Quem ama cuida, Siron Franco e Goiânia
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Quem ama cuida, Siron Franco e Goiânia
• • • turista na sua cidade QUEM AMA CUIDA! co Isis Fran Siron Franco, pintor goiano reconhecido internacionalmente, aponta as belezas de sua cidade e adverte para a necessidade de preservação urbana e ambiental asci em Goiás Velho colonial, me mudei para Goiânia art déco e hoje, olhando da minha janela, tudo parece igual, sem graça e sem personalidade. É importante resgatar o que tem significado.” Com o olhar sempre atilado e voz ativa na defesa de valores humanos, o artista plástico Siron Franco avalia o cenário da cidade onde cresceu e impulsionou sua obra, reconhecida internacionalmente por uma estética própria e de grande força. Sua experiência por cidades do mundo e sua preocupação conservacionista também o fazem questionar: “Por que temos de viajar para fora para ver cidades preservadas, com praças e prédios baixos, e não olhamos para as nossas? Por que plantamos árvores que não são do nosso bioma?” Goiânia, cidade planejada para ser a capital do estado de Goiás (desde 1937), com mais de 1,2 milhão de habitantes, é para Siron “ainda jovem e bonita; o comércio é forte e tem loja boa de tudo. É um centro médico, temos designers e jovens arquitetos interessantes, embora falte uma grande biblioteca. Mas a cidade ganhou o Centro Cultural Oscar Niemeyer, para espetáculos de maior porte”.Ainda segundo o artista, o setor residencial original da cidade transformou-se em espigões e não há mais harmonia. Resta a esperança de que um novo plano diretor gere essa harmonia. Enraizado no Planalto Central, o pintor, desenhista e escultor Siron Franco, que fará 60 anos, afirma que seu lugar de trabalho é no mato. O artista começou sua trajetória na década de 1960 fazendo retratos e foi desenvolvendo sua criação tanto em Goiânia como nos ateliês que N “ 62 HosT fevereiro / março 2007 Fotos: Siron Franco Michel Gorski O art déco inspirou a construção dos primeiros prédios de Goiânia, como a Torre do Relógio (página ao lado), o Teatro Municipal (ao lado), a antiga Estação Ferroviária (acima, à direita) e até mesmo o coreto da praça (acima, à esquerda) teve em São Paulo e na Europa. Quando não está em seu ateliê, Siron registra o que vê em fotografias, desenhos e experimentos artísticos: “Pela manhã, coloco um papel branco do lado de fora da janela do meu apartamento e quando volto, à noite, está preto. É como lá em São Paulo”. Olhando as fotografias das vistas emolduradas pelas janelas dos edifícios, comenta que as luzes enganam, “a cidade à noite, do alto, parece Nova York”. Ao caminhar nos parques da cidade, Siron aprecia e ao mesmo tempo sofre ao ver nos córregos localizados nos fundos de vale a realidade de sua cidade.“Estamos poluídos, e a população ainda não acordou, é muita água!” O artista, que sempre participou de movimentos associados à preservação ambiental, conclui:“O que tanto se falou a partir dos anos 1960 aconteceu. Não respeitamos a natureza e impermeabilizamos muito, agora a ETE (estação de tratamento de esgotos) da cidade é nossa esperança, com a coleta de todo o esgoto, mas o tratamento ainda é primário”. Goiânia tem um trânsito complexo, com automóveis na mesma proporção que São Paulo – um para cada dois habitantes –, e a maior revolta de Siron com a sua cidade é o descaso com que se trata o problema.“É o pior trânsito do mundo, caótico, já perdi três sobrinhos em acidentes, tenho filhos, e a questão é de educação, que tem de começar em casa.” Diferentemente de Brasília, tão próxima, que poderia multiplicar a experiência de mudança de postura em relação ao trânsito, “aqui falta sinalização, e quem vem de fora não se encontra, todo mundo aprendeu a correr e o maior perigo hoje em Goiânia é atravessar a rua”, afirma enfaticamente. Siron sempre realizou muitas intervenções artísticas na cidade e seus arredores, e está sempre batalhando para a conservação das suas e de outras obras de arte espalhadas pela cidade. Ao dizer que ainda pretende fazer o Museu do Césio (referência ao gravíssimo acidente radioativo com o césio 137, ocorrido na cidade em setembro de 1987), mostra que a preservação da memória de uma cidade está muito além da recuperação dos sítios históricos. O acidente ocorreu na Rua 57, onde Siron residira