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Vol. 22 | nº 4 | 2013
ISSN 0871 - 6099
Revista da Sociedade Portuguesa de
ANESTESIOLOGIA
Journal of the Portuguese Society of Anesthesiology
Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia
2 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia Vol 22 - Nº 4
FICHA TÉCNICA
EDITOR CHEFE // Editor-in-Chief
António Augusto Martins - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
EDITORES ASSOCIADOS // Associate Editors
Isabel Aragão - Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto
Lucindo Ormonde - Centro Hospitalar Lisboa Norte
Rosário Orfão - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
CONSELHO EDITORIAL // EDITORIAL BOARD
Daniela Figueiredo - Centro Hospitalar do Porto
Fernando Abelha – Centro Hospitalar S. João, Porto
Hugo Vilela -Centro Hospitalar Lisboa Norte
Joana Carvalhas – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Jorge Reis - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia - Espinho
Jorge Tavares – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
José Luís Ferreira – Centro Hospitalar Lisboa Central
Luís Agualusa – Unidade Local de Saúde de Matosinhos
Paulo Sá – Hospital Amadora Sintra, CVP e Clínica de Santo António, Lisboa
Pedro Amorim – Centro Hospitalar do Porto
Rui Araújo - Unidade Local de Saúde de Matosinhos
Sílvia Neves - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
DIREÇÃO DA SPA // SPA Board
Presidente // President
Lucindo Palminha do Couto Ormonde
Vice - Presidente // Vice - President
Isabel Maria Marques de Aragão Fesh
Secretário // Secretary
Maria do Rosário Lopes Garcia Matos Orfão
Tesoureiro // Treasurer
Maria de Fátima da Silva Dias Costa Gonçalves
Vogal // Member of the Board
Rui Nuno Machado Guimarães
SPA // SPA Address
Centro de Escritórios do Campo Grande
Av. do Brasil, nº 1, 5º andar, sala 7
1749-028 Lisboa
tel.: (+351) 913 609 330
e-mail: [email protected]
Propriedade e Administração da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia //
Portuguese Society of Anesthesiology Ownership and Management
ISSN 0871-6099
Depósito Legal // Legal Deposit nº:65830/93
Preço Avulso // Individual Copy 7,5€ / Número // Number
Assinatura // Subscription Rates: 4 edições // 4 copies / 30€
Distribuição: Gratuita aos Sócios da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia //
Distribution: Without Charge for Membership of Portuguese Society of Anesthesiology
Tiragem // Printed Copies: 2500
Periocidade: Trimestral (mar, jun, set, dez) //
Frequency : Quarterly (Mar, Jun, Sep, Dec)
Design, Concepção Gráfica e Paginação // Graphic Design, Paging and Printing:
Letra Zen Comunicação
[email protected]
(+351) 936 206 030
Sumário // ContentS
Editorial //
104
António Augusto Martins
Artigo de Revisão // Review
105
Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da
Artéria Carótida – Controvérsias
//
Cerebral Monitoring in Anesthesia of Carotid Artery
Surgery - Controversies
Maria da Graça Afonso
Artigo de Revisão // Review
112
Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular
//
Transesophageal Echocardiography
and Vascular Surgery
Célia Duarte
Artigo de Revisão // Review
119
Estimulação Cerebral Profunda no Controlo da Dor
//
TDeep Brain Stimulation to Control Pain
David Nora, Ana Isabel André, Fernanda Palma Mira, Cristina Ferreira
Perspetiva // Perspective
126
As Plantas na História da Dor
//
The Plants in the Pain History
Joaquim J. Figueiredo Lima
Impresso em papel ácido livre // Printed on acid-free paper.
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
103
Editorial
Caros colegas,
António Augusto Martins
Editor da Revista da SPA
No número anterior da Revista da SPA fiz referência ao processo de integração da Revista
da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (RSPA) no Serviço de Alojamento de Revistas
Científicas Institucionais do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP).
Neste momento, está atribuído o endereço eletrônico - http://revistas.rcaap.pt/anestesiologia - nesta plataforma.
A página está em desenvolvimento. Cremos que a sua funcionalidade plena esteja para
breve e nela estarão incluídas todas as instruções indispensáveis para a submissão de
manuscritos. Estas normas irão, igualmente, estar disponíveis em língua inglesa. Existirá,
necessariamente, um período de transição entre as duas formas de submissão, mas os
ganhos futuros em organização vão ser evidentes.
A própria conceção da revista sofre alteração significativa pela exposição a públicos mais
vastos e por uma interatividade acrescida com os seus conteúdos.
Este número fecha o ano de 2013. Reunimos um conjunto de textos sobre aspetos da monitorização cerebral e ecocardiografia
transesofágica para cirurgia vascular; técnicas de estimulação cerebral profunda na terapêutica da dor e sobre a utilização das
plantas ao longo da história da Medicina e das civilizações e as suas interferências com a Anestesiologia e os procedimentos
cirúrgicos.
A nossa publicação não é imune às dificuldades económicas e sociais sentidas por todos. Por este motivo, condicionámos a expedição e distribuição do Nº 3 e 4 em um único porte postal. Agradecemos a Vossa compreensão para este facto.
Mantendo a esperança, desejo um bom Ano de 2014 a todos os colegas e leitores da nossa revista.
Abraço,
António Augusto Martins
Editor da Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia
104 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
Artigo de Revisão // Review
Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria
Carótida – Controvérsias
Maria da Graça Afonso1
Palavras-chave:
- Anestesia;
- Fluxo Sanguíneo Cerebral:
- Monitorização Cerebral;
- Doenças das Artérias Carótidas/
cirurgia
Resumo
A cirurgia da carótida condiciona alterações da perfusão sanguínea cerebral no intra e
no pós-operatório monitorizadas de várias formas: sinais clínicos, electroencefalografia,
potenciais evocados sensitivos, Doppler transcraniano, medição do fluxo sanguíneo
cerebral, pressão arterial de retorno carotídea (stump pressure) e oximetria cerebral.
Todos estes métodos têm vantagens e limitações, pelo que a sua escolha continua a
ser controversa.
Cerebral Monitoring in Anesthesia of Carotid Artery Surgery
- Controversies
Maria da Graça Afonso1
Keywords:
- Anesthesia;
- Cerebrovascular Circulation;
- Cerebral Monitoring;
- Carotid Artery Diseases/surgery
1
Abstract
Carotid surgery cause profound changes on the brain blood flow, during and after surgery.
Cerebral perfusion may be evaluated by several methods: clinical signals in the awake
patient; electroencephalogram; somatosensory evoked potencial; transcranial Doppler
ultrasonography; xenon blood flow; stump pressure; cerebral oximetry. A revision is
made of the available methods of cerebral monitoring with their advantages and limits.
Chefe de Serviço de Anestesia do S. João - Porto, Portugal
Mecanismos de lesão cerebral durante a endarterectomia carotídea
Indicação de Endarterectomia Carotídea (EC)
Estudos de larga escala mostraram que a EC melhora o
prognóstico de doentes sintomáticos com estenose carotídea superior a 70 % comparado com o melhor tratamento
médico.1,2 Subsequentemente foi demonstrado que a EC
melhora o prognóstico nos doentes assintomáticos com
estenose superior a 60 %, embora a redução absoluta de
risco seja menor que nos doentes sintomáticos.3
Os grandes benefícios são ganhos se a EC for feita dentro de duas semanas dos últimos sintomas e, se possível,
dentro das 48 h da ocorrência de sintomas neurológicos.4
Apesar de todas as tentativas de tornar o procedimento mais seguro, a taxa de mortalidade perioperatória por
evento neurológico (stroke) e enfarte de miocárdio ainda
se aproxima de 5 %.5
Reduzindo o fluxo sanguíneo cerebral regional ou global
abaixo de 7 a 10 mL/100 g/min surge uma cascata de
acontecimentos que se não for corrigido levará a morte
cerebral.
Diminuindo o fornecimento de O2 para níveis que são
inadequados para satisfazer a fosforilação oxidativa, resultará numa descida do ATP intracelular e acumulação
intracelular de lactato.
Privados dos seus fornecedores de energia os neurónios
tornam-se incapazes de manter o gradiente iónico transmembrana normal resultando um influxo de Na+ extracelular e água e um efluxo de K+.
Surge despolarização celular com libertação de grandes
quantidades de neurotransmissores excitatórios (glutamato e aspartato). Estes neurotransmissores excitatórios
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Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias
activam os complexos receptores de membrana NMDA e
AMPA e abrem os canais de cálcio.
O influxo de iões Ca++ activa a fosfolipase A2 causando peroxidação lipídica e formação de radicais livres citotóxicos.6-9
Durante a EC a redução do fluxo sanguíneo cerebral
regional pode ocorrer por: embolia (placa de ateroma, ar,
trombo, fragmento da camada íntima) deslocada durante a manipulação carotídea ou formada como resultado
do processo; perfusão inadequada a seguir à clampagem
carotídea; oclusão no local da arteriotomia devido a formação de trombo pós-operatório ou dissecção da íntima.
Da revisão de várias séries de doentes e da caracterização do acidente isquémico em embólico e hemodinâmico
(défice de fluxo) concluiu-se que a maioria dos acidentes
isquémicos perioperatórios são técnicos (êmbolos libertados durante a manipulação carotídea ou na clampagem,
ou complicações associadas com a arteriotomia tais como
embolia gasosa, de trombo ou fragmento de íntima). Só
uma minoria de lesões neurológicas perioperatórias são
puramente de origem hemodinâmica.7-11
Perante a evidência de um episódio de isquemia cerebral, a intervenção primária é a inserção de uma ponte provisória capaz de melhorar o fluxo distal ao clampe. Este
aumento de fluxo sanguíneo pode ser documentado por
aumento da velocidade na artéria cerebral média (vACM)
por Doppler Transcraniano.9,11-13
Por outro lado, a desclampagem carotídea pode estar
associada a síndrome de hiperperfusão ou a síndrome de
reperfusão associadas com o aumento de fluxo sanguíneo
e à repercussão na autorregulação cerebral. Estas alterações juntamente com outras alterações hemodinâmicas
podem ser documentadas pelas alterações de fluxo na artéria cerebral média por Doppler Transcraniano. Podem ter
uma duração variável no pós-operatório.9,11-13
Monitorização da perfusão cerebral
Em alguns centros a perfusão cerebral não é monitorizada.
Há autores que defendem que nem a monitorização intraoperatória nem o uso de pontes provisórias são necessárias para evitar a isquemia intraoperatória.13,14
Baseiam esta recomendação no fato de a causa usual
da isquemia ser um êmbolo, a não fiabilidade das diferentes técnicas de monitorização e os riscos associados com o
uso de pontes provisórias. Defendem que a anestesia geral
juntamente com períodos de oclusão relativamente curtos
são suficientes para impedir lesão celular irreversível durante períodos de fluxo sanguíneo cerebral reduzido durante a clampagem carotídea, como é evidenciado pelos bons
resultados referidos pelos autores que evitam as pontes.
Outros autores também consideram a monitorização intraoperatória da perfusão cerebral desnecessária mas recomendam o uso por rotina de pontes provisórias durante
a clampagem carotídea.
Baseiam a sua recomendação no facto de que as pontes
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fornecem fluxo na artéria carótida interna constante durante a cirurgia, permitem uma cirurgia não apressada em
caso de lesões complicadas e permitem o ensino de novos
cirurgiões.9,13,15-18
Muitos centros usam alguns meios de monitorização da
perfusão cerebral durante a EC, e, seletivamente, usam
pontes durante a clampagem carotídea se surgirem sinais
de perfusão inadequada.9,11,13,19-22
Monitorização com o doente acordado
O doente acordado permite a melhor forma de monitorização cerebral durante a EC.23,34
A técnica anestésica utilizada será o bloqueio do plexo
cervical, a infiltração local e muito menos frequente o bloqueio epidural cervical.
A função cerebral é monitorizada por avaliações repetidas do nível de consciência do doente, discurso e força
muscular contralateral.
Um doente colaborante fornece um meio de monitorização neurológica de tolerância à clampagem carotídea
altamente sensível e específico e deteta complicações
embólicas sintomáticas intraoperatórias.
A evidência de deterioração neurológica permite intervir
geralmente com inserção de uma ponte, elevação da pressão arterial sistémica ou indução de anestesia geral.
Todos os estudos randomizados de anestesia geral versus
regional para EC mostraram uma menor incidência de uso de
ponte provisória (shunt), com técnicas de anestesia regional.14
Apesar das vantagens óbvias associadas com monitorização da função neurológica num doente acordado, na clínica não foi demonstrada uma vantagem clara em termos
de prognóstico neurológico associado com o uso de anestesia regional comparada com o uso de anestesia geral.
Tem como inconvenientes o facto de a sedação diminuir
a especificidade da avaliação neurológica (a diminuição de
consciência pode dever-se ao efeito farmacológico e / ou
por isquemia); em caso de AVC durante a EC a lesão pode
aumentar por pior controlo da ventilação e por falta de medidas de proteção cerebral.9,11,15-17,20,24-26
Eletroencefalografia
A popularidade da anestesia geral para EC estimulou
intenso interesse na avaliação de outras técnicas de monitorização que possam ser utilizadas durante a anestesia
para identificar doentes em risco de lesão neurológica.
O Eletroencefalograma (EEG) reflete a atividade eléctrica
espontânea dos neurónios piramidais corticais surgindo de
potenciais pós-sinápticos excitatórios e inibitórios.
As interacções complexas entre grupos de neurónios corticais e com células talâmicas resultam em potenciais rítmicos
que podem ser gravados usando elétrodos cranianos.
Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias
O EEG pode ser alterado por um grande número de perturbações fisiológicas incluindo a temperatura, a PaCO2, a
hipoxemia e alterações electrolíticas.
Os fármacos anestésicos também afectam a morfologia
do EEG dependendo dos fármacos utilizados e da profundidade anestésica atingida. Os efeitos no EEG de muitos
fármacos anestésicos frequentemente empregues estão
bem caracterizados.
A interpretação contínua do EEG convencional é feita
com aparelhagem mais disponível, necessita de pessoal
técnico especializado e permite o estabelecimento de protocolos de monitorização e interpretação.
O EEG microprocessado é de mais fácil interpretação. É
feita análise espectral de potência microprocessada.
Desde que a gravação do EEG seja feita durante condições fisiológicas e anestésicas estáveis, o EEG é altamente
sensível a alterações no Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC). À
medida que o FSC desce abaixo de um limiar as alterações
no EEG manifestam-se e progridem num padrão bastante
constante de redução média na quantidade de actividade
de alta frequência e o aparecimento proeminente de ondas lentas até ao completo desaparecimento da actividade eléctrica.
O nível de FSC abaixo do qual as alterações no EEG se
tornam aparentes tem sido denominado FSC crítico, partindo do princípio de que as alterações no EEG observadas
refletem disfunção neuronal devida a isquemia.
O FSC crítico está dependente do agente anestésico
usado, e em comparações retrospectivas tem sido bem
caracterizado para o halotano (17-18 mL/100 g/min), para
o enflurano (15 mL/100 g/min) e para o isoflurano (10
mL/100 g/min).
Padrões anormais de EEG associados com EC têm sido
bem definidos embora o significado destas alterações permaneça motivo de controvérsia.
O EEG é considerado um monitor sensível às reduções
críticas no FSC; como indicador de prognóstico neurológico
a sua especificidade permanece suspeita porque muitos
doentes que são identificados como sendo de alto risco
não têm um prognóstico adverso. Embora a monitorização por EEG seja usada em muitos centros para identificar doentes de alto risco, dados conflituosos continuam a
manter a questão acerca da sua fiabilidade para identificar
os que requerem intervenção dado que a ponte provisória
também está associada a um risco substancial.11,19,27
Foram estudados 1 009 doentes submetidos a EC sob
bloqueio do plexo cervical e com monitorização por EEG,
em 39 este permaneceu normal mas o estado clínico dos
doentes mostrou isquemia cerebral óbvia. Isto foi explicado pelo facto de o EEG mostrar lesões à superfície e não
revelar isquemia em regiões mais profundas do cérebro;
em 52 doentes o EEG mostrou isquemia mas o estado
clínico dos doentes não se alterou. Isto pode dever-se ao
facto de que o limiar para insuficiência celular eléctrica é
menor do que para insuficiência metabólica.9
Potenciais evocados sensitivos
São potenciais eléctricos gerados por neurónios espinais
e corticais sensitivos em resposta a estimulação sensitiva:
um nervo sensitivo periférico no caso de potenciais evocados somatossensitivos, o nervo auditivo para potenciais
evocados auditivos (AEP) ou a retina para potenciais evocados visuais (VEP).
Porque as regiões do cérebro em risco primário durante a
EC residem na distribuição carotídea, os potenciais evocados somatossensitivos representam a técnica de monitorização preferida de potenciais evocados.
Os potenciais evocados têm pequena amplitude (1 a 3
μV); para gerar a onda de potencial evocada é feita a média de sinais de estimulação repetitiva (100 a 500 repetições ou mais) permitindo excluir sinais de EEG de base.
Estudos comparando a monitorização dos potenciais
evocados somatossensitivos com resultados de EEG produziram resultados conflituosos.
A monitorização de potenciais evocados somatossensitivos representa uma monitorização sensível e razoavelmente específica do estado neurológico durante a EC;
contudo comparando com o EEG não oferece melhoria
substancial na fiabilidade e os padrões de monitorização e
interpretação estão menos bem estabelecidos.
