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Índice
Para ler este livro
Introdução — O que deveria saber antes de casar
Parte I — A Equação do Casamento
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Porquê construir uma Equação do Casamento
1. Compatibilidade psicológica
2. Saber conviver a dois
3. Graus de consenso
4. Atração e vida sexual
5. Ciclos de vida, pressões e frustrações externas
6. Vantagens de permanecer casado
7. A sua Equação do Casamento
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Parte II — Sobre a arte de conviver a dois
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Porquê desenvolver a arte de conviver a dois
8. Explorar os botões verdes e vermelhos
9. Comunicações destrutivas
10. Lidar com divergências e impor limites
11. Etiqueta de casal, ou como premir botões verdes
12. Viver em afinidade com o seu parceiro
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Parte III — Autoconhecimento e escolhas de casamento
O que fazer com a sua equação
13. Recuperar um casamento em crise
14. Conviver com um parceiro difícil
15. Melhorar uma relação sem afinidades nem encanto
16. Procurar mais sintonia sexual
17. Lidar com um caso extraconjugal
18. Breves palavras sobre separação
19. E agora?
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Anexo A: Tabela da Equação do Casamento
Como criar a sua equação?
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Anexo B: Sobre o casamento de terapeutas
(e acerca do meu próprio casamento)
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Anexo C: Conhecimentos atuais sobre terapia de casal
e a contribuição deste livro
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Agradecimentos
Notas
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Bibliografia
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Anexos
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Para ler este livro
E
ste livro foi concebido para permitir uma leitura em módulos.
Portanto, pode lê-lo de modo linear, tradicional, ou escolher os
capítulos do seu interesse.
A Introdução, «O que deveria saber antes de casar», descreve o
contexto atual do casamento.
A Parte I, «A Equação do Casamento», apresenta os fatores que
a investigação científica indicia serem essenciais para a satisfação
matrimonial. Cada capítulo é dedicado a um deles. No final da primeira parte, pode construir a sua própria Equação do Casamento e
ter uma visão mais detalhada da arquitetura do seu relacionamento, e das suas forças e vulnerabilidades.
A Parte II, «Sobre a arte de conviver a dois», trata de cinco competências que, além de favorecerem a atmosfera matrimonial, serão úteis para que possa explorar as possibilidades de mudanças
na sua relação, que é o tema da Parte III, «Autoconhecimento e
escolhas de casamento».
Os capítulos da terceira parte referem-se a uma situação distinta: salvar um casamento em crise, conviver com um parceiro difícil, melhorar uma relação sem afinidades nem encanto, procurar
maior reciprocidade sexual, lidar com um caso extraconjugal ou
separar-se. Cada uma dessas situações enfatiza diferentes questões
do casamento e dos relacionamentos, procurando-se que o leitor
possa ler sobre o tema que corresponde ao seu interesse atual, testando algumas possibilidades de mudança.
Nos Anexos encontrará uma breve descrição dos «Atuais conhecimentos sobre terapia de casal e a contribuição deste livro», além
de algumas páginas que escrevi para responder às inevitáveis per7
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a equação do casamento
guntas que me têm colocado, durante as conferências em que participo, acerca do meu próprio casamento.
Ainda dois esclarecimentos: neste livro, o termo «casamento» é
utilizado no sentido de «relação de compromisso». Portanto, também se refere a parceiros não casados, que assumiram o compromisso de viverem uma relação de longo prazo.
No decorrer deste livro serão apresentadas histórias de diversos
casais que já atendi em terapia. Não se preocupe se não se lembrar
de cada personagem — as cenas de casamento valem por si, independentemente do casal citado. As histórias foram devidamente
alteradas e misturadas com outras, de modo a preservar a privacidade de cada casal, mas são todas reais. Elas ilustram as diferentes
formas de como é possível estar casado e as formas de explorar o
que pode, ou não, ser mudado nas relações.
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Introdução
O que deveria saber antes de casar
J
úlia, sempre tensa, não tem vontade de fazer sexo em casa, algo
que o marido, André, não entende. Patrícia e Ricardo vivem entre estalos e beijos. Pedro, o dono da casa, pai dedicado, era sustentado por Sílvia, uma executiva que não conseguia concluir se era
feliz com ele ou não. Lembro-me também das sessões com Luísa,
monossilábica, e Alfredo, um excelente parceiro em vários aspetos,
mas que gostava de fazer sexo vestido de mulher (o que incomodava muito a esposa). Todos tiveram de fazer ajustes nos seus casamentos.
Os nossos bisavós e avós tinham menos acertos matrimoniais a
fazer, e mesmo que não fossem mais felizes estavam, em média,
mais satisfeitos ou conformados. Nessa época havia uma hierarquia de valores em nome dos quais alguns desejos tinham de ser
postos de lado. A resposta aos impasses fundamentais da vida a
dois — que na sua essência são insolúveis — não era resolvê-los,
mas regulá-los.
Eles contavam com quatro condições favoráveis à manutenção do
casamento:
1. Os deveres sobrepunham-se à procura da felicidade. Os nossos avós tinham uma lista de obrigações a cumprir para com
os pais, a religião, a pátria e assim por diante. Dar prioridade
ao amor e à realização pessoal era um egoísmo inadmissível,
sobretudo por parte da mulher. Hoje, ainda que nos disponhamos a fazer algum sacrifício pelos filhos, a meta de cada um é
a felicidade pessoal. Se o casamento se mostra inadequado, as
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pessoas não se conformam facilmente. Talvez tentem mudá-lo,
ou queiram sair dele.
2. Os parceiros seguiam tradições, usos e costumes. Não tinham
dúvidas sobre como agir na maior parte das ocasiões e havia menos divergências de opinião. Hoje já não acreditamos nos usos e
costumes que nos poupariam a tantas dúvidas. Já não sabemos o
que é «certo e errado» e ao que temos, ou não, direito.
3. Não se negociava. Se fosse homem, seria o chefe da família e
teria uma autoridade decisória; como mulher, deveria obedecer.
Com a igualdade de géneros, passámos a ter um sócio com 50%
dos votos com quem discutir e negociar os aspetos da vida. Não
é sem razão que as empresas evitam montar estruturas societárias com apenas 50% do controlo acionista. Atualmente, no casamento as divergências de opinião tendem a tornar-se impasses.
