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Índice Para ler este livro Introdução — O que deveria saber antes de casar Parte I — A Equação do Casamento 7 9 17 Porquê construir uma Equação do Casamento 1. Compatibilidade psicológica 2. Saber conviver a dois 3. Graus de consenso 4. Atração e vida sexual 5. Ciclos de vida, pressões e frustrações externas 6. Vantagens de permanecer casado 7. A sua Equação do Casamento 19 23 33 41 49 65 73 79 Parte II — Sobre a arte de conviver a dois 85 Porquê desenvolver a arte de conviver a dois 8. Explorar os botões verdes e vermelhos 9. Comunicações destrutivas 10. Lidar com divergências e impor limites 11. Etiqueta de casal, ou como premir botões verdes 12. Viver em afinidade com o seu parceiro 87 89 107 119 135 143 5 Miolo Equação do Casamento_A.indd 5 03/03/14 01:49 Parte III — Autoconhecimento e escolhas de casamento O que fazer com a sua equação 13. Recuperar um casamento em crise 14. Conviver com um parceiro difícil 15. Melhorar uma relação sem afinidades nem encanto 16. Procurar mais sintonia sexual 17. Lidar com um caso extraconjugal 18. Breves palavras sobre separação 19. E agora? 165 167 169 191 209 217 239 261 273 275 Anexo A: Tabela da Equação do Casamento Como criar a sua equação? 277 Anexo B: Sobre o casamento de terapeutas (e acerca do meu próprio casamento) 285 Anexo C: Conhecimentos atuais sobre terapia de casal e a contribuição deste livro 287 299 Agradecimentos Notas 301 Bibliografia 315 Anexos 6 Miolo Equação do Casamento_A.indd 6 03/03/14 01:49 Para ler este livro E ste livro foi concebido para permitir uma leitura em módulos. Portanto, pode lê-lo de modo linear, tradicional, ou escolher os capítulos do seu interesse. A Introdução, «O que deveria saber antes de casar», descreve o contexto atual do casamento. A Parte I, «A Equação do Casamento», apresenta os fatores que a investigação científica indicia serem essenciais para a satisfação matrimonial. Cada capítulo é dedicado a um deles. No final da primeira parte, pode construir a sua própria Equação do Casamento e ter uma visão mais detalhada da arquitetura do seu relacionamento, e das suas forças e vulnerabilidades. A Parte II, «Sobre a arte de conviver a dois», trata de cinco competências que, além de favorecerem a atmosfera matrimonial, serão úteis para que possa explorar as possibilidades de mudanças na sua relação, que é o tema da Parte III, «Autoconhecimento e escolhas de casamento». Os capítulos da terceira parte referem-se a uma situação distinta: salvar um casamento em crise, conviver com um parceiro difícil, melhorar uma relação sem afinidades nem encanto, procurar maior reciprocidade sexual, lidar com um caso extraconjugal ou separar-se. Cada uma dessas situações enfatiza diferentes questões do casamento e dos relacionamentos, procurando-se que o leitor possa ler sobre o tema que corresponde ao seu interesse atual, testando algumas possibilidades de mudança. Nos Anexos encontrará uma breve descrição dos «Atuais conhecimentos sobre terapia de casal e a contribuição deste livro», além de algumas páginas que escrevi para responder às inevitáveis per7 Miolo Equação do Casamento_A.indd 7 03/03/14 01:49 a equação do casamento guntas que me têm colocado, durante as conferências em que participo, acerca do meu próprio casamento. Ainda dois esclarecimentos: neste livro, o termo «casamento» é utilizado no sentido de «relação de compromisso». Portanto, também se refere a parceiros não casados, que assumiram o compromisso de viverem uma relação de longo prazo. No decorrer deste livro serão apresentadas histórias de diversos casais que já atendi em terapia. Não se preocupe se não se lembrar de cada personagem — as cenas de casamento valem por si, independentemente do casal citado. As histórias foram devidamente alteradas e misturadas com outras, de modo a preservar a privacidade de cada casal, mas são todas reais. Elas ilustram as diferentes formas de como é possível estar casado e as formas de explorar o que pode, ou não, ser mudado nas relações. 8 Miolo Equação do Casamento_A.indd 8 03/03/14 01:49 Introdução O que deveria saber antes de casar J úlia, sempre tensa, não tem vontade de fazer sexo em casa, algo que o marido, André, não entende. Patrícia e Ricardo vivem entre estalos e beijos. Pedro, o dono da casa, pai dedicado, era sustentado por Sílvia, uma executiva que não conseguia concluir se era feliz com ele ou não. Lembro-me também das sessões com Luísa, monossilábica, e Alfredo, um excelente parceiro em vários aspetos, mas que gostava de fazer sexo vestido de mulher (o que incomodava muito a esposa). Todos tiveram de fazer ajustes nos seus casamentos. Os nossos bisavós e avós tinham menos acertos matrimoniais a fazer, e mesmo que não fossem mais felizes estavam, em média, mais satisfeitos ou conformados. Nessa época havia uma hierarquia de valores em nome dos quais alguns desejos tinham de ser postos de lado. A resposta aos impasses fundamentais da vida a dois — que na sua essência são insolúveis — não era resolvê-los, mas regulá-los. Eles contavam com quatro condições favoráveis à manutenção do casamento: 1. Os deveres sobrepunham-se à procura da felicidade. Os nossos avós tinham uma lista de obrigações a cumprir para com os pais, a religião, a pátria e assim por diante. Dar prioridade ao amor e à realização pessoal era um egoísmo inadmissível, sobretudo por parte da mulher. Hoje, ainda que nos disponhamos a fazer algum sacrifício pelos filhos, a meta de cada um é a felicidade pessoal. Se o casamento se mostra inadequado, as 9 Miolo Equação do Casamento_A.indd 9 03/03/14 01:49 a equação do casamento pessoas não se conformam facilmente. Talvez tentem mudá-lo, ou queiram sair dele. 2. Os parceiros seguiam tradições, usos e costumes. Não tinham dúvidas sobre como agir na maior parte das ocasiões e havia menos divergências de opinião. Hoje já não acreditamos nos usos e costumes que nos poupariam a tantas dúvidas. Já não sabemos o que é «certo e errado» e ao que temos, ou não, direito. 