Do lobo ao cão: Diversidade fenotípica observável

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Do lobo ao cão: Diversidade fenotípica observável
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VETERINARY
A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia
Aspectos
clínicos da
genética
canina
• Como abordar... A síndrome gastrintestinal e das vias respiratórias superiores em cães braquicefálicos
• Predisposição genética para reações adversas a medicamentos no cão • Rastreamento genético em cães
• Interações entre nutrientes e genes: aplicação à nutrição e saúde dos animais de companhia • Aspectos
genéticos da doença renal canina • Do lobo ao cão: diversidade fenotípica observável nas raças caninas
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Resumos de Medicina de Animais de Companhia:
Temos o prazer de anunciar que a Veterinary Focus, revista publicada por Royal Canin,
que reúne informação «State-of-the-Art» sobre medicina canina e felina, está disponível em formato eletrônico no website IVIS.
CONHECIMENTO E RESPEITO
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 1
SUMÁRIO
# 17.2
© Eric Isselée
VETERINARY
2007 - 10$/10€
A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia
A Veterinary Focus é publicada em inglês, francês, alemão, chinês, holandês, italiano, polonês, português, espanhol,
japonês, grego e russo.
Ilustração da capa: Bulldog Inglês
Conhecimento e Respeito... As raças caninas no mundo
p. 02
Frank Haymann
Como abordar... A síndromegastrintestinale das vias respiratóriassuperiores em cães braquicefálicos
p. 04
Valérie Freiche e Cyrill Poncet
Predisposição genética para reações adversas a medicamentos no cão
p. 11
Margo Karriker
Rastreamento genético em cães
p. 18
Matthew Binns
Interações entre nutrientes e genes: aplicação à nutrição e saúde dos animais de companhia
p. 25
Brittany Vester e Kelly Swanson
Aspectos genéticos da doença renal canina
p. 33
Catherine Layssol, Yann Queau e Hervé Lefebvre
Ponto de vista Royal Canin... Raça: um parâmetro fundamental em nutrição canina
p. 40
Pascale Pibot
Do lobo ao cão: diversidade fenotípica observável nas raças caninas
p. 45
Bernard Denis
ALEMANHA ARGENTINA AUSTRÁLIA ÁUSTRIA BAHREIN BÉLGICA BRASIL CANADÁ CHINA CHIPRE COREIA CROÁCIA DINAMARCA EMIRADOS ÁRABES UNIDOS ESLOVÉNIA ESPANHA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ESTÓNIA FILIPINAS FINLÂNDIA
FRANÇA GRÉCIA HOLANDA HONG-KONG HUNGRIA IRLANDA ISLÂNDIA ISRAEL ITÁLIA JAPÃO LETÓNIA LITUÂNIA MALTA MÉXICO NORUEGA NOVA ZELÂNDIA POLÓNIA PORTO RICO PORTUGAL REINO UNIDO REPÚBLICA CHECA REPÚBLICA DA
ÁFRICA DO SUL REPÚBLICA ESLOVACA ROMÉNIA RÚSSIA SINGAPURA SUÉCIA SUIÇA TAILÂNDIA TAIWAN TURQUIA
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da Veterinary Focus
CONHECIMENTO E RESPEITO
AGRADECIMENTOS: A ROYAL CANIN DO BRASIL AGRADECE O PROF. DR. FERNANDO BRETAS VIANA PELA PRECIOSA CONTRIBUIÇÃO NA
REVISÃO DESTA EDIÇÃO DA REVISTA VETERINARY FOCUS.
Veterinary Focus, Vol 17 n° 2 - 2007
Consultores Editoriais
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ACVIM, Dipl. ACVN Comunicações Científicas,
Royal Canin, EUA
• Drª Pascale Pibot, DVM, Diretora de
Publicações Científicas, Royal Canin, França
• Drª Pauline Devlin, BSc, PhD, DiretoraAssistente Veterinária, Royal Canin, RU
• Drª Karyl Hurley, BSc, DVM, Dipl. ACVIM, Dipl.
ECVIM-CA Assuntos Acadêmicos Globais,
WALTHAM
Editor
Revisão editorial para outras línguas :
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Secretário Editorial
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[email protected]
• Ellinor Gunnarsson
Ilustração
• Youri Xerri
Tradução (Português)
• Paula Cortes
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• Drª Eva Ramalho, DVM (Português)
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• Drª Margriet Bos, DVM (Holandês)
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• Drª Wandréa de S. Mendes, DVM, MSc, DSc (Brasil)
• Drª Luciana D. de Oliveira, DVM, MSc, DSc (Brasil)
• Drª Ana Gabriela Valério, DVM (Brasil)
Endereço: 85, avenue Pierre Grenier
92100 Boulogne – França
Telefone: +33 (0) 1 72 44 62 00
Impresso na União Europeia
ISSN 0965-4577
Circulação: 100,000 cópias
Depósito legal: Junho 2007
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Publicado por: Buena Media Plus
Impresso no Brasil por: Intergraf
PCA: Bernardo Gallitelli
As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito mundialmente. Na ausência de uma licença específica, deve ser considerada
a publicação de um aviso de prevenção adequado, antes da administração de tais fármacos.
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CONHECIMENTO E RESPEITO
As raças caninas
no mundo
© iStockphoto
por Frank Haymann
Australian Stumpy Tail Cattle Dog
A
seleção genealógica
canina remonta ao final
do século XIX e representa,
na atualidade, mais de 30 gerações
de reprodução seletiva. Em cada
ano nascem e são registados mais
de 3.5 milhões de cães de raça.
Os cães de raça no
universo da população
canina global
Hoje em dia, os cães de raça
registrados representam apenas
5 a 6% da população canina
mundial (Tabela 1).
Atualmente cerca de 100 países se
dedicam à criação de cães de
raça, mas só 90% dos animais
nascidos são registrados, em
apenas 25 países.
A Federação Cinológica International (FCI) coordena 83
associações nacionais que
representam mais de 2.500.000
cães registrados anualmente. O
Japanese Kennel Club constitui a
organização
nacional
mais
significativa, com mais de
530.000 cães registrados. O
American Kennel Club (AKC) é a
federação canina mais prolífica no
mundo, com um registro anual
superior a 900.000 cães.
Diversidade
O número de raças reconhecidas
não é idêntico entre Federações.
O Kennel Club do Reino Unido
reconhece 200 raças caninas,
mas o pr imeiro lugar em
termos de diversidade é ocupado
pela FCI, que reconhece 354 raças
distintas, a última proveniente
da
Polônia,
denominada
Gonzcy Polski. O Pastor Branco
Suíço, o Australian Stumpy Tail
Cattle Dog e Pastor Romeno
Mioritic também pertencem às
novas raças reconhecidas.
Apesar desta diversidade mais de
50% dos nascimentos resultam
de uma única classificação de
raças. A Tabela 2 apresenta um
destaque dos países mais
ativos em reprodução canina.
© iStockphoto
NB O número de cães de raça
tem crescido na população
canina, que é relativamente
estável. As raças pequenas tem
evidenciado um aumento significativo de popularidade ao longo
da última década. O fenômeno
começou na Ásia e difundiu-se
Pastor Romeno Mioritic
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© iStockphoto
por outros continentes, e de
forma menos acentuada na
Europa. Provavelmente esta
tendência relaciona-se com a
crescente urbanização da sociedade e irá manter-se.
Pastor Branco Suíço
Tabela 1.
População canina e cães de raça no mundo
País
População canina (milhões)
600
5,5
4
5,5
0,5
8,5
6,9
50
10
58
Em todo o mundo
Alemanha
Austrália
Espanha
Finlândia
França
Grã Bretanha
Índia
Tailândia
EUA
Cães de raça pura (% população total)
5,8
18,2
20
15,5
80
17,6
36,2
0,3
2
22,4
O prêmio “maturidade cinotécnica”, os países em que os cães de raça se encontram em maioria em termos da população canina, vai para os
países Escandinavos.
Tabela 2.
As três raças mais populares em cada país
País
Austrália
Áustria
Bélgica
Brasil
Dinamarca
Finlândia
França
Alemanha
Grã Bretanha
Hungria
Itália
Japão
Noruega
Nova Zelândia
Holanda
Portugal
Espanha
Suécia
Tailândia
EUA
Raça n° 1
Pastor Alemão
Pastor Alemão
Pastor Alemão
Yorkshire Terrier
Retriever do Labrador
Pastor Finlandês
Pastor Alemão
Pastor Alemão
Retriever do Labrador
Retriever do Labrador
Pastor Alemão
Teckel
Pastor Alemão
Retriever do Labrador
Retriever do Labrador
Retriever do Labrador
Yorkshire Terrier
Pastor Alemão
Golden Retriever
Retriever do Labrador
Raça n° 2
Retriever do Labrador
Golden Retriever
Pastor Belga
Retriever do Labrador
Pastor Alemão
Elkhound
Golden Retriever
Teckel
Pastor Alemão
West Highland Terrier
Setter Inglês
Chihuahua
Elkhound
Pastor Alemão
Pastor Alemão
Rottweiler
Pastor Alemão
Golden Retriever
Shih Tzu
Golden Retriever
Raça n° 3
Staffordshire Bull Terrier
Retriever do Labrador
Golden Retriever
Rottweiler
Golden Retriever
Pastor Alemão
Retriever do Labrador
Braco Alemão de Pelo Duro
Cocker Spaniel Inglês
Pastor Alemão
Spaniel Bretão
Shih Tzu
Setter Inglês
Golden Retriever
Golden Retriever
Pastor Alemão
Golden Retriever
Retriever do Labrador
Rottweiler
Pastor Alemão
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 3
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COMO ABORDAR...
A síndrome gastrintestinal e
das vias respiratórias
superiores em cães
braquicefálicos
Surgeons). Atualmente, o Dr. Poncet é um dos sócios da
clínica Frégis e especialista em cirurgia de tecidos moles.
Introdução
Valérie Freiche, DVM
Clínica Alliance, Bordéus, França
Valérie Freiche graduou-se na Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Alfort - França, em 1988, onde foi interna e
assistente no Departamento de Medicina até 1992.
A Drª Freiche empreendeu a sua própria clínica na região de
Paris, e optou por se dedicar à gastrenterologia. Desde 1992,
é responsável pelas consultas de gastrenterologia e
fibroscopia digestiva na Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Alfort. Desempenha a mesma função clínica
referência, a clínica Frégis, em Arcueil. Em 2006, mudou-se
para o sudoeste de França para trabalhar nessa mesma área
na clínica Alliance, outra referência. A Drª Valérie Freiche
participa regularmente de conferências e cursos de pósgraduação em gastrenterologia.
Cyrill Poncet, DVM, Dipl. ECVS
Clínica Frégis, Arcueil, França
O Dr. Poncet graduou-se na Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Toulouse, em 1998, onde também
especializou-se em cirurgia (2001). Posteriormente, realizou
internato em cirurgia, na clínica Frégis, e obteve o diploma
europeu de cirurgia (ECVS - European College of Veterinary
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Em resultado da seleção genética realizada ao
longo dos últimos 15 anos, a morfologia dos cães
braquicefálicos (principalmente o Buldogue
Francês, o Buldogue Inglês, o Pug ou o Boston
Terrier) evoluiu para faces achatadas, amplas e
curtas (1) (Figura 1). Além das má-formações
vertebrais e da dermatite das pregas cutâneas,
esta evolução acentuou um determinado número de
desordens funcionais que, muitas vezes, os
proprietários desses animais encaram como
“normais”.
Podem ser de dois tipos:
De tipo respiratório
• Sons respiratórios acentuados
• Tolerância reduzida ao esforço ou ao calor
• Cianose
• Síncope
ou
De tipo gastrintestinal
• Regurgitação de saliva em situações de stress
• Vômito frequente
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a.
b.
Figura 1.
a. Buldogue Inglês macho com 18 meses de idade, com problemas respiratórios e regurgitação.
b. Buldogue Francês macho com 14 meses de idade, com problemas digestivos crônicos. Note a estenose nasal bilateral.
Embora os distúrbios respiratórios tenham sido objeto
de inúmeros estudos (2-5), a descrição e a análise
dos distúrbios gastrintestinais (GI) crônicos
associadas a anomalias respiratórias é mais recente
(6,7).
Em estudo prospectivo, os autores destacaram a
elevada incidência de distúrbios GI em animais
apresentados em consulta com obstrução do trato
respiratório superior, 97,2% nos 73 animais (na
sequência de exame clínico e endoscópico). Foram
frequentemente observadas lesões inflamatórias no
esôfago distal, no estômago ou no duodeno,
podendo estar associadas a anomalias anatômicas
ou funcionais (ex.: atonia do cárdia, refluxo
gastroesofágico, retenção gástrica, hiperplasia da
mucosa pilórica ou estenose pilórica) (8). O exame
histológico conduzido em 51 destes animais
revelou 98% de casos de gastrite crônica. Foi
estabelecida correlação estatística entre a
gravidade dos sintomas clínicos gastrintestinais e
respiratórios,
evidenciando
abordagem
patofisiológica comum validada do ponto de vista
estatístico.
Realizou-se, posteriormente, estudo retrospectivo
destes animais (7): através de exame e tratamento
médico sistemático das lesões esofágicas, gástricas
e duodenais, paralelamente a cirurgia corretiva do
trato respiratório superior.
Objetivos do estudo:
• Avaliar, a médio prazo, as melhorias respiratórias
nos cães.
• Avaliar a evolução dos distúrbios gastrintestinais após intervenção cirúrgica para os
problemas respiratórios.
• Avaliar a utilidade de monitorização precoce dos
distúrbios GI e se o tratamento dos sintomas
clínicos proporcionava melhores prognósticos
em cães braquicefálicos.
Este artigo apresenta uma síntese de recentes estudos
sobre o diagnóstico e o tratamento médico dos
distúrbios do trato digestivo superior em cães
braquicefálicos.
Avaliação clínica
Quando o motivo da consulta for dificuldade
respiratória, intolerância ao esforço (ou calor) ou
síncope, o histórico pode revelar a existência de
distúrbios GI digestivos associados.
Geralmente a consulta inicial é realizada ao
primeiro episódio de dispnéia, desencadeado por
uma situação de estresse ou calor. Normalmente, os
relatos dos proprietários descrevem intolerância ao
esforço por várias semanas ou meses anteriores à
consulta. Estes distúrbios respiratórios são de
natureza inspiratória ou mista. Além disso, os
sintomas GI estão frequentemente associados e
incluem refluxo, ingestão frequente de grama,
emese em caso de excitação ou brincadeiras,
regurgitação de saliva ou vômito de alimento
parcialmente digerido após prolongado
intervalo de tempo seguinte às refeições.
Silmultaneamente, quando distúrbios GI são o
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COMO ABORDAR...
motivo da consulta, é possível identificar desordens
respiratórias associadas.
Cinco sinais fundamentais para avaliar a gravidade
dos distúrbios respiratórios são:
• Ronco
• Esforço inspiratório
• Dispnéia
• Intolerância ao esforço ou ao estresse
• Síncope
Três sintomas clínicos GI:
• Ptialismo
• Regurgitação
• Vômito
A intensidade dos sinais clínicos pode ser classificada como segue:
1. mínimos, 2. moderados e 3. acentuados.
No estudo prospectivo realizado (6), apenas 6,6%
dos 73 animais não evidenciaram sintomas de
distúrbios GI independentemente da razão da
consulta (desordens digestivas ou respiratórias
constatadas pelos proprietários). 82% dos indivíduos
foram classificados nos níveis 2 ou 3. Os primeiros
sinais digestivos ou respiratórios manifestaram-se
antes dos seis meses em 67,2% dos casos.
Na prática, uma vez confirmada síndrome obstrutiva
do trato respiratório no decurso do exame clínico é
aconselhável efetuar exame endoscópico (sob
anestesia geral) do trato respiratório superior e
gastrintestinal, para avaliar as lesões em ambos os
sistemas. A cirurgia corretiva do trato respiratório
superior (se indicada), é realizada sob a mesma
anestesia.
A radiografia do tórax está preconizada sempre
que o exame pulmonar revelar anomalia ou
quando a anamnese descrever tosse intensa ou
Figura 2.
Endoscopia esofágica:
o esôfago possui um
comprimento excessivo
e não linear.
episódios de dispnéia severa. No Buldogue
Inglês é frequentemente constatada a presença
de hipoplasia traqueal, o que agrava os
distúrbios respiratórios crônicos nestes cães
(9,10).
Achados endoscópicos
A anestesia de cães braquicefálicos requer
atenção minuciosa e elevado nível de cuidados
durante o tratamento.
• Dieta líquida nas 24 horas anteriores à anestesia
geral
• Pré-medicação com acepromazina (0,5mg/kg IM),
dexametasona (0,2mg/kg IM) e metoclopramida
(0,5mg/kg IM)
• Indução rápida da anestesia geral (tiopental 5-10
mg/kg)
• Entubação do animal e manutenção da anestesia
com isoflurano misturado com 100% de oxigênio
(11).
A primeira fase do exame é realizada com o animal
em posição ventral, para facilitar o diagnóstico das
desordens respiratórias:
• Aspecto das narinas
• Alongamento e hiperplasia do palato mole
• Aspecto das amígdalas
• Eversão dos ventrículos da laringe
• Flacidez da cartilagem aritenóideia da laringe
• Macroglossia (obstrução parcial ou total da faringe
nasal pela base da língua)
• Redução de movimentos temporomandibulares
Na segunda fase, em decúbito lateral esquerdo,
podem ser diagnosticadas as principais lesões GI,
distinguindo-se três tipos de anomalias em cada
segmento digestivo (esôfago, estômago, duodeno
superior):
• Anomalias anatômicas: má-formações congênitas ou lesões adquiridas no trato GI superior
(desvio esofágico, estenose pilórica, hérnia de
hiato, etc.) (12)
• Anomalias funcionais decorrentes de alterações no
trânsito GI (atonia do cárdia, refluxo duodenogástrico, etc.)
• Anomalias lesionais: lesões inflamatórias geralmente secundárias às duas anomalias acima
descritas (esofagite, gastrite, etc.) (13)
O exame deverá incidir particularmente sobre os
seguintes segmentos do trato digestivo superior e
© Freiche
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A SÍNDROME GASTRINTESTINAL E DAS VIAS RESPIRATÓRIAS SUPERIORES EM CÃES BRAQUICEFÁLICOS
sob seguintes aspectos:
• Comprimento do esôfago (Figura 2)
• Aspecto do esôfago distal e avaliação do cárdia
• Aspecto da mucosa gástrica
• Aspecto do antro pilórico e das pregas peripilóricas
• Facilidade da passagem de endoscópio
• Aspecto da mucosa duodenal
alimento semi líquido. Não se verificando
quaisquer complicações, o animal recebe alta 24
horas após a admissão.
O tratamento cirúrgico, quando necessário, das anomalias
digestivas detectadas durante a gastroscopia (hérnia do
hiato ou estenose pilórica) nunca é efetuado simultaneamente a correção das anomalias respiratórias. Deverá ser
adiado por várias semanas, estabelecendo-se entretanto uma
Biópsias do estômago e do duodeno devem ser
realizadas para determinar a intensidade do
infiltrado inflamatório, ao final do exame
histológico.
Intervenção cirúrgica e recuperação
pós-operatória
As anomalias respiratórias identificadas são
corrigidas por cirurgia após endoscopia. Estas
anomalias podem incluir:
• Palatoplastia (14)
• Ventriculectomia
• Rinoplastia por excisão em cunha de uma seção
do epitélio e da prega medial da cartilagem nasal
inferior (15)
Em cães braquicefálicos, a recuperação pós operatória é bastante delicada e comporta riscos potenciais.
Portanto, deverá decorrer com o mínimo de
estímulos sonoros e luminosos. O tubo endotraqueal deve ser removido o mais tarde possível,
preferencialmente quando o animal estiver
prestes a conseguir erguer-se. A ocorrência de
dificuldades respiratórias acentuadas durante a
fase pós-operatória podem requerer uma
traqueostomia temporária (4,9% dos casos no
estudo prospectivo) (16).
terapia provisória com medicamentos.
Patologia macroscópica do trato GI e
resultados histopatológicos
A endoscopia do trato GI pode revelar uma ou muitas
das diversas anomalias identificadas durante o estudo
prospectivo conduzido em 73 cães braquicefálicos
(6):
Esôfago
1. Desvio esofágico: anomalia relatada em
estudo efetuado em Bulldogs Ingleses (17).
Este desvio provoca a retenção de saliva e
resíduos de alimentos, e pode explicar a
salivação em animais em situações de
excitação.
2. Lesões inflamatórias e erosão distal podem ser
associadas a um comprimento excessivo do
esôfago (esôfago redundante) e/ou à incontinência do cárdia (abertura do cárdia durante a
inalação, fenômeno que nunca obser vado
em outras raças durante a endoscopia) (Figura
3).
Figura 3.
Endoscopia esofágica:
a atonia do cárdia é
uma característica dos
cães braquicefálicos.
São observáveis sinais
de esofagite distal
secundária e presença
de refluxo ácido
crônico.