4. O casamento dos nossos avós era quase indissolúvel. Uma
eventual separação seria trágica, portanto os cônjuges empenhavam-se fortemente em fazer o casamento perdurar. Hoje, separar-se já não é tabu. Embora desgastante, é um ajuste trivial na
vida das pessoas.
Havia clareza sobre expetativas, havia regras nítidas e havia o
consenso de que «as coisas são assim». Hoje, graças ao avanço da
liberdade pessoal, à igualdade de géneros e à transparência, as tarefas entre marido e mulher redistribuíram-se de modo mais equitativo, mas surgiram para ambos novas dificuldades.
Juntamos num mesmo projeto conceções de diferentes séculos
e décadas, algumas incompatíveis entre si. Não sabemos como acomodar o romantismo do século xix, a solidez confiável do modelo
patriarcal vitoriano, os ideais do feminismo e do modelo libertário
dos anos 1960, o individualismo dos anos 1980, a valorização da
qualidade de vida dos anos 1990 e o valor da transparência nas
relações dos anos 2000.
Daí que muitos casais se encontrem numa encruzilhada de metas conflituantes. Queremos uma boa vida sexual, parceria e companheirismo, projetos em comum, consenso sobre como levar o
dia a dia e como educar os filhos, apoio, fidelidade, compreensão,
parceiros felizes e bem-sucedidos. As nossas expetativas tornaram-se enormes.
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introdução
Temos de reformular o projeto de casamento. É preciso aprender a pensar, desejar e sentir de outro modo as coisas que dizem
respeito à relação. O rio deve encontrar um novo leito. Precisamos
também de aprender a lidar com três fenómenos da contemporaneidade que os nossos avós não conheciam:
1. Todas as pessoas estão online, a comparar as suas alternativas.
Júlia já viu homens mais atraentes do que André, que tem caspa
e não gosta de lavar os dentes. Pedro conheceu mulheres mais
meigas do que Sílvia, a sua esposa executiva. Você e o seu parceiro foram expostos, antes e ao longo do casamento, a experiências
de namoro e a modelos mediáticos de beleza, prazer, sexo, vitalidade e alto desempenho. Por isso tenderão a avaliar o parceiro (e
eventualmente a si mesmos) com mais rigor e a compará-lo com
companheiros anteriores ou com os modelos de supercompetência e superfelicidade que todos os dias os media e os amigos
do Facebook lhes esfregam na cara. Ainda não aprendemos a
conviver com tantas opções.
2. Todos somos produtivos, acelerados e desfrutamos a vida.
O erotismo de Júlia reflui sob o peso das obrigações domésticas.
O seu marido, André, não entende a inapetência sexual dela.
Desde a infância, somos submetidos a uma maratona de otimizações para aproveitar oportunidades: estamos sempre atrasados, prestes a perder uma oportunidade única. No casamento
multiplicam-se tarefas e responsabilidades: criar os filhos, planear as férias, ganhar a vida, manter-se em forma, comprar alimentos orgânicos, cultivar a vida social, procurar o êxito profissional, fazer seguros de vida, de saúde, de roubo, de viagem,
marcar consultas médicas. O stress, que cada um pensa ser uma
«incapacidade pessoal de ser feliz», é em parte fruto dessa epidemia. Somos mais produtivos do que no início do século xx, mas
continuamos a trabalhar muito. Somos mais livres, mas andamos mais stressados, deprimidos e com ansiedade. Ainda não
sabemos lidar com a nova condição que conquistámos.
3. Os ciclos dos homens e das mulheres estão dessincronizados.
Ricardo, aos 36 anos, queria dedicar-se à carreira e Patrícia, com
32, sentia que estava na hora de investir na relação e de viver intensamente. Estavam eternamente em conflito. Depois nasceu o
Miguel. Onze anos mais tarde, Ricardo quer «viver intensamente» e ela quer dedicar-se à carreira. Também o ciclo dos divórcios
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não coincide. Com 47 anos, Ricardo, embora queira separar-se,
não pretende perder o convívio com o filho, nem dilapidar o património familiar, pelo que decidiu (mas não comunicou) continuar por mais quatro anos com Patrícia. Ela, agora com 43, também pensou em separar-se, mas concluiu que devia tê-lo feito
aos 30. Em média, as mulheres casam entre os 28 e os 32 anos,
entaladas entre as ambições profissionais, o desejo de aproveitar
o tempo de solteira, a pressão do relógio biológico e o timing no
mercado de escolhas matrimoniais, que privilegia as jovens. Os
homens, por motivos análogos, casam entre os 30 e os 35 anos.
Aos 55 ou 60 anos, os nossos avôs aposentavam-se e as nossas
avós enviuvavam. A potência e o desejo sexual, que já vinha a declinar desde os 40, extinguiam-se. Hoje os cinquentões e as cinquentonas ainda podem ter diversos ciclos de produção e gozo.
Eventualmente, poderão separar-se com os filhos já adultos.
Constituir um lar ou uma relação a dois?
Dos quatro casais citados, só Pedro, o dono de casa, e Sílvia, a
executiva, não têm conflitos nessa vertente. Os outros, apesar de
tão diferentes entre si, têm a mesma divergência quanto ao sentido
do casamento.
Para o seu bisavô e avô, criados entre o século xix e os anos 1950,
o lar era um lugar de aconchego, complacência e amor incondicional. Era onde encontraria carinho, conforto e sexo sempre disponíveis. Da sua esposa teria apoio emocional e logístico, para cumprir as suas metas de homem no grande teatro de operações (na
carreira, na política, como académico ou na esfera social). Caberia
à esposa também gerir e cuidar de herdeiros, a continuidade da
sua família. De dia, o lar era a moldura da sua vida; à noite era o
seu esteio, o seu «castelo». Essa conceção patriarcal ainda habita os
corações e as mentes de muitos homens, mesmo se numa versão
modernizada.
Mas essa conceção já não faz parte da visão do mundo de muitas
mulheres. As suas bisavós e avós sabiam que tinham a missão de
dar um lar ao marido. Casar implicava uma malha de obrigações
sociais e familiares. A sua felicidade consistia em cumprir essa
missão em troca de proteção, dignidade e algum carinho.
