Ação Popular. Ministério de Michel Temer

Transcrição

Ação Popular. Ministério de Michel Temer
EXCELENTÍSSIMO(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ___ª VARA DA JUSTIÇA
FEDERAL DA COMARCA DE FORTALEZA-CE
AÇÃO POPULAR
Rito especial da Lei Federal n° 4.717/65
“O juiz deve estrita fidelidade à lei, dela não
podendo se afastar a não ser que imprudentemente
se arrisque a percorrer, de forma isolada, o
caminho tortuoso da subjetividade que, não poucas
vezes, desemboca na odiosa perda da
imparcialidade. Ele não deve, jamais, perder de
vista a importância da democracia e do Estado
Democrático de Direito.” (HC n° 149.250/SP, STJ)
“Desde 2000 a la fecha se han llevado a cabo 24
golpes de Estado, unos exitosos y otros fallidos, en
Africa, Asia y América latina y el Caribe. [...] Con el
tiempo, se fue gestando un neogolpismo: a
diferencia del golpe de Estado tradicional, el
“nuevo golpismo”
está encabezado
más
abiertamente por civiles y cuenta con el apoyo tácito
(pasivo) o la complicidad explícita (activa) de las
Fuerzas Armadas, pretende violar la constitución
del Estado con una violencia menos ostensible,
intenta preservar una semblanza institucional
mínima (por ejemplo, con el Congreso en
funcionamiento
y/o
la
Corte
Suprema
temporalmente intacta), no siempre involucra a una
gran potencia (por ejemplo, Estados Unidos) y
aspira más a resolver un impasse social o político
potencialmente ruinoso que a fundar un orden
novedoso.” (Juan Gabriel Tokatlian)
VINÍCIUS MADUREIRA MAIA, brasileiro, solteiro, advogado regularmente
inscrito na OAB-CE sob o n° 26.402, com escritório profissional à Av. Dr. Silas
Munguba, n° 1700, Campus do Itaperi, Prédio da Reitoria, CEP 60.740-903, FortalezaCE, vem mui respeitosamente à presença de V. Exa., postulando em causa própria com
fulcro no art. 103, § único, c/c art. 106, inc. I, do novo CPC/2015, ajuizar a presente
AÇÃO POPULAR em face de ato do EXMO. PRESIDENTE INTERINO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Sr. Michel Miguel Elias Temer Lulia,
neste ato representado pela insigne ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, na forma do
art. 22 e ss. da Lei Federal n° 9.028/95, sita à Rua Vilebaldo Aguiar, n° 96, Edifício
Duets Office Towers, Torre Norte, 9°, 10° e 11° andares, Cocó, CEP 60.192-010,
Fortaleza-CE; o que faz com substrato nas razões fáticas e jurídicas a seguir expostas:
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Contato: (085) 3101-9682 / E-mail: [email protected]
I – DA PROVA DA CIDADANIA
O AUTOR teve o cuidado primeiro de acostar, à presente petição, cópia de seu
título de eleitor, documento comprobatório da cidadania enquanto condição por
excelência da legitimatio ad causam ativa para o ajuizamento da ação popular, segundo
exigência do art. 1°, §3°, da Lei Federal n° 4.717/65.
Veja-se, a propósito, o seguinte trecho do REsp n° 1.242.800/MS, que
compareceu no Informativo n° 476 do Superior Tribunal de Justiça, a saber:
“[...] 4. Note-se que a legitimidade ativa é deferida a cidadão. A
afirmativa é importante porque, ao contrário do que pretende o
recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do cidadão.
5. O que ocorre é que a Lei n. 4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a
cidadania será provada por título de eleitor.
6. Vê-se, portanto, que a condição de eleitor não é condição de
legitimidade ativa, mas apenas e tão-só meio de prova documental da
cidadania, daí porque pouco importa qual o domicílio eleitoral do autor
da ação popular. Aliás, trata-se de uma exceção à regra da liberdade
probatória (sob a lógica tanto da atipicidade como da não-taxatividade
dos meios de provas) previsto no art. 332, CPC. [...]” (REsp n°
1.242.800/MS, STJ, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell
Marques, DJe de 14/06/2011, RIOBDCPC vol. 76, p. 77, grifo nosso)
II – DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL LOCAL
O vulgo das gentes é levado comumente a crer que o processamento e
julgamento de ação popular intentada contra ato do Presidente da República caberiam
inarredavelmente ao Supremo Tribunal Federal.
Nada obstante –– excetuadas as hipóteses de incidência do art. 102, inc. I,
alíneas “f” e “n”, da CF/88 ––, o Pretório Excelso jamais admitiu a própria competência
originária nesse sentido.
“[...] ao contrário, a incompetência do Tribunal para processar e julgar a
ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando se
irrogue a responsabilidade pelo ato questionado a dignitário individual –
– a exemplo do presidente da República –– ou a membro ou membros de
órgão colegiado de qualquer dos Poderes do Estado cujos atos, na esfera
cível –– como sucede no mandado de segurança –– ou na esfera penal ––
como ocorre na ação penal originária ou no habeas corpus –– estejam
sujeitos diretamente à sua jurisdição [...]” (Pet 3.674-QO, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ de 19-12-2006, grifo nosso)1
“O STF –– por ausência de previsão constitucional –– não dispõe de
competência originária para processar e julgar ação popular promovida
contra qualquer órgão ou autoridade da República, mesmo que o ato
cuja invalidação se pleiteie tenha emanado do presidente da República,
das Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou, ainda,
de qualquer dos tribunais superiores da União. [...]” (Pet 2.018-AgR, Rel.