O animal deve ser mantido sob vigilância constante,
no mínimo durante as 18 horas seguintes à
intervenção cirúrgica. A monitorização durante
a recuperação pode incluir: oxigenoterapia
através de entubação nasotraqueal, fisioterapia
adequada para favorecer a mobilização do muco
respiratório espessado (massagens repetidas e
movimentos de percussão na caixa torácica) e
aspiração de algum flegmão.
Figura 4.
Gastroscopia:
espessamento das
dobras gástricas e
presença de pontos
eritematosos indicando
desenvolvimento de
um tipo de gastrite
folicular, comum em
cães braquicefálicos.
O tratamento médico inclui dexametasona
(0,2mg/kg IM) e metoclopramida (0,3mg/kg
IM) 4 horas após a pré medicação. Se a fase pós
operatória for satisfatória, administra-se progressivamente ao paciente pequenas porções de
© Freiche
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 7
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COMO ABORDAR...
Figura 5.
Gastroscopia de um
Bulldog Francês de 2
anos, apresentado à
consulta devido a
vômito frequente.
A região em redor do
piloro evidencia um
espessamento
anômalo e um
diâmetro muito
reduzido.
Figura 6.
Duodenoscopia que
destaca a presença de
uma duodenite não
específica ativa. A
mucosa apresenta
aspecto espessado.
© Freiche
Estômago
1. Presença de gastrite, frequentemente folicular:
observa-se macroscopicamente pontilhado
eritematoso múltiplo, visível no corpo
gástrico mas também na zona antral de
forma mais acentuada (Figura 4).
2. O piloro apresenta-se rodeado por pregas
excessivas da mucosa, o que pode dificultar a
passagem do endoscópio até o duodeno
proximal. Em alguns casos, embora o animal
tenha sido submetido a jejum pré operatório, o
estômago encontra-se repleto de suco gástrico
ou alimentos não digeridos, absorvidos até 18
horas. Previamente estas últimas observações
indicam a presença de síndrome de retenção
gástrica, provavelmente decorrente de razões
funcionais ou anatômicas (Figura 5).
3. Em 7 animais do estudo anterior, não foi possível
proceder à exploração do duodeno durante o
procedimento endoscópico, devido a estenose
pilórica ser tão grave que impediu a passagem do
instrumento. A obstrução era provocada
usualmente por pregas hiperplásicas da mucosa,
em contraste com o que se verifica em situações
de estenose pilórica real, em que a hipertrofia
muscular constitui a principal causa da redução
8 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
da abertura do piloro.
Duodeno
Foi observada a presença de duodenite em 44%
dos animais examinados no estudo prospectivo
(39,5% dos animais examinados no estudo
retrospectivo).
Macroscopicamente, observa-se uma coloração
heterogênea, aumento da granulação da mucosa e
aspecto eritematoso no duodeno proximal, com
placas de Payer bastante visíveis e, por vezes,
descoloridas (Figura 6).
Em estudo prospectivo, realizado em 51 animais, o
exame histopatológico do estômago revelou gastrites
crônicas difusas em 50 amostras (98%), com lesões de
baixa intensidade em 13 casos (25,5%), lesões
moderadas em 25 casos (49%) e graves em 12 casos
(23,5%).
Realizaram-se biópsias duodenais em 43 animais.
A principal lesão observada foi a linfoplasmocitose,
que afetou 42 animais (97,7%). As lesões foram de
baixa itensidade em 13 casos (30,9%), moderadas em 23 casos (54,8%) e graves em 6 casos
(14,3%).
Tratamento e acompanhamento clínico
Adotou-se terapêutica padrão inicial diante da
detecção de lesões inflamatórias gastrintestinais
durante a endoscopia, basicamente:
• anti-ácido: normalmente inibidor da bomba de
prótons, omeprazol (0,7mg/kg/dia, em dose
única diária).
• agente procinético : cisaprida (0,2mg/kg, 3 vezes
ao dia) ou metoclopramida (0,5mg/kg, 2 vezes
ao dia, com monitorização da tolerância ao
fármaco)
Após obtenção dos resultados histológicos, o tratamento pode ser adaptado individualmente. O
tratamento pode ser estendido por maior período,
com redução gradual. Outra possibilidade é a
substituição por outro tratamento mais específico,
como nos casos:
Gastrite severa e/ou duodenite com fibrose parietal:
tratamento para 3 meses
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A SÍNDROME GASTRINTESTINAL E DAS VIAS RESPIRATÓRIAS SUPERIORES EM CÃES BRAQUICEFÁLICOS
• inibidor da bomba de prótons (omeprazol:
0,7mg/kg/dia, 1 vez por dia)
• procinético
• tratamento tópico local com solução à base de
fosfato de aluminio
• prednisolona (0,5mg/kg/dia, 2 vezes por dia,
com redução gradual das quantidades)
Gastrite moderada a severa, sem fibrose e/ou duodenite acentuada: tratamento para 3 meses
• Idêntico ao tratamento para gastrite severa, mas
sem corticosteróides
Esofagite distal: terapia para 15 dias, seguida pelo
tratamento da gastrite associada
• procinético
• inibidor da bomba de prótons
• sucralfato (1g por dia, por via oral 2 vezes por
dia, em jejum)
• sais de magnésio (1mL/kg, 3 vezes por dia, após
as refeições)
• fosfato de alumínio: 1mL/kg, 3 vezes por dia,
por via oral, fora do período das refeições)
É aconselhável realizar uma endoscopia de rotina
após 6 meses ou menos, caso não se observe
melhoria.
Também se preconizam algumas medidas dietéticas:
controle
da
quantidade,
alimentos
hiperdigeríveis ou hipoalergênicos para casos
específicos.
Acompanhamento clínico e avaliação
a curto prazo
Foi possível realizar o acompanhamento dos animais
em 51 dos 61 casos (83,6%).
Em relação aos distúrbios respiratórios: é
esperada melhoria dos sinais clínicos em 90%
dos animais nas semanas posteriores à cirurgia.
Melhorias imediatas foram observadas em 60%
dos cães.
Em relação aos distúrbios digestivos: melhorias
em cerca de 80% são esperadas como resultado
à medicação, Foram observadas aproximadamente de 60% dos cães com melhorias no
período de 15 dias.
Acompanhamento clínico e avaliação
a longo prazo
Após um período mínimo de acompanhamento de
6 meses, as melhorias dos distúrbios respiratórios
abordados no estudo foram consideradas
excelentes em 34 casos (66,7%), boas em 11
(21,6%) e inexistentes em 2 (3,9%). Deteriorações foram evidenciadas em 4 casos (7,8%).
Em relação aos sintomas GI, dos 47 casos com
sinais clínicos de distúrbios digestivos na fase de
admissão, as melhorias foram classificadas excelentes
em 34 (72,3%), boas em 9 (19,1%) e inexistentes em
2 casos (4,3%). Deteriorações foram evidenciadas
em 2 casos (4,3%). Os 4 casos sem sinais de
distúrbios gástricos antes da intervenção,
também não evidenciaram desordens durante o
período de acompanhamento.
Nos estudos retrospectivos realizados, foi observada
melhoria significativa dos distúrbios digestivos com o
protocolo terapêutico e cirúrgico estabelecido,
graças ao qual mais de 80% dos animais
apresentaram poucas ou nenhuma desordem GI
após o período de acompanhamento. As melhorias
foram rápidas e duradouras. Os resultados
confirmam as hipóteses estabelecidas durante o
estudo prospectivo (6), segundo as quais existem
interações estreitas entre a sintomatologia dos
distúrbios respiratórios e dos distúrbios digestivos; e
que o tratamento cirúrgico do trato respiratório
superior contribui de forma considerável para a
melhoria digestiva em cães braquicefálicos. Esta
hipótese é reforçada pelo fato de também se
observarem melhorias digestivas em animais não
submetidos a qualquer tratamento terapêutico
durante o período pós operatório. Adicionalmente,
em geral, não foram observadas recorrências dos
distúrbios digestivos com a interrupção do tratamento.
Melhoria macroscópica e
microscópica das lesões digestivas
Foi observada melhora das lesões inflamatórias do
trato digestivo superior macroscópico, e
microscopicomente. Dos 10 casos em que foi
possível a realização de endoscopia GI, todos
demonstraram melhorias ou desaparecimento
macroscópico das lesões inflamatórias do trato
digestivo, mesmo nos animais em que a princípio
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A SÍNDROME GASTRINTESTINAL E DAS VIAS RESPIRATÓRIAS SUPERIORES EM CÃES BRAQUICEFÁLICOS
observou-se recorrência ou persistência dos distúrbios
digestivos. Apesar de serem ainda visíveis má
formações, a correção cirúrgica do trato respiratório
superior e a aplicação de tratamento durante as
primeiras semanas do período pós operatório
permitiram reduzir ou eliminar as desordens
funcionais do trato digestivo.
Complicações pós-operatórias
As principais complicações descritas foram vômito
e pneumonia por aspiração (4,5,15). Outro estudo
(5) relatou 10/118 casos de pneumonia por
aspiração (8,5%) diagnosticados no período pósoperatório, com 6 (5%) óbitos, no intervalo de
36 horas após a cirurgia.
Um período mínimo de 24 horas de jejum antes da
cirurgia, uma pré medicação adequada, bem
como a vigilância de quaisquer desordens
digestivas concorrentes, limitam as complicações
pós operatórias. Tratam-se de recomendações
citadas na literatura em diversas ocasiões. No
presente estudo não foram observados casos de
pneumonia por aspiração durante o período pósoperatório. Ao nosso ver, o tratamento sistemático
das desordens digestivas pode ajudar a reduzir estas
complicações, frequentemente fatais, durante o
período pós operatório.
Conclusão
Estes dados demonstram que a anamnese clínica dos
cães braquicefálicos deve incluir abordagem global
dos distúrbios respiratórios, bem como dos
distúrbios do trato digestivo superior (movimentos
de mastigação, ptialismo, vômitos ou regurgitação),
ainda que não se constituam reclamações do
proprietário. Atualmente, já é um fato comprovado
que a correção cirúrgica precoce dos distúrbios
respiratórios produz melhorias rápidas nos
distúrbios digestivos. O tratamento de suporte das
anomalias digestivas também melhora a sintomatologia respiratória dos animais em fase pós operatória.
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Predisposição genética
para reações adversas a
medicamentos no cão
PONTOS-CHAVE
➧ Crescem as evidências de existência de uma
ligação genética entre as características
fenotípicas dos cães e as reações adversas a
medicamentos.
➧ As áreas da farmacogenética e da
Margo Karriker, PharmD
Programa de Nutrição Clínica WALTHAM UCVMC-SD, Centro
de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia,
San Diego, USA
A Dra Karriker doutorou-se na Faculdade de Farmácia da
Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill, em 2003. Em
2005 concluiu residência em Farmácia Clínica Veterinária, no
Hospital Universitário da Faculdade de Medicina Veterinária da
Universidade da Califórnia, Davis, ano em que também passou a
exercer o cargo de Especialista WALTHAM, em Farmácia Clínica,
no Programa de Nutrição Clínica WALTHAM UCVMC-SD, em San
Diego. A Dra Karriker faz parte do corpo clínico da Faculdade de
Farmácia da UC Skaggs San Diego e é farmacêutica de uma
equipe federal de Assistência Médica Veterinária.
farmacogenômica expandem rapidamente a
perspectiva de aplicação clínica dos dados
genéticos para favorecer a prevenção de reações
adversas, prever o comportamento dos fármacos e
identificar novos objetivos farmacológicos para a
investigação.
➧ A mutação de deleção de genes multirresistentes a
fármacos (MDR), que induz a alteração da
expressão da glicoproteína-p e do comportamento
dos medicamentos em Collies e raças aparentadas,
constitui uma das variações genéticas mais
amplamente estudadas, observadas em cães.
➧ Os avanços da farmacogenética e sua
aplicabilidade clínica terão um impacto
considerável nas decisões clínicas do futuro.
Introdução
A farmacoterapia tem como objetivo a maximização
do efeito terapêutico e, por outro lado, minimizar as
reações adversas e interações medicamentosas, o que
não é simples. Pacientes complexos, processos
patológicos variáveis e medicações elaboradas
complicam a maioria dos cenários clínicos. Muitas
vezes, nem todo o cuidado do mundo é suficiente para
conseguir prever, evitar e gerir reações adversas
aos medicamentos.
Há muito tempo se observam relações de reações
medicamentosas, com a raça, a idade, a influência
ambiental e outros fatores. Entretamto nunca foi
possível mapear geneticamente esses eventos ou
associá-las, de forma inequívoca, a ponto do
genoma.
Nos últimos anos, os estudos têm-se focado
sobretudo na base genética das interações farmacocinéticas (absorção, distribuição, metabolismo,
excreção) e farmacodinâmicas (interações medicamentosas com alvos, tais como os receptores e os
transmissores) dos fármacos no organismo. Esta
área de investigação foi denominada farmaco-
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genética, elaborada para facilitar a compreensão
da variação genética nas populações, para assim
prever a reação de um indivíduo à farmacoterapia.
Também pressupõe a capacidade de prever, efetiva
e eficientemente, resultados seguros em quase
todos os pacientes, pois aborda alvos específicos
da terapia medicamentosa. Considerando que o
projeto do genoma humano já está concluído e o
interesse constante no mapeamento do perfil
genético de outras espécies, os dados farmacogenéticos e, por consequência, os indicadores
clínicos da resposta medicamentosa, passarão
provavelmente a desempenhar um papel mais
habitual na prática veterinária. À medida em que o
cenário clínico evolui para um tratamento contínuo
de doenças complexas, manejo de doenças crônicas
e diagnóstico menos comuns, a capacidade de
prever a interação do paciente com a medicação
prescrita (e talvez a probabilidade de sucesso
clínico) poderá revelar-se componente valioso da
abordagem terapêutica.
Atualmente, os dados clínicos e circunstanciais,
que permitam relacionar as características das
raças ou populações passíveis de predispor os
animais para reações adversas aos fármacos, são
ainda bastante escassos. Há relativamente pouco
tempo, os conhecimentos baseavam-se em
elementos fenotípicos, ou seja, na sua expressão
visível, como a pelagem e a cor dos olhos. A
abordagem farmacogenética às reações medicamentosas adversas proporcionará uma farmacoterapia única para cada paciente e a elaboração
de terapêutica individualizada (1).
Sabe-se atualmente que uma população de animais
aparentemente similares pode evidenciar
diversidade de reações clínicas a uma terapia
idêntica. Esta resposta clínica variável, pode ser
devido a componentes genéticos, mas graças aos
conhecimentos farmacogenéticos teremos a
oportunidade de alterar a abordagem em tempo
real. Através de (screening tests) especificamente
Tabela 1.
Exemplos de variações hereditárias ou adquiridas em enzimas, receptores e transportadores de fármacos
considerados clinicamente relevantes em Medicina Humana (2)
Enzima
Pseudocolinesterase plasmática
Tiopurina metiltransferase
(TPMT)
Variações fenotípicas
Hidrólise éster, lenta
Fracos metiladores de TPMT
Aldeído desidrogenase
Metabolizadores rápidos,
lentos
Catecol-O-metiltransferase
CYP 2D6
Metiladores elevados,
reduzidos
Ultra rápida
Extensiva
Metabolizadores fracos
Levodopa
Metildopa
Debrisoquina
Nortriptilina
Dextrometorfano
CYP 2C9
Metabolizadores fracos
CYP 2C19
Hidroxiladores fracos,
extensivos
Tolbutamida, S-varfarina,
fenitoína, agentes antiinflamatórios não esteróides
Omeprazol
Transportadores
Transportador multirresistente
a fármacos (MDR-1)
Receptores
B2 Adrenoreceptor
5-HT2A receptor serotonérgico
HER2
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Fármaco afetado
Succinilcolina
6-Mercaptopurina
6-Tioguanina
Azatioprina
Etanol
Alteração de resposta
Apnéia prolongada
Toxicidade da medula óssea
Lesões hepáticas
Lenta: ruborização facial
Rápida: proteção contra
a cirrose hepática
Resposta aumentada
ou reduzida
Ultra rápida: resistência ao
fármaco
Extensiva: câncer de pulmão
Fraca: toxicidade aumentada
Resposta aumentada
ou toxicidade
Fraca: toxicidade aumentada,
eficácia reduzida
Sobreexpressão
Muitos - Ver Tabela 2
Resistência ao fármaco
Regulação descendente
do receptor
Polimorfismos múltiplos
Sobre expressão
(câncer de mama)
Albuterol
Baixo controle da asma
Clozapina
Trastuzumabe
Eficácia variável do fármaco
Eficácia variável do fármaco
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PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA PARA REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS NO CÃO
direcionados, será possível pré-identificar animais
com expressão alterada da proteína ou a
sequência genética responsável por reações
adversas, associadas a um medicamento específico
ou a uma categoria de fármacos. Munidos das
ferramentas proporcionadas pela farmacogenética,
torna-se possível evitar ou alterar essas reações
modificando nossas escolhas de fármacos.
Evolução atual da farmacogenética
No passado, julgava-se que o fato de os organismos
possuírem a capacidade de se adaptarem às influências exercidas por fatores ambientais ou terapêuticos baseava-se na hereditariedade. No início do
século XX, os estudos conduzidos por diversos
investigadores provaram a existência da ligação
entre os processos bioquímicos que controlam o
metabolismo dos fármacos e a genética (2). Snyder
publicou, em 1932, um dos primeiros trabalhos
sobre uma resposta a um produto químico estranho.
Com base em trabalhos anteriores de Fox, Blakeslee e
Salmon, a insensibilidade gustativa à feniltiocarbamida (PTC) foi descrita e associada a
características autossômicas no ser humano (3).
Posteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial,
Archibald Garrod detectou uma relação entre o
desenvolvimento de uma reação de hemólise à
primiquina e os soldados afro-americanos. A investigação demonstrou que a hemólise resultava de uma
deficiência genética em glicose-6-fosfato-desidrogenase (G-6-PD) (4).
Com o passar do tempo, as observações de succinilcolina, isonizida e debrisoquina ajudaram a associar
as reações individuais dos pacientes a um padrão
genético. Os primeiros trabalhos e estudos de casos
lançaram as bases para a farmacogenética moderna.
Desde esses avanços iniciais, a tecnologia contemporânea favoreceu uma progressão acentuada do
estudo da farmacogenética. Atualmente, a atenção
centra-se tanto na farmacogenética (a colaboração
entre a bioquímica e a farmacologia, para
correlacionar marcadores fenotípicos a ligações
genéticas específicas) como na farmacogenômica. A
farmaco-genômica difere da farmacogenética quanto
à abran-gência do seu âmbito. Recorrendo à
tecnologia avançada, como a sequenciação do DNA
em larga escala, o mapeamento dos genes e a
bioinformática, as pesquisas podem centrar-se em
variáveis interpaciente, de modo a prever
diferenças no comportamento e resposta as
drogas. A abordagem genômica permitirá estudar a
base da resposta aos medicamentosa, prever
respostas,
identificar
novos
objetivos
farmacológicos e individualizar a terapia, de forma
a reduzir o custo dos fármacos e, evitar efeitos
indesejáveis. Várias descobertas farmacogenéticas
recentes tiveram sua relevância clínica comprovada
em pacientes veterinários. A população canina,
caracterizada por uma variabilidade racial rastreável,
intensivos programas de reprodução consanguíneas e
intervalos entre gerações reduzidos constitui modelo
ideal para exploração da genética populacional e
bastante realista para investigações sobre a ligação
genética a repostas farmacológicas específicas.
Diversos trabalhos em farmacogenética têm sido
realizados na medicina humana e veterinária (2,5).
Este artigo resume os mais relevantes indicadores
genéticos das reações adversas aos medicamentos já
descritos no cão.
Mutação multirresistente a fármacos
(MDR-1) e glicoproteína-p
Vários trabalhos e relatórios de casos clínicos descrevem relação entre algumas raças de cães pastores e
ocorrência de reações adversas a anti-parasitários e
outros fármacos. As avermectinas constituem uma
classe de medicamentos amplamente utilizada em
Medicina Veterinária para o tratamento de parasitas
internos e externos. Um composto específico dessa
classe, a ivermectina, paralisa os organismos
invertebrados através da ativação do GABA (ácido
gama-aminobutírico) ou do bloqueio dos canais de
cloro controlados por glutamato, existentes no
sistema nervoso periférico.
Geralmente, os mamíferos evidenciam uma
expressão GABA no sistema nervoso central, protegida pela barreira hematoencefálica, que pode ser
afetada pelo uso de ivermectina. Do ponto de vista
clínico, observa-se maior sensibilidade em Collies
(Figura 1) e raças próximas aos efeitos das
ivermectinas no sistema nervoso central (SNC) , que
apresentam como sinais clínicos de intoxicação
tremores, hipersalivação, coma, depressão e ataxia.
Descreveu-se primeiramente nos anos 80, que doses
bastante reduzidas (1/100-1/200 da dosagem
padrão) provocavam esse tipo de reações adversas
graves e profundas em alguns, mas não todos, Collies
e raças próximas. Explorando diversas possibilidades, como alterações nas ligações com proteínas,
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verificou-se que Collies com reações adversas
apresentavam concentrações de ivermectina no
cérebro mais elevadas que Collies não sensíveis.