Cabia a elas prover tudo de que o marido necessitasse. Sempre
compreensivas e meigas, deviam aguardar a sua vez e preservar o
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marido dos problemas domésticos, sem aborrecê-lo com os seus
desejos egoístas e fúteis de mulher. Dizia-se que «atrás de todo o
grande homem há sempre uma grande mulher», e o que era uma
«grande mulher» senão aquela que sabia abdicar de si mesma para
que o marido realizasse o seu destino de «grande homem»? Até os
anos 1950, boa parte das mulheres cumpria esse guião.
E o que esperavam Júlia, Sílvia, Luísa e Patrícia? Com exceção
de Sílvia, a executiva, todas imaginavam assinar com o marido um
pacto de união na aventura da vida a dois. Imaginavam que usufruiriam de uma relação de intimidade profunda com um homem,
que partilhariam com ele os seus sonhos e medos, que teriam identificação e cumplicidade.
Patrícia, mais romântica, fantasiava que teria com Ricardo uma
relação de trocas intensas. Compartilhariam os relatos sobre as minudências do quotidiano, fariam planos e explorariam a vida juntos. Para ela, o namoro havia sido uma amostra do potencial da relação. O cavalheiro prestável e romântico, as viagens, os agradáveis
planos a dois, os sonhos construídos ao pôr do sol, tudo isso eram
só preliminares. Agora começaria a grande aventura!
Não haveria tantas distâncias logísticas (habitações, horários e
compromissos individuais) que entrecortassem o seu quotidiano
de amor. Queria também fundar uma família com dois ou três filhos. Nem todas sonhavam com um príncipe encantado, nem tão
-pouco com um lar. Júlia casou para se consolar de uma paixão
recentemente frustrada. Foi uma decisão pragmática, e teve em
conta o relógio biológico e as opções de pretendentes disponíveis
no mercado. Luísa amava Alfredo, mas na sua decisão também pesou o facto de ele ter dinheiro.
Todas esperavam um companheiro que se dedicasse, que lhes
prestasse as homenagens merecidas enquanto esposas e, se se tornassem mães, que as recompensasse por se terem «entregado» a
ele, por lhe terem dado filhos, por cuidarem da sua prole. E, quem
sabe, talvez as deixasse brincar às casinhas e às bonecas, mas sem
as impedir de terem uma carreira.
Que deceção para Patrícia, quando, com a passagem do tempo,
tudo se tornou óbvio... Em casa, Ricardo agora aprecia a rotina, o
sossego, sugere irem ao restaurante que fica ao lado, que é tão prático ou próximo, ou custa menos, ou que já conhecem. Ele quer ler
o jornal, encontrar-se com os amigos e os colegas do trabalho. Even13
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a equação do casamento
tualmente, até lhe conta sobre o seu dia, mas quando é a sua vez de
ouvir não interage, não se envolve com episódios que a ela parecem
tão significativos. Ele mal nota o seu empenho em promover a graça
e o encanto da vida a dois, não dá conta da decoração e dos arranjos
da casa, que ela providenciou com tanto carinho. Tudo é para ele minudências irrelevantes e coisas de mulherzinha. Aos poucos, aquele
namorado romântico, atento, empático, criativo e interessante revela-se uma fraude. Foi tudo uma sedução provisória?
Mesmo o sexo, por ele tão desejado, dispõe-se a fazê-lo apenas
em casa e de modo conveniente, em horários que para ele sejam
práticos, sem grande empenho (no máximo os preliminares protocolares, ou as palavras românticas reservadas para o ato sexual, ou
uma aflita procura de informação sobre se a sua mulher teve um
orgasmo).
Patrícia percebe que foi «enquadrada», tornou-se parte da moldura da vida de Ricardo. Queria tanto que ele fosse mais aventuroso, que celebrassem a vida, as datas, mas ele mal se lembra. Sempre tão prático, tão sem graça…. Descambou tudo num quotidiano
rotineiro. Mesmo o lazer é planeado e recebe muitas restrições de
orçamento, de datas, de prazos. Ela gostaria que o trabalho, os amigos, brincar com os filhos e outras atividades não estivessem sempre em primeiro lugar, sendo ela a opção para quando (e se) sobrar
tempo.
Ao início, Patrícia tenta fazer-se notar; depois tenta falar com
ele, fazê-lo entender. Mas ele não a entende; escarnece, silencia ou
protela. Mais tarde, irritada, ela tenta fazer-se escutar de modo ainda mais contundente. Ele parece ainda não entender, ou não está
para aí virado. Ela começa a exigir, a ficar agressiva, amarga, entra
em desespero e torna-se irracional, descontrolada, impacienta-se
até com os filhos que tanto ama. Aos poucos desiste, definha; confinada ao «lar doce lar», o seu ânimo desvanece. Ela poderá ter um
amante, alguém que pareça apreciá-la, que a escute, que a perceba
(pelo menos enquanto for amante).
**
Nos casais de hoje, a insatisfação é mais comum por parte das
mulheres. Em média, 70% dos pedidos de divórcio partem delas.
Os homens, ainda que insatisfeitos, tendem a «aguentar» por mais
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tempo. As mulheres costumam stressar mais no casamento, mesmo quando os maridos dividem com elas as tarefas da casa e a
criação dos eventuais filhos. Nos assuntos domésticos elas tendem
a ser mais tensas e perfecionistas, e eles costumam ter um olhar
mais superficial, complacente e relaxado. Além disso, quando a
mulher confere uma pausa na sua carreira, desloca a procura da
realização pessoal para a relação. Mas, em geral, dão de caras com
homens menos treinados (e desinteressados?) para se sintonizarem com o outro. É provável que elas se frustrem com a qualidade
da relação.
Ricardo, aos poucos, também se vê numa armadilha. Onde
ficou a namorada tão companheira? Quando a mulher se sente
segura começa logo a apresentar a fatura? Cobra tanto e sobre
coisas tão estranhas, e está sempre insatisfeita… Ou porque ele
disse algo que não deveria, ou porque não disse o que devia ter
dito. Tudo é complicado. Ela ofende-se, ressente-se e faz comentários azedos.