Com base nisto parece pouco provável que os potenciais
evocados somatossensitivos suplantem a popularidade do
EEG como monitor da função cerebral durante a EC.9,10,1517,26,28
Doppler Transcraniano
Ultrassonografia Doppler tem sido muito utilizada para
medição não invasiva da velocidade de fluxo sanguíneo no
coração e árvore vascular extracraniana.
Em 1982 foi descrito o uso de ecografia Doppler para
medir a velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias cerebrais basais.
Desde então esta técnica tem sido utilizada para avaliar
vasospasmo cerebral a seguir a hemorragia subaracnoideia (HSA), diagnóstico de estenose da artéria cerebral,
medição de reactividade cerebrovascular, determinação de
morte cerebral, detecção de embolia cerebral, avaliação de
fluxo sanguíneo cerebral intraoperatório.
O Doppler baseia-se no princípio de que quando um som
ultrassónico é refletido de um objecto móvel, o comprimento de onda do som refletido mudará. A velocidade do
objecto pode ser derivada da diferença na frequência entre
o som emitido e o refletido (desvio de frequência).
No caso das células sanguíneas em fluxo através de
uma artéria o som ultrassónico é refletido num espectro
de frequências, pois as células sanguíneas numa secção
transversal do vaso sanguíneo movem-se a diferentes velocidades.
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Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias
A análise do espectro de frequências dos sons refletidos
permite o cálculo das velocidades dos fluxos sanguíneos
sistólico e diastólico.
O Doppler transcraneano (TCD) é geralmente feito através da janela temporal, onde o crânio é relativamente fino,
mas pode ser feito usando outras abordagens: transorbital,
suboccipital e submandibular.
Usando a abordagem transtemporal a velocidade do
fluxo pode ser medida na artéria cerebral média, no sifão
carotídeo, e na artéria comunicante anterior.
Algumas vantagens do TCD incluem o facto de ser portátil, não invasivo, técnica que não envolve exposição a radioactividade e fornecer monitorização contínua.
Como desvantagens tem: incapacidade de assegurar
uma janela transtemporal adequada num número significativo de doentes (10-15 %); perda de sinal devido a deslocamento do sensor; o facto de usar velocidade do fluxo
sanguíneo como um índice de fluxo sanguíneo, requer várias premissas que podem nem sempre ser aplicáveis na
prática clínica.
Usando o TCD para calcular o fluxo sanguíneo parte-se
do princípio de que a área de secção transversal de um
vaso e a viscosidade do sangue fluindo através do vaso,
permanecem constantes, pois ambos alterarão a relação
entre velocidade de fluxo e fluxo absoluto.
Tentativas de ultrapassar estas questões tais como calcular o índice de pulsatilidade como reflexo da resistência
cerebrovascular permanecem controversas.
Durante a EC, alterações na velocidade são geralmente
consideradas refletirem alterações similares no fluxo sanguíneo, desde que a PaCO2 arterial permaneça constante.
Comparando a velocidade média de fluxo sanguíneo na
artéria cerebral média, o fluxo sanguíneo cerebral regional
e o EEG em 31 doentes submetidos a EC, foi referido que
a velocidade média do fluxo se correlacionava muito mal
com o fluxo sanguíneo cerebral regional se este for maior
do que 20 mL/100 g/min; contudo a correlação entre estas técnicas era boa com valores de FSC regional abaixo
daquele valor. 29
Medições baixas de pressão de retorno e assimetria no
EEG ipsilateral têm sido referidas como correlacionando-se
bem com a redução na velocidade média de fluxo na artéria cerebral média. O TCD tem considerável potencial como
monitor de fluxo sanguíneo cerebral durante a EC.
Considerável controvérsia continua relativamente a várias questões técnicas tais como a relação entre FSC absoluto e velocidade de fluxo sob várias condições clínicas e se
a previsão do FSC derivado da monitorização da velocidade
do fluxo nos grandes vasos cerebrais se correlaciona com
perfusão a um nível regional microvascular.
O conhecimento actual sugere que o EEG é um melhor
monitor de disfunção neuronal no córtex cerebral; contudo
a avaliação da circulação cerebral de forma não invasiva
usando o TCD pode fazer desta técnica um adjunto útil à
monitorização por EEG.
108 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
Ao contrário da controvérsia que existe em relação ao
uso do TCD como monitor do FSC durante a EC, o TCD é
um método sensível para detetar embolia cerebral que
pode acompanhar a manipulação carotídea, clampagem
e inserção da ponte provisória. Vários estudos prospectivos demonstraram que o número de êmbolos detetados
durante a dissecção carotídea se correlaciona com o risco
de prognóstico neurológico adverso e com evidência radiológica de lesão cerebral.
O TCD tem sido usado para detetar mau funcionamento
da ponte provisória durante a EC.9,13,17,20,29
Medição do fluxo sanguíneo cerebral por eliminação
de xénon
A medição do FSC durante a EC é feita via injecção intracarotídea de um gás inerte radioactivo xénon-133 (133Xe).
Contadores de cintilação aplicados à volta da cabeça medem a actividade gamma regional do 133Xe ao longo do
tempo, a partir do qual é calculado o FSC (medição gamagráfica da eliminação de xénon). É uma monitorização não
contínua com medição só antes e depois da clampagem
carotídea.
Estas medições com 133Xe são caras e requerem suporte técnico especializado; assim o uso desta técnica tem
sido limitado a poucos centros.
Correlacionando as reduções no FSC com a evidência
de alterações isquémicas no EEG foi referido que um FSC
menor do que 15 mL/100 g/min é um indicador altamente sensível de isquemia cerebral e é recomendado o uso
de ponte provisória carotídea em resposta a um fluxo pós
oclusão de menos de 25 mL/100 g/min.
Estudos prospectivos usando o prognóstico neurológico
para avaliação da eficácia da determinação do FSC não
demonstraram esta correlação.
Estes resultados sugerem que a medição do FSC como a
monitorização por EEG são um indicador altamente sensível de isquemia, mas falta-lhes especificidade para identificar o subgrupo de doentes que desenvolverá lesão neurológica em resposta a uma redução crítica na perfusão
cerebral.6,9,10,20
Pressão de retorno carotídea (stump pressure)
Representa a pressão média medida na porção da artéria carótida imediatamente distal à clampagem da carótida comum, avaliada a seguir à clampagem da carótida
comum e carótida externa.
Representa a pressão retrógrada transmitida ao longo
da artéria carótida e reflete a adequação da circulação colateral durante a oclusão carotídea.
Durante a EC feita sob bloqueio do plexo cervical medições de pressão de retorno inferiores a 25 mmHg foram
referidas como correlacionadas com intolerância à clam-
Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias
pagem e uma pressão de retorno de 25 mmHg era referida
como o limiar de adequada perfusão cerebral. Permanece
popular em alguns centros como técnica combinada, por
exemplo, com EEG.
Em alguns estudos como indicador de prognóstico mostrou-se tão sensível como o EEG.
A pressão de retorno mínima aceitável que indicaria fluxo
sanguíneo colateral adequado para o hemisfério cerebral
ipsilateral durante a clampagem carotídea, é referida com
valores de 25 a 70 mmHg.
Esta técnica é simples mas a sua fiabilidade em determinar a adequação do fluxo sanguíneo colateral tem sido
posta em causa. Isto pode ser explicado pelo facto de que
a pressão nem sempre se correlaciona com fluxo. Por outro
lado, porque a pressão de retorno reflete a média do fluxo
sanguíneo para o hemisfério cerebral na totalidade, pode
ser incapaz de detetar áreas focais de perfusão comprometida.9,11,15-17,20
Oximetria cerebral
Oximetria cerebral por espectroscopia óptica infravermelha
É uma monitorização não invasiva, contínua, fácil de realizar e de interpretar.
Usa espectrometria infravermelha para calcular a saturação da oxihemoglobina cerebral. Mede a oxigenação arterial, venosa e capilar produzindo um valor de oxigenação
cerebral regional (rSO2). Tem elevado valor preditivo negativo para isquemia cerebral, tem interferências com fluxo
sanguíneo não cerebral e com a luz e não pode identificar
êmbolos.13,30
Em contraste com a oximetria de pulso que usa as alterações pulsáteis na densidade óptica para medir a saturação
oxigénio arterial, os oxímetros cerebrais emitem luz continuamente e medem a saturação de oxigénio arterial, venosa e
capilar da hemoglobina no córtex cerebral superficial.
Porque 75 % do volume sanguíneo cortical é venoso, a
oximetria cerebral reflete predominantemente a saturação
venosa da hemoglobina.
Estudos preliminares em animais com hipoxemia severa
demonstram que a saturação venosa cortical diminui antes de produzir alterações no EEG.
Há ainda poucos estudos clínicos que validem a oximetria cerebral como indicador de prognóstico neurológico adverso durante a EC.9,20
Saturação venosa jugular de O2 (SvjO2)
A SvjO2 é medida por oximetria fibro-óptica por meio de
um cateter de fibra óptica no bolbo da veia jugular interna
ipsilateral.
Tem um bom índice de relação entre o FSC total e o consumo de O2 cerebral total.
A taxa metabólica cerebral para O2 (CMRO2) é o produto
do FSC pela diferença de conteúdo arteriovenoso cerebral
de O2 (A-V DO2).
A CMRO2 reflete o balanço entre a necessidade e o fornecimento de O2.
A-VDO2 = CMRO2 / FSC
A-VDO2 = CaO2 – CvjO2 = Hgb x 1,39 (SaO2 – SvjO2), ignorando a quantidade de O2 dissolvido.
Porque em muitas circunstâncias a SaO2 é igual a 100,
e se a hemoglobina for constante então a A-VDO2 ~
= 100
– SvjO2
Desde que a Hgb permaneça constante e a temperatura
se mantenha dentro de certos limites, uma alteração na
A-VDO2 resultará numa alteração correspondente na SvjO2
em direcção oposta.
De forma similar à oximetria venosa mista que reflete
um balanço entre o consumo de O2 sistémico e o débito
cardíaco, a SvjO2 reflete o balanço entre o consumo de O2
cerebral e o FSC. Quando o aporte de O2 é maior do que a
necessidade de O2, como na hiperemia a A-VDO2 diminuirá
e a SvjO2 aumentará; durante períodos de isquemia cerebral global, mais O2 será extraído do sangue e a A-VDO2
aumentará e a SvjO2 diminuirá.
Quando a CMRO2 e o FSC são normais a A-VDO2 é de cerca de 2,8 μmol/mL ou 6,3 vol % de O2 (varia entre 2,2 a 3,3
μmol/mL ou 5 a 7,5 vol %) e a SvjO2 fica entre 60 % e 75 %.
A fiabilidade do valor da SvjO2 depende da correta colocação do cateter a nível do bolbo jugular e da velocidade
da colheita da amostra que deve ser de 2 mL/min para
não exercer excessiva pressão negativa. Com a oximetria
contínua a fiabilidade está dependente da intensidade da
luz refletida e da calibração do cateter.
Não tem sensibilidade para detecção de isquemia cerebral focal.31 Hoje sabe-se que podem ocorrer alterações
importantes no FSC sem que se detetem alterações na
SvjO2. Não parece ser útil na EC.31
Tensão de oxigénio conjuntival - PcjO2 usando um
elétrodo de Clark miniatura
A técnica é similar à medição da tensão de oxigénio
transcutâneo que é usada em neonatalogia.
Durante a EC a PcjO2 refletirá o fornecimento de oxigénio
cerebral pois o fornecimento sanguíneo da conjuntiva é originado de ramos da artéria carótida interna.
Comparada com a técnica transcutânea a ausência de
camada queratinizada a cobrir a conjuntiva elimina a necessidade de um sensor aquecido e assim elimina o artefacto induzido pelo aquecimento tecidular durante a medição da PcjO2.
Durante a EC, uma descida na PcjO2 acompanha a clampagem carotídea; contudo as medições da PcjO2 têm grande variabilidade interindividual e correlaciona-se mal com
a saturação venosa jugular de oxihemoglobina e com a
pressão de retorno.
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
109
Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias
Não há ainda dados que definam a fiabilidade da PcjO2
comparada com outros monitores neurológicos ou como
indicador de prognóstico neurológico.
O seu papel como monitor durante a EC mantém-se inadequadamente definido.9,11
Monitorização e prognóstico
O uso de técnicas de monitorização neurológica durante
a EC é baseado em duas premissas:
1. O monitor é capaz de identificar de forma fiável doentes
em risco de desenvolver lesão neurológica intraoperatória.
2. Depois da identificação poderiam pôr-se em curso intervenções de modo a impedir lesão neurológica irreversível, melhorando assim o prognóstico.
Apesar do grande interesse, ambas as premissas continuam controversas.9,11,20
Embora o uso de alguma forma de monitorização neurológica seja popular durante a EC, a obtenção dos dados
convincentes de que os monitores disponíveis possam de
forma fiável identificar doentes que venham a ter prognóstico adverso é controverso e confundido por vários fatores.
Primeiro, como foi referido, a maioria das lesões neurológicas intraoperatórias são de natureza trombótica ou
embólica.
Estes acontecimentos não respondem a intervenções
correntemente disponíveis.
Segundo, a identificação de um acontecimento clínico
que é provável de produzir lesão neurológica que possa ser
modificada por uma intervenção disponível poderá alterar
o prognóstico. Por enquanto nenhuma intervenção efetiva
ou forma de protecção cerebral está disponível.
No caso da EC a intervenção, mais frequentemente empregue, é a colocação de uma ponte provisória, um processo que se acompanha de um risco substancial independente de lesão neurológica devido a mau funcionamento
ou complicações embólicas.
Para minimizar a exposição a complicações relacionadas
com pontes provisórias, muitos cirurgiões advogam a colocação destas seletivamente baseados na evidência de
intolerância à clampagem monitorizada; contudo a utilização da ponte provisória de forma seletiva requer um monitor neurológico que não seja só altamente sensível (isto
é, identifique de forma fiável doentes que sofrerão uma
lesão neurológica se alguma intervenção não for iniciada),
mas também altamente específico (isto é de forma fiável
exclua doentes que não estejam em risco).
Vários monitores neurológicos, particularmente EEG e
FSC, têm-se mostrado indicadores sensíveis de diminuição
crítica na perfusão cerebral; contudo, a especificidade destes monitores permanece controversa. Como resultado, estudos referindo experiência com ponte provisória carotídea
durante EC falham em demonstrar prognóstico neurológico
superior.
110 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
Terceiro, durante a EC a perfusão cerebral regional é
muitas vezes reduzida mas raramente completamente
abolida.
Se o tecido neural é capaz de tolerar uma redução na
perfusão, depende da gravidade e duração da redução
bem como da taxa metabólica do tecido em risco.
Uma combinação não tolerável de todos os três fatores
é necessária para a lesão neurológica ocorrer.
Um monitor neurológico com elevada sensibilidade precisa de identificar só uma destas condições para de forma
fiável prever doentes de alto risco.
Os monitores correntes identificam de forma fiável reduções críticas na perfusão cerebral. Em contraste, alta especificidade (isto é identificação fiável de condições de alto risco
que progredirão para lesão) requerem um monitor que seja
capaz de avaliar a combinação dos três fatores.
Os monitores disponíveis têm baixa especificidade; embora sejam indicadores fiáveis de risco, são indicadores
imprecisos de prognóstico.9
Avanços no papel da monitorização neurológica durante
a EC requer evidência definitiva de que o uso destas técnicas se traduz numa melhoria da morbilidade neurológica.9,13,20,32
Conclusão
Uma grande variedade de monitores neurológicos têm
sido usados durante a EC.
O EEG é usado muito frequentemente. A sua sensibilidade em detetar isquemia cerebral tem o suporte de enorme
experiência clínica.
As medições do FSC usando 133Xe são altamente sensíveis mas a tecnologia é cara e a necessidade de equipa
especializada impede o seu uso em muitos centros.
A monitorização com potenciais evocados mostra-se
promissora, mas a experiência clínica com a técnica é inadequada e não parece oferecer uma vantagem distinta
comparada com o EEG.
A fiabilidade do TCD não está também provada e a experiência com a técnica durante a EC é limitada. Contudo
a capacidade única do TCD detetar e quantificar êmbolos
pode provar-se útil especialmente quando usado em conjunção com outra modalidade.
Adicionalmente o TCD pode ser usado para avaliar a
ponte provisória e a permeabilidade da carótida no período perioperatório.
Embora a pressão de retorno carotídea seja simples de
executar e largamente usada, não há consenso em relação ao valor que fiavelmente faça previsão de isquemia
cerebral.
Apesar do grande interesse, não há ainda dados que
convictamente demonstrem que a monitorização neurológica durante a EC melhore substancialmente o prognóstico.
Monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias
As intervenções referidas em resposta à evidência de
isquemia cerebral, particularmente a ponte provisória carotídea, continuam a transportar um risco de lesão neurológica significativo independente; à tecnologia de monitorização corrente continua a faltar precisão suficiente para
de forma fiável prever os doentes que mais provavelmente
beneficiarão das intervenções disponíveis.
O futuro da monitorização neurológica durante a EC depende de avanços futuros.
O desenvolvimento de uma intervenção segura e altamente eficaz, meios de protecção cerebral, ou melhoria na
técnica cirúrgica que possa ser aplicada a um grande segmento da população em risco, negará a necessidade de
desenvolvimento de mais monitores específicos.
Pelo contrário, o progresso no sentido de melhorar a especificidade através do desenvolvimento de novas tecnologias,
combinações de técnicas existentes ou critérios de interpretação mais precisos melhorarão a relação risco/beneficio associado com intervenções correntemente disponíveis.