Foi demonstrado que a base desta observação está
associada a uma mutação de deleção na sequência
genética MDR-1 (Multi Drug Resistance 1), que dá
origem a uma série de codóns de terminação prematuras, cuja expressão impede a formação de cerca de
90% da sequência de aminoácidos da glicoproteína-p
resultante (6). Originalmente identificada em
meados dos anos 70, a glicoproteína-p é uma
proteína de membrana glicosilada, com 170 kDa, que
confere uma resistência intrínseca a uma ampla
variedade de fármacos, exportando estas substância
para fora do organismo. A expressão da glicoproteínap é observável em diversos tecidos, incluindo no
cérebro, onde ajuda a preservar a integridade da
barreira hematoencefálica. No intestino, esta proteína
localiza-se na zona apical das microvilosidades dos
enterócitos, onde limita a absorção e
biodisponibilidade de substratos. Na superfície das
células tumorais, induz multirresis-tência a fármacos;
e a sua presença nos túbulos renais proximais
acelera a secreção de substratos na urina (7).
O papel da glicoproteína-p na barreira hematoencefálica foi originalmente demonstrado no gene
MDR-1 de ratos knockout. Estudos efetuados com
ivermectina revelaram que, comparativamente às
estirpes selvagens, a população knockout era 50 a
100 vezes mais sensível a efeitos neurológicos. O
fato de se demonstrar que a ivermectina constitui
um substrato para a glicoproteína-p tornou evidente
a relação entre a ausência desta proteína e as reações
adversas documentadas (8). A consequência das
Figura 1.
Collie Americano
Padrão
alterações na expressão desta proteína tem grande
relevância clínica, uma vez que se caracteriza por
ampla expressão tecidular e relativa falta de
especificidade do substrato.
A distribuição da mutação MDR-1 já foi descrita na
população canina. Relatou-se que cerca de 75% dos
Collie existentes nos EUA, França e Austrália
possuem um alelo mutante para a expressão da
glicoproteína-p alterada. Suspeita-se que as raças
afetadas possuam linhagens semelhantes que
incluam outras raças de cães pastores, como o Old
English Sheepdog, o Pastor Australiano, o Pastor
de Sheltland, o Pastor Inglês, o Border Collie, o
Pastor Alemão, o Whippet de pêlo comprido e o
Silken Windhound. Até o presente momento, relatos
de casos em outras raças não relacionadas são
menos comuns.
Diversos fármacos relevantes em medicina veterinária demonstraram ser substratos da
glicoproteína-p (Tabela 2). Durante a absorção
do fármaco, a glicoproteína-p pode reduzir
significativamente a biodisponibilidade oral dos
seus substratos. Tal como observado no MDR-1 de
ratos knockout, a biodisponibilidade do substrato
da glicoproteína-p é consideravelmente superior
que nas estirpes selvagens. As investigações
realizadas com base neste processo demonstraram
que a biodisponibilidade oral do docetaxel, um
substrato, aumentava quase 20 vezes quando
associado a um inibidor de glicoproteína-p. Durante
a distribuição dos fármacos pelo organismo, o papel
da glicoproteína-p volta a ter influência. No caso de
substratos passíveis de desencadear reações
adversas mediante o acesso ao sistema nervoso
central, aos testículos ou à placenta, as raças que
apresentem uma mutação de deleção MDR-1 terão
maior probabilidade de se intoxicar, mesmo em
baixas doses. Geralmente, os animais heterozigóticos para a deleção não evidenciam reações
com uma única dose. No entanto, com doses
elevadas ou crônicas poderá produzir-se toxicidade.
Durante a excreção do fármaco, a expressão da
glicoproteína-p nos túbulos renais altera a depuração
de alguns substratos, particularmente de drogas
quimioterapêuticas. Em ratos, a administração
simultânea de um inibidor da glicoproteína-p
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PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA PARA REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS NO CÃO
diminui a depuração biliar e renal da doxorubicina.
À medida que aumentarem o número de pesquisas
e as informações sobre a alteração da expressão em
animais, é indiscutível que as implicações da
mutação de deleção MDR-1, bem como a subsequente expressão da glicoproteína-p, adquirirão
maior relevância clínica. Atualmente, pelo menos
um laboratório comercial realiza análises em
amostras caninas para fornecer informações sobre
o genótipo (Universidade Estatal de Washington:
www.vetmed.wsu.edu/vcpl).
Enzimas do citocromo P450
O metabolismo dos fármacos é mediado por diversos
sistemas complexos. Uma vez elucidado no ser
humano, o sistema enzimático CYP450 (citocromo
P450) será melhor compreendido na espécie
canina. Esta classe de enzimas é responsável pelo
metabolismo de uma ampla variedade de
fármacos, com expressão em diversos pontos do
organismo. Já demonstrou-se que é possível induzir
ou inibir estas enzimas através de medicamentos
específicos, que estas enzimas, podem evidenciar
sub ou super expressão em algumas populações, e
variar sua expressão em determinados indivíduos da
mesma população.
Demonstrou-se uma deficiência em CYP1A2 em
10% de uma pequena população de Beagles (9).
Apesar de poucos fármacos utilizados na Medicina
Veterinária terem sido identificados como substratos
desta enzima, investigações futuras poderão
apontar maior revelância clínica.
O CYP2B11 revela cerca de 14 tipos de variações
em sua atividade em cães mestiços. Nos Galgos, foi
demonstrada uma atividade particularmente
baixa, em relação à população canina geral.
Diversos fármacos, incluindo o propofol, são
substratos da enzima CYP2B11, que pode se
expressar de forma distinta em machos e fêmeas
(10).
Existem também evidências que a CYP2D15 pode
revelar polimorfismo no cão. Em Beagles, por
exemplo, aproximadamente metade da população
evidencia uma boa metabolização do celecoxibe
(um substrato da CYP2D15), enquanto que nos
outros 50% a metabolização é baixa. Foi demonstrado que este efeito pode aumentar até 5 vezes a
Tabela 2.
Substratos da p-glicoproteína (7)
Fármacos citotóxicos
Doxorubicina
Vincristina
Vimblastina
Fármacos cardíacos
Digoxina
Imunossupressores
Ciclosporina
Fármacos antieméticos
Ondansetrona
Agentes antidiarréicos
Loperamida
Antibióticos
Eritromicina
Esteróides
Dexametasona
Hidrocortisona
Bloqueadores dos receptores H2
Cimetidina
Ranitidina
Outros
lvermectina
Selamectina
Moxidectina
Milbemicina
Morfina
Fenitoína
Rifampina
Amitriptilina
meia-vida de eliminação deste fármaco (11). Apesar
da extrapolação deste achado não ter sido ainda
aplicada a outros fármacos não-esteróides com
estrutura semelhante, como o deracoxibe, a
realização de estudos aprofundados e a análise de
evidências clínicas poderão aportar mais
informação. Existem outros medicamentos cujo
papel como substrato da CYP2D15 foi já determinado no homem, mas são substâncias utilizadas
com menor frequência em Medicina Veterinária.
À medida que a investigação do processo
metabólico do metabolismo dos fármacos no cão
aumentar, poderemos obter dados que demons-
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trem a existência de outras variações das enzimas
metabólicas. Graças a um maior conhecimento
sobre a origem destas mutações, provavelmente
descobriremos outras raças afetadas, e outras
classes de fármacos envolvidas. A disponibilização
de novas evidências poderá ajudar-nos a evitar
interações perigosas do tipo fármaco/fármaco,
fármaco/alimento ou fármaco/raça.
Alasca revelam níveis elevados (13). Apesar da
aplicação clínica deste conhecimento não poder ser
disponibilizada até terem sido estabelecidos
métodos de análise padronizados, é importante
considerar que as variações que ocorrem podem
predispor certas raças a risco elevado a reações
adversas a medicamentos, como a supressão da
medula óssea, que deverão ser contempladas em
estudos clínicos.
Tiopurina metiltransferase (TPMT)
A tiopurina S metiltransferase foi estudada em
humanos, tendo sido demonstrado que esta enzima
cataliza a metilação de fármacos como a 6mercaptopurina e a azatioprina. Investigações
recentes identificaram polimorfismo genético em
cães que provoca acentuada variação na expressão
desta enzima. Salavaggione et al. (12) detectaram
níveis de TPMT, na contagem média de eritrócitos
caninos (CHM), similares aos observados nos
estudos conduzidos em seres humanos. Além disso,
foram igualmente observados níveis muito variáveis
desta enzima metabolizadora de fármacos, mesmo
em populações de raças semelhantes, situação que
também se verifica no ser humano. O estudo incluiu
56 raças de cães distintas e alguns indivíduos de
raças cruzadas. Primeiramente, o estudo analisou os
níveis de TPMT em 145 amostras, determinando que
o nível de atividade apresentava variações de 9
escalas. Utilizando a informação sobre a sequência e
estrutura do gene TPMT, os investigadores
resequenciaram todos os éxons desse gene canino,
utilizando o DNA de 39 cães selecionados com base
nos diferentes níveis de atividade do TPMT no CHM.
Subsequentemente foram observados nove polimorfismos, dos quais seis associados a 67% da variação
dos níveis de atividade do TPMT nos eritrócitos em
39 amostras. Quando se procedeu à análise dos 6
polimorfismos de nucleotídeo único, utilizando o
DNA dos 145 cães, verificou-se que os mesmos
explicavam 40% da variação fenotípica.
Ainda não é possível elucidar totalmente a aplicação
clínica das variações observadas. Sabe-se que em
pacientes com baixa atividade TPMT existe um risco
mais elevado de toxicidade potencialmente letal,
com a administração de fármacos de tiopurina em
doses padrão. Do mesmo modo, em pacientes com
atividade enzimática elevada poderá produzir-se um
insucesso clínico, devido a subdosagens. Foi
constatada uma baixa actividade TMPT em
Schnauzers Gigantes, enquanto os Malamutes do
16 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
Os Galgos e a anestesia
Os Galgos constituem, desde tempos remotos, uma
categoria de cães altamente domesticada e
rigorosamente reproduzida. No entanto, a seleção
física destes cães os predispôs a muitas anomalias
anatômicas e fisiológicas, como reações
idiossincráticas a determinadas classes de farmácos.
Tal como descrito, sensibilidades a agentes
anestésicos, como o propofol, poderão estar
relacionadas com uma variação do citocromo P450
relativa a outras raças não próximas. Também são
observáveis outras reações, provavelmente em
consequência dos padrões de criação, reprodução, da
pressão do exercício e das exigências de desempenho
que o homem estabelece para estes animais.
Tipicamente, a categoria dos Galgos inclui o
Greyhound, Whippet, Borzoi, Irish Wolfhound,
Basenji, Saluki, além do Basenji e do Rhodesian
Ridgeback, que são animais criados para caçar com
base na visão ao invés do olfato. Estes cães foram
selecionados para características similares em
termos de massa corporal, musculatura
proeminente, membros compridos e tórax
profundo. Em geral, possuem comportamento
bastante nervoso e, em ambiente clínico,
apresentam maior probabilidade de desenvolver
complicações relacionadas ao estresse. Os galgos têm
muito menos massa gorda do que as outras raças, o
que os predispõe a um risco mais elevado de reações
adversas a fármacos com ação lipofílica, como os
barbitúricos, que são depurados do cérebro para os
músculos e reservas adiposas, e subsequentemente
eliminados pelo fígado. Embora as evidências
indiquem que nem todos os Galgos reagem da
mesma forma aos barbitúricos e ao propofol, essas
reações resultam de um conjunto de fatores que
inclui a expressão genética polimórfica, a expressão
genética variável e as influências ambientais.
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 17
PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA PARA REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS NO CÃO
Toxicidade idiossincrática às
sulfonamidas
Um número crescente de dados sustentam as teorias
que defendem que as diferenças farmacogenéticas
também podem potencializar reações adversas aos
medicamentos, não relacionadas com a concentração
do fármaco e não previsíveis. Estas reações
idiossincráticas foram caracterizadas no ser
humano já há algum tempo. Foi demonstrado no
cão que as sulfonamidas (sulfametoxazol,
sulfadiazina, sulfadimetoxina) provocam inúmeras
reações dose-dependentes, como hematúria, anemia
arregenerativa, interferência na síntese da hormônios
tireoideanos. Observaram-se outras reações
adversas em doses terapêuticas, que tendem a ser
mais generalizadas e mais típicas de reações
imunológicas tardias, podendo ocorrer após
tratamento de curta duração (10 dias ou menos).
Normalmente, essas reações incluem sinais de
hepatotoxicidade, erupções cutâneas, febre, anemia
hemolítica, uveíte, poliartrite, proteinúria e inchaço
facial. Atualmente está em desenvolvimento nos nos
Estados Unidos, uma investigação com o intuito de
caracterizar cães com estas reações, através da técnica
ELISA para anticorpos antifármacos, por meio de
ensaios de citotoxicidade in vitro e outras
metodologias (14).
Conclusões
Possuímos dados concretos que nos permitem verificar no âmbito genético, algumas reações adversas a
medicamentos, observadas em certas raças caninas.
As abordagens prévias à identificação da predisposição genética para este tipo de ocorrências baseadas
no fenótipo e na pesquisa da ligação genética em
breve darão lugar à identificação dos fatores
genéticos predisponentes e à alteração das terapias,
com o objetivo de agir antecipadamente. Já foram
descritos diversos fatores genéticos com implicações
clínicas na farmacoterapia. Graças à farmacogenética, disporemos de mecanismos que nos
permitam aplicar uma farmacoterapia mais eficiente.
Será possível realizar triagem de animais potencialmente em risco, efetuar testes para verificar as suas
características genotípicas e adequar a terapêutica ao
indivíduo e não à população. Baseados nos avanços
proporcionados por respostas genéticas claras,
poderemos identificar novos objetivos farmacológicos específicos, que se traduzam em terapia com
capacidade de minimizar as reações adversas aos
medicamentos e maximizar os benefícios terapêuticos. O suporte das investigações acadêmicas e
clínicas nas áreas da farmacogenética e da
farmacogenômica, aportará benefícios a todos os
setores da Medicina Veterinária no futuro.
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Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 17
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Triagem genética
em cães
PONTOS-CHAVE
➧ O recente sequenciamento do genoma canino acelerou o
ritmo de identificação das mutações causadores de doenças
genéticas caninas.
➧ O número crescente, testes de triagem genética disponíveis
comercialmente que permitem seleção das raças caninas,
reduzindo e eliminando as mutações prejudiciais, de forma a
obter animais mais saudáveis.
Matthew Binns, BSc (Hons), PhD
Colégio Real de Medicina Veterinária, Londres, Reino Unido
O Dr. Matthew Binns é Professor de Genética no Colégio
Real de Medicina Veterinária de Londres em 2004, após
quatorze anos a serviço do Animal Health Trust (AHT).
Sua área de investigação centra-se nas doenças
genéticas equinas e caninas, com o objetivo de
melhorar a saúde e bem-estar destas espécies, através
de testes de triagem desenvolvidos com base no DNA. O
Dr. Binns presidiu os comitês de mapeamento genético
equino e canino da International Society for Animal
Genetics (Sociedade Internacional de Genética Animal) e
já publicou mais de 150 trabalhos científicos.
➧ Atualmente encontram-se já disponíveis ferramentas
genéticas, que podem ser utilizadas para identificar as
“impressões digitais” específicas de cada raça, para a maioria
das raças puras. Graças a essas ferramentas, também é
possível determinar a composição racial de indivíduos
cruzados, o que se traduz na oportunidade de definir, em
termos genéticos, uma grande diversidade de características
patológicas, morfológicas e comportamentais.
➧ Os avanços científicos alcançados na caracterização
molecular das doenças caninas despertou o interesse pela
sua potencial utilização como modelo biomédico, em
condições equivalentes no ser humano. Portanto os futuros
resultados do mapeamento de doenças genéticas caninas
apresentarão relevância clínica tanto no âmbito da Medicina
Veterinária como humana.
Introdução
Provavelmente, o cão foi a primeira espécie domesticada pelo homem e, desde essa época, ocupa um
lugar especial em seu coração. A grande diversidade fenotípica evidenciada pelas diferentes raças
caninas levou Darwin a concluir que não poderiam
ter todos origem em um único antepassado recente.
De fato, dados moleculares recentes demonstram
que todas as espécies caninas derivam do lobo cinza
(1). Muito embora a seleção inicial realizada pelo
18 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
homem se concentrasse no desenvolvimento das
características funcionais para o seu próprio
benefício, como a caça, pastoreio e guarda de
rebanhos, o desenvolvimento de exposições
caninas, clubes de raças e livros de origens,
durante a era vitoriana, foi responsável pela
emergência de novas raças baseadas sobretudo, na
aparência. Essas novas raças eram resultantes,
geralmente, de cruzamentos consanguíneos e da
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 19
seleção de indivíduos com características
estruturais ou comportamentais particularmente
desejáveis.
A interessante história dos cães de raça pura está
evidente nas assinaturas genéticas dos respectivos cromossomos, revelados pelos sequenciamento do genoma canino, que também
demonstra a ocorrência de dois episódios de
gargalo genético. Provavelmente o primeiro
estado
associado
aos
primórdios
da
domesticação, em que se obteve uma variação
genética limitada a partir da população dos
lobos. Isto ocorreu provavelmente há mais de
10. 000 anos, e a estrutura dos cromossomos
ancestrais envolvidos se dividiu em pequenos
fragmentos devido ao processo de recombinação.
O segundo gargalo é comparativamente recente e
reflete a formação das raças puras: em que a
variação genética da população canina doméstica
foi distribuída por diversas raças.
A maioria das raças tem a sua origem em um
número reduzido de cães fundadores. A elaboração
de livros de origens fechados, que impedia a
incorporação de novas variantes genéticas na raça,
fixou as opções genéticas para cada raça. Perdeuse assim a variação genética, inicialmente através
de desvios genéticos, fenômeno observável em
pequenas populações, em que os cromossomos de
alguns fundadores passam a ser comuns, enquanto
que outros desapareceram involuntariamente. Os
criadores também se empenharam na produção de
indivíduos homogêneos, que correspondessem com
a maior exatidão possível aos padrões da raça. Para
tal, recorreram frequentemente ao cruzamento
consanguíneo de animais com as características
desejadas e à utilização de machos reprodutores
populares, muitas vezes campeões de exposições
caninas. A associação de desvios genéticos e
endogamias provocou uma redução do nível de
variabilidade do DNA na maioria das raças. De
fato, para os genes que controlam as características
que definem o padrão da raça é provável que pouca
ou nenhuma variação genética seja permitida. As
características únicas da população canina são
bastante úteis para o estudo de doenças hereditárias complexas , sendo o cão reconhecidocada
vez mais como espécie modelo, através da qual será
possível descobrir os genes responsáveis pelas
doenças caninas e humanas mais comuns (2).
A genética molecular do cão percorreu um longo
caminho num período de tempo relativamente
curto. Sua composição cromossômica é complexa
para a investigação genética, por possuir um
elevado número de cromossomos (2n=78)
dificilmente diferenciáveis entre si. Foi
surpreendente e fortuito o fato da técnica da
citometria de fluxo (flow-sorting) ter conseguido
separar a maioria dos cromossomos, o que
permitiu criar ferramentas para identificar cada
cromossomo canino individualmente (3). Os
primeiros marcadores genéticos de DNA foram
desenvolvidos no início dos anos 90, seguidos de
perto pela elaboração de alguns esboços de mapas
genéticos (4). Estes mapas foram um elemento
essencial para a identificação das mutações
genéticas causadores de doenas hereditárias,
assim como de características morfológicas e
comportamentais relevantes. O subsequente
mapeamento da linhagem genética, associado a
uma abordagem genética específica (ver Tabela
1), possibilitou a identificação de diversas
mutações responsáveis por doenças e o desenvolvimento dos primeiros testes de triagem genética
para cães de raça pura. A seguir, estão descritos
os testes disponíveis para o diagnóstico de doenças,
bem como a forma como podem ser utilizados pelos
criadores para a prática de uma reprodução seletiva
de cães saudáveis.
O ponto mais importante do progresso da
investigação das doenças hereditárias foi a
obtenção do financiamento para o total do
sequenciamento do genoma canino, realizado
pelos cientistas do Broad Institute de Boston em
Tasha, uma cadela Boxer. Silmultaneamente foi
realizado o sequenciamento parcial do genoma de
outros nove cães de raça, quatro lobos e um coiote,
no intuito de identificar marcadores de
polimorfismos de nucleotídeo único em
quantidades elevadas, que podem ser utilizados
para triagem rápida de doenças hereditárias nos
cães (5).