Conversar é insuportável porque ela se exalta logo, e como chora, grita e acusa põe-se no papel de vítima. Ela é tão carente… Tudo
o que ele queria era um lar, sossego — e o que tem hoje? Uma
mulher ressentida, impaciente, que o sufoca. Já não fazem sexo,
e quando fazem ela impõe restrições moralistas às fantasias dele
e enerva-se com pormenores. Ela queixa-se de que ele não lhe dá
atenção, mas quando ele se propõe a fazê-lo ela não usufrui, diz que
ele «não pensa em nada», que para ele «tudo é fácil e simples». Patrícia tornou-se uma chata! Não suporta que ele descanse; ao vê-lo
a ler o jornal, pede que se levante para resolver, naquele momento,
alguma tarefa doméstica. O seu sentido de urgência para tratar dos
afazeres é insensato, histérico até. Ele precisa de um respiradouro
para fugir desse massacre: uma amante leve, divertida, com a qual
possa exercer os dotes de namorado romântico, que o valorize, que
lhe dê sossego, apoio e, importante, sexo à vontade e sem tantas
restrições (pelo menos enquanto for amante).
A Equação do Casamento
Não percebemos ainda quão complexo é o atual projeto de felicidade no casamento. Não fomos preparados para ele. Ainda pensamos que o amor resolve tudo, ou que com bom senso equacionaremos as coisas. No entanto, as estatísticas mostram que a maioria
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dos casais não consegue fazê-lo. O número crescente de divórcios,
o aumento das queixas, a insatisfação matrimonial e a dificuldade
dos solteiros em encontrarem um companheiro, ou dos divorciados em casarem de novo, são testemunhos da árdua tarefa de ajustar tantas expetativas.
O atual modelo de casamento igualitário, voltado para a felicidade pessoal e o amor eterno, exige um ajuste de expetativas que
não era necessário no século xix e no início do seguinte. É preciso
mudar o conceito, as perspetivas e as regras de convívio. Temos de
adquirir competências matrimoniais que até há pouco nem sequer
imaginávamos necessárias.
É disto que trata A Equação do Casamento: dos ajustes de desejos
que cada um tem de fazer — consigo e também com seu companheiro; e de aprender novas competências para lidar com os desafios de estar casado hoje em dia.
A equação apresenta seis dimensões que as pesquisas identificam como as que têm de ser ajustadas para que marido e mulher
queiram permanecer casados e tenham satisfação ao fazê-lo. Permite discutir o casamento contemporâneo e serve para que o leitor
reflita sobre o seu próprio casamento — e o que pode (ou não) ser
alterado.
Os casais deste livro
Como já foi mencionado, as cenas de casamento apresentadas
neste livro valem por si, independentemente do par citado. Além
dos quatro casais mencionados nesta introdução, falaremos também de Tiago, sempre furioso com a doce Daniela; de Miguel, que
ama Catarina mas não suporta fazer sexo com ela; dos septuagenários Rui e Helena; da sensual Rita e do seu marido, Sérgio; dos
casamentos chochos de Carla e Carlos e de Mariana e Rogério; de
Márcia e Leonardo, cujos projetos de vida eram incompatíveis e
rapidamente se separaram; e dos dois casais «perfeitos», António
e Teresa, João e Emília.
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Parte I
A Equação do Casamento
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Porquê construir uma
Equação do Casamento
O
leitor provavelmente não encontrará neste livro algo em que
não tenha pensado antes e que não conste das dezenas de teorias e métodos para tratar os relacionamentos de casal. A questão é
que, numa relação amorosa, há uma quantidade enorme de fatores
em jogo, e não é fácil visualizar quais são as forças e as vulnerabilidades do seu casamento, nem testar como esses elementos se relacionam entre si. Ao criar a Equação do Casamento, o meu objetivo
foi justamente ajudá-lo a visualizar a sua relação antes de procurar
eventuais mudanças.
Para lhe dar uma ideia de como pode ser difícil pensar na confusa
rede de fatores em jogo no seu casamento, pense nos exemplos a seguir.
Imagine que o seu parceiro teve um pai autoritário, tornou-se
alérgico a pessoas com personalidade forte e precisa de parceiros
tímidos. Mas talvez você tenha uma personalidade vincada e, por
sua vez, sonhe com um parceiro divertido, como era a sua avó, que
tanto admirava. No entanto, o seu companheiro não tem sentido de
humor e ofende-se com facilidade. Hoje dão-se conta de que estão
muito incomodados um com o outro, só que nem sempre esses
tipos de discrepâncias são evidentes antes do casamento. Quem
sabe se durante o namoro terá desconsiderado esses aspetos porque estava fascinado pela beleza e gentileza do parceiro, ao passo
que ele estava ansioso para casar antes dos 40?
Vejamos um segundo exemplo: o modelo de casamento dos nossos pais costuma influenciar muito o nosso modo de lidar com o
companheiro. Em geral, você tende a repetir o padrão de relacionamento dos seus pais, ou, pelo contrário, tenta evitar a todo o custo
repetir a relação a que assistiu entre eles. Imaginemos que os seus
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pais viveram sempre desentendidos: é possível que interprete qualquer crítica como um ataque pessoal e responda sempre num estilo belicista, de resposta pronta. O seu parceiro também tinha pais
em eterno conflito, mas, ao contrário de si, ficou tão traumatizado
com as zangas dos progenitores que acha que um bom casamento
não pode ter conflitos — por isso, tornou-se demasiadamente contemporizador e engole mais «sapos» do que deveria.
Um terceiro exemplo: a sintonia entre o temperamento e o ritmo
dos parceiros. Talvez você seja alguém mais acomodado e introvertido, e o seu companheiro seja mais aberto, enérgico e acelerado.
Talvez não aguente o ritmo dele, nem ele o seu, e por isso se irritem
com a maneira de ser do outro.
E, para mencionar um último exemplo: imagine que os ciclos de
vida de cada um possam já não coincidir. Digamos que para o seu
parceiro, que teve uma fase de solteiro divertida e aventurosa, casar
faça parte do projeto pessoal de assentar, «encontrar um rumo»
e dedicar-se a construir uma carreira e gerar uma família sólida.
Mas, quem sabe, talvez você tenha tido uma vida de solteiro cheia
de restrições e procure no cônjuge um parceiro aventuroso, disposto a viajar, a morar noutros países, por isso quer adiar por muitos
anos os projetos de «ter filhos» e «investir na carreira», que ao seu
parceiro parecem tão urgentes.
Esses e muitos outros aspetos entrecruzam-se num casamento,
e têm pesos diferentes. A Equação do Casamento procura descrever
de modo articulado essas diversas possibilidades.