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Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
111
Artigo de Revisão // Review
Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular
Célia Duarte 1
Palavras-chave:
- Aorta/cirurgia;
- Ecocardiografia Transesofágica;
- Procedimentos Cirúrgicos Vasculares
Resumo
Segundo as guidelines atuais, o ecocardiograma transesofágico está indicado na cirurgia
vascular major. O objetivo deste trabalho é determinar qual é o impacto do ecocardiograma
transesofágico no diagnóstico de patologias da aorta susceptíveis de correção cirúrgica, na
orientação da abordagem anestésica e cirúrgica e na monitorização destes pacientes no
pós-operatório. Para o efeito, os seguintes itens foram estudados: impacto clínico geral do
ecocardiograma transesofágico na cirurgia não cardíaca, ecocardiograma transesofágico
no peri-operatório de aneurismas e disseções da aorta, da cirurgia endovascular da aorta,
de lesões traumáticas da aorta, do tromboembolismo e de tumores da veia cava inferior.
Transesophageal Echocardiography and Vascular Surgery
Célia Duarte 1
Keywords:
- Aorta/surgery;
- Echocardiography, Transesophageal; Vascular Surgical Procedures
Summary
According to the present guidelines, transesophageal echocardiography is indicated in
major vascular surgery. The goal of this work is to know transesophageal echocardiography
impact in the diagnosis of surgical aorta pathology, in the guidance of anesthetic and
surgical management and postoperative monitoring, for what were studied the following
items: global clinical impact of transesophageal echocardiography in non-cardiac
surgery, transesophageal echocardiography during perioperative of aorta’s aneurysms
and dissections, endovascular repair of the aorta, traumatic injury of the aorta, of
thromboembolic disease and vena cava cancer.
¹ Assistente Hospitalar de Anestesiologia no Centro Hospitalar de Lisboa
Central, Portugal
Em 1980, foram publicados os resultados da primeira utilização de uma sonda para monitorização hemodinâmica ventricular contínua no intra-operatório.1
As primeiras guidelines para ecocardiograma transesofágico (ETE), no peri-operatório, foram publicadas em 1996 pela
American Society of Anesthesiologists (ASA) e pela Society
of Cardiovascular Anesthesiologists (SCA).2 Estas guidelines
recomendam a ETE no intra-operatório, sobretudo nos procedimentos de categoria I e II.2 No que se refere à cirurgia não
cardíaca, a única indicação de categoria I é o paciente com
endocardite com extensão da infecção ao tecido perivalvular ou avaliação pré-operatória indefinida.2 As indicações de
categoria II são a avaliação pré-operatória de pacientes com
suspeita de dissecção aguda da aorta torácica ou de aneurisma; o diagnóstico de rotura traumática da aorta torácica,
no pré-operatório e na monitorização durante a sua correção
cirúrgica; a identificação de fontes de embolismo aórtico; a
avaliação dos locais de anastomose durante o transplante
pulmonar e todas as anestesias durante as quais se prevê
112 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
que haja risco aumentado de isquemia do miocárdio e/ou e
risco de perturbações hemodinâmicas no intraoperatório.2
Mais recentemente, em 2010, a European Association of
Echocardiography publicou recomendações para ETE, que incluem a dissecção da aorta e o aneurisma da aorta.3 Os aspetos a observar são aorta ascendente e descendente em longo
e curto eixo, arco aórtico, válvula aórtica, relação da membrana de dissecção com os óstios coronários, derrame pericárdico
e derrame pleural, locais de entrada/reentrada da dissecção e
contraste espontâneo ou formação de trombo lúmen falso.3
ETE e cirurgia não cardíaca
A utilização do ETE, por rotina, no intra-operatório proporciona uma melhoria da abordagem tanto anestésica como
cirúrgica, o que poderá condicionar uma melhoria do prognóstico para os pacientes.4 A ETE no intra-operatório pode confirmar o diagnóstico pré-operatório, fornecer detalhes adicionais que podem orientar o procedimento cirúrgico e ajudar na
abordagem hemodinâmica.4
Da informação obtida por ETE, os parâmetros mais relevantes são: a função sistólica do ventrículo esquerdo (VE),
Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular
a função diastólica e pressão telediastólica do VE, o débito
cardíaco, a pressão sistólica da artéria pulmonar, a dimensão
auricular, a função valvular, a deteção de massas, vegetações
e trombos intracavitários, o pericárdio e a morfologia da veia
cava inferior e da aorta.5
Impacto clínico geral do ETE na cirurgia não cardíaca
Os dados funcionais e hemodinâmicos mais relevantes obtidos pelo ETE na cirurgia não cardíaca são: a função sistólica
global, a função diastólica, a contractilidade segmentar do
miocárdio e a resposta à fluidoterapia.
Hofer et al estudaram o impacto do ETE na abordagem
hemodinâmica em 99 pacientes com risco de isquemia do
miocárdio ou instabilidade hemodinâmica no intra-operatório
de cirurgia vascular, torácica e visceral.6 Houve alteração na
terapêutica farmacológica e na fluidoterapia em 47 % e 24 %
dos pacientes, respetivamente. O ETE teve um impacto significativo na terapêutica farmacológica em pacientes com
alterações da contractilidade segmentar e nos pacientes com
insuficiência cardíaca esquerda, conhecida no pré-operatório.
Houve instituição ou alteração da terapêutica vasodilatadora em 55 % dos pacientes e da terapêutica vasopressora em
43 %. A terapêutica vasodilatadora teve sucesso nas alterações da motilidade segmentar em 13 pacientes.6 O ETE pareceu ser particularmente importante nos pacientes com hipertensão arterial pulmonar (n=11) e insuficiência cardíaca direita
(n=28), mas o número reduzido de pacientes não permite tirar
uma conclusão estatisticamente significativa.6
Suriani et al reportaram que o ETE teve impacto na tomada de decisão em 81 % dos pacientes, no intra-operatório de
cirurgia não cardíaca, mas a população incluía apenas pacientes de alto risco.7
Num outro estudo envolvendo 50 pacientes com risco elevado de isquemia do miocárdio, 29 dos quais submetidos a
cirurgia vascular demonstrou-se a superioridade do ETE na
deteção de isquemia do miocárdio no intra-operatório.8 A deteção de alterações na motilidade parietal no intra-operatório,
foi quatro vezes superior ao da incidência de alterações do
segmento ST.8 O ETE foi particularmente importante nos casos em que o ECG não pode ser analisado, devido a perturbações da condução ou à presença de pacemaker. O valor
preditivo negativo do ETE para enfarte agudo do miocárdio
(EAM) no intra-operatório foi de 100 %.8 A detecção precoce
da isquemia pode melhorar o tratamento dos eventos isquémicos e reduzir a morbimortalidade.1,8 Segundo Mahmood et
al a falta de correlação de alterações da motilidade da parede, no peri-operatório, com EAM no pós-operatório imediato,
deve ser entendido como um argumento a favor do ETE, na
medida em se detetarmos precocemente a isquemia, podemos corrigir as variáveis que possam estar a provocá-la e impedir a ocorrência de EAM.1
Schmidin et al documentaram a realização de ETE em
1891 pacientes, por onze anestesiologistas, no pré e no pós-operatório, com o objetivo de avaliar o impacto do ETE e a
variabilidade interobservador na abordagem dos pacientes no
intra-operatório de cirurgia vascular major e cirurgia cardíaca.9 Em 49 % dos pacientes, o ETE forneceu informação que
influenciou o tratamento.9 Para as cirurgias vasculares major,
as consequências do ETE na tomada de decisão no intra-operatório consistiram sobretudo na modificação dos fármacos e
da fluidoterapia.9
As limitações do ETE advêm da natureza intermitente da
monitorização, da incapacidade de diagnosticar a isquemia se
não forem monitorizados as paredes e os segmentos adequados ou se houver alterações abruptas da pós-carga (que,
por si só, provocam alterações da motilidade da parede) e da
variabilidade interobservador.1
As complicações graves do ETE são raras desde que sejam
respeitadas as contraindicações para a técnica.6 As contraindicações absolutas incluem cirurgia esofágica prévia, doença
esofágica major (estenose, divertículo, tumor, esofagite, síndrome de Mallory-Weiss e varizes esofágicas) e compressão
vascular externa por um aneurisma da aorta torácica.6
ETE e cirurgia vascular
A dissecção da aorta e o aneurisma da aorta têm indicação para ETE, segundo a European Association of Echocadiography e o Echo Committee of the European Association of
Cardiothoracic Anaesthesiologists.3 As incidências e estruturas a observar nestas situações são: aorta ascendente, aorta
descendente e arco aórtico, em longo e curto eixo, o diâmetro
máximo aórtico, flap, hematoma intramural e líquido para-aórtico, válvula aórtica, relação entre a membrana de dissecção e os óstios coronários, derrame pericárdico e pleural,
locais de entrada e reentrada da dissecção e contraste espontâneo ou formação de trombo em falso lúmen.3
Os pacientes submetidos a procedimentos vasculares têm
um risco elevado de complicações cardíacas peri-operatórias,
devido à natureza invasiva do procedimento, assim como à
prevalência elevada de doença das artérias coronárias.10 Para
além disto, os pacientes submetidos a cirurgia da aorta torácica e abdominal estão em risco de isquemia da medula
espinhal, renal e mesentérica.11-14
Recentemente foram demonstradas alterações na função
diastólica do ventrículo esquerdo durante a clampagem da
aorta abdominal, independentemente da função sistólica.1
Segundo Hofer et al nos 33 pacientes de cirurgia vascular
(major e periférica) estudados obtiveram-se sete diagnósticos
pelo uso de ETE que determinaram intervenções peri-operatórias e avaliações adicionais no pós-operatório (21 pacientes
com doença valvular, um com cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica e um com trombo auricular).6
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
113
Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular
Schmidin et al realizaram o ETE em 187 cirurgias vasculares major.9 No grupo de pacientes submetidos exclusivamente a cirurgia vascular (n=123), houve impacto do ETE na
administração de fluidos e fármacos em 31,7 %, alteração da
cirurgia em 2,4 % e em 8,9 % foi feito um novo diagnóstico.9
Avaliação da pré-carga por ETE
No âmbito da anestesiologia para cirurgia vascular major
é importante conhecer a pré-carga do paciente, no início e
durante intervenção cirúrgica para manter uma volemia adequada. Dado que muitos destes pacientes têm insuficiência
cardíaca e podem ter grandes perdas hemáticas, o ETE pode
ter um papel importante na gestão dos fluidos administrados.
A dimensão telediastólica do ventrículo esquerdo, medido
por ETE, permite uma avaliação rápida da pré-carga do ventrículo esquerdo.15,16 Existe resposta positiva à fluidoterapia
quando a dimensão telediastólica do ventrículo esquerdo não
sofre alterações depois da administração de bolus de fluidos,
havendo concomitantemente um aumento do volume sistólico e do débito cardíaco.16
Greim et al estudaram a relação entre os índices de pré-carga, obtidos por ETE (área telediastólica, e área sistólica
em telediástole, do ventrículo esquerdo, em curto eixo), e o volume sistólico calculado a partir do débito cardíaco obtido por
termodiluição, em 16 pacientes ventilados na UCI. Por existir
uma estabilidade na relação entre eles, para vários valores
de índice cardíaco, este estudo apoia a utilização do ETE para
monitorização da pré-carga no doente crítico.17
O ETE também pode ser usado para avaliar a pressão telediastólica do VE (LVEDP) por intermédio de índices derivados
do Doppler pulsado transmitral, velocidade de propagação do
fluxo transmitral (Vp) e velocidade de Doppler tecidular anular
mitral.18 A razão entre a velocidade de enchimento precoce
transmitral (E), avaliada por Doppler pulsado, e a velocidade
diastólica precoce do anel mitral (E’), obtida com Doppler tecidular; ou a razão entre a velocidade E e Vp (E/Vp) podem ser
usados para prever a LVEDP.19 O estudo do anel mitral com
Doppler tecidular é mais rigoroso para estimativa das velocidades do que o fluxo transmitral em pacientes com função
sistólica normal, por ser menos dependente da volemia.20,21
O índice de Tei ou índice de performance do miocárdio (IPM)
é um índice obtido por Doppler da função global do miocárdio,
que consiste no quociente entre o somatório do tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV) mais o tempo de contração
isovolumétrico (TCIV) e o tempo de ejeção (FC) [(TRIV+TCIV)/
FC].22-24 O prolongamento deste significa que o débito cardíaco é baixo, por aumento do TCIV ou TRIV ou por redução
do tempo de ejeção. 22-24 Quando um paciente tem um IPM
aumentado, o ETE permite identificar qual é a fase do ciclo
cardíaco que está afetada, orientando assim as intervenções
terapêuticas.22-24
114 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
ETE nos aneurismas e dissecções da aorta
A utilização do ETE nas cirurgias de aneurismas ou de dissecções da aorta apresenta vantagens tanto no pré-operatório, como no pós-operatório. No intra-operatório, o ETE, contribui para alteração das abordagens anestésica e cirúrgica.7,25-29
Sommer et al estudaram 49 pacientes sintomáticos com
suspeita clínica de dissecção da aorta.7 A investigação diagnóstica foi realizada com ETE multiplanar, Tomografia Computorizada (TC) helicoidal com contraste e ressonância magnética. A sensibilidade na deteção de dissecção da aorta torácica
foi de 100 % para todas as técnicas. A especificidade foi de
100 %, 94 %, e 94 % para a TC helicoidal, ETE multiplanar e
ressonância magnética, respetivamente.7 Na avaliação do envolvimento do arco aórtico, a sensibilidade do ETE multiplanar,
da TC helicoidal, e da ressonância magnética foi de 93 %, 60 %
e 67 %, e a especificidade foi 97 %, 85 % e 88 %, respetivamente.7 A TC helicoidal e a ETE multiplanar são igualmente
válidas na detecção de disseção da aorta torácica. Na avaliação das ramificações supra-aórticas, a TC helicoidal é superior
(P <0.05).7
Ayyash et al demonstraram que o ETE pode ser útil na escolha da via de abordagem na cirurgia da aorta torácica. Assim,
em 12 dos 25 casos (n=500) em que optaram por cateterização axilar, subclávia ou inominada, o ETE contribuiu para
essa escolha ao demonstrar ateromatose móvel com potencial para embolização durante perfusão retrógrada através da
artéria femoral.7
A avaliação da dissecção da aorta no intra-operatório é
importante porque a má perfusão dos ramos visceral ou cervical, a extensão da dissecção para a aorta ascendente e o
hematoma peri-aórtico muitas vezes necessitam de cirurgia
adicional, para a qual a orientação do ETE é importante.25 O
ETE tem uma valor elevado na dissecção da aorta no intra-operatório porque constitui a única forma de diagnóstico,
para além da visualização direta da parede da aorta.25
Gamos et al detetaram um caso de dissecção retrógrada,
diagnosticado por ETE, durante uma cirurgia eletiva de aneurisma da aorta, depois da desclampagem da aorta. Foi decidido um tratamento conservador da dissecção porque não
havia sinais de sofrimento de órgão e o doente encontrava-se
bem do ponto de vista hemodinâmico.25
Lafrati et al documentaram a alteração da abordagem intra-operatória em nove de 17 pacientes submetidos a cirurgia
de aneurisma toraco-abdominal, devido à utilização do ETE.26
Em dois pacientes detetou-se insuficiência da válvula mitral e
noutro observaram-se alterações da motilidade da parede induzidas por isquemia aguda. Em seis pacientes, foram observadas alterações hemodinâmicas significativas, que o cateter
arterial pulmonar (CAP) não identificou (cinco pacientes estavam hipovolémicos e hiperdinâmicos e um estava em insuficiência cardíaca congestiva). Num paciente que tinha função
ventricular normal antes da clampagem da aorta, a pressão
arterial sistémica diminuiu muito depois da clampagem. O
ETE mostrou uma grande dilatação do ventrículo esquerdo e
hipocinésia global. A administração imediata de agentes ino-
Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular
trópicos, com reposição mínima de fluidos melhorou a contractilidade e conduziu à estabilidade do doente. No momento da desclampagem, também se verificaram discrepâncias
entre a pressão na artéria pulmonar e as imagens ecocardiográficas. Depois da desclampagem, as pressões da artéria
pulmonar estiveram elevadas (aumento médio de 5mmHg).