Doenças hereditárias
Já foram identificadas cerca de 500 doenças genéticas
em cães de raça. O site Inherited Diseases in Dogs, ou
IDID (www.vet.cam.ac.uk/idid) apresenta uma
compilação da informação existente sobre doenças
hereditárias, mais de metade dessas doenças são
herdadas através de um distúrbio Mendeliano
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 19
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Autossômico Recessivo. Isto explica em parte a
dificuldade dos criadores em conseguir eliminar
as mutações das raças, uma vez que são incapazes
de distinguir os indivíduos geneticamente normais
dos portadores. Em contrapartida, nos distúrbios
Mendelianos Autossômico Dominantes, em que a
mutação em um alelo é o suficiente para
desencadear a doença, torna-se relativamente
simples excluir os animais afetados da reprodução. A
maioria das doenças dominantes que ainda se
verificam na população canina são caracterizadas pela
manifestação tardia dos sintomas , quando, os cães
afetados podem já ter sido cruzados antes da doença
tornar-se aparente.
As mutações podem ocorrer em qualquer gene e,
por isso, qualquer órgão ou tecido pode ser afetado
por uma doença hereditária. Este fato reflete na
grande quantidade de doenças documentadas na
base de dados IDID.
A mesma mutação pode ocorrer em várias raças
evidenciando uma provável antiga mutação existente
na espécie canina antes das raças terem sido
estabelecidas. Um exemplo, é a mutação responsável
pela Doença de von Willebrand de Tipo I,
identificada inicialmente no Doberman. O mesmo
sítio de mutação foi subsequentemente identificado
em pelo menos outras oito raças, incluindo Bernese,
Drentsche Patrijshond , Pinscher Alemão, Kerry Blue
Terrier, Manchester Terrier, Papillon, Welsh Corgi e
Poodle. Por outro lado existem mutações diferentes
responsáveis pela Doença de von Willebrand de Tipo I
em outras raças, incluindo o Setter Irlândes
vermelho ou branco.
Pode ser difícil calcular com precisão a frequência das
mutações nas raças, mesmo com o recurso de um
teste genético talvez por problemas no método de
determinação das frequências relatadas pelos
laboratórios responsáveis pela condução dos
testes, uma vez que é mais comum a procura por
criadores que tenham tido um problema clínico
com alguma das suas linhagens, do que por
outros que não tenham experimentado esse tipo
de situação. A frequência da mesma mutação em
raças distintas também pode variar bastante,
provavelmente devido a origem da raça e ao
histórico da população. Por exemplo, foi relatada
frequência da Doença de von Willebrand de Tipo I de
28% no Doberman comparativamente a apenas 1%
20 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
no Bernese e no Poodle.
Em relação às doenças Mendelianas, o futuro é
promissor para os criadores de cães de raça que estão
capacitando-se cada vez mais para diagnosticar a
mutação responsável pela doença e implementar
planos de reprodução seletivos, de modo a minimizar
o impacto no seu plantel. Contudo, a situação já não é
positiva para a maioria das doenças amplamente
disseminadas, como a displasia coxo-femoral, a
epilepsia, os distúrbios cardíacos e imunológicos,
uma vez que o componente genético ligado à
doença é mais complexo e pressupõe um número
superior de genes envolvidos. A identificação das
mutações que aumentam o risco de doenças e a
implementação de programas de reprodução seletivos
pode ser complicado. No entanto, à medida que forem
disponibilizadas novas ferramentas de genotipificação
de alta densidade, é provável que sejam caracterizadas
as mutações que contribuem para essas doenças, o que
será muito útil para a redução da gravidade nas raças
afetadas.
Testes de triagem genética
Os testes de triagem genética com base no DNA
apresentam diversas vantagens em comparação às
restantes técnicas de diagnóstico clínico. Uma vez
identificada a mutação responsável por uma doença,
torna-se, é relativamente simples elaborar testes
rápidos, precisos, pouco dispendiosos e definitivos.
Na maioria dos casos, os testes de DNA utilizam
amostras sanguíneas ou bucais, amplificação de
cópias de DNA, através da técnica denominada
Reação de Polimerização em Cadeia (PCR) e a
análise do DNA produzido pela PCR através de
diversos métodos.
O número de testes genéticos para deteção de
doenças hereditárias em cães tem aumentado de
forma consistente e é provável que acelere ainda
mais com a disponibilização da sequência do
genoma canino. A Tabela 1, apresenta uma lista de
testes genéticos existentes no mercado para este tipo
de doenças hereditárias em cães de raça, bem como
os endereços eletrônicos das empresas que os
comercializam. Em muitas espécies animais, incluindo
o cão, a análise genética das doenças hereditárias
são geralmente patenteadas o que limita o número
de organizações autorizadas a diagnosticar algumas doenças.
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TRIAGEM GENÉTICA EM CÃES
Tabela 1.
Testes de triagem genética para doenças hereditárias em cães de raça pura
Doença
Deficiência de adesão leucocitária canina
Lipofuscinose ceróide
Anomalia do olho do Collie/Hipoplasia
coroidal
Degeneração dos cones
Hipotiroidismo congênito com bócio
Cegueira noturna congênita estacionária
Toxicose por cobre
Neutropenia cíclica
Cinistúria
Deficiência de Fator VII
Deficiência de Fator IX (Hemofilia B)
Deficiência de Fator XI
Nefropatia familiar
Displasia folicular
Fucosidose
Leucodistrofia das células globóides
Gangliosidose GM1
Catarata hereditária
Toxicidade da ivermectina (MDR1)
Acidúria L-2-hidroxiglutárica
Mucopolissacaridose IIIB
Mucopolissacaridose VI
Mucopolissacaridose VII
Distrofia muscular
Miotonia congênita
Narcolepsia
Deficiência em fosfofrutoquinase
Atrofia progressiva da retina
Raça
Setter Irlandês
Setter Irlandês vermelho ou branco
Border Collie
Buldogue
Pastor Australiano
Border Collie
Lancashire Heeler
Nova Scotia Duck Tolling Retriever
Collie de Pelo Longo
Pastor de Shetland
Collie de Pelo Curto
Whippet
Braco Alemão de Pelo Curto
Fox Terrier Miniatura
Pastor de Brie
Bedlington Terrier
Collie de Pelo Longo
Collie de Pelo Curto
Retriever do Labrador
Terranova
Alaskan Klee Kai
Beagle
Deerhound Escocês
Bull Terrier
Lhasa Apso
Retriever do Labrador
Kerry Blue Terrier
Cocker Spaniel Inglês
Munsterlander
Springer Spaniel Inglês
Cairn Terrier
West Highland White Terrier
Cão D’Água Português
Boston Terrier
Staffordshire Bull Terrier
Pastor Australiano
Collie
Pastor Alemão
Old English Sheepdog
Silken Windhound
Whippet
Staffordshire Bull Terrier
Schipperke
Pinscher Miniatura
Pastor Alemão
Golden Retriever
Schnauzer Miniatura
Teckel
Doberman Pinscher
Retriever do Labrador
Cocker Spaniel Americano
Springer Spaniel Inglês
Cão Esquimó Americano
Pastor Australiano
Australian Stumpy Tail Cattle Dog
Bullmastiff
Welsh Corgi Cardigan
Chesapeake Bay Retriever
Chinese Crested Dog
Empresa
AHT, Healthgene, Optigen
AHT, Optigen
AHT, Optigen
GT
Opitigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Healthgene
AHT, Healthgene, Optigen
AHT, Vetgen
Healthgene
Healthgene
PennGen
DDC, Healthgene, Optigen, PennGen, Vetgen
PennGen
PennGen
PennGen
Healthgene
Healthgene
Healthgene
PennGen
Optigen
Healthgene
AHT, Finnzymes, PennGen
Healthgene
Healthgene
Healthgene
AHT
AHT
WSUCVM
WSUCVM
WSUCVM
WSUCVM
WSUCVM
WSUCVM
AHT
PennGen
PennGen
PennGen
Healthgene
Healthgene, PennGen
Optigen
Healthgene, Optigen
Healthgene, Optigen
DDC, Healthgene, Optigen, PennGen, Vetgen
AHT, DDC, Healthgene, Optigen, PennGen, Vetgen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
CUVS, Healthgene, Optigen
Optigen
Optigen
>
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Atrofia progressiva da retina (cont.)
Deficiência da fosfatase desidrogenase do piruvato
Deficiência da piruvatoquinase
Imunodeficiência combinada severa
Doença de von Willebrand
Cocker Spaniel Inglês
Boiadeiro de Entlebuch
Lapphund Finlandês
Setter Irlandês
Setter Irlândes Vermelho ou Branco
Kuvasz
Retriever do Labrador
Lancashire Heeler
Pastor da Lapônia
Mastifes
Teckel Miniatura de Pelo Longo
Poodle Miniatura
Schnauzer Miniatura
Nova Scotia Duck Tolling Retriever
Cão D’Água Português
Samoieda
Husky Siberiano
Sloughi
Lapphund Sueco
Poodle Toy
Clumber Spaniel
Sussex Spaniel
Basenji
Beagle
Cairn Terrier
Chihuahua
Esquimó
Teckel
West Highland White Terrier
Basset Hound
Welsh Corgi
Bernese
Drentsche Patrijshond
Doberman
Pinscher Alemão
Setter Irlândes Vermelho ou Branco
Kerry Blue Terrier
Manchester Terrier
Welsh Corgi Pembroke
Papillon
Poodle(todas as variedades)
Pastor de Shetland
Scottish Terrier
Optigen
Optigen
Optigen
AHT, Healthgene, Optigen, Vetgen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
AHT
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
Optigen
AHT, Optigen
Optigen
Optigen
GT
GT
Healthgene, Optigen, PennGen, Vetgen
PennGen
PennGen
PennGen
PennGen
PennGen
AHT, DDC, Healthgene, PennGen
PennGen
PennGen
Finnzymes, Vetgen
Vetgen
Finnzymes, Vetgen
Vetgen
AHT
Finnzymes, Vetgen
Finnzymes, Vetgen
Finnzymes, Vetgen
Finnzymes, Vetgen
Finnzymes, Vetgen
Vetgen
Vetgen
Para maiores informações sobre os testes, consulte os seguintes sites da Internet.
AHT: http://www.aht.org.uk/
DDC: http://www.vetdnacenter.com/canine-disease-test.html
Finnzymes: http://diagnostics.finnzymes.fi/index.php?lang=_en&page=canine_inherited_disease
GT: http://www.gtg.com.au/AnimalDNATesting/index.asp?menuid=080.150.010
Healthgene: http://www.healthgene.com/canine/genetic_dna_testing.asp
A maioria das doenças referidas na Tabela 1 é
transmitida por condições autossômicas recessivas,
sendo que a principal vantagem dos testes de DNA
reside na capacidade de identificar os portadores,
uma vez que geralmente não é possível distinguir
os portadores dos não portadores através do
exame clínico. Os primeiros funcionam como
“depósitos” da doença para as gerações futuras. Na
maioria dos casos os cães afetados resultam do cruzamento entre dois progenitores portadores e, em média,
cerca de 25% da ninhada apresentará a doença.
22 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
Optigen: http://www.optigen.com/
PennGen: http://w3.vet.upenn.edu/research/centers/penngen/services/alldiseases.html
Vetgen: http://www.vetgen.com/canine-services.html
WSUCVM: http://www.vetmed.wsu.edu/depts-VCPL/
Graças aos testes de detecção de doenças recessivas
com base no DNA, os criadores dispõem de diversas
opções para melhorar a saúde e bem-estar dos seus
cães, tal como se indica na Figura 1.
O principal objetivo consiste em evitar o cruzamento
de dois indivíduos portadores, uma vez irá originar
cães afetados (Figura 1A). Se um criador possuir um
animal portador do qual esteja interessado em obter
descendência, deverá selecionar um indivíduo
declarado geneticamente isento pelos testes, para
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 23
TRIAGEM GENÉTICA EM CÃES
Figura 1.
Figura 2.
Reprodução seletiva, com base nos resultados dos testes genéticos para uma
doença recessiva. O exemplo A ilustra o caso do cruzamento de dois portadores
(círculos semi-preenchidos). Em média, 50% dos filhotes desta ninhada serão
portadores, 25% isentos (círculo não preenchido) e os 25% restantes estarão
afetados (círculo preenchido). No exemplo B, foi cruzado um portador com
um indivíduo declarado geneticamente são pelos testes. Nesta situação não
se produzem cães afetados: metade dos filhotes da ninhada serão portadores
e a outra metade isentos. A análise conduzida na ninhada permitirá identificar os
filhotes geneticamente sãos que constituem assim, um potencial estoque de
reprodutores. O exemplo C, exemplifica o caso do cruzamento de um cão afetado
com um indivíduo declarado isento. De novo, não se obterão filhotes afetados,
uma vez que toda a ninhada será portadora da mutação da doença.
Posteriormente, estes portadores poderão ser cruzados com indivíduos
geneticamente sãos, tal como se ilustra no exemplo B.
Teste para a deficiência de adesão leucocitária canina (CLAD) do Setter
Irlandês, com base na sequência de DNA. As setas destacam a alteração
do nucleótido único, responsável por esta doença letal. Em indivíduos
normais, ambas as cópias do gene CD18 contêm um nucleótido G (pico
preto), enquanto que em indivíduos portadores, estão presentes ambos
os nucleótidos C (azul) e G (preto). Este exame permite identificação clara
dos portadores.
Normal (G/G)
A)
Portador (C/G)
B)
C)
efetuar o acasalamento. Desta forma, obterá em
média 50% de cães portadores e 50% isentos
(Figura 1B). Mas o mais importante é que através
deste método não são produzidos cães afetados e, por
meio de testes conduzidos na ninhada, o criador pode
escolher os animais que melhor correspondam aos
seus critérios de seleção e sem a presença da doença.
Se a ninhada não apresentar indivíduos com estas
características, poderá realizar-se novo cruzamento
entre um animal portador e outro isento. No caso
específico de algumas doenças, é possível utilizar um
cão afetado para a reprodução com um parceiro
declarado isento, situação em que todos os cães da
ninhada
serão
portadores
(Figura
1C).
Posteriormente, poderá ser aplicada a mesma
metodologia utilizada nos portadores a estes cães.
Uma opção é remover todos os portadores da
população reprodutiva. Se a frequência de portadores
da raça for reduzida (inferior a 5%) poderá constituir
a melhor solução. Efetivamente, essa medida permite
erradicar a doença testada mas simultâneamente,
aumenta a proporção de portadores de outras
mutações prejudiciais. Assim, se a frequência inicial
de portadores for elevada, a opção da remoção da
mutação genética ao longo de diversas gerações
evita prejuízos sobre a diversidade genética da
raça.
No Reino Unido, um exemplo bem sucedido é o
programa de diagnóstico genético da deficiência de
adesão leucocitária canina (CLAD), doença
autossômica recessiva em Setter Irlandês. A CLAD
provoca a falência do sistema imune do animal, que
no espaço de meses se revela fatal. Na sequência da
descoberta da mutação responsável por esta
doença (6) (ver Figura 2 para exemplificação dos
resultados de um teste), o UK Kennel Club e a Irish
Setter Breed Association estabeleceram um
protocolo segundo o qual os animais portadores
poderiam ser reproduzidos e registrados, durante
um período de 5 anos. Esse período terminou em
Julho de 2005, e determinou que apenas podem ser
registrados animais declarados isentos pelo teste
para CLAD, ou serem filhos de reprodutores isentos
de CLAD. Desta forma, os criadores de Setter
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 23
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 24
TRIAGEM GENÉTICA EM CÃES
Irlandês conseguiram eliminar esta doença
hereditária letal do seu plantel, preservando a
diversidade genética da raça. Um pré-requisito para
um programa deste tipo é a abertura e
disponibilização do registro de resultados aos
criadores. Neste caso, além de uma base de dados
dos resultados dos testes CLAD online, o UK Kennel
Club adicionou os resultados de testes CLAD ao
registro do animal, publicando-os também no
suplemento do livro de origens. Os resultados passam
também a ser indicados nos certificados de registro
da respectiva progenia, para atestar que estão
genetica-mente isentos de CLAD.
Diversos programas como este serão aplicados no
futuro, o que se traduzirá em considerá-veis melhorias
para a saúde e bem-estar dos cães de raça e mestiços,
graças à eliminação de doenças genéticas perigosas
através da reprodução seletiva.
Identificação das raças na origem de
cães mestiços
A formação de raças puras a partir de um número
reduzido de reprodutores, seguida pela reprodução
intensiva consanguínea, deu origem a uma enorme
diversidade fenotípica entre raças, porém com níveis
internos elevados de similaridade genética.
Recorrendo aos SNPs inicialmente identificados
durante o sequenciamento do genoma canino, os cientistas do Centro de Nutrição de Animais de Companhia
- WALTHAM selecionaram cerca de 1.500 SNPs que
abrangem os 38 autossomos, com o objetivo de
identificar assinaturas genéticas específicas da raça,
nas 120 raças caninas mais populares (Paul Jones comunicação particular). Procedeu-se à colheita de
amostras tanto no Reino Unido como nos EUA e,
curiosamente, os resultados demonstraram que
algumas raças, como o Terrier Irlandês e Setter
Gordon, eram distintas geneticamente de acordo com
o seu país de origem. Em contrapartida, em outras
raças como o Pastor Alemão e o Bearded Collie
verificaram-se poucas diferenças entre as amostras do
Reino Unido e dos EUA. Os resultados destacaram a
existência de padrões de SNPs específicos em
diferentes raças, que permitem associar amostras
desconhecidas a uma raça determinada com um
elevado grau de segurança. Em seguida, os cientistas
analisaram um grupo de cães mestiços para tentar
identificar as raças de que estes derivavam. Na maioria
dos casos foi possível, e o teste comercial sofisticado,
Wisdom Mx Panel, (que utiliza uma gama de SNPs mais
específica) que pode fazer isso está disponível pela Mars
Veterinária (http://www.marsveterinary.com). Graças
ao teste Wisdom NX os proprietários de cães mestiços
poderão conhecer a origem dos seus animais. Neste
teste, as raças que contribuem com mais de 12,5%
para a composição genética do cão são indicadas
nos resultados, o que esclarecerá ao proprietário
quanto aos atributos físicos do animal, proporcionando em simultâneamente uma perspectiva sobre as
necessidades dietéticas, de adestramento e exercício.
Mais importante, a análise conduzida em cães
mestiços constitui também estratégia de pesquisa
muito importante para o mapeamento de
características e doenças, através da identificação
dos SNPs comuns a indivíduos mestiços com
doenças ou atributos físicos similares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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9: 218-224.
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high-resolution flow karyotype of the dog. Chromosome Research 1996; 4:
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4. Neff MW,Broman KW, Mellersh CS, et al. A second-generation genetic linkage
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analysis and haplotype structure of the domestic dog. Nature 2005; 438: 803-819.
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Interações entre nutrientes e
genes: aplicação à nutrição e
saúde dos animais de
companhia
PONTOS-CHAVE
➧ O sequenciamento do genoma canino já foi realizado e o projeto o genoma felino encontra-se em curso.
➧ A descoberta de polimorfismos de nucleotídeo
Brittany M. Vester, MS
Departamento de Ciências Animais, Ciências
Nutricionais e Medicina Veterinária Clínica da
Universidade de Illinois, Urbana, EUA
A DrªBrittany M. Vester graduou-se em Ciências Animais na
Universidade de Purdue em 2004. Obteve mestradoem Ciências
Animais, na Universidade de Illinois em nutriçãode animais de
companhia. A área de concentração de suas pesquisas é
consequência da administração de dietas com teores proteicos
elevados a felinos domésticos e exóticos.
Kelly Swanson, PhD
único (SNPs) passíveis de afetar a resposta a
nutrientes ou fármacos permitirá aos
pesquisadores e veterinários formular dietas com
base no genótipo, identificar populações
susceptíveis a doença e tratar com eficácia os
animais doentes.
➧ A hereditariedade epigenética persiste ao longo de
gerações e pode contribuir para a capacidade de
resposta de um animal a nutrientes específicos.
➧ Já foi determinado que os nutrientes podem
influenciar a expressão do gene, incluindo a
produção de mRNA (transcrição), a organização do
mRNA, a produção de proteínas (tradução), as
alterações pós-tradução e, consequentemente,
influenciar o estado metabólico do animal.
➧ A pesquisa futura tornará possível a formulação de
Departamento de Ciências Animais, Ciências
dietas em função dos genótipos, a utilização de
Nutricionais e Medicina Veterinária Clínica da
biomarcadores para a detecção precoce de doenças, e
Universidade de Illinois, Urbana, EUA
aparecimento de novas terapias para as doenças
O Dr. Swanson graduou-se em Ciências Nutricionais na
dos animais de companhia.
Universidade de Illinois em 2002, e é doutor pela mesma
Universidade na área da genômica funcional. Em 2004,
ingressou no corpo docente da Universidade de Illinois como Professor Assistente do Departamento de Ciências Animais. O Dr. Swanson
é também membro da Divisão de Ciências Nutricionais e do Departamento de Medicina Veterinária Clínica. Suas principais áreas de
pesquisa incluem a saúde e as doenças intestinais, a regulação do apetite e a obesidade e os efeitos nutricionais nos perfis de expressão
genética de cães e gatos. Além de pesquisador, o Dr. Swanson é professor de Introdução à Nutrição, disciplina ministrada aos alunos do
primeiro ano de Medicina Veterinária, e de um curso de Superalimentação de Animais de Companhia, elaborado para alunos de licenciatura
e de pós-graduação.