Podemos comparar os fatores da equação às categorias utilizadas
para descrever fenómenos climáticos. Alterações na humidade, chuva,
vento, temperatura e topografia afetam-se mutuamente e estão relacionadas com todo o planeta, bem como com o Sol e a Lua.
Estes fatores estão interligados entre si, como vizinhos, e em alguns momentos têm uma relação de causa e efeito; noutros atuam
juntos, fundem-se ou retroalimentam-se. Nem sempre conseguimos separá-los. Abordar numa mesma equação diversos elementos é apenas um modo de falar de vários ângulos de um mesmo
fenómeno: o seu casamento.
Trabalho há mais de 20 anos com problemas matrimoniais e,
para formular a equação, passei cerca de sete anos a coligir e analisar os temas de conflito e de convergência dos casais que atendi
em terapia, bem como a correlacionar aspetos como género, idade,
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porquê construir uma equação do casamento
diferenças culturais e sociais, estilos de comunicação, entre outras
dezenas de variáveis. Também estudei um grande número de modelos de análise de casamento já existentes.
Durante quatro anos testei no consultório, em cursos e workshops
algumas versões da equação, até chegar à versão mais operacional
e completa — que apresento neste livro. Ela permite rapidamente
reconhecer padrões e ciclos de casamento, bem como mapear as
convergências e divergências entre os cônjuges.
Mais importante: ao construir a sua equação e perceber como
os diversos aspetos se influenciam mutuamente poderá procurar
mudanças em determinadas áreas da sua relação.
Mas trata-se apenas de um modelo; há outros, e seguramente nenhum é capaz de abarcar todas as facetas do fenómeno psíquico.
Ainda assim, espero que este livro o ajude a refletir sobre o seu próprio relacionamento e sobre como se posicionar em relação a ele.
A Equação do Casamento apresenta seis dimensões presentes
na estrutura de todos os matrimónios ou relações de compromisso
em qualquer época, e vale tanto para relações heterossexuais como
para as homossexuais.
Como verá nos próximos capítulos, cada uma das dimensões da
equação foi desdobrada em diferentes aspetos. São 22 no total, mas
não se preocupe em memorizá-los. Concentre-se apenas nas seis
dimensões das quais todos esses aspetos derivam.
Depois de conhecê-las, poderá construir a equação do seu próprio casamento.
As três perguntas a que este livro procura dar resposta são: A) O
que os leva a quererem permanecer casados? B) Com que grau de
satisfação? C) Como pode posicionar-se em relação aos eventuais
problemas?
As seis dimensões da Equação do Casamento são:
› Compatibilidade psicológica +
› Saber conviver a dois +
› Graus de consenso +
› Atração e vida sexual +
› Ciclos de vida, pressões
e frustrações externas +
› Vantagens de permanecer casado
= Grau de satisfação do casamento
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a equação do casamento
As seis dimensões acima enumeradas influenciam-se mutuamente e adicionam-se entre si. Em tese, qualquer uma pode estar tão
prejudicada que inviabiliza o casamento. Ou, pelo contrário, pode
ser tão satisfatória que compensa deficiências nas outras áreas.
Como mencionado, as seis diferentes dimensões valem para relacionamentos em geral, mas o peso de cada uma varia de acordo
com o contexto pessoal e cultural. Neste livro concentrar-nos-emos
nos casais contemporâneos, em que ambos os parceiros procuram
a felicidade pessoal e se relacionam considerando a igualdade entre
os géneros. Se este for o seu caso, muito do que será dito aqui ser-lhe-á útil.
Nos próximos capítulos, além de tratar do funcionamento de
cada dimensão, também discutiremos até que ponto elas podem,
ou não, ser mudadas.
Ninguém sabe a priori o que torna uma dimensão da equação
importante para si ou para o seu parceiro, e tão-pouco se pode adivinhar quais das diferentes combinações possíveis serão satisfatórias para ambos. Esses equilíbrios na arquitetura do seu casamento
são subtis, volúveis, e muitas vezes inconscientes. É por isso que os
modelos prontos a usar não são bons conselheiros.
Mas, ainda assim, é possível apontar algumas tendências mais
comuns nas equações dos casamentos atuais. Na Parte III descrevo
diversas situações e tipos de casamento, e proponho que teste na
prática novos arranjos e explore o potencial de mudança em cada
dimensão.
Espero que, ao compreender melhor como os vários elementos
se articulam no seu casamento, possa ligar-se mais ao seu parceiro
e a si mesmo.
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1.
Compatibilidade psicológica
C
ompatibilidade psicológica refere-se a quanto o seu temperamento e a sua personalidade combinam, ou não, com as caraterísticas psicológicas do seu parceiro. Até pode mudar de comportamentos e atitudes, mas não o seu temperamento e a sua personalidade.
Temperamento refere-se à sua natureza constitutiva, às suas disposições biológicas; por exemplo, ser passivo ou enérgico, ser mais
imediatista ou do tipo que adia as coisas, ser mais físico e desportivo
ou mais mental. Até certo ponto, poderá criar novos hábitos para
«corrigir» o seu temperamento, mas ele estará sempre lá. A sua personalidade é a soma do temperamento com o que aprendeu ao longo
da vida. Por exemplo, se passou por muitos traumas e «aprendeu» a
ser mais inibido, ou se foi positivamente espicaçado e se tornou mais
ousado. Os seus valores, hábitos e competências fazem parte de elementos aprendidos e contribuem para formar a sua personalidade e
direcionar o seu temperamento.
Portanto, embora o temperamento e a personalidade sejam difíceis de mudar, podem ser moderadamente calibrados. Mas não desanime: ainda que o seu parceiro não mude o «suficiente», até certo
ponto você pode aprender a conviver com algumas caraterísticas psicológicas dele.
Neste capítulo, abordarei a compatibilidade psicológica sob três
ângulos: Complementaridade de forças e carências; Funcionamento psicológico individual; e Sintonia de temperamentos e estilos.
Se forem altamente compatíveis nas três vertentes, vocês falarão
a mesma língua, vibrarão juntos com as mesmas coisas e, ainda que
não tenham uma boa atração sexual, serão ao menos grandes ami23
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a equação do casamento
gos. Se, além disso, se sentirem sexualmente atraídos, provavelmente terão um grande casamento!