O ETE mostrou um ventrículo esquerdo hiperdinâmico e de
pequenas dimensões, indicativos de volémia inadequada.26
Gillespie et al monitorizaram a pressão de oclusão da artéria pulmonar com CAP e o volume diastólico do ventrículo esquerdo com ETE a duas dimensões, em 22 pacientes
submetidos a correção cirúrgica de aneurisma da aorta abdominal, antes, durante e depois da oclusão da aorta.27 As
imagens de ETE foram obtidas a nível mesopapilar. A pressão
de oclusão da artéria pulmonar correlacionou-se com a área
telediastólica do ventrículo esquerdo, mas a correlação não
foi forte (r=0.37, P <0.0001). Para o mesmo paciente a POAP
foi constante durante variações grandes da área telediastólica do ventrículo esquerdo. A força da correlação foi cada vez
menor, com o decurso da cirurgia após a desclampagem aórtica (r=0.25, P=0.005).27
D’Angelo et al estudaram sete pacientes por ETE e cateterismo arterial pulmonar, submetidos a cirurgia de aneurisma
da aorta abdominal por via laparoscópica e questionaram a
fiabilidade das avaliações obtidas pelo CAP durante o pneumoperitoneu.28 A insuflação aumentou a pressão diastólica
da artéria pulmonar e a pressão venosa central. Contudo, o
estado de volume não variou, como foi sugerido pela área
diastólica final e pela pressão capilar pulmonar.28 O ETE é um
dispositivo de monitorização independente da pressão intratorácica e pode ser suficiente para a avaliação do estado de
volume, com o benefício de detetar alterações da motilidade
da parede. Qualquer efeito adverso do pneumoperitoneu, na
pré-carga ou na contractilidade ventricular, é rápida e imediatamente identificado.28
A alteração rápida da volemia, durante a cirurgia da aorta,
impossibilita a utilização da avaliação convencional da função
diastólica através da ecocardiografia.29 Mahmood et al realizaram um estudo observacional prospetivo com 45 pacientes
e verificaram uma correlação excelente entre a razão E/A e
a velocidade da propagação do fluxo transmitral (Vp) para o
diagnóstico de disfunção diastólica (24/25 casos) e padrão
pseudonormal (18/20 casos), em pacientes submetidos a cirurgia eletiva de aneurisma da aorta abdominal.29
ETE na cirurgia endovascular da aorta
As vantagens do ETE durante a cirurgia da aorta por via endovascular são: otimização da abordagem anestésico-cirúrgica, diminuição da necessidade de administração de contraste
endovenoso com redução do risco de lesão renal, e diminuição
da exposição à radiação.30,31
A informação obtida por ETE permite a melhoria da técnica
cirúrgica, a redução do tempo operatório e uma resposta mais
adequada às alterações hemodinâmicas na cirurgia endovascular da aorta. Inclui:
- Morfologia aórtica, como a extensão do aneurisma, a dimensão da aorta, diâmetro interno do local de ancoragem
do enxerto (área de secção de corte ou cálculo do diâmetro,
quando não é redonda) e a condição da íntima, antes dos procedimentos.30,32,33 Para evitar que o diâmetro interno da aorta
seja subestimado, Oriasi et al consideram a túnica média da
aorta para medição do diâmetro, quando existem placas de
ateroma.32
- Determinação do tamanho do enxerto.32
- Avaliação da doença primária e patologia coexistente
(aneurismas adicionais e placas ateroscleróticas) na aorta torácica e abdominal superior.33 O estudo de Ayyash et al com
880 pacientes favorece a cateterização femoral para cirurgia da aorta, com boa taxa de sobrevivência, baixa taxa de
AVC, taxa de rotura ou disseção relacionadas com a perfusão
e isquemia dos membros inferiores mínima. A detecção de
aterosclerose grave da aorta descendente ou abdominal, com
formas predominantemente móveis (risco de embolização
retrógrada de componentes aórticos móveis), durante o ETE
intra-operatório levou à cateterização axilar.25 O cateterismo
axilar está associado a complicações graves em 14 % dos pacientes e obriga à recolocação da cânula numa posição femoral ou central em 11 % dos casos.25
- Orientação da colocação do enxerto na aorta descendente, pela localização do cateter e sistema de entrega, sem lesão da íntima, minimizando o risco de paraplegia e evitando
o endoleak.30-33 A angiografia peri-operatória está associada
a um registo de imagem incorreto com os movimentos do paciente (respiratórios ou outros), o que pode resultar em pequenos erros na colocação final do enxerto.31
- Evitação da obstrução acidental das artérias intercostais
pelo enxerto.30
- Deteção da persistência de fluxo de sangue fora do enxerto e no interior do saco aneurismático (leak), que pode acontecer em 20 % das cirurgias endovasculares da aorta (EVAR)
para aneurismas da aorta abdominal.30,31,33 Numa série de
25 pacientes submetidos a EVAR da aorta descendente, oito
tinham endoleaks. Todos foram detetados por ETE, no intraoperatório, mas a angiografia identificou somente dois.30 No
pós-operatório, a sensibilidade do ETE para leak endovascular
é 100 %, idêntico à TC e à angiografia.30
- Deteção precoce da dissecção retrógrada iatrogénica da
aorta ascendente, após cirurgia endovascular da aorta torácica (TEVAR).33,34 Esta complicação acontece em 1,3 a 17,8 %
dos casos.34-36 Williams et al consideram a avaliação da aorta ascendente por ETE obrigatória, porque em três dos 309
TEVAR estudados permitiu a deteção inicial de dissecção e
foi confirmatório num outro, previamente identificado por angiografia.34
- Avaliação do compromisso da função ventricular secundária às variações hemodinâmicas que ocorrem durante a
colocação do enxerto.33
- Avaliação da posição do enxerto, na Unidade de Cuidados
Intensivos, em pacientes com hipertensão arterial persistente,
que desenvolvem gradiente de pressão entre os membros superiores e os membros inferiores (> 50 mmHg).28
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
115
Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular
- Avaliação da formação de trombo peri-enxerto, no pós-operatório.30
Devido à interposição da traqueia e do brônquio direito entre o esófago e a aorta, a visualização da porção distal da
aorta ascendente e do arco aórtico proximal pode ser limitada.30,31 Pode existir também uma interferência significativa
causada pela sonda do ETE durante a fluoroscopia da aorta; o
ETE só pode ser utilizado entre os exames fluoroscópicos.30,31
Depois da colocação do enxerto, a exclusão do fluxo da
aorta para o aneurisma pode ser confirmada facilmente aplicando doppler de cor ao fluxo, na maioria dos pacientes.30,33
Para a deteção de endoleaks de baixo fluxo Swaminethan et
al reduziram a velocidade de aliasing do Doppler do fluxo de
cor para 20-30 cm/s.33
ETE e lesões traumáticas da aorta
O ETE pode ser utilizado tanto para o diagnóstico de lesões
traumáticas da aorta, como para monitorização no intra-operatório e no pós-operatório.2,7,37
A sensibilidade e a especificidade da ETE multiplanar para
deteção de patologia da aorta é de 93 % e 100 %, respetivamente.2
Goarin et al estudaram, por angiografia e ETE, 209 pacientes com suspeita de lesão traumática da aorta, por ter havido
desaceleração abrupta e/ou por se constatar alargamento do
mediastino, e concluíram que a especificidade em ambos os
casos é de 100 % e a sensibilidade de 83 % e 98 %, respetivamente.37 Nos pacientes com lesão aórtica major (n=33) a
sensibilidade (97 %) e a especificidade (100 %) foram iguais.37
Metaxa et al realizaram um estudo sobre a aplicação do
ETE em pacientes com lesões traumáticas da aorta, submetidos a cirurgia endovascular. Em cinco dos 14 pacientes, foi
realizado ETE depois da indução, de acordo com as guidelines da American Society of Echocardiography / Society of
Cardiovascular Anestesiologists. O ETE mostrou ser uma modalidade de imagem válida no contexto do intra-operatório
da correção endovascular de patologia da aorta torácica.7 É
o método mais sensível para deteção de endoleaks no peri-operatório e no período imediato após colocação do enxerto
e suplementa, por vezes ultrapassa, a angiografia na avaliação imagiológica da aorta.7 A angiografia apenas permite a
visualização indireta da parede da aorta, enquanto a ETE deteta tanto o fluxo de sangue como os detalhes morfológicos
da parede do vaso.7
A ecocardiografia ainda não foi formalmente validada no
diagnóstico das complicações da correção endovascular de
lesão fechada da aorta.37 Segundo o estudo realizado por
Goarin et al, a ecocardiografia tem uma acuidade diagnóstica de 100 % na identificação de posicionamento incorreto do
enxerto, no traumatismo fechado da aorta.37 O enrolamento
ou colapso do enxerto pode levar a síndrome de coartação
funcional, com manifestações desde ausência absoluta de
sintomas até paraplegia e insuficiência renal permanente.37
116 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
ETE e tromboembolismo
As guidelines atuais sobre a utilização do ETE, no peri-operatório, propostas pela American Society of Echocardiography
e a Society of Cardiovascular Anesthesiologists consideram a
embolectomia pulmonar uma indicação de classe II.38
O ETE pode desempenhar um papel importante no diagnóstico (localização e caracterização da extensão do tromboembolismo) e apoio à abordagem cirúrgica (escolha do
local de clampagem da aorta e identificação de fenómenos
embólicos intra-operatórios).38-40
Rosenberg et al realizaram ETE em 46 pacientes antes da
embolectomia pulmonar. A sensibilidade do ETE foi de 46 %.
A sensibilidade para localização do tromboembolismo numa
localização particular da artéria pulmonar foi de apenas 26 %
(17 % para a artéria pulmonar esquerda e 35 % para a artéria
pulmonar direita).38 O ETE, no intra-operatório, é limitado no
diagnóstico por visualização direta, mas a evidência indireta
(desvio do septo interauricular para a esquerda, disfunção
ventricular direita e regurgitação tricúspide, moderada ou grave, em 98 %, 96 % e 50 % dos casos, respetivamente) pode ser
útil no diagnóstico de embolismo pulmonar.38 A evidência de
embolia pulmonar por ETE pode ser suficiente para prescindir
de outros testes de diagnóstico e iniciar terapêutica.38 O valor
preditivo negativo no peri-operatório é baixo. Na suspeita de
embolismo pulmonar e ETE negativo, está indicada a realização de investigação adicional e terapêutica dirigida.38
Loubser reportou um caso de um doente com história de
fibrilação auricular, com oclusão embólica aguda da artéria
femoral direita, submetido a embolectomia que, durante o
encerramento cirúrgico, deixou de ter pulso femoral direito
palpável. Nas imagens de ETE confirmou-se o deslocamento do trombo intacto do apêndice auricular esquerdo para a
aurícula esquerda e câmara de saída do ventrículo esquerdo,
em direção à artéria femoral. Neste doente, o ETE no intra-operatório teve impacto em 4 parâmetros do prognóstico:
diagnóstico, desempenho do tratamento médico, deteção de
complicações e intervenção cirúrgica.40 Na presença de um
trombo grande no apêndice auricular esquerdo, deve existir
cuidado na manipulação da sonda de ETE.40
ETE e tumores da veia cava inferior
Nas cirurgias de tumores da veia cava inferior, o ETE permite visualizar a extensão total do tumor, permitindo orientar a
abordagem cirúrgica e verificar se o tumor foi completamente
excisado, antes do encerramento da parede abdominal.41,42
Cywinski et al descreveram um caso clínico de um paciente proposto para resseção cirúrgica de tumor renal esquerdo
com extensão à veia cava inferior, em que o ETE evitou a ressecção incompleta do tumor.41
Segundo Little et al num paciente com uma massa pélvica,
com extensão ao longo da veia cava inferior até à aurícula
direita, o ETE das câmaras de entrada e de saída do ventrículo
direito, realizado depois do encerramento da veia cava inferior,
Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular
mostrou um resíduo tumoral alojado nas cordas do folheto
septal da válvula tricúspide, flutuante no trato de saída do
ventrículo direito.42
A Anestesiologia e o ETE no intraoperatório
Mahmood et al publicaram um artigo em 2008 segundo o
qual apenas 50 % dos anestesiologistas cardíacos, no Canadá, e 23 % dos anestesiologistas nos EUA têm treino específico na realização de ETE intra-operatório.1 Segundo estes
autores, a falta de evidência de que o ETE tem impacto terapêutico durante a cirurgia não cardíaca de alto risco, deve-se
à sua utilização apenas numa minoria de pacientes e à capacidade reduzida de interpretação pelos anestesiologistas.1
Conclusão
O valor da utilização do ETE, no peri-operatório da cirurgia
vascular major, no que se refere tanto à abordagem anestésica como cirúrgica, é a favor da sua utilização.
Quando o anestesiologista, que exerce as suas funções no
âmbito da cirurgia vascular, sabe fazer ETE, tem a capacidade
de proporcionar melhores cuidados aos seus pacientes, logo
esta formação deverá ser privilegiada.
A informação recolhida aponta para um impacto positivo
no prognóstico dos pacientes mas são necessários mais estudos com amostras maiores para comprovar este facto.
O custo associado à aquisição do ecógrafo com sonda transesofágica constitui uma limitação importante à generalização desta prática.
Agradecimentos
Um muito obrigado à Professora Doutora Ana Almeida, Assistente Hospitalar Graduada de Cardiologia no Centro Hospitalar de Lisboa Norte.
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Artigo de Revisão // Review
Estimulação Cerebral Profunda no Controlo da Dor
David Nora 1, Ana Isabel André 2, Fernanda Palma Mira 3, Cristina Ferreira 4
Palavras-chave:
- Estimulação Cerebral Profunda;
- Controlo da Dor;
- Craniotomia;
- Sedação Consciente
Resumo
A estimulação cerebral profunda consiste na aplicação de estímulos elétricos em
alvos neuronais subcorticais (através de elétrodos de estimulação parenquimatosos
intracranianos) e tem tido uma aplicação crescente no controlo da dor. Constituem
objetivos deste trabalho, uma revisão sobre os fundamentos da técnica, suas indicações
e seleção de doentes e uma análise sobre a abordagem anestésica perioperatória.
Procedeu-se a uma pesquisa online (PubMed) e as referências consideradas relevantes
foram selecionadas e revistas.
A estimulação cerebral profunda induz uma modulação descendente inibitória e diminui
a hiperexcitabilidade neuronal. Está indicada em doentes cuja sintomatologia álgica é
refratária à terapêutica convencional ou na presença de efeitos farmacológicos adversos
graves. A seleção de doentes deve ser multidisciplinar. A colocação dos elétrodos
intracranianos realiza-se por craniotomia com técnica estereotáxica e a maioria dos
casos é feita com o doente acordado, durante todo o procedimento ou parcialmente,
com o intuito de usar a monitorização clínica para obter maior exatidão na localização
dos alvos terapêuticos e para vigilância de complicações. Não existe, porém, evidência
de superioridade de nenhuma técnica anestésica. A utilização de target controlled
infusion com propofol e/ou remifentanilo, pela titulação mais exata do efeito sedativo, e
a dexmedetomidina, pelo seu perfil farmacodinâmico, são conceptualmente promissores
na abordagem intraoperatória destes doentes.
A taxa de sucesso varia entre 19 % e 79 % e a incidência de complicações perioperatórias
entre 12 % e 16 %. O anestesiologista deve proporcionar condições cirúrgicas ótimas com
conforto para o doente, facilitar a monitorização e diagnosticar e tratar precocemente
complicações.
Deep Brain Stimulation to Control Pain
David Nora 1, Ana Isabel André 2, Fernanda Palma Mira 3, Cristina Ferreira 4
Keywords
- Deep Brain stimulation;
- Pain Management;
- Craniotomy;
- Conscious Sedation
Abstract
Deep brain stimulation applies electrical stimuli to subcortical targets (through
intracranial parenchyma pacing) and it has been increasingly used for pain control. The
purpose of this study is to review the fundamentals of the technique, its indications and
patient selection and perform an analysis on the perioperative anesthetic management.
An online search (PubMed) was conducted. Relevant references were selected and
reviewed.
Deep brain stimulation induces a descending inhibitory modulation pathway and
decreases neuronal hyperexcitability. It is indicated in patients whose symptomatology
is refractory to conventional therapy or in presence of serious adverse pharmacological
effects. The selection of patients should be multidisciplinary. Intracranial electrodes
placement is performed by craniotomy using a stereotactic technique. Most cases are
undergone with an awake patient, during the whole procedure or partly, with the intention
of using clinical monitoring for greater accuracy in the localization of therapeutic
targets as well as for detecting potential complications. There is, however, no evidence
of superiority of any anesthetic technique. The use of target controlled infusion with
propofol and/or remifentanil, which allows a more accurate titration of sedation, and
dexmedetomidine, due to its pharmacodynamic profile, are conceptually promising for
intraoperative management.
The success rate varies between 19% and 79% and the incidence of perioperative
complications between 12% and 16%. The anesthesiologist should simultaneously
provide optimal surgical conditions and comfort to the patient, minimize interference
with monitoring and diagnose and promptly treat complications.
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
119
Estimulação cerebral profunda no controlo da dor
1
Médico, Interno de Anestesiologia, Serviço de Anestesiologia, Centro
Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal.
2
Médica, Assistente Hospitalar de Anestesiologia, Serviço de Anestesiologia,
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal.
3
Médica, Assistente Hospitalar Graduada de Anestesiologia, Serviço de
Anestesiologia, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal.
4
Médica, Chefe de Serviço de Anestesiologia, Serviço de Anestesiologia,
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
A primeira referência à estimulação elétrica enquanto
método analgésico data do antigo Egipto, com a utilização
terapêutica de peixes produtores de descargas elétricas.1 O
contínuo progresso científico ocorrido desde então, traduziu-se no desenvolvimento da estimulação de nervos periféricos no século XIX2 e nas primeiras descrições de neuroestimulação intracraniana,1,3 levadas a cabo por Heath e Pool,
em 1954 e 1956, respetivamente. A ausência de eficácia a
longo prazo contribuiu, porém, para o pouco entusiasmo da
comunidade científica da época. Os anos 60 e 70 do século
passado trouxeram uma melhor compreensão sobre a fisiologia do sistema nervoso central (SNC) e sobre o mecanismo de
ação da neuroestimulação – com a publicação da “gate control theory” por Melzack e Wall – o que fez ressurgir a técnica.