3. Não se negociava. Se fosse homem, seria o chefe da família e teria uma autoridade decisória; como mulher, deveria obedecer. Com a igualdade de géneros, passámos a ter um sócio com 50% dos votos com quem discutir e negociar os aspetos da vida. Não é sem razão que as empresas evitam montar estruturas societárias com apenas 50% do controlo acionista. Atualmente, no casamento as divergências de opinião tendem a tornar-se impasses. 4. O casamento dos nossos avós era quase indissolúvel. Uma eventual separação seria trágica, portanto os cônjuges empenhavam-se fortemente em fazer o casamento perdurar. Hoje, separar-se já não é tabu. Embora desgastante, é um ajuste trivial na vida das pessoas. Havia clareza sobre expetativas, havia regras nítidas e havia o consenso de que «as coisas são assim». Hoje, graças ao avanço da liberdade pessoal, à igualdade de géneros e à transparência, as tarefas entre marido e mulher redistribuíram-se de modo mais equitativo, mas surgiram para ambos novas dificuldades. Juntamos num mesmo projeto conceções de diferentes séculos e décadas, algumas incompatíveis entre si. Não sabemos como acomodar o romantismo do século xix, a solidez confiável do modelo patriarcal vitoriano, os ideais do feminismo e do modelo libertário dos anos 1960, o individualismo dos anos 1980, a valorização da qualidade de vida dos anos 1990 e o valor da transparência nas relações dos anos 2000. Daí que muitos casais se encontrem numa encruzilhada de metas conflituantes. Queremos uma boa vida sexual, parceria e companheirismo, projetos em comum, consenso sobre como levar o dia a dia e como educar os filhos, apoio, fidelidade, compreensão, parceiros felizes e bem-sucedidos. As nossas expetativas tornaram-se enormes. 10 Miolo Equação do Casamento_A.indd 10 03/03/14 01:49 introdução Temos de reformular o projeto de casamento. É preciso aprender a pensar, desejar e sentir de outro modo as coisas que dizem respeito à relação. O rio deve encontrar um novo leito. Precisamos também de aprender a lidar com três fenómenos da contemporaneidade que os nossos avós não conheciam: 1. Todas as pessoas estão online, a comparar as suas alternativas. Júlia já viu homens mais atraentes do que André, que tem caspa e não gosta de lavar os dentes. Pedro conheceu mulheres mais meigas do que Sílvia, a sua esposa executiva. Você e o seu parceiro foram expostos, antes e ao longo do casamento, a experiências de namoro e a modelos mediáticos de beleza, prazer, sexo, vitalidade e alto desempenho. Por isso tenderão a avaliar o parceiro (e eventualmente a si mesmos) com mais rigor e a compará-lo com companheiros anteriores ou com os modelos de supercompetência e superfelicidade que todos os dias os media e os amigos do Facebook lhes esfregam na cara. Ainda não aprendemos a conviver com tantas opções. 2. Todos somos produtivos, acelerados e desfrutamos a vida. O erotismo de Júlia reflui sob o peso das obrigações domésticas. O seu marido, André, não entende a inapetência sexual dela. Desde a infância, somos submetidos a uma maratona de otimizações para aproveitar oportunidades: estamos sempre atrasados, prestes a perder uma oportunidade única. No casamento multiplicam-se tarefas e responsabilidades: criar os filhos, planear as férias, ganhar a vida, manter-se em forma, comprar alimentos orgânicos, cultivar a vida social, procurar o êxito profissional, fazer seguros de vida, de saúde, de roubo, de viagem, marcar consultas médicas. O stress, que cada um pensa ser uma «incapacidade pessoal de ser feliz», é em parte fruto dessa epidemia. Somos mais produtivos do que no início do século xx, mas continuamos a trabalhar muito. Somos mais livres, mas andamos mais stressados, deprimidos e com ansiedade. Ainda não sabemos lidar com a nova condição que conquistámos. 3. Os ciclos dos homens e das mulheres estão dessincronizados. Ricardo, aos 36 anos, queria dedicar-se à carreira e Patrícia, com 32, sentia que estava na hora de investir na relação e de viver intensamente. Estavam eternamente em conflito. Depois nasceu o Miguel. Onze anos mais tarde, Ricardo quer «viver intensamente» e ela quer dedicar-se à carreira. Também o ciclo dos divórcios 11 Miolo Equação do Casamento_A.indd 11 03/03/14 01:49 a equação do casamento não coincide. Com 47 anos, Ricardo, embora queira separar-se, não pretende perder o convívio com o filho, nem dilapidar o património familiar, pelo que decidiu (mas não comunicou) continuar por mais quatro anos com Patrícia. Ela, agora com 43, também pensou em separar-se, mas concluiu que devia tê-lo feito aos 30. Em média, as mulheres casam entre os 28 e os 32 anos, entaladas entre as ambições profissionais, o desejo de aproveitar o tempo de solteira, a pressão do relógio biológico e o timing no mercado de escolhas matrimoniais, que privilegia as jovens. Os homens, por motivos análogos, casam entre os 30 e os 35 anos. Aos 55 ou 60 anos, os nossos avôs aposentavam-se e as nossas avós enviuvavam. A potência e o desejo sexual, que já vinha a declinar desde os 40, extinguiam-se. Hoje os cinquentões e as cinquentonas ainda podem ter diversos ciclos de produção e gozo. Eventualmente, poderão separar-se com os filhos já adultos. Constituir um lar ou uma relação a dois? Dos quatro casais citados, só Pedro, o dono de casa, e Sílvia, a executiva, não têm conflitos nessa vertente. Os outros, apesar de tão diferentes entre si, têm a mesma divergência quanto ao sentido do casamento. Para o seu bisavô e avô, criados entre o século xix e os anos 1950, o lar era um lugar de aconchego, complacência e amor incondicional. Era onde encontraria carinho, conforto e sexo sempre disponíveis. Da sua esposa teria apoio emocional e logístico, para cumprir as suas metas de homem no grande teatro de operações (na carreira, na política, como académico ou na esfera social). Caberia à esposa também gerir e cuidar de herdeiros, a continuidade da sua família. De dia, o lar era a moldura da sua vida; à noite era o seu esteio, o seu «castelo». Essa conceção patriarcal ainda habita os corações e as mentes de muitos homens, mesmo se numa versão modernizada. Mas essa conceção já não faz parte da visão do mundo de muitas mulheres. As suas bisavós e avós sabiam que tinham a missão de dar um lar ao marido. Casar implicava uma malha de obrigações sociais e familiares. A sua felicidade consistia em cumprir essa missão em troca de