A Prática Profissional Do Arquiteto No Brasil
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A Prática Profissional Do Arquiteto No Brasil
A Prática Profissional Do Arquiteto No Brasil: debates em torno do campo de trabalho (1987-1996) Resumo O trabalho tem como objetivo investigar a prática profissional do arquiteto no Brasil - nas décadas de 1980 e 1990 - nos campos da arquitetura e do urbanismo, a partir do conteúdo de duas revistas especializadas: “Projeto: arquitetura, planejamento, desenho industrial, construção”, publicação mensal e “AU – Arquitetura e Urbanismo”, publicação bimestral, no período de 1987 a 1996. Este trabalho é parte das análises efetuadas na pesquisa de Iniciação Científica “A Prática Profissional do Arquiteto no Brasil. O debate em revistas especializadas (1987-1996)”, realizada com auxílio de bolsa FAPESP no período de 01 de agosto de 2008 a 31 de julho de 2009. 1. Introdução O objetivo do trabalho é estudar aspectos da prática profissional do arquiteto no Brasil, tomando como referência matérias publicadas em duas revistas especializadas – “AU – Arquitetura e Urbanismo” e “Projeto: arquitetura, planejamento, desenho industrial, construção”, no período de 1987 a 1996. Recuperou-se o debate da época em torno dessa questão, procurando identificar as principais alterações ocorridas no campo de trabalho deste profissional no Brasil do século XX. Figura 1: “AU” n. 1 e “Projeto” n. 95. Trata-se de um tema ainda pouco estudado na historiografia da área, cuja análise oferece uma contribuição para a compreensão do perfil do arquiteto contemporâneo no Brasil e de seu campo profissional. O período estudado foi significativo pelas importantes mudanças na prática profissional do arquiteto, decorrentes da globalização enquanto fenômeno social, econômico e político e da difusão da informática, alterando a produção do projeto; no plano político nacional, é de particular relevância o término do governo militar com suas repercussões a nível político e econômico. O periódico “Projeto”, publicação mensal, teve seu primeiro número editado em 1977, em São Paulo, e estava veiculado ao IAB. A revista “AU – Arquitetura e Urbanismo”, publicação bimestral, passou a circular em janeiro de 1985 com o apoio editorial da Diretoria Nacional e do Departamento de São Paulo do IAB. Tanto “Projeto” quanto “AU” tratam-se de periódicos que, desde o início, enfocaram os problemas da arquitetura de maneira crítica, colocando o arquiteto como ser participante da sociedade. Este trabalho é parte das análises efetuadas na pesquisa de Iniciação Científica “A Prática Profissional do Arquiteto no Brasil. O debate em revistas especializadas (1987-1996)”, realizada com auxílio de bolsa FAPESP entre os anos de 2008 e 2009, que organizou o material coletado nos periódicos a partir de três temas principais: os debates em torno da remuneração e legislação do arquiteto; as discussões referentes ao papel do arquiteto do Brasil no século XX e as alterações ocorridas nas atribuições, na formação e no campo de trabalho do arquiteto no período. O trabalho envolveu pesquisa bibliográfica sobre o tema abordado e análise crítica e comparativa das informações obtidas através de pesquisa nas revistas. Figura 2: “Projeto” n. 103. Os debates decorrentes das alterações no campo de trabalho do arquiteto, levantados na “AU” e na “Projeto” já indicavam, em 1987, dois temas recorrentes no período pesquisado (19871996): o advento de novas tecnologias nos escritórios de arquitetura e as alterações no mercado de trabalho deste profissional. Figura 3: Arquitetos e planejamento urbano (“Projeto” n. 95, p. 93). 