1
No mesmo sentido: Rcl 2.769-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJE de 16-10-2009.
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Min. Celso de Mello, julgamento em 22-8-2000, Segunda Turma, DJ de 162-2001, grifo nosso)
Usualmente (vide art. 5°, caput, da Lei Federal n° 4.717/65), tal competência
recai, portanto, ao juízo competente de primeiro grau investido no quantum de
jurisdição da mesma origem do ato impugnado.
“A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer
autoridade, até mesmo do presidente da República, é, via de regra, do
juízo competente de primeiro grau. Precedentes. [...]” (AO 859-QO, Rel.
p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-10-2001, Plenário, DJ de
1º-8-2003, grifo nosso)
Por fim, registre-se que a Ministra Diva Malerbi (Desembargadora do TRF-3ª
convocada) indeferiu recentemente pedido liminar formulado pela AGU para que as
quase quatro dezenas de ações judiciais que questionam, Brasil afora, a posse do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil2 fossem
todas reunidas junto ao juiz prevento, de acordo com o art. 5°, §3°, da Lei da Ação
Popular.
Naquela ocasião, a douta julgadora se arvorou no mesmo entendimento do STF:
“[...] ao tempo em que a reunião dos processos em um único juízo é medida que
respalda a segurança jurídica, não se pode olvidar o legítimo interesse do cidadão de
realizar o controle jurisdicional dos atos praticados pelo Poder Público, assistindo-lhe
o direito de trazer à lide suas alegações, contraditar a parte contrária e acompanhar
todo o trâmite processual, sendo o juízo da localidade de seu domicílio o mais
apropriado para o cumprimento desse mister [...].”3
III – DO MÉRITO
3.1. Da Ação Popular em face de ato de Presidente da República.
No aludido REsp n° 1.242.800/MS, o mm. Ministro Mauro Campell Marques
houve por bem consignar que “a Constituição da República vigente, em seu art. 5º, inc.
LXXIII, inserindo no âmbito de uma democracia de cunho representativo
eminentemente indireto um instituto próprio de democracias representativas diretas,
prevê que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência” (seção 2 da ementa, itálico no original).
Quando decidiu pelo indeferimento liminar das petições iniciais que
consubstanciam as ADPF n° 390/DF e n°391/DF, intentada pelos partidos políticos PSB
e PSDB, respectivamente, com vistas à suspensão da nomeação do ex-Presidente Lula
2
Sem incluir nesse rol as ADPF n° 390/DF e n° 391/DF e os MS n° 34.070/DF e n° 34.071/DF, de
mesma causa de pedir, desta feita perante o STF.
3
CC n° 145918/DF, STJ, Primeira Seção, DJe de 22/03/2016, itálico nosso.
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enquanto Ministro da Casa Civil, o Exmo. Ministro Teori Zavascki elencou de modo
assaz didático uma vasta gama de “alternativas processuais para a solução da
controvérsia de fundo, todas com aptidão e idoneidade processual para a reparação
eficaz das alegadas ofensas ao texto constitucional”, entre elas a presente ação:
“[...] no presente caso o alegado descumprimento da Constituição
decorreria, não do ato de nomeação, assepticamente considerado, mas da
pessoa que ele pretendeu investir e das circunstâncias em que ele foi
editado. O que se questiona, aqui, é exatamente a motivação do ato de
nomeação, que segundo se alega, estaria descompromissada com o
interesse público e seria nula por desvio de finalidade. [...] A ação
popular, de manejo praticamente universal, tem entre suas finalidades,
depois da Constituição de 1988, justamente a tutela da moralidade
administrativa (CF, art. 5º, LXXIII), cuja quebra se perpetra, entre
outras formas características típicas, pela prática de atos com desvio de
finalidade, como se alega ter aqui ocorrido. [...] A ação popular,
portanto, com todas as suas virtualidades – inclusive a de propiciar
medidas de antecipação de tutela – é instrumento apto e eficaz para
sanar a lesão ao preceito fundamental que se diz violado no caso dos
autos.” (DJe de 06/04/2016, grifo nosso)
Em tempo: o Ministro José Delgado, outrora pertencente ao STJ, rememorava
lição de José Afonso da Silva, segundo o qual “[...] a autoridade que houver
participado do ato impugnado –– autorizando-o, aprovando-o, ratificando-o ou
praticando-o –– deverá ser citada para a demanda popular, que vise anulá-lo. Assim,
desde as autoridades mais elevadas até as de menor gabarito estão sujeitas a figurarem
como rés no processo de ação popular. Nem mesmo o Presidente da República, ou o
Supremo Tribunal Federal, ou do Congresso Nacional, está imune de ser réu, neste
processo" (Ação Popular Constitucional, p. 197). [...]”4
3.2. Da competência constitucional para nomeação de Ministros de Estado. Da
incompetência do Vice-Presidente para nomear Ministros de Estado quando do
período de suspensão da Presidenta eleita. Inteligência do art. 86, §1°, inc. II, da
CF/88.
A Carta Maior elencou entre as competências privativas do Presidente da
República a nomeação e exoneração de Ministros de Estado (art. 82, inc. I), aos quais
cabe praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas
pelo Chefe do Executivo (art. 87, § único, inc. IV).