proteção, dignidade e algum carinho. Cabia a elas prover tudo de que o marido necessitasse. Sempre compreensivas e meigas, deviam aguardar a sua vez e preservar o 12 Miolo Equação do Casamento_A.indd 12 03/03/14 01:49 introdução marido dos problemas domésticos, sem aborrecê-lo com os seus desejos egoístas e fúteis de mulher. Dizia-se que «atrás de todo o grande homem há sempre uma grande mulher», e o que era uma «grande mulher» senão aquela que sabia abdicar de si mesma para que o marido realizasse o seu destino de «grande homem»? Até os anos 1950, boa parte das mulheres cumpria esse guião. E o que esperavam Júlia, Sílvia, Luísa e Patrícia? Com exceção de Sílvia, a executiva, todas imaginavam assinar com o marido um pacto de união na aventura da vida a dois. Imaginavam que usufruiriam de uma relação de intimidade profunda com um homem, que partilhariam com ele os seus sonhos e medos, que teriam identificação e cumplicidade. Patrícia, mais romântica, fantasiava que teria com Ricardo uma relação de trocas intensas. Compartilhariam os relatos sobre as minudências do quotidiano, fariam planos e explorariam a vida juntos. Para ela, o namoro havia sido uma amostra do potencial da relação. O cavalheiro prestável e romântico, as viagens, os agradáveis planos a dois, os sonhos construídos ao pôr do sol, tudo isso eram só preliminares. Agora começaria a grande aventura! Não haveria tantas distâncias logísticas (habitações, horários e compromissos individuais) que entrecortassem o seu quotidiano de amor. Queria também fundar uma família com dois ou três filhos. Nem todas sonhavam com um príncipe encantado, nem tão -pouco com um lar. Júlia casou para se consolar de uma paixão recentemente frustrada. Foi uma decisão pragmática, e teve em conta o relógio biológico e as opções de pretendentes disponíveis no mercado. Luísa amava Alfredo, mas na sua decisão também pesou o facto de ele ter dinheiro. Todas esperavam um companheiro que se dedicasse, que lhes prestasse as homenagens merecidas enquanto esposas e, se se tornassem mães, que as recompensasse por se terem «entregado» a ele, por lhe terem dado filhos, por cuidarem da sua prole. E, quem sabe, talvez as deixasse brincar às casinhas e às bonecas, mas sem as impedir de terem uma carreira. Que deceção para Patrícia, quando, com a passagem do tempo, tudo se tornou óbvio... Em casa, Ricardo agora aprecia a rotina, o sossego, sugere irem ao restaurante que fica ao lado, que é tão prático ou próximo, ou custa menos, ou que já conhecem. Ele quer ler o jornal, encontrar-se com os amigos e os colegas do trabalho. Even13 Miolo Equação do Casamento_A.indd 13 03/03/14 01:49 a equação do casamento tualmente, até lhe conta sobre o seu dia, mas quando é a sua vez de ouvir não interage, não se envolve com episódios que a ela parecem tão significativos. Ele mal nota o seu empenho em promover a graça e o encanto da vida a dois, não dá conta da decoração e dos arranjos da casa, que ela providenciou com tanto carinho. Tudo é para ele minudências irrelevantes e coisas de mulherzinha. Aos poucos, aquele namorado romântico, atento, empático, criativo e interessante revela-se uma fraude. Foi tudo uma sedução provisória? Mesmo o sexo, por ele tão desejado, dispõe-se a fazê-lo apenas em casa e de modo conveniente, em horários que para ele sejam práticos, sem grande empenho (no máximo os preliminares protocolares, ou as palavras românticas reservadas para o ato sexual, ou uma aflita procura de informação sobre se a sua mulher teve um orgasmo). Patrícia percebe que foi «enquadrada», tornou-se parte da moldura da vida de Ricardo. Queria tanto que ele fosse mais aventuroso, que celebrassem a vida, as datas, mas ele mal se lembra. Sempre tão prático, tão sem graça…. Descambou tudo num quotidiano rotineiro. Mesmo o lazer é planeado e recebe muitas restrições de orçamento, de datas, de prazos. Ela gostaria que o trabalho, os amigos, brincar com os filhos e outras atividades não estivessem sempre em primeiro lugar, sendo ela a opção para quando (e se) sobrar tempo. Ao início, Patrícia tenta fazer-se notar; depois tenta falar com ele, fazê-lo entender. Mas ele não a entende; escarnece, silencia ou protela. Mais tarde, irritada, ela tenta fazer-se escutar de modo ainda mais contundente. Ele parece ainda não entender, ou não está para aí virado. Ela começa a exigir, a ficar agressiva, amarga, entra em desespero e torna-se irracional, descontrolada, impacienta-se até com os filhos que tanto ama. Aos poucos desiste, definha; confinada ao «lar doce lar», o seu ânimo desvanece. Ela poderá ter um amante, alguém que pareça apreciá-la, que a escute, que a perceba (pelo menos enquanto for amante). ** Nos casais de hoje, a insatisfação é mais comum por parte das mulheres. Em média, 70% dos pedidos de divórcio partem delas. Os homens, ainda que insatisfeitos, tendem a «aguentar» por mais 14 Miolo Equação do Casamento_A.indd 14 03/03/14 01:49 introdução tempo. As mulheres costumam stressar mais no casamento, mesmo quando os maridos dividem com elas as tarefas da casa e a criação dos eventuais filhos. Nos assuntos domésticos elas tendem a ser mais tensas e perfecionistas, e eles costumam ter um olhar mais superficial, complacente e relaxado. Além disso, quando a mulher confere uma pausa na sua carreira, desloca a procura da realização pessoal para a relação. Mas, em geral, dão de caras com homens menos treinados (e desinteressados?) para se sintonizarem com o outro. É provável que elas se frustrem com a qualidade da relação. Ricardo, aos poucos, também se vê numa armadilha. Onde ficou a namorada tão companheira? Quando a mulher se sente segura começa logo a apresentar a fatura? Cobra tanto e sobre coisas tão estranhas, e está sempre insatisfeita… Ou porque ele disse algo que não deveria, ou porque não disse o que devia ter dito. Tudo é complicado. Ela ofende-se, ressente-se e faz comentários azedos. Conversar é insuportável porque ela se exalta logo, e como chora, grita e acusa põe-se no papel de vítima. Ela é tão carente… Tudo o que ele queria era um lar, sossego — e o que tem hoje? Uma mulher ressentida, impaciente, que o sufoca. Já não fazem sexo, e quando fazem ela impõe restrições moralistas às