2. O advento de novas tecnologias nos escritórios de arquitetura Em maio de 1987 discutiu-se a relação entre tecnologia e produção arquitetônica, buscando as origens do desenvolvimento científico, e apontou-se um maior grau de especialização do arquiteto na época, profissional que desempenharia, com a nova visão da construção industrializada, o papel de “integralista” da indústria moderna. Sérgio Teperman, em entrevista à “AU” em maio de 1987 (MIELI, Sílvio. Olhar (in)comum. AU, São Paulo, n. 11, p. 74-76, abril/maio 1987), questionou o fenômeno da tecnologia: da mesma maneira que o advento da informática era capaz de proporcionar ao arquiteto condições físicas para responder o mais precisamente possível a uma demanda, também permitia criar fórmulas e soluções não necessariamente funcionais. Ainda em maio de 1987, Haifa Sabbag reconheceu a Informática como uma das grandes conquistas do século e buscou abolir preconceitos em relação às novas tecnologias no Brasil (Uma corda sobre o abismo. AU, São Paulo, n. 11, p. 45-50, abril/maio 1987). Sabbag enumerava as vantagens imediatas e mais adequadas ao CAD: revisões, atualizações e modificações no projeto; processos como detalhamento, tabelas de acabamento, planilhas, etc. Em 1985, foi introduzido o curso de computação gráfica para arquitetos formados na FAUUSP, ministrado pelo Prof. Ualfrido Del Carlo. O Figura 4: “AU” n. 11. professor entrevistado aproveitou a oportunidade para questionar a noção da suposta incompatibilidade entre a liberdade criativa e a conotação tecnicista associada ao uso do computador, corrente em voga no período (SABBAG, 1987, p. 47). Em julho de 1987, os principais debates publicados pela “Projeto” foram o advento de novas tecnologias no campo profissional do arquiteto e o desenvolvimento do design no Brasil. A reportagem “Designers x Indústria” tinha como objetivo principal se contrapor à idéia do design enquanto algo supérfluo e pregar a importância de produtos bem desenhados para diminuição das dificuldades encontradas no dia-a-dia dos cidadãos. Em novembro de 1987, a matéria escrita por Vanda Pinto dava dicas para introduzir o uso do computador nos escritórios. Segundo ela, a informatização deveria partir das tarefas de desenho que envolviam maior índice de repetição. Para os que não podiam investir muito, outra hipótese era começar pelas atividades mais fáceis de informatizar e cujos equipamentos eram mais baratos, como era o caso de todo o Figura 5: Arquiteto e prancheta – desenho à mão x computador (“Projeto” n. 113, p. 150). processo administrativo, dos estudos de viabilidade financeira e do processamento de textos (PINTO, 1987, p. 76). Informações sobre aplicações da informática ao desenho de arquitetura voltaram a ser tema de reportagem da revista “AU”, em maio de 1988 (MARINHO, Gabriela. CAD, a informática no cotidiano. AU, São Paulo, n. 17, p. 95-97, abril/maio 1988). Gabriela Marinho apontava, na época no Brasil, o equipamento mais utilizado pelos arquitetos e compatível com as versões mais comuns de CAD: o PC (Personal Computer). A informática ganhou destaque novamente no ano de 1993. Nessa época, a computação na área de arquitetura começava a se difundir amplamente, permitindo que os brasileiros utilizassem os mesmos recursos empregados por profissionais de outros países. Reportagens indicaram as duas linhas de microcomputadores disponíveis no mercado em 1993: os compatíveis com o sistema IBM/PC e a dos Macintosh, que com a abertura de mercado crescia, mas que ainda tinha no preço um dos fatores impeditivos (ARQUITETURA NA ERA DA INFORMÁTICA. Projeto, n. 161, pp. 60-65, março 1993). 