Pois bem: logo na tarde de ontem, dia 12/05/2016, em seu primeiro dia de
exercício, o Presidente Interino Michel Temer deu posse a 24 (vinte e quatro) novos
Ministros em solenidade no Palácio do Planalto.5
4
Trecho da ementa do RMS n° 8967/SP, STJ, Primeira Turma, DJ de 22/03/1999, p. 54, LEXSTJ vol.
120, p. 74, itálico no original.
5
http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/05/michel-temer-daposse-aos-novos-ministros-do-governo.html; http://oglobo.globo.com/brasil/temer-da-posse-ministros-as15h-no-planalto-19287929; Acesso em 13 mai. 2016.
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As respectivas nomeações restaram publicadas na Seção 12, Edição n° 91, do
Diário Oficial da União de hoje, 13/05/2016, pp. 1-3.
Todos os atuais Ministros figuram já no sítio oficial do Planalto,6 ali dispostos
de acordo com as cerimônias do Decreto Federal n° 70.274/1972.
Ocorre que, no último dia 29/04/2016, o jurista Jorge Rubem Folena de Oliveira
lançara a tese, em artigo publicado no Jornal GGN,7 de que o Vice-Presidente não tem o
condão de nomear novo ministério em caso de afastamento da Presidenta da República
para se defender no processo de impeachment no Senado Federal.
Considerada sobremaneira consistente pelo advogado e ex-Presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil, Dr. Marcello Lavenère Machado –– diga-se de passagem,
autor do pedido de impeachment do ex-Presidente Fernando Collor de Mello ––, ela
deve ser defendida pelo Governo Dilma, em breve, perante o Estado-juiz.
A tese por ele esposada é, por si só, escorreita, clarividente, substancial e
sobretudo digna de menção:
“Na hipótese de o Senado Federal aceitar o pedido de abertura do
processamento de impeachment da Presidenta Dilma Roussef, é necessário
esclarecer à opinião pública que:
1) Dilma Roussef não deixará de ser a Presidenta da República
Federativa do Brasil, pois o que terá início é somente o julgamento do
pedido de seu afastamento do cargo, pelo Senado Federal, sob a presidência
do Presidente do Supremo Tribunal Federal (artigo 52, I e seu parágrafo
único da Constituição). Esse afastamento deverá ocorrer em respeito ao
devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de
inocência (artigo 5.º, LIV e LV e LVII, da Constituição).
2)
Aceito o prosseguimento do processo de impeachment, inicia-se o
julgamento, durante o qual a Presidenta da República apenas ficará suspensa
das suas funções(artigo 86, parágrafo 1.º , II, da Constituição). Ou seja, a
Constituição não diz que o seu governo estará destituído. O governo
eleito permanece, com os ministros nomeados pela Presidenta, que
devem permanecer até o julgamento final do processo de impeachment.
Da mesma forma, a Presidenta da República deverá continuar ocupando
os Palácios do Planalto e da Alvorada, de onde somente deverá sair se o
Senado Federal vier a condená-la. Sendo certo que a Presidenta retomará as
suas funções, caso o Senado não a julgue em até 180 dias (art. 86, parágrafo
2.º, da Constituição Federal).
3) As funções e atribuições do Presidente da República estão previstas no
artigo 84 da Constituição Federal e dentre elas constam: nomear e exonerar
ministros de Estado; iniciar processo legislativo; sancionar leis, expedir
decretos, nomear ministros do Tribunal de Contas etc.
Prestados estes esclarecimentos, é importante salientar que o vice-presidente
da República somente substituirá o presidente no caso de
6
http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros. Acesso em 13 mai. 2016.
7
http://jornalggn.com.br/noticia/temer-nao-podera-nomear-ministros-caso-dilma-se-afaste-para-defesapor-jorge-folena; http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/229147/Governo-pode-questionar-noSTF-nomea%C3%A7%C3%B5es-de-Temer.htm. Acesso em 13 mai de 2016.
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seu impedimento ou o sucederá em caso de vacância do cargo
presidencial. Além disso, o vice-presidente auxiliará o presidente quando
convocado por este para missões especiais. É o que dispõe o artigo 79 da
Constituição
Federal.
Suspensão de
atribuições
não
implica impedimento ou sucessão por vacância. São três hipóteses
distintas.
Ora, o impedimento presidencial somente ocorrerá caso haja condenação
por 2/3 dos Senadores da República, depois de concluído todo o devido
processo legal; só então se dará a hipótese da perda do cargo, com a
inabilitação, por 8 anos, para o exercício de função pública. (Artigo 52,
parágrafo único).
A substituição do(a) presidente(a) da República somente ocorrerá no caso
de condenação definitiva no processo de impeachment (depois de esgotadas
todas as etapas do impedimento) e em caso de vacância por morte ou
renúncia.
Ressalte-se que impedimento não é a mesma coisa que suspensão das
funções, pois esta não tem o condão de retirar o status de presidente da
República.
Portanto, o vice-presidente somente sucederia a presidenta Dilma, e só então
poderia constituir um novo governo, nos casos de condenação definitiva
por impeachment (impedimento), ou havendo vacância por morte ou
renúncia.
Fora disto, não existe possibilidade constitucional de o vice-presidente
constituir um novo governo, com a nomeação de novos ministros, na
medida em que o Brasil ainda tem uma Presidenta eleita pela maioria do
povo brasileiro, que apenas estará afastada das suas funções para se defender
das acusações no Senado Federal.