fantasias dele e enerva-se com pormenores. Ela queixa-se de que ele não lhe dá atenção, mas quando ele se propõe a fazê-lo ela não usufrui, diz que ele «não pensa em nada», que para ele «tudo é fácil e simples». Patrícia tornou-se uma chata! Não suporta que ele descanse; ao vê-lo a ler o jornal, pede que se levante para resolver, naquele momento, alguma tarefa doméstica. O seu sentido de urgência para tratar dos afazeres é insensato, histérico até. Ele precisa de um respiradouro para fugir desse massacre: uma amante leve, divertida, com a qual possa exercer os dotes de namorado romântico, que o valorize, que lhe dê sossego, apoio e, importante, sexo à vontade e sem tantas restrições (pelo menos enquanto for amante). A Equação do Casamento Não percebemos ainda quão complexo é o atual projeto de felicidade no casamento. Não fomos preparados para ele. Ainda pensamos que o amor resolve tudo, ou que com bom senso equacionaremos as coisas. No entanto, as estatísticas mostram que a maioria 15 Miolo Equação do Casamento_A.indd 15 03/03/14 01:49 a equação do casamento dos casais não consegue fazê-lo. O número crescente de divórcios, o aumento das queixas, a insatisfação matrimonial e a dificuldade dos solteiros em encontrarem um companheiro, ou dos divorciados em casarem de novo, são testemunhos da árdua tarefa de ajustar tantas expetativas. O atual modelo de casamento igualitário, voltado para a felicidade pessoal e o amor eterno, exige um ajuste de expetativas que não era necessário no século xix e no início do seguinte. É preciso mudar o conceito, as perspetivas e as regras de convívio. Temos de adquirir competências matrimoniais que até há pouco nem sequer imaginávamos necessárias. É disto que trata A Equação do Casamento: dos ajustes de desejos que cada um tem de fazer — consigo e também com seu companheiro; e de aprender novas competências para lidar com os desafios de estar casado hoje em dia. A equação apresenta seis dimensões que as pesquisas identificam como as que têm de ser ajustadas para que marido e mulher queiram permanecer casados e tenham satisfação ao fazê-lo. Permite discutir o casamento contemporâneo e serve para que o leitor reflita sobre o seu próprio casamento — e o que pode (ou não) ser alterado. Os casais deste livro Como já foi mencionado, as cenas de casamento apresentadas neste livro valem por si, independentemente do par citado. Além dos quatro casais mencionados nesta introdução, falaremos também de Tiago, sempre furioso com a doce Daniela; de Miguel, que ama Catarina mas não suporta fazer sexo com ela; dos septuagenários Rui e Helena; da sensual Rita e do seu marido, Sérgio; dos casamentos chochos de Carla e Carlos e de Mariana e Rogério; de Márcia e Leonardo, cujos projetos de vida eram incompatíveis e rapidamente se separaram; e dos dois casais «perfeitos», António e Teresa, João e Emília. 16 Miolo Equação do Casamento_A.indd 16 03/03/14 01:49 Parte I A Equação do Casamento Miolo Equação do Casamento_A.indd 17 03/03/14 01:49 Porquê construir uma Equação do Casamento O leitor provavelmente não encontrará neste livro algo em que não tenha pensado antes e que não conste das dezenas de teorias e métodos para tratar os relacionamentos de casal. A questão é que, numa relação amorosa, há uma quantidade enorme de fatores em jogo, e não é fácil visualizar quais são as forças e as vulnerabilidades do seu casamento, nem testar como esses elementos se relacionam entre si. Ao criar a Equação do Casamento, o meu objetivo foi justamente ajudá-lo a visualizar a sua relação antes de procurar eventuais mudanças. Para lhe dar uma ideia de como pode ser difícil pensar na confusa rede de fatores em jogo no seu casamento, pense nos exemplos a seguir. Imagine que o seu parceiro teve um pai autoritário, tornou-se alérgico a pessoas com personalidade forte e precisa de parceiros tímidos. Mas talvez você tenha uma personalidade vincada e, por sua vez, sonhe com um parceiro divertido, como era a sua avó, que tanto admirava. No entanto, o seu companheiro não tem sentido de humor e ofende-se com facilidade. Hoje dão-se conta de que estão muito incomodados um com o outro, só que nem sempre esses tipos de discrepâncias são evidentes antes do casamento. Quem sabe se durante o namoro terá desconsiderado esses aspetos porque estava fascinado pela beleza e gentileza do parceiro, ao passo que ele estava ansioso para casar antes dos 40? Vejamos um segundo exemplo: o modelo de casamento dos nossos pais costuma influenciar muito o nosso modo de lidar com o companheiro. Em geral, você tende a repetir o padrão de relacionamento dos seus pais, ou, pelo contrário, tenta evitar a todo o custo repetir a relação a que assistiu entre eles. Imaginemos que os seus 19 Miolo Equação do Casamento_A.indd 19 03/03/14 01:49 a equação do casamento pais viveram sempre desentendidos: é possível que interprete qualquer crítica como um ataque pessoal e responda sempre num estilo belicista, de resposta pronta. O seu parceiro também tinha pais em eterno conflito, mas, ao contrário de si, ficou tão traumatizado com as zangas dos progenitores que acha que um bom casamento não pode ter conflitos — por isso, tornou-se demasiadamente contemporizador e engole mais «sapos» do que deveria. Um terceiro exemplo: a sintonia entre o temperamento e o ritmo dos parceiros. Talvez você seja alguém mais acomodado e introvertido, e o seu companheiro seja mais aberto, enérgico e acelerado. Talvez não aguente o ritmo dele, nem ele o seu, e por isso se irritem com a maneira de ser do outro. E, para mencionar um último exemplo: imagine que os ciclos de vida de cada um possam já não coincidir. Digamos que para o seu parceiro, que teve uma fase de solteiro divertida e aventurosa, casar faça parte do projeto pessoal de assentar, «encontrar um rumo» e dedicar-se a construir uma carreira e gerar uma família sólida. Mas, quem sabe, talvez você tenha tido uma vida de solteiro cheia de restrições e procure no cônjuge um parceiro aventuroso, disposto a viajar, a morar noutros países, por isso quer adiar por muitos anos os projetos de «ter filhos» e «investir na carreira», que ao seu parceiro parecem tão urgentes. Esses e muitos outros aspetos