3. As alterações no mercado de trabalho do arquiteto Quanto às alterações do mercado de trabalho do arquiteto no período (1987-1996), podemos verificar, já na primeira matéria, coletada em setembro de 1987 na revista “Projeto” (ENSINO DE ARQUITETURA EM DEBATE no Recife. Projeto, São Paulo, n. 103, p. 76-80, setembro 1987), um quadro preocupante para a classe no país e que alimentaria debates constantes ao longo de uma década nos periódicos pesquisados: a invasão do mercado de trabalho, exclusivo dos arquitetos, por outros profissionais sem formação ou especialização comuns à da Arquitetura (engenheiros, desenhistas, decoradores, etc.). Já a reportagem de Abukater Neto, publicada em setembro de 1988 (ABUKATER Neto, João. As mulheres na engenharia. Projeto, São Paulo, n. 114, p. 161, setembro 1988), destacava como incrivelmente baixa a proporção de mulheres entre os profissionais de Engenharia e Arquitetura, profissões ainda consideradas “tipicamente masculinas” quase na virada da década de 1990. As reportagens de Sérgio Teperman publicadas na revista “AU” em janeiro (TEPERMAN, S. Sobra de espaço. AU, São Paulo, n. 27, p. 100-101, dezembro/1989 e janeiro/1990) e novembro de 1990 (TEPERMAN, S. A provação. AU, São Paulo, n. 32, p. 64-65, outubro/novembro 1990) mostraram-se, cada qual com a sua temática, verdadeiros desabafos da classe arquitetônica. A primeira matéria tinha como objetivo defender o escritório de Arquitetura como uma forma correta, justa e honesta de ganhar a vida e a segunda denunciava a burocratização para a aprovação de um projeto de arquitetura. Figura 6: “Ao meio-dia percebo: de fato, arquitetura não é um bom prato” (“Projeto” n. 121, p. 130). Em dezembro de 1991, as reportagens publicadas na “Projeto” consideraram aquele ano como um dos mais perversos no país, para as diferentes atividades econômicas, e classificaramno como o “fundo do poço”. Segundo os autores, os indicadores mostraram que 1991 sufocou escritórios de arquitetura, comprimiu honorários e impôs a necessidade de muita criatividade para que a sobrevivência fosse possível. Nos escritórios de arquitetura, com a redução do quadro e a necessidade de realizar tarefas fora da área normal de atuação, o número de horas trabalhadas aumentara; mesmo assim, havia uma semi-ociosidade. Em meio à crise, os mais atingidos eram os recém-formados (na época, cerca de 1000 por ano em dezesseis escolas paulistas). Em abril de 1992, presidentes de diversos departamentos do IAB mostravam a situação do mercado de trabalho para arquitetos em diferentes estados. No Rio Grande do Norte, os profissionais recém-formados se davam por satisfeitos quando conseguiam ser empregados pelos arquitetos mais experientes; no Rio Grande do Sul, onde existia um contingente de cerca de 5 mil profissionais, os grandes escritórios continuavam com sua fatia de mercado, mas os recémformados encontravam grande dificuldade para encontrar trabalho; no Rio de Janeiro, a exemplo do que acontecia no restante do país, viviam-se os problemas gerados pela retração da construção civil (O MERCADO PARA ARQUITETOS... Projeto, n. 151, p. 92, abril 1992). Em 1994, os temas tratados foram, sobretudo, a busca dos escritórios de arquitetura brasileiros por associações internacionais e o 14º Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado entre 24 e 28 de outubro em Fortaleza, no qual discutiu-se principalmente o papel do arquiteto na nova organização mundial. Em dezembro de 1995, anunciou-se um ligeiro aquecimento nas consultas sobre projetos durante o mês de novembro, e um conseqüente otimismo por parte dos profissionais de arquitetura a respeito de uma recuperação do mercado do setor com a chegada de um novo ano (ARQUITETOS ESPERAM MAIS PROJETOS... Projeto, n. 192, p. 8, dezembro 1995). Figura 7: “Projeto” n. 192. O ano de 1996 foi marcado pelas críticas à instalação no Brasil dos escritórios norte-americanos que, somada à redução de atividade e ao aviltamento dos preços, criavam diversos problemas aos escritórios brasileiros de arquitetura. No final do ano, um censo divulgado pela revista AU na seção “Painel de Mercado” (n. 68, p. 92, outubro/novembro 1996) apontou os principais ramos de atuação no mercado de trabalho dos formados em Arquitetura e Urbanismo. Segundo dados da pesquisa, a maioria dos profissionais na época atuava como autônomos (26,4%) ou trabalhava em escritórios especializados em arquitetura (24,75%) e urbanismo (14,52%). Outra fatia atuava diretamente em construtoras Figura 8: “AU” n. 68. (12,54%) e um grupo extenso (8%) distribuía-se entre segmentos variados, como artes plásticas, design, assessoria náutica, incorporação, informática e trabalho acadêmico. 