Então, o que vem sendo veiculado pela imprensa tradicional é mais uma
tentativa de implantar o golpe institucional no Brasil, com o estabelecimento
de um ilegítimo governo paralelo. Assim, por meio de factóides, tem sido
anunciado que o vice-presidente nomeará ministério e já teria um plano de
governo, anunciado em 28 de abril de 2016, que não procura esconder seus
objetivos de redução dos direitos trabalhistas e previdenciários, além de
cortar programas sociais, como o Bolsa Família.
Sendo assim, claro está que o vice-presidente não tem atribuição para
instituir novo governo nem nomear ou desnomear ministros de Estado e,
desta forma, deverá se limitar a aguardar, em silêncio e com todo o decoro
possível, o resultado final do julgamento do impedimento, no Palácio do
Jaburu, sua residência oficial.” (grifo e sublinhado no original)
Razões pelas quais urge, com a maior das premências, a cassação da eficácia da
posse dos Ministros de Estado nomeados pelo Presidente Interino Michel Temer, sob
pena de se chancelar a coexistência inadmissível de um “governo paralelo”, tornando
letra morta a possibilidade prevista no ar. 86, §2°, da CF/88, não sem averbar virtual,
irresponsável e antecipadamente, eventual condenação da Presidenta eleita.
3.3. Posse de Ministros previamente investigados na Operação “Lava Jato”.
Outorga espúria de foro privilegiado. Julgamento dos paradigmáticos MS n°
34.070/DF e n° 34.071/DF: suspensão do ex-Presidente Lula em situação análoga.
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Causou espécie, ademais, o fato de que, no mínimo, 07 (sete) dos 24 (vinte e
quatro) Ministros empossados pelo Presidente Interino Michel Temer, na tarde de
ontem, são investigados ou citados na famigerada Operação “Lava Jato”.8
O escândalo acima não passou despercebido (supondo aqui fosse essa a
intenção...), tendo sido amplamente noticiado nas mídias impressas e demais veículos
virtuais de igual renome. 9
Em que pese à expressiva cifra de indiciados, importa à hipótese destes autos tão
somente aqueles investigados que não possuíam, antes da nomeação e posse nos
respectivos Ministérios da Presidência Interina de Michel Temer, a prerrogativa de foro
privilegiado prevista no art. 102, inc. I, alínea “b”, da CF/88.
Não à toa o Deputado Federal Paulo Pimenta (PT-RS) houve por bem
representar à Procuradoria Geral da República na tarde de hoje, dia 13/05/2016,
solicitando a suspensão dos efeitos da nomeação dos Ministros investigados, quais
sejam, Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de
Governo da Presidência da República). 10
O atual Presidente à frente da OAB nacional, Cláudio Lamachia, apresentou nota
crítica de mesmo teor.11
Quanto à vida pregressa de ambos, leia-se o seguinte trecho da reportagem do
Estadão:
“[...] O ex-deputado Henrique Eduardo Alves voltará ao Turismo menos de
dois meses depois de deixar o cargo. Ele foi o primeiro peemedebista a
abandonar a equipe de Dilma Rousseff quando o partido decidiu
desembarcar do governo na reta final da discussão do impeachment. A casa
8
Para mais informações acerca dessa Operação, acessar os seguintes links oficiais:
http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/investigacao/historico/por-onde-comecou;
http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/denuncias-do-mpf; http://lavajato.mpf.mp.br/atuacaona-1a-instancia/decisoes-da-justica; http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/resultados. Acesso
em 13 mai. 2016.
9
http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/lava-jato/primeira-reuniao-de-ministros-de-temer-tem-tresinvestigados-pela-lava-jato,a4861ddbdb10386f57e8591cb7df9e0epe6q1e12.html;
http://www.cartacapital.com.br/politica/alem-de-temer-sete-ministros-estao-envolvidos-na-lava-jato;
http://oglobo.globo.com/brasil/entre-ministros-nomeados-por-temer-nove-envolvidos-na-lava-jato19298825;
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/temer-nomeia-alvos-da-lava-jato-paraministerio/. Acesso em 13 mai. 2016.
10
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/232139/Deputado-aciona-PGR-para-suspendernomea%C3%A7%C3%A3o-de-ministros-investigados.htm; http://oportaln10.com.br/deputado-acionapgr-para-suspender-nomeacao-de-henrique-alves-e-geddel-vieira-46819/;
http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2016-05-12/geddel-vieira-lima-e-henrique-eduardo-alves-sopoderao-ser-julgados-pelo-stf.html. Acesso em 13 mai. 2016.
11
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/investigado-da-lava-jato-nao-pode-ser-ministro-deestado-diz-oab/;
http://www1.folha.uol.com.br/paywall/adblock.shtml?http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1771
328-oab-critica-escolha-de-temer-de-citados-na-lava-jato-para-ministerios.shtml. Acesso em 14 mai.
2016.
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dele foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal em dezembro do ano
passado em uma das fases da Lava Jato, batizada de Catilinárias.
Alves, o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e
outros de seus aliados são suspeitos de receber dinheiro do dono da OAS,
Léo Pinheiro, em troca de prestar favores ao empreiteiro no Legislativo e em
tribunais. As negociações constam de mensagens trocadas entre o exdeputado e o empresário. Em algumas, o novo ministro cobra recursos para
sua campanha ao Governo do Rio Grande do Norte, em 2014, quando
acabou derrotado.
Geddel Vieira Lima, que agora cuidará do relacionamento do governo com o
Congresso, é citado nas investigações da Lava Jato. Ele aparece nas
mensagens com Léo Pinheiro tratando do atendimento de interesses da OAS
em órgãos do governo, entre eles a Caixa. Além de ex-ministro da Integração
no governo Lula, ele foi vice-presidente do banco estatal no primeiro
mandato de Dilma, mas depois migrou para a oposição.