entrecruzam-se num casamento, e têm pesos diferentes. A Equação do Casamento procura descrever de modo articulado essas diversas possibilidades. Podemos comparar os fatores da equação às categorias utilizadas para descrever fenómenos climáticos. Alterações na humidade, chuva, vento, temperatura e topografia afetam-se mutuamente e estão relacionadas com todo o planeta, bem como com o Sol e a Lua. Estes fatores estão interligados entre si, como vizinhos, e em alguns momentos têm uma relação de causa e efeito; noutros atuam juntos, fundem-se ou retroalimentam-se. Nem sempre conseguimos separá-los. Abordar numa mesma equação diversos elementos é apenas um modo de falar de vários ângulos de um mesmo fenómeno: o seu casamento. Trabalho há mais de 20 anos com problemas matrimoniais e, para formular a equação, passei cerca de sete anos a coligir e analisar os temas de conflito e de convergência dos casais que atendi em terapia, bem como a correlacionar aspetos como género, idade, 20 Miolo Equação do Casamento_A.indd 20 03/03/14 01:49 porquê construir uma equação do casamento diferenças culturais e sociais, estilos de comunicação, entre outras dezenas de variáveis. Também estudei um grande número de modelos de análise de casamento já existentes. Durante quatro anos testei no consultório, em cursos e workshops algumas versões da equação, até chegar à versão mais operacional e completa — que apresento neste livro. Ela permite rapidamente reconhecer padrões e ciclos de casamento, bem como mapear as convergências e divergências entre os cônjuges. Mais importante: ao construir a sua equação e perceber como os diversos aspetos se influenciam mutuamente poderá procurar mudanças em determinadas áreas da sua relação. Mas trata-se apenas de um modelo; há outros, e seguramente nenhum é capaz de abarcar todas as facetas do fenómeno psíquico. Ainda assim, espero que este livro o ajude a refletir sobre o seu próprio relacionamento e sobre como se posicionar em relação a ele. A Equação do Casamento apresenta seis dimensões presentes na estrutura de todos os matrimónios ou relações de compromisso em qualquer época, e vale tanto para relações heterossexuais como para as homossexuais. Como verá nos próximos capítulos, cada uma das dimensões da equação foi desdobrada em diferentes aspetos. São 22 no total, mas não se preocupe em memorizá-los. Concentre-se apenas nas seis dimensões das quais todos esses aspetos derivam. Depois de conhecê-las, poderá construir a equação do seu próprio casamento. As três perguntas a que este livro procura dar resposta são: A) O que os leva a quererem permanecer casados? B) Com que grau de satisfação? C) Como pode posicionar-se em relação aos eventuais problemas? As seis dimensões da Equação do Casamento são: › Compatibilidade psicológica + › Saber conviver a dois + › Graus de consenso + › Atração e vida sexual + › Ciclos de vida, pressões e frustrações externas + › Vantagens de permanecer casado = Grau de satisfação do casamento 21 Miolo Equação do Casamento_A.indd 21 03/03/14 01:49 a equação do casamento As seis dimensões acima enumeradas influenciam-se mutuamente e adicionam-se entre si. Em tese, qualquer uma pode estar tão prejudicada que inviabiliza o casamento. Ou, pelo contrário, pode ser tão satisfatória que compensa deficiências nas outras áreas. Como mencionado, as seis diferentes dimensões valem para relacionamentos em geral, mas o peso de cada uma varia de acordo com o contexto pessoal e cultural. Neste livro concentrar-nos-emos nos casais contemporâneos, em que ambos os parceiros procuram a felicidade pessoal e se relacionam considerando a igualdade entre os géneros. Se este for o seu caso, muito do que será dito aqui ser-lhe-á útil. Nos próximos capítulos, além de tratar do funcionamento de cada dimensão, também discutiremos até que ponto elas podem, ou não, ser mudadas. Ninguém sabe a priori o que torna uma dimensão da equação importante para si ou para o seu parceiro, e tão-pouco se pode adivinhar quais das diferentes combinações possíveis serão satisfatórias para ambos. Esses equilíbrios na arquitetura do seu casamento são subtis, volúveis, e muitas vezes inconscientes. É por isso que os modelos prontos a usar não são bons conselheiros. Mas, ainda assim, é possível apontar algumas tendências mais comuns nas equações dos casamentos atuais. Na Parte III descrevo diversas situações e tipos de casamento, e proponho que teste na prática novos arranjos e explore o potencial de mudança em cada dimensão. Espero que, ao compreender melhor como os vários elementos se articulam no seu casamento, possa ligar-se mais ao seu parceiro e a si mesmo. 22 Miolo Equação do Casamento_A.indd 22 03/03/14 01:49 1. Compatibilidade psicológica C ompatibilidade psicológica refere-se a quanto o seu temperamento e a sua personalidade combinam, ou não, com as caraterísticas psicológicas do seu parceiro. Até pode mudar de comportamentos e atitudes, mas não o seu temperamento e a sua personalidade. Temperamento refere-se à sua natureza constitutiva, às suas disposições biológicas; por exemplo, ser passivo ou enérgico, ser mais imediatista ou do tipo que adia as coisas, ser mais físico e desportivo ou mais mental. Até certo ponto, poderá criar novos hábitos para «corrigir» o seu temperamento, mas ele estará sempre lá. A sua personalidade é a soma do temperamento com o que aprendeu ao longo da vida. Por exemplo, se passou por muitos traumas e «aprendeu» a ser mais inibido, ou se foi positivamente espicaçado e se tornou mais ousado. Os seus valores, hábitos e competências fazem parte de elementos aprendidos e contribuem para formar a sua personalidade e direcionar o seu temperamento. Portanto, embora o temperamento e a personalidade sejam difíceis de mudar, podem ser moderadamente calibrados. Mas não desanime: ainda que o seu parceiro não mude o «suficiente», até certo ponto você pode aprender a conviver com algumas caraterísticas psicológicas dele. Neste capítulo, abordarei a compatibilidade psicológica sob três ângulos: Complementaridade de forças e carências; Funcionamento psicológico individual; e Sintonia de temperamentos e estilos. Se forem altamente compatíveis nas três vertentes, vocês falarão