Os outros itens da Equação do Casamento nem precisarão de ser
ajustados: vocês provavelmente convergirão de modo natural. Mas
casos desses são raros. As pessoas comuns são compatíveis em
alguns aspetos e não noutros, daí ser necessário ter uma certa sabedoria no casamento e aprender a fazer ajustes nas outras cinco
dimensões da equação. Apresentarei a seguir as três facetas da Compatibilidade psicológica, e nas partes II e III discutirei as formas de
desenvolvê-las.
Complementaridade de forças e carências
A complementaridade psicológica traz uma sensação de acolhimento e aumenta o prazer em conviver.
Casal perfeito
António, um viciado no trabalho, e a sua esposa, Teresa, formam um
casal perfeito nesse aspeto. Têm três filhos. Ele, com 45 anos, é extrovertido, dominador e egocêntrico. Ela, com 39, é meiga e sempre equilibrada.
Apoia o marido, é paciente com ele e não se importa de esperar a sua vez
(e tem de esperar muito). Em troca de amá-lo incondicionalmente e de
preservá-lo dos problemas quotidianos, ela recebe tudo o que de melhor
António tem para dar. Ele sente gratidão pela paz de espírito que ela lhe
proporciona e conta a quem quiser ouvir que «ela é o meu esteio». Sente
até ciúmes dos filhos quando ela lhes dá atenção. Ela é dependente, protege-se do vazio interior ao viver em função dos outros, parentes, filhos,
marido. Sabe entrar no mundo de cada um e dizer a palavra certa. Mas
não cobra nem exige, tem uma personalidade «esquiva»: foge até dos
próprios conflitos. Se estivessem casados com um cônjuge de outro perfil, talvez ambos enfrentassem dificuldades.
Para a maioria das mulheres ele seria demasiadamente obsessivo, autoritário e egocêntrico, seria um marido difícil. Ela talvez parecesse desinteressante e muito submissa. O casal só recorreu aos meus serviços por
causa de um episódio de infidelidade.
Diferentes de António e Teresa, André e Júlia são pouco complementares psicologicamente e potenciam o pior de cada um.
1+1=0
André, um publicitário de 44 anos, tem um ligeiro défice de atenção:
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1. compatibilidade psicológica
é desatento e desordenado. Além disso, é extrovertido e não gosta de rotinas. Outra caraterística dele é ser moderadamente «esquivo», ou seja,
foge de conflitos e fá-lo de duas maneiras: tenta não se importar com
as coisas, minimiza os problemas, e, quando resolve enfrentá-los, tenta
a todo o custo acomodar as situações. Júlia, uma editora com 37 anos,
é perfecionista e tensa. Ao contrário do marido, é tímida e introvertida,
caseira, gosta de segurança e sente-se desconfortável diante de imprevistos. É hipercrítica e sob pressão torna-se irritadiça. Nesses momentos,
tende a maximizar os problemas e ser conflituosa.
Quando ela conta ao marido que a ama não pôs na mala de viagem os
remédios do bebé, fala disso com indignação, à espera de que ele a apoie.
Talvez até deseje que ele se ofereça para falar com ela. Mas ele assusta-se
com tamanha veemência e sugere que ela está a exagerar. Júlia exaspera
com a «cegueira» e a «falta de apoio». Carrega nas cores do problema,
para tentar convencê-lo da gravidade. Ele irrita-se com a «tempestade
num copo de água». Acaba por se afastar e ela sente-se sozinha.
Ela pede-lhe que, na manhã seguinte, deixe os documentos do carro
na gaveta da sala, mas ele leva-os por engano para o trabalho — afinal,
ele é distraído. Indignada por ter de ir de táxi e se atrasar «por causa
dele», ela exaspera-se com ele ao telefone. O marido, que não sabe lidar
com confrontos, fecha-se. Ela torna-se autoritária: exige uma explicação,
não se conforma; mas ele parece ignorá-la! Não entende porque ela é
tão severa e rigorosa com coisas tão pequenas, querendo sempre educar
todos (a ama, a mãe, a irmã dela e ele). Ela queixa-se de que ele é bruto e
desinteressado, sente-se pouco apoiada nas suas responsabilidades e na
relação com o stress profissional. Uma vez por mês, ele tem uma grande
explosão que culmina numa quase separação.
Ser moderadamente obsessiva ou ser mais desatento não são
transtornos psicológicos; são traços que, com outros parceiros, poderiam amenizar-se. Mas Júlia e André são psicologicamente incompatíveis e potencializam o que têm de pior. Sobretudo porque
não sabem como conviver a dois, algo de que falaremos no próximo
capítulo. Porém, mesmo pessoas tão diferentes como eles podem
preferir continuar juntos, se outras dimensões do casamento compensarem essas dificuldades.
Funcionamento psicológico individual
A qualidade do seu funcionamento psicológico individual pode favorecer ou prejudicar o casamento.
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a equação do casamento
Flexíveis e felizes
Emília não é tão alegre, otimista e, consequentemente, feliz quanto
João, mas é uma pessoa equilibrada por natureza, tem inteligência emocional suficiente para se perceber a si mesma e ao outro, e em geral desfruta da vida e não tem grandes problemas psicológicos. João é daquelas
raras pessoas que nasceram com uma inabalável disposição para a felicidade e o bem-estar. Desde pequeno que o seu temperamento é otimista,
vitalizado, e exala alegria de viver.
Como a maioria das pessoas mais satisfeitas com a vida, Emília e
João são menos rigorosos com os pequenos deslizes. Se Emília misturou a papelada da gaveta, João não se importa de arrumar a trapalhada.
Ela também não se importa de lavar a louça que ele deixa suja. Não que
seja submissa, apenas não se sente explorada. Resolve em minutos o
assunto, sem contabilizar quem trabalhou mais. Ambos veem as coisas
na devida proporção, não encaram os problemas de modo trágico. Não
consideram tudo um ataque pessoal e não contaminam as dificuldades
com uma baixa autoestima. Não sobrecarregam o cônjuge, tornando-o
responsável pela sua felicidade. Vivem e deixam viver. Não idealizam
tanto, exigem menos. Enfatizam mais o lado positivo das coisas.
