 Pacientes com HIV/aids, por exemplo, apresentam risco aumentado para infecções oportunistas respiratórias, mas por causa da ausência de especificidade nos achados clínicos e de imagem, o LBA tornou-se fundamental no diagnóstico dessas doenças, melhorando o prognóstico desses pacientes, na medida em que passou a ser feita a terapia mais adequada.2,3,5 Ao longo de décadas, a Medicina vem desenvolvendo inúmeras formas de melhor detectar e quantificar o transporte de oxigênio para avaliação da eficiência do sistema que o distribui no organismo. A gasometria arterial permite a medida da pressão parcial de oxigênio (PaO2), da pressão parcial do dióxido de carbono (PaCO2) e do pH, e permanece como o método mais confiável na monitorização da oxigenação e da ventilação. O controle da oxigenação durante o LBA, entretanto, é realizado mais comumente pela medida da saturação da hemoglobina pela oximetria de pulso.6,7 As razões pelas quais a oximetria de pulso substituiu a gasometria arterial durante o LBA são: (1) menor risco de complicações por ser um método não-invasivo, ao contrário da gasometria, 44 na qual há o risco de infecções, bem como a possibilidade de sangramentos; (2) monitorização das alterações do oxigênio de forma rápida e contínua, por intermédio da medida da saturação do oxigênio (SaO2), o que implica um melhor acompanhamento durante a realização do LBA, que é considerado um método simples e rápido.6,7 A oximetria de pulso, no entanto, é consideravelmente limitada quando utilizada para estimar a PaO2 do sangue. A relação entre a PaO2 e a SaO2 (curva de dissociação da hemoglobina) sofre influências da temperatura, da PaCO2 e dos teores de 2,3 difosfoglicerato (2,3,DPG), presentes nas hemácias. Além disso, considerando a precisão da oximetria, uma SaO2 de 95% pode representar uma saturação real entre 91 e 99%. Ora, tanto a SaO2 de 91% pode expressar uma PaO2 de 60mmHg como a SaO2 de 99% uma PaO2 de 160mmHg.7 Dessa forma, o presente trabalho vem mostrar as alterações das trocas gasosas durante o lavado broncoalveolar pela utilização da gasometria arterial, considerado o exame padrão-ouro para a análise correta das medidas dos gases arteriais. MÉTODOS Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Medicina Tropical do Estado do Amazonas – FMTAM. Fizeram parte do estudo todos os pacientes maiores de 18 anos de idade com indicação de broncoscopia e LBA no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), no período de dezembro de 2004 a novembro de 2005. Os exames foram realizados pelos médicos responsáveis pelo setor de broncoscopia e a análise das gasometrias foi feita pelo laboratório do próprio hospital. Foram excluídos do estudo os pacientes com antecedentes de doença coronariana, doença vascular periférica, insuficiência cardíaca sistólica e/ou diastólica, fístula arterio-venosa, doença pulmonar descompensada; ausência de integridade do arco palmar em ambos os membros superiores, instabilidade clínica a ponto de interromper o exa- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA me e aqueles que se negaram a participar do estudo. Para o preparo dos pacientes foram feitos os seguintes procedimentos: (1) venóclise no membro superior contralateral ao que seria colhida a amostra sanguínea para gasometria; (2) punção arterial em membro superior com arco palmar íntegro; (3) monitorização dos sinais vitais; (4) anestesia da via aérea, consistindo de anestesia tópica de oro e nasofaringe, além de anestesia endovenosa com midazolan 5mg e fentanil 50ìg. Com relação à técnica, o local selecionado para lavagem depende da região acometida, mas nos casos onde o comprometimento pulmonar é difuso, o lobo médio ou a língula são os preferencialmente lavados, pois o retorno de fluxo é maior pela posição pendente dos brônquios subsegmentares no paciente em posição supina.4 O broncoscópio é introduzido até atingir um brônquio compatível com seu tamanho, que geralmente é um de 3.ª à 5.ª ordens, e em seguida injetam-se quantias de 20-50ml até um total de 100200ml (máximo de 300ml) de salina estéril, de preferência a 37ºC.8 Após cada quantia, o líquido é aspirado manualmente ou por pressão de aspiração negativa (50-80mmHg). Desconhece-se o tempo ideal que o líquido deve ser mantido antes de ser aspirado.2 A primeira alíquota, geralmente, tem um baixo retorno de até 20%.9 Durante o exame este valor deve subir para 40-70%, sendo o volume médio total de retorno em voluntários normais não-fumantes de 60-80% do volume injetado. Pacientes fumantes e com doenças pulmonares, principalmente DPOC, terão um retorno mais diminuído. Foram tomados os cuidados necessários na colheita das amostras sanguíneas para a gasometria arterial, as quais devem ser obtidas em condições anaeróbicas, colocadas em gelo e mantidas a 0ºC até a leitura. A presença de bolhas de ar na amostra sanguínea também influencia a leitura dos gases, com aumento da PaO2 e diminuição da PaCO2. Os aparelhos tradicionais para medida do pH e da gasometria utilizam eletrodos especiais para a lei- tura do pH, do oxigênio (eletrodo de Clark) e do dióxido de carbono (eletrodo de Severinghaus), os quais necessitam de calibrações frequentes, que muitas vezes retardam a leitura das amostras.6 Foram realizadas gasometrias seriadas nos seguintes tempos: • T1 – paciente sem suplementação de oxigênio; • T2 – após 2 minutos de suplementação de oxigênio; • T3 – 1.º minuto após início da coleta do LBA; • T4 – 2.º minuto após início do LBA; • T5 – 3.º minuto após início do LBA; • T6 – 4.º minuto após início do LBA; • T7 – 5.º minuto após início do LBA. A suplementação de oxigênio foi realizada nos pacientes com máscara facial em circuito circular com absorção de CO2, em FiO2 de 1,0. A manutenção da oxigenação foi feita com O2 nasal a 4,0L/min, até o final do exame. O volume total de líquido utilizado no lavado foi de 120ml de soro fisiológico 0,9%. O método estatístico utilizado para a análise dos dados foi o descritivo, por meio da média das aferições realizadas nos tempos estudados das variáveis PaO2 e PaCO2. RESULTADOS Participaram do estudo 25 pacientes, dos quais 72% foram do sexo masculino (n = 18) e 28% do sexo feminino (n = 7), com média de idade de 51,4 anos (variação entre 28-72 anos). Somente em 12 pacientes foi resgatada a principal indicação da broncoscopia com LBA, sendo cinco por infiltrado pulmonar, três por massa pulmonar, dois por bronquiectasias, um por fibrose pulmonar e outro por hemoptise. Por meio de análise descritiva foi feita, então, a distribuição das médias dos gases sanguíneos obtidos durante a gasometria arterial nos sete tempos determinados anteriormente. No caso da revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 45 ALTERAÇÕES GASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO BRONCOALVEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZADO DE BRONCOSCOPIA DE MANAUS PaO2 (Figura 1), a média antes da realização do procedimento foi de 85mmHg. Ocorreu um aumento da PaO 2 no T2, em relação ao T1, de 43mmHg, resultado esperado em função da suplementação de oxigênio. Desde o início da broncoscopia até o T3, já se observa o retorno da média das gasometrias até o seu valor inicial, mesmo com manutenção da oxigenação de 4 a 5L/min, fato que pode ser explicado pelo distúrbio na relação ventilação-perfusão provocado pelas alíquotas de salina do lavado ou ainda pelo obstáculo à passagem do ar ocasionado pelo aparelho nas vias aéreas do paciente e pela sedação realizada, componentes essenciais para o sucesso do exame. Após cinco minutos, no T7, as médias se estabilizaram em 82mmHg, mostrando uma variação discreta de 3mmHg em relação a T3. Quanto à PaCO2 (Figura 2), a média das pressões parciais antes do procedimento foi de 38mmHg. Observou-se alteração significativa desse valor em T3, no qual ocorreu elevação de 9mmHg da média, não ultrapassando o limite normal de 45mmHg. Até cinco minutos após o início do lavado a média das pressões se manteve estável, chegando a um valor mínimo de 43mmHg. Gasometria (tempo) Figura 1 – Distribuição das médias da PaO2 nos sete tempos determinados. Gasometria (tempo) Figura 2 – Distribuição das médias da PaCO2 nos sete tempos determinados. 46 DISCUSSÃO O valor normal da PaO 2 é em média 95mmHg, variando de 85 a 100mmHg. Quando este valor cai para níveis abaixo de 60mHg, está definido o estado de hipóxia, no qual há uma oxigenação inadequada dos tecidos que pode ser causada por fluxo sanguíneo inadequado e/ou baixa concentração de oxigênio no sangue.10 Dentre as causas de hipoxemia, temos quatro principais: (1) comprometimento da difusão, provocada pela presença de líquidos no interior dos alvéolos;11 (2) shunts arterio-venosos, permitindo a passagem do sangue para o sistema arterial sistêmico sem a oxigenação prévia, por causa da inundação alveolar; (3) hipoventilação; (4) shunts aéreos, provocados pela desigualdade ventilaçãoperfusão. A possível baixa concentração de oxigênio causada pelo LBA pode estar associada às duas primeiras causas.10,11 Nesse estudo apenas um paciente teve PaO2 inferior a 60mmHg (4%), o que ocorreu em todos os seus tempos exceto no T2, mas nenhuma complicação foi observada. A possível diminuição da presença de hipoxemia em nosso trabalho provavelmente se dá pela utilização de oxigenação com máscara facial durante 5 minutos com FiO2 a 1,0 antes do início do procedimento. Segundo Pugin e Suter (1992), as razões para a diminuição da oxigenação após broncoscopia com LBA não estão claramente definidas, mas o volume de líquido instilado e a presença de doenças pulmonares podem ser fatores de risco.12 Gibson et al. (1990) analisaram três diferentes grupos submetidos ao LBA.13 O primeiro grupo realizou somente broncoscopia, enquanto o segundo fez LBA com respiração ambiente e o terceiro LBA com suplementação de oxigênio, feita com cateter nasal a 4L/min, sem oxigenação antes do procedimento. O valor da PaO2 caiu 12+/3mmhg, 24+/-4mmHg e 32+/-5mmHg, respectivamente. Em 76% dos pacientes do segundo grupo e 25% do terceiro grupo à PaO2 diminuiu abaixo de 60mmHg, caracterizando um estado de hipoxemia. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA Sharma et al. (1993) e Dubrawsky et al. (1975) também não demonstraram em seus estudos alteração significativa na PaCO2, ou seja, valores maiores que 45mmHg, o que é justificado pela maior facilidade que o gás carbônico tem de atravessar a membrana alvéolo-capilar que o oxigênio. 14,15 O LBA é considerado um procedimento muito seguro, cuja taxa de complicações é de 03% comparado a 7% com a biópsia de pulmão transbrônquica e 13% quando se usa a biópsia pulmonar a céu aberto. A quantidade residual de salina presente no alvéolo pode gerar complicações, tais como: febre (2,5%), broncoespasmo (0,7%), sangramento leve (0,7%), infiltrados alveolares (0,4%) e hipoxemia. Estas complicações são de duração limitada, cedendo após 24 horas, mas em pacientes submetidos à instilação de 300-500ml de solução salina, a incidência pode aumentar para 20%. 2,3 Neste estudo não houve complicações nos pacientes submetidos ao LBA, com exceção do caso de hipoxemia citado anteriormente. Papazian et al. (1993) avaliaram os efeitos do lavado broncoalveolar em pacientes sob ventilação mecânica.16 Notaram um decréscimo significativo na PaO2, PaCO2, bem como da SaO2, após o procedimento, mas não houve alterações ou complicações significativas. Concluiu que é seguro realizar este tipo de procedimento mesmo em pacientes criticamente enfermos sob ventilação mecânica, estando alguns em choque cardiogênico ou choque séptico, fazendo uso de drogas vasopressoras para poder alcançar estabilidade hemodinâmica. Por sua vez, Klein et al. (1998), que também avaliaram esse tipo de alterações em pacientes sob ventilação mecânica, observaram deterioração da função e da mecânica pulmonar, associada a maior risco de hipoxemia e hipercapnia, além de diminuição da complacência. Segundo eles, são múltiplos os mecanismos que levam a essa deterioração, incluindo o não retorno do líquido instilado, indução de edema pulmonar e inativação ou interferência da ação do surfactante. 17 Pacientes asmáticos estão sob maior risco de desenvolver complicações relacionadas ao LBA. Spanevello et al. (1998), ao estudarem os riscos e complicações inerentes ao LBA em pacientes asmáticos, verificaram que eles estão mais sujeitos à hipoxemia pela diminuição significativa da PaO2 e pouco retorno do líquido instilado, em comparação aos indivíduos saudáveis. A PaCO2 não apresentou grandes variações, mantendo-se estável. Sugerem que nessa classe de pacientes seja feita monitorização cuidadosa e rigorosa dos sinais vitais e dos gases sanguíneos para melhor contornar possíveis complicações.18 CONCLUSÃO O lavado broncoalveolar diminuiu a PaO2 significativamente, mas não chegou a provocar hipoxemia, fato provavelmente explicado pela suplementação de oxigênio feita antes do início do procedimento e durante ele. A PaCO2 estabilizou em valores considerados limítrofes após seu aumento inicial, não havendo hipercapnia. Não foram observadas complicações neste estudo, exceto um único paciente que evoluiu com hipoxemia durante o procedimento, recuperando-se depois, sem piora do seu estado. REFERÊNCIAS 1. SACKNER, M. A.; WANNER, A.; LANDA, J. Applications of bronchofiberoscopy. Chest., 1972; 62(5): 70-8. 2. SILVA, L. C. Endoscopia Respiratória. v. 2. Rio de Janeiro: Revinter, 2002. 3. PRAKASH, U. B. Bronchoscopy. Nova York: Raven, 1994. p. 155-82. 4. GOLDSTEIN, R. A.; ROHATGI, P. K.; BERGOFSKY, E. H.; BLOCK, E. R.; DANIELE, R. P.; DANTZKER, D. R. et al. Clinical role of bronchoalveolar lavage in adults with pulmonary disease. Am Rev Respir Dis., 1990; 142(2): 4816. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 47 ALTERAÇÕES GASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO BRONCOALVEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZADO DE BRONCOSCOPIA DE MANAUS 5. SCANLAN C. L.; WILKINS, R. L.; STOLLER, J. K. Fundamentos da terapia respiratória de Egan. 7.ª ed. São Paulo: Manole, 2000, p. 449-50. 6. BRAZ, J. R. C. Monitorização da oxigenação e da ventilação. Rer Bras Anestesiol., 1996; 46(3):223-40. 7. AMARAL, J. L. G.; FERREIRA, A. C. P.; FEREZ, D.; GERETTO, P. Monitorização da respiração: oximetria e capnografia. Rer Bras Anestesiol. 1992; 42(1):51-8. 8. PINGLETON, S. K.; HARRISON, G. R.; STECHSCHULTE, D. J.; WESSELIUS, L. J.; KERBY, G. R.; RUTH, W. E. Effect of location, pH and temperature of instillate in bronchoalveolar lavage in normal subjects. 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Método: Foram utilizados 72 ratos da raça Rattus novergicus var. Wistar da mesma linhagem, machos, adultos, com peso médio de 191,6 g, randomizados em três grupos: copaíba, talco e simulação. As substâncias foram injetadas no espaço pleural direito dos animais, os quais foram mortos em 24, 48, 72 e 504h para análise macroscópica da pleura visceral e pulmão direito. Resultados: Os animais tratados com copaíba apresentaram média de reação inflamatória de grau 1,4 ± 0,27 no grupo de 24h; 2,66 ± 0,68 no grupo de 48h; 3,5 ± 0,42 no grupo de 72h e 3,66 ± 0,28 no grupo de 504h. Aqueles que receberam o talco apresentaram grau 1 ± 0,44 no grupo de 24h; 0,66 ± 0,26 no grupo de 48h; 1,16 ± 0,20 no grupo de 72h e 1,83 ± 0,49 no grupo de 504h. Durante a realização do experimento, cinco animais morreram, todos tratados com copaíba e pertencentes ao tempo de 504h. No período compreendido entre a cirurgia e o sacrifício, 51,4% dos animais apresentaram perda ponderal, principalmente aqueles tratados pelo fitoterápico. Não houve relação significativa entre a perda ponderal e o óbito dos roedores. Conclusão: Constatou-se uma maior mortalidade no grupo tratado com óleoresina de copaíba, que se mostrou muito irritante para a pleura e parênquima pulmonar de ratos, e o talco, levemente irritante. Novos estudos devem ser realizados a fim de aprimorar o uso do fitoterápico como agente esclerosante. Descritores: Plantas medicinais; Fitoterapia; Pulmão; Pleura. ABSTRACT: Background: The Amazon is the largest reserve of natural products on the planet, its population uses these substance vastly, for many applications, empirically. Copaiba oil is a phitoterapic with anti-inflammatory and healing properties. There are no reports about its effects on the pleural cavity. The talc is a mineral widely used in the cosmetics industry and represents the most sclerosing agent used to promote pleural symphysis. Objective: To identify the macroscopic changes in the pleura and lung parenchyma after the injection of oil-resin of copaíba and talc in the pleural cavity of rats. Methods: 72 Rattus novergicus var. Wistar, male, with average weight of 191,6g, were used and divided in three groups: copaíba, talc and control. These substances were injected in the right pleural space of the animals, witch were sacrificed in 24, 48, 72 and 504h, them submitted to macroscopical analysis of the lung and right visceral pleura. Results: The animals treated with copaíba showed average of inflammatory reaction of 1.4 ± 0.27 degree in group of 24h; 2.66 ± 0.68 in the group of 48h; 3.5 ± 0.42 in the group of 72h; and 3, 66 ± 0,28 in the group of 504h. Those who received the talc had grade 1± 0.44 in the group 24h; 0.66±0.26 in the group 48h; 1.16 ± 0.20 in the group 72h; and 1.83 ± 0.49 in the group 504h. During the experiment, five animals died, all treated with copaíba and belonging to the group of 504h. In the period between surgery and sacrifice, 51.4% of the animals showed weight loss, particularly those treated by phitoterapic. There was no significant relationship between weight loss and the death of rodents. Conclusion: There was a higher mortality in the group treated with oil-resin of copaiba, which was highly irritating to the pleura and lung Cirurgiões torácicos do HUGV. Acadêmicos de Medicina da Ufam. *** Biotécnica do Inpa. **** Acadêmico de Medicina da UEA. * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 49 ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS parenchyma of rats. Compared to copaiba, talc triggered a moderate reaction in the pleural cavity. Further studies must be conducted in order to improve the usage of copaíba oil as sclerosing agent. Keywords: Plants, Medicinal; Plant Extracts; Phytotherapy; Lung; Pleura. INTRODUÇÃO O conhecimento sobre plantas medicinais simboliza muitas vezes o único recurso terapêutico de muitas comunidades e grupos étnicos. O uso de plantas no tratamento e na cura de enfermidades é tão antigo quanto à espécie humana. Ainda hoje nas regiões mais pobres do país e até mesmo nas grandes cidades brasileiras, plantas medicinais são comercializadas em feiras livres e mercados populares.1 A Copaifera multijuga, pertencente à família Leguminosae – Caesalpinoideae, conhecida como copaibeira, muito utilizada na medicina popular da região amazônica, é árvore de grande porte e de cujo tronco é extraído um óleo-resina chamado óleo de copaíba. Em sua composição química, há uma mistura de sesquiterpenos e diterpenos em concentrações variadas.2,3 Esse bálsamo é utilizado empiricamente como anti-inflamatório, analgésico, anestésico, antisséptico, cicatrizante e, ainda, no tratamento de infecções broncopulmonares.3,4 Há poucas descrições, contudo, na literatura que comprovem seus verdadeiros efeitos terapêuticos e colaterais. A introdução de um agente químico no espaço pleural, a fim de induzir um processo inflamatório, denomina-se pleurodese e tem o objetivo de conduzir à formação de colágeno e a fusão das pleuras visceral e parietal.5,6 Os pacientes que desenvolvem pneumotórax recorrente e derrame pleural crônico podem se beneficiar pelo procedimento, aliviando os sintomas e evitando a reacumulação de líquido. Uma variedade de agentes pode ser usada para induzir pleurodese, e diversos estudos investigaram a resposta inflamatória na pleura, em experiências com animais e em seres humanos.7,8 O talco, forma hidratada do silicato de magnésio pulverizado, é um mineral ortorrômbico 50 amplamente utilizado na indústria de cosméticos, papel, sabões, lubrificantes; na indústria farmacêutica é usado como excipiente em drágeas e comprimidos.9 Representa o agente esclerosante mais utilizado para promoção terapêutica da sínfise pleural pelo seu baixo custo, fácil manuseio e ser acessível em hospitais de todos os portes. Pode ser administrado como um aerossol ou diluído em solução salina. Diversos estudos experimentais comprovam sua eficácia.7 A escassez de estudos atualizados sobre os efeitos medicinais das plantas amazônicas e a necessidade de um agente indutor de pleurodese eficaz e com poucos efeitos colaterais tornou essencial a realização deste trabalho científico. O objetivo do presente estudo é analisar as alterações macroscópicas desencadeadas na pleura e parênquima pulmonar de ratos pelo óleo-resina de copaíba e pelo talco. MÉTODOS Este trabalho foi desenvolvido no Biotério Central do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa. O experimento foi supervisionado por zootecnista do Biotério Central do Inpa, a fim de garantir condições sanitárias adequadas, conforto e bem-estar aos animais, segundo determinações do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal. Antes do início do experimento propriamente dito, foi desenvolvido um plano piloto com a finalidade de avaliar sua exequibilidade. Os 72 Rattus novergicus var. Wistar, machos, com peso médio 191,6g, foram distribuídos em três grupos contendo 24 ratos em cada: Grupo 1 (óleo de resina de copaíba); Grupo 2 (talco); Grupo 3 (simulação: soro fisiológico a 0,9%). Estes grupos foram subdivididos em quatro subgrupos, conforme o tempo de sacrifício dos ratos: 24, 48, 72 e 504h, de forma aleatória. Os ratos foram pesados, tricotomizados no local da incisão e submetidos à anestesia com Hidrato de Cloral a 10% na dose de 0,4 mL para cada 100 g, por via subcutânea, seguindo de uma incisão de 5mm, precedida de assepsia local com revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL álcool iodado, na região subxifoide e injetadas as substâncias com agulha de anestesia peridural Tuohy 18G BD®, via transdiafragmática, na cavidade pleural direita. Para uma recuperação mais rápida e um menor índice de mortalidade no pósanestésico, cada rato foi colocado numa campânula enriquecida com oxigênio, logo após a injeção, por dez minutos. O cálculo da dose ideal das substâncias foi feito com base na proporção ponderal entre um homem adulto médio de 70 kg e o rato macho médio de 200 g, sendo o produto dessa “regra de três” multiplicado por dois, por causa da cavidade pleural dupla desse animal. Determinou-se que ratos com menos de 200 g receberiam a injeção de 0,35 ml das substâncias e ratos com mais de 200 g receberiam a injeção de 0,4 ml. Com relação ao talco, num homem de 70 kg corresponde à injeção de 5 g. Dessa forma, num rato de 200 g corresponde à injeção de 30 mg, sendo este valor multiplicado por 2, temos 60 mg, diluído em 1 ml de solução salina. Os animais foram mortos em grupos de 18 ratos com 24, 48, 72 e 504h, após a injeção da substância selecionada, pela técnica de exposição ao éter, em câmara fechada, até a parada cardiorrespiratória. Em seguida, os animais foram novamente pesados para se verificar o ganho ou a perda de peso no decorrer do experimento. Procedeu-se, então, à incisão mediana do tórax e abdome e a observação das alterações macroscópicas, as quais foram classificadas em graus, conforme descrito por Tonietto (1999),10 de acordo com a modificação da cavidade pleural e do parênquima pulmonar: Grau 0: nenhuma alteração macroscópica; Grau 1: presença de exsudato, sem reação de fibrina ou aderências; Grau 2: presença de exsudato, com reação de fibrina leve e aderências tênues; Grau 3: presença de exsudato, com reação de fibrina leve e aderências moderadas; Grau 4: ausência de exsudato, pulmão encarcerado pela intensa reação de fibrina e inúmeras aderências. Os resultados foram avaliados por meio da análise de dados categorizados pelo teste da razão da máxima verossimilhança, com o objetivo de avaliar a existência de associação entre as substâncias e o tipo de alteração provocada por elas, no nível de significância de 5%. RESULTADOS Conforme ilustrado no Gráfico 1, após 24 horas do procedimento, a copaíba desencadeou uma reação inflamatória média de grau 1,4 ± 0,27; reação maior que a provocada pelo talco na mesma variação de tempo, sendo esta de 1 ± 0,44, não havendo significância estatística (p > 0,05). p= 0,388 Gráfico 1 – Comparação do grau de reação macroscópica após 24 horas entre talco e óleo de copaíba. No grupo de 48 horas (Gráfico 2), a copaíba destacou-se como agente indutor de reação (2,66 ± 0,68), enquanto no grupo que recebeu o talco houve reação leve ao produto (0,66 ± 0,26), havendo significância estatística (p < 0,05). p= 0,013 Gráfico 2 – Comparação do grau de reação macroscópica após 48 horas entre talco e óleo de copaíba. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 51 ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS Na análise macroscópica do grupo de 72 horas (Gráfico 3), a copaíba permaneceu como forte indutor de pleurodese (3,5 ± 0,42). No grupo do talco, neste mesmo tempo, o grau de reação média foi de 1,16, ± 0,20, havendo significância estatística (p < 0,05). p= 0,011 Gráfico 4 – Comparação do grau de reação macroscópica após 504 horas entre talco e óleo de copaíba. p= 0,0004 Gráfico 3 – Comparação do grau de reação macroscópica após 72 horas entre talco e óleo de copaíba. Na avaliação de 504 horas, houve uma elevada mortalidade no grupo copaíba. Conforme descrito na metodologia, neste grupo de 504 horas, seis animais receberam a copaíba. Apenas um sobreviveu e este se enquadrava em grau 3. Os cinco animais que morreram e participavam do grupo descrito acima, em apenas dois animais foi possível realizar classificação macroscópica. Ambos se enquadravam em grau 4. Um destes animais morreu nove dias após o experimento e o outro, 17 dias após. Os outros três animais que não resistiram até a data do sacrifício e não foi possível realizar classificação: um morreu no primeiro dia, por uma importante hemorragia intratorácica. Nos dois animais restantes não foi encontrada a causa da mor- O grupo simulação, constituído por ratos nos quais seria instalado soro fisiológico 0,9% à temperatura aproximada de 37,5ºC, apresentou uma média escore de reação pleural macroscópica de grau 0 apenas no grupo de 24 horas. O grupo simulação, cujo sacrifício ocorreu em 48 horas após o experimento, apresentou uma média dos graus de reação pleural de 0,66 ± 0,82. O grupo de 72 horas apresentou uma média de reação pleural de grau 0,5 ± 0,55. O grupo de 504 horas apresentou uma média de reação pleural de grau 1,8 ± 0,4. No período compreendido entre a cirurgia e o sacrifício, trinta e sete animais (51,4%) apresentaram perda ponderal (Tabela 1), representados principalmente pelo grupo tratado com copaíba, no qual todos os ratos que receberam a substância nos tempos 48 e 72h apresentaram tal alteração. Não houve relação significativa entre a perda ponderal e o óbito dos ratos. Tabela 1– Quantidade de animais que apresentaram perda ponderal. Reação Inflamatória Grupo Total Talco Copaíba Simulação 24 horas 0 4 0 4 Realizando a média, portanto, de reação in- 48 horas 5 6 4 15 flamatória encontrada no grupo de 504 horas (Grá- 72 horas 0 6 1 7 fico 4), a copaíba obteve grau de 3,66, ± 0,28 e o 504 horas 3 4 4 11 talco grau de 1,83, ± 0,49, havendo significância Total 8 20 9 37 te. Um veio a óbito no terceiro dia e outro no décimo quarto dia após o procedimento. estatística (p < 0,05). 52 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL DISCUSSÃO O derrame pleural recidivante é uma situação clínica frequente, resultante do comprometimento anatômico ou funcional dos folhetos pleurais por processos benignos ou malignos. Na atualidade, a melhor conduta para o controle do derrame pleural recidivante maligno é a pleurodese, isto é, o colabamento dos folhetos pleurais (visceral e parietal) produzindo a sínfise do espaço pleural impossibilitando o acúmulo de líquido). Historicamente, Bethune, em 1935, introduziu o talco pela primeira vez na cavidade pleural com o objetivo de colabar o espaço residual existente após ressecção pulmonar. Desde então, várias substâncias têm sido utilizadas para induzir a pleurodese, mas até o momento ainda não existe um consenso sobre o agente esclerosante ideal.11 Dentre os produtos já testados, podemos citar como exemplo a doxiciclina, que se mostrou eficaz e segura, contudo não é disponível em muitos países (inclusive no Brasil).11 O nitrato de prata, que ainda na década de 1980 foi abandonado por motivos não muito claros, atualmente tem sido objeto de novos estudos que otimizaram a sua utilização. Aparentemente, o abandono de tal substância teria sido causado por aspectos ligados à sua morbidade, a qual se explicaria pelo uso de altas concentrações (1-10%). A redução da concentração do nitrato de prata tem obtido resultados mais seguros e eficazes.11,12 As copaíbas são árvores do gênero Copaifera L. (Leguminosae – Caesalpinoideae) que exsudam do seu tronco um óleo resinoso chamado de óleo de copaíba. Este gênero ocorre no norte da América do Sul, principalmente nos Estados brasileiros do Pará e Amazonas.1 Na medicina popular, especialmente na Amazônia brasileira, o óleo de copaíba é utilizado como cicatrizante, anti-inflamatório e antisséptico, antitumoral, e como agente para tratar bronquites e doenças de pele.13 Algumas atividades da copaíba já foram estudadas experimentalmente. Um ensaio demonstrou que o óleo administrado por via oral reduziu o edema induzido pela carregenina na pata de ratos e exerceu atividade analgésica ao diminuir o número de contorções abdominais nos animais após estímulo doloroso, pela injeção intraperitoneal de ácido acético.14 Outros estudos experimentais demonstraram ainda seu efeito na cicatrização de feridas cutâneas.15,16 Um estudo experimental revelou que o produto da mesma espécie, ao ser aplicado na cavidade peritoneal, desencadeia irritação, traduzida por aderências em todos os casos estudados.17 Levando-se em consideração que a serosa abdominal assemelha-se histologicamente à pleural, presumese que as respostas sejam similares. No presente estudo o óleo de copaíba mostrou-se bastante irritante para a cavidade pleural, com graus de reação inflamatória progressivamente maiores, nos diferentes tempos do estudo. Em concordância, Westphal et al (2007)18 estudaram os efeitos do óleo de copaíba na pleura e parênquima pulmonar de ratos e encontrou reação inflamatória intensa, com espessamento pleural. No momento, os estudos com óleo de copaíba e sua ação indutora de pleurodese ainda são incipientes. Tappin et al (2004)13 compilaram dados disponíveis na literatura a respeito dos diferentes efeitos farmacológicos obtidos na dependência da composição e concentração do óleo de copaíba. Por exemplo, há evidência da correlação entre a atividade anti-inflamatória com os óleos que apresentam maiores teores de ácidos diterpênicos em sua composição. Isto ilustra a gama de variáveis envolvidas na eficiência desse produto tornando-se necessárias novas pesquisas, a fim de desvendar os mecanismos pelos quais a copaíba inicia o processo inflamatório e quais as concentrações mais apropriadas buscando melhores resultados. O talco é classicamente considerado o esclerosante mais eficaz, já que apresenta diversas das características citadas de um agente ideal, como o baixo custo, ampla distribuição, fácil administração, alta eficácia e baixo índice de efeitos colaterais.11 Vários estudos têm comprovado o efeito indutor de pleurodese do talco. Randall (1999)19 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 53 ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS estudou um modelo experimental de pleurodese em coelhos e constatou que o talco foi moderadamente efetivo na sua indução, o mesmo observado em outro experimento, quando comparado com o nitrato de prata.12 Há evidências, contudo, de que o talco pode induzir a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (Sara) em até 8% dos pacientes, com mortalidade em torno de 1%. O mecanismo ainda não é conhecido, mas especula-se que resulte da absorção sistêmica de pequenas partículas do produto determinando maior risco de complicações à distância.20,21,22,23 Pode ainda estar envolvido em outras complicações menos frequentes, como: dor, febre, hipoxemia, hipotensão, arritmia cardíaca e empiema pleural.24,25,26,27,28 Neste trabalho, constatamos que o talco foi levemente irritante para a cavidade pleural, com médias de grau de reação inflamatória que variaram desde 0,66 ± 0,26 no tempo de 48 horas até resposta máxima obtida no grupo de 504 horas com média de 1,83 ± 0,49. CONCLUSÃO No presente estudo, os grupos tratados com copaíba apresentaram reação mais intensa quando comparados aos resultados obtidos com os grupos tratados pelo talco. A copaíba revelou-se uma substância esclerosante promissora por provocar fortes alterações inflamatórias. Muitos animais tratados pelo fitoterápico, entretanto, apresentaram perda ponderal e houve alta mortalidade no grupo de sacrifício em 504 horas. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia, Inpa, pelo fornecimento dos animais e estrutura necessária à realização do experimento. REFERÊNCIAS 1. MACIEL, M. A.; PINTO, A. C.; VEIGA JR., V. F et al. Plantas medicinais: a necessidade de estu- 54 dos multidisciplinares. Quím Nova, 2002; 25(3):429-38. 2. PAIVA, L. A. F.; GURGEL, L. A.; CAMPOS, A. R et al. Attenuation of ischemia/reperfusioninduced intestinal injury by oleo-resin from Copaifera langsdorffii in rats. Life Science, 2004; 75(13):1979-87. 3. VEIGA JR., V. F.; MACIEL, M. A. M. Plantas medicinais: cura segura?. Quim Nova, 2005; 28(3):519-28. 4. FIEAM. Plantas medicinais e suas aplicações na indústria. Manaus: Fieam, 1996, p. 46-8. 5. LIGHT, R. W.; VARGAS, F. S. Pleural sclerosis for the treatment of pneumothorax and pleural effusion. 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Pleurodesis induced by intrapleural injection of silver nitrate or talc in rabbits: can it be used in humans?. J Pneumologia, 2003; 29(2):57-63. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL 13. TAPPIN, M. R. R.; PEREIRA, J. F. G.; LIMA, L. A et al. Análise química quantitativa para a padronização do óleo de copaíba por cromatografia em fase gasosa de alta resolução. Quím. Nova, 2004; 27(2):236-240. 21. TODD, T. R. J et al. Talc poudrage for malignant pleural effusion. Chest., 1980; 78:542- 3. 14. BASILE, A. C.; SERTIE, J. A. A.; FREITAS, P. C. D et al. Anti-inflamatory activity of oleoresin from brazilian copaifera. J Ethnopharm., 1988; 22:101-09. 23. MAK, S et al. Long-term follow-up of thoracoscopic pleurodesis for hydrothorax complicating peritoneal dialysis. Ann Thorac Surg., 2002; 74:218-21. 15. BRITO, N. M. 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Endereço profissional Universidade Federal do Amazonas, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Serviço de Cirurgia Torácica. Rua Apurinã, 4 – Praça 14 – 69010-130 – Manaus-AM – Brasil Telefone: (92) 3621-6500 (ramal 6504); 9122-3356 Órgão financiador da pesquisa Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – Fapeam revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 55 56 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, LUIZ CARVALHO NETO, LÍVIO MARTINS TEIXEIRA, CLAUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO REFL UX O L ARIN GOF ARÍN GEO: ES TUDO REFLUX UXO LARIN ARINGOF GOFARÍN ARÍNGEO: ESTUDO CHADOS À PR OSPECTIV OC ORREL ACION ANDO A PROSPECTIV OSPECTIVO CORREL ORRELA CIONANDO AC VIDEOL ARIN GOSC OPIA E ENDOSC OPIA DIGES TIV A VIDEOLARIN ARINGOSC GOSCOPIA ENDOSCOPIA DIGESTIV TIVA AL TA ALT LARINGOPHARINGEAL REFLUX: PROSPECTIVE STUDY THAT COMPARES VIDEOLAYNGOSCOPY AND UPPER ENDOSCOPY FINDS Eduardo Abram Kauffman*, Luiz Carvalho Neto**, Lívio Martins Teixeira***, Claudia Marina Puga Barbosa Oliveira****, Júlio César Simas Ribeiro **** RESUMO: Introdução: A doença do refluxo gastroesofágico tem duas manifestações clínicas distintas reconhecidas: o refluxo gastroesofágico clássico e o refluxo com manifestações extraesofagianas (incluindo o refluxo laringofaríngeo). Objetivos: Estudar as alterações nas mucosas laríngea, esofágica e gástrica em pacientes com quadro clínico compatível RLF. Pacientes e métodos: Estudo prospectivo clínico não controlado, onde foram incluídos 58 pacientes. Todos os pacientes realizaram a videolaringoscopia e endoscopia digestiva alta (EDA). Resultados: A avaliação videolarigoscópica evidenciou alterações em 49 (84,5%) pacientes. A EDA mostrou que 51 (87,9%) pacientes tinham gastrite e 8 (13,8%) tinham esofagite. Os principais sintomas encontrados foram queimação em garganta (72,4%), globus faríngeo (67,2%) e pigarro (60,3%). Conclusão: A comparação entre as alterações esofagianas, gástricas e laríngeas permitiu sugerir que a mucosa laríngea é frequentemente mais acometida que a mucosa esofágica. Palavras-chave: Doença do refluxo gastroesofágico, refluxo laringofaríngeo, endoscopia digestiva alta, videolaringoscopia. ABSTRACT: Introduction: Gastroesophageal reflux disease has two distinct clinical forms: classical gastroesophageal reflux 9GER) and reflux with extra-esophageal manifestation (including laryngophaygeal reflux). Objective: Studying changes into laryngeal, esophageal and gastric mucosae of LPR patients. Patients and methods: Prospective uncontrolled clinical study which has includede 58 patients. All patients were submitted to videolaryngoscopy and upper endoscopy (UE). Results: Videolaryngoscopy evaluation showed changes in 49 patients (84,5%). UE showed that 51 patients (87,9%) had gastritis and 8 (13,8%) had esophagitis. Main symptoms were burning throat (72,4%), globus pharyngeous (67,2%) and throat clearing (60,3%). Conclusion: The comparison between esophageal, gastric and laryngeal mucosae suggests that laryngeal mucosae is more frequently involved in LPR than esophageal mucosae. Keywords: Gastroesophageal reflux disease, laryngopharyngeal refluxo, upper endoscopy, videolaryngocopy. INTRODUÇÃO Do ponto de vista clínico, definimos a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) como uma afecção crônica decorrente do refluxo de par- te do conteúdo gástrico (e, por vezes, gastroduodenal) para o esôfago. Os principais sintomas da DRGE são pirose, regurgitação e dor subesternal. Deve-se ressaltar que a inexistência desses sintomas não descarta a possibilidade de DRGE, as- Mestre em otorrinolaringologia, professor assistente da Ufam. Médico gastroenterologista. *** Médico otorrinolaringologista. **** Acadêmico do 6º ano de Medicina da Ufam . * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 57 REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: ESTUDO PROSPECTIVO CORRELACIONANDO ACHADOS Ã VIDEOLARINGOSCOPIA E ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA sim como a sua intensidade não auxilia no diagnóstico de esofagite. O diagnóstico deve ser suspeitado de forma quase patognomônica pelos sinais e sintomas descritos, especialmente em relação à pirose e à regurgitação. Além disso, a endoscopia digestiva alta e a pHmetria de 24h (padrão ouro) devem ser solicitadas em situações específicas.3,7,16 Entretanto, a maioria dos pacientes com sintomas sugestivos de DRGE (pirose, regurgitação ácida) não necessita de nenhum exame investigatório inicialmente, sendo o diagnóstico determinado pela prova terapêutica com uma droga inibidora da bomba de prótons (IBP), lembrando que a prova terapêutica pode ser realizada em pacientes com idade inferior a 40 anos e sem sinais de alerta. Uma resposta satisfatória praticamente sela o diagnóstico (melhora considerável dos sintomas nas primeiras 4 semanas de tratamento). 11,14 Estudos recentes comprovam que a DRGE tem duas manifestações clínicas distintas: sua forma clássica que cursa com esofagite e é denominada simplesmente de Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE); e sua manifestação extraesofágica, que pode cursar apenas com sintomas altos, incluindo a síndrome denominada Refluxo Laringofaríngeo (RLF), além de broncoespasmo, asma, etc. O termo laringofaríngeo, portanto, não significa que o refluxo ocorre apenas nesta região, mas sim que acomete principalmente o epitélio dessa topografia anatômica, que tem características próprias. Apenas 18% dos pacientes com sintomatologia compatível com RLF têm esofagite de refluxo.1,5 Cerca de 80% das queixas de garganta tem refluxo associado.17,18 Os principais sinais evidenciados pela videolaringoscopia são edema e hiperemia de laringe, hiperemia e hiperplasia linfoide em parede posterior da faringe, alterações interaritenoideas, úlceras de contato na glote, granuloma laríngeo, pólipos de laringe, edema de Reinke, estenose subglótica e laringite hipertrófica. Os principais sintomas são disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta e garganta seca.3,9,10,17 58 O tratamento do RFL visa à eliminação dos fatores propiciadores, sugerindo ao paciente mudança nos hábitos alimentares e hábitos de vida. Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a terapia medicamentosa. O tratamento inicial deve ser feito com bloqueadores da bomba de prótons, em duas doses diárias, por no mínimo 12 semanas.1,5 O tratamento cirúrgico é indicado em casos que não responderam às medidas terapêuticas usuais e que apresentem esofagite de Barret, estenoses ou processos hemorrágicos. Casos de aspirações frequentes com rouquidão ou estenose subglótica podem também requerer intervenção cirúrgica. O tratamento cirúrgico mais utilizado é a fundoplicatura do estômago.1,6,9,10 OBJETIVOS Estudar as alterações nas mucosas esofágica, gástrica e laríngea em pacientes com quadro clínico compatível com Refluxo Laringofaríngeo (RLF), bem como descrever a sintomatologia geral desses pacientes. PACIENTES E MÉTODOS Trata-se de um estudo prospectivo clínico não controlado, onde foram incluídos 58 pacientes adultos com idade variando entre 21 e 78 anos, com média de 39,17 anos, sendo 42 mulheres e 16 homens. Foram atendidos no Ambulatório Araújo Lima, da Universidade Federal do Amazonas, no período compreendido entre agosto de 2005 e maio de 2007. Os pacientes precisavam apresentar queixas crônicas (maior que três meses) sugestivas de Refluxo Laringofaríngeo (disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta e garganta seca). Esses pacientes foram encaminhados do Serviço de Gastroenterologia ou do próprio Serviço de Otorrinolaringologia para um ambulatório específico de RLF, criado para esta pesquisa. Na primeira consulta, o paciente recebia omeprazol, sendo orientado a utilizar a medicação por 4 semanas, realizando assim a prova tera- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 pêutica com um IBP, que é uma forma de se confirmar o diagnóstico de RGE patológico. A consulta consistia de história clínica e exame físico, juntamente com os dados pessoais do paciente. Em seguida, os pacientes eram encaminhados para realização da EDA e videolaringoscopia (realizavam os dois exames na mesma semana da primeira consulta). As endoscopias digestivas foram realizadas por diversos profissionais e todas foram fotografadas. A videolaringoscopia foi realizada com laringoscópio flexível Penthax de 3,5 mm de diâmetro acoplada à microcâmera e sistema de vídeo VHS para gravação do exame, sendo todos eles realizados pelo mesmo profissional. Os pacientes que obtiveram uma boa melhora dos sintomas nas 4 primeiras semanas de tratamento e que realizaram os dois exames complementares foram incluídos na pesquisa. Os critérios de exclusão adotados foram uma resposta insatisfatória ao teste terapêutico com omeprazol, a não realização dos dois exames complementares e os pacientes fumantes. Ao todo foram atendidos 105 pacientes e, desses, apenas 58 foram incluídos na pesquisa. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre a esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Amazonas. Os pacientes foram tratados clinicamente, com orientações dietéticas e posturais, omeprazol (40 mg/dia, dividido em duas tomadas diárias, uma pela manhã, em jejum, e outra antes do jantar) por um período mínimo de 8 semanas. A recuperação clínica foi estabelecida pela melhora das queixas e achados laringoscópicos. RESULTADOS Dos 105 pacientes estudados, 58 foram incluídos na amostra final. A avaliação por meio da endoscopia digestiva alta mostrou que dos 58 pacientes avaliados apenas 7 (12,1%) apresentaram exame normal, ou seja, sem alterações esofágicas ou gástricas; 19 (32,7%) tinham gastrite leve; 28 (48,3%) tinham gastrite moderada; e 4 (6,9%) tinham gastrite acentuada. Os resultados da EDA também mostraram que 21 (36,2%) pacientes tinham hérnia hiatal; 8 (13,8%) tinham esofagite grau I de Allison; 3 (5,2%) apresentavam duodenite erosiva; 3 (5,2%) apresentavam divertículo de Zencker; 2 (3,4%) apresentavam um pseudodivertículo bulbar; 4 (6,9%) apresentavam deformidade pilórica. A biópsia da mucosa gástrica mostrou que 13 (22,4%) dos pacientes tiveram pesquisa positiva para Helicobacter pylori. A avaliação videolaringoscópica mostrou que em 49 (84,5%) pacientes foram achados sinais de edema e hiperemia da laringe posterior e/ou alterações nas cordas vocais. Em 9 (15,5%) dos pacientes não foram encontradas alterações, ou seja, o exame apresentou-se normal. Dos 49 pacientes com alterações à videolaringoscopia, 3 (6,1%) não apresentaram alterações na EDA; 39 (79,5%) apresentaram um tipo de gastrite; 20 (40,8%) apresentaram hérnia hiatal; 12 (24,5%) apresentaram pesquisa positiva para Helicobacter pylori; 6 (12,2%) apresentaram esofagite; 3 (6,1%) apresentaram duodenite erosiva, 2 (4,1%) apresentaram divertículo de Zencker; e 2 (4,1%) apresentaram pseudodivertículo bulbar. A sintomatologia referida pelos 58 pacientes constou queimação em garganta, referida por 42 (72,4%) dos pacientes; globus faríngeo, referido por 39 (67,2%) dos pacientes; tosse seca, citada por 37 (63,8%) dos pacientes; disfonia, referida por 37 (63,8%) dos pacientes; caseum, em 37 (63,8%) dos pacientes; pigarro, referido por 35 (60,3%) dos pacientes; sintomas dispépticos, referido por 32 (55,2%) dos pacientes; hipersalivação, referida por 18 (31%) dos pacientes; dor de garganta, referida por 30 (51,7%) dos pacientes; disfagia, referida por 28 (48,3%) dos pacientes; glossodínia, referida por 25 (43,1%) dos pacientes; halitose, em 24 (41,4%) dos pacientes; pirose, referida por 22 (38,9%) dos pacientes; aftas, em 11 (19%) dos pacientes; odinofagia, referida por 9 (15,5%) dos pacientes; problemas dento-gengivais, em 8 (13,7%) dos pacientes; e dispnéia, em 6 (10,3%) dos pacientes. O tempo médio de tratamento clínico medicamentoso foi de 3 meses, sendo que em 52 (89,6%) dos pacientes houve remissão completa revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 59 REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: ESTUDO PROSPECTIVO CORRELACIONANDO ACHADOS Ã VIDEOLARINGOSCOPIA E ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA dos sintomas. Apenas 6 (10,4%) dos pacientes não apresentaram remissão completa dos sintomas, mesmo sendo tratados por período superior a 4 meses. O período de seguimento médio após cessar o tratamento medicamentoso por remissão do quadro foi de dois meses. Até o momento da redação deste trabalho, nenhum dos pacientes tratados clinicamente apresentou recidiva; porém todos mantêm uma certa restrição dietética e cuidados com hábitos e vícios que estimulam o refluxo. DISCUSSÃO Os achados do presente estudo sugerem que uma anamnese bem sedimentada tem grande chance de correlação com DRGE. A comparação entre alterações nas mucosas laríngea e esofágica deixa claro que, ao contrário do que sugere Eckley et al., as alterações no RLF não acometeram preferencialmente as mucosas laríngea, faríngea e cavidade oral.9,10 Ao todo, 51 (97,9%) dos pacientes apresentaram pelo menos um tipo de alteração na EDA, ao passo que 49 (84,4%) dos pacientes apresentaram pelo menos um tipo de alteração na videolaringoscopia. De fato, não vimos um predomínio por alterações “altas”, ou seja, ao nível da região laringofaríngea. Supomos que a DRGE pode, sim, cursar com manifestações atípicas, mas há também um comprometimento clássico, ou seja, o paciente com RLF apresenta frequentemente um acometimento em nível esofágico e/ou gastroduodenal, que frequentemente é assintomático. O dano exclusivamente esofágico mostrouse presente em apenas 3 (5,1%) dos pacientes confirmando os dados da literatura,9,10 que afirmam que a mucosa respiratória tem um epitélio bem menos afeito às agressões dos ácidos do estômago. Os pacientes com RLF geralmente têm motilidade esofágica normal ou próxima do normal, ao contrário do que ocorre com os pacientes com esofagite que apresentam desmotilidade esofágica frequente.6,7,9,10 Dentre os sintomas encontrados, destaque para queimação em garganta, referida por 72,4% 60 dos pacientes; globus faríngeo, referido por 67,2% dos pacientes; tosse seca, citada por 63,8% dos pacientes; disfonia, referida por 63,8% dos pacientes; caseum, em 63,8% dos pacientes; e pigarro, referido por 60,3% dos pacientes. O globus faríngeo é também citado por Woo e é defendido como um sintoma inespecífico de irritação laríngea em cuja etiologia a DRGE tem grande participação. Dos 58 pacientes, vimos que em 27 (50%) há mais de 6 sintomas presentes, ou seja, os sintomas dessa doença assumiram uma importância tão grande que, na maioria das situações, fazem com que os exames complementares seja meros coadjuvantes para estabelecer o diagnóstico. Os conhecimentos sobre refluxo laringofaríngeo se encontram em evolução, desde seu diagnóstico até seu tratamento. Hoje se sabe que há alterações detectadas ao exame histológico que não são revelados à endoscopia e a pHmetria de 24 horas. A maioria dos autores prefere o uso empírico de drogas como teste terapêutico e ferramenta propedêutica. A transposição dessas medidas terapêuticas para o RLF ainda não está totalmente elucidada, contudo, ao não se dispor de meios adequados para uma completa investigação, o melhor é se optar pelo início do tratamento.14 Estudos mais complexos e com amostras maiores, com um grupo controle, fornecerão resultados mais fidedignos. Podemos, contudo, afirmar que pacientes com sintomas crônicos de disfonia, globus, tosse seca, hipersalivação, pigarro, disfonia e queimação em garganta devem ser objetos de investigação acurada, tendo eles a sugestiva associação com RLF. CONCLUSÃO Os resultados do presente trabalho sugerem uma forte correlação entre sintomas otorrinolaringológicos e doença do refluxo gastroesofágico, que é uma patologia do sistema digestivo muitas vezes subdiagnosticada em nosso meio. Os autores concluem que há suspeita forte para se chegar ao diagnóstico de DRGE em pessoas com manifestações tão atípicas como tosse seca, pigarro e disfonia. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 A comparação entre as alterações esofagianas e laríngeas permitiu sugerir que a mucosa laríngea é frequentemente mais acometida que a mucosa esofágica. Os pacientes com sintomas crônicos sugestivos de RLF devem ser objetos de investigação acurada. 10. ECKLEY, C. A. Manifestações Otorrinolaringológicas da Doença do Refluxo Gastroesofágico. Revista Vox brasilis, 10:13-18, 2004. REFERÊNCIAS 1. AHUJA, V.; YENCHA, M. W.; LASSEN, L. F. Head and Neck Manifestations of Gastroesophageal Reflux Disease. American Academy of Family Physicians, 60(3), 1999. 2. BELAFSKY, P. C.; POSTMAN, G. N.; KOUFMAN, J. A. Laryngopharyngeal reflux symptoms improve before changes in physical findings. Laryngoscope, 111 (6):979-81, 2001. 3. BURATI, D. O.; DUPRAT, A. C; ECKLEY, C. A.; COSTA, H. O. Doença do refluxo gastroesofágico: análise de 157 pacientes. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 69(4):458-462, 2003. 4. CASTAGNO, A.; GASTAL, O. L.; CASTAGNO, S. Faringite e Laringite Associadas a Refluxo Gastroesofágico. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 60(3):167-171, 1994. 5. CHANDRA, A.; MOAZZEZ, E.; BARTLETT, B.; ANGGIANSAH, A.; OWEN, W. J. A review of the atypical manifestations of gastroesophageal reflux disease. International Journal of Clinical Practice, 58:41, 2004. 6. COSTA, H. O.; ECKLEY, C. A.; FERNANDES, A. M. F.; DESTAILLEUR, D.; VILLELA, P. H. Refluxo gastroesofágico: comparação entre os achados laríngeos e digestivos. F Méd., (BR), 114(supl 3):97-101, 1997. 7. COSTA, H. O.; ECKLEY, C. A. Correlação do volume e pH laringofaríngeos. 9. ECKLEY, C. A. & COSTA, H. O. Manifestações otorrinolaringológicas da doença do ref1uxo gastroesofágico. In: MARTINEZ, J. C. Atheneu Afecções Cirúrgicas do Estômago e Intestino Delgado. São Paulo, 2002 (no prelo). salivar com sintomas Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 70(1):24-29, 2004. 8. DEVENEY, C. W.; BENNER, K.; COHEN, J. Gastroesophageal reflux and laryngeal disease. Arch Surg., 128:1.021-7, 1993. 11. FRASER, A. G.; MORTON, R. P.; GILLIBRAND, J. Presumed laryngo-pharyngeal reflux: investigate or treat?. The Journal of laryngology and otology, 144:441-7, 2000. 12. GAVAZZONI, F. B.; ATAÍDE, A. L.; HERRERO JÚNIOR, F.; MACEDO FILHO, E. D. 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Otolaryngol Head Neck Surg., 115(6):502-7 1996. 62 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 Agradecimento à Fapeam. LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO PREVEN ÇÃ O DE F AT ORES C AUS AIS DE DOEN Ç AS PREVENÇÃ ÇÃO FA CA USAIS DOENÇ OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXER CEM A TIVID ADES N A POSIÇÃ O SENT AD A EXERCEM ATIVID TIVIDADES NA POSIÇÃO SENTAD ADA PREVENTION OF CAUSAL FACTORS OF MUSCULOSKELETAL DISEASES IN WORKERS ENGAGED IN ACTIVITIES IN THE SITTING POSITION Luiz Carlos de Souza Menezes*, Alessandro Magno de Figueiredo Lacerda**, Simy Laredo** RESUMO: Várias são as causas que podem modificar a saúde do ser humano. Entre elas existem as provenientes da inter-relação com o local de trabalho. Nesse ambiente, as variáveis causais do fenômeno de adoecimento são abrangentes, pois existem diversos aspectos a serem considerados: os ruídos, as vibrações, a iluminação, os diversos tipos de escalas de turno e postura adotada pelo trabalhador que são considerados fatores estressores. Eles podem fazer com que o indivíduo desenvolva adaptações que serão responsáveis pela gênese de doenças osteomusculares e que pode surgir uma perda da eficiência da atividade juntamente com a presença de alterações posturais. Outros fatores importantes, que podem predispor o trabalhador a situações de risco para a sua saúde, são as inter-relações com o meio social onde o indivíduo está inserido. Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar a importância da prevenção dos fatores causais e individuais de doenças osteomusculares em trabalhadores que exercem suas funções na posição sentada e o papel do profissional fisioterapeuta como agente de ações preventivas de patologias relacionadas às atividades laborais. Palavras-chave: Transtornos traumáticos cumulativos. Prevenção de acidentes. Fisioterapia. ABSTRACT: There are several causes that can modify the human health. Among them exist the growing out of interrelation with the work place. In this environment, the various causes of the languish phenomenonare accomplished, because there are several aspects to be considered: the noise, the vibration, the illumination, the several kinds of shift scale and the stance adopted by the worker that are considered factors of stress. They can do whereupon the body develops adaptation that will be responsible for the genesis of musculoskeletal diseases genesis and that grow up an efficiency lost in the activity together the presence of postural alteration. Other important factors that can predispose the worker in health danger situations are the inter-relationship with the social environment where the individual is embedded. Thus, the objective of this article is to demonstrate the importance of the prevention of causal factors and musculoskeletal individual diseases in workers engaged in their duties in the sitting position and the physiotherapeutic professional enrolment as agents of preventive pathologic actions related to the laboratorial activities. Keywords: Cumulative trauma disorder. Accident prevention. Physiotherapy. INTRODUÇÃO Diversas podem ser as causas que podem modificar a saúde do ser humano. Entre elas existem as provenientes da inter-relação com o local de trabalho. Nesse ambiente, o indivíduo poderá * realizar atividades laborais que, para a sua execução, a posição sentada deve ser adotada. Nesse local, as variáveis causais do fenômeno de adoecimento são abrangentes, pois existem diversos aspectos a serem considerados que podem afetar a saúde, a segurança e o conforto das pessoas Bacharel em Fisioterapia. Professores orientadores. ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 63 PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA envolvidas com essas atividades. O objetivo deste artigo foi demonstrar a importância da prevenção dos fatores causais e individuais de doenças osteomusculares em trabalhadores que exercem suas funções na posição sentada e o papel do profissional fisioterapeuta como agente de ações preventivas de patologias relacionadas às atividades laborais. METODOLOGIA O método de abordagem utilizado na pesquisa foi o indutivo, com abordagem indireta de fonte secundária. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Com o desenvolvimento da sociedade, o homem buscou ações que levassem a sua sobrevivência. À medida que evoluía nessa atividade básica e percebendo a ampliação de suas necessidades, iniciou processos de relacionamento que resultaram na formação do trabalho, que é definido1 como uma atividade cujo objetivo principal é a produção de riqueza e que várias foram as formas históricas da formação dessa atividade, entre elas: o escravismo, o feudalismo e o capitalismo. Aliado a esse evento histórico é observada a construção de avanços tecnológicos que permitiram a instalação do processo de trabalho. Ao mesmo tempo surgiram fatores inerentes aos ambientes de trabalho que levavam a afetar a saúde, a segurança e o conforto das pessoas envolvidas com essas atividades. Atualmente, a sociedade industrial segue uma outra direção, na qual está baseada a informação. Uma das principais consequências em relação aos riscos ocupacionais é que, para determinadas categorias, ocorreu uma redução à exposição a diversos fatores que punham em risco a saúde do trabalhador. Entretanto, surgiram novas situações de risco: novos processos de produção induzem ao uso excessivo e a repetição de movimentos que afetam determinados grupos musculares, o que acaba por gerar as doenças do sistema mús- 64 culo-esquelético. Outra característica pode ser qualificada numa nova definição do trabalhador: ele é considerado o homem ou a mulher que pode exercer determinada atividade para a sua manutenção e de seus dependentes, não importando sua forma de inserção no mercado de trabalho ou nos setores formais da economia. Podem receber remuneração ou não, quer trabalhe como aprendiz ou estagiário. Também são inclusos aqueles trabalhadores que estão, temporariamente ou em definitivo, afastados dos seus núcleos laborais.2 Dentro desse contexto, o homem é considerado o elemento fundamental na produção de bens e prestação de serviço na sociedade, enfrentando fatores que perturbam a sua saúde. Estes podem lhe trazer desconforto e restrição em suas atividades sociais e familiares. Entre os constantes desafios enfrentados diariamente existe o contato com riscos ocupacionais que apresentam características físico-químico-biológicas. Além dos fatores ambientais, surge o estabelecimento da organização do tempo de trabalho que, por diversas razões, começa a ser introduzida na forma de turnos de trabalho. Essa nova situação pode evoluir para um dos constituintes de fatores causais para doenças e tem sido apontado como uma contínua fonte de problema de saúde e de perturbação sociofamiliar.3 Atualmente, as vibrações, a iluminação, a temperatura e os ruídos são considerados como fatores que podem provocar alterações no ambiente de trabalho.4-5 Com relação às posturas e os movimentos executados no decorrer das atividades, eles são determinados pelo espaço físico no qual o corpo está inserido, pelas características das informações a serem captadas e pelas ações a serem executadas.6 No ambiente de trabalho, o indivíduo poderá realizar atividades na posição sentada. Nessa posição, ele obtém uma vantagem em relação à posição de pé, pois o corpo fica mais bem apoiado em diversas superfícies: o piso, o assento, o encosto, braços da cadeira e a mesa.4 Entretanto, estudos indicam que a posição mais danosa é a posição sentada, pois a pressão sobre o disco intervertebral da terceira vértebra lombar (L3) é menor na posição em pé, recebendo uma sobre- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO carga de 70 kg, enquanto que na posição sentada reta, sem suporte, chega a 100 kg e que na posição sentada a pressão intradiscal diminui quando o indivíduo senta sem apoio de tronco, mas com as costas retas e com os braços apoiados sobre as coxas. Ao se aumentar a inclinação do encosto ocorre uma diminuição da pressão discal, e que essa pressão também diminui ao se utilizar um apoio na região lombar.7 Se o indivíduo realiza atividades sentadas que mantenham uma postura incorreta por longos períodos, as alterações posturais serão potencializadas, com um aumento na pressão intradiscal de até 70%. Com isso, podem predispor maiores índices de desconforto gerais como dor, sensação de peso e parestesias em diferentes partes do corpo, podendo fazer surgir processos degenerativos, como a hérnia de disco.8 No trabalho em que não pode haver nenhuma alternância da postura, estes se tornam cansativos porque os mesmos grupos musculares estarão sempre sobre tensão.6 Dessa forma, o homem em situação de trabalho não pode ser comparado a um modelo mecânico do tipo transformação de energia, ou a um modelo informatizado de tratamento de dados.9 Ele não deveria ser analisado simplesmente como mais um instrumento dentro da cadeia de produção. Ele é a parte importante dentro de toda a sequência de produção, seja industrial, comercial ou de serviço público. A execução do trabalho irá exigir-lhe de alguma forma o desenvolvimento de estratégias que lhe permitam chegar ao final de sua jornada com sua cota preestabelecida alcançada. Mas é necessário observar quais foram os caminhos que buscou ou quais as condições oferecidas pelo local de trabalho que lhe permitiram chegar até a resolução dessas metas. Outro aspecto é quando se analisam variabilidades como: a idade, sua origem, sua formação profissional, suas tradições culturais. Na atualidade, é facilmente observado que fatores como alimentação, moradia, vícios sociáveis e o nível econômico também podem interferir na qualidade de serviço que o trabalhador está oferecendo à empresa na qual está ligado. Assim, o indivíduo-pa- drão não existe e tampouco a tarefa-padrão da ‘organização científica do trabalho’.9 Nesse contexto, surgiu uma nova visão de saúde ocupacional. Essa preocupação é evidente por meio da Norma Técnica do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) pela sua Ordem de Serviço/INSS n.º 606/1998,10 que estabelece Fatores de Risco para Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (Dort), que apresenta as seguintes características importantes em relação a exposição: • Região anatômica exposta aos fatores de risco; • Intensidade de fatores de risco; • Organização temporal da atividade – duração do ciclo de trabalho, distribuição das pausas ou estrutura de horários; • Tempo de exposição aos fatores de risco. A estação de trabalho passou a ser considerada, também, como uma participante dos grupos de fatores de risco, porque as suas dimensões podem induzir o trabalhador a adotar posturas ou métodos de trabalho que podem causar ou mesmo agravar lesões osteomusculares. Essas posturas inadequadas apresentam, então, três mecanismos que podem ser causadores desses distúrbios: os limites da amplitude articular, a força da gravidade que oferece uma carga suplementar sobre articulações e músculos e, também, lesões mecânicas sobre os diferentes tecidos. Também é considerado que a carga ostemuscular pode ser entendida como uma carga mecânica, que poderá levar a um estado de tensão, pressão, fricção ou irritação em determinado local do corpo. Associado a esses fatores, existe o estabelecimento de posturas estáticas pelo trabalhador durante a execução de suas atividades, a monotonia, tanto fisiológica quanto psicológica, as exigências cognitivas e os fatores organizacionais e psicossociais ligados ao trabalho.10 Para compreendermos a organização fisiológica do corpo e a gênese da instalação dos esquemas adaptativos, compensatórios e das formações das patologias que se instalam é preciso defi- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 65 PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA nir que a estrutura corporal obedece a três leis: do equilíbrio, da economia e do conforto. No esquema fisiológico, o equilíbrio é prioritário, e as soluções adotadas são econômicas. O esquema de funcionamento, sendo fisiológico, é certamente confortável.11 O National Institute for Ocupacion Safety and Helt (NIOSH) afirma que evidências científicas mostram relação consistente entre distúrbios músculo-esqueléticos e certos fatores físicos relacionados ao trabalho, especialmente em níveis de exposição elevados.12 Em patologias que envolvem a região do pescoço, base do crânio e dos ombros o quadro clínico é caracterizado por dores na região posterior, que piora com movimentos e tensão com irradiação para o braço. Podem ocorrer pontos de dor miofascial. A contração estática em associação com fatores estressantes, que decorre da organização do trabalho, parece exercer um papel importante na origem de dores que atingem a musculatura cervical, paravertebral e da cintura escapular.10 Para a execução de atividades na posição sentada deve-se levar em consideração que uma nova forma de posicionamento é adquirida. Se os músculos dos membros inferiores não são ativados de forma contínua, isso não significa que o trabalhador estará isento de sofrer comprometimentos na sua saúde. As cadeias musculares irão buscar novas formas de trabalho para consumar as atividades que lhes são impostas, principalmente quando o indivíduo executa atividades motoras finas e que lhe exigem a atenção visual. A movimentação constante, sem pausa ou com adaptações das amplitudes articulares, comprometendo de forma insidiosa músculos, ligamentos e articulações, provavelmente irão ocasionar o surgimento de doenças relacionadas com a postura adotada pelo trabalhador. São citados como patologias relacionadas à postura sentada: síndrome dolorosa miofascial, síndrome cervicobraquial e lombalgia. As lesões no ombro que têm relação com as alterações posturais na posição sentada: capsulite adesiva do ombro, síndrome do manguito rotatório, tendinite calcificante do ombro, bursite, entre outras.10 66 DISCUSSÃO Não se pode desmembrar o agente causal da patologia laboral daquele que é o principal envolvido nessa questão: o trabalhador, pois analisar a nocividade do trabalho e no trabalho é analisar a situação que a produziu, e como o trabalhador reagiu a essa situação.9 No campo das ciências ambientais e do risco, o conceito de prevenção técnica de riscos que envolvem estratégias que visam evitar a ocorrência de determinado fato não desejável, como os acidentes ou as doenças relacionadas ao trabalho, é mais abrangente que o conceito de prevenção normalmente utilizado pelo campo da Saúde Pública, aproximando-se ao conceito amplo de promoção da saúde.13 Em função dessas considerações, torna-se necessário o oferecimento de orientações que visem à proteção aos trabalhadores e que recomendações possam ser levadas aos demais participantes da cadeia produtiva, pois, muitas vezes, o estágio de adoecimento passa por sintomatologias e sinais quase imperceptíveis na sua gênese. Para isso, faz-se necessário a observação de aspectos que estão ligados diretamente ao seu ambiente laboral, analisando e discutindo se a organização, o gerenciamento e as estratégias propostas para a efetiva função do trabalhador não irão apresentar desvios, falhas ou incoerências no seu planejamento e execução. Nesse contexto, a presença ativa do profissional fisioterapeuta como agente de prevenção de patologias relacionadas ao trabalho é perfeitamente viável, entre outros motivos pelos conhecimentos pertinentes à sua formação profissional; os conceitos de globalidade durante a fase de avaliação do indivíduo por ele tratado, no qual é observado o intrincado mecanismo associativo e causal de alterações corporais que as cadeias musculares podem acarretar; a utilização do Diagnóstico Cinesiológico Funcional – considerada a intervenção diagnóstica específica do profissional fisioterapeuta, que identifica as disfunções apresentadas pelo paciente tratado; as variadas técnicas que pode utilizar para alcançar os seus revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO objetivos terapêuticos e os recursos de baixo custo de que dispõe podem perfeitamente inseri-lo dentro de uma equipe profissional que busque o cuidado e atendimento ao trabalhador, transformando-o em um agente importante na saúde pública, atuando, também, na prevenção de fatores que podem causar limitação laboral e social de indivíduos que executam suas funções na posição sentada e que participam da formação de riquezas e patrimônios da sociedade. CONCLUSÃO Pode-se, assim, afirmar que indivíduos que executam atividades laborais na posição sentada podem apresentar alterações na sua normalidade estrutural em razão das atividades executadas e que os estágios de adoecimento nesses profissionais passam por sintomatologias e sinais quase imperceptíveis na sua gênese. Por isso, fazse necessário a observação de aspectos que estão ligados diretamente ao seu ambiente laboral, como a postura adotada pelo trabalhador e sua relação com os ruídos, as vibrações, a iluminação, diversos tipos de escalas de turno e a estação de trabalho, analisando e discutindo se a organização do gerenciamento e das estratégias propostas para a efetiva função do trabalhador não apresenta desvios, falhas ou incoerências no seu planejamento e execução, e que nesse contexto o profissional fisioterapeuta ta,mbém pode ser considerado como um agente de ações preventivas de patologias relacionadas ao trabalho. REFERÊNCIAS 1 DELIBERATO, P. C. P. Fisioterapia Preventiva. Fundamentos e Aplicações. São Paulo: Manole, 2002, p. 101. 2 WÜNSCH FILHO, V. Perfil Epidemiológico do Trabalhador. Rev Bras Méd Trab., 2004, abr.-jun. 2(2):103-4. 3 FISCHER, F. M.; LIEBER, R. R. Trabalho em turnos. In: MENDES, R. Editor. Patologia do Trabalho. 2.ª ed. São Paulo: Atheneu, 2005, p. 826. 4 DUL, J.; WERDMEESTER, B. Ergonomia Prática. São Paulo: Edgar Blücher, 2004, p. 85-111. 5 FERNANDES, M.; MORATA, T. C. Estudo dos efeitos auditivos e extra-auditivos da exposição ocupacional a ruído e vibração. Rev Bras Otorrinolaringol. [serial on the internet] 2002 [cited 2007 jan 21]; 68 (5). Available from: http:// www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S00347299200200 0500017&lng = pt&nrm=iso 6 AMBROS, D.; QUEIROZ, M. F. Compreendendo o trabalho da costureira. RBSO [serial on the internet] 2004 [cited 2007 jan 21]; 29 (109) Available from: http://www.fundacentro. gov.br/ctm/revistasaude_ocupacional_ N.109.pdf 7 BRACCIALLI, L. M. P.; VILARTA, R. 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Tronco. Coluna Cervical. Membros Superiores. São Paulo: Edições Busquet, 2001, p. 25. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 67 PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA 12 ASSUNÇÃO, A. A.; ALMEIDA, I. M. Doenças osteomusculares relacionadas com o trabalho: membro superior e pescoço. In: MENDES, R. Editor. Patologia do Trabalho. 2.ª ed. São Paulo: Atheneu, 2005, p. 1.502-39. 68 13 PORTO, M. F. S.; MATTOS, U. A. O. Estratégias de prevenção, gerenciamento de riscos e mudança tecnológica. In: MENDES, R. Editor. Patologia do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2005, p. 1.722. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO AVALIA ÇÃ O DOS PR OTOC OL OS DE HIGIENE BUC AL ALIAÇÃ ÇÃO PRO OCOL OLOS BUCAL N AS UNID ADES DE TERAPIA INTENSIV A DE HOSPIUNIDADES INTENSIVA TAIS PÚBLIC OS E PRIV ADOS* PÚBLICOS PRIVADOS EVALUATION OF THE PROTOCOLS OF ORAL HYGIENE IN THE INTENSIVE CARE UNITS OF PUBLIC AND PRIVATE HOSPITALS Miriam Raquel Ardigó Westphal**, Natasha da Silva Leitão*** RESUMO: Objetivo: Avaliar os protocolos preconizados para a higiene bucal de pacientes internados e intubados nas Unidades de Terapias Intensivas. Métodos: Trata-se de um estudo não-experimental descritivo que utilizou questionários, composto por perguntas fechadas e abertas. A amostra foi de 154 profissionais (55 médicos, 33 enfermeiros e 66 técnicos/auxiliares) de quatro hospitais públicos e privados. Resultados: Afirmaram haver protocolo de higienização bucal para pacientes internados: 43,6% (24/55) dos médicos, 45,5% (15/33) dos enfermeiros e 39,4% (26/66) dos auxiliares/técnicos, sendo 45,8% de instituições públicas e 39% privadas; e para pacientes intubados, 32,7% (18/55) dos médicos, 48,5% (16/33) dos enfermeiros e 31,8% (21/66) dos auxiliares/técnicos, sendo 34,7 e 36,6% de hospitais públicos e privados, respectivamente. A mediana da frequência de higiene bucal para todos os pacientes foi de três vezes, independente da profissão ou instituição. Os procedimentos mais usados, para pacientes internados nas instituições públicas e privadas, respectivamente, foram a escovação dental (45,5% e 28,1%), colutórios (18,2 e 21,9%), e para os pacientes intubados, foi o swab (68 e 70% ). O cloreto de cetilpiridino foi o colutório mais usado para pacientes internados (27,3 e 46,9%) e intubados (32 e 56,7%). Conclusão: Não há diferença entre a conduta de higiene bucal dos hospitais públicos e privados; e os protocolos adotados não estão de acordo com a literatura científica atual. Portanto, é essencial o desenvolvimento de programas educacionais e implementação de protocolos de higiene bucal na rotina hospitalar, visto que é um método eficaz na prevenção da pneumonia nosocomial e associada à ventilação mecânica. Palavras-chave: Higiene. Biofilme. Periodontite. Pneumonia. ABSTRACT: Objective: To evaluate the protocols recommended for oral care of patients hospitalized and intubated in the intensive care units. Methods: This is a non-experimental descriptive study that used questionnaires, consisting of closed and open questions. The sample of 154 professionals (55 doctors, 33 nurses and 66 technicians / assistants) from four public and private hospitals. Results: They said there was memorandum of oral hygiene in hospitalized patients: 43.6% (24/55) of doctors, 45.5% (15/33) of nurses and 39.4% (26/66) of assistants / technicians, and 45.8% of public institutions and 39% private, and for intubated patients, 32.7% (18/55) of doctors, 48.5% (16/33) of nurses and 31.8% (21/66 ) of assistants / technicians, and 34.7 and 36.6% of public and private hospitals, respectively. The median frequency of oral hygiene for all patients was three times, regardless of profession or institution. The procedures most used for inpatients in public and private institutions, respectively, were brushing teeth (45.5% and 28.1%), colutórios (18.2 and 21.9%) and for patients intubated, was the swab (68 and 70%). The cetilpiridino chloride was used to colutório more inpatients (27.3 and 46.9%) and intubated (32 and 56.7%). Conclusion: There is no difference between the conduct of oral hygiene of public and private hospitals, and the protocols used are not in accordance with current scientific literature. Therefore, it is essential to the development of educational programs and implementation of protocols and oral hygiene in the hospital routine, since it is an effective method for prevention of nosocomial pneumonia and associated with mechanical ventilation. Ar tigo elaborado com base na dissertação/tese de Miriam Raquel Ardigó Westphal, intitulada “AVALIAÇÃO DAS ATITUDES E CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS DAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE HIGIENE BUCAL, DOENÇA PERIODONTAL E PNEUMONIA” – Centro de Pós-Graduação/Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic, 2008 (154). ** Especialista em Endodontia e Periodontia, Mestre em Periodontia, Professora auxiliar de Periodontia /Ufam. Rua Franco de Sá, 230, salas 406-407, Ed. Atrium, São Francisco – Manaus-AM. E-mail: [email protected] – fone: (92) 3611-1133. *** Odontóloga. Rua Via-Láctea, 1.085, sala 1.700, Ed. Palácio Adrianópolis – Conj. Morada do Sol. E-mail: natashaleitã[email protected] – fone: (92) 3236-2770. * revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 69 AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS INTRODUÇÃO À medida que se desenvolvem estudos nas diversas áreas, aumentam os conhecimentos sobre o corpo humano e as doenças que o acometem. Apesar de as pesquisas estarem em fases iniciais, surgem fortes evidências da relação entre as patologias bucais e as morbidades sistêmicas. Dentre as doenças que apresentam evidências científicas da sua relação com a higiene bucal e doenças periodontais (DP), estão as pneumonias bacterianas.1,2,3 A pneumonia é uma infecção do parênquima pulmonar causada por uma grande variedade de agentes infecciosos, incluindo bactérias, micoplasma, fungos, parasitas e vírus, sendo considerada uma infecção de risco, especialmente, nas pessoas idosas e nos pacientes imunocomprometidos.4 Usualmente, é classificada como pneumonia associada à comunidade hospitalar (PAH) ou nosocomial e associada à ventilação mecânica (PAVM). Esta determinação é importante, pois os patógenos e as medidas preventivas são diferentes para os três tipos.2,4 A pneumonia nosocomial ocorre após 48 horas da admissão hospitalar, sua prevalência varia entre diferentes estudos, de 10 a 65% e 27 a 50% a taxa de mortalidade.5 Maiores índices de óbito podem ocorrer quando causada por determinados agentes etiológicos, como P. aeruginosa, Klebsiella pneumonie, Acinetobacter sp., Escherichia coli, Serratia sp., Enterobacter sp. e Staphylococcus aureus resistentes à meticilina.2,5,6 Para o desenvolvimento da PAH há a necessidade de que os patógenos alcancem o trato respiratório inferior e sejam capazes de vencer os mecanismos de defesa do sistema respiratório, que inclui os mecânicos (reflexo glótico e da tosse, sistema de transporte mucociliar), humorais (anticorpos e complemento) e celulares (leucócitos, neutrófilos e linfócitos).4 A PAVM surge entre 48-72 horas após a intubação endotraqueal e a instituição da ventilação mecânica invasiva. Nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) é a infecção mais comum e sua 70 incidência pode variar de 9 a 68%, dependendo do método de diagnóstico utilizado e da população estudada. Sua alta letalidade varia de 33 a 71% e a relação entre caso e fatalidade pode atingir até 55%.4 A prevalência é de 2,5 a 34,4 casos de pneumonia por 1.000 dias de respiração artificial e de 3,2 casos por 1.000 dias em pacientes não ventilados.7 O impacto negativo de infecções bucais, e principalmente a DP, na saúde sistêmica, é proveniente da disseminação de microrganismos e de seus subprodutos na corrente sanguínea levando a um quadro de bacteremia.8,9 Outro fator importante no processo patogênico da DP é o ambiente inflamatório existente, que estimula a resposta de defesa do organismo induzindo a migração de leucócitos para a área afetada. Simultaneamente, ocorre a liberação de mediadores químicos inflamatórios, provenientes das próprias células de defesa ou dos tecidos danificados. Citocinas (ex.: ILs e TNF), derivados do ácido aracdônico (ex.: PGs e leucotrienos [LTs]), metaloproteinases (MMPs) (ex.: colagenases e elastases) e proteínas da fase aguda da inflamação (ex.: proteína C-reativa) são alguns dos principais mediadores químicos da inflamação.10 Outras possíveis formas de contaminação são ingestão e inalação. Essas duas possibilidades foram levantadas por estudos que apontaram a cavidade bucal como possível reservatório para bactérias causadoras de pneumonias.2,3,11 A cavidade bucal sofre contínua colonização e apresenta uma microbiota muito vasta, nela se encontra praticamente a metade de todos os microrganismos presentes no corpo humano. De forma geral, é constituída de bactérias anaeróbias estritas, aeróbias facultativas e espiroquetas, com aproximadamente 500 espécies bacterianas identificadas.12 A microbiota bucal depende de vários fatores externos como tabagismo, o uso de álcool, antibióticos ou corticosteroides; a permanência em ambiente hospitalar; o estado nutricional; e a higiene bucal do paciente. Além disso, fatores intrínsecos, como a idade, modificam a flora bucal por alteração na imunidade local e revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO sistêmica, bem como seleção de espécies bacterianas.13 A associação entre a colonização do biofilme dental e a infecção hospitalar tem sido abordada em vários estudos e diversos mecanismos de plausibilidade biológica são propostos para justificar esta inter-relação.2,3,11,14 Scannapieco & Mylotte (1996),14 em uma revisão de literatura, concluíram que as bactérias bucais poderiam participar da patogênese das infecções respiratórias por vários mecanismos como: a) aspiração de patógenos bucais (Porphyromonas gingivalis (Pg) e Aggregatibacter actinomycetemcomtans (Aa)) para o pulmão; b) enzimas presentes na saliva e associadas às DPs, podem modificar a superfície da mucosa e promover adesão e colonização dos patógenos respiratórios; c) enzimas associadas à DP podem destruir a película salivar sobre as bactérias patogênicas; d) as citocinas originárias dos tecidos periodontais podem alterar o epitélio respiratório e promover infecção pelos patógenos respiratórios. A DP ou a falta de higiene bucal podem resultar em uma grande concentração de patógenos bucais na saliva, e vários outros estudos têm demonstrado que os dentes e outras superfícies orais podem servir como reservatório de colonização e crescimento de patógenos respiratórios.2,11,14,15,16 Inúmeras recomendações têm sido feitas para reduzir a incidência de pneumonia nosocomial. Sendo assim, um controle rígido da infecção correspondente ao ponto crítico da prevenção. Uma vigilância sobre os patógenos potenciais, a identificação dos pacientes de risco, um grupo preparado para orientação, lavagem das mãos, uso de gorros e luvas de proteção tiveram impacto positivo na redução da incidência de PAH. Uma atenção adicional para com a higiene bucal deve ser considerada.11,16 Segundo Scannapieco (2006),2 os métodos de higiene bucal em pacientes com respiração artificial é tão efetivo quanto à descontaminação seletiva do trato digestivo, que usa a aplicação tópica de antibióticos sobre as superfícies do trato gastrointestinal, incluindo a cavidade bucal, para reduzir a transferência de bactérias e a contaminação respiratória; e ainda tem como vantagem ser de baixo custo e diminuir o risco de resistência bacteriana. Estudos recentes indicam que o procedimento de higiene bucal é relevante na prevenção da colonização bucal pelos patógenos respiratórios potenciais.1,2,6,11,17,18 Os protocolos emitidos pela American Association of Critical Care Nurses (AACN) defenderam como cuidados bucais a utilização do swab, escovação dentária e aspiração de secreções bucais. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomenda que se desenvolvam e implementem programas de higiene bucal.7 A adoção de protocolos integrados de prevenção e tratamento multidisciplinar nos pacientes de UTI é essencial. Isso deve ocorrer especialmente em pacientes portadores de DP, por representar uma carga infecciosa e inflamatória significativa e servir de reservatório crônico para transferência de bactérias e/ou produtos do seu metabolismo.2,11 Portanto, diante das evidências científicas, a proposta do presente trabalho foi avaliar, por intermédio de questionário, a existência um programa de higiene bucal e quais os procedimentos adotados pelos profissionais da área de saúde nos serviços nas UTIs. MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de um estudo não-experimental descritivo com objetivo de avaliar o protocolo preconizado para a higiene bucal de pacientes internados e intubados das UTIs. Para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizado questionários, composto por perguntas fechadas e abertas. A inclusão de questões abertas favoreceu a preservação da multiplicidade de informações, evitando o direcionamento das respostas e a distorção da real situação. Todas as questões cuja resposta foi positiva foram associadas a uma questão aberta, as quais foram posteriormente analisadas e codificadas como certas, erradas ou não-respondidas. Para que a amostra fosse estatisticamente representativa, foi utilizada uma proporção de revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 71 AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS 50%, precisão de 6% e erro amostral de 10%. Portanto, a população do estudo incluiu 154 profissionais de quatro UTIs, sendo duas instituições públicas (n=72) e duas do serviço privado de saúde (n=82); divididos em três categorias assim distribuídos: 55 médicos (35,7%), 33 enfermeiros (21,4%) e 66 técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) com o número 071/2006 e para sua execução pela direção das quatro UTIs estudadas. Após a seleção aleatória da população em estudo, cujas características preenchiam os critérios de inclusão e exclusão da pesquisa, foi apresentado aos participantes o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme as especificações da Resolução n.º 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes preencheram um cadastro profissional, com informações como tempo de atividade, área de atuação e métodos de higiene bucal preconizados nas instituições de trabalho para pacientes internados nas UTIs e ventilados mecanicamente. Os dados foram apresentados por meio de tabelas de frequências, nas quais foram calculadas as frequências absolutas simples e relativas para os dados qualitativos, médias, mediana e desviopadrão para os dados quantitativos. Na análise de associação, foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher, e na comparação para duas médias utilizou-se o teste t, de Student, e para mais de duas médias a Análise de Variância (Anova). RESULTADOS A amostra pesquisada foi constituída 154 profissionais que preenchiam os quesitos necessários para participar do estudo, sendo 55 do gênero masculino (35,7%) e 99 do gênero feminino (64,3%). A idade média foi de 35,4 ± 8,2 meses, sendo 55 médicos (35,7%), 33 enfermeiros (21,4%) e 66 técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%), sendo que 38 trabalhavam no Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV (24,7%), 34 no Hos- 72 pital Pronto-Socorro 28 de Agosto – HPS (22,1%), 41 no Instituto de Medicina Intensiva – IMI (26,6%) e 41 no Hospital Unimed – HU (26,6%). Quanto à formação escolar, 117 foram em instituições de ensino na rede pública (76%) e 37 em instituições privadas (24%), com tempo médio de experiência que variou de 10,2 ± 6,5. De acordo com a Tabela 1, podemos analisar que, quando inquiridos da existência de um protocolo nas instituições em que trabalham para a higiene bucal de pacientes internados nas UTIs, responderam positivamente 33 (45,8%) da rede pública e 32 (39%) da privada, sendo 24 (43,6%) médicos, 15 (45,5%) enfermeiros e 26 (39,4%) técnicos/auxiliares de enfermagem. Quanto à existência de um protocolo para os pacientes intubados, podemos analisar que 25 (34,7%) servidores das instituições públicas e 30 (36,6%) dos hospitais privados responderam positivamente, no qual 24 (43,6%) eram médicos, 15 (45,5%) enfermeiros e 26 (39,4%) técnicos/auxiliares. Comparando-se as categorias profissionais e instituições entre si, não houve diferença estatisticamente significante. Dentre os métodos higiene bucal de pacientes internados nas UTIs e intubados encontramse escovação com creme dental, bochecho, uso do swab (gaze com espátula). Quando analisado a frequência com que a higiene era realizada nos pacientes em estudo, a mediana (3,0) foi igual para os três grupos de profissionais e entre as instituições (Tabela 2). Em relação ao tipo de colutório usado nos protocolos de higiene bucal, 57,6% dos funcionários das instituições públicas e 43,8% da rede privada não responderam a questão. Os colutórios mencionados foram: a clorexidine, bicarbonato de sódio e Cepacol,® sendo este o mais usado entre os profissionais e nas instituições analisadas, tanto para pacientes internados (Gráfico 1) quanto para os intubados (Gráfico 2). Não houve diferença estatística entre as profissões e UTIs pesquisadas. DISCUSSÃO Tendo em vista a gravidade e peculiaridades a que o paciente internado na UTI está sujei- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO to e da necessidade de cuidados de excelência, ressalva-se a importância das equipes de saúde exercer suas atividades em conjunto, por meio da multidisciplinariedade. Vários estudos analisaram as atitudes e conhecimentos dos enfermeiros;11,18,19,20 técnicos de enfermagem3,18 e fisioterapeutas19 sobre higiene bucal em pacientes hospitalizados ou institucionalizados, e como não foram encontrados dados referentes aos médicos intensivistas, decidiu-se, portanto, envolver em nosso estudo profissionais da área médica (35,7%), de enfermagem (21,4%) e técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%), de quatro Unidades de Saúde da cidade de Manaus-AM. Apesar do conhecimento de que o procedimento de higiene bucal são efetivos para a redução da colonização da orofaringe pelos patógenos respiratórios,1,2,6,16,17,18 a implementação de planos coordenados, que incluem intervenções de higienização bucal, não é uma prática comum nas UTIs.6 Podemos observar em nosso estudo que 45,8% dos funcionários das unidades públicas e 39% dos hospitais privados afirmaram haver protocolo para pacientes internados e para pacientes intubados: 34,7 e 36,6%, respectivamente. Estes dados são coerentes com os resultados do estudo realizado por Sole et al. (2003),19 onde se concluiu que das 27 instituições de saúde no Reino Unido estudadas, apenas 48% tinham políticas de higiene bucal. Os protocolos emitidos pela AACN preconizaram como cuidados bucais a utilização do swab, escovação dentária e aspiração de secreções bucais. Os protocolos de higiene bucal publicados recentemente incluem, além desses procedimentos, uma avaliação bucal e bochechos com colutórios em um intervalo de duas a seis horas.21,22 Entretanto, os procedimentos que estavam incluídos nos protocolos das instituições analisadas para pacientes internados nas UTIs públicas e privadas era a escovação dental (45,5 e 28,1%) e uso de colutórios (18,2 e 21,9%), para os pacientes em ventilação mecânica, o método mais usado foi o swab no qual foi citado por 68 e 70% dos entrevistados das UTIs públicas e privadas, respectivamente. Fitch et al. (1999)21 afirmaram ser o swab, dentre as intervenções bucais, o mais comum nas UTIs. Os resultados de um estudo realizado por Cutler & Davis (2005)23 são similares aos nossos, pois a higiene bucal era realizada principalmente por swab. Para Adams (1996)24 e Pearson (2006),25 este método não é efetivo na remoção do biofilme dental e provavelmente não reduz risco de PAVM. Rello et al. (2007) 20 avaliaram o tipo e a frequência dos cuidados bucais nas UTIs europeias. A higiene era realizada uma vez por dia (20%), duas vezes (31%) ou três vezes (37%). O procedimento consistia na limpeza da cavidade bucal (88%), com swab (22%), escova de dente (41%), hidratantes (42%) e principalmente com clorexidina (61%). Em um estudo realizado por Grap et al. (2006),18 75% dos profissionais afirmaram realizá-la duas ou três vezes por dia para pacientes não intubados e 72% cinco vezes por dia ou mais para pacientes intubados. A mediana obtida da frequência de higiene bucal dos pacientes internados e intubados em nosso estudo foi três vezes, independente da profissão ou instituição de trabalho. Atualmente, muitos agentes químicos estão sendo utilizados e testados em várias formulações para combater o biofilme dental, dentre eles podemos citar o peróxido de hidrogênio,25 bicarbonato de sódio,24 cloreto de cetilpiridino26,27 e óleos essenciais,27 PVPI,17 clorexidina.1,17,27,28 Entretanto, somente dois agentes para tratamento da gengivite e controle do biofilme são aceitos pela ADA: o digluconato de clorexidina e os colutórios como a base de óleos essenciais.29 Em nosso trabalho, o colutório mais usado nos protocolos das UTIs, para o controle do biofilme dental, foi o Cepacol.® O bicarbonato de sódio foi referido como parte dos procedimentos de higiene bucal usados nos protocolos dos pacientes internados por 9,1 e 3,1%, da rede pública e privada, respectivamente. Para os pacientes intubados é usado por 4% nas unidades públicas e 3,3% nas privadas. Entretanto, segundo Adams (1996),24 o bicarbonato de sódio e o peróxido de hidrogênio, mesmo sendo eficazes na remoção do biofilme, podem causar quei- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 73 AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS maduras superficiais, se não diluído adequadamente. O agente que mostrou os resultados mais positivos quanto à ação inibidora do biofilme é a clorexidina, atingindo a eficácia terapêutica preconizada pela ADA (2001),29 sendo, portanto, considerado o padrão áureo e o antisséptico de escolha. Rello et al. (2007)20 avaliaram o tipo dos cuidados bucais nas UTIs europeias e observaram que a clorexidina (61%) era o colutório mais usado. Em nosso estudo foi citada como parte do protocolo de higiene bucal de pacientes internados nas instituições públicas e privados por 3 e 3,1%, respectivamente. O CDC preconiza o uso de clorexidina a 0,12% em duas situações: durante o período préoperatório de pacientes que foram submetidos à cirurgia cardíaca e em todos os pós-operatórios de pacientes em estado crítico de saúde e/ou pacientes com alto risco de pneumonia.7 Vários estudos comprovaram, porém, a eficácia do antisséptico na prevenção das PHs e PAVMs. 