a mesma língua, vibrarão juntos com as mesmas coisas e, ainda que não tenham uma boa atração sexual, serão ao menos grandes ami23 Miolo Equação do Casamento_A.indd 23 03/03/14 01:49 a equação do casamento gos. Se, além disso, se sentirem sexualmente atraídos, provavelmente terão um grande casamento! Os outros itens da Equação do Casamento nem precisarão de ser ajustados: vocês provavelmente convergirão de modo natural. Mas casos desses são raros. As pessoas comuns são compatíveis em alguns aspetos e não noutros, daí ser necessário ter uma certa sabedoria no casamento e aprender a fazer ajustes nas outras cinco dimensões da equação. Apresentarei a seguir as três facetas da Compatibilidade psicológica, e nas partes II e III discutirei as formas de desenvolvê-las. Complementaridade de forças e carências A complementaridade psicológica traz uma sensação de acolhimento e aumenta o prazer em conviver. Casal perfeito António, um viciado no trabalho, e a sua esposa, Teresa, formam um casal perfeito nesse aspeto. Têm três filhos. Ele, com 45 anos, é extrovertido, dominador e egocêntrico. Ela, com 39, é meiga e sempre equilibrada. Apoia o marido, é paciente com ele e não se importa de esperar a sua vez (e tem de esperar muito). Em troca de amá-lo incondicionalmente e de preservá-lo dos problemas quotidianos, ela recebe tudo o que de melhor António tem para dar. Ele sente gratidão pela paz de espírito que ela lhe proporciona e conta a quem quiser ouvir que «ela é o meu esteio». Sente até ciúmes dos filhos quando ela lhes dá atenção. Ela é dependente, protege-se do vazio interior ao viver em função dos outros, parentes, filhos, marido. Sabe entrar no mundo de cada um e dizer a palavra certa. Mas não cobra nem exige, tem uma personalidade «esquiva»: foge até dos próprios conflitos. Se estivessem casados com um cônjuge de outro perfil, talvez ambos enfrentassem dificuldades. Para a maioria das mulheres ele seria demasiadamente obsessivo, autoritário e egocêntrico, seria um marido difícil. Ela talvez parecesse desinteressante e muito submissa. O casal só recorreu aos meus serviços por causa de um episódio de infidelidade. Diferentes de António e Teresa, André e Júlia são pouco complementares psicologicamente e potenciam o pior de cada um. 1+1=0 André, um publicitário de 44 anos, tem um ligeiro défice de atenção: 24 Miolo Equação do Casamento_A.indd 24 03/03/14 01:49 1. compatibilidade psicológica é desatento e desordenado. Além disso, é extrovertido e não gosta de rotinas. Outra caraterística dele é ser moderadamente «esquivo», ou seja, foge de conflitos e fá-lo de duas maneiras: tenta não se importar com as coisas, minimiza os problemas, e, quando resolve enfrentá-los, tenta a todo o custo acomodar as situações. Júlia, uma editora com 37 anos, é perfecionista e tensa. Ao contrário do marido, é tímida e introvertida, caseira, gosta de segurança e sente-se desconfortável diante de imprevistos. É hipercrítica e sob pressão torna-se irritadiça. Nesses momentos, tende a maximizar os problemas e ser conflituosa. Quando ela conta ao marido que a ama não pôs na mala de viagem os remédios do bebé, fala disso com indignação, à espera de que ele a apoie. Talvez até deseje que ele se ofereça para falar com ela. Mas ele assusta-se com tamanha veemência e sugere que ela está a exagerar. Júlia exaspera com a «cegueira» e a «falta de apoio». Carrega nas cores do problema, para tentar convencê-lo da gravidade. Ele irrita-se com a «tempestade num copo de água». Acaba por se afastar e ela sente-se sozinha. Ela pede-lhe que, na manhã seguinte, deixe os documentos do carro na gaveta da sala, mas ele leva-os por engano para o trabalho — afinal, ele é distraído. Indignada por ter de ir de táxi e se atrasar «por causa dele», ela exaspera-se com ele ao telefone. O marido, que não sabe lidar com confrontos, fecha-se. Ela torna-se autoritária: exige uma explicação, não se conforma; mas ele parece ignorá-la! Não entende porque ela é tão severa e rigorosa com coisas tão pequenas, querendo sempre educar todos (a ama, a mãe, a irmã dela e ele). Ela queixa-se de que ele é bruto e desinteressado, sente-se pouco apoiada nas suas responsabilidades e na relação com o stress profissional. Uma vez por mês, ele tem uma grande explosão que culmina numa quase separação. Ser moderadamente obsessiva ou ser mais desatento não são transtornos psicológicos; são traços que, com outros parceiros, poderiam amenizar-se. Mas Júlia e André são psicologicamente incompatíveis e potencializam o que têm de pior. Sobretudo porque não sabem como conviver a dois, algo de que falaremos no próximo capítulo. Porém, mesmo pessoas tão diferentes como eles podem preferir continuar juntos, se outras dimensões do casamento compensarem essas dificuldades. Funcionamento psicológico individual A qualidade do seu funcionamento psicológico individual pode favorecer ou prejudicar o casamento. 25 Miolo Equação do Casamento_A.indd 25 03/03/14 01:49 a equação do casamento Flexíveis e felizes Emília não é tão alegre, otimista e, consequentemente, feliz quanto João, mas é uma pessoa equilibrada por natureza, tem inteligência emocional suficiente para se perceber a si mesma e ao outro, e em geral desfruta da vida e não tem grandes problemas psicológicos. João é daquelas raras pessoas que nasceram com uma inabalável disposição para a felicidade e o bem-estar. Desde pequeno que o seu temperamento é otimista, vitalizado, e exala alegria de viver. Como a maioria das pessoas mais satisfeitas com a vida, Emília e João são menos rigorosos com os pequenos deslizes. Se Emília misturou a papelada da gaveta, João não se importa de arrumar a trapalhada. Ela também não se importa de lavar a louça que ele deixa suja. Não que seja submissa, apenas não se sente explorada. Resolve em minutos o assunto, sem contabilizar quem trabalhou mais. Ambos veem as coisas na devida proporção, não encaram os problemas de modo trágico. Não consideram tudo um ataque pessoal e não contaminam as dificuldades com uma baixa autoestima. Não sobrecarregam o cônjuge, tornando-o responsável pela sua felicidade. Vivem e deixam viver. Não idealizam tanto, exigem menos. Enfatizam mais o lado positivo das coisas. Apesar