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Definição dos termos
Termo
Nutrigenética
Dada à sua importância como modelo biomédico para o homem, o cão foi o primeiro
mamífero não roedor em que foi possível
completar o sequenciamento do genoma.
Impulsionado pelo National Institutes of
Health (NIH), o primeiro projeto do genoma
canino foi finalizado em julho de 2004. Desde
então foi apresentado um projeto de alta
qualidade para o sequenciamento do
genoma e um mapa de polimorfismos de
nucleotídeos interacial único (1). Embora
menos adiantado do que a pesquisa em cães, já foram
alcançados grandes progressos no Projeto do Genoma
Felino, atualmente em curso. Ambas as sequências do
genoma constituem valiosas ferramentas para a pesquisa em
animais de companhia e da Medicina Veterinária. Além dos
dados fornecidos pelo sequencia-mento do genoma, as
novas tecnologias desenvolvidas nas áreas da biologia
molecular, ciência computacional, bio-informática e
nanotecnologia, proporcionaram aos pesquisadores ampla
gama de métodos complementares às técnicas já
existentes. Estas novas ferramentas permitirão avanços
consideráveis no estudo da nutrição e saúde dos animais de
companhia em um futuro próximo.
Definição
O efeito do genótipo na absorção, metabolismo,
transporte ou excreção dos nutrientes
Ação do(s) nutriente(s)
na expressão genética
Alteração de um único nucleótido
na sequência do DNA de um gene
Alteração estável e hereditária da expressão do gene,
independente das alterações na sequência do DNA
Nutrigenômica
SNP (polimorfismo de
nucleotídeo único)
Epigenética
Introdução
Os animais de companhia, mais especificamente os cães
e os gatos, comportam desafios únicos para Medicina
Veterinária e da ciência nutricional. Além das idiossincrasias metabólicas, o específico cuidado e nutrição
baseiam-se na promoção da saúde ao longo de toda a
vida e não em parâmetros de produção (por ex.: ganho
de peso médio diário, índice de conversão alimentar)
como é frequente nas espécies destinadas a produção.
Adicionalmente os proprietários de animais de companhia
tendem a antropomorfizar cães e gatos e estão dispostos
a despender grandes quantias em tudo o que consideram
necessário para a saúde e bem-estar dos seus animais, o que
contribui para que a nutrição e a medicina dos animais de
companhia se assemelhe frequentemente à humana. Por
exemplo, diversos programas de pesquisa atuais incluem o
teste de ingredientes “funcionais”, para identificar os efeitos
da nutrição materna, preservar a saúde em animais
geriátricos ou analisar o papel da nutrição na prevenção e
tratamento de doenças. Hoje em plena era "ômica", o desafio
consiste em identificar as necessidades nutricionais não só
com base no estágio fisiológico, mas também de acordo
com o genótipo.
Figura 1. Interações Dieta – Genes.
Epigênese
Nutrigenética
Transcrição
DNA
A dieta é, provavelmente, o fator ambiental mais
importante entre os que afetam o fenótipo (características
físicas) de um animal. Não só a genética (DNA) do animal
influencia o modo como o seu organismo reage à dieta. A
dieta também influi na expressão genética, incluindo a
transcrição (síntese de mRNA), a organização e transporte
do mRNA, a tradução (síntese de proteínas) e as alterações
pós-tradução (Figura 1). Adicionalmente, descobertas recentes no campo da epigenética demonstraram que
o estado nutricional in utero
e/ou durante a primeira fase
do período pós-parto pode ter
grandes repercussões no mePós-tradução
Nutrigenômica
tabolismo ao longo da vida
Tradução
e no risco de contração de
mRNA
doenças. Embora os estudos
em nutrigenômica estejam
Proteína
ainda em fase inicial, sua
importância já ficou bem
demonstrada. Serão analisados os principais meios
que favorecem a interação
entre nutrientes e genes,
através de alguns exemAdaptado de Milner, 2003 (18)
plos, bem como sua aplicação
DIE TA
26 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
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INTERAÇÕES ENTRE NUTRIENTES E GENES: APLICAÇÃO À NUTRIÇÃO E SAÚDE DOS ANIMAIS DE COMPANHIA
(© Hermeline / Aniwa)
conhecimento nesta área se encontre ainda em fase inicial, a
importância dos perfis de SNP já foi reconhecida, e constitui
um campo de pesquisa intensas nos seres humanos, animais
de companhia e espécies pecuárias.
Figura 2.
Bedlington Terrier.
futura na área da saúde e doenças dos animais de
companhia.
Nutrigenética
Muito embora a absorção, metabolismo, excreção, etc. da
maioria dos nutrientes tenha sido bem descrita, os fatores
que contribuem para a grande variação inter-animal que
ocorre nestes processos, tanto na população canina como
felina, carecem de melhor definição. O perfil genético da
população analisada talvez constitua um dos principais
fatores responsáveis por estas diferenças. O termo
“nutrigenética” pode ser utilizado para descrever o efeito
do genótipo (perfil genético) na absorção de nutrientes,
no metabolismo, no transporte e na excreção. A reação
de um animal a um nutriente específico, por exemplo,
depende da sequência do DNA e da consequente sequência
de aminoácidos e estrutura das proteínas dos genes
envolvidos na sua absorção e metabolismo.
Apesar da variação na sequência do DNA poder ser
modificada de diversas formas, a alteração mais simples é
conhecida como um polimorfismo de nucleotídeo único
(SNP), no qual um nucleotídeo é substituído por outro. Os
polimorfismos de nucleotídeo único podem ser comparados
às “variações de uma receita” (2). Cada gene individual
constitui a receita para um grupo específico de proteínas que
desempenha uma determinada função biológica. De acordo
com a localização e tipo de SNP, os efeitos fenotípicos podem
ser graves, moderados ou indetectáveis. Apesar dos
inúmeros SNPs não exercerem qualquer efeito biológico,
outros são passíveis de alterar a receita, com a consequente
produção de um tipo ou quantidade de proteína diferente.
Mesmo que a ação dos SNPs não seja detectada
isoladamente, estes podem ter efeitos aditivos e alterar
de forma significativa a funcionalidade protéica e
contribuir potencialmente para a resposta do animal à dieta
ou para a susceptibilidade a certas doenças. Embora o
A investigação do genoma humano permitiu a identificação
de numerosos SNPs que se consideram associados ao risco
de doenças, muitos dos quais aplicáveis também aos animais
de companhia. Um exemplo é a relação entre a interleucina1 (IL-1) e a incidência das doenças inflamatórias. No ser
humano, os indivíduos com uma variação específica do gene
da IL-1 demonstraram maior predisposição para diversas
doenças, incluindo a doença de Alzheimer, doença
periodontal e um risco mais elevado de ataques cardíacos. A
inflamação é conhecida como um componente importante
de diversas doenças crônicas, incluindo as predominantes na
população de animais de companhia, como a obesidade, o
diabetes, a artrite, a doença periodontal e os distúrbios
inflamatórios intestinais. O estudo das variações do
genótipo, incluindo os perfis de SNPs, constitui um objetivo
primordial para o desenvolvimento da prevenção de
doenças e estratégias de tratamento, tanto no ser humano
como em animais de companhia. Embora o tempo e
financiamentos indispensáveis para a condução destas
pesquisas, sejam impactantes, as recompensas
ultrapassam largamente os custos envolvidos. Assim, estes
estudos devem ser ampliados aos animais de companhia.
Ainda que atualmente a identificação e/ou significado da
maioria dos SNPs seja ainda desconhecido ou escassamente
descrita, existem diversos exemplos que demonstram as
potenciais implicações da sua utilização futura, entre os
quais o da toxicose por cobre observável na raça
Bedlington Terrier (Figura 2). Embora esta doença seja
alvo de estudo há décadas, só recentemente descobriu-se
que é causada por uma mutação no gene de MURR1, com
diversas variantes genéticas (SNPs) associadas à doença
identificada (3). Uma mutação MURR1 traduz-se num
metabolismo deficiente do cobre, favorecendo seu acúmulo
no tecido hepático, o que por sua vez produz a toxicidade.
Antes de ter sido identificada a mutação genética que
caracteriza esta doença, o melhor método de diagnóstico
consistia na mensuração das concentrações hepáticas de
cobre com 1 ano de vida. Contudo, os níveis podem
apresentar-se já perigosamente elevados nessa idade. Uma
vez que os animais portadores de um único alelo modificado
não evidenciam teores elevados de cobre no fígado, esta
análise não permite identificar os portadores da doença.
Com base no conhecimento atual, um teste genético para
uma doença deste tipo permitirá o diagnóstico das mutações
MURR1 e a identificação dos animais afetados e portadores
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da mutação. A análise genética poderá ser realizada logo
após o nascimento, permitindo que o proprietário e o
Médico Veterinário procedam à alteração da dieta em
conformidade. Este constitui apenas um exemplo de uma
interação nutriente – gene e respectivo impacto na saúde e
longe-vidade do animal. À medida que vão sendo
identificadas mais interações, poderão ser elaboradas dietas
com maior grau de complexidade em função do genótipo
do animal.
Existem diversos SNPs caninos ou felinos, não necessariamente associados à nutrição, mas com influência na saúde,
nas doenças ou nos critérios de seleção. Citam-se a seguir
alguns exemplos. O gato Siamês possui um fenótipo singular:
corpo de cor clara e uma máscara escura na face, patas e
cauda. Este padrão de cor, habitualmente denominado
fenótipo pointed, constitui uma forma de albinismo. Um
estudo recente analisou as mutações da tirosinase associadas às
cores da pelagem dos gatos Siameses e Burmeses (Figura 3),
tendo sido constatada maior produção de pigmentos da última
raça (4). A avaliação do fenótipo pointed determinou que a
mutação existente na raça siamesa é muito sensível à
temperatura, o que se traduz na presença de pigmentos
apenas das extremidades menos quentes do corpo. Ao
contrário, as mutações constatadas nos gatos Burmeses
revelaram menor sensibilidade à temperatura, o que explica
a pigmentação observável em todo o corpo desta raça.
Encontra-se também em curso uma pesquisa extensiva na
área da farmacogenética, com o objetivo de avaliar a
resposta do paciente a um fármaco específico. Já foi
estabelecido que a variação genética afeta o mecanismo de
metabolização dos fármacos. No ser humano, os indivíduos
podem ser classificados em vários grupos (por ex.:
metablizadores lentos, intermediários, rápidos e ultrarápidos) em função do respectivo perfil genético (6). No
caso de alguns fármacos já comercializados, a
estipulação da dosagem e da forma mais eficaz do
medicamento pode ser facilitada pela identificação
prévia da genética do paciente. Esta abordagem da
medicina será ainda mais abrangente no futuro, não
só para o homem como também para animais de
companhia e de produção.
Foram analisados diversos genes associados ao metabolismo dos fármacos (ex.: enzimas do citocromo P450)
no cão. Também realizou-se o estudo da função de um gene
específico (CYP1A2) em cães, que demonstrou possuir
um SNP variante na região codificadora do gene (7). Este
gene manifesta-se no fígado e é importante para a
determinação da capacidade metabólica no cão e no ser humano. As
variações específicas identificadas
até agora tornam um gene não
funcional (7). Existem provavelmente muitas outras variações no
CYP1A2 canino e em outros genes
CYP, com implicações consideráveis
na farmacogenética canina.
(©Lanceau)
(©Hermeline/Aniwa)
Vários estudos conduzidos em cães focaram as alterações
da função imunológica devido a variações no genoma.
Através desses estudos é possível identificar indivíduos
ou grupos com maior susceptibilidade a doenças ou com
uma capacidade limitada de combater infecções. Os
genes do Complexo Principal de Histocompatibilidade
Canina (DLA) são considerados altamente polimórficos
no cão. A avaliação das variantes de classe II dos DLA revelou
uma acentuada variabilidade entre as diferentes raças
caninas (5). Considerando-se as semelhanças entre cães e
lobos, crê-se que estes genes foram selecionados devido à
sua capacidade evolutiva. Além disso, a intervenção humana
na reprodução desta espécie animal produziu graves
estrangulamentos, eventualmente responsáveis pelas alterações induzidas nas áreas em questão, e pelo aumento da
susceptibilidade de algumas raças a doenças específicas
(5).
Figura 3.
gato Siamês
28 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
gato Burmês
Já está disponível no mercado um
chip de SNP canino, embora ainda
não tenham sido publicados
trabalhos relativos à sua utilização. À
medida que a pesquisa que utiliza
este chip e outras estratégias de
mapeamento vai identificando
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 29
INTERAÇÕES ENTRE NUTRIENTES E GENES: APLICAÇÃO À NUTRIÇÃO E SAÚDE DOS ANIMAIS DE COMPANHIA
outros SNP’s relevantes, as técnicas de determinação do
genoma adquirirão cada vez maior importância em termos
da recomendação de dietas e/ou prescrição de fármacos.
Apesar de eventuais complicações éticas, a utilização em
animais de companhia poderá constituir uma importante
ferramenta tanto para os Médicos Veterinários como para
os proprietários. A análise genética, através da qual podem
ser tomadas decisões na reprodução poderá permitir, no
futuro, a prevenção de defeitos genéticos graves, diminuir a
frequência de genes de doenças e, simultaneamente,
preservar populações de raça pura geneticamente
distintas. Também poderão ser utilizados métodos
semelhantes para prevenir ou tratar com eficácia animais
com maior predisposição para certas doenças, recorrendo a
uma intervenção nutricional ou farmacológica. Assim,
cada nova descoberta nos aproxima um pouco mais das
dietas e terapias personalizadas já praticadas em medicina
humana.
Hereditariedade epigenética e
programação metabólica
As interações entre nutrientes e genes também podem se
manifestar através de mecanismos epigenéticos. A
epigenética constitui um dos dois principais mecanismos
que regulam a expressão genética. A regulação epigenética
diz respeito ao controle da expressão do gene, que é
relativamente estável e hereditária através de gerações.
Embora estas alterações possam persistir após a replicação,
as modificações na sequência e regulação genética são
independentes das variações na sequência do DNA. A
hereditariedade epigenética é influenciada por diversos
fatores, incluindo a dieta e as concentrações hormonais
durante a primeira fase de desenvolvimento ao longo da
vida. A mutação epigenética investigada com maior
frequência envolve padrões de metilação do DNA. Em geral,
a metilação na proximidade de regiões promotoras de genes
está associada ao silenciamento dos genes (i.e. repressão da
transcrição). Os padrões de acetilação histônica também
podem influenciar a transcrição (Figura 4).
Estudos recentes estabeleceram uma ligação entre hereditariedade epigenética e o status metabólico para toda a vida,
processo que se denomina "programação metabólica". Por
estar associada a ocorrência de doenças crônicas como
obesidade, diabetes, doenças cardíacas e distúrbios
comportamentais, os efeitos nutricionais na hereditariedade
epigenética são exaustivamente pesquisados. Apesar das
primeiras pesquisas se terem focado apenas a condição
nutricional in utero, demonstrando assim a importância da
nutrição materna, sabe-se que tanto a nutrição pré-natal
como a pós-natal contribuem para a programação
Figura 4. Mecanismos epigenéticos da expressão genética.
Acetilação histônica
RNA-polimerase
DNA
Deacetilação histônica
Transcrição
mRNA
Tradução
Proteína
metabólica.
Um estudo bastante convincente, conduzido nos sobreviventes à fome que assolou a Holanda durante a Segunda
Guerra Mundial, demonstrou não só a importância da
nutrição pré-natal e pós-natal, como revelou que esses efeitos
podiam ser transmitidos durante várias gerações (9). Os bebês
com baixo peso ao nascimento, gerados por mulheres com
acesso reduzido a alimentos durante a gestação, evidenciaram
maior incidência de obesidade, intolerância à glicose e
hipertensão em adultos (10,11). O achado mais significativo
proporcionado por este trabalho foi a detecção do aumento de
risco doenças na terceira geração (i.e. os netos das mulheres
que sobreviveram à fome), o que demonstra que a dieta
materna pode afetar não só a sua progênie como também as
gerações futuras. Inúmeros ensaios realizados com roedores
revelaram resultados semelhantes, permitindo que se
iniciasse a identificaçãodos mecanismos envolvidos nestes
processos.
Embora a boa qualidade da alimentação materna de cães e
gatos seja uma realidade há várias décadas, os dados
continuam a ser escassos. Esta ausência de conhecimentos
traduziu-se em recomendações alimentares pouco definidas
e na ausência de produtos comercializados para fêmeas
gestantes e lactantes. Não existe uma quantificação precisa
das necessidades nutricionais de filhotes e animais jovens
em fase de crescimento, nem o impacto que o status
nutricional durante este período poderá ter a longo prazo.
Considerando os recentes avanços no campo da epigenética,
que inclui a capacidade de avaliar o nível de metilação do
DNA, esperar-se grandes avanços na programação
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 29
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metabólica no futuro.
Regulação nutricional da expressão
genética - Nutrigenômica
Ao contrário da modificação epigenética, a expressão
genética também pode ser regulada através de processos
instáveis controlados por ativadores e repressores da
transcrição do DNA. Os genes associados ao metabolismo
lipídico, por exemplo, são muitas vezes regulados desta
forma e são afetados por fatores como a fonte de energia
(gordura vs carboidratos) e o status metabólico (jejum vs
alimentado) (12). Assim, o estado nutricional pode afetar o
número de enzimas presentes ao promover grandes
alterações na taxa de transcrição genética.
Até há relativamente pouco tempo, pensava-se que as
alterações na expressão genética atribuídas à dieta eram
mediadas sobretudo pela ação hormonal do sistema
nervoso. Contudo, investigações recentes demonstraram
que os macronutrientes (por ex.: glicose, ácidos graxos e
aminoácidos) e os micronutrientes (por ex.: ferro, zinco e
vitaminas) também podem regular a expressão genética.
Existem também diversos componentes alimentares bioativos com capacidade de atuar como fatores de transcrição
e que influenciam diretamente a expressão genética, onde se
incluem os carotenóides, flavonóides, monoterpenos e os
ácidos fenólicos (13).
Os nutrientes afetam a expressão genética através de
mecanismos diretos ou indiretos. A maioria dos exemplos
referidos ocorre através de regulação direta. Contudo,
nutrientes como a fibra dietética, submetida a um processo de
fermentação pelas bactérias intestinais, dão origem à produção
de compostos como os ácidos graxos de cadeia curta. Assim,
estes subprodutos vão atuar como mensageiros secundários
para influenciar a expressão genética. Embora a investigação
nesta área seja ainda limitada, há muito interesse no que diz
respeito às fibras fermentáveis e aos seus efeitos no
organismo. Os relatórios preliminares destes trabalhos
chamam a atenção de investigadores e veterinários para o fato
que deverão ser considerados não só os efeitos diretos que a
dieta poderá ter no animal, como também os efeitos sobre as
bactérias intestinais e os efeitos indiretos decorrentes
dessas alterações.
Em contraste com os testes de hereditariedade epigenética,
que podem requerer ensaios de longa duração e envolver
várias gerações, a identificação de alterações relacionadas
com nutrientes na transcrição ou na tradução pode ser
efetuada em um período de tempo bastante curto. Poderão
ser observadas algumas diferenças após o consumo de uma
30 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
única refeição ou após alguns dias ou semanas de
administração de uma determinada dieta. No passado, os
estudos desta natureza efetuados em cães e gatos eram
bastante restritos, devido ao número limitado de dados do
sequenciamento genético destes animais. A maioria dos
trabalhos centrava-se na resposta de um único gene ou de
um pequeno grupo de genes relevantes para a doença ou
para a via metabólica estudada.
A descoberta recente da sequência do genoma canino
permitiu aos investigadores desenvolverem chips de
microarray comerciais com capacidade de avaliar simultaneamente milhares de transcrições genéticas, o que
proporciona uma perspectiva global da expressão genética.
Graças aos microarrays é possível identificar a “assinatura
metabólica” ou a “assinatura da doença” do animal com base
no perfil de expressão genética. Dada a recente disponibilização dos testes arrays comercialmente, foram
conduzidos um número limitado de ensaios na espécie
canina, particularmente relacionados com a nutrição ou
doenças. Entre os trabalhos já publicados, muitos realizaram
a comparação de perfis de expressão genética de cães
saudáveis versus cães doentes, incluindo estudos sobre
osteoartrite (OA) (14), câncer (15) e cardiomiopatia
dilatada (CMD) (16).
A OA canina provoca a degeneração das cartilagens e
evidencia problemas similares à displasia coxofemoral.
Através de análises microarray realizadas à cartilagem
articular, o MIG-6 (gene responsivo ao impacto mecânico)
foi associado à OA (14). Os pesquisadores aprofundaram a
avaliação das concentrações de MIG-6 na expressão genética, recorrendo à técnica de reação em cadeia pela polimerase (PCR) em tempo real, de modo a validar os dados
do array. Este estudo utilizou cães de raça Retriever do
Labrador e cruzamentos de Retriever do Labrador e
Greyhound, com maior ou menor predisposição para a OA
em função dos resultados da subluxação dorsolateral. Foi
constatada uma elevada presença do gene MIG-6 nos cães
do grupo de alto risco de OA, levantando também a
hipótese que este gene possa regular a degradação e
produção de cartilagem nesta espécie (14).