1,5 Entretanto, a clorexidine não é utilizada nos protocolos para pacientes ventilados mecanicamente nas UTIs pesquisadas. Apesar da ineficácia do cloreto de cetilpiridino sobre bactérias gram-negativas e micobactérias,26 e de estudos comprovarem que o colutório é um bom conservante de Mycobacterium tuberculosis;26,30 o Cepacol® foi o colutório mais utilizado na rede pública e privada, para a higiene bucal de pacientes internados (27,3 e 46,9%) e intubados (32 e 56,7%). Pitten & Kramer (2001)26 descreveram que a aplicação de cloreto de cetilpiridino em uma concentração de 0,05% resulta em uma redução imediata na contagem bacteriana de 2,0 a 2,5 em uma escala logarítmica (sendo adequado para > 99%) com uma efetividade bactericida por um período de uma hora após a aplicação. Em contrapartida, a clorexidina apresenta melhores características como a substantividade de 12 horas, eficiência, estabilidade e segurança.28 Considerando o exposto, o uso da clorexidine seria mais adequado e não o Cepacol,® já que nos protocolos usados nas ins- 74 tituições avaliadas a frequência dos procedimentos de higiene bucal tem a mediana de três vezes ao dia, portanto com intervalos de oito horas. Segundo a literatura, a disponibilidade de escovas dentárias apropriadas e a qualidade dos colutórios e swab fornecidos pelos hospitais podem também influenciar no procedimento de higiene bucal em UTIs. Além desses obstáculos, as condições do hospital, tais como a falta de protocolos, equipamentos e prioridade do procedimento, afetam o tipo e a qualidade do cuidado bucal dado por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem.19 Durante o presente estudo foi observado que nas UTIs públicas e privadas os dispositivos de higiene bucal como creme dental, escova dentária e colutórios eram solicitados aos familiares dos pacientes, pois a higiene bucal não faz parte dos procedimentos prioritários das instituições e dos convênios de saúde. Diante do exposto, as administrações dos hospitais devem estar ciente da importância da formação de uma equipe multidisciplinar nas UTIs e da necessidade de implementação de programas de prevenção e promoção de saúde bucal em pacientes criticamente doentes, para que estes tenham um tratamento integral e humanizado. CONCLUSÃO Podemos concluir que não houve diferença estatística entre os profissionais e as instituições em relação ao protocolo de higiene bucal e para a frequência da execução dos procedimentos, e que ela está abaixo do preconizado na literatura. Os métodos de higiene bucal mais usados em pacientes internados foram a escovação com creme dental e bochechos; e para os pacientes submetidos à ventilação mecânica foi o uso de swab. O colutório mais utilizado é o cloreto de cetilperidino para a higiene bucal dos pacientes internados e intubados. Portanto, é essencial a implementação de protocolos de higiene bucal na rotina hospitalar, visto que é um método eficaz na prevenção da pneumonia nosocomial e associada à ventilação mecânica. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO REFERÊNCIAS 1. FOURRIER, F.; DUBOIS, D.; PRONNIER, P.; HERBECQ, P.; LEROY, O.; DESMETTRE T et al. 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J Clin Microbiol., 2005; 43(1):442-4. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO Tabela 1 – Protocolo para Higienização Bucal dos Pacientes Internados e Intubados em relação à Profissão e às Instituições Profissão Variáveis (n=154) Médico (n=55) n Protocolo de HB em pacientes INTERNADOS/UTI Qual (n = 65) Escovação com creme dental Bochechos Swab Escovação/Bochechos Não respondeu Protocolo de HB em pacientes 24 % 43,6 Enfermeiro (n=33) n % 15 45,5 Instituição de Trabalho Aux./Tec. Enfermagem (n=66) n % 26 39,4 Não respondeu 0,466 Pública (n=117) Privada (n=37) n % n 33 45,8 32 p* % 39,0 0,674 ** ** 5 20,8 11 73,4 8 30,8 15 45,5 9 28,1 6 11 25,0 45,9 2 2 13,3 13,3 5 3 4 19,2 11,5 15,4 6 2 5 18,2 6,1 15,1 7 1 12 21,9 3,1 37,5 2 8,3 - - 6 23,1 5 15,1 3 9,4 18 32,7 16 48,5 21 31,8 25 34,7 30 36,6 INTUBADOS/UTI Qual (n = 57) Escovação com creme dental Bochechos Swab Escovação/Bochechos p* 0,281 0,701 ** ** 3 16,7 - - - - - - 3 10,0 3 10 1 16,7 55,6 5,6 1 13 2 6,3 81,3 12,5 15 2 71,4 9,5 3 17 1 12,0 68,0 4,0 1 21 4 3,3 70,0 13,3 1 5,6 - - 4 19,0 4 16,0 1 3,3 *p-valor em negrito itálico indica associação estatisticamente significante ao nível de 5% * *Não foi possível aplicar a Estatística de Teste pois mais de 20% dos valores esperados são menores que 5. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 77 AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS Tabela 2 – Frequência de Higiene Bucal em pacientes Internados e Intubados em relação à Profissão e às Instituições Profissão Variáveis (n=154) Médico (n=55) Enfermeiro (n=33) Freqüência HB em pacientes Instituição de Trabalho Aux./Tec. Enfermagem (n=66) p* Pública (n=117) Privada (n=37) 0,660*** p* 0,804** INTERNADOS/UTI: 2,7 ± 0,8 2,9 ± 0,7 2,9 ± 0,6 2,8 ± 0,7 2,8 ± 0,6 Mediana 3,0 3,0 3,0 3,0 3,0 Amplitude 1-4 2–4 2–4 1-4 1–4 Média ± DP Freqüência HB em pacientes 0,063*** INTUBADOS/UTI: Média ± DP Mediana Amplitude 2,4 ± 1,0 3,0 ± 0,7 3,2 ± 0,4 3,1 ± 0,8 3,0 3,0 3,0 3,0 2,7 ± 0,7 3,0 1-4 2–4 3–4 1-4 1–4 *p-valor em negrito itálico indica associação estatisticamente significante ao nível de 5% Gráfico 1 – Colutórios utilizados pelos profissionais para HB de pacientes internados em UTIs em relação à profissão. 78 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO Gráfico 2 – Colutórios utilizados pelos profissionais para HB de pacientes intubados, em relação à profissão. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 79 80 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA REFL UX O L ARIN GOF ARÍN GEO: UMA MANIFES TAÇÃ O REFLUX UXO LARIN ARINGOF GOFARÍN ARÍNGEO: MANIFEST ÇÃO O ATÍPIC AD A DOEN ÇA DO REFL UX TÍPICA DA DOENÇ REFLUX UXO G AS TR OESOF ÁGIC O CL ÁSSIC A ASTR TROESOF OESOFÁ GICO CLÁSSIC ÁSSICA LARYNGOPHARYNGEAL REFLUX: AN ATYPICAL MANIFESTATION OF CLASSIC GASTROESOPHAGEAL REFLUX DISEASE Eduardo Abram Kauffman*, Júlio César Simas Ribeiro**, Cláudia Marina Puga Barbosa Oliveira*** RESUMO: A Doença do Refluxo Gastroesofágico tem duas manifestações clínicas distintas: Refluxo Gastroesofágico patológico ou DRGE clássica e Refluxo Laringofaríngeo (RLF) com sintomas respiratórios e/ou laríngeos que acabam trazendo os pacientes à atenção do otorrinolaringologista. Os principais sintomas são disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta e garganta seca. O tratamento é basicamente clínico e deve buscar a eliminação dos fatores propiciadores, com mudança nos hábitos alimentares e de vida. Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a terapia medicamentosa, inicialmente com bloqueadores da bomba de prótons. Apesar da alta frequência, uma vez que cerca de 80% das queixas de garganta têm refluxo associado; a doença laringofaríngea ainda é subdiagnosticada. Palavras-chave: Doença do Refluxo Gastroesofágico, Refluxo Laringofaríngeo, manifestação atípica. ABSTRACT: The Gastroesophageal Reflux Disease has two different clinical manifestations: the pathological Gastroesophageal Reflux or classic GERD and the Laryngopharyngeal Reflux (LPR) with respiratory and/or laryngeal symptoms which call the otorhinolaryngologist’s attention. The main symptoms are dysphonia, cough, pharyngeal globus, throat clearing, sialorrhoea, odynophagia, upper dysphagia, burning sensation in the throat and throat dryness. Treatment is basically clinical and must mind precipitation factors, changes in eating habits and in life. Medical management with proton pump inhibitors is also needed in most cases. Despite the high occurence, as around 80% of throat complaints are related to reflux, the laryngopharyngeal disease still isn’t properly detected. Keywords: Gastroesophageal Reflux Disease, Laryngopharyngeal Reflux, atypical manifestation. A porção alta do tubo digestivo é composta por boca, orofaringe, laringe, esôfago, estômago e duodeno. O alimento, ao ser ingerido, percorre sequencialmente essas regiões, utilizando como propulsão a força da gravidade e o peristaltismo. Ao chegar ao estômago e ao duodeno, sofre ação do conteúdo gástrico e duodenal, composto por enzimas e ácidos capazes de digerir os alimentos, para posteriormente serem absorvidos.20 Existem mecanismos que impedem que o alimento se movimente de maneira retrógrada por esse tubo. Os principais são os esfíncteres esofágicos inferior e superior. Quando há incompetência desses esfíncteres ocorre um fenômeno chamado refluxo alimentar, onde o conteúdo gastroduodenal, responsável pela digestão do alimento ingerido, percorre o caminho inverso, atingindo as regiões esofágica, laríngea e faríngea.15 Esse Mestre em Otorrinolaringologia. Acadêmico do 6.º ano de Medicina, Ufam. *** Acadêmica do 6.º ano de Medicina, Ufam. * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 81 REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: UMA MANIFESTAÇÃO ATÍPICA DA DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO CLÁSSICA refluxo alimentar ocorre fisiologicamente durante o dia, principalmente após refeições volumosas – quando evita a hiperdilatação do estômago – e durante o sono – quando é favorecido pela posição em decúbito.20 Ele pode, porém, se tornar patológico quando há exposição prolongada do conteúdo ácido sobre mucosas não especializadas em recebê-lo, como no esôfago, laringe e faringe.8,10,13 Os esfíncteres esofágicos, já citados, são importantes mecanismos antirrefluxo e o esfíncter esofágico inferior (EEI), situado entre o esôfago distal e o estômago, é o principal deles. Se esse esfíncter se tornar incompetente, com tônus basal muito baixo ou com relaxamentos transitórios frequentes (mecanismo mais comum), ocorre o refluxo gastroesofágico (RGE), podendo se transformar em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), quando causa lesões esofágicas.2,14,19 Do ponto de vista clínico, definimos a DRGE como uma afecção crônica decorrente do refluxo de parte do conteúdo gástrico (e por vezes, gastroduodenal) para o esôfago, acarretando um espectro de sintomas esofágicos e/ou extraesofágicos, frequentemente associados a lesões teciduais (ex.: esofagite). Os principais sintomas da DRGE são pirose, regurgitação e dor subesternal. Deve-se ressaltar que a inexistência desses sintomas não descarta a possibilidade de DRGE, assim como a sua intensidade não auxilia no diagnóstico de esofagite. O diagnóstico deve ser suspeitado de forma quase patognomônica pelos sinais e sintomas descritos, especialmente em relação à pirose e à regurgitação. Além disso, a endoscopia digestiva alta e a pHmetria de 24h (padrão ouro) devem ser solicitadas em situações específicas.3,6,14,17 Entretanto, a maioria dos pacientes com sintomas sugestivos de DRGE (pirose, regurgitação ácida) não necessita de nenhum exame investigatório inicialmente, sendo o diagnóstico determinado pela prova terapêutica com uma droga inibidora da bomba de prótons (IBP). Uma resposta satisfatória praticamente sela o diagnóstico (melhora considerável dos sintomas nas primeiras quatro semanas de tratamento).11 82 A primeira associação entre doença laríngea e refluxo gastroesofágico foi relatada por Coffin em 1903, especulando que a “eructação de gases do estômago” e hiperacidez são responsáveis por sintomas em muitos de seus pacientes com “catarro pós-nasal”. Segundo ele, este problema era negligenciado porque muitos desses pacientes não tinham sintomas gastrintestinais. Cherry e Margulus, em 1968, relataram três casos de pacientes com úlcera de contato na laringe e refluxo esofágico significante evidenciado nos estudos com bário.7,11 Estudos subsequentes têm estimado que 10% dos tossidores crônicos, 5 a 10% dos pacientes com rouquidão, 25 a 50% dos pacientes com sensação de globus, e um pequeno mas definido grupo com câncer laríngeo tem DRGE como fator etiológico primário.18 Os estudos de pesquisadores, como Kouffman e Oson, acabaram por mostrar que a DRGE, apesar de ser causada pelo mesmo mecanismo, tem duas manifestações clínicas distintas: sua forma clássica, que cursa com esofagite e é denominada simplesmente de Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE); e sua manifestação atípica, que pode cursar apenas com sintomas altos, sendo denominada Refluxo Laringofaríngeo (RLF). Portanto, o termo laringofaríngeo não significa que o refluxo ocorre apenas nesta região, mas sim que acomete principalmente o epitélio dessa topografia anatômica, que tem características próprias. Neste caso, apenas 18% dos pacientes com sintomatologia compatível com RLF têm esofagite de refluxo.1,5 No início da década de 80, se o médico relatasse que o problema de garganta de seu paciente tinha origem no estômago, arrancariam risos dos colegas. O episódio é verídico e ocorreu com o pesquisador americano James Kaufman. Hoje, as pesquisas nessa área já estão bem avançadas, até mesmo no Brasil. Estatísticas mundiais mostram que o Dr. Kaufman estava certo: cerca de 80% das queixas de garganta têm refluxo associado. Apesar disso, são poucos os otorrinolaringologistas que aplicam em seus consultórios as “novas ideias”. Isso ocorre porque a forma clássica da doença sempre revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA foi diagnosticada sem dificuldades, mas nunca relacionada aos sintomas “altos”.15 A mudança na forma de enfrentar o RFL ocorreu após o acesso às fibras óticas na prática clínica, utilizada como instrumento de diagnóstico para detectar partes queimadas na garganta, principalmente na entrada do esôfago.5,6 O mecanismo patogênico nos diferentes tipos de refluxo é o mesmo: a ação química do conteúdo gástrico na mucosa laríngea; porém não é consenso que o RLF é uma manifestação atípica da DRGE.10 A prevalência de distúrbios relacionados com a sintomatologia compatível com o RLF na prática otorrinolaringológica é estimada em 4 a 10% e a prevalência de RLF em pacientes com alterações vocais e desordens laríngeas atinge 50 a 78%.19 Pacientes com RLF geralmente possuem lesões que podem ser evidenciadas por meio de videolaringoscopia (geralmente o primeiro exame solicitado), como edema e hiperemia de laringe, hiperemia e hiperplasia linfoide em parede posterior da faringe, alterações interaritenoideas (laringite posterior), úlceras de contato na glote, granuloma laríngeo, pólipos de laringe, edema de Reinke, estenose subglótica e laringite hipertrófica. Os achados mais comuns são o edema glótico e a laringite posterior. Os principais sintomas são disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta e garganta seca.3,8,9,15 O tratamento clínico deve buscar a eliminação dos fatores propiciadores. É sugerido ao paciente mudança nos hábitos alimentares e hábitos de vida. Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a terapia medicamentosa. O tratamento inicial deve ser feito com bloqueadores da bomba de prótons, em duas doses diárias, por no mínimo 12 semanas.1,5 O tratamento cirúrgico é indicado quando o paciente não tem melhora significativa com o tratamento clínico e é pouco utilizado em casos que apresentam com sintomatologia laringofaríngea isolada. É indicado em casos que não responderam às medidas terapêuticas usuais e que apre- sentem esofagite de Barret, estenoses ou processos hemorrágicos. Casos de aspirações frequentes com rouquidão ou estenose subglótica podem também requerer intervenção cirúrgica. O tratamento cirúrgico mais utilizado é a fundoplicatura do estômago, que promove aumento na tensão do esfíncter esofágico inferior (EEI).1,5,20 Portanto, trata-se de uma enfermidade recente e ainda de difícil diagnóstico. Atualmente o que se vê de concreto é que temos uma patologia laringofaríngea frequente, porém ainda subdiagnosticada. O especialista, ao deparar-se com pacientes portadores de queixas laringológicas crônicas sem melhoras aos tratamentos médicos convencionais, deve obrigatoriamente incluir dentre suas suspeitas diagnósticas o RLF. O diagnóstico correto e precoce alertará o paciente e o médico sobre potenciais prejuízos a médio e longo prazos e a necessidade de tratamento. REFERÊNCIAS 1. AHUJA, V.; YENCHA, M. W.; LASSEN, L. F. Head and Neck Manifestations of Gastroesophageal Reflux Disease. American Academy of Family Physicians, 60(3), 1999. 2. 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São Paulo: Editora Atheneu, 2002. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 EDUARDO KAUFFMAN, DOMINGOS LIMA, LUIZ PASSOS, ALETÉIA ANUNCIAÇÃO, CLAUDIA OLIVEIRA, JÚLIO RIBEIRO RIN OSSINUSITE CRÔNIC A EM P ACIENTES C OM RINOSSINUSITE CRÔNICA PA COM LÚPUS – ERITEMA TOSO SIS TÊMIC O ERITEMAT SISTÊMIC TÊMICO CHRONIC RHINOSINUSITIS IN SYSTEMIC LUPUS – ERYTHEMATOSUS PATIENTS Eduardo Abram Kauffman*, Domingos Sávio Nunes de Lima**, Luiz Fernando Passos***, Aletéia Cristina Fonseca de Anunciação****, Claudia Marina Puga Barbosa Oliveira*****, Júlio César Simas Ribeiro***** Resumo: Introdução: O manejo clínico do LES, por meio de corticoterapia, pode levar os pacientes a vários estágios de imunossupressão. A rinossinusite tem sido relatada com frequência em pacientes imunossuprimidos. Objetivos: Estudar a prevalência de rinossinusite nos pacientes portadores de LES e descrever os sinais/sintomas otorrinolaringológicos desse grupo de pacientes. Pacientes e métodos: Estudo transversal, onde foram incluídos 96 pacientes com LES [critérios para a classificação do American College of Rheumatology (ACR)]. Resultados: Dentre os 96 pacientes incluídos, 25 (26%) foram diagnosticados como portadores rinossinusite crônica tendo como principais sintomas a obstrução nasal em 21 (84%), espirros em 21 (80%), anosmia em 19 (76%), cefaleia em 19 (76%) e dor facial em 6 (24%). Os 25 pacientes com LES e diagnóstico de rinossinusite faziam uso de prednisona. Conclusão: A prevalência de rinossinusite crônica foi de 26%, todos esses pacientes faziam uso de prednisona no período da consulta otorrinolaringológica. Palavras-chave: Rinossinusite, lúpus eritematoso sistêmico, prevalência. Abstract: Introduction: Systemic lupus erythematosus (SLE) clinical management throughout corticosteroid therapy may lead patients to various levels of immunesupression. Rhinosinusitis has been described frequently in immunesupressed patients. Objective: To study rhinosinusistis prevalency in SLE patients and describing otorhinolaryngological signs/symptons of these patients. Patients and Method: A transversal study, including 96 SLE patients [American College of Rheumatology (ACR) classification. Results: Between 96 patients included, 25 (26%) were diagnosed with chronic rhinosinusistis criteria and your most important symtoms were nasal obstrucction in 21 (41%), sneezing in 21 (80%), anosmia in 19 (76%), headache in 19 (76%) and facial pain in 6 (24%). The 25 SLE patients diagnosed with chronic rhinosinusitis were using prednisone. Conclusion: The prevalency of chronic rhinosinusitis was 26%, and all patients were using prednisone at the time of otorhinolaryngological exam. Keywords: Rhisosinusitis, Systemic lupus erythematosus, Prevalency. INTRODUÇÃO O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e natureza autoimune, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos. Evolui com as mais variadas manifestações clínicas e com períodos de exacerbação e remissão.1,17 A prevalência no sexo feminino é nove vezes maior que no sexo masculino, principalmente durante a idade fértil.1 A fisiopatologia do LES caracteriza-se por formação de imunocomplexos constituídos por autoanticorpos e auto ou heteroantígenos que se depositam na parede de vasos de pequenos e médios calibres, em território e microcirculação, pro- Mestre em otorrinolaringologia. Professor assistente da Ufam. Médico reumatologista e doutor em medicina. *** Médico reumatologista e doutor em biotecnologia. **** Residente (R2) de Clínica Médica do HUGV. ***** Acadêmico do 6º ano de medicina da Ufam. * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 85 RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO duzindo ao final um processo de vasculite leucocitoclástica, com necrose da parede vascular e dos tecidos, gerando alterações estruturais e funcionais em vários órgãos ou sistemas, como o ósteo-articular e o renal.1,3 Em 1959, Scarpelli et al18 publicaram o primeiro caso de envolvimento das vias aéreas relacionada ao LES.14 Em 1976, Smith et al19 mostraram ulcerações, estenoses e edema da articulação cricoaritenoidea em dois pacientes com LES.15 A rinossinusite é uma afecção comum entre pacientes imunossuprimidos, particularmente naqueles com imunossupressão avançada (geralmente infectados pelo HIV),12 e temos nos pacientes portadores de LES uma população imunossuprimida, em função da corticoterapia a qual eles são submetidos para obtenção do controle da doença.3,9,10 Pode clinicamente ser definida como uma resposta inflamatória da membrana mucosa que reveste a cavidade nasal e os seios paranasais, podendo em ocasiões entender-se para o neuroepitélio e osso subjacente. Trata-se de uma afecção relativamente comum, afetando até 20% da população, Pode ser classificada em aguda, subaguda e crônica, referindo a duração dos sintomas.8,16 O termo rinossinusite é mais utilizado atualmente já que a rinite e a sinusite são, frequentemente, doenças em continuidade. A rinite existe isoladamente, mas a sinusite sem a rinite é de ocorrência rara. A prevalência da rinossinusite crônica nos Estados Unidos é estimada em 14% da população geral.22,23 Não existe um levantamento epidemiológico brasileiro, mas provavelmente deve ser semelhante ao americano.5,23 Uma anamnese bem detalhada, complementada com achados radiológicos e endoscópicos permite uma excelente avaliação dos pacientes com suspeita de rinossinusite.8,16,21 A alta morbidade e eventual mortalidade associadas às complicações das rinossinusites justificam a avaliação cuidadosa dos casos de sinusopatias agudas ou crônicas, assim como a pronta investigação quando a evolução clínica não é satisfatória. Tais complicações podem ser orbitárias, intracranianas ou ósseas. 86 O manejo clínico das rinossinusites é frequentemente satisfatório. Os agentes terapêuticos incluem antibióticos, descongestionantes, mucolíticos, sprays ou irrigação nasal e corticoesteroides. O tratamento cirúrgico é indicado em casos de obstrução mecânica comprovada ou em casos onde há frequente infecção residual após um manejo clínico adequado.8,12,20 OBJETIVOS Estudar a prevalência de rinossinusite nos pacientes portadores de LES, atendidos no Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do Amazonas, bem como citar os principais sinais/ sintomas otorrinolaringológicos e comorbidades apresentadas por esse grupo de indivíduos. PACIENTES E MÉTODOS Estudo transversal desenvolvido no Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do Amazonas, no período de agosto de 2006 a dezembro de 2007. Foram incluídos 96 pacientes com idade variando entre 18 e 61 anos, com média de 38,25 anos, sendo 90 (93,75%) mulheres e 6 (6,25%) homens. Todos os pacientes tinham no mínimo quatro critérios para a classificação de LES de acordo com o ACR. Os pacientes foram escolhidos de forma aleatória, independente de apresentarem queixas otorrinolaringológicas. A escolha dos pacientes era feita enquanto eles aguardavam atendimento no ambulatório de LES. Foram incluídos os pacientes maiores de 18 anos, com no mínimo um ano de diagnóstico de LES, tendo ao final obtido pacientes com tempo de diagnóstico variando de 1 a 18 anos, com média de 6,62 anos. Foram excluídos os pacientes com menos de um ano de diagnóstico de LES e os pacientes com sintomas compatíveis com rinossinusite crônica que não realizaram a tomografia computadorizada (TC). A avaliação seguiu um protocolo preestabelecido que consistia de anamnese, exame físico revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 EDUARDO KAUFFMAN, DOMINGOS LIMA, LUIZ PASSOS, ALETÉIA ANUNCIAÇÃO, CLAUDIA OLIVEIRA, JÚLIO RIBEIRO otorrinolaringológico (otoscopia, rinoscopia, oroscopia e palpação facial) e, em casos compatíveis com rinossinusite, tomografia computadorizada (TC). O diagnóstico de rinossinusite baseou-se nos parâmetros descritos nos Consensos Americano e Latino-americano de Rinossinusites,19,21 ou seja, valorizados tempo de evolução, sintomas (febre, dor facial, tosse, congestão nasal e rinorreia purulenta) e tomografia computadorizada (TC). Todos os pacientes tinham dois fatores maiores (obstrução nasal, secreção nasal, cefaleia, dor ou pressão facial e distúrbio olfatório) ou um fator maior e dois menores (febre, halitose, tosse e irritabilidade) por mais de três meses e tomografia computadorizada evidenciando opacificação de um ou mais seios paranasais e do complexo óstiomeatal. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Amazonas. RESULTADOS Durante o período de agosto de 2006 a novembro de 2007, foram estudados 104 pacientes, sendo incluídos na amostra 96 pacientes. Os 96 pacientes incluídos tinham a idade variando entre 18 e 58 anos, com média de 38,25 anos, sendo 90 (93,7%) mulheres e 6 (6,3%) homens. Os indivíduos excluídos não realizaram a tomografia computadorizada ou tinham menos de um ano de diagnóstico de LES. Dentre os 96 pacientes incluídos, 25 (26%) foram diagnosticados como portadores de rinossinusite crônica. A tomografia computadorizada evidenciava, em todos os pacientes, opacificação de um ou mais seios paranasais e do complexo óstio-meatal. Os sinais/sintomas encontrados nos 96 pacientes com LES, em avaliação clínica direcionada a queixas otorrinolaringológicas, foram: cefaleia em 68 (70,8%), obstrução nasal em 36 (37,5%), espirros em 33 (34,4%), caseum em 30 (31,2%), pigarro em 26 (27%), náuseas em 24 (25%), dor facial em 21 (21,9%), anosmia em 18 (18,7%), tosse em 18 (18,7%), halitose em 15 (15,6%), otalgia em 13 (13,5%), disfagia em 12 (12,5%), pressão nos ouvidos em 10 (10,4%), globus faríngeo em 10 (10,4%), sangramento nasal em 8 (8,3%), odinofagia em 6 (6,2%), febre em 4 (6,2%) e dor dentária em 3 (6,2%). As principais comorbidades apresentadas pelos 96 pacientes foram: hipertensão arterial sistêmica (HAS) em 29 (30,2%), insuficiência renal crônica (IRC) em 12 (12,5%), dislipidemia em 9 (9,3%), cardiopatia em 9 (9,3%), diabetes mellitus (DM) em 8 (8,3%), asma em 7 (7,3%), glaucoma em 5 (5,2%), fibromialgia em 5 (5,2%) e acidente vascular cerebral (AVC) em 4 (4,2%). Dos 96 pacientes com LES, 66 (68,75%) estavam fazendo uso de prednisona, 24 (25%) estavam fazendo uso de cloroquina, 18 (18,75%) estavam fazendo uso de azatioprina e 15 (15,6%) faziam uso de metotrexate. Dos 25 pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica, 25 (100%) faziam uso de prednisona, 14 (56%) faziam uso de cloroquina, 12 (48%) faziam uso de azatioprina e 2 (8%) faziam uso de metotrexate. Durante a avaliação clínica, os pacientes relatavam apenas a medicação que estavam fazendo uso no momento. DISCUSSÃO Como as prevalências de rinossinusite crônica variam conforme o estágio de imunossupressão do paciente, o grupo de pacientes com LES acaba tornando-se um grupo heterogêneo, pois as doses das drogas imunossupressoras variam conforme o estágio de exacerbação e/ou remissão da doença, lembrando que o LES apresenta períodos de atividade e inatividade.15 A relação rinossinusite/imunossupressão pode ser melhor estabelecida em grupos homogêneos, como os pacientes transplantados. O ponto-chave é reconhecer a maior prevalência de rinossinusite crônica em pacientes imunossuprimidos e ao mesmo tempo perceber que os corticoesteroides que, por vezes, são utilizados no tratamento da rinossinusite acabam se relacionando à própria etiologia da doença. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 87 RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO Em nosso estudo encontramos uma prevalência de 26% de rinossinusite crônica entre os 96 pacientes com diagnóstico de LES. Estudos nacionais e internacionais evidenciam prevalências que variam de 8 a 72% em pacientes com doenças autoimunes, HIV ou imunossuprimidos por uso de corticoides e demais drogas imunossupressoras.3,5,13,14,33 A prevalência da rinossinusite crônica nos Estados Unidos é estimada em 14% da população geral.31,33 Não existe um levantamento epidemiológico brasileiro, mas provavelmente deve ser semelhante ao americano.6,33 Em todos os pacientes diagnosticados com rinossinusite crônica os sintomas tinham mais de quatro meses de evolução. As dúvidas diagnósticas foram poucas, fazendo com que o diagnóstico fosse essencialmente clínico, sendo solicitado a tomografia computadorizada apenas para confirmação da hipótese diagnóstica. A tomografia computadorizada dos 25 pacientes demonstrou presença de sinusopatia, ou seja, aumento de espessura da mucosa ou áreas de opacificação nos seios acometidos. A tomografia computadoriza oferece uma avaliação objetiva, quantificando a extensão do processo nasossinusal, sendo um exame de grande valia em nossa pesquisa, apesar de dispensável como método diagnóstico. Dos 96 pacientes com LES, 66 (68,75%) estavam fazendo uso de prednisona, 24 (25%) estavam fazendo uso de cloroquina, 18 (18,75%) estavam fazendo uso de azatioprina e 15 (15,6%) faziam uso de metotrexate. Dos 25 pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica, 25 (100%) faziam uso de prednisona, 14 (56%) faziam uso de cloroquina, 12 faziam uso de azatioprina (48%) e 2 (8%) faziam uso de metotrexate. Durante a avaliação clínica, os pacientes relatavam apenas a medicação que estavam fazendo uso no momento. Merece atenção o fato de todos os pacientes com diagnóstico de rinossinusite crônica estarem fazendo uso de prednisona, ao passo que ela é, por vezes, utilizada como tratamento das sinusopatias. Nosso estudo parece ser, até o momento, o único que avaliou a presença de rinossinusite em pacientes com LES. Talvez a terapia imunossupres- 88 sora ou até mesmo uma manifestação do próprio LES seja responsável por essa prevalência de 26% de rinossinusite crônica. Interessante notarmos que embora esse tipo de avaliação não tenha sido feita por outros autores, a rinossinusite crônica traz grandes incômodos aos pacientes com LES. O médico otorrinolaringologista deve estar atento à alta prevalência de rinossinusite crônica nos pacientes com LES. CONCLUSÃO Pudemos observar a presença de rinossinusite crônica em 26% dos 96 pacientes com LES incluídos na pesquisa. Dos 25 pacientes com rinossinusite crônica, os 25 (100%) faziam uso de prednisona no período da consulta otorrinolaringológica. O médico otorrinolaringologista deve estar atento à alta prevalência de rinossinusite crônica nos pacientes com LES. REFERÊNCIAS 1. AYACHE, D. C. G.; COSTA, I. P. 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Manaus-AM – CEP 69079-210 Agradecimento à Fapeam. 90 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM ÉTIC A EM PESQUIS A CLÍNIC AC OM SERES HUMAN OS ÉTICA PESQUISA CLÍNICA COM HUMANOS – AR TIGO DE REVISÃ O ARTIGO REVISÃO ETHICS IN CLINICAL RESEARCH WITH HUMAN BEIGNS – REVISION ARTICLE Ângelo Keppe*, Helton Batista de Oliveira*, Ione Rodrigues Brum** RESUMO: O que nos leva a realizar uma pesquisa é a necessidade de respondermos a uma pergunta sob determinada situação a qual não temos conhecimento ou ainda temos dúvida. O pesquisador é intuído pela necessidade do novo, do saber do comprovar e, dessa forma, fornecer resultados à comunidade, que permitem contínua mudança no nosso dia-a-dia. Ao pretendermos realizar um trabalho de pesquisa devemos compor um cenário que compreende o objetivo da pesquisa, o objeto da pesquisa e o pesquisador. Esses cuidados permitem ajustarmos todos os componentes do trabalho e não termos por algum motivo que descontinuá-lo. Esta revisão de artigos atualizados pretende mostrar os princípios éticos da pesquisa clínica, esclarecendo especialmente dúvidas quanto ao objeto (sujeito) da pesquisa clínica e a autoria de um trabalho científico. Palavras-chave: Ética em pesquisa, autoria de trabalhos científicos, pesquisa clínica. ABSTRACT: The need to answer a question about a topic which we don’t have enough experience is what make us to perform a study. The researcher is inspired for the necessity of modifying the knowledge and provides results for the community to change our day by day. When we intend to perform a study we ought to compose scenery formed by the objective, the subjective of the study and the researcher. These procedures allow us to adjust all the study components to avoid the discontinuation of the study for any reason. This review aims to demonstrate the ethical principles of the clinical research, particularly doubts on the research subjective and the scientific research authors. Keywords: Ethics in clinical research, scientific papers authors, clinical research. Na prática clínica atual e na pesquisa clínica, a maioria dos procedimentos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos envolve riscos e encargos. O objetivo principal da pesquisa clínica envolvendo seres humanos é melhorar os procedimentos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos, e entender a etiologia e patogênese da doença. Até mesmo os melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos comprovados devem ter, continuamente, sua eficácia, eficiência, acessibilidade e qualidade testadas por meio de pesquisas.1 Pesquisa clínica é restrita por padrões éticos que promovem o respeito por todos os seres * humanos e protegem sua saúde e direitos.1 Pesquisa clínica envolvendo seres humanos inclui pesquisa com material humano identificável ou dados identificáveis.2 A autoria de projetos, artigos e livros são uma das questões éticas que mais tem gerado preocupações nos últimos tempos. A omissão de autores, a inclusão indevida e o uso indevido de material de pesquisa são fatos extremamente desagradáveis e preocupantes, porém presentes em todos os países do mundo que realizam pesquisas.3 O International Committee of Medical Journal Editors, criado em janeiro de 1978, em Vancouver, Residentes de Ginecologia e Obstetrícia do HUFM/Ufam, Chefe do Serviço de Tocoginecologia do HUFM/Ufam, ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 91 ÉTICA EM PESQUISA CLÍNICA COM SERES HUMANOS – ARTIGO DE REVISÃO tem por objetivo o estabelecimento de critérios comuns para a publicação de artigos científicos na área da saúde.3 No Brasil, os aspectos éticos envolvidos em atividades de pesquisa que envolva seres humanos estão regulados pelas diretrizes e normas de pesquisa em seres humanos, pela Resolução n.º 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida em outubro de 1996. Essas diretrizes foram detalhadas para pesquisas envolvendo novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos por outra Resolução (n.º 251/97), de agosto de 1997. Novas resoluções estão sendo elaboradas para tratar de outras áreas temáticas especiais.4 Esta revisão de artigos atualizados pretende mostrar os princípios éticos da pesquisa clínica, esclarecendo especialmente dúvidas quanto ao objeto (sujeito) da pesquisa clínica e a autoria de um trabalho científico. AUTORIA DA PESQUISA A Lei do Direito Autoral estabelece, em seu artigo 6, que “São obras intelectuais as criações do espírito, de qualquer modo exteriorizadas, tais como: I – os livros, brochuras, folhetos, cartasmissivas e outros escritos; II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza (...)”. Dessa forma, a atribuição de crédito à autoria de um trabalho independe do modo de apresentação, seja ela um artigo, livro, tema livre com apresentação oral ou em mural, ou até mesmo nas suas formas mais iniciais, como projeto de pesquisa ou carta indicando achados iniciais. O que importa é que cada um dos autores assuma a responsabilidade profissional, pública e social pela sua obra.3 Todas as pessoas designadas como autores devem estar qualificadas para tal. Cada autor, em particular, deve ter participação suficiente no trabalho para tomar a responsabilidade pública pelo seu conteúdo. Os créditos de autoria devem estar baseados somente em contribuições substanciais para (a) concepção, planejamento, análise ou interpretação dos dados; (b) redação do artigo ou sua 92 revisão intelectual crítica; (c) responsabilidade pela aprovação final para publicação. Todas as condições (a, b e c) devem ser cumpridas. A participação apenas na obtenção de fundos ou na coleta de dados não justificam autoria.3 A não inclusão de autores é um fato corriqueiro, porém grave. Todos os autores devem sempre ser incluídos, não deve haver omissão de nenhum participante que preencha os critérios de autoria. Este é um dever moral, baseado na fidelidade que deve existir entre os membros do grupo que efetivamente realizaram o projeto de pesquisa.3 Os critérios de autoria são também abordados em vários outros Códigos de Ética de diferentes profissões de saúde. O Código de Ética Médica,5 em seu artigo 137, propõe que é vedado ao médico “publicar em seu nome trabalho científico do qual não tenha participado; atribuir-se autoria exclusiva de trabalho realizado por seus subordinados ou outros profissionais, mesmo quando executados sob sua orientação”. Segundo a Lei n.º 9.610/98, no artigo 102, o titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível.6 Na área da orientação de trabalhos de pósgraduação, existem grandes controvérsias sobre a obrigatoriedade da citação do professor orientador como autor. Alguns alunos, especialmente em nível de doutorado, necessitam de tão pouco auxílio, que podem ser considerados autores únicos de seus trabalhos. Essa situação ocorre mais frequentemente na área de ciências humanas, onde a produção é mais pessoal e depende menos do trabalho realizado por uma equipe de pesquisa. Na área da pesquisa em ciências biológicas e da saúde, por exemplo, esta situação é mais difícil de ocorrer. A pesquisa nesta área é um trabalho colaborativo e cooperativo entre membros de uma equipe de pesquisa e até mesmo entre equipes de pesquisa. O importante é sempre verificar, basicamente, a adequação dos três critérios de autoria, já descritos anteriormente, ao trabalho produzido.3 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM Vale ressaltar que não cabe mais a caracterização indiscriminada de que o primeiro nome crito e concordar em compartilhar a responsabilidade pelos resultados.7 citado é o do autor e, que os demais citados, a par- A inclusão indevida de autores é outra grave tir deste, sejam denominados de coautores, como questão. Como já foi dito anteriormente, os auto- se tivessem tido uma participação secundária. Com res planejam, executam e escrevem. Amigos, cole- o objetivo de preservar a justiça, o critério utiliza- gas, chefes, bolsistas e estagiários não se tornam do para estabelecer a sequência deve ser discutido autores apenas em função dessas relações. Essa tra- pela equipe de pesquisadores e citado, no próprio dição inadequada pode e deve ser evitada utilizan- trabalho, como nota de rodapé, indicando as atri- do-se regras claras para o estabelecimento do cri- buições de cada um dos autores na realização do tério de autoria desde o início do planejamento do projeto. projeto.3 A autoria indevida é uma forma de fraude 3 Observando-se os artigos científicos publi- muito difundida. Muitas vezes pessoas são incluí- cados em periódicos, tanto nacionais quanto es- das como autores sem que tenham tido nenhuma trangeiros, nota-se um número grande de auto- participação na pesquisa. A autoria pressupõe res- res (autor e coautores). O número de colaborado- ponsabilidade intelectual pela pesquisa. Os auto- res, por artigo, vem crescendo nos últimos anos. res são solidariamente responsáveis pela sua pro- “É mais prudente acreditar que a inflação da dução científica assumida publicamente por inter- coautoria seja explicada pelo fortalecimento do médio da divulgação de resultados. A autoria trabalho de equipe, do que por outros motivos indevida ou fraudulenta pode levar a situações ex- como, por exemplo, para hipervalorização dos tremamente desagradáveis como a de ter que re- serviços... ou mesmo para citação contínua do tratar publicações.7 As atividades científicas, assim como todas chefe de um serviço”.7 “É necessário entender que a inclusão como as demais, não estão imunes a situações desones- coautor de um artigo pressupõe envolvimento im- tas. A fraude pode ocorrer em várias etapas da pes- portante na sua realização, conhecimento de seu quisa, desde o planejamento, execução até, princi- conteúdo e participação na sua redação. Por ou- palmente, na sua divulgação. As diferentes formas tras palavras, o coautor é corresponsável pelo tra- de fraude em pesquisa envolvem a autoria balho e responde por ele”.7 indevida, a não citação de fontes, a coleta inade- Não existe nenhuma indicação universalmente aceita e utilizada sobre a ordem de citação quada, o tratamento de dados feito de forma incorreta.8 dos autores. A maneira mais tradicional propõe Outra forma de fraude em ciência é o plá- que o primeiro autor citado é o responsável pela gio de dados ou informações. Considera-se plágio obra, enquanto que o último seria o orientador do quando uma pessoa se apropria e utiliza-se de da- trabalho como um todo. Essas regras, contudo, têm dos ou informações de outro pesquisador, sem atri- sido alteradas. Muitos autores, com tradição em buir-lhe a autoria. O plágio pode ser sutil ou gros- pesquisa, cedem o seu lugar para assistentes e bol- seiro. O mais comum é a utilização de materiais já sistas, com o objetivo de que estes possam tornar- publicados por outros autores, sem citar a fonte. se mais conhecidos e sentirem-se mais comprome- Um dos plágios mais condenáveis é o realizado por tidos com o projeto. uma pessoa ao ser revisor de artigos para periódi- 3 A coautoria deve ser dada apenas àqueles cos científicos. O revisor tem acesso privilegiado que contribuíram intelectual e cientificamente, de aos dados e informações, antes de sua publicação maneira significativa, na execução do trabalho. e divulgação para a comunidade científica. Esse Todos os autores devem participar na redação e tipo de acesso já possibilitou inúmeras situações editoração do manuscrito, receber cópia do manus- condenáveis de apropriação indevida.8 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 93 ÉTICA EM PESQUISA CLÍNICA COM SERES HUMANOS – ARTIGO DE REVISÃO OBJETO DA PESQUISA (SUJEITO) Os princípios básicos da bioética são: a não-maleficência, a beneficência (riscos e benefícios), a justiça e, sobretudo, a autonomia (autodeterminação), respeitando-se o sigilo, a privacidade, a autoestima.10 Segundo a Resolução n.º 196/96, merecem destaque os seguintes pontos: o respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa; o sujeito da pesquisa tem de ser esclarecido da liberdade de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado e toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um comitê de ética em pesquisa (CEP).10 Cabe ao pesquisador apresentar o protocolo, devidamente instruído ao CEP, aguardando o pronunciamento deste, antes de se iniciar uma pesquisa.10 O consentimento informado obtido de forma correta e legítima fundamenta o ato médico ou de pesquisa como justo e unicamente correto.11 A liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado,10 é um fato que deve ser claramente exposto e pontuado no consentimento informado. No interesse de consolidar o uso e a prática do consentimento informado no Brasil, seria conveniente uma revitalização da classe médica nas novas dimensões éticas da profissão levantadas nas últimas décadas. Do mesmo modo, a adequada preparação e funcionamento das comissões de ética, comitês de ética hospitalar ou comitês de bioética e comitês de ética na pesquisa com seres humanos – a denominação desses organismos não é o mais importante – contribuiria eficazmente no aprimoramento dessa e de outras práticas e atitudes que enobrecem o exercício da Medicina e 94 prestigiam a saúde de uma nação.11 O fundamental é reconhecer que as pessoas sempre possuem dignidade, independentemente de sua idade ou capacidade, merecendo, dessa forma, todo o nosso respeito e cuidado para com as informações a elas pertinentes.9 É comum obtermos do prontuário os elementos necessários à pesquisa, nesses casos vale ressaltar que: os documentos com as informações obtidas com ou sobre o paciente são armazenados no prontuário; o prontuário é um arquivo, em papel ou informatizado, cuja finalidade é facilitar a manutenção e o acesso às informações que os pacientes fornecem, durante o atendimento, seja em uma área de internação ou ambulatorial, bem como os resultados de exames e procedimentos realizados com finalidade diagnóstica ou de tratamento; o prontuário é de propriedade do paciente. O hospital ou outra instituição de saúde detém a guarda destes documentos visando preservar o histórico de atendimento de cada paciente.9 Para as atividades de pesquisa, como já dito, o pesquisador somente pode acessar o prontuário após ter elaborado um projeto e ele ter sido aprovado pelo comitê de ética em pesquisa. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) foi baixada uma norma específica sobre este tema, que obriga os pesquisadores a assinarem um termo de compromisso para uso de dados. Este documento formaliza o dever de preservar os dados e o anonimato dos pacientes estudados – este procedimento foi adotado, posteriormente, em outras instituições.9 CONCLUSÃO Atualmente a deontologia médica não é mais um assunto que diz respeito somente à profissão médica e sim um interesse da sociedade, já que a saúde das pessoas tem se tornado uma preocupação de cunho social. Parafraseando França: “além da questão técnica do que se pode fazer, surge a questão ética do que se deve fazer”.12 A antiga concepção de que o médico sabe o que é melhor para o paciente vem sendo posta à prova e revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM o paciente deseja saber o que e o porquê de tudo que nele é feito. Nesse contexto, é importante que saibamos agir sempre de acordo com os preceitos éticos vigentes e estarmos atentos às constantes transformações na sociedade que também imprimem mudanças, ao longo dos anos, na conduta ética dos profissionais médicos, principalmente no que diz respeito aos sujeitos de uma pesquisa. REFERÊNCIAS 1. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet]. Porto Alegre: © Goldim 1997-2008. [atualizado em 28/10/2008; citado em 20/8/2007] Declaração de Helsinque. Disponível em: http:// www.bioetica.org.br/legislacao/ outras_diretrizes/integra. html 2. Universidade Federal de São Paulo [página na Internet]. São Paulo: Unifesp © 2006-2008. [atualizado em 6/11/2008; citado em 20/8/2007] Declaração de Helsinque. Disponível em: http:// www.unifesp.br/reitoria/orgaos/comites/etica/ helsinque.doc 3. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet]. Porto Alegre: © Goldim, 1997-2008. [atualizado em 1.º/4/2007; citado em 20/8/2007] Aspectos Éticos, Legais e Morais relacionados à Autoria na Produção Cientifica. Disponível em: http:// www.ufrgs.br/bioetica/autor.htm 4. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet]. Porto Alegre: © Goldim, 1997-2008. [atualizado em 21/8/2005; citado em 20/8/2007] Ética Aplicada à Pesquisa em Saúde. Disponível em: http:/ /www.ufrgs.br/bioetica/biopesrt.htm 5. Conselho Federal de Medicina – Código de Ética Médica – Resolução CFM n.º 1.246/88, 5.ª edição. Brasília, 2003. 6. Brasil. Lei n.º 9.610/98, de 19/2/1998 – Regula os Direitos Autorais, e dá outras providências. 7. GOLDENBERG, S. Publicação do Trabalho Científico: Compromisso Ético. São Paulo, 2001. Disponível em: http://www.metodologia.org/ saul_etica.pdf 8. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet]. Porto Alegre: © Goldim, 1997-2008. [atualizado em 17/1/2002; citado em 20/8/2007] Fraude em Pesquisa Científica. Disponível em: http:// www.ufrgs.br/bioetica/fraude.htm 9. COSTA, S. I. F.; OSELKA, G.; GARRAFA, V. Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética. Brasília, 1998, p. 302. 10. Conselho Nacional de Saúde (Brasil). Resolução n.º 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos. Brasília: Diário Oficial da União, n.º 201, p. 21.082, 16 out. 1996, seção 1. 