de tolerantes, pessoas com tais caraterísticas não ficam atoladas em relacionamentos neuróticos ou conflituosos. Ao perceberem que a relação não tem conserto elas têm coragem de romper, sem medo da separação e do conflito. São menos dependentes e aguentam melhor a solidão, sem «asfixiar» o outro. São também mais flexíveis quanto ao leque de parceiros aceitáveis. Podem interessar-se ou apaixonar-se por muitos tipos de pessoas. Usufruem o que a vida real tem para oferecer. Portanto, ser uma pessoa de bem com a vida torna-o compatível com um maior número de parceiros. Mas a maioria das pessoas não é inerentemente tão feliz como João e tão-pouco tão equilibrada como Emília. Pessoas comuns são vulneráveis às adversidades, porosas a críticas, e enfatizam tanto o lado negativo como o positivo — e se o negativo for intenso, elas esquecem o positivo. Na adversidade, podem frustrar-se e tornar-se pessimistas. Também tendem a ser mais dependentes e mais vulneráveis. Precisam de saber o quanto são amadas. É por isso que os ajustes nos outros fatores da equação, que serão explorados um a um neste livro, são tão importantes. E se for como Tiago, o marido rabugento de Daniela? E se pertencer ao grupo de pessoas constantemente pessimistas, desvita26 Miolo Equação do Casamento_A.indd 26 03/03/14 01:49 1. compatibilidade psicológica lizadas, coléricas, ansiosas ou dependentes? A verdade é que se tiver (ou o seu parceiro) sérios transtornos de personalidade ou alterações de humor, não será compatível com a maioria dos outros parceiros. Mas, nalguns casos, mesmo um parceiro com transtornos psicológicos pode valer a pena. Foi o que concluiu Daniela. Marido difícil Tiago é um osso duro de roer, por causa da sua distimia, um quadro psicológico de constante mau humor, pessimismo e ataques de fúria alternados com depressão. Dificilmente encontrará alguém que tenha condições para conviver bem com ele. Não é apenas uma questão de «encaixe» de personalidades, mas também de desequilíbrio psicológico. Tiago é hipercrítico e muito agressivo, mas, apesar das zangas, ela sente-se segura ao lado dele. Tem a sensação de que alguém a orienta, ainda que essa «orientação» surja de modo belicoso. Ela também o acha interessante e atraente. Concluiu que valia a pena investir na relação, desde que aprendesse a lidar com a distimia dele e com as suas próprias vulnerabilidades. Para isso, Daniela teve de aumentar a sua autonomia psíquica, a capacidade de usufruir a vida e a sua habilidade para lidar com as divergências. Estar casado com alguém desequilibrado pode ser uma experiência terrível. É possível que, eventualmente, o seu parceiro o agrida verbalmente, que seja objeto de constante e infundada suspeita, que sofra punições e chantagens emocionais, ou que ele o arraste para a depressão, o pânico ou a ansiedade em que habita. Enfim, nesses casos vive-se num inferno doméstico. Nem sempre percebemos que o nosso parceiro tem um sério problema psicológico. Às vezes atribuímos os conflitos a posturas egoístas ou a uma questão de caráter. Ou então culpamo-nos, achamos que são as nossas falhas que estão a causar tantos conflitos, ou pensamos que é uma «fase», um problema de comunicação. Nem mesmo psiquiatras e psicólogos treinados têm sempre a certeza do que se passa. Mas nem todos os conflituosos têm transtornos de personalidade como Tiago. Nem sofrem tanto como André e Júlia. Ricardo e Patrícia, apesar das queixas, vivem bem, mesmo se às turras. Para 27 Miolo Equação do Casamento_A.indd 27 03/03/14 01:49 a equação do casamento eles, as zangas intensas são um modelo familiar com o qual cresceram; para eles, a disputa desempenha igualmente um papel de estímulo contra o tédio. Vivem entre estalos e beijos. A verdade é que a maioria dos casais não é nem totalmente equilibrada, nem mentalmente perturbada, nem 100% complementar, mas tão-pouco os parceiros são totalmente incompatíveis. A maioria complementa-se nalgumas vertentes e dá-se mal noutras. Por isso, as demais dimensões da equação podem ser determinantes para a sua satisfação matrimonial. Sintonia de temperamentos e estilos O casamento tradicional propõe que unam as suas vidas. Finda a lua de mel irão morar juntos, compartilharão a escolha dos móveis, dos talheres e do tipo de colchão. Coordenarão horários de refeição, terão tempos livres em conjunto e amigos comuns. Presenciarão os momentos menos atraentes e mais mesquinhos de cada um. Tornam-se siameses, e o modo como um respira afeta o outro. Cada aspeto em que não estiverem sintonizados é percebido imediatamente. O seu ritmo no lazer, no trabalho, na vida doméstica, o modo como conversa ou adormece, tudo é notado. E, por saber que sofrerão na pele as consequências das inadequações do outro, tornam-se vigilantes e controladores. Atitudes que antes eram privadas transformam-se em áreas comuns. Sem uma sintonia de temperamentos, estilos e ritmos, o seu dia a dia será desgastante. Não seja você! Mariana, de 32 anos, achava desde o namoro que Paulo, com 35, era demasiado aberto, espalhafatoso e extrovertido. Ficava incomodada com o modo familiar como ele lidava com empregados, funcionários e desconhecidos. Além disso, ele era o «humorista de serviço», o que a deixava constrangida. Também se sentia atropelada pelo seu ritmo acelerado. Quando namoravam, a atração física, o desejo de casar e o carinho de Paulo encobriam os primeiros sinais desses incómodos. Mas achava que com o tempo ele poderia ser mudado. Nascido o pequeno Tomás, e ao instalar-se a rotina no casamento, Mariana começou a exasperar-se. Ela às vezes achava-o insuportável. Tentou abordar o assunto, mas fê-lo de modo agressivo, e ele reagiu no seu estilo bonacheirão, a brincar. Inicialmente ele imaginava que ela es- 28 Miolo Equação do Casamento_A.indd 28 03/03/14 01:49 1. compatibilidade psicológica tivesse mal-humorada, sobrecarregada com o bebé. Na terapia, ambos avaliavam a maioria dos outros itens da equação com notas elevadas, mas as quezílias do quotidiano começavam a contaminar as outras esferas, inclusivamente a sexual. Ao não gostar da maneira de ser do parceiro, de certa forma ela está a pedir-lhe que «não seja ele». O que lhe solicita não são