Nas mensagens com Pinheiro, Eduardo Cunha menciona o pagamento de R$
5 milhões a Temer e reclama de compromissos adiados com a “turma”, que
incluiria Geddel e Alves. O peemedebista, no entanto, tem alegado que o
valor se refere a uma doação oficial, devidamente registrada, feita pela
empreiteira ao partido.
Tanto Alves quando Geddel admitem ter tratado com Pinheiro de questões de
interesse dele, mas negam quaisquer irregularidades no relacionamento com
o empreiteiro.”12
Em suma: Eduardo Cunha teria feito da Presidência da Câmara a garçonnière de
encontros escusos entre a empreiteira OAS e o então Presidente Henrique Eduardo
Alves; Geddel Vieira é suspeito, por sua vez, de fazer pedidos de recursos a essa
empreiteira para campanha de aliados.13
Aliás, ainda no fim do ano passado, a Polícia Federal chegou a cumprir
mandados de busca e apreensão, emanados do STF, em imóvel pertencente ao Ministro
Henrique Eduardo Alves, ação essa integrante das investigações da Operação Lava Jato.14
No último dia 03/05/2016, o Procurador Geral da República pediu ao Ministro Teori
Zavascki a autorização de abertura de mais um inquérito contra Henrique Eduardo Alves e
outros.15
Ora, em precedente idêntico versado nos autos dos MS n° 34.070/DF e n°
34.071/DF –– relatoria do Ministro Gilmar Mendes ––, a mesma Procuradoria Geral da
República não titubeou ao assim confeccionar a peça opinativa de praxe, cuja ementa
ora se reproduz no que oportuna:
12
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/temer-nomeia-alvos-da-lava-jato-para-ministerio/.
Acesso em 13 mai. 2016 (itálico nosso).
13
http://oglobo.globo.com/brasil/mensagens-revelam-como-geddel-vieira-lima-atuou-para-oas-18509251.
Acesso em 13 mai. 2016.
14
http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2015/12/pf-cumpre-mandados-na-casa-do-ministrohenrique-alves-em-natal.html; http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2015/12/policiafederal-cumpre-mandado-de-busca-e-apreensao-na-casa-de-cunha.html;
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/pf-cumpre-mandato-de-busca-e-apreensao-na-residencia-deeduardo-cunha. Acesso em 13 mai. 2016.
15
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,janot-pede-a-abertura-de-mais-um-inquerito-contra-cunhae-henrique-eduardo-alves,10000048954. Acesso em 13 mai. 2016.
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“[...] 6. Nomeação de ministro de estado consubstancia ato
administrativo de natureza política, passível de controle judicial para
aferir ocorrência de desvio de finalidade, sem embargo da competência
constitucional do(a) Presidente da República para designar seus
auxiliares.
7. Ocorre desvio de finalidade quando agente público exerce
competência determinada por lei para atingir propósito diverso do
previsto pelo ordenamento jurídico.
8. O acervo probatório pré-constituído, fatos que se tornaram notórios
desde a nomeação e posse objeto destas ações e elementos de domínio
público constituem indícios convergentes de que a nomeação e posse do
ex-Presidente foram praticadas com a intenção, sem prejuízo de outras
potencialmente legítimas, de afetar a competência do juízo de primeiro
grau e tumultuar o andamento das investigações criminais no caso Lava
Jato. Houve dano objetivo à persecução penal, pela necessidade de
interromper investigações em curso, pelo tempo para remessa das peças
de informação e para análise delas por parte dos novos sujeitos
processuais e pelos ritos mais demorados de investigações e ações
relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função.
9. Constatação de desvio de finalidade de ato administrativo por
convergência de prova testemunhal, documental e indiciária impõe sua
anulação. Transgressão ao componente ético e jurídico dos princípios
constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade
administrativa por ato do poder público impõe declaração de nulidade,
ainda que concorram para sua motivação finalidades legítimas.
10. Parecer pelo conhecimento do mandado de segurança e pela
concessão da ordem, para o fim de anular o ato de nomeação do Senhor
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA para o cargo de Ministro Chefe da
Casa Civil da Presidência da República e, em consequência, pelo
prejuízo dos agravos regimentais. [...]” (grifo nosso)
Em tudo consonante ressoou mais tarde a decisão cautelar prolatada pelo
respeitável Relator dos referidos remédios heroicos, o qual cuidou de invocar nessa
ocasião vasta doutrina, como se extrai da fundamentação do longo voto (típico desse
julgador) citado doravante:
“[...] Passo a apreciar os pedidos liminares propriamente ditos.
A partir do caso Natan Donadon, o STF consolidou jurisprudência no sentido
de que a renúncia a cargos públicos que conferem prerrogativa de foro, com o
velado objetivo de escapar ao julgamento em iminência, configura desvio de
finalidade, inapto a afastar a competência para o julgamento da causa – AP
396, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgada em 28.10.2010.
A situação aqui envolve o contrário. A alegação é de que pessoa foi nomeada
para o cargo de Ministro de Estado para deslocar o foro para o STF e
salvaguardar-se contra eventual ação penal sem a autorização parlamentar
prevista no art. 51, I, da CF.