O câncer é uma doença muito complexa que envolve
inúmeras vias patológicas, pelo que constitui uma excelente
aplicação da tecnologia microarray. Os testes arrays são
atualmente utilizados para investigar neoplasias em cães,
após estudos preliminares para comparar o tecido do
tumor com o tecido saudável (15). A CMD, outra doença
complexa, foi também recentemente estudada através de
microarrays caninos. Uma investigação preliminar concluiu
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 31
INTERAÇÕES ENTRE NUTRIENTES E GENES: APLICAÇÃO À NUTRIÇÃO E SAÚDE DOS ANIMAIS DE COMPANHIA
Figura 5. Descoberta dos biomarcadores da doença.
Amostra # 1
Amostra # 2
Amostra # 3
Tempo
Progressão da doença
Biomarcador 2
que as expressões genéticas envolvidas na produção de
energia celular, na sinalização, comunicação e estrutura
celular, em geral, são inferiores em cães com CMD,
comparativamente aos animais saudáveis (16). Em
contrapartida, os genes associados à defesa celular e à
resposta ao estresse apresentavam uma regulação crescente
na população doente. Estes estudos iniciais identificaram
diversos genes e vias envolvidos no desenvolvimento de
câncer, OA e CMD e espera-se que possam ser utilizados em
futuros trabalhos para aumentar os conhecimentos sobre os
processos patológicos e evidenciar objetivos terapêuticos.
Poucos estudos utilizaram microarrays para avaliar os efeitos
da dieta em populações saudáveis. No entanto, para
compreender totalmente os efeitos da nutrição sobre a saúde
e sobre as doenças, é necessário recorrer aos efeitos globais
das alterações no estado nutricional dos indivíduos
saudáveis. Assim, o nosso laboratório conduz atualmente
uma investigação sobre os efeitos da idade e da dieta nos
perfis de expressão genética de inúmeros tecidos relevantes
do ponto de vista do metabolismo e/ou no processo de
envelhecimento, incluindo o fígado, o cólon, o músculo
esquelético, o córtex cerebral e tecido adiposo. Os resultados preliminares deste trabalho encontram-se em fase de
publicação e são fundamentais para originar novas
pesquisas nutrigenômicas caninas e felinas. Devido a vasta
informação e ferramentas sobre o sequenciamento do
genoma canino já disponível, são previsíveis grandes
avanços na área da nutrigenômica durante a próxima
década. Apesar dos chips de microarray canino já serem
comercializados, o mercado ainda não dispõe de um
microarray felino. À medida em que forem obtidos mais
Biomarcador 1
Biomarcador 3
dados sobre o sequenciamento do genoma felino e
aumentar a procura destas ferramentas de pesquisa,
certamente surgirão no mercado arrays felinos e produtos
semelhantes.
O futuro da nutrigenética e da
nutrigenômica em Clínicas Veterinárias
É difícil de prever o impacto da nutrigenômica no futuro do
tratamento e nutrição dos animais de companhia, uma vez
que depende diretamente dos avanços tecnológicos nessa
área. Questões de ordem econômica, ética e regulamentar
também irão arbitrar o ritmo da realização destes progressos
bem como as tecnologias e estratégias adoptadas.
Considerando-se que a saúde e a longevidade são primordiais
para cães e gatos, é provável que a prevenção controle ou
tratamento de doenças. Assim, o futuro poderá passar
pela inclusão de: 1) testes do genoma, para evitar ou limitar a
prevalência de doenças genéticas, identificar populações
susceptíveis, determinar dietas ideais em função de um
genótipo específico e estabelecer o formato e dosagem
farmacêutica mais eficaz de acordo com o genótipo; 2)
biomarcadores, para a detecção precoce de doenças e
terapêuticas especialmente direcionadas; 3) nanoferramentas, para a análise rápida de biópsias tecidulares ou
amostras sanguíneas.
Ainda que a análise genética ao nível do genoma
conduzida em clínicas veterinárias possa estar ainda a
anos de distância, sua utilização terá grande influência
na saúde nos próximos anos. Já foram identificadas mais
de 400 doenças genéticas caninas e 250 felinas, muitas
das quais poderão ser consideravelmente influenciadas
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 31
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 32
INTERAÇÕES ENTRE NUTRIENTES E GENES: APLICAÇÃO À NUTRIÇÃO E SAÚDE DOS ANIMAIS DE COMPANHIA
pelas experiências de investigação do genoma (17;
http://omia.angis.org.au/). O sequenciamento dos
genomas e o cruzamento de indivíduos, em função da
ausência de mutações genéticas responsáveis poderá
ajudar a erradicar muitas doenças.
Contudo, devido aos estrangulamentos genéticos ocorridos
em diversas raças, este método de evitar potenciais doenças
poderá não ser possível nem desejável. Nesses casos, será
possível recorrer a intervenção precoce com programas
nutricionais específicos (como é o caso da toxicose de cobre),
para controlar ou minimizar o risco de doença. O
diagnóstico genético proporciona também informações
fundamentais sobre as formas e dosagens farmacêuticas
mais adequadas.
Se por um lado as doenças genéticas constituem
problema considerável para diversas raças caninas e felinas,
a grande maioria das doenças que afetam a saúde e a
longevidade dos animais possuem natureza complexa.
Apesar destas doenças se caracterizarem muitas vezes por
um componente genético, a idade, o sexo e fatores
ambientais como a dieta também desempenham um papel
fundamental no seu desenvolvimento. No caso de doenças
dificilmente identificáveis com base apenas em testes
genéticos, a utilização de biomarcadores para a sua detecção
e caracterização precoce será de grande importância. Os
biomarcadores genômicos poderão ser observáveis antes do
aparecimento dos sintomas clínicos, permitindo assim a
detecção precoce e a identificação objetivos biológicos
específicos. Encontra-se em realização no nosso laboratório
uma investigação sobre biomarcadores de doenças, que
aumentam ou diminuem em função da progressão destas
(Figura 5) com o objetivo de desenvolver esse tipo de
ferramentas de diagnóstico.
Os avanços alcançados no campo da nanotecnologia também
serão utilizados para complementar a prevenção de doenças
ou as estratégias terapêuticas referidas. Hoje é possível
recorrer a pequenas biópsias de tecidos ou amostras
sanguíneas para determinar o DNA, ou analisar a expressão
genética. A capacidade de utilizar as pequenas amostras
biológicas para a análise genética ou de diagnóstico
certamente irá aumentar no futuro. A natureza pouco
invasiva destes procedimentos abrirá novas vias para a
pesquisa, promovendo a utilização clínica destas
ferramentas.
Em uma época em que os cães e os gatos são cada vez mais
tratados como um membro da família ao invés de um
simples animal de companhia, não é de surpreender que a
sua alimentação e cuidados médicos sejam semelhantes às
do ser humano. A identificação de perfis de PNU, de padrões
de metilação do DNA, de padrões ou assinaturas de
expressões genéticas que afetam ou respondem ao status
nutricional e/ou a doenças implicará muito tempo e recursos
financeiros consideráveis, porém, os resultados serão muito
compensadores. À medida que novas tecnologias inovadoras
são desenvolvidas e os respectivos custos diminuem,
aumentará a utilização da biologia genômica na
investigação e no cenário clínico.
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Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 33
Aspectos genéticos
da doença renal canina
E
Catherine Layssol, Yann Queau,
Hervé Lefebvre
Departamento de Ciências Clínicas, Escola Nacional de
Medicina Veterinária de Toulouse
Catherine Layssol é licenciada pela Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Toulouse (França). Exerceu as funções de
assistente no Departamento de Medicina Interna de Carnívoros
Domésticos durante um ano e nos últimos seis é responsável
pela ultra-sonografia das clínicas da Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Toulouse. A Dra Laysoll tem em curso um projeto
de pesquisa sobre a validação da ultra-sonografia renal e sua
potencial utilização para detecção precoce de doenças renais
subclínicas (particularmente, doenças genéticas).
Yann Queau é licenciado pela Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Toulouse. Atualmente desenvolve um projeto de
pesquisa interracial sobre a variabilidade da função renal de cães
saudáveis em canis de reprodução, efeitos da idade sobre a
função renal e validação dos métodos de ultra-sonografia renal.
O Dr. Lefebvre é Médico Veterinário e Professor de Fisiologia
na Escola Nacional de Medicina Veterinária de Toulouse.
Doutorou-se em 1994 e é diplomado pelo Colégio Europeu de
Farmacologia e Toxicologia Veterinária. Hervé Lefebvre é autor de
mais de 60 artigos, de capítulos de livros e desenvolve trabalhos
há 15 anos sobre aspectos da função renal. O Dr. Lefebvre
conduz atualmente um estudo sobre a biologia da creatinina e o
significado clínico da sua concentração plasmática como meio
auxiliar para o diagnóstico precoce da insuficiência renal crônica
em diversas raças caninas.
ntre os animais domesticados, o cão é a espécie com
maior diversidade genética (mais de 350 raças
identificadas). As raças diferem entre si em termos
morfológicos, como o tamanho e características comportamentais, em função dos padrões definidos pelos criadores.
Também podem evidenciar atributos fisiológicos distintos.
Contudo, não foram ainda elucidados os principais mecanismos dos efeitos genéticos. Este artigo resume o conhecimento atual sobre a influência dos genes na função renal e
as principais doenças genéticas renais caninas.
Efeito dos genes na função renal
Os rins possuem diversas funções: função tubular (filtração,
reabsorção e secreção), endócrina (síntese da eritropoietina
e do calcitriol) e metabólica. O conhecimento sobre a ação
dos genes nestas funções, assim como os potenciais efeitos
diagnósticos e clínicos (Figura 1) é ainda limitado.
Filtração glomerular
Estudos conduzidos recentemente indicam que a taxa de
filtração glomerular (TFG) no cão depende do porte e da raça
(1). Foram medidos os níveis de depuração de creatinina
exógena plasmática (recentemente validado como um
indicador da TFG) em 386 cães saudáveis de diferentes raças.
O valor médio da TFG situou-se em 3 ± 0,7 mL/min/kg, observando-se uma considerável influência do tamanho do animal.
Quanto maior era o cão, mais baixa era a TGF (Figura 2).
Também foram constatadas algumas diferenças inter raciais.
Assim, as conclusões preliminares parecem indicar que os
genes, direta ou indiretamente, afetam a função renal nos cães
de acordo com o porte. O valor limite de 1,8 a 2 mL/min/kg
para a TFG (abaixo do qual se considera a anormalmente
baixa) tem de ser reduzido para as raças gigantes (>45 kg) e
aumentado para as raças pequenas (<10 kg) (1).
Adicionalmente, a creatinina é essencialmente eliminada
pela filtração glomerular no cão, e em animais saudáveis, os
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 33
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 34
Figura 1.
Possíveis efeitos dos fatores genéticos na fisiologia renal.
Figura 2.
Efeito do porte na taxa de filtração glomerular no cão adulto.
Raças gigantes:
>45 kg
Raças grandes:
25-45 kg
Raças médias:
10-25 kg
© (Hermeline / Aniwa)
© (Hermeline / Aniwa)
© (Hermeline / Aniwa)
FUNÇÃO RENAL
© (Hermeline / Aniwa)
PARTICULARIDADES ESPECÍFICAS DA RAÇA
Fisiológica
Taxa de filtração glomerular
Funções tubulares
Funções endócrinas
Produção de urina
Composição da urina
Diagnóstico
Valores referência
(ex.: creatinina)
Exames funcionais
(TFG)
Fisiopatológica
Doenças renais
genéticas
Predisposição para a DRC
Sensibilidade renal no
decurso de doença
não renal
Figura 3.
Efeito do porte sobre o valor referência da creatinina plasmática em
mg/L em cães adultos. (Valores expressos em µmol/L).
5 (44)
9 (80)
Raças pequenas:
1-10 kg
5 (44)
12 (106)
Raças médias:
10-25 kg
7 (62)
18 (159)
Raças grandes:
25-45 kg
7 (62)
1.5
2
2.5
3
3.5
4
4.5
Taxa de filtração glomerular (mL/min/kg)
Segundo Lefebvre et al., 2006 (1).
Figura 4.
Análise comparativa da produção de urina, número de micções por
dia, pH urinário e concentração de cálcio urinário de 8 Retrevier do
Labrador (azul claro) e 8 Schnauzers Miniatura (azul escuro), machos
e fêmeas saudáveis, com idades médias compreendidas entre 3 e 4
anos e administração do mesmo alimento.
25
20
15
10
5
0
3
2.5
2
1.5
1
0.5
0
6.6
6.5
6.4
6.3
6.2
6.1
6
5.9
pH (unidades)
Volume de urina (mL/kg/dia)
Micções (número/dia)
1
0.8
0.6
0.4
0.2
0
Cálcio urinário (mmol/L)
Segundo Stevenson & Markwell 2001 (3)
17 (150)
Raças gigantes:
>45 kg
Segundo Craig et al., 2006 (2).
níveis referência das concentrações plasmáticas variam em
função do tamanho e da raça (2). Assim, os valores da
creatinina plasmática são mais baixos nas raças miniatura
(<10kg) que nas raças grandes (30 a 45kg) ou nas raças
gigantes (>45kg). É importante considerar estas
diferenças durante a elaboração de um diagnóstico, uma
vez que os valores referência deverão contemplar todas as
raças. Por exemplo, em um cão de pequeno porte
100µmol/L constitui um valor anormalmente elevado,
enquanto que 140µmol/L pode ser um nível normal para
uma raça gigante (>45kg) (Figura 3).
Outras funções renais
A informação disponível sobre o efeito dos genes em outras
funções renais é bastante escassa. No Dálmata, por exemplo,
o ácido úrico (um produto do catabolismo do nucleotídeo
purina) é moderadamente reabsorvido pelo túbulo renal
34 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
Raças pequenas:
1-10 kg
proximal, ao contrário das outras raças em que a reabsorção
é quase total.
Um estudo demonstrou a variabilidade em termos de
frequência da micção, volume diário e compo-sição da urina
entre um Schnauzer Miniatura e um Labrador Retriever,
com administração do mesmo alimento (3) (Figura 4).
Doenças renais hereditárias
Foram publicados vários ensaios sobre doenças renais
caninas de origem genética (4,5).
Definições
Seguem alguns termos utilizados para caracterizar
doenças renais com possível origem genética.
Doença hereditária ou genética – doença transmitida
através do espermatozóide ou do óvulo. Em geral, as
doenças autossômicas dominantes distinguem-se das
doenças autossômicas recessivas. O termo “autossômico”
refere-se à mutação que provoca a distúrbio em um
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 35
ASPECTOS GENÉTICOS DA DOENÇA RENAL CANINA
cromossomo não sexual. Nas doenças autossômicas
dominantes (raras no cão), a progenitora afetada resulta
habitualmente do cruzamento de animais saudáveis com
heterozigotos portadores da doença. A doença poderá não
ter sido identificada durante a fase de reprodução e, por
consequência, o animal é denominado “portador saudável”.
Estas doenças são transmitidas sequencialmente de
geração em geração, ou seja, sem saltar nenhuma
geração. No caso das doenças autossômicas recessivas, o
animal afetado é homozigótico para o gene. Em contraste
com as autossômicas dominantes, as doenças autossômicas recessivas afetam, em geral, um ou mais membros da
mesma ninhada, mas não necessariamente da geração
anterior; progenitores saudáveis podem gerar crias
afetadas. A maioria das doenças genéticas caninas
documentadas são autossômicas recessivas. Os cães
também apresentam doenças renais genéticas induzidas
por mutações, localizadas não nos autossomos, mas sim
no cromossomo X (ex.: a nefropatia hereditária dos
Samoiedas provocada por um gene dominante).
Doença familiar – doença que afeta diversos indivíduos
relacionados entre si (i.e. da mesma família), com uma
frequência superior à observada na população geral. A
doença familiar não possui necessariamente origem
genética (por ex.: a leptospirose em uma matilha de
cães).
Doença congênita – doença presente desde o nascimento,
mas não necessariamente hereditária, (por ex. infecções,
substâncias nefrotóxicas, etc.). Embora as causas da doença
renal genética possam divergir, na maioria dos casos o
resultados clínico é a Doença Renal Crônica (DRC). O
período de manifestação dos sinais biológicos ou clínicos
varia de alguns meses (Samoieda) até alguns anos (Bull
Terrier).
Fatores extra-renais e doenças genéticas
concomitantes que afetam a prevalência da
insuficiência renal
A função renal pode ser afetada por inúmeros fatores
genéticos renais e extra-renais. A DRC manifesta-se com
maior frequência em cães idosos do que em jovens adultos.
A expectativa de vida depende da raça e do porte: é
menor (média 7 anos) nas raças gigantes (>45kg) do
que nas raças miniatura (<10kg) (média 11,2 anos) (6).
A frequência da DRC clínica é mais elevada nas raças de
pequeno porte. A predisposição de determinadas raças
para o desenvolvimento de doenças em outros sistemas,
com efeitos renais, pode explicar a frequência mais
elevada de DRC nessas raças. Por exemplo, os Poodles
evidenciam maior predisposição para a doença
degenerativa valvular e para a Síndrome de Cushing,
duas doenças que reduzem indiretamente a função
renal. O Retriever do Labrador e o Golden Retriever
possuem um risco mais elevado de desenvolver lesões
renais devido a infecção por Borrelia burgdorferi, com
uma incidência 6,4 e 4,9 vezes superior, respectivamente,
que as outras 15 raças estudadas (7).
Doenças genéticas renais variadas
As principais doenças renais de origem genética são
apresentadas na Tabela 1, podendo ser agrupadas de
acordo com a natureza e o local da lesão.
Amiloidose renal
A amiloidose abrange um grupo de doenças caracterizadas pela deposição extra-celular de material fibrilar,
originado em proteínas beta, e com estrutura de folha pregueada, que se tornam insolúveis. Esta doença é detectada
através de análises histológicas utiizando a coloração
Vermelho Congo. As raças caninas que revelam maior
predisposição são Beagle e Shar Pei. Manifesta-se
geralmente na idade adulta, sobretudo em cães idosos, e
caracteriza-se por uma proteinúria acentuada, hipercolesterolemia, hipo-albuminemia e TFG reduzida. Na raça
Shar Pei, já foram relatados episódios discretos de
edema articular e hipertermia.
Lesão da membrana basal glomerular
Diversas raças apresentam esta lesão, que se caracteriza
pelo espessamento da membrana basal glomerular. No
Bull Terrier e no Dálmata, a transmissão é autossômica
dominante, enquanto no Cocker Spaniel é autossômica
recessiva. No Samoieda a transmissão está associada ao
cromossomo X. O primeiro sinal biológico desta doença
é a proteinúria, que surge antes de qualquer sintoma
clínico. A idade de aparecimento dos sintomas biológicos
e clínicos é muito variável. No Bull Terrier, por exemplo,
a doença é observada principalmente em animais adultos,
algumas vezes em cães idosos. No entanto, na raça
Samoieda, os cães afetados raramente ultrapassam os
7 ou 8 meses de vida. Foi desenvolvido, recentemente,
um teste molecular para o diagnóstico da mutação no
Cocker Spaniel.
Glomerulonefrite membrano-proliferativa
A definição de glomerulonefrite membrano-proliferativa é histológica. As lesões incluem proliferação
celular mesangial, com células polimorfonucleares e
macrófagos, e acúmulo de material e depósitos de
origem membrano-mesangial. Os sinais clínicos e
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 35
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 36
Tabela 1.
Principais doenças renais caninas de origem genética
Doenças
Amiloidose
Lesão da
membrana basal
glomerular
Glomerulonefrite
Doença policística
renal
Displasia renal
Cistadenocarcinoma
multifocal
Lesão tubular
(síndrome de Fanconi)
Cistinúria
Raças afetadas
Beagle
Shar Pei
Bull Terrier
Cocker Spaniel Inglês
Dálmata
Doberman Pinscher
Samoieda
Bernese
Bulmastife
Spaniel Bretão
Rottweiler
Soft-coated Wheaten Terrier
Bull Terrier
Cairn Terrier
West Highland White Terrier
Malamute do Alasca
Boxer
Elkhound Norueguês
Chow Chow
Golden Retriever
Lhasa Apso
Schnauzer Miniatura
Shih Tzu
Soft-coated Wheaten Terrier
Poodle Standard
Pastor Alemão
Basenji
Elkhound Norueguês
Terranova
Retriever do Labrador
Buldogue
Mastife
biológicos são idênticos à DRC. A origem genética deste
distúrbio já foi demonstrada em diversas raças.
Doença renal policística
A doença renal policística caracteriza-se pela presença
de cistos, em número e tamanhos variáveis, no tecido
renal e já está documentada em Bull Terriers, Cairn
Terriers e West Highland White Terriers. Trata-se de uma
doença autossômica dominante no Bull Terrier e
autossômica recessiva nas outras duas raças. No
primeiro caso, geralmente é associada a anomalias nas
válvulas mitral e aórtica, e também a displasia mitral,
mas sem presença de cistos hepáticos. No Cairn Terrier
36 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
são observáveis cistos tanto nos rins como no fígado.