O desenvolvimento tecnológico no campo da imagiologia e
da técnica cirúrgica, o aparecimento de novos instrumentos
de monitorização cerebral e o aprofundar do conhecimento
sobre a anatomofisiologia do SNC, com a definição de novos
alvos anatómicos terapêuticos, proporcionaram a génese de
diversas modalidades de neuroestimulação. O avolumar de
experiência com a estimulação cerebral profunda (ECP) em
doentes com patologia do movimento,4 com resultados favoráveis reconhecidos, transformou esta técnica numa alternativa off-label cada vez mais utilizada no tratamento de doentes com dor crónica.3,4
Constituem objetivos deste trabalho, uma revisão sobre
os fundamentos da técnica, suas indicações e seleção de
doentes e uma análise sobre a abordagem anestésica perioperatória. Procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica online
(PubMed), com as palavras-chave “deep brain stimulation” e
“pain” ou “deep brain stimulation” e ”anestesia", restringindo
os resultados a revisões, meta-análises e editoriais publicados nos últimos 10 anos, que incluíssem uma das combinações de palavras-chave no título. Obtiveram-se 39 trabalhos
com as palavras-chave “deep brain stimulation” e “pain” e 7
com as palavras-chave “deep brain stimulation” e “anesthesia”. Selecionaram-se os artigos cujo resumo mostrava um
conteúdo concordante com os objetivos deste trabalho. A bibliografia dos artigos considerados relevantes foi verificada,
selecionando-se adicionalmente as referência cujo conteúdo
se adequava aos objetivos descritos.
ANATOMO-FISIOLOGIA E MECANISMO DE AÇÃO
A estimulação cerebral profunda (ECP) é uma técnica minimamente invasiva que consiste na aplicação de estímulos
120 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
elétricos em alvos neuronais subcorticais.
As regiões parenquimatosas alvo recomendadas são a
substância cinzenta periventricular (SCPV) e periaqueductal
(SCPA) – para o tratamento da dor nociceptiva1,3 – e o complexo ventrobasal do tálamo e o braço posterior da cápsula
interna (CI) – para o tratamento da dor neuropática.1 A escolha do local a estimular deve basear-se na clínica do doente
– podendo nos casos de dor mista proceder-se à estimulação
em ambas as localizações – e na experiência institucional,
estando descritos casos bem-sucedidos com outros alvos terapêuticos.1,2
O mecanismo de ação da ECP é apenas parcialmente conhecido e os seus efeitos são variáveis consoante o local de
estimulação.4 No âmbito da terapêutica da dor, postula-se
que a estimulação de estruturas subcorticais induz uma resposta descendente inibitória,1 cujas vias vão modular a transmissão nociceptiva a nível medular, à semelhança do descrito
na “gate control theory”, mas com regulação supraespinhal.
Esse efeito resulta da libertação de endorfinas no cordão posterior da medula e da ativação de sistemas serotoninérgicos.1
A ativação do sistema nervoso autónomo, variações do fluxo
cerebral regional,5 um aumento da atividade GABAérgica,6 o
bloqueio de vias ascendentes espinotalâmicas e espinorreticulares, a estimulação de vias inibitórias reticulotalâmicas7 e
uma diminuição da hiperexcitabilidade neuronal8 são outros
mecanismos descritos, este último com possível relevância
terapêutica na dor neuropática.
INDICAÇÕES, SELEÇÃO DE DOENTES E TÉCNICA
CIRÚRGICA
A ECP é considerada uma alternativa terapêutica em doentes com dor crónica refratária a medidas farmacológicas.1-3
Apesar da experiência clínica em casos isolados ou pequenas séries e da experimentação animal, não existem estudos
publicados com nível de evidência suficiente para a sua recomendação como terapêutica de primeira linha. O elevado
custo associado2 é outro obstáculo à sua aplicação – a referência para uma relação custo-benefício favorável de uma
terapêutica de neuroestimulação crónica é 3 anos.9
A insuficiente evidência científica contribui também para a
dificuldade de estabelecimento de critérios objetivos de seleção de doentes.1,2 Para além das indicações de refratariedade terapêutica e/ou efeitos adversos farmacológicos, é indispensável uma avaliação psicológica, que exclua distúrbios
de personalidade e garanta uma compreensão dos riscos e
potenciais benefícios do tratamento e das suas implicações
nos períodos peri e pós-operatório.10 Como tal, deve ser uma
equipa multidisciplinar a proceder à seleção de doentes, após
analisar as particularidades médicas, neurocirúrgicas, anestésicas, psicológicas e sociais de cada caso. Após uma análise
risco/benefício individualizada, podem considerar-se contraindicações para a ECP, as situações em que haja um aumento
significativo do risco cirúrgico (coagulopatia, sépsis) ou do risco
de mau funcionamento do aparelho de estimulação (terapêu-
Estimulação cerebral profunda no controlo da dor
tica concomitante com diatermia) e aquelas em que o benefício da terapêutica é limitado (demência e outros défices
cognitivos).11
O sistema de estimulação é constituído por três elementos
base: um ou mais elétrodos intraparenquimatosos (com sistema de fixação ao crânio acoplado11), um neuroestimulador e
um ou mais cabos de ligação entre ambos.4
O procedimento cirúrgico envolve duas fases:4 a primeira
corresponde à inserção e fixação dos elétrodos intraparenquimatosos e a segunda engloba a implantação do neuroestimulador no território subcutâneo infraclavicular ou da parede
abdominal e a tunelização e conexão dos cabos de ligação.
Apesar de não haver evidência sobre o intervalo de tempo
ideal entre as fases, é frequente um período de testes com
duração variável – 3 dias a 2 semanas – entre ambas, possibilitando uma programação da estimulação individualizada,
mais eficaz e com menos efeitos adversos.
A inserção dos elétrodos requer uma acuidade elevada,
sendo realizada mediante uma técnica estereotáxica e sob
monitorização intraoperatória eletrofisiológica e clínica.3,4,7,11,12
O procedimento inicia-se com a colocação de uma armação
rígida craniana, a que se segue uma avaliação imagiológica
por tomografia computorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). Deste modo, definem-se a localização do(s) alvo(s)
terapêutico(s) e o conjunto de coordenadas tridimensionais
que possibilite uma orientação precisa dos instrumentos cirúrgicos através da armação estereotáxica. Já no bloco operatório e após posicionamento e fixação da armação rígida
à marquesa da sala, procede-se à perfuração da calote e à
introdução do(s) elétrodo(s). A monitorização eletrofisiológica
possibilita a identificação das várias regiões que vão sendo
atravessadas, em função da análise da frequência das descargas neuronais espontâneas, específicas para cada alvo
terapêutico. A monitorização clínica, que engloba um conjunto
de provas neuropsicológicas, permite confirmar se a ativação
do(s) elétrodo(s) provoca alívio sintomático e vigiar sinais de
alerta.
ABORDAGEM ANESTÉSICA
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
Estabelecida a proposta para ECP, existem aspetos-chave
do doente e do procedimento a avaliar pré-operatoriamente.
O diagnóstico primário e a terapêutica farmacológica para
tal instituída devem ser alvos de uma análise cuidada. No caso
das patologias do movimento, está descrito que a interrupção
da terapêutica farmacológica pode facilitar o mapeamento
eletrofisiológico e clínico intraoperatório;4,11 este estado drug-off permitiria uma colocação mais exata dos elétrodos, mas
à custa de um agravamento sintomático perioperatório. Não
existem recomendações sobre a manutenção da analgesia
ambulatória no período perioperatório, podendo tal depender
de uma avaliação individualizada e das práticas institucionais.
A revisão de órgãos e sistemas deve ser sistemática, mas
focar-se em aspetos com particular relevância para o procedimento. É fundamental garantir o controlo da pressão arterial
para minimizar o risco hemorrágico, pelo que a terapêutica
antihipertensora deve ser continuada.11 No mesmo sentido, a
antiagregação e a anticoagulação devem ser interrompidas
se o risco cardio ou cerebrovascular o permitir; caso contrário,
é prudente programar uma terapêutica de substituição com
o apoio da Cardiologia, ponderando até que ponto o risco
da alteração farmacológica não ultrapassa o benefício que
a ECP pudesse trazer. Se está programada a realização de
RM para apoio imagiológico, deve ser descartada a presença
de material ferromagnético, como pacemaker ou cardioversor-desfibrilhador implantado, implantes cocleares ou clips
aneurismáticos.11
No planeamento da cirurgia com o doente acordado, devem confirmar-se a preparação e a capacidade psicológica do
doente para suportar uma intervenção de longa duração, num
posicionamento estanque e com a necessidade de colaborar
durante a mesma.4 A utilização da armação estereotáxica e
a previsível dificuldade de acesso ao doente no decorrer do
procedimento tornam mandatória uma avaliação rigorosa
da via aérea, com planeamento principal e alternativo para a
abordagem da mesma.
A medicação pré-anestésica deve ser usada cuidadosamente; uma ansiólise adequada contribui para uma maior
tolerância ao procedimento, com menor repercussão hemodinâmica, o que reduz o risco hemorrágico; por outro lado,
pode comprometer a colaboração do doente, a capacidade
de manutenção da via aérea e interferir com a monitorização
eletrofisiológica intraoperatória.4,11
ABORDAGEM INTRAOPERATÓRIA
Os objetivos anestésicos para o período intraoperatório são
proporcionar condições cirúrgicas ótimas com conforto para o
doente, facilitar a monitorização e diagnosticar e tratar precocemente qualquer complicação.11
As técnicas anestésicas para a fase de colocação dos elétrodos incluem cuidados anestésicos monitorizados (CAM),
vários graus de sedação e anestesia geral.4,11,12 Não existe,
até agora, evidência de superioridade de nenhuma das técnicas.12 A fase de implantação do neuroestimulador com tunelização dos cabos de ligação aos elétrodos é feita geralmente
sob anestesia geral.
A maioria dos casos de colocação de elétrodos para ECP é
feita com o doente acordado, durante todo o procedimento
ou parcialmente, com o intuito de usar a monitorização clínica
para obter maior exatidão na localização dos alvos terapêuticos e para vigilância de complicações. Nestes casos, o procedimento inicia-se com a colocação do arco estereotáxico
(Fig. 1), no bloco operatório, sob anestesia local nos locais de
colocação dos pins de fixação. O bloqueio dos nervos supraorbitário e grande occipital constituiu uma alternativa à anestesia local, é menos doloroso do que a infiltração subcutânea,
mas não se traduz numa analgesia mais eficaz na colocação
do arco nem no intraoperatório.13 Pode complementar-se a
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121
Estimulação cerebral profunda no controlo da dor
anestesia local com analgesia endovenosa e/ou sedação.4
Figura 1 – Doente com arco estereotáxico em posição,
colocado sob anestesia local.
Após a colocação do arco, procede-se à avaliação imagiológica para se definirem as coordenadas de inserção dos elétrodos através do arco estereotáxico. O transporte até ao serviço
de Imagiologia deve efetuar-se sob supervisão anestésica e
têm que assegurar-se as condições de segurança e logística
para a eventual necessidade de sedação e abordagem de via
aérea num local remoto ao bloco operatório.4
Na sala operatória, o posicionamento deve assegurar o
conforto e a colaboração do doente, definindo um ponto de
equilíbrio entre o acesso cirúrgico ótimo e a garantia de patência da via aérea e de acessibilidade à mesma da parte do
anestesiologista4,11,12 (Fig. 2). A utilização de panos operatórios transparentes aumenta o conforto e facilita a comunicação verbal e visual com o doente no decorrer da intervenção.
Perante a inexistência de recomendações claras, a monitorização deve incluir os parâmetros standard,4 adequando-os às
particularidades do doente e à prática institucional. Assume
particular relevância a monitorização invasiva da pressão arterial, por permitir um controlo hemodinâmico mais rigoroso
ao longo do período perioperatório. Deve ponderar-se a necessidade de monitorização do débito urinário, contrapondo
o desconforto causado pela algaliação4 ao risco de distensão
vesical e à necessidade de uma fluidoterapia restritiva.11
Figura 2 – Posicionamento intraoperatório, com acessibilidade do
anestesiologista ao doente.
122 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
A opção por uma técnica sedativa tem como propósitos otimizar o conforto e a colaboração do doente, não influenciando
a capacidade de manutenção da via aérea e da ventilação
espontânea e sem repercussões hemodinâmicas. Os níveis
de sedação a alcançar são a sedação ligeira ou ansiólise e a
sedação moderada ou consciente,4 ambos compatíveis com
uma participação adequada do doente nas provas neuropsicológicas.
Os fármacos de utilização frequente neste contexto são
propofol, opióides, dexmedetomidina e benzodiazepinas. O
propofol é o agente mais utilizado na ECP,4 pela curta duração
de ação e por provocar uma emergência suave e previsível,
em infusão contínua, com dose média de 50 μg.kg-1.min-1 durante o procedimento.14 A utilização de target controlled infusion (TCI) é conceptualmente mais apropriada, já que permite
uma titulação mais exata do efeito sedativo em função da
fase da intervenção cirúrgica e da necessidade de colaboração do doente; concentrações plasmáticas alvo de 0,8 a 2
μg.mL-1 não interferiram com a monitorização eletrofisiológica
em doentes submetidos a ECP por patologia do movimento.15
Estão descritas crises esternutatórias associadas à sedação
com propofol.4,11,12 Os opióides são utilizados em conjugação
com propofol, particularmente o remifentanilo, em infusão
contínua (0.02-0.05 μg.kg-1.min-1),16 com ou sem sistema TCI
(1-3 ng.mL-1),17 pelo seus rápidos início de ação e metabolização e ultracurta duração de ação independente do tempo de
infusão. Os opióides não interferem com a monitorização eletrofisiológica, mas podem induzir rigidez torácica importante.
A dexmedetomidina é um agonista dos adrenorreceptores α2
que produz uma sedação consciente,4,11,17 ficando o doente
facilmente despertável à estimulação verbal. A infusão contínua em baixa dose (0,3 a 0,6 μg.kg-1.h-1)4 produz, para além
da sedação, efeitos ansiolítico e analgésico,17 não interfere
com a monitorização eletrofisiológica18 nem com a capacidade de colaboração nas provas neuropsicológicas,4,11 mantém
a estabilidade hemodinâmica,4 minimizando a utilização de
antihipertensores,19 atenua a resposta neuroendócrina à cirurgia11 e não causa depressão respiratória,17 o que o torna
um agente de excelência na ECP. Está descrita a sua utilização concomitante com propofol.12 As benzodiazepinas têm a
vantagem do efeito ansiolítico,4 mas a frequência de reações
paradoxais pode ser contraproducente, interferindo com a
resposta clínica e com a monitorização eletrofisiológica.4,11,17
Têm, por isso, vindo a ser cada vez menos usadas na ECP.
Ao longo do procedimento, pode repetir-se a infiltração com
anestésico local nos locais de fixação dos pins do arco estereotáxico, respeitando doses de segurança e intervalos de
administração. A analgesia pode ser complementada por via
endovenosa com analgésicos-antipiréticos.
A utilização do índice biespectral (BIS) para titular a sedação durante a colocação dos elétrodos de ECP é questionável.
É conhecida uma ação heterogénea dos agentes anestésicos
a nível cerebral, com dissociação cortico-subcortical,20 o que
pode causar incongruências entre o valor de BIS e as leituras
eletrofisiológicas e assim diminuir a acuidade de localização
dos alvos terapêuticos. Este efeito parece não existir com a
dexmedetomidina.4 Em sedações com propofol, a monitori-
Estimulação cerebral profunda no controlo da dor
zação com BIS não reduziu o consumo do fármaco, não se
associando a um despertar mais precoce nem a maior estabilidade cardiovascular.21
A anestesia geral pode constituir uma alternativa para os
doentes sem aptidões psicológicas para suportar o procedimento sob CAM ou sedação.11 A sua grande limitação é a
incapacidade de monitorização clínica.4 No que respeita à
monitorização eletrofisiológica, apesar de condicionada pelo
efeito inibitório dos anestésicos sobre as descargas neuronais
espontâneas, ela é possível com uma titulação cuidada dos
fármacos, idealmente com rápido início e curta duração de
ação, em infusão contínua, com ou sem sistema TCI. A aplicação de uma técnica asleep-awake-asleep pode permitir um
mapeamento eletrofisiológico intermitente, mas devem ser
levados em conta os riscos do sucessivo manuseamento da
via aérea num doente com o arco estereotáxico em posição
fixa. Está descrita a colocação de elétrodos de ECP com monitorização eletrofisiológica sob anestesia geral com manutenção com desflurano.22
ABORDAGEM PÓS-OPERATÓRIA
O período pós-operatório requer a vigilância, o reconhecimento e o tratamento de complicações, bem como a verificação da eficácia da neuroestimulação. Para tal, é necessária
uma monitorização contínua do doente, nomeadamente do
estado de consciência, capacidade de proteção da via aérea,
parâmetros ventilatórios e hemodinâmicos. O internamento
numa Unidade de Cuidados Intensivos é uma garantia de segurança para o doente e deve ser assegurado previamente
à intervenção; não tem duração mínima recomendada, variando individualmente em função da evolução clínica e da
prática institucional.
Neste período deve continuar a assegurar-se o conforto
do doente, instituindo uma analgesia eficaz e, se necessário,
baixos níveis de sedação. As necessidades analgésicas diretamente relacionadas com a intervenção cirúrgica são reduzidas mas não negligenciáveis, nomeadamente queixas álgicas ou outra sintomatologia de origem músculo-esquelética
(contractura, estiramento, zonas de pressão) relacionada com
o posicionamento estanque prolongado. Deve efetuar-se um
controlo imagiológico craniano pós-operatório e sempre que
evolução clínica o justificar.