Em estudo pioneiro sobre o tema, Vladimir Passos de Freitas defende que o
ato de nomear pessoa para lhe atribuir foro privilegiado é nulo:
“Porém, pode suceder o oposto, ou seja, alguém acusado da prática de um
delito é convidado a ocupar um cargo que lhe dê foro especial, isto é, dê-lhe a
possibilidade de livrar-se da Justiça de primeira instância e de responder em
um tribunal. Isso pode ocorrer no Poder Executivo e no Legislativo, onde há
uma grande quantidade de cargos em comissão. Por exemplo, um vereador
está sendo investigado por crime de pedofilia e consegue nomeação para o
cargo de secretário de Estado, subtraindo-se da ação do promotor da comarca
e sujeitando-se a uma ação no Tribunal de Justiça, onde o processo andará
mais lentamente.
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Em caso como o do exemplo citado, é preciso verificar se a finalidade do ato
administrativo de nomeação foi deturpada, a fim de atingir objetivo diverso
do simulado. Odete Medauar é clara ao dizer que ‘o fim de interesse público
vincula a atuação do agente, impedindo a intenção pessoal’ (MEDAUAR,
Odete. Direito Administrativo Moderno, 17. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 157.
Se os motivos forem apenas aparentes, porque o fim desejado é outro,
ocorrerá desvio de finalidade. É o caso, por exemplo, da remoção de um
policial sob o argumento de que dele se necessita em outro município,
quando, na verdade, o objetivo é afastá-lo da investigação de determinado
caso.
Hely Lopes Meirelles, com a clareza que marcou suas obras, ensina que ‘o
desvio de finalidade ou de poder se verifica quando a autoridade, embora
atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com
fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público’
(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 14. ed. São
Paulo: RT, 1989, p. 92.. Celso Antonio Bandeira de Mello enfatiza que, ‘a
propósito do uso de um ato para alcançar finalidade diversa da que lhe é
própria, costuma se falar em ‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’”
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Elementos de Direito
Administrativo. São Paulo: RT, 1987, p. 47).
A consequência dessa deturpação do objetivo, que na realidade
administrativa brasileira não é rara, é a nulidade do ato. Lucas Rocha
Furtado, de forma objetiva, observa que, ‘independentemente de qualquer
outro vício, se o ato foi praticado contrariando a finalidade legal que
justificou a outorga de competência para a prática do ato, ele é nulo’
(FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte:
Fórum, 2007, p. 303).
Para arrematar, a Lei da Ação Popular, 4.717, de 1965, afirma que é nulo o
ato administrativo praticado com desvio de finalidade e no artigo 2º,
parágrafo único, alínea “e” explicita que:
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a
fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de
competência.
Se assim é, conforme ensinamento uniforme da melhor doutrina, resta apenas
saber como, no caso concreto, se concluirá pela existência ou não de
dissimulação. Evidentemente, o ato sempre será editado com base em
premissas falsas, aparentemente verdadeiras.
A resposta está na análise das circunstâncias. Por exemplo, imagine-se que
um médico renomado, portador de títulos acadêmicos, seja convidado para
assumir a Secretaria de Saúde do Estado e que responda, no Juizado Especial
Criminal, pelo crime de lesões corporais leves, em virtude de um soco
desferido em seu vizinho em meio a uma acalorada discussão em assembleia
de condomínio. Seria ridículo imaginar que a indicação de seu nome visava
subtrair do JEC a competência para processá-lo, passando-a ao Tribunal de
Justiça.
No entanto, diversa será a situação se a indicação for feita a um dentista
envolvido em graves acusações de estupro de pacientes para ocupar o cargo
de ministro dos Transportes, no momento exato em que o Tribunal de Justiça
julgará apelação contra sentença que o condenou a 20 anos de reclusão. Aí o
objetivo será flagrantemente o de evitar o julgamento pelo TJ e a manutenção
da sentença condenatória e a sua execução imediata, transferindo o caso para
o Supremo Tribunal Federal. O ato administrativo será nulo por evidente
desvio de finalidade.
A ocorrência desse tipo de desvio de conduta sujeitará a autoridade
administrativa, seja ela membro do Poder Legislativo, prefeito, governador,
presidente da República ou outra do segundo escalão do Executivo, a ação
popular e, ainda, ação ordinária de nulidade do ato, junto com a União, que
poderá ser proposta no foro federal do domicílio do autor.
Na verdade, as práticas administrativas passam, no Brasil, por um flagrante
processo de mudança. Basta ver a obrigatoriedade atual da transparência dos
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atos administrativos, inimaginável há duas ou três décadas. Assim, os
administradores, seja qual for o nível ou o Poder de Estado a que pertençam,
devem se acautelar na condução de seus atos, pois, em boa hora, ficou para
trás o tempo do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. (FREITAS,
Vladimir Passos de. Nomeação para dar foro privilegiado a réu é ato
administrativo nulo. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mar13/segunda-leituranomeacao-dar-foro-privilegiado-reu-atoadministrativonulo#_ednref5. Acesso em: 18.3.2016.)
[...]
Apesar de ser atribuição privativa do Presidente da República a nomeação de
Ministro de Estado (art. 84, inciso I, da CF), o ato que visa o preenchimento
de tal cargo deve passar pelo crivo dos princípios constitucionais, mais
notadamente os da moralidade e da impessoalidade (interpretação sistemática
do art. 87 c/c art. 37, II, da CF).
A propósito, parece especialmente ilustrativa a lição de Manuel Atienza e
Juan Ruiz Manero, na obra “Ilícitos Atípicos”. Dizem os autores, a propósito
dessa categoria: “Os ilícitos atípicos são ações que, prima facie, estão
permitidas por uma regra, mas que, uma vez consideradas todas as
circunstâncias, devem considerar-se proibidas”. (ATIENZA, Manuel;
MANERO, Juan Rui. Ilícitos Atípicos. 2ª ed. Madrid: Editoral Trotta, 2006,
p. 12).