Enquanto no Bull Terrier os sinais clínicos podem
manifestar-se em adultos jovens, no Cairn Terrier e no
West Highland White Terrier os sintomas surgem entre o
primeiro e o segundo mês de vida, podendo verificar-se a
presença de cistos sem qualquer sinal clínico ou biológico.
Displasia renal
O termo displasia renal refere-se a qualquer lesão resultante
de um desenvolvimento anômalo dos rins. Em geral, o
exame histológico revela glomérulos imaturos, proliferação adenomatosa do epitélio dos ductos, assim como
lesões renais secundárias (glomeruloesclerose, fibrose
intersticial, pielonefrite). A displasia renal já está descrita
em numerosas espécies, e apresenta sinais clínicos e
biológicos idênticos aos da DRC. Esta doença afeta
filhotes e adultos jovens.
Cistadenocarcinoma renal multifocal
Foi descrita no Pastor Alemão uma síndrome cancerígena
que associa o cistadenocarcinoma renal multifocal com a
dermatofibrose nodular e se caracteriza por tumores renais
bilaterais multifocais, inúmeros tumores cutâneos e subcutâneos, e nódulos com leiomioma uterino. Esta doença
é autossômica dominante e já foi identificado um gene
mutante.
Lesão tubular
A síndrome de Fanconi constitui a lesão tubular melhor
documentada em medicina canina. Foi descrita sobretudo na raça Basenji, mas também no Elkhound Norueguês
e, com menor frequência, no Shetland e no Schnauzer. Esta
doença caracteriza-se por múltiplas deficiências de
reabsorção nos túbulos proximais, que dão origem a
poliúria/polidipsia, glicosúria sem hiperglicemia, aminoacidúria, isostenúria e acidose metabólica hiperclorêmica.
A DRC manifesta-se habitualmente nas fases mais avançadas
da doença. Geralmente, o diagnóstico é realizado entre
os 4 e os 7 anos de vida, embora os sinais clínicos possam
surgir mais cedo. Os estudos conduzidos apresentam taxas
de sobrevivência variáveis, porém, graças à introdução
imediata de terapêutica nutricional na fase de detecção, a
esperança de vida pode chegar a 5 anos após o diagnóstico
(8). As alterações dietéticas têm como objetivo corresponder as necessidades nutricionais e energéticas do
paciente, aliviar os sintomas clínicos e as consequências da
uremia, minimizar os distúrbios de fluídos, preservar o
equilíbrio eletrolítico, vitamínico, mineral e ácido-básico, e
evitar a progressão da insuficiência renal.
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 37
ASPECTOS GENÉTICOS DA DOENÇA RENAL CANINA
Cistinúria
A cistinúria consiste numa excreção urinária anormal de
um aminoácido: a cistina. Em condições fisiológicas
normais, os aminoácidos filtrados pelos glomérulos são
totalmente reabsorvidos pelos túbulos renais. Embora a
excreção excessiva possa dar origem à formação de
cálculos, especialmente em machos, o seu efeito pode
permanecer subclínico e nunca evoluir para uma doença
declarada. Esta afecção foi estudada sobretudo no
Terranova, com transmissão autossômica recessiva, e foi
também observada em outras raças, como o Labrador, o
Buldogue e o Mastife. A presença de cistina na urina é
detectável através do teste de nitroprussiato de sódio. Já
foi desenvolvido um teste molecular para os Terranova e
Retriever do Labrador, para identificação de animais
doentes e portadores.
Doença renal hereditária: diagnóstico
e tratamento
Diagnóstico
O diagnóstico das doenças renais genéticas processa-se
em duas fases:
1) confirmação da doença renal;
2) identificação do envolvimento genético.
Diagnóstico da insuficiência renal
O diagnóstico da doença renal é elaborado com base na
anamnese e exame clínico, em análises indiretas no
plasma e urina, no diagnóstico por imagem, em exames
funcionais e biópsias. Neste artigo, abordaremos apenas
os métodos de diagnóstico utilizados para determinar a
doença renal genética.
Anamnese
Deve suspeitar-se de doença renal genética em qualquer
caso de DRC observado em filhotes ou jovens adultos. Por
conseguinte, é necessário checar se a DRC foi adquirida
em consequência de infecção ou de nefrotoxicidade.
Embora seja importante considerar o fator racial
(predisposição), outras raças, incluindo cães mestiços,
podem apresentar doenças renais genéticas, algumas
das quais podem afetar animais idosos (amiloidose
renal). Os sintomas clínicos são idênticos aos da DRC:
poliúria/polidipsia, anorexia, perda de peso, debilidade
muscular, desidratação, vômito, entre outros. Os filhotes
evidenciam atrasos de crescimento. A evolução clínica é
variável, a doença pode manter-se estável ou evoluir
rapidamente, sobretudo em cães jovens.
Parâmetros plasmáticos e urinários
A urina é frequentemente isostenúrica, mas pode ocorrer
um decréscimo da densidade urinária em uma fase tardia
da progressão da doença renal genética. É possível
detectar a proteinúria nas fases iniciais. Foram recentemente publicadas algumas recomendações relativas à
mensuração e interpretação da proteinúria (9). A
glicosúria e aminoacidúria são igualmente observáveis na
síndrome de Fanconi.
A avaliação dos valores referência para as concentrações de
plasma ou de creatinina sérica é considerada o melhor
parâmetro sanguíneo indireto da função renal. A fase da
DRC também pode ser determinada através dos valores da
creatinina, de acordo com os critérios propostos pela
International Renal Interest Society (10). Os níveis referência
da creatinina sérica devem ser interpretados em função do
porte do animal. Caso se suspeite de doença genética, deverá
mensurar-se regularmente os níveis de creatinina
plasmática (i.e. com intervalos de 3 a 6 meses, em
animais adultos), para detectar qualquer aumento
gradual, incluindo no intervalo referência para a creatinina.
Os outros indicadores sanguíneos são os utilizados para a
DRC.
É mais difícil interpretar os resultados das análises de
urina e plasma de filhotes uma vez que é necessário
contemplar suas especificidades fisiológicas. Em
condições fisiológicas normais, a densidade urinária dos
filhotes é mais elevada do que a dos animais adultos
(11). Por exemplo, uma densidade urinária de 1,025
revela maior alteração na capacidade de concentrar a urina
em filhotes do que em adultos. Durante a fase de
crescimento, o nível de creatinina plasmática dos filhotes
saudáveis aumenta gradualmente, dificultando a interpretação de mensurações sucessivas.
Diagnóstico por Imagem
O diagnóstico por imagem também pode revelar-se bastante
útil. A radiografia renal e a ultra-sonografia (Figura
5) são os exames utilizados com maior frequência e a
utilização destas técnicas foi já analisada em diversos
artigos (12,13). A radiografia permite observar a forma e
tamanho dos rins. A ultra-sonografia é recomendada
em caso de suspeita de doença renal hereditária,
principalmente displasia renal e doença policística. Os
critérios para a avaliação de uma ultra-sonografia são: a
presença de lesões difusas ou localizadas, ecogenicidade,
estrutura, tamanho e forma. No caso da displasia renal, a
estrutura do rim apresenta-se desorganizada e, geralmente,
é observável um aumento da ecogenicidade e da espessura
do córtex. Os cistos renais apresentam a forma de
cavidades anecogênicas e são frequentemente observados
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 37
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 38
Figura 5. Ultrassonografia renal.
A. Cisto renal
valores muito altos. Entretanto, as frações de excreção são de
difícil interpretação e requerem condições padronizadas.
Biópsia renal
B. Displasia renal
no córtex. O tamanho dos rins depende da idade e da raça do
animal, o que dificulta a interpretação dos resultados. No
entanto, é importante considerar que as lesões renais nem
sempre são acompanhadas de insuficiência funcional. Alguns
animais com lesões renais, detectadas por ultra-sonografia,
podem permanecer em uma fase subclínica durante muito
tempo.
Exames funcionais
A avaliação proporcionada pelos indicadores indiretos
da função renal raramente possui a sensibilidade
necessária para detectar a insuficiência renal precoce.
Em caso de suspeita de DRC, em que essa hipótese não
possa ser confirmada ou excluída através de análises de
rotina do plasma e urina, preconiza-se a determinação
da TFG. Em termos nefrológicos, a TFG constitui o
melhor indicador da função renal, cuja determinação
poderá ser realizada na clínica, através da mensuração
dos níveis de depuração da creatinina ou do iohexol no
plasma. Este procedimento consiste na administração
endovenosa de um marcador e na colheita sucessiva de
amostras sanguíneas durante algumas horas. A
depuração (que representa a TFG) é então calculada
dividindo-se a dose injetada pela área abaixo da curva
das concentrações plasmáticas (14). Os valores obtidos
para a TFG devem ser interpretados em função do porte
do animal . Em filhotes a interpretação é mais complexa,
uma vez que a TFG é mais elevada (11). O exame funcional
mais adequado para confirmar o diagnóstico de
deficiência tubular consiste na determinação das frações
de excreção de eletrólitos e aminoácidos, que apresentam
38 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
Para caracterizar a natureza e a gravidade das lesões
renais é necessário realizar a um exame histológico. Este
procedimento não é realizado na prática clínica,
sobretudo devido ao risco de complicações associadas à
biópsia, que ocorrem em cerca de 13% dos casos (15). O
método utilizado com maior frequência é a biópsia por
agulha, orientada por ultra-sons, sob anestesia geral. Em
filhotes, a biópsia pode ser repetida de dois em dois meses
com um risco mínimo de induzir artefatos na interpretação
das lesões ou alterar a função renal (16). A análise ideal
da biópsia renal requer a observação da amostra através de
um microscópio óptico (exame básico), por imuno- histoquímica e microscópio eletrônico (avaliação ultraestrutural). Alguns laboratórios fornecem kits especiais
para preparação de amostras. Recentemente foram
publicadas algumas recomendações relativas à colheita e
preparação de amostras (17).
Identificação do caráter genético da doença renal
A estratégia para o diagnóstico da doença renal hereditária
varia caso se trate de um proprietário ou de um criador. Na
prática clínica, é difícil identificar o caráter genético de uma
doença, portanto deve recorrer-se aos serviços de um
especialista em genética. Recomendamos, também, a leitura
dos artigos recentemente publicados sobre este tema
(18,19).
No caso de um cão que pertença a um proprietário, é
aconselhável tentar contatar o criador ou os proprietários
dos progenitores ou dos irmãos da ninhada. Este procedimento é necessário para determinar um eventual caráter
genético da doença, na ausência de testes genéticos. No
entanto, é difícil convencer os proprietários, bem como os
veterinários assistentes, a cooperar, uma vez que a
identificação dos aspectos genéticos da doença é um
processo trabalhoso e sem qualquer implicação terapêutica.
Deverão ser analisados os dados familiares de vários animais
(genealogia e se possível uma amostra de DNA).
Para os criadores, trata-se obviamente de uma questão
importante, uma vez que o diagnóstico é fundamental para o
estabelecimento de recomendações que evitem a transmissão da doença à progenitora. As medidas a serem
adotados pelo criador irão depender de diversos fatores,
incluindo o modo de transmissão, se conhecido, a
possibilidade de efetuar testes genéticos de diagnóstico, a
dimensão e diversidade do capital genético, e a
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 39
ASPECTOS GENÉTICOS DA DOENÇA RENAL CANINA
prevalência da doença em canis.
Se apenas estiver implicado um único gene dominante,
todos os portadores estarão afetados e, por consequência, os
animais não devem ser utilizados para reproduçao. A idade
de aparecimento dos sinais clínicos constitui um fator
fundamental: se surgirem antes da maturidade
sexual, o animal não deve ser selecionado para reprodução. Em contrapartida, se os sinais clínicos se manifestarem no adulto, o animal poderá ter tido inúmeras crias ou
morrer de outra doença antes de surgirem quaisquer sinais
indicativos de uma doença genética.
Se o gene não for dominante, a seleção é mais
problemática. O animal pode ser um portador são, ou seja,
uma espécie de reservatório do alelo recessivo. Através de
um teste genético para portadores saudáveis, é possível
excluir da reprodução os animais afetados, uma vez que o
cruzamento de um portador saudável com um portador
não saudável irá aumentar o número de animais portadores
saudáveis, propagando assim a anomalia. Contudo, estas
recomendações simples nem sempre são observadas, devido
ao valor intrínseco dos cães reprodutores e de outros
critérios de seleção valorizados pelos criadores, bem
como à eventual presença de outras doenças genéticas
na raça em questão.
A análise genética pode ser utilizada como forma de
identificar os animais afetados e os portadores antes do
aparecimento de sinais clínicos e laboratoriais. É importante
utilizar o teste especificamente desenvolvido para cada raça,
uma vez que a mutação responsável pode ser diferente de
outra raça. Se a doença for de caráter poligênico, dificulta
a seleção de cães para a reprodução. Fatores
ambientais (i.e. consumo de água, exercício) podem
também afetar a expressão clínica.
Conclusão
Não se conhece ainda em profundidade a relação existente
entre os genes e a função renal, mas sabe-se que poderá ter
um grande impacto na fisiologia renal. A identificação da
doença renal genética em algumas raças evidencia a
necessidade de se considerar as pesquisas recentes
conduzidas na área da nefrologia. Tem-se observado uma
procura crescente de laudos genéticos em relação a doenças
renais, principalmente por parte de associações de raças
caninas.
Os autores agradecem a valiosa contribuição do Professor
Alain Ducos, geneticista da Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Toulouse.
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Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 39
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 40
PONTO DE VISTA ROYAL CANIN
Raça: um parâmetro
fundamental em
nutrição canina
Pascale Pibot, DVM
Grupo Royal Canin, Aimargues, França
Pascale Pibot é graduada pela Escola Nacional de Medicina
Veterinária de Nantes (França) e ingressou na Royal Canin
em 1987. Dentre os diversos cargos desempenhados,
destacam-se: monitorização técnica de reprodução canina,
formação interna e comunicação científica para médicos
veterinários e criadores de cães. Atualmente, exerce as
funções de responsável pelas publicações científicas para
criadores e veterinários do departamento de Comunicação
da Royal Canin.
Introdução
Inicialmente, os alimentos comerciais para cães
procuravam suprir as necessidades nutricionais
mínimas com base em ensaios conduzidos em Beagles
em condições laboratoriais. Entretanto, a oferta de
produtos tem sofrido uma rápida e considerável
diversificação e, atualmente, são contemplados inúmeros fatores passíveis de influenciar as necessidades
nutricionais: idade, crescimento, condição física
(influenciada pelo status sexual), atividade e estilo de
vida, estado de saúde, sem esquecer o porte do cão e
mais, recentemente, a raça.
40 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
A extrema heterogeneidade desta espécie animal
incentivou o estudo das diferenças anatômicas e
fisiológicas das raças caninas. De fato, as necessidades nutricionais de um Yorkshire, que em 8
meses, multiplica o seu peso ao nascimento 20
vezes, não são idênticas às de um Mastife, que leva
18 a 24 meses até atingir o tamanho adulto, durante
os quais multiplica por 100 vezes o peso com que
nasceu.
Para diferenciar os alimentos de acordo com o
tamanho do animal, princípio óbvio durante a fase
de crescimento, foram analisadas as diferenças
entre os cães adultos de distintas raças:
• As necessidades energéticas são calculadas sempre
com base na mesma equação padrão?
• As capacidades digestivas são idênticas em cada
raça?
• As necessidades nutricionais são influenciadas
pelo tipo de pele e pelagem?
• Os riscos de doenças e a expectativa de vida, que
variam em função do porte e da raça, deverão ser
considerados antes de se desenvolverem sinais
clínicos?
A pesquisa conduzida com o objetivo de responder
estas questões permitiu desenvolver a abordagem
da nutrição canina. A perspectiva nutricional
coletiva tem sofrido transformações progressivas,
tendo passado a contemplar o porte do animal em
uma primeira fase, e posteriormente o fator raça. O
presente artigo pretende demonstrar como a
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 41
compreensão dos riscos relacionados com uma
determinada raça pode conduzir a uma melhor
utilização dos aspectos preventivos da nutrição.
gástrica em cães de caixas torácicas profundas,
com maior predisposição natural para desenvolver
essa síndrome (1).
Observar a cinética da ingestão de
cada cão e adaptar o croquete em
conformidade
Assim, as características físicas do croquete devem
ser adaptadas ao tamanho e à forma das mandíbulas
do cão, para permitir a fácil preensão do alimento
e, simultaneamente, evitar a sua desagregação, bem
como movimentos de deglutição desnecessários.
O tamanho, a forma e a textura dos croquetes
constituem os primeiros parâmetros que devem ser
adaptados à raça do animal, com três objetivos
principais: facilitar a preensão do alimento, controlar
a velocidade de ingestão e prevenir a ocorrência de
doença periodontal.
Facilitar a preensão do alimento
Os cães dolicocéfalos possuem arcadas dentárias
sobrepostas, semelhantes a lâminas de uma
tesoura, e evidenciam sempre uma retração de
alguns milímetros na arcada inferior. No entanto, a
face dos cães braquicéfalos é mais curta, fato que
leva a um prognatismo da mandíbula e
posicionamento alternativo dos dentes na maxila
(Figura 1).
Se não houver contato entre os incisivos, o cão terá
de utilizar a língua ou os dentes laterais para
prender o alimento. Consequentemente, terá tendência a ingerir rapidamente os croquetes o que
pressupõe um maior risco para torção-dilatação
Controlar a velocidade de ingestão
Algumas raças caninas evidenciam um comportamento alimentar particularmente voraz. Embora
seja uma característica canina natural, pode ser
benéfico reduzir a velocidade de ingestão. A
administração de croquetes ao Dogue Alemão com
um tamanho mínimo de 3 cm, constitui uma forma
de forçar o animal a mastigar antes de os ingerir, o
que limita o risco de aerofagia, fator predisponente a dilatação gástrica (2).
Outra vantagem adicional do controle da velocidade
de ingestão reside no estímulo da saciedade, devido
ao prolongamento do tempo necessário à refeição.
Em cães com predisposição para o aumento de peso,
os croquetes de grandes dimensões e baixa
densidade proporcionam um maior volume de
dosagem e, portanto, uma ingestão calórica
adequada.
Prevenção da doença periodontal
Maxila do Pastor Alemão
Maxila do Buldogue Inglês
O prognatismo que caracteriza o Buldogue deu origem
ao reposicionamento e rotação gradual do 3º e 4º
pré-molares o que dificulta a oclusão e a mastigação.
A doença periodontal afeta todos os cães ao longo
da vida, com diferentes graus de gravidade de
acordo com o porte e a raça do animal. Esta
afecção manifesta-se de forma mais precoce e
mais grave em cães com peso inferior a 10kg
(3). Uma das razões que explicam o maior risco é
uma atividade de mastigação reduzida: frequentemente as refeições destes animais são compostas
por alimentos com uma consistência pastosa
(alimentos caseiros ou industrializados úmidos)
que não produzem a ação de escovação necessária
para combater a placa dentária. Além disso, a
maioria dos cães que vivem em ambientes
fechados têm poucas oportunidades de morder ou
transportar objetos.
Figura 1. Implantação dentária na mandíbula superior do Pastor
Alemão e do Buldogue Inglês, respectivamente.
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 41
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 42
PONTO DE VISTA ROYAL CANIN
Figura 2. Força necessária para fragmentar o croquete: análise
comparativa de dois produtos distintos (Royal Canin 2003).
que se produza uma fragmentação rápida (Figura
2). Esta ação de escovação ajuda a reduzir a
formação da placa bacteriana.
Força N
Aperfeiçoar o cálculo das
necessidades energéticas para
otimizar a manutenção do peso
50
40
30
20
10
0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
Profundidade da penetração
n°1: Produto standard para cães de raças pequenas
n°2: Croquete especificamente elaborado para promover
a mastigação de cães de pequeno porte
O segundo croquete (específico) é bem mais macio que o
primeiro. Contudo, oferece maior resistência à pressão antes de
se fragmentar, o que permite uma penetração mais profunda
do dente.
Entre os cães de pequeno porte, algumas raças
específicas evidenciam maior incidência desta
doença. Por exemplo, os problemas dentários são a
principal razão das consultas veterinárias da raça
Yorkshire Terrier, de qualquer idade (4). Nesta
raça, os dentes decíduos permanecem na gengiva
durante um período de tempo excepcionalmente
longo, provocando um alinhamento e uma orientação dentária imperfeita, uma vez que as duas
arcadas não se unem corretamente.
Massa magra média (%)
A forma e a textura de um croquete especificamente elaborado para um determinado tipo de
cão pode favorecer o efeito de escovação passivo, e
regular. É importante garantir a penetração suficientemente profunda do dente no croquete sem
100
81.5
78.1
Mesmo em cães com pesos corporais similares são
observáveis amplas variações das necessidades
energéticas de manutenção entre raças distintas.