Não está definido quando deve iniciar-se o período de testes para verificação da eficácia da neuroestimulação. É recomendável que a neuroestimulação seja iniciada apenas após
a reversão do edema reativo peri-elétrodo,3,4 que é expectável e que induz per se melhoria sintomática sem estimulação,
o que pode enviesar os resultados do processo de verificação.23 Do mesmo modo, não está esclarecido o momento e
a forma de reintrodução da terapêutica analgésica ambulatória. Caso se inicie imediatamente após a intervenção, ou
não seja de todo interrompida (terapêutica transdérmica, por
exemplo), a neuroestimulação é instituída até uma melhoria
sintomática significativa, sendo a terapêutica farmacológica
posteriormente reduzida, com ajustes no padrão de estimula-
ção se clinicamente necessário. Se a terapêutica analgésica
tiver sido interrompida, pode pesquisar-se o efeito máximo
da neuroestimulação sobre as queixas álgicas do doente e
titular-se uma terapêutica farmacológica até ao objetivo clínico desejado.
Após definição da intensidade, frequência e padrão de estimulação procede-se à implantação do neuroestimulador e
tunelização dos cabos de ligação aos elétrodos intraparenquimatosos, habitualmente realizada sob anestesia geral.11 Este
é um procedimento de muito mais baixo risco e que pode ser
realizado durante o mesmo período de internamento ou mais
tarde, em regime ambulatório ou com permanência hospitalar de curta duração.
COMPLICAÇÕES
A ECP não é isenta de riscos tanto no período perioperatório
como a longo prazo.
A incidência de complicações perioperatórias varia entre
12 % e 16 %.4,11 Dentro destas, as mais frequentes são as
neurológicas (4,5 %),24 nomeadamente, convulsões, alterações do estado de consciência e défices focais. As etiologias
são múltiplas, como a localização inexata dos alvos intraparenquimatosos, uma sedação excessiva ou a neuroestimulação per se. As complicações cardiovasculares são igualmente
destacáveis pela sua frequência (3,9 %)24 e pelo seu efeito
potencialmente devastador. Um episódio hipertensivo pode
originar uma hemorragia cerebral severa, com danos irreparáveis. Não há alvo tensional definido, mas é recomendável uma
pressão arterial sistólica < 140 mmHg ou com uma variação
< 20 % do valor basal.4 Está descrito um episódio de vasospasmo coronário durante a ECP.25 O risco de embolia gasosa
é aumentado pelo posicionamento semi-sentado. As complicações respiratórias têm uma menor incidência (2,2 %)24 mas
um potencial lesivo elevado, nomeadamente a obstrução da
via aérea, que pode associar-se a um excesso de sedativos
ou um período de agitação do doente. Outros eventos, como
acessos de tosse, esternutos, náuseas e vómitos podem comprometer a segurança e a eficácia da ECP.
Das complicações a longo prazo é relevante destacar as relacionadas com o material implantado11 – infeção, migração
ou quebra dos componentes e fim do tempo de vida útil da
bateria do neuroestimulador (2 a 5 anos). O reconhecimento destes problemas pode fazer-se, apenas, pelo reaparecimento súbito das queixas álgicas. Estão também descritas
alterações cognitivas induzidas pela ECP,11 nomeadamente
perturbações do humor, depressão e défices de memória.
RESULTADOS
A taxa de sucesso da ECP em doentes com dor crónica é
amplamente variável, entre 19 % e 79 %,3 facto ao qual a
falta de evidência não é alheia. O sucesso da intervenção parece ser tanto menor quanto maior é o período de follow-up
dos doentes. Um ano após o início da ECP, 50 % a 60 % dos
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123
Estimulação cerebral profunda no controlo da dor
doentes refere, no mínimo, um alívio moderado das queixas
álgicas.26 Os fatores que mais determinam a eficácia da técnica são a colocação dos elétrodos com exatidão e a escolha
e correta localização do(s) alvos(s) parenquimatoso(s).27 Os
resultados disponíveis apontam para uma ação terapêutica
mais eficaz na dor nociceptiva, comparativamente com a dor
neuropática.27 Do mesmo modo, o sucesso tem sido maior em
doentes com avulsão traumática dos plexos cervical e/ou braquial, neuropatia periférica e Síndrome da Cirurgia Falhada da
Coluna (Failed Back Surgery Syndrome - FBSS).3
PARTICULARIDADES EM DOENTES COM NEUROESTIMULADOR IMPLANTADO
A crescente utilização da ECP aumenta o risco dos doentes
submetidos a esta intervenção venham a ser sujeitos a um
procedimento cirúrgico posterior. A abordagem anestésica de
doentes com neuroestimuladores de ECP baseia-se na evidência e experiência alcançadas com outros dispositivos elétricos implantados.11 Tal como nestes casos, há circunstâncias
que devem ser devidamente acauteladas, pelos efeitos exercidos sobre e pela neuroestimulação.
São exemplos de situações que interferem com a ECP, a
diatermia, a utilização de eletrocautério, a eletroconvulsivoterapia (ECT) e a RM.
A diatermia está contraindicada por poder induzir lesões térmicas cerebrais graves por transferência de energia através
dos componentes do sistema de estimulação.11
A utilização de eletrocautério pode interferir com a programação do neuroestimulador implantado, induzir lesão térmica
e lesar diretamente os componentes do sistema. Estas ações
podem minimizar-se com o uso de eletrocautério bipolar, com
a menor energia e durante o menor tempo possível; o neuroestimulador pode ser desativado previamente à utilização
do eletrocautério.
A ECT pode provocar lesão térmica, desprogramar o neuroestimulador e, pelo efeito das convulsões, mobilizar os
elétrodos, afastando-os do alvo terapêutico. Está descrita a
realização de ECT em doentes sob ECP, com a colocação dos
elétrodos de ECT o mais afastados possível dos cabos tunelizados da ECP e com inativação prévia do neuroestimulador.28
A RM tem um papel relevante na preparação, no perioperatório e na vigilância de complicações. Não é, porém, isenta de
riscos, que incluem lesão térmica, efeito de tração e torção sobre os componentes metálicos do sistema ou reprogramação
do neuroestimulador. Devem ser seguidas as recomendações
do fabricante do material de ECP, que estabelecem as condições de segurança em que a RM deve ser conduzida nestes
doentes.11
Sempre que exista risco de interferência com o neuroestimulador, o correto funcionamento deste deve ser avaliado
após a intervenção.
As interferências exercidas pela neuroestimulação podem
ser visíveis no eletrocardiograma, dificultando a sua inter-
124 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
pretação29 e como artefactos imagiológicos em TC e RM.
Em relação à interferência elétrica e risco de desprogramação com PMD e CDI, ela é recíproca, mas não exclui a possibilidade de um funcionamento conjunto apropriado.30 Nos
casos de doentes propostos para ECP que já possuam PMD
ou CDI devem seguir-se as recomendações publicadas para
a abordagem perioperatória destes dispositivos.31 No caso
inverso, é recomendável a utilização de elétrodos bipolares
e a colocação do dispositivo cardíaco num local diferente do
neuroestimulador (não existem distâncias recomendadas).11
Em qualquer circunstância, deve ponderar-se se o benefício
da ECP é suficiente para suplantar o risco de interferências
elétricas e o seu potencial lesivo cardíaco. A coexistência dos
dois dispositivos deve obrigar a uma vigilância e uma revisão
funcional dos mesmos mais apertada.
A neuroestimulação periférica em bloqueios periféricos não
interfere com a ECP.11
CONCLUSÕES
É expectável que a crescente aplicação da ECP se comece a traduzir em mais estudos e publicações e que estes
contribuam para definir com clareza o papel da técnica no
tratamento da dor: indicações, seleção de doente e eficácia
absoluta e comparativa. O avolumar de experiência poderá
também traduzir-se na descoberta de novos alvos terapêuticos, na definição de parâmetros ótimos de estimulação e
numa melhor compreensão dos efeitos dos fármacos anestésicos sobre a monitorização eletrofisiológica e clínica.
Simultaneamente, o avanço tecnológico deverá concentrar-se no desenvolvimento de material mais inócuo e de técnicas
cirúrgicas que aumentem o conforto do doente, sem prejuízo
da eficácia da técnica. Constituem, um exemplo, os sistemas
de neuronavegação, que permitem a localização dos alvos terapêuticos e a colocação dos elétrodos parenquimatosos sem
a necessidade da armação rígida estereotáxica.
O papel do anestesiologista permanecerá essencial para
o sucesso da ECP. Deve manter um papel ativo na seleção
multidisciplinar de doentes, compreendendo as particularidades do doente e da técnica cirúrgica e reconhecendo e tratando atempadamente as complicações. É vital que adapte
a técnica anestésica à luz dos conhecimentos mais atuais,
adaptando-a à realidade institucional e assim contribuindo
ativamente para a segurança e bem-estar dos doentes.
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Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
125
Perspetiva // Perspective
As Plantas na História da Dor
Joaquim J. Figueiredo Lima
Palavras-chave:
- Anestesia;
- Dor/história;
- Interações Planta-Medicamentos;
- Plantas Medicinais
Resumo
Nesta revisão pretende-se elaborar uma síntese sobre a utilização das plantas na história
da Medicina desde as mais remotas civilizações até à atualidade. Releva-se a necessidade
de aquisição de conhecimentos sobre a utilização de fitoquímicos e potenciais interações
farmacológicas, especialmente em Anestesiologia e em Cirurgia, e o controlo de qualidade
dos produtos consumidos sob a forma de suplementos alimentares.
The Plants in the Pain History
Joaquim J. Figueiredo Lima
Keywords:
- Anestesia;
- Herb-Drug Interactions;
- Pain/history;
- Plant Extracts;
- Plants, Medicinal
Summary
This literature review aims to develop an overview on the use of plants in the history
of medicine from the most remote civilizations to the present day. There is a need for
the acquisition of knowledge about herbal medicine and pharmacological interactions,
especially in areas such as Anesthesiology and Surgery, and quality control of the
products consumed in the form of nutritional supplements.
¹ Chefe de Serviço de Anestesiologista - Lisboa, Portugal
A dor foi um fenómeno transversal a todas as civilizações e
para a qual se procuraram encontrar explicações conceptuais.
Durante muitos séculos a relação entre saúde-doença-dor-sofrimento foi fundamentada em conceitos teosóficos. A doença e a dor surgiriam como castigo divino imposto por deuses ou
por demónios na sequência de uma rutura nas relações que os
humanos teriam assumido com tais divindades!1
Nas sociedades europeias a Dor foi durante muitos séculos
encarada como punição divina, necessária para purificação do
espírito e do corpo. Daí que as tentativas para aliviar a Dor, o
sofrimento e a doença, usando ervas, cataplasmas, compostos químicos, etc., fossem considerados atentados contras os
dogmas, tal como as bruxarias, as magias ou os rituais xamânicos e, severamente perseguidas e punidas.2,3
O papel dos curandeiros, magos ou feiticeiros baseava-se
na identificação da personagem sobrenatural que motivava a
situação e com ele (eles) estabelecer pactos, através de oferendas, sacrifícios ou outros tipos de garantias.4
As mulheres, consideradas seres impuros desde o pecado
virginal de Eva, estiveram durante muitos séculos sujeitas a
punições se ousassem utilizar quaisquer formas de aliviar as
dores do parto que não se inserissem nos conceitos e dogmas
impostos pela religião católica: “Aumentarei grandemente a
dor da tua gravidez; em dores de parto darás à luz filhos e
terás desejo ardente do teu esposo, e ele te dominará” (Genesis 3: 16).
126 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
A dor e o sofrimento, como fenómenos transculturais, têm
sido objeto de inúmeras análises filosóficas, sociológicas e
antropológicas, que não cabem nesta reflexão. Como substrato comum a todas as sociedades existentes ao longo dos
séculos, está a seguinte premissa: o ser humano é o único ser
vivo capaz de, intencionalmente induzir dor e sofrimento mas,
também o único com capacidade para, intencionalmente conceber os meios destinados ao seu alívio!
As Plantas e as Civilizações
A relação entre o homo sapiens e as plantas não é catalogável em termos históricos, tal é a profundidade da sua
coexistência! Estudos arqueológicos permitiram calcular que
as plantas são utilizadas com objetivos medicinais desde há
cerca de 60.000 anos e documentos sumérios datados de há
cerca de 5000 a.C. referem a utilização de plantas para tratamento de doenças que afetavam os animais e os seres humanos, especialmente a “planta da alegria”, isto é, o Ópio.5-7
Os papiros oriundos da civilização egípcia referem a utilização
de plantas para fins medicinais, religiosos ou mágicos.8-10 São
conhecidos quinze papiros com conteúdos relacionados com Medicina. Fontes históricas, antiquíssimas, sobre a cultura médica
egípcia chegaram-nos através de dois documentos: o Papiro de
George Ebers e o Papiro de Edwin Smith.
O Papiro de Ebers é um documento com cerca de 25 metros,
descoberto no túmulo de uma múmia em Assasif e adquirido
pelo egiptólogo alemão George Moritz Ebers (1837-1898) em
As Plantas na História da Dor
1873. Terá sido elaborado cerca de 1500 anos a.C. e é considerado o mais relevante documento sobre a história da medicina egípcia. Ali são descritas fórmulas para tratamento de
diversas doenças ou traumatismos (dentadas de crocodilos,
queimaduras), uma farmacopeia e misturas de substâncias
vegetais, entre as quais o Ópio. Seria deste modo que Ísis,
deusa egípcia do amor e da magia, sedava o seu filho Horus,
filho da morte e da vida e deus do céu.
O Papiro de Edwin Smith foi adquirido em 1862 pelo egiptólogo Edwin Smith (1822-1906) na cidade de Luxor. É um
documento com cerca de 4,5 metros, datado de 1700 a 1600
a.C., contendo referências datadas de 3000 a.C.. A autoria é
atribuída a Imhotep (2700 a. C.), patrono dos escribas e dos
curadores, considerado o primeiro médico durante a V dinastia
dos Faraós e semideus da Medicina, equivalente à figura de
Esculápio na Grécia.
Na Grécia antiga, Hipócrates refletia sobre a relação entre a
Dor e a Doença e recorreu a plantas para aliviar o sofrimento:
Ópio, Cicuta, etc. Pela primeira vez se assumiu o alívio da dor
como um objetivo primordial.11
A Medicina Islâmica, uma das mais florescentes na história
da Medicina ocidental, tanto durante a ocupação árabe de
territórios na Europa e no Médio Oriente, como pelo conhecimento e cultura que ali deixaram quando foram forçados a
abandonar aqueles espaços. Utilizaram anestesia e analgesia
para cirurgia. A Esponja Soporífera, contendo drogas hipnóticas e analgésicas; o Ópio foi correntemente utilizado, ao contrário do Álcool; desenvolveram conceitos e técnicas cirúrgicas
inovadoras; investigaram a fitoterapia, a alquimia, a química,
o desenvolvimento de medicamentos e o conceito da farmácia. Foram investigadores, criadores de novas formas de
encarar a doença e o sofrimento, fundadores dos primeiros
hospitais e de hierarquias hospitalares, impulsionadores de
universidades, de bibliotecas e do ensino da medicina.12,13
A Medicina Chinesa foi o produto de uma grande civilização, encarada pelos ocidentais como medicina alternativa ou
como um sistema paralelo da medicina ocidental. Hua Tuo
(110-207) viveu durante a dinastia Han e na era dos Três
Reinos, foi um dos mais célebres médicos chineses, considerado o pai da Anestesia antiga, conhecido como “o curador
milagroso” e venerado nos templos taoistas. Foi, magnificamente, talentoso conduzindo a patamares muito elevados a
qualidade da medicina chinesa no século II. Ao utilizar uma
droga (ou conjunto de drogas) designada por Ma Fei San, cuja
composição se terá perdido, mas que deveria conter Cannabis, Ephedra, Datura, Angelica, Ópio e outras plantas, conseguia manter os doentes insensíveis à dor e proceder a cirurgia
intra-abdominal.14-16 Só 1600 anos depois tal seria possível
no mundo ocidental!
O Shen Nong Ben Cao Jing, livro produzido durante a dinastia Hang, cerca de 2700 a.C. é considerado a primeira
Farmacopeia Chinesa. Nele são referenciadas 356 fórmulas,
das quais 252 de origem botânica, 67 dos animais e 46 dos
minerais.
As invasões da Índia pelos povos arianos oriundos da Ásia
impuseram a divisão social por castas e as convicções reli-
giosas baseadas nos Vedas. Coube aos brâmanes, casta superior, detentora da cultura e da religião ariana, compilar em
textos sânscritos a tradição oral e as bases do Ayurveda. Distinguiram 4 Vedas: o Samavedra, o Rig Veda e o Yajur Veda,
que continham uma mescla de conceitos religiosos e médicos,
narrando práticas médicas, rituais e cultos mágicos. O quarto
Veda, Atharvaveda, referia-se à fitoterapia e a aspetos culturais da população habitante das florestas.17,18
Textos antigos referem-se a beberagens e poções com
componentes psicoativos (“soma”) que permitiam “chegar
aos deuses”. Uma das plantas utilizadas seria a Rauwolphia
serpentina ("Sarpaghanda"), como tranquilizante e como antídoto para o veneno libertado pelas picadas de serpentes.
Conta-se que Mahatma Gandhi ingeria o chá de Rauwolphia
quando desejava conseguir situações de maior concentração
intelectual. A Reserpina foi isolada desta planta e utilizada no
tratamento da Hipertensão Arterial a partir de 1950.19
No Império Romano distinguiram-se figuras como:
Aulo Cornélio Celso, cujo legado foi referenciado durante
vários séculos.