Apesar de tolerantes, pessoas com tais caraterísticas não ficam
atoladas em relacionamentos neuróticos ou conflituosos. Ao perceberem que a relação não tem conserto elas têm coragem de romper, sem medo da separação e do conflito. São menos dependentes
e aguentam melhor a solidão, sem «asfixiar» o outro. São também
mais flexíveis quanto ao leque de parceiros aceitáveis. Podem interessar-se ou apaixonar-se por muitos tipos de pessoas. Usufruem o
que a vida real tem para oferecer. Portanto, ser uma pessoa de bem
com a vida torna-o compatível com um maior número de parceiros.
Mas a maioria das pessoas não é inerentemente tão feliz como
João e tão-pouco tão equilibrada como Emília. Pessoas comuns são
vulneráveis às adversidades, porosas a críticas, e enfatizam tanto o
lado negativo como o positivo — e se o negativo for intenso, elas
esquecem o positivo. Na adversidade, podem frustrar-se e tornar-se
pessimistas. Também tendem a ser mais dependentes e mais vulneráveis. Precisam de saber o quanto são amadas. É por isso que
os ajustes nos outros fatores da equação, que serão explorados um
a um neste livro, são tão importantes.
E se for como Tiago, o marido rabugento de Daniela? E se pertencer ao grupo de pessoas constantemente pessimistas, desvita26
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1. compatibilidade psicológica
lizadas, coléricas, ansiosas ou dependentes? A verdade é que se
tiver (ou o seu parceiro) sérios transtornos de personalidade ou alterações de humor, não será compatível com a maioria dos outros
parceiros.
Mas, nalguns casos, mesmo um parceiro com transtornos psicológicos pode valer a pena. Foi o que concluiu Daniela.
Marido difícil
Tiago é um osso duro de roer, por causa da sua distimia, um quadro psicológico de constante mau humor, pessimismo e ataques de
fúria alternados com depressão. Dificilmente encontrará alguém que
tenha condições para conviver bem com ele. Não é apenas uma questão de «encaixe» de personalidades, mas também de desequilíbrio
psicológico.
Tiago é hipercrítico e muito agressivo, mas, apesar das zangas, ela
sente-se segura ao lado dele. Tem a sensação de que alguém a orienta,
ainda que essa «orientação» surja de modo belicoso. Ela também o
acha interessante e atraente. Concluiu que valia a pena investir na relação, desde que aprendesse a lidar com a distimia dele e com as suas
próprias vulnerabilidades.
Para isso, Daniela teve de aumentar a sua autonomia psíquica, a capacidade de usufruir a vida e a sua habilidade para lidar com as divergências.
Estar casado com alguém desequilibrado pode ser uma experiência terrível. É possível que, eventualmente, o seu parceiro o agrida
verbalmente, que seja objeto de constante e infundada suspeita,
que sofra punições e chantagens emocionais, ou que ele o arraste
para a depressão, o pânico ou a ansiedade em que habita. Enfim,
nesses casos vive-se num inferno doméstico.
Nem sempre percebemos que o nosso parceiro tem um sério
problema psicológico. Às vezes atribuímos os conflitos a posturas
egoístas ou a uma questão de caráter. Ou então culpamo-nos, achamos que são as nossas falhas que estão a causar tantos conflitos, ou
pensamos que é uma «fase», um problema de comunicação.
Nem mesmo psiquiatras e psicólogos treinados têm sempre a
certeza do que se passa.
Mas nem todos os conflituosos têm transtornos de personalidade como Tiago. Nem sofrem tanto como André e Júlia. Ricardo e
Patrícia, apesar das queixas, vivem bem, mesmo se às turras. Para
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a equação do casamento
eles, as zangas intensas são um modelo familiar com o qual cresceram; para eles, a disputa desempenha igualmente um papel de
estímulo contra o tédio. Vivem entre estalos e beijos.
A verdade é que a maioria dos casais não é nem totalmente equilibrada, nem mentalmente perturbada, nem 100% complementar,
mas tão-pouco os parceiros são totalmente incompatíveis. A maioria complementa-se nalgumas vertentes e dá-se mal noutras. Por
isso, as demais dimensões da equação podem ser determinantes
para a sua satisfação matrimonial.
Sintonia de temperamentos e estilos
O casamento tradicional propõe que unam as suas vidas. Finda a
lua de mel irão morar juntos, compartilharão a escolha dos móveis,
dos talheres e do tipo de colchão. Coordenarão horários de refeição, terão tempos livres em conjunto e amigos comuns. Presenciarão os momentos menos atraentes e mais mesquinhos de cada
um. Tornam-se siameses, e o modo como um respira afeta o outro.
Cada aspeto em que não estiverem sintonizados é percebido imediatamente. O seu ritmo no lazer, no trabalho, na vida doméstica,
o modo como conversa ou adormece, tudo é notado. E, por saber
que sofrerão na pele as consequências das inadequações do outro,
tornam-se vigilantes e controladores. Atitudes que antes eram privadas transformam-se em áreas comuns. Sem uma sintonia de
temperamentos, estilos e ritmos, o seu dia a dia será desgastante.
Não seja você!
Mariana, de 32 anos, achava desde o namoro que Paulo, com 35,
era demasiado aberto, espalhafatoso e extrovertido. Ficava incomodada
com o modo familiar como ele lidava com empregados, funcionários e
desconhecidos.
Além disso, ele era o «humorista de serviço», o que a deixava constrangida. Também se sentia atropelada pelo seu ritmo acelerado. Quando namoravam, a atração física, o desejo de casar e o carinho de Paulo
encobriam os primeiros sinais desses incómodos. Mas achava que com
o tempo ele poderia ser mudado.
Nascido o pequeno Tomás, e ao instalar-se a rotina no casamento,
Mariana começou a exasperar-se. Ela às vezes achava-o insuportável.
Tentou abordar o assunto, mas fê-lo de modo agressivo, e ele reagiu no
seu estilo bonacheirão, a brincar. Inicialmente ele imaginava que ela es-
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1. compatibilidade psicológica
tivesse mal-humorada, sobrecarregada com o bebé. Na terapia, ambos
avaliavam a maioria dos outros itens da equação com notas elevadas,
mas as quezílias do quotidiano começavam a contaminar as outras esferas, inclusivamente a sexual. Ao não gostar da maneira de ser do parceiro, de certa forma ela está a pedir-lhe que «não seja ele». O que lhe
solicita não são mudanças de atitude, mas de personalidade.