Por exemplo, é o caso do Dogue Alemão que requer
um aporte adicional de cerca de 50% das calorias
contabilizadas apenas com base no peso vivo (5,8).
O pêlo curto e a massa muscular características desta
raça explicam suas elevadas necessidades
energéticas. (Figura 3). Os músculos consomem
muito mais energia do que a massa gorda, mesmo
se a atividade física do cão for moderada.
Para preservar uma condição corporal ótima, o
Dogue Alemão requer uma dieta rica em energia.
Uma concentração energética elevada em um
alimento significa que permite reduzir o volume da
dosagem para evitar a ingestão de quantidades
excessivas, fator de risco da torção-dilatação do
estômago, e para a função digestiva em geral. Em
contrapartida, o Labrador possui uma composição
corporal rica em massa gorda e um risco elevado de
obesidade. Algumas medidas podem ajudar a evitar
a sobrecarga ponderal desta raça: uma razão
proteico-calórica elevada, utilização de cereais
com um índice glicêmico moderado e a
incorporação de L-carnitina, por exemplo.
78.1
73.1
80
72.3
65.8
60.7
60
40
20
10
0
Dogue Alemão
(6)
Pastor Alemão
(12)
Beauceron
(6)
São Bernardo
(3)
Golden Retriever
(3)
Labrador
(8)
Terranova
(2)
O Dogue Alemão possui mais massa magra que os outros cães de raças grandes e gigantes. Os dados relativos ao
Dogue Alemão são bastante similares às medidas de Lauten, et al. (10), que quantificou a massa magra desta raça em
79.7 ± 3.9%, através de Absorciometria por Raio X de Dupla Energia (DEXA).
Figura 3.
Comparação entre a proporção de massa magra da composição corporal de cães de raças grandes e gigantes (Dados não publicados - Centro de Investigação Royal Canin).
42 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 43
RAÇA: UM PARÂMETRO FUNDAMENTAL EM NUTRIÇÃO CANINA
Figura 4.
Comparação entre a duração total do trânsito gastrintestinal de um Dogue Alemão e outros
cães de distintas raças e tamanhos (Extraído de Hernot, et al., 2005).
55.1
60
50
43.2
Horas
40
30
32.8
22.9
frequentemente observada no Pastor
Alemão.
Nesta
situação,
a
incorporação simultânea de frutooligossacarídeos (FOS) e mananooligossacarídeos (MOS) constitui uma
solução interessante, uma vez que os
MOS estimulam a produção de IgA
(11).
20
10
Em cães com uma atividade fermentativa naturalmente elevada (p.ex. o
Boxer, o Buldogue, etc.), uma ingestão
excessiva de fibras fermentáveis
As letras (a,b,c,d) assinalam diferenças significativas entre os grupos (p<0.05).
O tempo total do trânsito digestivo de um Dogue Alemão representa o dobro
(FOS) pode provocar a produção de
do trânsito digestivo de um Poodle Toy.
fezes amolecidas. Deste modo e no
caso destas raças, é preferível utilizar
fibras como a polpa de beterraba, que se
Identificar a sensibilidade digestiva
caracterizam por uma degradação mais lenta.
De um modo geral, os cães de raças grandes
Otimizar a qualidade da pelagem
apresentam fezes com um teor de umidade mais
elevado e menos bem formadas do que os cães de
específica de cada raça
A pelagem é formada por 95% de proteínas partimenor porte (6). Dois fatores explicam claramente
cularmente ricas em tio-aminoácidos que entram
a sua reduzida tolerância digestiva:
na composição da queratina. A renovação da pele e
do pêlo representa cerca de 35% das necessidades
• Grande permeabilidade do intestino delgado, que
diárias em proteínas de um cão adulto (12). Qualfavorece o retorno do sódio ao intestino após a
quer carência pode dar origem a uma pelagem
absorção durante o processo digestivo (7). A preopaca, quebradiça e despigmentada e quanto mais
sença de concentrações elevadas de sódio neste
elevado for o nível de produção de pêlos maior será
órgão estimula o fluxo osmótico da água para o
intestino grosso e consequentemente aumenta o
o risco de potenciais carências. As raças caninas
teor de umidade das fezes.
com pelagem de crescimento rápido, como o
Yorkshire Terrier, o Maltês, o Shih Tzu ou o Lhasa
• Trânsito prolongado no cólon, que favorece a
Apso evidenciam maior predisposição para este
fermentação bacteriana de resíduos não digeridos.
tipo de problemas.
O trânsito no cólon representa 80 a 90% do
Os lípideos que entram na composição da oleosidade
tempo de trânsito total: cerca de 40 horas no caso
são específicos da espécie e raça em questão: o
do Dogue Alemão, comparativamente a 24 horas
Labrador possui uma pelagem particularmente
em Poodle Toy (9) (Figura 4).
impermeável porque produz 5 vezes mais oleosidade
que um Poodle (13). A produção e a qualidade da
No que diz respeito às raças sensíveis é importante
oleosidade são influenciadas pela nutrição, sobretudo
procurar facilitar a digestão no intestino delgado de
no que diz respeito à quantidade e tipo de ácidos
forma a reduzir o processo de fermentação no cólon.
graxos essenciais contidos no alimento.
Os resultados em termos da qualidade das fezes são
rapidamente observáveis com um limiar máximo de
A beleza da pelagem está diretamente relacionada
10% de proteínas indigeríveis no alimento, o que
com a saúde da pele, e neste ponto, a raça constitui
implica em seleção muito rigorosa da fonte proteica.
também um fator. Se a pelagem for regularmente
tosada, a velocidade da renovação das células da
A quantidade e variedade das fibras a incluir na
dieta também variam em função do tipo de cão. A
epiderme aumenta, passando, em média, de 22
carência em imunoglobulina A (IgA), anticorpo
para 15 dias (14). Algumas raças possuem um
pH cutâneo elevado, que favorece a proliferação
específico para defesa da mucosa contra infecções, é
0
Poodle
Toy
Schnauzer
Standard
Schnauzer
Gigante
Dogue
Alemão
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 43
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 44
RAÇA: UM PARÂMETRO FUNDAMENTAL EM NUTRIÇÃO CANINA
bacteriana. Esta característica pode explicar a
acentuada frequência de piodermite no Pastor
Alemão (15).
É possível adaptar a resposta nutricional a cada
situação de forma a proporcionar uma solução
específica para um risco potencial, por exemplo:
• um alimento enriquecido com ácido linoléico
(precursor de ácidos graxos essenciais da série
Ômega 6) ajuda a reequilibrar a película lipídica
superficial em caso de exposição cutânea elevada
(ausência de sub-pêlo, por exemplo)
• o teor acrescido em ácido gama-linolênico (GLA)
permite reduzir a irritação cutânea, tal como no
caso da atopia. A eficácia do GLA aumenta se este
for associado a ácidos graxos Ômega 3 de cadeia
longa que reduzem a inflamação.
• otimização dos níveis de vitamina A para
combater a seborréia.
Ajudar a prevenir algumas doenças
O conceito de nutrição preventiva adquire cada vez
mais sentido quando se considera riscos os
patológicos relacionados com a raça do cão. A
literatura veterinária atual é rica em dados sobre a
sensibilidade de certas raças a algumas doenças
específicas (4). A melhor compreensão dos riscos
permite aplicar respostas nutricionais que ajudam a
retardar ou a evitar o desenvolvimento de certas
doenças. Não se enquadra no âmbito do presente
artigo revisar exaustivamente as afecções relacio-
nadas com uma raça específica. Contudo, poderemos
citar como exemplos, as doenças cardíacas no Boxer,
os distúrbios da motilidade intestinal do Teckel, os
riscos de urolitíase do Schnauzer Miniatura e uma
grande variedade de doenças degenerativas
(catarata, insuficiência renal, doença crônica das
válvulas cardíacas, etc.) que se manifestam
sobretudo em cães de pequeno porte, os quais
apresentam expectativa de vida maior. É possível
responder a todos estes exemplos através de
adaptações nutricionais específicas.
Conclusão
A nutrição clínica é uma área em franco desenvolvimento, tal como se pode comprovar pelo número
de artigos científicos sobre o tema: 2748 publicações
sobre nutrição e saúde em 2005, comparativamente
a apenas 1331 em 1995, o que representa o dobro
dos trabalhos científicos no espaço de 10 anos.
Atualmente, a nutrição canina é ambiciosa. Ela não
se limita a suprir as necessidades nutricionais do
cão, mas procura também melhorar o estado geral
de saúde do animal antecipando potenciais riscos
passíveis de afetar o seu bem-estar e longevidade. O
alimento adaptado à raça representa um novo
avanço, que leva em consideração as necessidades
específicas de cada animal.
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Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 45
Do lobo ao cão:
Diversidade fenotípica
observável nas raças caninas
A
Bernard Denis, DVM
O Professor Bernard Denis graduou-se na Escola Nacional de
Medicina Veterinária de Alfort em 1967. Iniciou na cadeira de
Zootecnia e Economia Rural em 1969. A partir de 1979
desempenhou as funções de Diretor de Departamento
na Escola de Medicina Veterinária de Nantes. Embora
aposentado da carreira docente em 2002, o Professor Bernard
Denis desempenha ainda diversas atividades: é Presidente da
sociedade Etnozootécnica, membro da Academia Agrícola da
França e membro das comissões científicas da Sociedade Central
Canina e da Federação Cinológica Internacional. Zootecnista,
veterinário e autor de cerca de 150 publicações sobre diversos
temas, incluindo o manual «Genética e seleção canina»
publicado em 1997, cuja segunda edição em breve estará
disponível.
PONTOS-CHAVE
➧ O tipo morfológico e a pelagem são as características
mais visíveis do fenótipo de diversas raças caninas.
➧ O seu desenvolvimento processou-se durante um longo
período de tempo através da evolução progressiva da
variação contínua e também em consequência da
exploração de mutações.
➧ As alterações mutacionais desempenharam um papel
mais importante em termos da pelagem que da
morfologia externa.
té o desenvolvimento da ciência genômica
as raças caninas podem ser classificadas
em três grupos de características, i.e. tipo
morfológico, pelagem e aptidões. Os primeiros
dois são facilmente perceptíveis e constituem os
principais elementos do fenótipo observado. Este
artigo objetiva analisar a forma como, de um
antepassado selvagem com uma aparência
relativamente homogênea, foi possível chegar à
extraordinária diversidade atual das raças caninas.
Optamos por uma perspectiva generalista, às vezes
apoiando-nos na probabilidade e na lógica ao
invés de simples fatos cientificamente estabelecidos. No futuro, a genética molecular trará mais
informações sobre outros pontos mas, atualmente,
encontra-se na fase de coleta de dados muito cedo
para seu desenvolvimento. Neste trabalho,
abordaremos os fatores relacionados com a
pelagem, uma vez que o determinismo genético
desses grupos não é idêntico.
Tipo morfológico
Baron é a mais importante referência da tradição
canina francesa. Suas teorias chegaram até aos
nossos dias através do seu discípulo Dechambre (1).
Na sua opinião, para caracterizar a morfologia
externa dos animais é necessário considerar
sucessivamente o perfil (contorno do indivíduo
observado de lado), as proporções (relação entre
as diferentes partes do corpo e como um todo,
observado de lado e de frente), e a forma (altura e
peso). Nenhuma outra espécie apresenta tantas
variações relacionadas a todos estes parâmetros
como o cão, fato que pode ser explicado por diversos
fatores.
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 45
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 46
Em primeiro lugar, é um dado geralmente aceito que
a espécie canina é bastante propensa a variações. É
possível, que no futuro, a genética molecular nos
forneça a explicação.
Em segundo lugar, o tempo de domesticação do cão
(cerca de 15.000 anos a.C. ou mais cedo), o curto
intervalo entre gerações e a sua natureza prolífera
tornam a história do cão particularmente longa e
complexa, pontuada por diversos acontecimentos
significativos.
É possível que os principais conjuntos de
características raciais tenham origens diferentes.
Tradicionalmente, considera-se que o cão descende
de 4 subespécies geográficas de lobos. As hipóteses
variam de acordo com os autores (2,3) mas o conceito
básico é idêntico e, em geral, parece estar
correlacionado com a classificação de Mégnin (1889)
(4) que divide as raças em 4 grupos principais com
característicos morfológicas bem definidas, que
supostamente também correspondem a 4 origens
com localizações geográficas distintas: lupóide (tipo
lobo) do noroeste da Eurásia, bracóide (tipo mastim)
da Europa meridional, molossóide (estrutura óssea
forte) das cadeias montanhosas da Eurásia e graióide
(tipo galgo) das vastas estepes e regiões desérticas.
As primeiras sub-espécies de lobos domesticados
podem ter apresentado apenas discretas diferenças
morfológicas, mas é provável que possuíssem variações genéticas específicas entre si. É difícil acreditar
que tivesse sido possível obter a ampla gama de
fenótipos observada hoje nas raças caninas com base
em cada grupo local. Existe alguma controvérsia
quanto a isto, mas é um dado geralmente aceito.
Neste caso também, a genética molecular poderá
ajudar-nos a esclarecer melhor o princípio, mas é
bastante improvável que seja negado. Também não é
provável que seja validada a hipótese apresentada por
Savolainen, et al. em 2002 (5) que propõe um único
centro de domesticação.
Ao longo da história, os cães foram submetidos
tanto aos efeitos da seleção natural, que otimizava sua adaptação ao meio natural e seleção
artificial, desenvolvida pelo ser humano com
inúmeras variações e correspondente a utilizações
bastante diversificadas. A adaptação ao ambiente
natural poderia pressupor a necessidade de uma
morfologia específica (não foi por acaso que os
46 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007
galgos se desenvolveram nas estepes e nas regiões
do deserto) e os seres humanos também acentuaram
o elemento natural ou procuraram modelos que
correspondessem melhor às utilizações pretendidas pela seleção.
Através da seleção das populações caninas, os seres
humanos exploraram três mecanismos genéticos:
- ao contrário do que se possa pensar, as mutações
mais visíveis desempenharam um papel menor na
evolução morfológica. Contudo, podem explicar
algumas formas de raças de membros curtos, bem
como as modificações nas orelhas e cauda. Em
termos gerais, o nanismo provavelmente não
possui origem fatorial;
- variação contínua, que de modo geral, resulta da
ação dos poligenes e constitui a principal influência
em termos da seleção. A sua exploração durante um
longo período foi o principal impulsionador da
evolução das raças: obtiveram-se formatos anões
através da redução progressiva e cruzamento
gradual de cães com menor peso, enquanto os cães
gigantes resultaram da seleção progressiva do
tamanho e peso. As modificações do tipo morfológico
geral (alargamento ou redução do torso, ênfase na
concavidade ou convexidade do perfil cefálico, etc.)
também resultam da acção dos poligenes
correspondentes;
- para acelerar a evolução pretendida, os seres
humanos recorreram com relativa frequência a
cruzamentos com cães de outras raças para obter o
respectivo apuramento. De fato, os cruzamentos
inter-raças foram fundamentais para a evolução da
reprodução canina, afetando indiscutivelmente
todas as raças, mas a sua importância não deve
ser sobrevalorizada.
Em termos gerais, a diversidade da morfologia
externa observada em todas as raças caninas é
explicada sobretudo pela genética quantitativa.
Contudo, o mesmo não pode ser afirmado no que
diz respeito à pelagem, tópico sobre o qual
abordaremos.
Pelagem
Do ponto de vista genético, as características da
pelagem resultam inicialmente da ação dos
principais genes que produzem a cor preta, castanha,
fulvo, etc., e o pêlo liso, ondulado, curto ou
comprido. Os poligenes «modificadores» exercem
sua influência graduando algumas cores, que em
Miolo_Focus_17.2:Focus 13/04/10 19:02 Página 47
DO LOBO AO CÃO: DIVERSIDADE FENOTÍPICA OBSERVÁVEL NAS RAÇAS CANINAS
Procuramos demonstrar que a realidade é mais
complexa. Se a pelagem selvagem parece ser rara é
porque a expressão fenotípica foi alterada pela
seleção após a incorporação de elementos modificadores (7). O cão ilustra de forma excepcional esta
hipótese. Nesta espécie, a pelagem selvagem,
considerada muito rara é tradicionalmente designada
«cinza-lobo». De fato, de acordo com a nomenclatura
científica das cores habitualmente utilizadas na França
(8) e que também propomos, na realidade é «areia
enegrecida». Contudo, a simples observação dos
lobos em Jardins Zoológicos demonstra, por um lado,
que a cor areia enegrecida, algumas vezes dá origem a
fulva enegrecida e por outro lado, a extensão de áreas
negras no manto é variável. Estas variações espontâneas
foram exacerbadas no cão devido ao fato da seleção
(© Lenfant)
Tipo Bracóide (i.e. Pointer alemão)
(© Lenfant)
Nos primórdios da domesticação, o homem
conservava os animais menos agressivos e protegia
até certo ponto as cores mutantes, preferindo
mesmo reproduzi-las, o que aumentou a frequência
de novas pelagens. Estas tornaram-se mais
diversificadas nos animais domésticos, permanecendo a pelagem selvagem como um padrão entre
muitos outros. Com excessão do gato e do burro, a
pelagem selvagem é hoje rara ou mesmo um caso
excepcional (6). De fato, este fator enquadra-se na
noção que a domesticação modifica o animal sob
diversos ângulos.
Tipos morfológicos da espécie canina (segundo Mégnin, (4))
Tipo Graióde (i.e. Whippet)
(© Lenfant)
As espécies animais selvagens apresentam apenas
um tipo de pelagem, característico do indivíduo,
uma vez que quaisquer alterações na cor da
pelagem são eliminadas pela seleção natural, que
se processa de diversas formas:
- não reconhecimento do animal mutante pela mãe da
matilha, resultando em sua morte ou abandono,
- aqueles que conseguem escapar à eliminação e
atingem a idade da reprodução não são reconhecidos
por potenciais parceiros e, consequentemente são
impedidos de acasalar e transmitir o gene mutante,
- a nova pelagem poderá não ser compatível com a
«camuflagem» natural proporcionada pela pelagem
normal em relação ao ambiente.
operar em duas direções opostas, quer suprimindo ao
máximo a pelagem preta do manto ou, pelo
contrário, intensificando-a.
Obviamente, o resultado é bastante variado, com uma
pelagem de tonalidade quase fulva no primeiro caso e
pelo contrário, quase preta no segundo. De fato, o gene
da pelagem selvagem continua a dominar mas devido
à ação dos modificadores, sua expressão varia
consideravelmente. Este tipo de pelagem
Tipo Molossóide (i.e. Terranova)
(© Hermeline - Doxicat)
consequência adquirem uma tonalidade mais ou
menos escura, ou então modificando o grau de
expressão das características da pelagem que passa
a ser mais ou menos comprido, mais ou menos
duro etc. No entanto, a principal fonte de variação
da pelagem é produzida pelas mutações.
Tipo Lupóide (i.e. Pastor Belga Malinois)
Vol 17 No 2 / / 2007 / / Veterinary Focus / / 47
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DO LOBO AO CÃO: DIVERSIDADE FENOTÍPICA OBSERVÁVEL NAS RAÇAS CANINAS
(© Lenfant)
Exemplo da evolução das cores da pelagem do lobo
(© Hermeline - Doxicat)
Pelagem areia enegrecida ou cinza-lobo (Husky Siberiano)
continua a ser bastante frequente no cão, apesar de
não identificada como tal. O homem também tem
reproduzido algumas variações de cores ou
características da pelagem ad infinitum através da
seleção (por exemplo desenvolvendo inúmeras
manchas em pelagens de fundo branco), aumentando
a diversidade das pelagens caninas. Quando
realizou-se a primeira padronização, com
compilação dos livros de origens, as seleções
realizadas pelos criadores eram bastante diferentes,
de acordo com as raças. Alguns clubes consideraram apenas uma pelagem como característica e outros
reconheceram várias, enquanto outros aceitaram praticamente todas. É claro que não é só a cor da pelagem
que caracteriza a raça, mas constitui um «elemento
decorativo» bastante procurado.
Conclusão
(© Hermeline - Doxicat)
Pelagem fulvo enegrecida (Pastor Belga Tervueren)
(© Lanceau)
Pelagem enegrecida (Schnauzer miniatura)
Apesar da raças caninas terem surgido
oficialmente no século XIX, são o resultado de uma
história muito longa, que combina a diferenciação
geográfica, a seleção e o cruzamento de raças. A
herança genética da espécie continua a ser redistribuída e estimulada pelas mutações, através das quais o
homem procura explorar a variabilidade genética para
desenvolver populações animais de acordo com as
linhas pretendidas, resultando na atual extraordinária diversidade fenotípica das raças caninas, mas
simultaneamente, muitas outras características
sofreram um processo cumulativo. Embora a
predisposição racial para doenças seja muitas vezes
associada ao tipo morfológico da pelagem selecionada
pelo ser humano, é mais frequente o resultado da
«carga genética», que constitui aspecto invisível, da
diversidade genética das raças caninas.
Pelagem fulvo enegrecida (Teckel de pêlo comprido)
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