Pedanius Dioscorides, autor de um tratado de Farmacologia
utilizado até ao século XVI.
Cláudio Galeno, o mais dignificado cirurgião romano de origem grega.
Areteu de Capadócia, formado na Escola de Alexandria, que
se dedicou ao estudo da epilepsia e da diabetes.
Utilizaram plantas para alívio da dor e do sofrimento, com
relevância para o Ópio, a Mandrágora, a Atropa, o Beleno.20
No Antigo Testamento encontram-se diversas referências à
utilização de plantas: Mandrágora, Ópio, Atropa, Cevada, etc.
As Plantas na História da Dor
Theophrastus Eseris (300 a. C.-287 a. C.), considerado um
dos pais da Botânica, referiu-se à utilização de uma planta,
que por ser tão venenosa foi designada por Mandrágora de
Theophrastus ou Atropos, figura da mitologia grega responsável pela morte.21,22
Em 1700, Carl Linneus designá-la-ia por Atropa belladona,
por ser utilizada como colírio pelas senhoras europeias para
tornar os olhos mais bonitos e atraentes. A Atropa belladona
é uma planta da família das Solenaceae, que possui elevadas concentrações de Escopolamina e de Atropina. É uma das
plantas mais tóxicas existentes no hemisfério ocidental.
Hipócrates de Cos (460 a. C.-377 a. C.) preconizou o uso de
Ópio (Papaver somniferum) para alívio da dor. Referindo-se
ao Beleno (Hyoscyamus niger), afirmou que a planta induzia
alucinações e sonolência e que “os que o comem ficam sem
sentidos, remexem-se como burros e relincham como cavalos”! Terá sido um dos primeiros a utilizar a casca de Salgueiro
(Salix alba), percursor do ácido acetilsalicílico, no tratamento
da dor.
Terá usado a Esponja Soporífera (Ópio, Beleno, Atropa,
Mandrágora) em diversos procedimentos cirúrgicos (Quando
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
127
As Plantas na História da Dor
o sono põe fim ao delírio, é bom sinal!) e para tratar a Dor
(Divinum est opus sedare dolorem!).23
Pedanius Dioscórides (100 a. C.), médico grego formado em
Alexandria e em Tarsos, foi cirurgião da armada do Imperador
Nero, pai da Farmácia grega e da Farmacognosia, publicou o
tratado De Matéria Medica, referindo produtos de origem animal e a cerca de 700 plantas medicinais. Foi uma obra de
referência, estudada durante muitas centenas de anos nas
universidades europeias. Descreveu um xarope (Dia-kodium)
obtido da papoila dormideira (Papaver somniferum), concluindo que o látex extraído da cápsula é mais ativo do que o extrato da planta. Garantiu que o vinho de Mandrágora podia induzir perda de sensibilidade (“anestesia”) para que os médicos
pudessem realizar cirurgias ou cauterizações das feridas sem
que o doente referisse dor.21,23
Dioscórides usou o vocábulo Anestesia cerca de 1800 anos
antes que Oliver Holmes o sugerisse a William Morton (1846)!
Plínio, o Velho (23-79) ou Plínio Romano, foi o mais importante naturalista da antiguidade, almirante da frota de Miseno, cuja morte ocorreu durante observações da erupção
do Vesúvio em 79. Recomendou a utilização de Mandrágora
para analgesia de traumatismos e cirurgias. Escreveu Naturalis Historia, uma obra volumosa composta por 37 volumes,
onde relatou o saber da sua época e referenciou a utilização
do Ópio.23,24
Lúcio Apuleyo (125-180), argelino romanizado, conhecido
pela obra literária “ O Asno de Ouro”, filósofo, botânico, astrónomo, acusado de magia e feitiçaria, terá administrado
Mandrágora e vinho para induzir o sono, durante o qual seria
possível amputar um membro sem a menor dor.
Cláudio Galeno (131-200) nasceu e estudou em Pérgamo,
foi uma das referências planetárias durante muitos séculos
e um dos mais entusiastas na utilização do Ópio como analgésico e modificador do comportamento. Foi médico dos Imperadores Marco Aurélio, Comodo e Severo e compreendeu
os efeitos tóxicos do Ópio, através da dependência dos reais
doentes. Referenciou o Ópio como “o mais forte dos medicamentos que adormecem os sentidos e induzem sono profundo”.23, 24
A dependência do Ópio era um hábito na sociedade romana!
O prestígio social e profissional adquirido em Roma levou-o
a elaborar as "Triagas Magnas": compostos constituídos por
dezenas de componentes de origem vegetal (o Ópio seria um
dos principais componentes), animal ou mineral. Inicialmente,
utilizados como antivenenos, passaram a ser utilizados para
tratamento de diversas doenças e, depois, como panaceia
universal.
Avicena ou Ibn Sina (980-1037), nascido na Pérsia, foi o
mais importante matemático, enciclopedista, filósofo e astrónomo da sua época. Aos 18 anos era médico das cortes.
Introduziu o Ópio, o Álcool, a Cânfora, a Noz-vómica, a Erva-cidreira, a Mandrágora, etc. e descreveu, pela primeira vez, a Toxicidade.23 Entre as 200 obras que divulgou, publicou 16 sobre
Medicina, salientando-se a Canon de Medicina, dividida em
cinco volumes, onde são referidos aspetos da anatomia, da
cirurgia e de nutrição. Foi uma das obras mais estudadas nas
128 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
escolas de Medicina europeias entre os séculos XII e XVIII.25,26
Paracelso (1493-1541), médico, alquimista e renovador da
Medicina, afirmou que as plantas tinham na forma a indicação terapêutica, popularizou o consumo do Ópio (Láudano,
constituído por Vinho branco, Ópio, Canela, Açafrão, etc.) 23 e
utilizou o Óleo Vitríolo em...galinhas. A utilização de plantas
no processo de cura baseava-se na Teoria das Assinaturas,
segundo a qual “tudo o que é criado pela natureza reproduz
em si próprio as virtudes que lhes estão atribuídas”. Esta
teoria manteve-se durante muitos séculos, alimentada pela
tradição oral, pelo cristianismo e sedimentada por posteriores
conceitos homeopáticos. Assim, se um fruto tinha a forma de
um coração, ele estaria indicado para o tratamento de doenças cardíacas, isto porque “Deus imprimiu nas plantas, ervas
e flores, como se fossem hieróglifos, a assinatura das suas
virtudes” (similia similibus curantur).27
Walter Raleigh (1595), navegador, guerreiro e escritor (envolvido no saque da cidade de Faro, no roubo do primeiro livro
impresso em Portugal (“Pentateuco hebraico”) e no ataque a
ilhas açorianas) introduziu na Europa a Batata, o Tabaco e o
Curare, cuja preparação pelos índios era objeto de secretismo
e protegido por rituais e tabus.28 José Gumilla (1745), padre
jesuíta, descreveu este “veneno”, designado por “Ourari”, a sua
preparação e a sua atividade. Em 1807, o Barão Alexander
von Hmbuoldt identificou a Strychno toxifera. Benjamin Brodie
(1812) publicou um livro onde descreveu a atividade do Curare: “paralisa os músculos e mata por impedir a respiração da
vítima”. Claude Bernard (1851) em França e A. Kolliker (1856)
na Alemanha demonstraram que o Curare bloqueia a condução do estímulo nervoso na placa neuromuscular.28,29
William Withering (1741-1799), botânico, químico, médico
da Universidade de Edimburgo e sócio da Academia Real da
Ciências de Lisboa, relacionado com a análise química das
águas sulfurosas do Hospital Termal das Caldas da Rainha,
introduziu em Inglaterra, a Digitalina para tratamento da hidropisia.30,31 A Digitalina foi obtida da Dedaleira (Digitalis purpurea). Ficou famosa a polémica que manteve com Erasmus
Darwin sobre este assunto.32
Friedrich Serturner, em 1806, isolou um alcaloide do Ópio,
a Morfina. Com uma modificação na molécula da Morfina, o
químico inglês Charles Alder Wright sintetizou, em 1874, a
Diacetilmorfina isto é, a Heroína. Esta droga foi comercializada a partir de 1877 pelos laboratórios farmacêuticos Bayer, como analgésico e ... para tratamento da dependência
da Morfina! Pierre-Jean Robiquet, químico francês, extraiu, em
1832, a Codeína. Menos potente do que a Morfina foi utilizada como antitússico, sedativo e antiespasmódico.23,33,34
Joseph Pelletier e Joseph Caventou, em 1820, isolaram da
casca de Chinchona dois alcaloides: a I-Chichonidina e a I-Quinina (antimalárico, antipirético). Deve ser salientado o
papel realizado por Bernardino António Gomes e por Avelar
Brotero pelas primeiras publicações sobre o tema (1812).35
Albert Niemann e Friedrich Wahler, em 1860, isolaram das
folhas do arbusto Erythroxylon cocae, a Cocaína, um pó branco e de sabor amargo. As civilizações pré-colombianas dos
Andes tinham o monopólio da planta, que utilizavam para fins
As Plantas na História da Dor
medicinais, para cerimónias sociais, religiosas, rituais de iniciação, etc. desde há vários milhares de anos.36 Usavam numerosas plantas como analgésicos, alucinogénicos e sedativos
(“catatun”) até para analgesia do parto (“Toluachi”): a Datura
ferox produtora de Escopolamina e de Atropina, a Strycnos
toxifera da qual se extrai da Estricnina, a Chondrodendon tomentosum, cujo princípio ativo é o Curare, o Peote ou Lophora
williamsii, fortemente alucinogénico, etc..
Em Itália apareceu o Vinho Mariani (1863) 36 e nos Estados
Unidos da América surgiu a CocaCola (1885) com elevados
teores de Cocaína (60 mg / 240 mL).36 Foram ambos consumidos em larga escala por todas as classes sociais. O Papa
Leão XIII concedeu uma comenda a Ângelo Mariani, por benefícios para a Humanidade, mas a Liga das Nações mandou-o
retirar do mercado, pelo potencial risco de abusos e de dependência. A Coca-Cola, após um período conturbado, seria
comercializada, mas, com prévia "descocainização" das folhas
utilizadas.
O consumo de Cocaína é, atualmente, tolerado em alguns
países da América Latina (Bolívia, Perú). No Perú, o Instituto
Peruano da Coca, é um órgão governamental que controla a
qualidade das folhas das plantas vendidas no comércio.
Em 15 de setembro de 1884 o oftalmologista Carl Koller
(1857-1944) fez apresentar no Congresso de Sociedade Germânica de Oftalmologia em Heidelberg uma comunicação sobre
a utilização da Cocaína como o primeiro Anestésico Local em
Cirurgia Oftalmológica.37,38 Este facto modificou radicalmente a
história da Anestesia! A Cocaína passou a ser utilizada em todo o
mundo e, naturalmente também em Portugal.39-41
Otto Hesse e J. Jobst (1875) isolaram da Fava-de-Calabar
ou Noz de Eseré ou Physostigma venenosum, um alcaloide
estimulante colinérgico e anticolinesterásico, a Fisostigmina. A Fava-de-Calabar era usada nos julgamentos tribais da
África Oriental, como detetor de mentiras, pela forma rápida
ou lenta com que o acusado ingeria uma poção com aquela
planta. A molécula viria a ser sintetizada em 1935 por Percy
Lavon e por Josef Pikl.42
Nagayoshi Nagai (1887) extraiu do caule da planta chinesa
Ephedra sinica (Ma Huang), a I-Efedrina e a Pseudoefedrina.
Por volta de 2700 a. C., a planta já seria usada para fins medicinais e a 2ª Farmacopeia Chinesa, publicada por Li Shi-Chen
em 1552, apresentou a Ephedra sinica como antitússico, antiasmático, antipirético e estimulante circulatório.42,43
A Efedrina foi evidenciada pelos efeitos cardiovasculares, broncodilatação e descongestionante nasal. Aumenta
o metabolismo, sendo utilizada como substância “dopante”
em desportistas e, ainda, como componente do “cocktail”
de substâncias destinado ao emagrecimento, conhecido por
ECA: Efedrina, Cafeína, Aspirina. A sobredosagem provoca,
alterações do humor, alucinações, hipertensão, taquicardia e
eventualmente a morte.44,45
Os Herbários
O primeiro herbário conhecido foi implementado pelo imperador chinês Shen Nung, pai da Medicina herbária chinesa e
da farmacologia, cerca de 2695 a. C. Continha a descrição de
365 ervas medicinais e venenosas.46,47
Na Europa o primeiro Herbário (Hortus siccus), constituído
por amostras secas afixadas em papel, foi elaborado em
1551 pelo médico e botânico Luca Ghini (1490-1556), regente da Cadeira de Ervas da Universidade de Bolonha e um dos
mais importantes botânicos da Europa.47,48
Múltiplos herbários surgiriam em todos os grandes centros
académicos da Europa e da América.
Em Portugal o Herbário do Departamento de Botânica da
Universidade de Coimbra iniciado por Júlio Augusto Henriques
(1873) possui 700.000 exemplares e é objeto de consideração internacional.
Constituíram ao longo dos séculos um meio de estudo e de
formação não apenas em Botânica mas, sobretudo na Botânica aplicada à em Medicina.
Atualmente, existem cerca de 4000 herbários no planeta
contendo 250 milhões de exemplares botânicos.
Os Jardins Botânicos
O primeiro Jardim Botânico (Hortus vivus) da Europa foi fundado em Pisa por Luca Ghini em 1543 e o segundo em Pádua
em 1545. Desde então todas as grandes cidades europeias
possuíam o seu Jardim Botânico (Hortus botanicus), alguns
destinados quase exclusivamente ao cultivo de plantas medicinais e ao ensino universitário.48,49
Em 1768 foi iniciada a construção do Real Jardim Botânico
da Ajuda (Lisboa) por Domingos Vandelli e quatro anos depois
seria instituído o Jardim Botânico de Coimbra, no âmbito da
reforma universitária, apesar das reservas manifestadas por
Sebastião José de Carvalho e Melo …
O Estudo e o Consumo de derivados de Plantas no
séc. XX-XXI
O progresso tecnológico e científico verificado no século XX
permitiu a análise química dos componentes de muitas plantas (Fitoquímicos), a compreensão da sua atividade farmacológica e a síntese de novas moléculas. Centenas de componentes fitoquímicos são, atualmente utilizados sob a forma
de medicamentos.50-54
A Etnobotânica é um sistema dinâmico, que envolve áreas
científicas tão diversas como a antropologia, a ecologia, a biologia, a botânica, a medicina, a genética, a farmacologia, a
engenharia do ambiente, o herbalismo empírico ou científico,
é considerada uma área prioritária para o futuro da Humanidade.55,56
As diversas organizações internacionais que estudam e
coordenam a utilização de plantas para fins medicinais promoveram as definições básicas que permitem uma uniformização de conceitos (OMS, German Commission e Monographs, European Medicines Agency, etc.):
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
129
As Plantas na História da Dor
Plantas Medicinais - são as plantas silvestres ou cultivadas, utilizadas para prevenir, aliviar, curar ou modificar um
processo fisiológico normal ou patológico ou utilizadas como
fonte de fármacos ou dos seus precursores (medicamentos).
Preparações à base de plantas - preparações obtidas
após tratamento de substâncias derivadas das plantas, como
a extração, a destilação, o fracionamento, a purificação, a concentração e a fermentação. São exemplos de preparações, as
substâncias transformadas em pó ou pulverizadas, os óleos
essenciais, as tinturas ou exsudados e os sumos.
Medicamento à base de plantas - quaisquer plantas inteiras, fragmentadas ou cortadas, partes de plantas, algas,
fungos ou líquenes não transformados, secos ou frescos ou
derivados das plantas não sujeitas a tratamento específico e
identificadas pelo sistema binominal.
Fitoterápicos ou Fitoterapêuticos - produtos medicinais
acabados e etiquetados, cujos componentes ativos são formados por partes aéreas ou subterrâneas de plantas ou de
outro material vegetal ou combinações destes em estado
bruto ou em forma de preparações vegetais.
Suplementos alimentares - definição oriunda da legislação portuguesa “géneros alimentícios que se destinam a
complementar ou a suplementar o regime alimentar normal e
que constituem fontes concentradas de substâncias nutrientes ou outras com efeito nutricional ou fisiológico” (Decreto-Lei 136/2003 de 28 de junho, art.º 3).