por muitos anos, e sob seu impacto criou uma série de pinturas chamada Césio, que se tornaram das mais conhecidas do artista. Entre as obras mais expressivas que Siron Franco realizou na região destaca-se o Monumento às Nações Indígenas, um memorial composto por centenas de totens verticais de concreto, formando uma espécie de labirinto.Visto de cima, o conjunto traça o mapa do Brasil. Estão representados nas faces dos totens, em altos e baixos-relevos, os fevereiro / março 2007 HosT 63 • • • turista na sua cidade vestígios e testemunhos da presença de nossos milenares ancestrais no território nacional. A megainstalação, localizada em Aparecida de Goiânia, cidade conurbada com a capital, encontra-se danificada por atos de vandalismo e faz parte da lista do artista de espaços a ser recuperados na paisagem urbana de Goiânia. Parque da Vaca Brava: protegido pela população vizinha É preciso um tempo para contemplar o indicar os locais de que mais gosta em Goiânia – e são muitos –, Siron Franco lembra que devemos apreciar e, principalmente, contemplar uma cidade deixando um pouco de lado a mania atual de interação rápida. Em sua definição, “é como uma festa cheia de gente em que você vê todo mundo, mas não encontra ninguém”. Ele ainda sugere que a capital se articule como o centro receptivo de roteiros para Goiás Velho, Pirenópolis e outros pontos turísticos regionais. A e a mineira. Os lugares onde faz questão de marcar ponto e também levar os visitantes que sempre recebe são: o Café J. Pereira, da Rua 55, para comer pão de queijo, broas e pão de arroz, há 40 anos um ponto de encontro tradicional; o Frutos da Terra, uma pamonharia com muita variedade de opções; e o Piquiras, com alguns endereços, que conseguiu ser restaurante e também bar com empório, tudo com muita qualidade, “coisa de metrópole”, define Siron Franco. No núcleo central da cidade, a partir da Praça Cívica, pode-se apreciar um conjunto de edificações em estilo art déco tardio e simplificado, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que abre uma perspectiva pela Avenida Goiás até a antiga Estação Ferroviária, transformada em espaço cultural. Siron destaca o Palácio das Esmeraldas (“solto na paisagem era melhor, antes de fazerem o centro administrativo atrás”) e o Teatro Goiânia como seus preferidos, além de locais como o Grande Hotel, a Torre do Relógio, o coreto da Praça Cívica, a residência de Pedro Ludovico e o prédio da Escola Técnica. Um pouco da natureza, na cidade – Goiânia conseguiu manter muitos espaços abertos públicos, e se orgulha deles. Os goianos definitivamente adotaram o hábito de caminhar e correr nos parques e grandes praças da cidade – curiosamente, mais do lado de fora dos parques, aproveitando o maior percurso e o pavimento contínuo, mas sob o sol abrasador. Siron, que costuma caminhar no Parque do Areião (do lado de fora também), indica seus espaços abertos favoritos, em que a natureza contrasta com as construções e ajuda a amenizar a temperatura e aumentar a umidade, em geral muito baixa na região.“No Mutirama, que é parte do Parque do Botafogo, há o Planetário e um parque de diversões, que ficou decadente, mas é lindo e merece ser recuperado no mesmo espaço, pois é uma tradição a ser mantida.” Ele também aponta o Lago das Rosas, muito popular e que tem exemplos do estilo art déco (muros e trampolim). Lá também está o Zoológico, que sempre tem sua remoção anunciada para adequar os animais em outros espaços mais generosos. “O Vaca Brava é um parque novo, fruto de uma compensação ambiental em acordo com o poder público. É um exemplo a ser seguido, pois é muito protegido pela população da vizinha.” O centro da cidade – Prazeres goianos – O artista plástico associa várias atividades que caracterizam sua cidade. “Tem uma vida noturna ativa, muitas universidades, gatas jovens, muitos talentos musicais, não só sertanejos como Bruno e Marrone, Zezé Di Camargo e Luciano, Leonardo, curtidos pela classe média, mas principalmente barzinhos interessantes em cada esquina e para todas as tribos.” Siron curte muito a comida caseira goiana (galinhada, angu, pequi, guariroba, quiabo, jiló, frango à caipira e cabidela, carne com verdura e milho), sabores que situa geograficamente entre a comida crioula de Cuba (Dedicado a Federico Mengozzi) 64 HosT fevereiro / março 2007