mudanças de atitude, mas de personalidade. Nem sempre é viável mudar uma química de repulsão entre temperamentos incompatíveis. Nesse caso foi possível, porque a repulsa só partia de Mariana e porque havia outros itens que os uniam fortemente. Em terapia, ambos reviram as suas suscetibilidades e trabalharam a capacidade para lidarem com divergências, para no final experimentarem até onde seria possível fazer acordos. Tentar conviver com ritmos, jeitos e temperamentos que não apreciamos é algo que não se «cura», apenas se ameniza. Depois de quatro meses, Paulo e Mariana terminaram a terapia e, oito anos depois, ainda estão juntos. Essa incompatibilidade ficou de certo modo mapeada, pois eles cuidaram dos outros fatores da equação. Costumo examinar com cuidado a química de temperamentos e os ritmos, pois nem sempre a antipatia pela maneira de ser do outro é um problema real. Se se sentir alérgico ao «estilo e maneira de ser» do seu parceiro, pode na verdade estar frustrado com outras dimensões da equação. Como Emília — que, apesar do casamento «perfeito» com João, passou por um período de grande stress, que discutiremos mais adiante. Com tantas divergências, começou a irritar-se com a mera presença do marido e por extensão ficou alérgica ao estilo e à maneira de ser dele (durante uma época não aguentava sequer ouvir a sua voz). Ao contrário de Mariana e Paulo, cujo problema em grande parte estava numa genuína aversão ao temperamento. Alguns casais sofrem uma falta de sintonia de temperamentos e estilos ainda mais séria do que Paulo e Mariana. Não se irritam, não se odeiam, tão-pouco estão ressentidos. Na verdade, não se encaixam nem para «o bem», nem para «o mal». Não há um enlace, não há encanto. O parceiro é visto como «bonzinho» mas sem encanto, sem graça. Isso geralmente está ligado a um desinteresse sexual, talvez até a uma crescente aversão sexual, ainda que o parceiro tenha boa aparência e seja competente na cama. Mas, mesmo que o problema sexual pareça ser a causa da falta de encanto, na 29 Miolo Equação do Casamento_A.indd 29 03/03/14 01:49 a equação do casamento verdade, se achar o seu parceiro sem graça isso tenderá a incidir simultaneamente em todas as atividades ligadas ao prazer. Marido «bonzinho» Carlos, com 38 anos, descobriu que Carla teve um caso extraconjugal. Estavam casados havia oito anos, sem filhos. Ele entrou em depressão. Carla, de 35, embora aprecie o caráter de Carlos e ache o parceiro inteligente e atraente, sente por ele apenas um amor fraternal. Não vê nele graça ou encanto. Ele parece-lhe apagado, desinteressante, sem iniciativa, pouco imaginativo, demasiadamente cordato. É um «pãozinho sem sal». Quanto aos outros itens da Equação do Casamento, estão entre médios e bons. Embora tenham afinidades, apreciem as mesmas atividades e compartilhem os mesmos projetos de vida, ela sente-se triste a seu lado. Sente mais solidariedade do que atração, e culpa-se por ter casado sem estar apaixonada (embora à época isso não fosse tão claro). Pensa que Carlos «merece alguém que realmente o ame». De facto, a Carlos faltava carisma, entusiasmo, vibração e autonomia psíquica, nos campos do prazer e dos interesses próprios. Ao longo da terapia de casal ele veio a diversas sessões individuais, durante as quais pôde avançar muito nesse aspeto. Foram então abordadas a sua baixa autoestima, uma discreta depressão subclínica e a falta de hábitos e de traquejo em procurar prazer e autonomia. Apesar de no final se terem separado, Carlos obteve muitos benefícios psicológicos no fim do processo. A rejeição que sofreu por parte de Carla serviu-lhe de «abanão» para se rever. A sua natureza obviamente não mudou, mas, a seu modo, ele transformou-se numa pessoa mais interessante, mais satisfeita e independente. Hoje está casado e tem filhos com uma mulher muito mais compatível com as suas caraterísticas. Carla também não se arrepende de se ter separado e descobriu que pode viver bem sozinha, embora ainda esteja a experimentar e a conhecer diversos novos parceiros (inclusivamente uma intensa relação de seis meses com uma mulher). Como é possível que tenha casado e só após alguns anos chegado à conclusão de que, na verdade, acha o seu parceiro «sem sal»? Talvez isso já existisse antes. Pode ter casado porque precisava de superar uma deceção amorosa (como Carla, que escolheu alguém que «não a faria sofrer»). Ou porque achou que era a hora de constituir uma família e casou por inércia ou influência do meio, 30 Miolo Equação do Casamento_A.indd 30 03/03/14 01:49 1. compatibilidade psicológica por pressão do parceiro, que, embora fosse pouco estimulante, era confiável, uma «ótima pessoa», «a pessoa certa para mim». Enfim, uma mescla de autoengano e opção consciente. Ou o seu parceiro já foi mais carismático e, ao longo da vida, perdeu a cor e esmoreceu perante sucessivas frustrações, ou você mudou e já não vê encanto nele, que continua o mesmo. Mariana, de quem ainda falaremos, também tinha queixas de Rogério, o seu marido tímido e «velho de mais para ela». Acabou por descobrir que, na verdade, ela se considerava a si mesma «sem graça», e precisava de um parceiro que suprisse o seu défice. Esperava do parceiro, supostamente «sem graça», excecionais vitalidade e entusiasmo, que valessem pelos dois. Como ele era apenas uma pessoa comum, parecia-lhe insuficiente. Também Mariana pôde moderadamente melhorar o seu próprio encanto e graça. Durante muito tempo, Carla resistiu a encarar o que se passava. Em geral, isso não funciona. Ocorrem sonhos reveladores, ou surge uma paixão por outra pessoa, ou uma depressão, eventualmente adoece-se ou sente-se uma «inexplicável» raiva do parceiro, que em si mesmo é «uma ótima pessoa». Há casos mesmo de reações alérgicas à genitália do companheiro, como Miguel em relação a Catarina, cujo caso discutiremos mais adiante. ** Se, como a maioria, não for tão complementar com o seu parceiro, ou se individualmente não for muito equilibrado e tiver dificuldades com diversos aspetos dos temperamento e estilo do cônjuge, será importante aprender mais sobre a arte de conviver a dois, que será o tema do próximo capítulo. 31 Miolo Equação do Casamento_A.indd 31 03/03/14 01:49