4. Considerações Finais Sem dúvida, os temas de maior destaque do período 1987-1996 nas revistas “AU” e “Projeto” acerca do campo de trabalho do arquiteto foram o advento das novas tecnologias para a produção do projeto arquitetônico e as alterações no mercado de trabalho. A informática, eleita uma das grandes conquistas do século, foi recebida com preconceitos e inseguranças na década de 1980. Entretanto, ao longo dos anos, foi reconhecida como uma ferramenta muito útil para o exercício da arquitetura e iniciou seu advento nos escritórios e faculdades, sendo inclusive introduzida no currículo mínimo em 1996. Contudo, graças ao descompasso existente entre um processo de informatização relativamente lento nos períodos de crise econômica no país e o alto custo de implementação, o uso do computador na época ainda era bastante Figura 9: Arquitetura como marketing (“AU” n. 40, p. 96). restrito. Em relação ao mercado de trabalho, os debates da época concentraram-se na busca dos escritórios brasileiros por associações internacionais, na instalação, no Brasil, de escritórios norteamericanos e no chamado “marketing de serviços” (a necessidade dos arquitetos propagandearem seus serviços). Nesse momento, também eram comuns as reportagens sobre excesso de contingente de arquitetos formados e lançados no mercado de trabalho, desemprego e subemprego da categoria. As questões referentes à integração entre arquitetura e urbanismo e à relação entre arquiteto, produção e desenho industrial também estiveram presentes no período 1987-1996. Observou-se ainda a luta pela mudança da lei n. 5 194/66, que permitia a execução de projetos por profissionais de outras áreas com formação parcial de arquitetura. Essa invasão do campo de atuação do arquiteto afirmava a permeabilidade de atribuições existente entre Engenharia e Arquitetura. O tema do trabalho, ainda pouco aprofundado na historiografia da área oferece, assim, subsídios para a Figura 10: Doces Caseiros & projetos compreensão do perfil do arquiteto no Brasil e parâmetros de de arquitetura (“AU” n. 68, p. 96). entendimento da condição contemporânea da classe em seu campo de atuação. Além disso, a recuperação dos debates das décadas de 1980 e 1990 no campo da Arquitetura e do Urbanismo é bastante relevante enquanto contribuição para a história da profissão no país. 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Projeto: arquitetura, planejamento, desenho industrial, construção, n. 95, p. 93, janeiro 1987. Figura 4: “AU” n. 11. Figura 5: Arquiteto e prancheta – desenho à mão x computador (“Projeto” n. 113, p. 150). CARUSO, P. Projeto: arquitetura, planejamento, desenho industrial, construção, n. 113, p. 150, agosto 1988. Figura 6: “Ao meio-dia percebo: de fato, arquitetura não é um bom prato” (“Projeto” n. 121, p. 130). Projeto: arquitetura, planejamento, desenho industrial, construção, n. 121, p. 130, maio 1989. Figura 7: “Projeto” n. 192. Figura 8: “AU” n. 68. Figura 9: Arquitetura como marketing (“AU” n. 40, p. 96). AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 40, p. 96, fevereiro/março 1992. Figura 10: Doces Caseiros & projetos de arquitetura (“AU” n. 68, p. 96). AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 68, p. 96, outubro/novembro 1996.
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