A Farmacognosia (estudo de produtos de origem natural,
farmacologicamente ativos e utilizados como agentes terapêuticos), a Fitoterapia (vocábulo utilizado pela primeira vez
por Henri Leclerc (1870-1955) como ramo da Farmacognosia
que estuda a utilização de produtos e de preparações de origem vegetal com objetivos terapêuticos e/ou preventivos) e a
Fitoquímica (estudo químico das substâncias resultantes do
metabolismo das plantas), assumem um papel relevante na
compreensão científica dos efeitos farmacológicos dos componentes das plantas e da interatividade com outras plantas
ou com fármacos sintéticos.57
Fabricant e Farnsworth (2001) consideraram que das
250.000 a 500.000 espécies de plantas identificadas, apenas em 15 % foi realizada a análise fitoquímica e em 6 % a atividade bioquímica. Calcula-se que cerca de 50.000 espécies
de plantas sejam utilizadas com fins medicinais e supõe-se
que 120 espécies tenham contribuído para a elaboração de
moléculas e de medicamentos sintéticos ou semissintéticos
(Quadro I).55,56
Em 1995, a Organização Mundial de Saúde considerava
que 75 - 80 % da população mundial utilizava extratos de
plantas para prevenir ou tratar doenças ou como suplementos alimentares. Isto significa que, o consumo de plantas ou
dos seus componentes ativos ocupa um espaço relevante no
alívio do sofrimento para o universo de muitos milhões de seres humanos, quer isoladamente, quer associado a terapêuticas convencionais.59,60
O aumento de esperança de vida e a polifarmacoterapia a
que pessoas dos grupos etários elevados estão submetidas,
utilizando agentes fitoterapêuticos e fármacos convencionais,
130 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
Quadro I - Fármacos derivados de Plantas *
Agente
Identificação
Popular
Identificação
Científica
Atividade Farmacológica
Adenosina
Olho-de-perdiz
Adonis vernalis
Cardiotónico
Ajmalicina
Rauvolfia
Rauvolfia serpentina
Estimulante
circulatório
Atropina
Erva do diabo
Atropa belladonna
Anticolinérgico
Capsaicina
Pimentos, Malagueta
Capsicum frutescensis
Analgésico
Cocaína
Cocaína
Erythroxylum coca
Anestésico local
Codeína
Papoila de Ópio
Papaver somniferum
Analgésico,
antitússico
Cynarina
Alcachofra
Cynara scolymus
Anticolesterolémico
Digitálicos
Dedaleira
Digitalis purpurea
Cardiotónico
Efedrina
Efedrina, Ma Huang
Ephedra sinica
Simpaticomimético
Emetina
Ipecacuanha
Cephaelis ipecacuanha
Emético
Escina
Castanha da Índia
Aesculus hippocastan.
Anti-inflamatório
Escopolamina
Mandragora, Datura
Mandragora offcinarum
Anticolinérgico
Estricnina
Noz-vómica
Strychnos nux-vomica
Estimulante do
SNC
Fisostigmina
Fava de Calabar
Physostigma venenosum
Anticolinesterásico
Glicirrizina
Licorice
Glycyrrhiza glabra
Doença de Addison
Hiosciamina
Beleno
Hyoscyamus niger
Anticolinérgico
Kuwaina
Kava kava
Piper methysticum
Antidepressivo
Morfina
Ópio
Papaver somniferum
Analgésico
Oseltanivir
Anis Estrelado Chinês
Illicium verum
Antiviral
Oubaína
Estrofanto
Strophantus hispidus
Cardiotónico
Pilocarpina
Jaborandi
Pilocarpus jaborandi
Parasimpaticomimético
Quinina
Quina
Cinchona officinalis
Antimalárico
Quinidina
Quina
Cinchona officinalis
Antiarrítmico
Reserpina
Rauvolfia
Rauvolfia serpentina
Sedativo, hipotensor
Senosídeos
Sene
Cassia angustifolia
Laxante
Tubocurarina
Curare
Chondodendron
toment.
Relaxante muscular
Vincristina
Vinca, Boa noite
Catharanthus roseus
Antitumoral
Vinblastina
Vinca, Boa noite
Catharanthus roseus
Antitumoral
Valerianatos
Valeriana
Valeriana officinalis
Sedativo
Yoimbina
Ioimbina
Pausinystalia yohimbe
Disfunção eréctil
Lima JJF * Adapt. Helmenstine AM “Drugs from Plants”, About.com: Chemistry – http://
chemistry.about.com
induziram um conjunto de efeitos secundários de diversa ordem e gravidade.
Considera-se que existe interação farmacológica entre um
medicamento e uma planta medicinal (ou uma fórmula composta por diversas plantas medicinais) sempre que um deles
afeta a farmacocinética, a farmacodinamia, a biodisponibilidade, a eficácia ou a toxicidade do outro, modificando o efeito
clínico pretendido.61-5
O conhecimento dos mecanismos farmacológicos da interação entre agentes fitoterapêuticos e fármacos convencionais deve ser considerado, sempre que um profissional
prescreve determinadas associações medicamentosas complementadas ou não com extratos de plantas (Quadro II).
As Plantas na História da Dor
Quadro II - Interatividade entre Plantas e Fármacos convencionais
- o consumo de suplementos alimentares deve ser questionado durante a elaboração da história clínica de todos os
pacientes, especialmente aqueles que irão ser submetidos a
atos anestésicos ou cirúrgicos. A Sociedade dos Anestesiologistas Americanos (ASA), tal como a Sociedade Europeia de
Anestesiologia recomendam que o consumo de extratos de
algumas plantas seja interrompido antes de qualquer ato
anestésico ou cirúrgico (Quadro III).63-9,70-2
Planta
Fármaco
Interatividade
Alcaçuz
Espironolactona
Antagonista efeito
diurético
Alho
Varfarina, antiagregantes
plaquetários
Potenciação
Aloe vera
Glicosídeos cardíacos, antiagregantes plaquetários
Hipokaliemia, potenciação
de glicosídeos e antiagregantes plaquetários
Arnica
Varfarina, antiagregantes
plaquetários
Potenciação. Hemorragias
Castanheiro-da-índia
Varfarina, antiagregantes
plaquetários, heparinas,
alho, Ginkgo biloba
Potenciação. Probabilidades de hemorragias
Dedaleira
Digitálicos
Sinergismo. Potenciação
Don quai
Fotosensibilizantes, alguns
antibióticos, varfarina
Fotosensibilidade. Aumento motilidade uterina.
Erva de S. João
Inibidores da MAO
Pode haver potenciação
Feno-grego
Antidiabéticos. Cumarínicos
Potenciação
Ginkgo biloba
Cumarínicos, antiagregantes
plaquetários, antidepressivos
Potenciação
Ginseng
Estrogéneos, corticosteroides, insulina, digitálicos
Efeitos aditivos. Alteração
dos níveis de glicemia.
Modificação da biodisponibilidade.
Ioimbina
Anfetaminas, antidepressivos, inibidores da MAO
Potenciação. Alucinações,
Pânico.
Kava Kava
Benzodiazepinas
Potenciação. Coma.
Maracujá
Inibidores da MAO, derivados tricíclicos, benzodiazepinas, barbitúricos, fluoxetina,
alho, Kava kava, valeriana,
Ginkgo biloba
Potenciação
Papoila californiana
Inibidores da MAO
Potenciação. Anafilaxia.
Pimentos, Malaguetas
Inibidores da MAO,
sedativos
Aumento de pressão
arterial, Potenciação de
sedação
Pirliteiro
Digitálicos, hipotensores
Potenciação.
Purpurea (Echinacea)
Fármacos metabolizados
pelo Citocromo P450
Aumento de biodisponibilidade, Hepatotoxicidade.
(Dong quai)
Interação: varfarina
Estudo coagulação
Interromper
Arnica montana
(Arnica)
Flavonoides, fitoesteróis,
lactonas
Timol, arnicina, etc.
Interação:
benzodiazepinas
Sedação
Interromper
Calendula officin.
(Margarida)
Cumarinas, saponinas,
carotenos, glicosídeos,
flavonoides, terpenos
Interação:
sem relevância
Sem referência
?
Cassia angustifolia
(Sene)
Antraquinonas, glicosídeos, emodina, flavenóides,
senosídeos
Interação: diuréticos,
digitálicos
Equilíbrio hidroelectrolítico
Hipokaliemia
Desidratação
Interromper
Cytrus x paradis
(Toranja)
Furanocumarinas (bergamotina), flavonoides
(naringina), carotenos
Interação: inibição do Citocromo P450 e isoforma
CYP3A4
Potenciação: benzodiazepinas, anti-histamínicos,
bloqueadores de canais
de Ca, antiarrítmicos,
lidocaína, varfarina.
Potenciação do efeito
farmacológico de
diversos
fármacos.
Estudo coagulação
Interromper
Crataegus
laevigata
(Pirliteiro)
Flavonoides (vitexina),
taninos, terpenos,
histamina, glicosídeos,
5-hidroxitriptamina.
Interação: digitálicos,
anti-histamínicos. benzodiazepinas, hipotensores,
narcóticos
Hipotensão
Arritmias
Interromper
Quinidina
Digoxina, verapamil,
varfarina
Potenciação.
Sene, Cascara sagrada
Diuréticos, digitálicos
Desidratação. Hipocaliemia.
Toranja
Fármacos metabolizados
pelo Citocromo P450
Inibição de absorção.
Valeriana
Benzodiazepinas, barbitúricos
Sedação excessiva
J. Fig. Lima
A literatura científica é fecunda na descrição de interações
farmacológicas entre plantas e entre estas e medicamentos.
A cultura para a segurança permite enquadrar algumas recomendações genéricas:
- não utilizar polifarmacoterapia, sempre que possível;
- não associar fármacos prescritos em medicina convencional com agentes fitoterapêuticos, sem aconselhamento profissional competente;
- não associar duas plantas ou fórmulas baseadas em
plantas para tratamento de patologias diferentes;
- a automedicação deve ser desincentivada e o aconselhamento comercial por profissionais indiferenciados, tal como
a publicidade a “suplementos alimentares” (quantas vezes
enganosa!) deveria ser contido pelos potenciais riscos para a
saúde dos utilizadores;
Quadro III - Plantas, Metabolismo e Anestesia
Planta
Atividade
Metabólica
Anestesia/
Cirurgia
Precauções
Adonis vernalis
(Olho de Perdiz)
Glicosídeos
Flavonoides
Interação: digitálicos
Arritmias cardíacas
Interromper
Aesculus
hipocast.
(Castanha da
Índia)
Saponinas (escina), flavonoides: quercetina, rutina,
campferol,
Cumarínicos, Esculosido,
Interação:varfarina, antiagregantes plaquetários.
Hemorragia
per-operatória
Estudo coagulação.
Estudo hemorreológico
Interromper
Allium sativum
(Alho)
Antiagregantes plaquetários, anticoagulantes.
Aumenta fibrinólisis.
Interação: cumarínicos,
antiagregantes, anticoagulantes.
Hemorragia peroperatória
Estudo coagulação
Estudo hemorreológico
Interromper
Aloe vera
(Aloé)
Saponinas, flavonoides,
enzimas,
antraquinona,
fitoesteróis, aloína.
Interação: digitálicos,
antiagregantes
Hipokaliemia
Arritmias
Hemorragias
Interromper
Angelica officin.
(Angélica)
Cumarinas, lactonas,
flavonoides.
Interação: antidiabéticos
orais, varfarina
Hiperglicemia
Hemorragias
Estudo coagulação
Interromper
Angelica sinensis
Flavonoides, fitoesteróis,
cumarina
Hemorragias
Interromper
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
131
As Plantas na História da Dor
Quadro III - Plantas, Metabolismo e Anestesia (continuação)
Atividade
Metabólica
Anestesia/
Cirurgia
Flavonoides
(quarcetina,canferol),
lactonas terpénicas
(ginkgolídeos)
Inibição agregação
plaquetária
Inibição do Citocromo
P450 e da isoforma
CYP3A4
Interação: antiagregantes
plaquetários, antidepressivos, antiepiléticos,
anti-inflamatórios não
esteroides
Hemorragia peroperatória
Discrasia hemorrágica
Estudo coagulação
Estudo hemorreológico
Cumarínicos,
flavonoides, glucose
isoflavonas, sacarose,
fitoestrogéneos
Retenção de água e de
sódio
Interação: antidiabéticos
orais, corticosteroides,
estrogéneos,
cumarínicos
Alterações hidroeletrolíticas
Estudo coagulação
Estudo glicemia
Harpapaghophytm
procumbensis
(Garra do diabo)
Sistosterol,
glicosídeos(harpagide
harpagosídeo),
flavonoides
(luteolina, kampferol)
Interação: varfarina,
antiagregantes
plaquetários
Estudo coagulação
Estudo glicemia
Arritmias
Interromper
Hypericum
perforatum
(Erva-de-S.João)
Hipericina, hiperforina.
Indutor do Citocromo
P450 e CYP3A4, reuptake
de serotonina.
Inibição da glicoproteína
CYP
Interação: fármacos
metabolizados pelo
Citocromo P450:
varfarina, tricíclicos,
digoxina, benzodiaepinas, antiagregantes
plaquetários, teofilina,
ciclosporina, etc.
Estudo coagulação
Estudo hemorrológico
Função hepática
Interromper
Matricaria
recutita
(Camomila)
Flavonoides (apigenina,
crisina), cumarina álcool
sesquiterpeno (bisabolol).
Inibição do Citocromo
P450 e da CYP1A2
Interação: cumarínicos(?),
fármacos metabolizados
pelo Citocromo P450
Estudo coagulação
Interromper
Medicago sativa
(Alfalfa)
Flavonas, Cumarínicos,
Saponinas, Fitoestrogénios, Viaminas, Carotenos,
Aminoácidos, etc
Interação (?): antidiabéticos, cumarínicos, corticoides, hormonoterapia,
imunosupressores
Estudo coagulação
Interromper
(interdito em
doentes transplantados)
Panax ginseng
(Ginseng)
Sapogeninas triterpénicas
(ginsenosideos)
Interação: varfarina,
bloqueadores de canais
de Ca, antidepressivos,
digoxina
Estudo coagulação
Interromper
Flavonoides, glicosidos,
vitaminas, alcaloides
indólicos, passiflorina
Interação: antidepressivos
tricíclicos, benzodiazepinas, inibidores da
MAO, antiagregantes
plaquetários,
anti-inflamatórios, alho,
valeriana, Ginkgo biloba
Estudo coagulação
Sedação
Pausinystalia
yohimbe
(Ioimba)
Ioimbina (bloqueador
alfa-2 adrenérgico)
Interação: tiamina,
cafeína,
Inibidores da MAO,
antidepressivos tricíclicos,
anfetaminas, ketamina,
clonidina,
estimulantes do SNC,
antiagregantes plaquetários (?)
Estudo coagulação
Função renal
Interromper
Rhamnus
purshiana
(Cascara
sagrada)
Antraquinonas (cascarosídeos, emodina), glicosídeos, aloína, taninos, etc.
Interação: relaxantes
musculares,
diuréticos, corticosteróides, digitálicos
Equilíbrio hidroelectrolítico
Hipokaliemia
Desidratação
Interromper
Planta
Ginkgo biloba
Glycyrrhiza
glaba
(Alcaçuz)
Passiflora
incarnata
(Maracujá)
132 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013
Precauções
Interromper
Interromper
Interromper
Planta
Atividade
Metabólica
Anestesia/
Cirurgia
Precauções
Salvia
miltiorrhiza
(Danshen)
Cetonas, quinonas,
ác.carboxílico, grupos
aldeído
Interação:varfarina, antiagregantes plaquetários,
bloqueantes, digitálicos,
benzodiazepinas, Ginkgo
biloba.
Hemorragia peroperatória
Estudo coagulação
Estudo hemorreológico
Interromper
Tanacetum
parthenium
(Margarida)
Partenolídeo, cetona,
absinta, sesquiterpenos.
Interação:anti-histamínicos, antiagregantes
plaquetários
Estudo coagulação
Estudo hemorreológico
Interromper
Trigonella
foenumgraecum
(Feno-grego)
Flavonoides, saponinas,
alcaloides, fitoesteróis,
mucilagem, ácidos gordos,
cumarínicos
Interação: antidiabéticos
orais, antiagregantes
plaquetários, diuréticos,
laxantes
Hipoglicemia
Hipokaliemia
Hemorragia peroperatória
Equilíbrio hidroelectrolítico
Estudo coagulação
Interromper
Uncaria tomentosa
(Unha de gato)
Alcaloides: indólicos,
pentacíclicos, tetracíclicos,
glicosídeos, ácidos, sais
minerais
Interação: anti-agregantes plaquetários,
anti-inflamatórios não
esteroides, antiarrítmicos,
digitálicos, citostáticos,
imunosupressores
Estudo coagulação
Interromper
Valeriana
officinalis
(Valeriana)
Alcaloides
(valeriana),taninos,
terpenos
Indutor do Citocromo
P450
Interação: benzodiazepinas, barbitúricos,
cumarínicos, antihistamínicos, alho, Ginkgo
biloba, Kava-kava e outros
fármacos metabolizados
pelo Citocromo P450 ou
isoformas
Estudo coagulação
Interromper
Zingiber officinalis
Gengiróis, zingerberol, zinziberen, amidos, glucídeos,
vitaminas
Interação: antiagregantes
plaquetários, sulfoguanidina, bloqueadores H2
Interromper
J. Fig. Lima
*A Sociedade dos Anestesiologistas Americanos (ASA) e a Sociedade Europeia de Anestesiologia (ESA) recomendam que a ingestão de plantas medicinais seja descontinuada
ou interrompida duas ou três semanas antes de qualquer ato cirúrgico eletivo (Kaye AD,
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Trata-se de um mercado em expansão, que movimenta
anualmente muitos biliões de dólares/euros!
Em 2009, o mercado de suplementos alimentares botânicos
ultrapassou os 5 biliões de dólares.73 Panorama idêntico verifica-se na Europa.74
O futuro deverá passar por uma maior intervenção no controlo
da qualidade destes produtos e pela legislação que o regulamente a diversos níveis.75,76
O futuro em Portugal deverá passar por alterações concetuais
profundas: mais rigoroso controlo de qualidade e de farmacovigilância, efetuado por instituições dependentes do Ministério da
Saúde; diferenciação dos profissionais envolvidos na comercialização e aconselhamento dos impropriamente designados por
“Suplementos Alimentares”; pela apropriada regulamentação na
utilização destes fitofármacos e pela educação médica dos estudantes de Medicina e dos profissionais da Saúde.
As Plantas na História da Dor
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