E por que devem ser consideradas proibidas? Porque, a despeito de sua
aparência de legalidade, porque, a despeito de estarem, à primeira vista, em
conformidade com uma regra, destoam da razão que a justifica, escapam ao
princípio e ao interesse que lhe é subjacente. Trata-se simplesmente de
garantir coerência valorativa ou justificativa ao sistema jurídico e de apartar,
com clareza, discricionariedade de arbitrariedade.
O mesmo raciocínio abarca os três institutos bem conhecidos da nossa
doutrina: abuso de direito, fraude à lei e desvio de finalidade/poder. Todos
são ilícitos atípicos e têm em comum os seguintes elementos: 1) a existência
de ação que, prima facie, estaria em conformidade com uma regra jurídica; 2)
a produção de um resultado danoso como consequência, intencional ou não,
da ação; 3) o caráter injustificado do resultado danoso, à luz dos princípios
jurídicos aplicáveis ao caso e 4) o estabelecimento de uma segunda regra que
limita o alcance da primeira para qualificar como proibidos os
comportamentos que antes se apresentavam travestidos de legalidade.
Especificamente nos casos de desvio de finalidade, o que se tem é a adoção
de uma conduta que aparenta estar em conformidade com um certe regra que
confere poder à autoridade (regra de competência), mas que, ao fim, conduz a
resultados absolutamente incompatíveis com o escopo constitucional desse
mandamento e, por isso, é tida como ilícita.
Aplicando essas noções ao caso em tela, tem-se que a Presidente da
República praticou conduta que, a priori, estaria em conformidade com a
atribuição que lhe confere o art. 84, inciso I, da Constituição – nomear
Ministros de Estado. Mas, ao fazê-lo, produziu resultado concreto de
todo incompatível com a ordem constitucional em vigor: conferir ao
investigado foro no Supremo Tribunal Federal.
Não importam os motivos subjetivos de quem pratica o ato ilícito. O
vício, o ilícito, tem natureza objetiva. A bem dizer, a comprovação dos
motivos subjetivos que impeliram a mandatária à prática, no caso em
tela, configura elemento a mais a indicar a presença do vício em questão,
isto é, do desvio de finalidade.
A rigor, não cabe investigar aqui o dolo, a intenção de fraudar a lei. Não está
em questão saber se a Presidente praticou crime, comum ou de
responsabilidade. Não é disso que se cuida.
É exatamente esse pano de fundo que deve nortear a análise de eventual
desvio de finalidade na nomeação de Ministro de Estado.
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Nesse contexto, o argumento do desvio de finalidade é perfeitamente
aplicável para demonstrar a nulidade da nomeação de pessoa
criminalmente implicada, quando prepondera a finalidade de conferirlhe foro privilegiado. No caso concreto, a alegação é de que o exPresidente Luiz Inácio Lula da Silva teria sido empossado justamente
para deslocar o foro para o STF e salvaguardar contra eventual ação
penal sem a autorização parlamentar prevista no art. 51, I, da CF.
Havia investigações em andamento, que ficariam paralisadas pela
mudança de foro, uma delas que ensejou medidas de busca e apreensão
contra Luiz Inácio Lula da Silva – Operação Aletheia, desdobramento
da Lava Jato. Havia uma denúncia pendente de apreciação,
acompanhada de um pedido de decretação de prisão preventiva – caso
Bancoop.
É muito claro o tumulto causado ao progresso das investigações, pela
mudança de foro. E “autoevidente” que o deslocamento da competência
é forma de obstrução ao progresso das medidas judiciais.
Não se nega que as investigações e as medidas judiciais poderiam ser
retomadas perante o STF. Mas a retomada, no entanto, não seria sem
atraso e desassossego. O tempo de trâmite para o STF, análise pela PGR,
seguida da análise pelo relator e, eventualmente, pela respectiva Turma,
poderia ser fatal para a colheita de provas, além de adiar medidas
cautelares.
Logo, só por esses dados objetivos, seria possível concluir que a posse em
cargo público, nas narradas circunstâncias, poderia configurar fraude à
Constituição.
A rigor, assim como nos precedentes acerca da manutenção da
competência do Tribunal em caso de renúncia em fase de julgamento,
não seria necessário verificar os motivos íntimos que levaram à prática
do ato. A simples nomeação, assim como a renúncia, demonstram
suficientemente a fraude à Constituição.
[...]
É urgente tutelar o interesse defendido.
Como mencionado, há investigações em andamento, para apuração de crimes
graves, que podem ser tumultuadas pelo ato questionado. Há, inclusive,
pedido de prisão preventiva e de admissibilidade de ação penal, que
necessitam de definição de foro para prosseguimento.
Por fim, registro que os presentes mandados de segurança coletivos
impetrados no Supremo Tribunal Federal não têm o condão de suspender o
trâmite de ações populares já em curso em outras instâncias ou mesmo de
obstar a propositura de nova demanda. Tratando-se de feitos de competência
de instâncias distintas, impossível sua reunião. Tampouco a presente ação
impede a análise de tutela de urgência em ações populares, conforme dispõe
o art. 1º, § 2º, da Lei 8.437/92.