Nem sempre é viável mudar uma química de repulsão entre temperamentos incompatíveis. Nesse caso foi possível, porque a repulsa só partia de Mariana e porque havia outros itens que os uniam
fortemente. Em terapia, ambos reviram as suas suscetibilidades e
trabalharam a capacidade para lidarem com divergências, para no
final experimentarem até onde seria possível fazer acordos.
Tentar conviver com ritmos, jeitos e temperamentos que não
apreciamos é algo que não se «cura», apenas se ameniza. Depois
de quatro meses, Paulo e Mariana terminaram a terapia e, oito
anos depois, ainda estão juntos. Essa incompatibilidade ficou de
certo modo mapeada, pois eles cuidaram dos outros fatores da
equação.
Costumo examinar com cuidado a química de temperamentos
e os ritmos, pois nem sempre a antipatia pela maneira de ser do
outro é um problema real. Se se sentir alérgico ao «estilo e maneira
de ser» do seu parceiro, pode na verdade estar frustrado com outras
dimensões da equação. Como Emília — que, apesar do casamento «perfeito» com João, passou por um período de grande stress,
que discutiremos mais adiante. Com tantas divergências, começou
a irritar-se com a mera presença do marido e por extensão ficou
alérgica ao estilo e à maneira de ser dele (durante uma época não
aguentava sequer ouvir a sua voz). Ao contrário de Mariana e Paulo, cujo problema em grande parte estava numa genuína aversão
ao temperamento.
Alguns casais sofrem uma falta de sintonia de temperamentos
e estilos ainda mais séria do que Paulo e Mariana. Não se irritam,
não se odeiam, tão-pouco estão ressentidos. Na verdade, não se encaixam nem para «o bem», nem para «o mal». Não há um enlace,
não há encanto. O parceiro é visto como «bonzinho» mas sem encanto, sem graça. Isso geralmente está ligado a um desinteresse
sexual, talvez até a uma crescente aversão sexual, ainda que o parceiro tenha boa aparência e seja competente na cama. Mas, mesmo
que o problema sexual pareça ser a causa da falta de encanto, na
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a equação do casamento
verdade, se achar o seu parceiro sem graça isso tenderá a incidir
simultaneamente em todas as atividades ligadas ao prazer.
Marido «bonzinho»
Carlos, com 38 anos, descobriu que Carla teve um caso extraconjugal.
Estavam casados havia oito anos, sem filhos. Ele entrou em depressão.
Carla, de 35, embora aprecie o caráter de Carlos e ache o parceiro inteligente e atraente, sente por ele apenas um amor fraternal. Não vê nele
graça ou encanto. Ele parece-lhe apagado, desinteressante, sem iniciativa, pouco imaginativo, demasiadamente cordato. É um «pãozinho sem
sal». Quanto aos outros itens da Equação do Casamento, estão entre
médios e bons. Embora tenham afinidades, apreciem as mesmas atividades e compartilhem os mesmos projetos de vida, ela sente-se triste a
seu lado. Sente mais solidariedade do que atração, e culpa-se por ter casado sem estar apaixonada (embora à época isso não fosse tão claro).
Pensa que Carlos «merece alguém que realmente o ame».
De facto, a Carlos faltava carisma, entusiasmo, vibração e autonomia psíquica, nos campos do prazer e dos interesses próprios.
Ao longo da terapia de casal ele veio a diversas sessões individuais, durante as quais pôde avançar muito nesse aspeto.
Foram então abordadas a sua baixa autoestima, uma discreta depressão subclínica e a falta de hábitos e de traquejo em procurar
prazer e autonomia. Apesar de no final se terem separado, Carlos
obteve muitos benefícios psicológicos no fim do processo. A rejeição que sofreu por parte de Carla serviu-lhe de «abanão» para se
rever. A sua natureza obviamente não mudou, mas, a seu modo,
ele transformou-se numa pessoa mais interessante, mais satisfeita
e independente. Hoje está casado e tem filhos com uma mulher
muito mais compatível com as suas caraterísticas. Carla também
não se arrepende de se ter separado e descobriu que pode viver
bem sozinha, embora ainda esteja a experimentar e a conhecer diversos novos parceiros (inclusivamente uma intensa relação de seis
meses com uma mulher).
Como é possível que tenha casado e só após alguns anos chegado à conclusão de que, na verdade, acha o seu parceiro «sem
sal»? Talvez isso já existisse antes. Pode ter casado porque precisava
de superar uma deceção amorosa (como Carla, que escolheu alguém que «não a faria sofrer»). Ou porque achou que era a hora de
constituir uma família e casou por inércia ou influência do meio,
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1. compatibilidade psicológica
por pressão do parceiro, que, embora fosse pouco estimulante, era
confiável, uma «ótima pessoa», «a pessoa certa para mim». Enfim,
uma mescla de autoengano e opção consciente. Ou o seu parceiro
já foi mais carismático e, ao longo da vida, perdeu a cor e esmoreceu perante sucessivas frustrações, ou você mudou e já não vê
encanto nele, que continua o mesmo.
Mariana, de quem ainda falaremos, também tinha queixas de
Rogério, o seu marido tímido e «velho de mais para ela».
Acabou por descobrir que, na verdade, ela se considerava a si
mesma «sem graça», e precisava de um parceiro que suprisse o
seu défice.
Esperava do parceiro, supostamente «sem graça», excecionais
vitalidade e entusiasmo, que valessem pelos dois. Como ele era
apenas uma pessoa comum, parecia-lhe insuficiente.
Também Mariana pôde moderadamente melhorar o seu próprio
encanto e graça.
Durante muito tempo, Carla resistiu a encarar o que se passava.
Em geral, isso não funciona. Ocorrem sonhos reveladores, ou surge uma paixão por outra pessoa, ou uma depressão, eventualmente adoece-se ou sente-se uma «inexplicável» raiva do parceiro, que
em si mesmo é «uma ótima pessoa». Há casos mesmo de reações
alérgicas à genitália do companheiro, como Miguel em relação a
Catarina, cujo caso discutiremos mais adiante.
**
Se, como a maioria, não for tão complementar com o seu parceiro, ou se individualmente não for muito equilibrado e tiver dificuldades com diversos aspetos dos temperamento e estilo do cônjuge,
será importante aprender mais sobre a arte de conviver a dois, que
será o tema do próximo capítulo.
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