11. CLOTET, J. O consentimento informado nos comitês de ética em pesquisa e na prática médica: conceituação, origens e atualidade. Revista Bioética [serial on Internet], 1995, v. 3 [citado em 17/2/2008]. Disponível em: http:// www.portalmedico.org.br/revista/bio1v3/ consentimento.html 12. Medicina Legal [página na Internet] © França, 2003-2006. [citado em 25/4/2008] Deontologia Médica e Bioética (2000). Disponível em: http://www.medicinalegal.com.br/a50.htm revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 95 96 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 CRISTIANO PAIVA, LUÍS SABINO, RODRIGO KREBS, RENATO ALBUQUERQUE, MARILISE KATSURAYAMA, CASSIO ANDREONI, VALDEMAR ORTIZ AN GIOMIOLIPOMA REN AL C OM TR OMB O TUMORAL ANGIOMIOLIPOMA RENAL COM TROMB OMBO ASO EM VEIA C AVA INFERIOR: REL AT O DE C CA RELA CASO RENAL ANGIOMYOLIPOMA WITH INFERIOR VENA CAVA TUMOUR THROMBUS: CASE REPORT Cristiano Silveira Paiva*, Luís Alexandre Sabino**, Rodrigo Krebs***, Renato Sant’Ana de Albuquerque****, Marilise Katsurayama*****, Cassio Andreoni******, Valdemar Ortiz******* RESUMO: O angiomiolipoma renal é um tumor mesenquimal benigno raro, constituído por tecido adiposo, vasos sanguíneos e células musculares que ocorre em apenas 0,3% da população geral e 40-80% dos pacientes com síndrome de esclerose tuberosa. Representa somente 2 a 6,4% de todos os tumores de rim, com nítida predominância no sexo feminino. Raros casos de angiomiolipoma envolvendo a veia renal ou veia cava inferior foram descritos. Relatamos um caso de angiomiolipoma com extensão para veia cava inferior, comportamento característico do carcinoma de células renais. Palavras-chave: Rim, angiomiolipoma, veia cava inferior, trombo. ABSTRACT: The renal angiomyolipoma is an uncommum benign mesenchymal tumor containing fatty tissue, blood vessels and muscular cells, that occurs in up 0,3% of the general population and in 40-80% patients with the tuberous sclerosis syndrome. It represents only 2 to 6,4 % of all kidney tumors, with a typical female predominance. Rare cases of angiomyolipoma involving the renal vein or inferior vena cava have been found. We report a case of angiomyolipoma extending into the inferior vena cava, a characteristic behavior of renal cell carcinoma. Keywords: Kidney, angiomyolipoma, inferior vena cava, thrombus. INTRODUÇÃO Usualmente o angiomiolipoma (AML) é um tumor renal de evolução benigna e lenta taxa de crescimento, composto por diferentes proporções de tecido muscular, adiposo e vasos sanguíneos.13 Representa apenas 2 a 6,4% de todos os tumores renais, sua incidência variada de aproximadamente 0,3% na população geral e de 40-80% nos portadores de Síndrome da Esclerose Tuberosa (SET), com nítida predominância no sexo feminino (relação 4:1) e ocorre geralmente entre a 5.ª e 6.ª décadas da vida.1,4 Casos com envolvimento de veia cava inferior (VCI) por trombo são raramente descritos.1,3 Relatamos um caso de AML no rim direito com trombo tumoral invadindo a veia cava inferior que foi removido cirurgicamente com sucesso. RELATO DE CASO Paciente do sexo feminino, 43 anos, encaminhada à nossa instituição após diagnóstico de massa renal à direita compatível com AML; queixando-se de dor em flanco direito havia dois anos com piora do quadro fazia duas semanas. A paci- Doutor em Urologia pela Escola Paulista de Medicina – EPM Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Ex-fellowship em Laparoscopia e Endourologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. *** Fellowship em Laparoscopia e Endourologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. **** Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – Ufam. ***** Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – Ufam. ****** Professor doutor e chefe do Serviço de Laparoscopia e Cirurgia Minimamente Invasiva da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. ******* Professor titular da disciplina de Urologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 97 ANGIOMIOLIPOMA RENAL COM TROMBO TUMORAL EM VEIA CAVA INFERIOR: RELATO DE CASO ente não possuía antecedentes de doenças neurológicas, nem história pregressa ou familiar de SET. Os exames físicos e laboratoriais eram normais. A ultrassonografia (US) de abdome revelou massa sólida, volumosa e hiperecogênica em rim direito, sugestiva de AML. A tomografia computadorizada (TC) de abdome confirmou a hipótese de AML, em função da presença de uma massa (5 x 6 x 4,5 cm) na porção central do rim direito com grande quantidade de tecido gorduroso (- 65 HU), além de um de trombo com as mesmas características na VCI (Figura 1), não aderido à parede vascular conforme evidenciou o color duplex. A paciente foi submetida à nefrectomia radical direita e cavotomia com remoção completa do trombo tumoral por acesso transperitoneal, a qual ocorreu sem complicações. A paciente evoluiu sem intercorrências, recebendo alta hospitalar no 4.º dia pós-operatório. No exame macroscópico do rim direito, foram confirmados os achados tomográficos (Figura 2). A análise histopatológica confirmou o diagnóstico de AML com ausência de atipias, componente epitelióde perivascular ou comprometimento dos linfonodos hilares (Figura 3). Após 24 meses da cirurgia, a paciente encontrava-se assintomática e sem evidências de recorrência da lesão. DISCUSSÃO O AML é associado com carcinoma de células renais (CCR) em 2% da população em geral e em 26% de pacientes com SET. 4 Antes do surgimento do US, aproximadamente 25% apresentavam-se com surgimento de dor súbita abdominal ou em flanco em razão da ruptura espontânea do tumor e hemorragia subsequente. Sintomas foram relatados em 68 a 80% dos pacientes com tumor de até 4 cm ou maiores; destes, 20% estavam em choque hipovolêmico em sua apresentação inicial.5 Apesar de sua natureza benigna, o AML pode invadir o tecido perirrenal, linfonodos, veia renal e veia cava por crescimento agressivo.4 Envolvimento da veia renal e VCI são raramente reportados na literatura. 98 Se possível, a nefrectomia parcial com a máxima preservação do tecido renal é recomendada em tumores sintomáticos menores que 4 cm.3,4 Além do mais, este procedimento é realizado em tumores medindo mais que 4 cm e possuindo um risco de ruptura espontânea com possível hemorragia fatal.4 Na revisão de literatura foram encontrados 27 casos de AML com extensão para VCI, incluindo este caso. Desses, 22 (81,4%) eram mulheres, 4 (14,8%) eram homens, e em um caso o sexo não foi mencionado. A idade variou de 16 a 75 anos com média de 46,03 anos e a associação com SET foi encontrada em 4 casos (14,8%). Vinte pacientes (74%) apresentaram algum sintoma, onde a dor em flanco foi a mais frequente (44,4%). Em relação às características do tumor, o diâmetro médio foi de 9,2 cm, o lado direito foi o mais acometido e a posição central da massa foi a mais comumente observada. A extensão vascular do trombo foi evidenciada na veia renal, VCI infra e supradiafragmática em 2 (7,4%), 23 (85,2%) e 2 (7,4%) casos, respectivamente.3 A combinação de US e TC foi a mais usada no diagnóstico. A TC detectou o trombo tumoral comprometendo a VCI em todos os casos pelo fato de o seu coeficiente de atenuação ser semelhante ao da massa renal (- 48 HU pré-contraste e 20 HU pós-contraste), indicando a natureza da lesão.3,6 A nefrectomia por acesso transperitoneal ou lombotomia associada à cavotomia e retirada do trombo foi o tratamento escolhido em 24 pacientes (88,8%), não sendo relatadas complicações ou óbitos durante o procedimento.3 Dois pacientes que possuíam SET com lesões múltiplas e bilaterais e um paciente cujo estado clínico impossibilitava a cirurgia (11,1%) foram somente acompanhados. Controle realizado (US e/ ou TC) de seis meses a dois anos, após o diagnóstico, não apresentou alterações no tamanho ou extensão do trombo tumoral indicando que essa conduta pode ser utilizada em casos selecionados.3 A escolha do procedimento cirúrgico dependeu das categorias baseadas na extensão cefálica do trombo tumoral. Tradicionalmente no revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 CRISTIANO PAIVA, LUÍS SABINO, RODRIGO KREBS, RENATO ALBUQUERQUE, MARILISE KATSURAYAMA, CASSIO ANDREONI, VALDEMAR ORTIZ trombo supra-hepático (nível IV) o bypass cardiopulmonar é usado, em trombos infra-hepáticos (níveis I, II e III) e a cirurgia é realizada sem bypass por acesso abdominal. Neste caso (nível II), o procedimento foi realizado por incisão de Chevron com isolamento abaixo da VCI, junção cavoatrial, VCI infrarrenal e a veia renal contralateral. O trombo tumoral foi removido completamente por meio de cavotomia longitudinal. A manobra de Pringle foi usada para reduzir o sangramento das veias hepáticas. A VCI foi fechada com sutura contínua. As complicações mais importantes deste tipo de cirurgia são sangramento maciço e tromboembolismo pulmonar, ambos evitados com as manobras mencionadas. Nenhuma alteração no tumor ou trombo foi detectada na TC ou US realizadas no controle de 6 meses após 2 anos do diagnóstico, indicando que esse tipo de tratamento pode ser realizado em casos específicos.4 A média do diâmetro dos tumores nessa revisão foi de 9,2 cm, sendo o lado direito o mais afetado.3 Tamanhos maiores (acima de 9 cm), localização central e do lado direito do tumor mostraram-se ser fatores contribuintes de AML envolvendo veia renal ou VCI.4 Concluímos que a presença de envolvimento venoso por trombo em decorrência de um AML é rara e normalmente não ultrapassa o nível do diafragma. Ocorrendo mais frequentemente em mulheres na 5.a década de vida e deve ser considerada nos tumores maiores que 9 cm. Apenas 15% dos casos estão associados à SET, sendo a nefrectomia com trombectomia o tratamento mais indicado. REFERÊNCIAS 1. LUCA, S.; TERRONE, C.; ROSSETTI, S. R. Management of renal angiomyolipoma: a report pf 53 cases. Br J Urol., 83:215-218, 1999. 2. HARITHARAN, T.; SRITHARAN, S.; BHIMIJI, S. Renal angiomyolipoma with inferior vena caval involvement. Med J Malaysia., 61:493-5, 2006. 3. ISLAM, A. H. M.; EHARA, T.; KATO, H.; HAYAMA, M.; KASHIWABARA, T.; NISHIZAWA, O. Angiomyolipoma of kidney involving the inferior vena cava. Int J urol., 11:897-902, 2004. 4. FRÖHLICH, T.; BRANDS, A.; THON, W. F.; WESKOTT, H. P.; OSTERTAG, H. Angiomyolipoma of the kidney and lymph nodes. Word J Urol., 17:123-125, 1999. 5. YAMAKADO, K.; TANAKA, N.; NAKAGAWA, T.; KOBAYASHI, S.; YANAGAWA, M.; TAKEDA, K. Renal angiomyolipoma: relationships between tumor size, aneurysm formation, and rupture. Radiology., 225:78-82, 2002. 6. CAMUÑEZ, F.; LAFUENTE, J.; ROBLEDO, R.; ECHENAGUSIA, A.; PÉREZ, M.; SIMO, G.; GÁLVEZ, F. CT demonstration of extention of Renal Angiomyolipoma into the inferior vena cava in a patient with tuberous sclerosis. Urol. Radiol., 9:152-154, 1987. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Contato: Dr. Cristiano Silveira Paiva, Rua Paraíba, 1.501/302 – Adrianópolis, 69057-020 Manaus-AM, E-mail: [email protected], Tels.: 3642-6477/ 8114-0160 revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 99 hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas revistahugv 100 v. 7. n.hugv 1-2 jan./dez. – 2008 CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL, ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS NÓDUL O TES TICUL AR MALIGN O SUBMETIDO À CIÓDULO TESTICUL TICULAR MALIGNO ATO DE RUR GIA PRESER VADORA DE ÓR G ÃO – REL URGIA PRESERV ÓRG RELA CASO E REVISÃ O DE LITERA TURA REVISÃO LITERATURA MALIGN TESTICULAR NODULE UNDERWENT TO ORGAN´S PRESERVATIVE SURGERY: CASE REPORT AND LITERATURE REVIEW Cristiano Paiva*, Marilise Katsurayama**, Renato Albuquerque**, Jonas Menezes***, André Mancini***, Walid Khalil*, Ítalo Cortez****, Petrus Oliva*****, Giussepe Figlioulo******, Edson Sarkis******* RESUMO: O câncer de testículo representa a malignidade de maior frequência em homens jovens, sendo os tumores de células germinativas os mais comuns. O tratamento padrão para o câncer testicular ainda é a orquiectomia radical, resultando em infertilidade e dependência de substituição androgência por toda a vida, além do estresse psicológico em função da castração numa idade jovem. Nesses casos, a cirurgia conservadora de órgão vem sendo descrita por vários grupos com a finalidade de evitar tais complicações, sendo realizada em diversos centros renomados. Relatamos um caso de seminoma clássico submetido à Cirurgia Preservadora de Órgão. Palavras-chave: Câncer de testículo, orquiectomia radical, seminoma, Cirurgia Preservadora de Órgão. ABSTRACT: Testis cancer represents the higher frequency of malignancy in young men, and the germ cell tumors of the most common. The standard treatment for testicular cancer is still the radical orchiectomy, resulting in infertility and dependence on androgen replacement for life, in addition to the psychological stress due to castration at a young age. In these cases, the organ’s conservative surgery has been described by several groups in order to avoid such complications, being held in various renowned centers. We report a case of classic seminoma submitted to Organ’s Preservative Surgery. Keywords: testis cancer, radical orchiectomy, seminoma, Organ’s Preservative Surgery INTRODUÇÃO Embora represente apenas 1% de todos os cânceres masculinos, o câncer de testículo (CaT) continua ser a malignidade mais comum na população masculina entre 15 a 35 anos e sua incidência aumentou de 3,7/100.000 homens em 1975 para 5,4/100.000 em 2001, de acordo com a revisão recente do National Cancer Institutte Seer. 1,2 Os tumores de células germinativas são os mais comuns, representando 90 a 95% dos casos. A apresentação bilateral é encontrada em 2 a 3% dos casos diagnosticados de CaT. 3 Avanços terapêuticos têm resultado na melhora da sobrevida de 83% em 1970 para 96% no século 21.4 A maioria dos pacientes com CaT (61-78%) tem doença no estágio clínico I (neoplasia confinada ao testículo) com marcadores normais após orquiectomia, estes estarão livres de doença em 100% dos casos após cinco anos de seguimento.5,6 Cerca de metade dos pacientes são diagnosticados com histologia de tumores seminomatosos e a outra metade pelos não-seminomatosos.7 O CaT frequentemente se apresenta como um aumento do volume testicular ocasionado por uma massa sólida, endurecida e indolor ou é des- * Doutor em urologia pela Escola Paulista de Medicina – EPM/Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP ** Acadêmicos de Medicina da Ufam ***Residentes de Urologia do HUGV ****Mestre em Urologia – Hospital das Clínicas/FMUSP *****Pós-graduando (Doutorando) pela Escola Paulista de Medicina – EPM/Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP ******Professor da Disciplina de Urologia da Universidade Estadual do Amazonas *******Professor Titular de Urologia da Universidade Federal do amazonas revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 101 NÓDULO TESTICULAR MALIGNO SUBMETIDO Ã PRESERVADORA DE ÓRGÃO – RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA coberto de forma incidental em um exame de ultrassonografia escrotal realizada para diagnóstico de varicocele e/ou orquialgia. A ultrassonografia de alta resolução e a ressonância magnética de bolsa testicular podem detectar pequenas massas sólidas intratesticulares; no entanto, essas lesões não podem ser distinguidas de forma segura quanto à sua natureza maligna ou benigna.8,9,10 A orquiectomia radical ainda é o tratamento padrão recomendado para o tratamento do CaT. Nos casos de CaT bilateral, a orquiectomia radical leva a um impacto negativo na qualidade de vida, pois resulta em infertilidade e dependência de substituição androgênica por toda a vida, além do estresse psicológico em decorrência da castração numa idade jovem, sendo este último considerado a maior complicação a longo prazo. Nesses casos, a cirurgia conservadora de órgãos vem sendo descrita por vários grupos com a finalidade de evitar tais complicações.3,11 RELATO DO CASO Paciente E.O.F., 17 anos, com quadro de dor testicular esquerda, havia 9 meses que evoluiu com piora da dor, acompanhada por disúria e irradiação para o testículo direito, sem outros sintomas. Ao exame físico, apresentava testículos tópicos, de volume normal, fibroelásticos, de superfície lisa e indolor. Marcadores tumorias alfafeto proteína, beta-HCG e DHL normais. Realizada ultrassonografia de bolsa testicular com doppler que revelou varicocele grau I à esquerda e imagem de aspecto nodular heterogênea com pequenos focos de calcificações de permeio, medindo 0,4 x 0,4 cm, localizada em topografia do polo inferior do testículo direito. Diante da possibilidade de neoplasia testicular foi realizada orquiectomia parcial direita com o uso de microscópio cirúrgico (magnificação de 10 vezes). O acesso cirúrgico foi realizado por meio de inguinotomia direita com isolamento do funículo espermático e do testículo, seguido de controle vascular do cordão espermático (Figuras 1A e 1B). O testículo direito foi submetido a congelamento por 10 minutos e em seguida foi realizada enucleação microcirúrgica do nódulo testicular com margens livres à congelação transoperatória (Figuras 2A e 2B). Reconstrução do testículo remanescente com orquidopexia e fechamento das incisões cirúrgicas escrotal e inguinal (Figuras 3A e 3B). A análise anatomopatológica demonstrou um nódulo testicular medindo 0,5 x 0,5 x 0,4 cm, composto por seminoma clássico e margens cirúrgicas livres. Após o 30.º DPO, os marcadores tumorais permaneceram normais e a tomografia de abdome não demonstrou linfonodomegalia retroperitoneal; o paciente foi então encaminhado para radioterapia para complementação de tratamento. DISCUSSÃO Tumores testiculares de células germinativas representam a maior frequência de tumores sólidos em homens jovens. De acordo com os registros regionais de câncer na Europa, cerca de 90% dos pacientes apresentam doença em estágio inicial (TNM estágios I-IIB).5,6 Em um estudo realizado com 338 casos de CaT tratados no seu serviço, Cooper e colaboradores verificaram que destes 161 pacientes (48,8% da amostra) eram portadores de seminoma, o mesmo tipo histológico encontrado no paciente deste relato.12 O tratamento padrão para o câncer testicular com testículo contralateral normal é a orquiectomia por acesso inguinal, a qual permite um diagnóstico histopatológico preciso.7 Lesões intratesticulares representam um problema clínico especial. O diagnóstico exato raramente pode ser feito pelas técnicas de imagem já descritas, fazendo-se necessária a análise histopatológica para confirmação diagnóstica. Nos casos de lesões benignas, no entanto, a orquiectomia radical passa a ser um tratamento agressivo e, pelo menos em lesões intratesticulares, todo esforço deve ser feito para se realizar uma cirurgia conservadora de órgão.13 A técnica original da cirurgia preservadora de órgão foi publicada em 1995 por Weissbach, sendo então executada em pacientes portadores de tumor maligno em testículo único e que se encai- hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas revistahugv 102 v. 7. n.hugv 1-2 jan./dez. – 2008 CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL, ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS xam nos critérios propostos pela Associação Europeia de Urologia descritos no quadro a seguir. 14,15 Indicações para cirurgia preservadora de órgãos15 Testículo único; Lesão com volume < 2 cm ou ~30% do volume testicular; Radioterapia adjuvante do parênquima testicular remanescente com 20 Gy; senta uma modalidade inovadora de tratamento do CaT com vantagens endócrinas, psicológicas e de fertilidade para os pacientes. Aliado a esses fatores, a qualidade de vida tem se tornado cada vez mais importante para o paciente e para o médico.3,17 A orquiectomia parcial, portanto, é possível de ser realizada em pacientes selecionados com diagnóstico de CaT, porém a radioterapia pós-operatória é necessária para minimizar a recorrência local, sem prejuízo da produção endócrina do testículo que permanece normal em 85% dos casos. Valores pré-operatórios da testosterona sérica normais; Conhecimento do paciente e do urologista sobre os riscos e benefícios desta conduta; Conhecimento do paciente e do urologista sobre a necessidade de acompanhamento posterior do paciente; Experiência do urologista com esta técnica. A ressecção tumoral não segue os princípios da cirurgia radical, o que leva a dúvidas pelo fato de o testículo não ser um órgão vital. As maiores preocupações convergem para a recidiva local, doença residual multifocal, metástase sistêmica e extravasamento regional de células tumorais, preocupações que podem ser evitadas por cuidados técnicos especiais. O cirurgião deve estar familiarizado com os princípios oncológicos da cirurgia de CaT e ter um conhecimento profundo da anatomia vascular do testículo e conceitos básicos de microcirurgia. O controle vascular prévio do cordão espermático e um cauteloso isolamento e ressecção do tumor previnem de forma efetiva a disseminação sistêmica e extravasamento regional de células tumorais. Segundo Miller (1990), a recorrência local pode ser prevenida efetivamente com a radioterapia adjuvante no pós-operatório sobre o tecido testicular remanescente numa dose padrão de 18 Gy. Esta complementação se faz necessária baseada no fato de que esses tumores são radiossensíveis e podem estar associados à neoplasia intratubular (TIN), além da multifocalidade.16 Recentemente, alguns trabalhos demonstram que a cirurgia conservadora de órgão repre- REFERÊNCIAS 1. SOKOLOFF, M. H.; JOYCE, G. F and WISE, M. Testis cancer. J Urol., 2007; 177:2.030. 2. RIES, L. A.; KRAPCHO, M.; MARIOTTO, A.; MILLER, B. A.; FEUER, E. J.; CLEGG, L et al. SEER Cancer Statistics Review, 1975-2004. Based on November 2006 SEER data submission, posted to SEER website 2007. Bethesda: National Cancer Institute. Available at http://seer.cancer.gov/csr/ 1975_2004/. Accessed November 2007. 3. HEIDENNREICH, A.; WEISSBACH, L.; HÖLTL, W.; ALBERS, P.; KLIESCH, S and KÖHRMANN, K. Organ sparing surgery for malignant germ cell tumor of the testis. J Urol., 2001; 166:2.161-2.165. 4. JEMAL, A.; SIEGAL, R.; WARD, E.; MURRAY, T.; XU, J.; SMIGAL, C et al. Cancer statistics, 2006. 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FIGURAS 1A Figuras 1 A: Isolamento e controle vascular do funículo espermático hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas revistahugv 104 v. 7. n.hugv 1-2 jan./dez. – 2008 1B 1 B: Exposição e fixação do testículo CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL, ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS 2A 2B Figuras 2A e 2B: Dissecção microcirúrgica do polo inferior do testículo. 3A 3B Figuras 3A e 3B: Reconstrução do testículo remanescente com orquidopexia e fechamento das incisões cirúrgicas escrotal e inguinal. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 105 hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas revistahugv 106 v. 7. n.hugv 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO LUIZ WESTPHAL, LUIZ LIMA, MARIA DUARTE, JOSÉ NETTO, MÁRCIA SILVA, DIEGO CARVALHO, JOÃO GENU LESÃ O DE TRA QUEIA MEDIAS TIN AL POR ARMA DE LESÃO TRAQUEIA MEDIASTIN TINAL FOGO: REL ATO DE C ASO RELA CASO MEDIASTINAL TRACHEA INJURY BY FIREARM: CASE REPORT Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima**, Maria Socorro Cardoso Duarte***, José Corrêa Lima Netto****, Márcia dos Santos da Silva*****, Diego Monteiro de Carvalho******, João Marcelo Rodrigues Genu******* RESUMO: O trauma é uma das principais causas de morte e invalidez no mundo, no qual o acometimento torácico no paciente politraumatizado determina 20% dos óbitos. Dentre os traumatismos torácicos, a lesão da árvore traqueobrônquica é rara, com incidência entre 0,3 e 1%. É relatado um caso de ferimento cervical por arma de fogo na junção cérvico-torácica, transfixante em mediastino, com lesão traqueal. O paciente foi estabilizado e subsequentemente submetido à cervicotomia em colar, traqueorrafia e drenagem pleural bilateral. A evolução foi satisfatória com acompanhamento em Centro de Terapia Intensiva e alta em bom estado geral. Palavras-chaves: Traumatismo torácico; ferimento mediastinal; lesão traqueobrônquica; cervicotomia. ABSTRACT: Trauma is one of the main causes of death and disability in the world and the chest involvement determine about 20% of deaths. In this context, the association between chest trauma and injury of the tracheobronchial tree is rare, with incidence between 0.3 and 1%. It reported a case of cervical transfix injury by firearm in mediastinum with tracheal injury. The patient was stabilized and subsequently submitted to cervicotomy, tracheorhaphy and bilateral pleural drainage. The final result was satisfactory under monitoring in the Intensive Care Center and discharge in good condition. Keywords: Thoracic trauma; mediastinal injury; tracheobronchial injury; cervicotomy. INTRODUÇÃO Atualmente, o trauma figura como um dos principais responsáveis por morte e invalidez no mundo, em especial na população jovem, sendo a terceira maior causa de óbito nos EUA e a primeira quando se considera a idade abaixo dos 40 anos.1,2 O acometimento do tórax no paciente politraumatizado chega a determinar 20% das mortes por trauma e mais de 30% de todos os tipos de lesão. Cerca de um terço dos pacientes com lesões graves no tórax morre antes de chegar ao hospital, enquanto outros 20% morrem tardiamente por complicações pleuro-pulmonares.1,2,3,4 É sempre importante definir as características do mecanismo traumático. Nas lesões produzidas por arma de fogo, os projéteis de massa elevada e alta velocidade produzem grande li- * Doutor em Medicina. Professor-adjunto da Disciplina de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Amazonas – Ufam – e da Universidade do Estado do Amazonas – UEA – Manaus (AM) Brasil. ** Doutor em Medicina. Cirurgião torácico do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV – Manaus (AM), Brasil. *** Doutora em Medicina. Professora-adjunta da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Amazonas – Ufam – Manaus (AM), Brasil. **** Especialista em Cirurgia Torácica. Médico assistencial no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV – Manaus (AM), Brasil. ***** Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – Ufam – Manaus (AM), Brasil. ****** Acadêmico de Medicina da Universidade do Estado do Amazonas – UEA – Manaus (AM), Brasil. ******* Acadêmico de Medicina do Centro Universitário Nilton Lins – UNL – Manaus (AM), Brasil. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 107 LESÃO DE TRAQUEIA MEDIASTINAL POR ARMA DE FOGO: RELATO DE CASO beração de energia cinética, a qual se dissipa nos tecidos e produz sérios danos. Além do mecanismo, as consequências clínicas dependem do local da lesão, da presença ou não de lesões associadas e de doenças subjacentes. Essas informações são úteis para caracterizar situações específicas e graves que podem estar presentes.5,6 O trauma torácico com lesão traqueobrônquica é raro e sua incidência mundial varia entre 0,3 a 1%.7 O objetivo deste relato é apresentar um caso de ferimento transfixante de mediastino com lesão traqueal. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, de 35 anos, trazido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – Samu ao Hospital Pronto-Socorro 28 de Agosto, Manaus-AM, consciente, referindo dispneia, dor cervical e torácica. Ao exame físico, foram verificados ferimentos por projétil de arma de fogo (FAF), com orifícios de entrada em região lateral esquerda da zona I do pescoço (Figura 1), escapular direita, lombar esquerda, antebraço distal esquerdo, sem orifícios de saída. Apresentava-se hipocorado (+/4+), sudoreico, com hemoptise, abdome doloroso à palpação e murmúrio vesicular diminuído à esquerda. Como conduta imediata, foi realizada aspiração de vias aéreas superiores, administração de O2 úmido, drenagem torácica fechada sob selo d’água à esquerda com dreno n.º 32, reposição de volume com Ringer Lactato (2.000 ml EV, além dos 1.000 ml EV feitos em ambulância), sondagem vesical e tentativa de sondagem nasogástrica, desencorajada após piora do quadro de insuficiência respiratória e aparecimento de enfisema subcutâneo cervical e facial. Feito ultrassom rápido (Fast) de abdome e pericárdio, negativos para presença de líquido. Paciente conduzido ao centro cirúrgico, onde foi realizada intubação orotraqueal e indicada cervicotomia em colar (Figura 2), sendo encontrada lesão transfixante em terço médio de traqueia, com orifício de entrada à esquerda e saída à direita (Figuras 3a e 3b). Realizado desbridamento da ferida, traqueorrafia com Categut cromado 3, drenagem pleural bilateral e laparotomia exploradora (sem presença de lesão de órgãos abdominais), seguido de admissão no Centro de Terapia Intensiva (CTI). Evoluiu sem complicações, com retirada de drenos no 5.º dia de pós-operatório, com alta no 17.º em bom estado geral. DISCUSSÃO A árvore traqueobrônquica possui topografia que anatomicamente lhe confere proteção natural anterior, posterior e lateralmente, pela mandíbula e esterno, pela coluna vertebral e pelas costelas, respectivamente. Dessa forma, a lesão da traqueia ou do brônquio principal torna-se algo incomum, mas potencialmente fatal que, frequentemente, não é notada ao exame inicial.7,8 A lesão da árvore traqueobrônquica possui múltiplas causas e, de acordo com o mecanismo do trauma, pode ser classificada em fechada ou penetrante, sendo a segunda a mais prevalente na traqueia cervical, em vista de sua maior exposição. Ferimentos por projéteis de arma de fogo, arma branca, estrangulamentos, queimaduras, cáusticas e iatrogênicas figuram entre as principais etiologias.7,8,9 As manifestações clínicas no trauma penetrante dependem do intervalo decorrido entre o trauma e o diagnóstico, da localização e do tamanho da ferida, da integridade da pleura mediastinal e dos tecidos adjacentes e das lesões torácicas associadas.8,9,10 No trauma penetrante, manifestações clínicas como estridor, alteração na qualidade da voz, disfagia, taquidispneia, hemoptise e a observação de ferida na topografia da árvore respiratória podem gerar a suspeita da lesão.8,11,12 No caso apresentado, além do quadro de insuficiência respiratória, também foram observados enfisema subcutâneo e hemoptise. A broncoscopia é o método diagnóstico de escolha para lesões traqueobrônquicas. A tomografia computadorizada (TC) e o raio X tam- hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas revistahugv 108 v. 7. n.hugv 1-2 jan./dez. – 2008 FERNANDO LUIZ WESTPHAL, LUIZ LIMA, MARIA DUARTE, JOSÉ NETTO, MÁRCIA SILVA, DIEGO CARVALHO, JOÃO GENU bém auxiliam na investigação, em especial na A via de acesso para abordagem cirúrgica ocorrência de pneumotórax, hemotórax, pneumo- depende da localização da lesão e de outras que mediastino, pneumopericárdio, fraturas de ossos possam estar associadas, sendo individualizadas do tórax e enfisema subcutâneo, comumente as- para cada paciente. A incisão cervical permite, além sociados nesse tipo de lesão. Neste paciente, o de uma boa visualização da traqueia, manipula- diagnóstico e a indicação cirúrgica foram clíni- ção das lesões associadas com menor morbidade cos, pois não havia material necessário para rea- que a abordagem torácica, sendo a incisão em co- lizar broncoscopia nem tampouco a TC. lar, utilizada neste caso, a mais comumente reali- 13 paciente zada, a incisão transversa é alternativa e ambas traumatizado segue o protocolo proposto pelo podem ser ampliadas longitudinalmente ao Advanced Trauma Life Support (ATLS), o qual esterno para acesso de ferimentos na traqueia sugere a sistematização do atendimento por meio mediastinal em seu terço médio, carina e mesmo do ABCDE. A manutenção das vias aéreas é prio- brônquios. A toracotomia posterolateral direita, ridade no atendimento inicial do paciente vítima indicada em lesões de traqueia terminal, permite de trauma. Quando necessário, deve-se realizar acessá-la em toda sua extensão torácica, além do laringoscopia direta com aspiração de secreções ou brônquio principal direito e a porção proximal do corpos estranhos e acesso definitivo às vias aéreas brônquio principal esquerdo. O sucesso do reparo por intermédio de intubação orotraqueal. O paci- depende da tensão na linha de sutura e suprimen- ente com lesão traqueobrônquica e sinais de insu- to vascular da lesão, que devem ser observa- ficiência respiratória deve ser intubado, quer seja dos.7,8,11,12,15,16,17,18,19,20 A abordagem inicial ao para garantir vias aéreas pérvias ou para iniciar o Na ocorrência de lesões associadas, é fundamental a identificação e tratamento precoces, tratamento cirúrgico.9,12,14,15 Pacientes com trauma penetrante por arma como no caso de pneumotórax, em que o procedi- de fogo exigem uma avaliação cuidadosa de todas mento preconizado é a drenagem intercostal em as estruturas adjacentes, pois há danos teciduais selo d’água. No trauma abdominal, toda lesão por além das margens da lesão e maior número de arma de fogo com violação da cavidade peritoneal anéis traqueais lesados, gerando mais complica- tem indicação de exploração cirúrgica, uma vez que ções.11,16 em mais de 90% dos casos existe lesão intra-abdo- Nos traumatismos que acometem a região minal significativa.9,14 cervical, deve-se analisar o pescoço sob o ponto de Embora seja um acontecimento raro, o trau- vista ântero-posterior e crânio-caudal. Lesões pe- ma associado à lesão traqueobrônquica, por seu netrantes do triângulo anterior que ultrapassam o alto nível de gravidade, exige do profissional mé- músculo platisma têm maior probabilidade de dico um alto índice de suspeição em via de melho- comprometer órgãos e vasos aí localizados. Com res resultados no atendimento à vítima. base na localização em sentido crânio-caudal, o Além da identificação precoce, da rotina do pescoço é dividido em 3 zonas horizontais, sendo Suporte Avançado de Vida no Trauma e de uma as lesões da zona I (da clavícula à cartilagem técnica cirúrgica adequada, o sucesso na evolução cricoide) as que cursam com maior mortalidade e desses casos sustenta-se no acompanhamento pós- maior dificuldade de acesso; as da zona II (cartila- operatório em Centro de Terapia Intensiva (CTI) e gem cricoide ao ângulo da mandíbula), as mais em acompanhamento ambulatorial da capacidade comuns e de melhor prognóstico, e zona III (do pulmonar e função respiratória. ângulo da mandíbula à mastoide), sendo a menos comum.11,16,17,18 As lesões da zona I podem alcançar o mediastino, como neste caso. revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 109 LESÃO DE TRAQUEIA MEDIASTINAL POR ARMA DE FOGO: RELATO DE CASO ANEXOS Figura 1: Orificio de entrada do projétil de arma de fogo em região lateral esquerda da zona I do pescoço A Figura 2: Cervicotomia em colar B Figura 3: Identificação dos orifícios de entrada (a) e saída (b), respectivamente REFERÊNCIAS 1. 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Telefone: (92) 3621-6582 E-mail: [email protected] revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 111 hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas revistahugv 112 v. 7. n.hugv 1-2 jan./dez. – 2008 LUIZ LIMA, SILAS JÚNIOR, FAUSTO SANTOS, ÁLVARO SOEIRO, JAVIER PERDOMO, FERNANDO WESTPHAL, JOSÉ NETTO, INGRID LIMA COMPLIC AÇÃ OT ARDIA D A CIR UR GIA DE BENT ALL OMPLICA ÇÃO TARDIA DA CIRUR URGIA BENTALL ALL-DEB ON O: REL AT O DE C ASO DEBON ONO: RELA CASO LATER COMPLICATION AFTER BENTALL-DE BONO PROCEDURE: CASE REPORT Luiz Carlos de Lima*, Silas Fernandes Avelar Júnior**, Fausto Vieira dos Santos**, Álvaro Bernardo Soeiro**, Javier Cruz Perdomo**, Fernando Luiz Westphal***, José de Lima Netto****, Ingrid Loureiro de Queiroz Lima***** RESUMO: Introdução: A cirurgia de Bentall-DeBono é um procedimento para substituição da valva aórtica em casos de aneurisma na aorta ascendente com ectasia valvar aórtica. Embora seja considerada uma técnica com bons resultados a longo prazo, algumas complicações podem surgir e, por esse motivo, ao longo dos anos algumas modificações surgiram tentando sanar possíveis complicações. Objetivo: Relatar uma complicação tardia da cirurgia de Bentall-DeBonno. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 62 anos, apresentou quadro de tontura e síncope repentino após pequena caminhada. Não apresenta comorbidades e, após realização de ecocardiografia e tomografia de tórax, foi constatado dilatação da aorta ascendente e sinais de dissecção distal. Informa que, há 14 anos, submeteu-se a uma cirurgia de correção de aneurisma e troca de valva aórtica pela técnica de BentallDeBonno. Palavras-chave: Reoperação, dissecção aórtica, aneurisma. ABSTRACT: Introduction: Bentall-DeBono is a procedure for substitution of the aortic valve in cases of aneurism of the ascending aorta with aortic valve ectasia. Although been considered a safe technique with good long-term results, some complications may occur, and, as a result, some modifications were developed through the years intending to solve complications may occure. Objective: To report a long-term complication of Bentall-DeBono’s procedure. Case Report: Male, 62 years old, presented dizziness and sudden loss of conscience after short walk. No co morbidities were associated and, 14 years before, he was summit to a cardiac surgery, with Bentall-DeBono’s technique. After echocardiography and thoracic CT, an augmentation in the ascending aorta diameter and signs of distal dissection were observed. Announced that, for 14 years, submitted to surgery for correction of an aneurysm and aortic valve by the exchange of technical Bentall-DeBonno. Keywords: Re-operation, aortic dissection, aneurism. INTRODUÇÃO Em 1968, Bentall e DeBono descreveram um procedimento cirúrgico para substituição completa da valva aórtica em casos de aneurisma na aorta ascendente com ectasia valvar aórtica. Em seu relato, a raiz da aorta proximal estava muito envol- vida com o processo patológico. O anel da valva aórtica estava muito dilatado e a parede extremamente fina abaixo do anel, tornando impossível unir a parede aórtica acima das coronárias à prótese aórtica, optando-se então, naquele momento, suturar diretamente a prótese valvar ao tubo de Teflon. Dois orifícios foram feitos no local dos Doutor em Medicina, cirurgia cardíaca, Hospital Português Beneficente do Amazonas. Especialista em cirurgia cardíaca, Hospital Português Beneficente do Amazonas. *** Doutor em Medicina, cirurgia torácica, Hospital Português Beneficente do Amazonas. **** Especialista em Cirurgia Torácica, Hospital Português Beneficente do Amazonas. ***** Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas. * ** revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 113 COMPLICAÇÃO TARDIA DA CIRURGIA DE BENTALL-DEBONO: RELATO DE CASO óstios coronarianos, os quais foram então recanalizados, dessa vez por meio do lúmen do tubo. A parede da aorta foi suturada próximo aos orifícios no tubo de Teflon, reincorporando-se então os óstios coronários à nova aorta.1 Esse procedimento sofreu algumas modificações durante os anos, a maior parte destas relacionada à reimplantação da artéria coronária e a realização da anastomose distal,2 podendo-se citar as modificações realizadas por Cabrol, 1981,3 o procedimento de Piehler, 1984,4 e a técnica do botão coronariano de Carrel, 1980.5 O uso de condutos valvulados para aorta ascendente e valva aórtica é hoje o método mais difundido de tratamento cirúrgico e técnica de escolha para diversas condições patológicas, dentre elas dissecção da aorta ascendente com insuficiência aórtica.2,6,7 Dentre as indicações mandatórias para a cirurgia de substituição da aorta ascendente citamse condições de urgência, como a dissecção aguda do segmento ascendente da aorta e patologias associadas, ruptura espontânea e hematoma intramural, bem como a destruição do anel aórtico por endocardite infecciosa. Outras indicações ditas eletivas são a dilatação aórtica na síndrome de Marfan, dissecções crônicas e, uma causa em ascensão: aterosclerose severa na aorta ascendente.7 Mesmo sendo a técnica mais difundida no mundo e considerado método de escolha para tratar doenças na aorta ascendente e patologias associadas, observam-se complicações clássicas descritas na literatura. Dentre as mais comuns encontram-se sangramento pós-operatório aumentado e formação de pseudoaneurisma nas linhas de sutura. Procedimentos de Bentall modificados são em geral mais seguros.8 A técnica de Cabrol facilita a anastomose entre o óstio da coronária e o enxerto por utilizar o enxerto vascular para reconstruir a artéria coronária. Esta técnica possui rota redundante para circulação coronariana, mas apresenta o risco de êmbolo na artéria coronária,9 bem como o risco de dano na coronária esquerda, na circunflexa e oclusão destas artérias por tensão.8 As modificações à técnica clássica de Bentall e DeBonno têm como objetivo evitar esssas com- plicações e melhorar os resultados a curto e longo prazos. Somando-se a isso, o aumento do uso de conduto biológico como homoenxertos e autoenxertos pulmonares aumentaram significativamente o número de substituições da raiz da aorta. Consequentemente, um maior número de pacientes necessitará de reoperação da raiz aórtica com reaproximação da artéria coronária a um novo conduto. Informações disponíveis sobre essas reoperações e resultados clínicos são limitadas.10 Soma-se a isso, ainda, o grupo de pacientes acometidos pela síndrome de Marfan, que possuem como maior manifestação cardiovascular doença da aorta ascendente proximal característica de ectasia ânulo-aórtica, frequentemente complicado por dissecção aórtica, demonstrarem na literatura maior necessidade de reoperação por reesternotomia por diversas razões, incluindo pseudoaneurismas na anastomose aórtica distal ou anastomose da artéria coronária, endocardite na prótese valvar aórtica, trombose valvar e vazamento paravalvular.11 O objetivo deste trabalho é descrever uma complicação a longo prazo da cirurgia de BentallDeBonno. RELATO DE CASO Paciente do sexo masculino, 62 anos, procurou pronto atendimento referindo sensação de tontura e obnubilação, seguida de síncope. Possui história pregressa de cirurgia de correção de aneurisma de aorta ascendente pela técnica de Bentall-DeBonno havia 15 anos. Foi realizada tomografia computadorizada da aorta e ecocardiograma trastorácico que mostraram sinais de aneurisma da aorta ascendente e dissecção. Foi submetido a tratamento cirúrgico em 24 de julho de 2007, tendo sido encontrado envolvimento da parede do aneurisma na cirurgia anterior. Após abertura, foi encontrada deiscência total da anastomose distal da aorta ascendente e óstio coronariano (Figura 1), dissecção do arco aórtico e restrição da mobilidade da prótese metálica da valva aórtica colocada anteriormente. O paciente hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas revistahugv 114 v. 7. n.hugv 1-2 jan./dez. – 2008 LUIZ LIMA, SILAS JÚNIOR, FAUSTO SANTOS, ÁLVARO SOEIRO, JAVIER PERDOMO, FERNANDO WESTPHAL, JOSÉ NETTO, INGRID LIMA não fazia uso de anticoagulante oral. Foi realizada substituição da aorta ascendente por tubo valvado de Dacron, reimplante dos óstios coronarianos e substituição do hemi-arco (Figura 2). Paciente evoluiu bem no pós-operatório, recebendo alta hospitalar no décimo dia, estando sob acompanhamento ambulatorial atualmente. DISCUSSÃO A cirurgia de Bentall e suas variantes foram as técnicas de escolha para colocação de enxerto composto da aorta ascendente e valva aórtica em uma variedade de condições patológicas,8 favorecendo-se em especial os pacientes com síndrome de Marfan, que morriam prematuramente por ruptura aórtica causada tanto por ectasia ânulo aórtica como por dissecção aórtica. Esses pacientes puderam ser diagnosticados e tratados com um procedimento que lhes trouxe qualidade e expectativa de vida.12 Contudo, dada a complexidade dos casos de paciente que a ela se submetem, é preciso considerar a existência das complicações a longo prazo. Conforme observado por Apaydin et al (2002), em um estudo com 86 pacientes no período de 1994 a 2001, houve mortalidade 6,9% (6 pacientes). Dentre os fatores de risco para mortalidade a curto prazo foram descritos a presença de calcificação e estenose da valva aórtica, insuficiência renal e insuficiência cardíaca após a operação. Fatores preditivos de morbidade incluem dissecção aguda, parada circulatória, transfusão de sangue e plasma fresco em mais que duas unidades, tempo de pinçamento e circulação extracorpórea (acima de 90 e 140 min) e procedimentos associados.8 No estudo de Raanani et al (2001), foram observados no período de 1980 a 1999 um total de 31 pacientes submetidos à substituição da aorta ascendente que necessitaram de reoperação. Destes, 94% eram do sexo masculino, e o intervalo entre o primeiro procedimento e a reoperação foi de 61± 41 meses. As indicações para reoperação foram falência da valva biológica em 17 (55%), endocardite ativa da prótese valvar em 12 (39%) e falso aneurisma em 2 (6%). A mortalidade operatória foi de 3%.10 O paciente em questão neste relato desenvolveu deiscência total da anastomose distal e dissecção proximal do arco aórtico encontrado à exploração cirúrgica, com deiscência da anastomose dos óstios coronarianos. A capa da parede do aneurisma que envolvia o tubo de Dacron ® reconstituído na cirurgia anterior é que mantinha a integridade da aorta proximal. De acordo com Tabayashi et al (1998), as principais complicações da técnica clássica de Bentall e DeBonno são sangramento da anastomose, vazamento paravalvular e formação aneurismática da parede aórtica. Em seu estudo, 20 pacientes foram submetidos à cirurgia clássica de Bentall e, destes, 3 apresentaram compressão do enxerto, dois apresentaram pseudoaneurisma de óstio coronário e um, pseudoaneurisma em linha de sutura distal. No estudo de Scafuri et al (2000), os autores consideram o procedimento de Bentall e DeBonno como de risco moderado com bons resultados. Durante o período de 1991 a 1998, 44 pacientes submetidos à cirurgia de Bentall, quatro (9%) foram a óbito, quatro apresentaram sangramento pós-operatório necessitando reoperação e, durante seguimento após dois anos, sete pacientes foram a óbito, dos quais três foram por falência cardíaca, um por acidente vascular encefálico e os outros três, morte súbita. Na análise de Silva et al (2008), com 39 pacientes, os achados clínicos cirúrgicos demonstraram a presença de aneurisma de aorta ascendente em 19 (48,5%) pacientes, ectasia ânulo-aórtica em 12 (31%), ectasia ânulo-aórtica associada à dissecção tipo B em um (2,5%) doente, dissecção aguda da aorta tipo A em quatro (10,5%) pacientes e dissecção tipo A associada a aneurisma da aorta descendente em dois (5%). Os mesmos autores relatam ainda a evolução a longo prazo dos doentes operados. Dos 37 pacientes que sobreviveram, quatro foram a óbito após um ano de cirurgia. Dois deles por acidente vascular cerebral, o terceiro, dissec- revistahugv hugv – Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v. 7. n. 1-2 jan./dez. – 2008 115 COMPLICAÇÃO TARDIA DA CIRURGIA DE BENTALL-DEBONO: RELATO DE CASO ção tipo B, e, ainda, um paciente apresentou formação aneurismática na aorta na porção tóracoabdominal; foi operado, mas por complicações renais foi a óbito 3 dias após a cirurgia. Kouchoukos et al (1991) descreveram uma série de 168 pacientes submetidos à cirurgia para substituição da aorta ascendente e valva aórtica em continuidade, sendo ectasia ânulo-aórtica a indicação mais comum para a cirurgia (84 pacientes). Dentre 105 pacientes operados com a técnica clássica de Bentall, em um tempo médio de 47 meses, nove desenvolveram pseudoaneurisma necessitando de reoperação, e cinco (56%) sobreviveram. Num acompanhamento dos pacientes até oito anos, nenhuma nova complicação ou presença de pseudoaneurisma na linha de sutura foi observada. Conforme descrito no estudo de David et al (2004), a substituição da raiz aórtica tornou-se uma operação comum e, consequentemente, o risco operatório diminuiu em locais com grande volume de cirurgias. Entretanto, a reoperação da substituição da raiz aórtica após uma primeira cirurgia permanece uma operação desafiadora. Nestas cirurgias deve-se considerar não apenas o que deve ser feito para corrigir o problema na raiz da aorta e outras regiões do coração, mas também a condição geral do paciente e habilidade de sustentar uma grande cirurgia. A mortalidade em geral para reoperação da substituição da raiz aórtica é descrita como sendo menor que 10% em séries publicadas, mas certamente existe uma variação na seleção dos pacientes. REFERÊNCIAS 1. BENTALL, H., DEBONNO. A. A technique for complete replacement of the ascending aorta. Thorax; (23) 336-338, 1968. 2. DAVID, T. E.; FEINDEL, C. M.; IVANOV, J.; ARMSTRONG, S. Aortic Replacement in Patients with Previous Heart Surgery. 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