Ante o exposto, defiro a medida liminar, para suspender a eficácia da
nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de Ministro Chefe da
Casa Civil, determinando a manutenção da competência da justiça em
Primeira Instância dos procedimentos criminais em seu desfavor. [...]” (grifo
nosso)
Assim sendo, impõe-se a nulidade do ato de nomeação e posse dos Ministros da
Presidência atualmente sob a custódia interina do Sr. Michel Temer, nas tenazes do art.
2°, alíneas “a”, “c”, e “e”, c/c art. 2°, § único, alíneas “a”, “c”, e “e”, todos da Lei
Federal n° 4.717/65, esquivando-se este v. juízo do risco de comprometer a
uniformidade jurisprudencial no tocante à matéria e, por isso mesmo, o fim maior de
todo ordenamento: a segurança jurídica.
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“Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a
justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao
sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a
nossas instituições. Se nós –– os integrantes da Corte –– não observarmos
as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal para que os
demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em
acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será
extingui-la.” (RSTJ 157/17: REsp 228.432-ED-AgRg; palavras do Ministro
Humberto Gomes de Barros, perante a Corte Especial do Superior Tribunal
de Justiça, na sessão de 01.2.02, grifo nosso).
IV – DOS PEDIDOS
À vista do exposto, requer-se que V. Exa. se digne a:
a) processar e julgar a presente ação popular, na forma do art. 5°,
caput, da Lei Federal n° 4.717/65, bem como na esteira da
jurisprudência dos Tribunais Superiores;
b) admitir o pagamento das custas processuais tão somente ao final
da demanda, de acordo com o disposto no art. 10 da Lei Federal n°
4.717/65;
c) porquanto presentes o fumus bonis juris e o periculum in mora
(art. 5°, §4°, do diploma da ação popular), suspender liminarmente
os efeitos jurídicos do ato lesivo impugnado, com vistas à imediata
cessação da eficácia da nomeação e posse de todos os Ministros de
Estado levadas a cabo pelo Exmo. Presidente Interino da
República Federativa do Brasil, sob pena de se chancelar a
coexistência inadmissível de um “governo paralelo”, tornando letra
morta a possibilidade prevista no ar. 86, §2°, da CF/88, não sem
averbar virtual, irresponsável e antecipadamente, eventual condenação
contra a Presidenta eleita;
d) em não entendendo pela tese circunscrita no pedido formulado na
alínea anterior, suspender liminarmente a nomeação e posse dos
Srs. Ministros do Turismo e da Secretaria de Governo da
Presidência da República, aos quais foi outorgada de modo
espúrio a prerrogativa do foro privilegiado, em evidente episódio
de incompetência, ilegalidade e desvio de finalidade, conforme o
art. 2°, alíneas “a”, “c”, e “e”, c/c art. 2°, § único, alíneas “a”, “c”, e
“e”, todos da Lei Federal n° 4.717/65;
e) após o deferimento dos pedidos delineados acima, determinar,
porquanto urgentes, que se proceda às comunicações cabíveis,
mediante fac-símile ou outro meio que o valha, informando-se à
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Secretaria de Imprensa do Tribunal Federal da 5ª Região, com a
finalidade de o ato ganhar a maior publicidade possível;16
f) em atenção ao art. 22 e ss. da Lei Federal n° 9.028/95, citar o
representante legal do Exmo. Presidente Interino da República
Federativa do Brasil, sito no endereço fornecido no preâmbulo desta
inicial, para, em querendo, contestar a presente ação no prazo legal
especial;
g) citar os Srs. Ministros do Turismo e da Secretaria de Governo da
Presidência da República –– também representados pela Procuradoria
Federal no Ceará ––, para que integrem ambos o presente feito, se
assim o quiserem, na condição processual de litisconsortes passivos
necessários;
h) se entender indispensável, requisitar informações oficiais da
acerca da investigação dos atuais Ministros do Turismo e da Secretaria
de Governo da Presidência da República e outros no âmbito da
Operação Lava Jato e afins, a serem prestadas concorrentemente pela
Polícia Federal, pela 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de CuritibaPR e pelo Gabinete do Exmo. Ministro Teori Zavascki do STF,
assinando o prazo do art. 7°, inc. I, alínea “b”, da Lei Federal n°
4.717/65, para o seu atendimento;
i) intimar o ilustre representante do Parquet, para acompanhar
a presente ação, bem como para promover a responsabilidade,
civil ou criminal, dos que nela incidirem, sem jamais assumir a
defesa do ato impugnado ou dos seus autores (art. 6°, §4°, da Lei
Federal n° 4.717/65);
j) no prazo do art. 7°, inc. VI e § único da Lei Federal n° 4.717/65,
julgar procedente o mérito da presente ação, considerando tanto a
legislação de regência como a jurisprudência acima dissertada
(sobretudo os MS n° 34.070/DF e n° 34.071/DF), por ser medida de
direito e da mais lídima justiça;
k) condenar ao pagamento de perdas e danos tanto os responsáveis
pela prática do ato impugnado, bem como os seus beneficiários (art.
11 da Lei Federal n° 4.717/65);
l) por força do art. 12 da Lei Federal n° 4.717/65, incluir, na
condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais
despesas, bem como dos honorários advocatícios, este na forma do art.
85, §2° e incs., do novo CPC/2015.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, nos
moldes do art. 396 e ss. do novo Código de Ritos.
16
Vide, a propósito, Rcl n° 3872, STF, Presidente Ministro Nelson Jobim, DJ de 18/10/2005.
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Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), para fins meramente
fiscais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Fortaleza-CE, 13 de maio de 2016.
Vinícius Madureira Maia
OAB-CE n° 26.401
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